TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2011.0000033315
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 908915005.2001.8.26.0000, da Comarca de Jaboticabal, em que são apelantes CARLOS
ALBERTO VICENTE BARBOZA, VALERIA TITO TEIXEIRA BARBOZA e
COMPANHIA DESEN HAB URB EST S PAULO CDHU sendo apelados
MUNICIPALIDADE DE JABOTICABAL e CARLOS ALBERTO VICENTE
BARBOZA.
ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao
recurso dos autores e negaram provimento ao recurso da ré, V.U.", de conformidade
com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
GRAVA BRAZIL (Presidente) e PIVA RODRIGUES.
São Paulo, 1 de março de 2011
Antonio Vilenilson
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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Voto nº 11099
Apelação Cível nº 9089150-05.2001.8.26.0000 (994.01.056967-2) Jaboticabal
Apelantes: Carlos Alberto Vicente Barboza, Valeria Tito Teixeira Barboza e
Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Estado de São Paulo CDHU
Apelados: Municipalidade de Jaboticabal, Carlos Alberto Vicente Barboza,
Valeria Tito Teixeira Barboza e Companhia de Desenvolvimento Habitacional
do Estado de São Paulo CDHU
1) LOTEAMENTO
REGULARIZAÇÃO O O
MUNICÍPIO DEVE PROMOVER O ADEQUADO
ORDENAMENTO
TERRITORIAL,
INCLUSIVE
PROMOVENDO
A
REGULARIZAÇÃO
DE
LOTEAMENTOS.
2)AS NORMAS DA E. CORREGEDORIA GERAL DE
JUSTIÇA NÃO PERMITEM QUE O LOTEADOR E O
MUNICÍPIO
FIQUEM
DISPENSADOS
A
REGULARIZAR O LOTEAMENTO JUNTO AO
REGISTRO
IMOBILIÁRIO
POR
TEMPO
INDETERMINADO.
A r. sentença de fls. 181-187, da lavra do eminente Juiz de
Direito Dr. Antonio Roberto Borgatto, cujo relatório adoto, julgou
procedente ação de obrigação de fazer cumulada com pedido cominatório
movida por compromissário comprador de imóvel contra a CDHU para
regularização do empreendimento no Cartório de Registro de Imóveis em
seis meses, sob pena de multa cominatória de cinquenta reais por dia. Em
relação ao Município de Jaboticabal, extinguiu o processo sem julgamento
do mérito, por ilegitimidade passiva.
Apelam os autores. Reclamam do excessivo prazo concedido
à CDHU para regularização do imóvel. Dizem que a multa arbitrada
(cinquenta reais por dia) é irrisória; querem um salário por dia de
Apelação nº 9089150-05.2001.8.26.0000 - Jaboticabal - VOTO Nº 11099
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descumprimento. Insistem na responsabilidade do Município. Invocam
doutrina, lei e jurisprudência.
Apela também a CDHU. Diz que, na qualidade de agente do
SFH, construiu o conjunto habitacional com recursos advindos do Tesouro
paulista. Acredita que se aplica ao caso o Provimento nº 58/89 da e.
Corregedoria da Justiça do Estado de São Paulo. Informa que está a
providenciar a regularização do empreendimento, que, no entanto, depende
de uma série de documentos e aprovações. Tem para si que não é sua a
culpa pela morosidade. Acredita que não pode ser responsabilizada pelo
que não depende de sua vontade.
Recebido o recurso, vieram contrarrazões.
Sobreveio notícia de que o loteamento foi levado à averbação
no Cartório de Registro de Imóveis (fls. 120-128)
Esse o relatório.
É pacífico na jurisprudência que o Município deve ser
responsabilizado pela regularização dos loteamentos:
RECURSO
ESPECIAL.
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.
REGULARIZAÇÃO DO SOLO URBANO. LOTEAMENTO.
ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE
PASSIVA.
Nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso
VIII, compete aos Municípios "promover, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
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controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano." Cumpre, pois, ao Município regularizar o
parcelamento, as edificações, o uso e a ocupação do solo,
sendo pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual
esta competência é vinculada. Dessarte, "se o Município
omite-se no dever de controlar loteamentos e parcelamentos
de
terras,
o
Poder
Judiciário
pode
compeli-lo
ao
cumprimento de tal dever" (REsp 292.846/SP, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, DJ 15.04.2002). No mesmo
sentido: REsp 259.982/SP, da relatoria deste Magistrado, DJ
27.09.2004; Resp 124.714/SP, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ
25.09.2000; REsp 194.732/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ
21.06.99, entre outros. Nesse diapasão, sustentou o
Ministério Público Federal que "o município responde
solidariamente pela regularização de loteamento urbano ante
a inércia dos empreendedores na execução das obras de infra
estrutura" (fl. 518). Recurso especial provido, para concluir
pela legitimidade passiva do Município de Catanduva. (STJ REsp 432531 / SP - Ministro FRANCIULLI NETTO SEGUNDA TURMA - DJ 25/04/2005 p. 265)
RECURSO
ESPECIAL.
LOTEAMENTO
DIREITO
IRREGULAR.
URBANÍSTICO.
MUNICÍPIO.
PODER-
DEVER DE REGULARIZAÇÃO.
1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado
à luz da Constituição Federal e da Carta Estadual.
2. A Municipalidade tem o dever e não a faculdade de
regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo,
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para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bemestar da população.
3. As administrações municipais possuem mecanismos de
autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de
loteamentos clandestinos e irregulares, sem necessitarem
recorrer a ordens judiciais para coibir os abusos decorrentes
da especulação imobiliária por todo o País, encerrando uma
verdadeira contraditio in terminis a Municipalidade opor-se
a regularizar situações de fato já consolidadas.
4. A ressalva do § 5º do art. 40 da Lei 6.766/99, introduzida
pela lei 9.785/99, possibilitou a regularização de loteamento
pelo Município sem atenção aos parâmetros urbanísticos
para a zona, originariamente estabelecidos. Consoante a
doutrina do tema, há que se distinguir as exigências para a
implantação de loteamento das exigências para sua
regularização. Na implantação de loteamento nada pode
deixar de ser exigido e executado pelo loteador, seja ele a
Administração Pública ou o particular. Na regularização de
loteamento já implantado, a lei municipal pode dispensar
algumas exigências quando a regularização for feita pelo
município. A ressalva somente veio convalidar esse
procedimento, dado que já praticado pelo Poder Público.
Assim, com dita ressalva, restou possível a regularização de
loteamento sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a
zona. Observe-se que o legislador, no caso de regularização
de
loteamento
pelo
município,
podia
determinar
a
observância dos padrões urbanísticos e de ocupação do solo,
mas não o fez. Se assim foi, há de entender-se que não
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desejou de outro modo mercê de o interesse público restar
satisfeito com uma regularização mais simples. Dita exceção
não se aplica ao regularizador particular. Esse, para
regularizar o loteamento, há de atender a legislação vigente.
5. O Município tem o poder-dever de agir para que o
loteamento urbano irregular passe a atender o regulamento
específico para a sua constituição.
6. Se ao Município é imposta, ex lege, a obrigação de fazer,
procede a pretensão deduzida na ação civil pública, cujo
escopo é exatamente a imputação do facere, às expensas do
violador da norma urbanístico-ambiental.
5. Recurso especial provido. (STJ - REsp 448216 / SP Ministro LUIZ FUX - PRIMEIRA TURMA - DJ 17/11/2003
p. 204)
Tanto é assim que a notícia de que o loteamento está averbado
no Cartório de Registro de Imóveis foi dada pelo próprio Município de
Jaboticabal (fls. 120).
Assim, o Município é parte legítima para figurar no polo
passivo da ação.
Superada a questão da legitimidade, é admissível o exame do
mérito, na conformidade do art. 515, §3º, do CPC. Convém recordar que: a
aplicação prática do art. 515, §3º independe de pedido expresso do
apelante; basta que o tribunal considere a causa pronta para o julgamento
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(STJ
4ª T., REsp 836.932, Min. Fernando Gonçalves, j. 6.11.08, DJ
24.11.08)
Tanto o Município quanto a CDHU têm o dever de regularizar
o loteamento, possibilitando aos autores a obtenção da Escritura Pública e
respectiva averbação no Cartório de Registro de Imóveis. De se lembrar
que os autores cumpriram corretamente sua obrigação contratualmente
prevista, quitando o imóvel, conforme reconhece a própria CDHU (fls. 9).
Não vinga a alegação da CDHU de que a ela se aplicaria o
Provimento nº 58/89 da e. Corregedoria da Justiça do Estado de São Paulo.
Tal provimento não permite que as rés posterguem indefinidamente a
obtenção, pelos adquirentes do imóvel, do registro de seu direito real, sob
pena de se violar o princípio da segurança jurídica.
Neste ponto, peço licença para reproduzir trecho do voto
proferido pelo culto desembargador Laerte Sampaio no julgamento da AC
nº 122.108-5/1:
“As Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais, ao tratar
do parcelamento do solo junto ao registro imobiliário, definiu conjunto
habitacional como 'o empreendimento em que o parcelamento do imóvel
urbano, com ou sem abertura de ruas, é feito para alienação de unidades
habitacionais já edificadas pelo próprio empreendedor' (156.1). Distinguiuo do loteamento por entender que havia uma situação nova consistente no
parcelamento do solo com concomitante edificação nos lotes. Mas tratou
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diferentemente o empreendedor do conjunto habitacional quer fosse um
particular quer uma das pessoas jurídicas referidas no art. 8º da Lei nº
4.380/64. Enquanto o particular ficou jungido ao preenchimento das
formalidades do art. 18 da Lei nº 6.766, as demais foram dispensadas das
mesmas 'salvo se o exigir o interesse público ou a segurança jurídica'
(156). E caracterizou interesse público e segurança jurídica como o
atendimento aos requisitos básicos para assegurar, dentre outros, aspectos
urbanísticos, ambientais, jurídicos, registrários e protetivos dos adquirentes
(156.3). Em seguida disciplinou a averbação das construções na matrícula
(157) exigindo o preenchimento de formalidades que objetivam,
basicamente, à registrabilidade dos títulos de aquisição (157.1).
“Parece certo afirmar que a Egrégia Corregedoria Geral da
Justiça, objetivando facilitar a regularização de loteamentos pelas
Prefeituras Municipais ao mesmo tempo que afastou a incidência dos
artigos 18 e 19 da Lei nº 6.766, relacionou as formalidades, que considerou
essenciais, para atingir-se aquele fim (152, 152.1). O mesmo proceder
alvitrou para a regularização dos conjuntos habitacionais cujos
empreendedores fossem as pessoas indicadas pelo art. 8º da Lei nº 4.380.
“A Lei nº 9.785/99 apontou para a mesma direção. Objetivou
facilitar e assegurar a implantação de parcelamento popular, destinado às
classes de menor renda, iniciando com alterações do Decreto-lei 3.365/41
(art. 5º, “i” e § 3º) e da Lei nº 6.015/73 (art. 167, I, “36”). Procedeu a
alterações da Lei nº 6.766/85 estabelecendo uma infraestrutura básica dos
parcelamentos por interesse social (art. 2º, § 6º), dispensa do título de
propriedade e elaboração de contratos de cessão na pendência da
desapropriatória para fins de parcelamento popular, com eficácia para
serem considerados títulos para efeito de registro (art. 18, §§ 4º, 5º; 26, §§
3º, 4º, 5º e 6º). E acrescentou, expressamente, mais um artigo (53-A) para
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considerar de interesse público os parcelamentos vinculados a planos ou
programas habitacionais de iniciativa das Prefeituras Municipais e do
Distrito Federal, ou entidades autorizadas por lei, em especial as
regularizações de parcelamento e de assentamentos. O parágrafo único
previu a exigência da documentação mínima e indispensável aos registros
no cartório competente, somente vedando as que visem garantir a
realização de obras e serviços, ou que visem a prevenir questões de
domínio de glebas, que se presumirão asseguradas pelo Poder Público
respectivo.
“O que parece contraditório e inadequado ao sistema
registrário é admitir-se que, no campo do parcelamento do solo, em que se
insere a modalidade do conjunto habitacional, o interesse público ou a
segurança jurídica possam exigir ou não o cumprimento de determinadas
formalidades. Como se demonstrou, o interesse público, no qual se insere o
escopo da segurança jurídica, plasma todo sistema cadastral de propriedade
de forma que a exigência ou não das formalidades, visando atingir tal
finalidade, não pode ficar ao alvedrio do humor das autoridades públicas
em cada caso concreto. Daí entender-se que existe uma documentação
mínima necessária e indispensável aos registros no cartório competente,
justamente como garantia mínima da registrabilidade dos contratos.
“Retira-se do somatório dos princípios informadores dos
registros públicos, dentre os quais se insere os previstos pela Lei nº 6.766,
com o objetivo da facilitação da regularidade dos empreendimentos
sejam simples loteamentos quer conjuntos habitacionais
quer
que os seus
responsáveis tem o dever jurídico de preencher formalidades mínimas,
como as previstas nas normas números 152.1 e 157.1, sob pena de serem
compelidos a faze-lo mediante adequado provimento jurisdicional
demandado por ação civil pública. E para tanto está legitimado ativamente
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o Ministério Público, conforme acima demonstrado. E no pólo passivo
devem se situar não só os empreendedores, inclusive as figuras
relacionadas no art. 8º da Lei nº 4.380/64, mas também o Município, a
quem a Lei 6.766 impôs o dever de regularizar loteamentos e, portanto,
conjuntos habitacionais.”
A multa arbitrada não comporta alteração, pois cumpre o
objetivo legal. É bom não esquecer que a multa não tem finalidade punitiva
e não deve ensejar enriquecimento sem causa; sua finalidade da multa é
precipuamente coercitiva:
“A multa não tem caráter compensatório, indenizatório ou
sancionatório. Muito diferentemente, sua natureza jurídica repousa no
caráter intimidatório, para conseguir, do próprio réu, o específico
comportamento (ou abstenção) pretendido pelo autor e determinado pelo
magistrado. É, pois, medida coercitiva (cominatória). A multa deve agir no
ânimo do obrigado e influenciá-lo a fazer ou não fazer a obrigação que
assumiu. Daí ela deve ser suficientemente adequada e proporcional para
este mister.” (comentário ao art. 461 de Cássio Scarpinella in Código de
Processo Civil Interpretado, coord. Antonio Carlos Marcato, 3ª edição
revista e atualizada, Ed. Atlas, 2008, p. 1474).
Apesar de haver notícia da averbação do conjunto
habitacional, não há notícia de que foi lavrada a escritura definitiva da
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venda e compra, prometida na cláusula vigésima oitava (fls. 21 v.) do
contrato e requerida pela inicial.
Pelas razões expostas, dou parcial provimento ao recurso dos
autores e nego provimento ao da ré. Em razão da sucumbência do
Município, deverá ela pagar honorários de advogado no mesmo valor
imposto à CDHU.
Des. Antonio Vilenilson
Relator
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