CUIABÁ (MT) • ITACOATIARA (AM) Rota das águas Com investimentos de R$ 163 milhões em portos, hidrovia do Madeira terá expansão de 40% no transporte de grãos , Texto Rodrigo Vargas * Fotos Emiliano Capozoli i i Comboio de barcaças viaja s 4 horas da tarde de uma terçafeira, o capitão Paulo Fernandes, com mais de 46 anos de experiência em navegação pela Amazônia, inicia os preparativos para mais uma viagem. Sob sua responsabilidade, o comando do empurrador Jaime Ribeiro, com 5.000 cavalos-vapor de potência. Assim que a chuva para, o comandante emite um alerta. A tripu1ação se posiciona, e logo se ouve o ronco dos motores em ignição. Marinheiros de primeira viagem, decidimos embarcar em Porto Velho (RO)com o ca- três dias pela Amazônia 44 GLOBO RURAL I MAIO 2015 pitão, sua equipe e um comboio de 20 barcaças para uma travessia pelas águas da maior floresta tropical do planeta. A missão: levar 40.000 toneladas de soja para forrar os porões de um navio atracado em Itacoatiara (AM),a mais de 1.000 quilômetros dali. O transporte fluvial de grãos pela calha dos rios Madeira e Amazonas leva três dias. Apesar de complexa, por exigir profundo conhecimento do ecossistema local, a operação tem se intensificado. Investimentos privados em armazenamento e embarque à beira dos rios alavancam a exportação de commodities por essa rota, que no ano passado escoou 3,5 milhões de toneladas de soja e milho para o exterior. Até o ano que vem, o volume será 43% maior, segundo os operadores. Um incremento de 1,5 milhão de toneladas. Em Porto Velho, um novo terminal de transbordo de cargas está sendo inaugurado nesta safra. A estrutura, que custou R$ 120milhões, erguida na localidade de Portochuelo - a 18quilômetros do porto atual -, tem quatro tombadores para caminhões de grande porte e capacidade de estocar 80.000 toneladas. A Hermasa, empresa que administra o porto, espera ganhar eficiência e encher os comboios de 20 barcaças em dez horas. "Neste ano, vamos embarcar 1milhão de toneladas só na nova estrutura", diz Hermenegildo Alves Pereira, gerente da Hermasa. No terminal de Itacoatiara, no coração da Amazônia, a estrutura também vem sendo preparada para atender ao aumento da demanda. Um guindaste flutuante gigantesco acaba de ser instalado. A tecnologia importada é inédita no Brasil e agiliza o carregamento nos navios, pois não há a necessidade de depositar os grãos nos armazéns para depois transportar por meio de correias até os porões. Com um imenso agarrador na ponta do braço de ferro, o guindaste fica posicionado entre as duas embarcações. Ele cata a carga das barcaças e despeja os grãos diretamente nos navios. "Essa tecnologia é muito usada na hidrovia do Mississippi, nos Estados Unidos. Com ela, vamos dobrar a velocidade da operação aqui no terminal", conta Daniel Mulatti, gerente do terminal. De todo o volume que chega a Itacoatiara, 22% ainda seguem até o Porto de Santarém (PA)para realizar a mesma manobra de transbordo das barcaças para os navios. Chegando a Porto Velho, um complicado r é o acesso ao porto público, que é feito por uma avenida que atravessa a área urbana da capital. Outra dificuldade é a própria área do porto, antiga e acanhada, que é compartilhada por diversas outras empresas de navegação. Otempo médio para um caminhão concluir a descarga varia entre cinco e dez horas, em média. Com dois tombadores e estrutura de armazenagem para 40.000 toneladas, a Amaggi é a única empresa a operar com grãos no terminal. A Cargill, que também transporta grãos pelo Madeira desde 2002, tem urna estrutura em área própria, fora do porto público. Na hidrovia propriamente dita, também há lirnitantes. Os grandes comboios de 40.000 toneladas só podem ser conduzidos rio abaixo nos períodos de cheia, de dezembro a maio. "Nopico da seca, em setembro, temos de reduzir os comboios e a carga das barcaças. De 40.000 toneladas, passamos a navegar com apenas 9.000", explica o gerente da Hermasa em Porto Velho. Com 18 anos, a hidrovia do Rio Madeira transporta 10% da soja e quase 15% do milho produzidos em Mato Grosso. Sonho de muitos, o escoamento de grãos pelo Rio Madeira tornou-se realidade a partir de uma PPP Paulo Fernandes, capitão da embarcação que "empurra" soja pela rota do Rio Madeira Longo percurso o trajeto dos grãos exportados pela Amazônia é longo. Das lavouras até o navio, gastam-se de sete a oito dias. Uma série de variáveis interfere no cronograma dessa viagem. A principal delas é o trecho rodoviário de 1.000 quilômetros entre Mato Grosso e Rondônia pela perigosa BR-364. Com a restrição ao tráfego noturno para caminhões de nove eixos, o tempo médio da viagem, que era de 18 horas, hoje é de pelo menos dois dias. Ainda é preciso vencer urna sucessão de buracos e valetas em vários pontos da estrada. MAIO 2015 IGLOBO RURAL 45 A ALTERNATIVA PELO MADEIRA IMPULSIONOU O PLANTIO DE GRÃOS NO OESTE DE MATO GROSSO .. •• foram pouco mais de 300,000 toneladas, "Eram duas balsas por vez, Depois, passamos para quatro, seis, Hoje, a gente vê esse comboio com 20 balsas e quase não acredita, Parece um sonho", relata o capitão Fernandes, o mais experiente da Herrnasa. • Impacto no campo ilhena Sapezal Campo Novo do Parects ma BR~3{jil .8R,'lb3 Diário de bordo Acompanhe o Caminhos da Safra em tempo real no site caminhosdasafra.com.br 46 GLOBO RURAL I MAIO 2015 (parceria público-privada) firmada em 1995 entre o Grupo André Maggi e o governo do Amazonas, A ideia havia surgido seis anos antes, como conta o senador Blairo Maggi (PR), um dos acionistas do grupo, "Quando nos instalamos na região oeste, onde hoje é Sapezal, já sabíamos que mandar a produção ao Sul era brigar com a lógica, Foi quando soubemos que haveria um encontro para discutir uma hidrovia no Madeira", relata, O ano era 1989, A ideia ganhou corpo em 1994, quando o Grupo André Maggi assinou um protocolo de intenções com o governo do Amazonas, "Criamos a Hermasa, com participação societária do governo do Amazonas, e o projeto começou a andar." Inaugurada em 12de abril de 1997,a hidrovia começou a operar de forma modesta, No primeiro ano, Para municípios como Sapezal (no oeste matogrossense), hoje um dos maiores produtores de grãos do país, a alternativa de escoamento foi o impulso que faltava, pois deixaram de depender dos portos de Santos (Sp) e Paranaguá (PR),Pudera: a região oeste viu encurtar em 5,000 quilômetros sua distância até o Porto de Rotterdam, na Holanda. Com 1,1milhão de hectares plantados na safra 2014/2015, a região oeste de Mato Grosso colheu mais de 3,5 milhões de toneladas de soja, segundo estimativa do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (lmea). Nos últimos cinco anos, o volume produzido cresceu 24,9%, atingindo mais de 12%do total produzido no Estado, Nem sempre foi assim. Quando chegou à região onde hoje está o município de Campo Novo do Pareeis (a 400 quilômetros de Cuíabá), em 1983, o agricultor paranaense Júnior Utida, de 55 anos, encontrou um cenário em que praticamente tudo estava por fazer, "Era um vazio em termos de estrutura, mas com terras planas, agricultáveis e com grande potencial", lembra, ,'Imaginávamos uma maneira de evitar Paranaguá (PR), a 2.400 km" Junior Utida, produtor rural de Campo Novo do Parecis (MT) Realização: No final da década de 1990, quando a discussão sobre o aproveitamento do Madeira começou a florescer, Utida já plantava 1.100hectares, sendo 400 hectares com soja. "Todos imaginávamos uma maneira de evitar Paranaguá (PR), que fica a 2.400 quilômetros daqui, por rodovia", lembra Utida. Quando se tornou realidade, a hidrovia representou uma economia de até US$ 30 por tonelada, em média. Uma diferença que, na opinião de Blairo,"sustentou" a consolidação da agricultura na região. A influência não se restringiu a Mato Grosso. A região de Vilhena (RO),que já tinha visto fracassar uma experiência com o plantio de soja no início da década de 1980,em razão da logística deficiente, voltou a receber investimentos na cultura. Catarinense de Ibirama, o empresário Jaime Bagattoli, de 55 anos, já era um grande pecuarista quando decidiu, há 15 anos, investir na produção de grãos para exportação. Hoje,planta mais de 6.000 "Sem a hidrovia, ficaria muito caro plantar soja na região" Jaime Bagattoli, produtor rural de Sapezal (MT) Patrocinio: hectares (soja e milho) e sua produção é 100% escoada pelo Madeira. "Sem a hidrovia, ficaria muito caro plantar soja nesta região." Gerente da Hermasa, Mulatti, Daniel e o novo guindaste Itacoatiara em (AM) Custos Nenhuma das trades que transportam grãos pelo Madeira revela o custo por tonelada do trecho hídroviário. Trata-se, segundo a Amaggi, de uma informação "estratégica e, por isso, reservada". Quando se considera apenas o trecho rodoviário entre a região oeste de Mato Grosso e os principais destinos graneleiros do país, a vantagem é inegável. De Campo Novo do Parecis, por exemplo, a opção por Porto Velho representa 42% de economia em relação a Santos e 39% quando se considera a opção por Paranaguá, segundo cálculos do Imea. Muitos produtores da região, porém, se queixam de que a alternativa pelo Norte resultou em ganhos inferiores ao prometido no início. A maior parte da diferença no frete, diz o produtor Diego Dalmaso, de 27 anos, "fica do lado de fora da porteira". "Ahidrovia é importante, sim, mas nunca rendeu aos produtores aquilo que se imaginava", afirma ele, que cultiva 1.300 hectares com soja e milho em Sapezal. Para Pablo Ienroller, produtor do munícipio, a chave para tornar maís vantajosa a rota por Porto Velho é a concorrência. "Precisamos da ferrovia, de consórcios de produtores, alternativas que permitam que a economia prometida fique em nosso bolso", diz. li!! 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