1 IDENTIDADE ESCOLAR: A ESCOLA PRIMÁRIA PAULISTA (1968-1990) Daniela Cristina Lopes de Abreu1 A implantação do sistema escolar brasileiro foi bastante lenta até os meados do século XIX. Do ponto de vista administrativo, a instrução pública paulista no Segundo Reinado precisou estruturar-se para assumir as responsabilidades educacionais descentralizadas pelo Ato Adicional de 1834 e para fazer frente ao desenvolvimento social que, em meio século, transformou São Paulo no estado “líder da Federação”. Com a proclamação da República, os governantes sentiram o acréscimo de responsabilidade advindo do novo regime e procuraram reformar o ensino “livrando-o de todos os males”. Os republicanos paulistas vislumbraram a educação como mecanismo capaz de elevar o país ao progresso desenvolvendo outros setores da sociedade. No estado de São Paulo, a criação dos grupos escolares significou a esperança de progresso e de desenvolvimento do estado e do país na perspectiva do novo regime. A construção de prédios grandiosos era uma das tentativas utilizadas pelo poder republicano de marcar o início de uma nova era. No final da Primeira República, o processo de institucionalização da escola primária já estava consolidado no estado de São Paulo. No entanto eram inúmeros os problemas que afligiam o ensino público, entre eles, a evasão, a repetência, a alta seletividade do ensino, a falta de vagas, a precariedade dos edifícios escolares, a falta de condições de trabalho do magistério primário, entre outros. Atendendo pouco mais da metade da população em idade escolar, a escola republicana exibia suas chagas. Este estudo buscou investigar as transformações ocorridas no ensino elementar nas décadas de 1970 e 1980. Além de examinar as iniciativas de mudanças institucionais e didático-pedagógicas procurou-se verificar as representações dos educadores sobre essas iniciativas, mediante a análise de artigos publicados em periódicos de circulação 1 Professora do Curso de Pós Graduação das Faculdades Asmec – Sociedade Sul Mineira de Educação. Endereço: Av. 46 A n° 149 – Jardim Ipê – Rio Claro – SP Fone: (19) 3534-6858 E- mail: [email protected] 2 nacional (com o intuito de encontrar revistas com publicações regulares nas décadas de 1970 e 1980, foram selecionados dois periódicos Cadernos de Pesquisa e a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, os quais preenchiam esse requisito), contribuindo, assim, para os estudos históricos sobre o ensino primário. Sem pretender cobrir exaustivamente todo o período, demos maior ênfase aos momentos cruciais em que medidas governamentais implicaram alterações substanciais, tais como a reforma de 1967 (unificação e facilitação dos exames de admissão; implantação do sistema de seriação em níveis para as duas primeiras séries do ensino primário; criação dos grupos escolares – ginásios), a Reforma de 1971, o processo de implantação do ensino de 1º grau na rede pública de São Paulo entre os anos de 1974 e 1976 e a criação do Ciclo Básico no estado de São Paulo, em 1983. Essas mudanças, como tentamos demonstrar ao longo do estudo, não significaram apenas a transformação de um tipo de estabelecimento de ensino, mas de toda uma concepção de educação fundamental e sua organização administrativa e didático – pedagógica. A extinção legal do nível primário na estrutura da educação brasileira correspondeu à supressão gradativa das escolas primárias, especialmente dos grupos escolares e escolas isoladas, cuja identidade institucional se consolidara no país durante o século XX. A eliminação formal dessa escola primária, apesar dos abalos provocados, não conseguiu dissolver completamente o modo predominante de conceber e praticar o ensino elementar. Esse processo, ainda em andamento, não esteve isento de conflitos e implicações de diversas naturezas. A difícil articulação entre as séries iniciais (1ª a 4ª série) e as séries finais (5ª a 8ª série) do ensino de 1º grau – atualmente denominado Ensino Fundamental - atestam esse fato. Outros problemas, como a dualidade na formação e na carreira do magistério, os altos índices de fracasso escolar nas 1ª e 5ª séries e a falta de unidade metodológica e curricular são outros indicadores. Medidas mais recentes como a reorganização da rede estadual de ensino do estado de São Paulo (Decreto 40.473 de 21/11/1995) separando em unidades distintas as primeiras séries (1ª a 4ª) e as últimas séries (5ª a 8ª) do ensino de 1º grau e a escola organizada em ciclos, são exemplos sintomáticos. Resquícios dessa identidade institucional e cultural do ensino primário encontram-se também no imaginário e vocabulário de boa parte da população brasileira, que ainda se 3 refere à 1ª a 4ª série como o período de estudos da criança no “primário” ou no “grupo” (tomando o grupo escolar como sinônimo de ensino primário) e a 5ª a 8ª série como o período de estudos no “ginásio” ou “colégio”. Nos anos 80, a criação do Ciclo Básico no estado de São Paulo, representou mais uma iniciativa de mudança nas séries iniciais. O Ciclo Básico (CB), alterou a graduação escolar extinguindo as 1ª e 2ª séries (desseriação) e instituiu um ciclo de dois anos de duração, com vistas a atacar o problema do fracasso escolar. A organização estabelecida pelo C.B. resgatou, de certa forma, princípios da Reforma de 1967, ocasião em que as escolas públicas do estado de São Paulo foram organizadas em níveis de ensino denominados Nível I e Nível II (MONTEIRO, 1996). Interrogar sobre as transformações do ensino elementar no final do século XX, significa problematizar, por um lado, a identidade institucional da escola primária, as permanências e transformações de uma cultura escolar forjada nas primeiras décadas republicanas, e, por outro lado, inquerir sobre a possibilidade da escrita da história desse nível de ensino, nesse período. Trata-se, portanto, de um estudo amplo e aprofundado que demanda muitos investimentos investigativos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALMEIDA, Jane Soares de. 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