1 ESCOLA PRIMÁRIA PAULISTA: PROPOSTAS DE MUDANÇAS INSTITUCIONAIS E PEDAGÓGICAS (1968-1996). DANIELA CRISTINA LOPES DE ABREU UNESP –UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SÃO PAULO – CÂMPUS DE ARARAQUARA “Nós não devemos exagerar o silêncio dos arquivos escolares. O historiador sabe fazer fecha de qualquer madeira”. Dominique Julia. Um levantamento preliminar de dados sobre a bibliográfica referente à escola primária após a década de 1970 revela a ausência de trabalhos que sistematizem todas as discussões da época. Boa parte dos estudos sobre a história da escola primária referem-se ao período da constituição do sistema de educação popular no Brasil, ou seja, a Primeira República, Reis Filho, 1981; Antunha, 1976; Paiva, 1973; Costa, 1983; Souza, 1998; Faria Filho, 2000; Nagle, 1974; Moreira, 1960. De fato, foi durante a Primeira República que iniciou no Estado de São Paulo a expansão do ensino primário com a criação de novas e modernas instituições de ensino primário urbano, como os grupos escolares, acarretando o crescimento do número de vagas. Os trabalhos dos autores acima mencionados destacam de forma geral todo o nascimento desta modalidade de ensino denominada Grupo Escolar, além de apontarem as questões políticas, econômicas e sociais do período, para o qual a escola tinha um papel importantíssimo. De acordo com Souza (1998), os grupos escolares consolidaram um modelo de escola graduada fundamentada na classificação dos alunos, na divisão do trabalho docente e na racionalização do ensino. Tais estabelecimentos escolares tornaram-se símbolos da educação elementar e constituíram, de certa forma, uma identidade do ensino primário no estado de São Paulo e em todo o Brasil. Complementando esta idéia, vale apontar Faria Filho (2000), o qual apresenta a criação dos Grupos Escolares não apenas como forma de “organizar” o ensino, mas, principalmente, como uma forma de “reinventar” a escola, objetivando tornar mais efetiva sua contribuição aos projetos de homogeneização cultural e política da sociedade. Reinventar a escola significa, dentre outras coisas, organizar o ensino, suas metodologias e conteúdos; formar, controlar e fiscalizar a professora; adequar espaços e tempos ao ensino; repensar a relação com as crianças, famílias e com a própria cidade. 2 Sendo assim, o Grupo Escolar como salienta Carvalho (1989), aparece como peça central do investimento republicano traduzido na estratégia de marcar o advento do novo regime. Em relação às décadas seguintes, destacam-se os estudos de Mitrulis (1993), Beisiegel (1974), Azanha (1987) e Spósito (1984). No entanto, estas obras tratam perifericamente a história da escola primária dedicando-se à interpretação de outros temas correlatos, como destacamos abaixo. Mitrullis (1993), por exemplo, fez um exame das transformações que ocorreram nas práticas de orientação do ensino anteriores a Lei 5692/71, praticadas no âmbito da Inspeção Escolar. Para tanto analisou a escola primária desde as criação da modalidade Grupo Escolar, apontando os rituais criados por ela como: culto a bandeira, comemorações cívicas, declamações de poemas, etc. Os programas escolares, o sistema de pontuação de professores para aquisição de remoção, métodos de ensino, também fizeram parte de sua dissertação. A autora ainda apresentou o perfil de um “bom professor” mencionando que “ é aquele não falta e aprova 100% dos alunos, mas, é também aquele que é severo e bondoso, cumpridor de suas obrigações, capaz de incutir senso de ordem, asseio e disciplina a seus alunos, de propiciar a interiorização do senso de limite, do justo lugar na ordem social, mas também de despertá-los para os nobres sentimentos de respeito ao outro, de cumprimento do dever e de amor à Pátria”. (Mitrullis, 1993, p. 197). A cultura de repetência também foi abordada, e discutida com a proposta governamental, que aspirava por uma sociedade democrática e economicamente desenvolvida. Além disso, a autora ressaltou as questões legais que surgiam como tentativas de mudança como é o caso da promoção automática. Todos estes fatores influenciavam de forma direta no foco da pesquisa da autora, ou seja, o trabalho do Inspetor. Desta forma ela evidenciou todo o papel burocrático do Inspetor quanto a aplicação de exames, visitas as escolas, preenchimento de termos de visitas, inspeção de diários, semanários, livros pontos, atas, entre outros tipos de documentos e funções, destinas exclusivamente aos inspetores. Beisiegel (1974),também apresentou o contexto histórico do período e as questões legais, entretanto, seu foco de análise foi a obrigatoriedade do ensino, a defesa da escola primária enquanto direito de todos. Segundo o autor somente depois da Revolução de 1930, que o problema da obrigatoriedade do ensino se coloca em termos nacionais, na Constituição de 1934, e , principalmente na Constituição de 1946, na qual já se encontravam reafirmados os princípios da obrigatoriedade e da gratuidade do ensino primário para todos. 3 “A escolaridade obrigatória associava-se coerentemente às demais reivindicações da época: era condição de formação de uma consciência popular esclarecida, era meio de valorização do trabalho livre, estava na raiz do processo de emancipação da mulher e, sobretudo, era condição básica de realização do progresso”.(Beisegel, 1974, p. 55). Para reforçar sua análise enfatizou a crença no poder da escola primária, capaz de fornecer uma base de formação geral a todos, conseguindo assim realizar uma ação homogeinazadora, o que certamente serviria como uma alavanca para o progresso brasileiro. Sposito (1984), apresentou o processo de democratização do ensino, mostrando por meio de dados comparativos a expansão do Grupo Escolar após 1940, além de mostrar algumas modificações quanto sua clientela, ou seja, no início de seu surgimento foi caracterizado como uma modalidade de ensino seletivo, mas, com a expansão das matriculas impulsionadas pela influencia do crescimento urbano e o processo de industrialização, o Grupo Escolar começa a atender a massa popular. “As tentativas de solucionar os problemas de atendimento à população infantil, caminhando no sentido de sua universalização, tornaram mais graves as condições materiais da rede de ensino, principalmente no que diz respeito as suas instalações. Assim, a deficiência de prédios escolares que comportassem as classes de ensino primário – há muitos anos acompanhando a evolução do sistema de ensino – tornaram-se obstáculos mais sérios, impedindo a melhoria das condições do ensino oferecido à coletividade”. (Sposito, 1984, p. 40). Deste modo, o então ensino municipal não conseguia atender a demanda criando galpões de madeira para servir de escolas provisórias. Esta expansão do ensino era vista como a queda da qualidade da educação. Além disso, a autora mostrou o abandono do ensino secundário tido como um luxo aristocrático, devendo a alfabetização ser prioridade do Estado. Sposito ainda fez menções importantes quanto à escola de oito anos, ou seja, os Grupos Ginásios, revelando a política dos deputados que utilizavam-se das resoluções que decidiam a ampliação ou a criação de escolas segundo sua seus interesses. Esta rápida exemplificação é pertinente ao trabalho em questão, justamente para enfatizar no que ele se difere e quais os pontos serão abordados, ou seja, com foi apresentado, os trabalhos existentes não focalizam a história da escola primária, foco da pesquisa em andamento, e sim, temas que perpassam por este contexto. 4 Este trabalho tem por finalidade mapear as possibilidades de estudo da escola primária. Para tanto o foco da pesquisa não pode ser outro senão a escola primária. Além destes trabalhos apresentados há outros que abordam principalmente as questões e as transformações educacionais. Transformações profundas ocorreram no ensino primário no final da década de 1960 e início dos anos 70. Primeiramente, a criação dos grupos escolares-ginásios na reforma de 1968 no estado de São Paulo, foi o prenúncio da criação do ensino de 1º grau estabelecendo a obrigatoriedade escolar de 8 anos. Na década de 1970, a Lei 5692/71 (Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus e dá outras providências), ratificou a experiência paulista implantando em todo o país o ensino de 1º grau. Tal reforma implicou a eliminação gradativa de um modelo de escola primária que havia existido por mais de oito décadas no Brasil. As mudanças não significaram apenas a transformação de um tipo de estabelecimento de ensino, mas de toda uma concepção de educação elementar e sua organização administrativa e didático-pedagógica. Em relação a estas transformações, a maior parte dos estudos têm se dedicado à análise da política educacional, especialmente das iniciativas de reestruturação da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (Perez, 1994; Monteiro, 1996; Pedroso,1991; Silva e Arelano,1987) e das políticas educacionais a partir do período da redemocratização (Cunha, 1991). A maior parte da literatura sobre as séries iniciais do ensino de 1º grau produzida nas décadas de 1980 e 1990 é de natureza pedagógica discutindo questões sobre o fracasso escolar, processos de aquisição da linguagem, reforma curricular, ciclo básico, entre outros problemas. Não há de fato, estudos históricos sobre o ensino primário neste período. Perez (1994), fez um balanço das políticas educacionais no Estado de São Paulo de 1967 a 1990, no qual apresenta de acordo com cada governo a políticas implementadas (gestão Abreu Sodré, Laudo Natel, Paulo Egydio Martins, Maluf e Montoro). Inicialmente dividiu o período estudado em três fases, demarcando características de cada uma delas. Segundo ele na primeira etapa anos de 1960-1975, foi um período de intensa expansão de matrículas, tal processo estava intimamente vinculado ao fenômeno de urbanização. A segunda etapa 1975 a 1985, refere-se a uma desaceleração do crescimento industrial, devido a fatos como o “pacote de abril” e a suspensão de eleições diretas. A terceira e última etapa diz respeito a uma retomada de crescimento, impulsionado pelo plano cruzado e o aumento das exportações. Posteriormente o autor apresentou um resumo de trabalho das propostas de cada governo 5 Em sua conclusão apresentou o fato da mudança constante da secretaria da educação, na falta de continuidade dos governos e os problemas resultantes destas medidas. A secretária da educação sempre esteve ligada à mudança; nos anos 60 e início dos anos 70 ocorreram muitas mudanças e experimentações; na década de 70 havia muita expectativa da implantação da escola de 8 anos; e, nos anos 80 a questão era a queda do nível de qualidade da escola pública, sendo ainda a descentralização tema nas pautas educacionais desde os anos 70. Monteiro (1996), fez um estudo comparativo entre a reforma de 1967 e o Ciclo Básico. Os problemas do presente vem se repetindo e reproduzindo o passado, as soluções estão sendo buscadas em iniciativas de outras épocas. Retrata os anos de 1967 e 1968, período que segundo a autora milhares de crianças ficavam fora dos ginásios passaram a ter acesso a esse grau de ensino, muito embora não tivessem sido construídas novas escolas, nem salas, nem contratados novos professores. Apontando assim a questão da qualidade de ensino com a implementação dos Grupos Escolares Ginásios. Seu objetivo neste trabalho foi apontar a existência de movimentos oscilantes e recorrentes na educação paulista, que segundo a autora é capaz de produzir e reproduzir reformas educacionais. Deste modo, ela apresentou todo o cenário da reforma de 1967 e da implantação do novo modelo de seriação veiculado pelo nome de Ciclo Básico, despontando os conflitos gerados em cada época. Apresentou ainda, em seu estudo a situação do ensino primário em 1969 dizendo que este não se diferencia de 1927, quanto as questões de vagas e permanência. Pedroso (1991), analisou a proposta Montoro, para tanto fez um grande caminho apresentando o percurso de suas idéias a partir das influências dos partidos políticos. A questão da democratização da educação foi peça fundamental de sua dissertação. Para tanto, apontou que as discussões do período estudado (1978-1984), voltavam-se as questões dos programas de ensino, currículos, métodos e objetivos tidos na época como modelos a serem seguidos. “o aparato administrativo encarrega-se de passar a idéia de que tudo isso é feito por pessoas especializadas, tecnicamente preparadas, e portanto conhecedoras irrefutáveis da educação. Além disso, nos moldes dos princípios da administração geral e/ou empresarial, currículos e programas revestem-se de caráter legal que legitimam sua implementação e a controlam através de práticas impostas pelos administradores: planos, relatórios, diários de classe, boletins de freqüência, avaliações”. (Pedroso, 1991, p.3). 6 A autora ainda apresentou que este tipo de imposições era defendido em nome de uma organização burocrática, mascarando a verdadeira hierarquia de poderes, muitas vezes as pessoas que detinham os cargos burocráticos eram partidários ao governo, fazendo valer as nomeações clientelistas. Os professores então começaram em 1978 a se articular na busca de redefinir o papel social da educação e encontrar caminhos para a verdadeira democratização do ensino. Segundo a autora, após anos de regime ditatorial, já era tempo dos professores se organizarem. A realização do I Seminário de Educação Brasileira, em Campinas no ano de 1978, foi o primeiro passo juntamente com a criação do CEDES (Centro de Estudos de Educação e Sociedade) e da revista Educação e Sociedade. Além disso, as greves de professores de 1978 e 1979, revelavam não somente reivindicações salariais apontando problemas educacionais, como também alertava para os problemas de ordem política, econômica e social do momento. “A democratização da educação e o direito à participação nas decisões dos rumos e objetivos educacionais passam, então, a ser fortemente reivindicados pelos professores dos três graus de ensino público. Foi em torno de tais objetivos que um grupo de educadores se reuniu em São Paulo para elaborar, na área educacional, uma proposta de governo que se opusesse às práticas autoritárias e centralizadoras do regime em vigor”. (Pedroso, 1991, p. 137). Estas equipes de educadores se subdividiram e procuraram formular propostas de mudança junto ao governo. “Frente ao analfabetismo e à evasão escolar, julgava ser preciso ‘criar no país uma consciência sobre a importância básica da educação para o desenvolvimento’ e que ‘se a busca do desenvolvimento econômico tem como objetivo a progressiva participação de todos na riqueza nacional, a educação primária obrigatória representa, em última análise, a forma de efetivamente alcançarmos condições viáveis e eqüânimes de proceder a uma justa distribuição’”. (Pedroso, 1991, p.139). Nota-se no decorrer do trabalho que as proposta educacionais formuladas pelos grupos de professores dependia da posição política defendida por seus integrantes. Assim, “esquerda”, “liberais” e “populista” tinham seus interesses particulares para quando assumissem o governo. 7 Pedroso ainda salientou as questões de slogans assumidos nas campanhas para evitar contradições “antes da hora”, deixando para depois as rupturas necessárias. É o caso de termos como democracia, descentralização, participação e comunidade. Silva e Arelano (1987), apresentaram orientações legais para o currículo a partir da Lei 5.692/71. No tocante a escola primária segundo as autoras três medidas foram tomadas, a partir de 1967, ou seja, a seriação do ensino; a reorganização do currículo e dos programas e a reorganização e implantação da orientação pedagógica. Com relação ao ensino ginasial destacaram o Estado de São Paulo, que segundo as autoras acabou por definir a escola de 8 anos para todo o Brasil, viabilizando o projeto de implantação da escolaridade obrigatória em todo o país. Vale apontar que como elas salientaram que os Grupos Escolares Ginásios não podem ser caracterizados como experiência de ensino, uma vez que inovavam em dois aspectos: na dispensa do exame de admissão e na numeração das séries de 1°. A 8°. Série, mantendo a mesma organização do ensino. Por este motivo, exatamente, tornaram-se eles um projeto viável da futura escola de 1°. Grau. As autoras ainda apresentaram vários parágrafos da Lei 5.692/71 comentando-os quanto ao currículo exigido (disciplinas obrigatórias, formas de escalonamento, etc) na “nova escola” de 1° e 2°. Graus. Além disto, apresentaram alguns pontos quanto a repercussão em São Paulo da reforma administrativa, neste sentido é válido apontar que: “A reorganização da rede física para implantação da reforma – que padronizaria a diversidade dos antigos estabelecimentos de ensino (grupos escolares, diferentes escolas de 1° e 2° ciclo) em escolas de 1° e 2° graus – era de tal magnitude que passou a ser prioritária. O plano de implementação havia identificado, em 1971, que a rede de estabelecimentos do Ensino Básico Estadual era composta de 2.453 unidades, das quais 2.188 eram grupos escolares comuns, 174 eram escolas agrupadas e 91 eram grupos escolares-ginásios. Além disso, funcionavam 15.064 escolas isoladas, sendo 8.318 escolas comuns e 6.746 de emergência, as quais (escolas isoladas) eram responsáveis por 365.433 matrículas. Para complicar o quadro, dos 1.447 estabelecimentos de ensino secundário e normal existentes, 957 (65,7%) funcionavam em prédios de grupos escolares, nem sempre adequados, e 362 prédios em estabelecimentos do Município (310) ou de particulares (52). Essa pulverização exigia um minucioso e complicado planejamento de reocupação do espaço físico da rede escolar”. (Silva e Arelano, 1991, p. 37). 8 Diante desta panorama, a implementação da Lei 5692/71 não poderia acontecer de outra forma a não ser de modo gradual. Sendo assim, calcula-se que até os anos de 1974 pouca coisa tenha se mudado substancialmente, principalmente quanto ao passo de “propiciar uma maior e melhor permanência das crianças na escola de 1°. Grau”. Cunha (1991), apresentou um panorama educacional com o golpe de 64, os movimentos que o antecederam, as discussões nos partidos políticos quanto a educação entre outros aspectos. Além disso, mostrou um quatro evolutivo das demandas em educação, ou seja, a expansão do ensino primário, os movimentos populares, a defesa de uma escola pública e gratuita, a obrigatoriedade do ensino em oito anos. Segundo o autor existiram quatro grandes movimentos pioneiros de educação e cultura popular nos anos 1960 e mais o sistema de Educação Paulo Freire. Tais movimentos buscavam caminhos alternativos às propostas tradicionais e conservadoras. Quanto ao financiamento destas organizações ele ressaltou que: “ Todos receberam recursos públicos, mas o modo e os objetivos foram diferenciados. O MCP, cuja meta era assegurar educação gratuita para todos, por ser uma sociedade civil, constituiu-se numa rede paralela à do ensino público existente. O MEB teve (e tem) o seus objetivos confessionais e catequéticos, mesmo que às vezes não estejam explícitos. O CPC tentou organizar-se como empresa prestadora de serviços, mas teve de depender da União, pelo menos para dois de seus projetos principais: a construção do teatro no prédio da UNE e a campanha de alfabetização (1963). O único movimento que aplicou recursos públicos dentre da rede de escolas públicas foi a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler. Por isso, em Natal, a defesa da escola pública não foi somente um discurso: a prática ocorreu na Secretaria Municipal de Educação com a implantação e implementação de uma rede escolar que assegurou matrícula para todos numa política de ensino gratuito e laico. Por outro lado, o único movimento que penetrou eficientemente na área rural foi o MEB”. (Cunha, 1991, p. 31). Outro ponto importante ressaltado pelo autor diz respeito a iniciativa privada no setor de ensino superior, foi nos anos de 1960 este tipo de iniciativa teve um aumento considerável, uma vez que o Estado via com bons olhos este tipo de trabalho, por assim não ter obrigações com um ensino superior público e gratuito. No início da década de 1990, a reestruturação da rede pública de ensino no Estado de São Paulo dividiu o ensino de 1º grau em dois tipos de estabelecimentos de ensino: um específico para as quatro primeiras séries e outro para as séries finais. Teria significado esta 9 política um retorno ao velho modelo de escola primária consolidada no grupo escolar? Qual o significado desta mudança no conjunto das transformações do ensino primário nas últimas três décadas? Este trabalho visa preencher um pouco a lacuna sobre a história da escola primária a partir dos anos 70 do século XX. Devido à amplitude do tema e ausência de estudos sobre o mesmo, pretende-se com esta investigação fazer um trabalho de pesquisa de base, isto é, levantamento fontes de pesquisa e mapeamento das principais mudanças institucionais e didático-pedagógicas. Trata-se em realidade, de uma reflexão sobre as possibilidades de escrita da história da escola primária neste período. O período delimitado para a pesquisa, 1968 a 1996, compreende o ciclo de reformas que provocaram transformações profundas no ensino primário, isto é, do grupo escolar à escola de 1º grau e desta para um sistema duplo de escolas de educação fundamental. Sem pretender cobrir exaustivamente todo o período, daremos maior ênfase aos momentos cruciais em que medidas governamentais implicaram mudanças neste nível de ensino, tais como as reformas de 1968 e 1971, a implantação do ensino de 1º grau na rede pública de São Paulo entre os anos de 1974 e 1976, a criação do ciclo básico em 1984 e a reestruturação da rede pública em 1996 com a nova Lei de Diretrizes e Bases. O período abordado por este trabalho é uma época de modificações tanto no setor político, econômico e social do país, quanto no campo educacional. O fenômeno de urbanização, desaceleração do crescimento industrial, o milagre econômico, o pacote de abril, e outras tomadas de decisões influenciaram as administrações educacionais que a cada novo governo realizavam novas reformas ignorando as do governo passado. Este tipo de política não se diferencia da que temos hoje. Freqüentemente vemos governos sucessivamente extinguindo projetos de governos anteriores. Em 1996, assistimos uma nova reorganização do ensino. Após três décadas do surgimento da escola de primeiro e segundo graus, passamos por uma mudança que, diferentemente da 5.692/71 que acoplava o Grupo Escolar ao Ginásio, separa a escola existente, de 8 anos, em dois ciclos. O primeiro ciclo do agora ensino fundamental refere-se às quatro primeiras séries iniciais, correspondendo ao antigo Grupo Escolar. O segundo ciclo, também de quatro anos, corresponde ao antigo ginásio de quinta a oitava séries. São transformações desta natureza que serão mapeadas no decorrer deste projeto. É importante destacar uma passagem do texto de Monteiro (1996), a qual faz uma análise 10 comparativa da reforma do ensino primário de 1967 e o Ciclo Básico, reforçando a idéia da história enquanto uma ciência cíclica. “Verifica-se que não somente as formas de resolver os problemas da educação vem se repetindo, reproduzindo o passado, como também os problemas vêm se repetindo. Mas os problemas, diferindo das soluções apresentadas, não resgatam o passado, eles são os mesmos do passado, apenas estão agravados em um ou mais aspectos” (Monteiro: 1996, p. 133). Diante de todos os fatos até agora mencionados não devemos acreditar que para entender nosso presente basta olharmos nosso passado. Isso porque, os problemas podem ser repetidos e as vezes até algumas soluções, entretanto cada período histórico viveu e vive sua época. Tal fato é fundamental aos pesquisadores que se arriscam nos estudos históricos. O respeito ao período estudado é fundamental, sendo assim, não é possível olharmos ao passado com olhos de hoje. Então qual a razão de estudar o passado? Antes de tentar responder a esta pergunta é necessário ter clareza de que a História é uma reconstrução do passado a partir da escolha do historiador, ou seja, da seleção de documentos. Mas voltando a questão inicial, estudar o passado ou recriar a história não é uma trajetória fácil, entretanto que fascina na busca de continuidades e descontinuidades ao longo de nossa vida. 11 Referências Bibliográficas ANTUNHA, H. A instrução Pública no Estado de São Paulo: a reforma de 1920. São Paulo: EDUSP, 1976. AZANHA, José Mário Pires. Educação, alguns escritos. São Paulo: nacional, 1987. BEISIEGEL, C. R. Estado e Educação Popular: um estudo sobre a educação de adultos. São Paulo: Pioneira, 1974. CARVALHO, Marta m. Chagas de. A escola e a República. São Paulo: Brasiliense, 1989. COSTA , Ana Maria Infontosi. A escola na República Velha. São Paulo: EDEC, 1983. CUNHA, Luiz Antônio, Educação, Estado e Democracia no Brasil. São Paulo: Cortez / Editora da Universidade Federal Fluminense/ FLACSO do Brasil, Brasília, 1991. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos palácios: cultura escolar e urbana em Belo Horizonte na Primeira República, Passo Fundo: UPF, 2000. 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