CO 11: Algumas observações sobre a origem do conceito de função Disnah Barroso Rodrigues UFPI/UFRN [email protected] John A. Fossa UFRN/UEPB [email protected] Resumo Para avaliar a alegação de que o conceito de função remonta, pelo menos implicitamente, à antiguidade, reconstruímos o conceito histórico de função com referência especial à obra de Leonhard Euler. Mostramos, em seguida, que os elementos do referido conceito não são encontrados na antiguidade e concluímos que a mencionada alegação não é uma descrição fiel da situação histórica. Palavras-chave: Matemática antiga. Conceito de função. Leonhard Euler. Abstract In order to evaluate the allegation that the concept of function reaches back to the ancient world, we reconstruct the historical concept of function with special reference to the works of Leonhard Euler. We then show that the elements of this concept are not found in antiquity and conclude that the aforesaid allegation is not a faithful description of the historical situation. Keywords: Ancient mathematics. Function. Leonhard Euler. Para estudar a origem do conceito de função podemos seguir a periodização da história, isto é, a divisão comumente utilizada pela historiografia ocidental que divide a história a partir dos grandes marcos que ocorreram no cenário geopolítico ocidental: antiguidade (de 4.000 a. C. até 476 d. C., com a queda do Império Romano do Ocidente); Idade Média (de 476 d. C. até 1453, com a conquista de Constantinopla pelos turcos), Idade Moderna (de 1453 até 1789, data de eclosão da revolução francesa) e Idade Contemporânea (de 1789 até a atualidade). Esse é, por exemplo, o caminho básico utilizado por Youschkevitch (1976) para apresentar as três etapas principais do desenvolvimento da ideia de função: antiguidade, Idade Média e Período Moderno, com a última etapa contemplada até o século XIX, portanto subsumindo a Idade Contemporânea no Período Moderno. Há, certamente, outras formas de periodização utilizadas para estudar a origem do conceito de função (UGALDE, 2014). Para nossos fins, no entanto, será mais proveitoso seguir a periodização histórica tradicional, pois pretendemos analisar a asserção de vários pesquisadores (YOUSCHKEVITCH, 1976; KLEINER, 1989; D’AMBROSIO, 2006; SASTRE VÁSQUEZ, REY, BOUBÉE, 2008; UGALDE, 2014) de que a origem do referido conceito remonta à antiguidade. O Argumento Ao contrário dos autores citados no parágrafo anterior, argumentaremos que o conceito de função só nasceria, de fato, no Período Moderno, embora com algumas antecipações na Idade Média. Com efeito, há três maneiras importantes de representar, hodiernamente, funções, a saber, através de (1) equações, (2) tabelas e (3) gráficos. Visto, porém, que cada um desses instrumentos tem usos distintos, além do da representação de funções, não é suficiente apontar para ocorrências dos mesmos na história da matemática para concluir que houvesse, na citada ocasião, o conceito de função. Para tanto, é necessário mostrar que a ocorrência de um desses instrumentos estivesse sendo usado, na ocasião, para representar o objeto matemático “função”. Na falta da constatação dessa condição necessária, até a alegação de que o conceito de função aparece de forma implícita seria uma falsa modernização da situação histórica. Devemos, no entanto, ter o cuidado de não exigir demais de uma situação histórica. Isto ocorreria, por exemplo, se pelo “objeto matemático ‘função’” entendêssemos “função” no sentido contemporâneo como certo tipo de conjunto de pares ordenados. Este entendimento, que corresponde à célebre definição Dirichlet (ou Dirichlet-Bourbaki), é ele mesmo uma reformulação do conceito de função já constituído no século XVIII, em resposta a certos desenvolvimentos posteriores na análise matemática, o que não será necessário aqui abordar. Em vez disto, propomos tomar como norma para o conceito histórico de função o entendimento de Leonhard Euler (1707-1783), visto que foi Euler que não somente deu ao referido conceito uma primazia de lugar na análise, mas também o utilizou extensivamente em outras áreas de matemática, a exemplo do seu trabalho na Teoria dos Números. 2 O Conceito Histórico de Função Segundo Youschkevitch (1976), foi G. W. Leibniz (1646-1716) que utilizou pela primeira vez (em 1673) a palavra função, no manuscrito Methodus tangentium inversa, seu de functionibus (O método inverso de tangentes, ou sobre funções). Usou a palavra, no entanto, num sentido geral para referir a várias entidades relacionadas a curvas, tais como tangentes e normais. Youschkevitch (seguindo D. Mahnke) observa que a palavra latina functio se deriva do verbo depoente fungor (fungi, functus sum) que significa “efetuar”, “executar” (uma ação) e que, em consequência, functio significa (na terminologia de Mahnke) Verrichtung (execução, performance). Há, não obstante a observação de Mahnke, um sentido (embora menos comum) de fungor que parece ainda mais apropriado, pois também pode significar “sofrer” (uma influência ou ação). Isto dá a ideia de que functio é alguma determinação da curva em um dado ponto, o que é corroborado pela seguinte afirmação de Leibniz: “[...] La recta tangente y algunas otras funciones que dependen de ella, por ejemplo, las perpendiculares trazadas desde la curva a un eje [...]” (Considerations sur la difference qu’il’y a entre l’analyse ordinaire et nouveaux calcul des transcendentes, de 1694. Tradução de Ugalde, 2014, p. 13). Desta forma, parece que a palavra “função” padeceu um estreitamento de significado. Começando com a ideia geral de certas determinações de uma curva, seria usado em seguida para se referir mais restritamente à determinação da ordenada de uma abscissa e, finalmente, para se referir à própria relação de determinação entre as abscissas e as ordenadas. Ainda precisamos, contudo, aprofundar a investigação para que possamos entender como a referida “relação de determinação” fosse concebida. Reportamos, portanto, ao conceito de função de Johann Bernoulli (1667-1748), segundo o qual, nas palavras de Cajori (2007, p. 289-290), temos1 [...] no apêndice de uma carta a Leibniz, datada de 5 de julho de 1698, John Bernoulli usa a palavra com um significado mais próximo do uso moderno: ‘earum [applicatarum] quaecunque functiones per alias applicatas PZ expressae’. Em 1718 John Bernoulli chega a definição de função como ‘uma quantidade composta de um modo qualquer de uma variável e algumas constantes’. Ênfase é dada a funções como expressões analíticas por Caraça (1951) e Ugalde (2014); de fato, Ugalde (2014, p. 13) afirma que “[...] la idea intuitivamente geométrica de función 1 O nome “John” na citação é a versão inglesa do nome alemão “Johann”. 3 utilizada por Leibniz, adquiere un carácter más abstracto, al atribuírsele por primera vez, un sentido analítico”. Mais ainda, visto que Euler era aluno de Bernoulli, devemos esperar que o mesmo conceito apareça na obra dele, o que, de fato, ocorre em Euler (1922, p. 18)2: Functio quantitatis variabilis est expressio analytica quomodocunque compósita ex illa quantitatis variabili et numeris seu quantitatibus constantibus. Tais definições têm sido corretamente criticadas porque deixam ambíguo o sentido de “expressão analítica”, mas é claro que o intento é o de utilizar equações para representar funções. A definição de Bernoulli/Euler é uma interpretação matemática de processos reais, não uma definição meramente sintática. Euler (1922, p. 17) comprova isto explicitamente ao dizer que quantidades variáveis são representadas pelas letras “z, y, x, etc.” Em uma obra posterior (Institutiones calculi differentialis), Euler deixa seu entendimento desta questão mais claro, ao fazer, depois de explicar que quantidades variáveis são aquelas que se pode aumentar e diminuir, a seguinte afirmação: Quae autem quantitates hoc modo ab aliis pendent, ut his mutatis etiam ipae mutationes ubeant, eae harum functiones appellari olent; quae denominatio latiime patet, atque omnes modos, quibus uma quantitas per alias determinari potet, in e complectitur. Si igitur x denotet quantitatem variabilem, omnes quantitates, quae utcunque ab x pendent, eu per eam determinantur, eius functiones vocantur; (EULER, 1787, p. LVI.)3 Pode até ser que a intuição original nascesse com o conceito de causa, sendo que mudanças em uma ou mais variáveis fossem vistas como a causa da mudança em outra variável. Se fosse o caso, o conceito necessitaria ser generalizado logo em seguida, pois muitos processos são descritíveis em termos de parâmetros, por exemplo, o tempo, que não poderiam ser considerados como causas. Assim, há duas ideias inter-relacionadas que são 2 “Uma função de quantidades variáveis é uma expressão analítica composta de qualquer forma destas quantidades variáveis e números ou quantidades constantes.” (Tradução nossa.) 3 O símbolo é um s minúsculo alongado, que era usado em textos antigos, exceto na posição final. “Quaisquer quantidades que dependem de alguma forma doutras, de tal forma que passam a mudar quando estas mudam, são geralmente chamadas funções destas outras. Entende-se esse termo num sentido muito lato e, assim, inclui todas as maneiras em que uma quantidade pode ser determinada por outras. Desta forma, se x denota uma quantidade variável, todas as quantidades que dependem, de qualquer maneira, de x são chamadas funções dele.”(Tradução nossa.) 4 fundamentais no conceito de função, a saber, a variação concomitante das variáveis e a determinação 4 do valor de uma variável pelos valores de outra (ou outras). Funções na Idade Moderna pré-Euler Vimos, então, que o conceito euleriano de função é uma interpretação matemática de processos reais privilegiando as ideias de variação concomitante de variáveis e a determinação de uma variável por outra (ou outras). Em termos mais formais, essa intuição básica é reduzida a “expressões analíticas”, ou seja, equações, pois equações tornam precisas tantas as referidas variações, quantas as determinações, em termos numéricos. Mostraremos agora, de forma breve, que o conceito euleriano de função é consoante com a maneira em que o conceito foi utilizado na Idade Moderna, antes de Euler. Antes, porém, apreciaremos um conjunto de normas mais gerais, proposto por Ugalde (2014). Sobre a origem do conceito de função, Ugalde (2014, p. 2) destaca que, no bojo do seu desenvolvimento, estão três fatos importantes: a) Que el concepto de función está íntimamente ligado al concepto primitivo de conjunto (amén de otros conceptos como relación, variable, criterio, etc.). b) Que el concepto de función desde su origen – cualquiera que este sea –, está ligado al desarrollo del concepto de cantidad, y más generalmente, al concepto de número. c) Que el concepto de función nace del interés de la humanidad por entender el mundo que le rodea. No entanto, o item “a” não é sustentável. O conceito histório de função não parece tão ligado ao conceito de conjunto (embora o conceito Dirichlet-Bourbaki certamente é), mas ao conceito de processos reais. Em relação ao item “b” há certa ambiguidade, pois as “quantidades” primordiais (e.g., uma força) envolvidas em funções são aspectos desses processos e, assim, não “quantidades” (segmentos de reta) no sentido usado, por exemplo, por Euclides. Mesmo assim, a quantidade variável aparece quantificada numericamente através de uma equação e isto provavelmente promoveu a identificação da quantidade (no primeiro sentido) com seu valor, o que, por sua vez, facilitou a atividade de modelagem matemática dos processos reais sendo estudados. Finalmente, como já vimos, o item “c” é fundamental para o conceito histórico de função. 4 Observamos que a referida determinação não implica, para Euler, a unicidade da imagem para cada argumento, pois ele faz uma distinção entre “funções uniformes” (functiones uniformes) e “funções multiformes” (functiones multiformes). Cf. Euler (1922, p. 22). 5 Foi, de fato, como destaca Kleiner (1989), bem como Youschkevitch (1976), exatamente o estudo matemático do movimento como problema central da ciência que deu um grande impulso ao desenvolvimento do conceito de função. Assim, Caraça (1951, p. 117, grifo do autor) relata que o conceito de função surge, lentamente, da necessidade de se “[...] construir um quadro explicativo dos fenômenos naturais”, constituindo-se num instrumento matemático para o estudo da lei quantitativa. Ainda nesse sentido, Campiteli e Campiteli (2006, p. 19) observam que “foi com Galileu (1564-1642) e Kepler (1571-1630) que a noção de função surgiu como instrumento matemático indispensável para o estudo quantitativo dos fenômenos naturais”. Notadamente, são significativos os avanços no campo do conceito de função ocorridos no período da Idade Moderna, sobretudo nos séculos XVI, XVII e XVIII. No século XVI, Descartes (1596–1650), em La géométrie, e Fermat, em obra publicada postumamente, (1601–1665) irão introduzir o método analítico de definir funções. Sobre Descartes, Ugalde (2014, p. 11) explicita que ele distinguia o conceito de dependência entre quantidades, o papel das variáveis independente e dependente, quantidades que permanecem constantes etc. No entanto, acrescenta que Descartes “[...] nunca brindó una definición explícita” de função. Ainda mais, devemos observar que houve, por assim dizer, muita variação no nível de entendimento sobre o conceito de função no período assinalado. Por exemplo, Sastre Vásquez, Rey e Boubée (2008, p. 147), observam que [...] los objetos de estudio del Cálculo desarrollado por Newton y Leibniz no fueron las funciones, sino las curvas. Se intentaban solucionar problemas referidos a longitudes, áreas y tangentes relacionadas a curvas, como así también encontrar la velocidad de puntos moviéndose a través de curvas. Os mesmos autores, contudo, também apontam para as contribuições de Newton e Leibniz para o desenvolvimento do conceito de função. Assim, Newton utilizou, por exemplo, a palavra ‘fluente’ para representar qualquer relação entre variáveis, bem como introduziu a noção de diferencial, produzida a partir de uma quantidade variável (genitum5), que constitui uma aproximação ao conceito de função. Ugalde (2014, p. 12) destaca que, “para 5 Do verbo gigno, “dar à luz”, “produzir”. 6 varios autores, ‘genitum’ surge como la primera expresión usada para referirse al concepto de función”. Assim, vemos que no período que antecede Euler o conceito de função como um objeto matemático estava surgindo lentamente na matemática da época. Sempre aparece em contextos em que processos naturais foram entendidos como variações de quantidades que podiam ser especificadas através de valores numéricos. Neste sentido, o conceito euleriano de função encerrou admiravelmente importantes elementos do desenvolvimento do pensamento matemático-científico da primeira parte da Idade Moderna. Os Precursores da Idade Média Talvez o mais importante desenvolvimento da Idade Média em relação ao conceito de função ocorreu quando Nicholas Oresme (1323-1382), bispo de Lisieux, desenhou uma versão primitiva da representação gráfica de certos fenômenos naturais. Assim, ao estudar [...] a distância percorrida por um objeto em movimento com velocidade variável, associava os instantes de tempo dentro do intervalo aos pontos de um segmento de reta horizontal (chamado linha de longitudes) e para cada um desses pontos ele erguia, num plano, um segmento de reta vertical (latitude), cujo cumprimento representava a velocidade do objeto no tempo correspondente. Conectando as extremidades dessas perpendicularidades ou latitudes, obtinha uma representação da variação funcional da velocidade com relação ao tempo [...] (CAMPITELI; CAMPITELI, 2006, p. 19-20). Acontecimentos semelhantes ocorreram nas Escolas de Filosofia Natural de Oxford e Paris que, de acordo com Youschkevitch (1976), constitui o locus onde, pela primeira vez, a noção de função aparece de uma forma mais geral. Cajori (2007, p. 187), inclusive, realça a representação gráfica de uma função feita por Oresme; entretanto, pontua que “[...] a dependência numérica de uma quantidade em relação a uma outra, como é encontrada em Descartes, não acontece entre aqueles matemáticos”. Desta forma, fica bastante claro que vários elementos do conceito de função estão presentes nos trabalhos dos referidos matemáticos da Idade Média, mas dificilmente obtiveram o grau de abstração necessário para conceber funções como objetos matemáticos. 7 A Antiguidade Na perspectiva de Youschkevitch (1976), a ideia de função pode ser encontrada, de forma implícita, na antiguidade, nas regras de medidas de áreas de figuras simples, como retângulos e círculos etc., e também nas tabelas de adição, multiplicação e divisão, que eram usadas para facilitar o cálculo. Entretanto, para ele, não havia, nesse período, nenhuma ideia geral de função. Há apenas o estudo de diferentes casos de dependência entre quantidades, encontrado entre os babilônios, os egípcios e os gregos, mas não há o isolamento de quantidades variáveis e de funções. Sastre Vásquez, Rey e Boubée (2008), corroborando com o pensamento de Youschkevitch (1976) e fundamentados nesse, localizam as raízes da noção de função no contexto do desenvolvimento do conceito de número. Dizem, portanto, que as quatro operações aritméticas elementares são funções de duas variáveis. Acrescentam, assim, que os babilônios [...] no manejaban aún el concepto de función, la noción de este concepto se encuentra implícita en las tablillas astronómicas, ya que éstas reflejaban observaciones directas de fenómenos enlazados por una relación aritmética, como por ejemplo, los períodos de visibilidad de un planeta y la distancia angular de ese planeta al Sol (SASTRE VÁSQUEZ, REY, BOUBÉE, 2008, p. 43, grifo dos autores). Esses autores, portanto, argumentam que o conceito de função está implícito na matemática babilônica. O argumenta remonta a, pelo menos, o livro The Development of Mathematics de E. T. Bell, publicado6 em 1940. Embora seja correto dizer que nós podemos considerar as tabelas babilônicas como funções, não segue disto que os próprios babilônios as consideraram, ou até poderiam as considerar, desta maneira. As tabelas matemáticas eram instrumentos usados para facilitar cálculos e não registros da variação concomitante entre quantidades variáveis. Mesmo as tabelas astronômicas eram provavelmente concebidas como registros de eventos e não de quantidades variáveis. Logo, não há nestas tabelas, da maneira em que foram concebidas e utilizadas pelos babilônios, qualquer indício dos elementos básicos do conceito histórico de função. Vários autores apontam para fórmulas usadas pelos gregos para, por exemplo, áreas e volumes, como evidência para a existência de um conceito de função na 6 Republicado por Dover Publications (New, York, 1992). 8 antiguidade. O mais forte entre esses argumentos, contudo, localiza o referido conceito no Almagesto de Ptolomeu. Assim, D’Ambrosio (2006, p. 7) argumento que Os matemáticos da Antiguidade não formalizaram o conceito de função. Talvez seja Ptolomeu quem mais se aproximou disso ao tratar de relações funcionais, na sua obra fundamental, o Almagesto, escrita no século II. A idéia de função somente veio a se formalizar com a emergência da matemática moderna, a partir do século XVII. O locus classicus deste argumento é o artigo “Logistics and and the Theory of Functions” de Olaf Pedersen, publicado em 1974. Contra-argumentos semelhantes aos apresentados no caso babilônico também são aplicáveis aqui. Mas, é Pedersen, citado por Youschkevitch (1976, p. 42), que condena seu próprio argumento ao afirmar que But if, continues Pedersen (p. 36), we conceive a function, not as formula, but as a more general relation associating the elements of one set of numbers (viz, points of time , , …) with the elements of another set (for example some angular variable in a planetary system), it is obvious that functions in this sense abound throughout the Almagest. Only the word is missing: the thing itself is there and clearly represented by the many tables of corresponding elements of such sets. O argumento de Pedersen é um monumento à ingenuidade, pois admite que não se encontre o conceito histórico de função no Almagesto, enquanto alega, em efeito, que ali se acha o conceito Dirichlet-Bourbaki, mesmo que este seja um conceito que foi desenvolvido na Idade Moderna/Contemporânea em resposta a certas necessidades da situação matemática de então, dos quais os antigos não tinham, nem poderiam ter, noção alguma. Conclusão Para tentar analisar se o conceito de função, de fato, remonta à antiguidade, reconstruímos a intuição do conceito histórico de função, localizando-a na caracterização feita por Euler (1787). Mostramos que os elementos básicos desse conceito não se encontram na Idade Antiga e, portanto, que o referido conceito também não pertence ao mencionado período. O fato de que vários historiadores eminentes da matemática têm incorrido no erro de argumentar que há um conceito implícito de função na antiguidade parece basear-se numa confusão. De fato, é inteiramente verdadeiro que nós, de posse do referido conceito 9 (especialmente quando se considera a versão Dirichlet-Bourbaki), podemos discernir que os textos antigos contêm implicitamente o que nós reconhecemos como funções. Esse fato, não obstante, não nos diz coisa alguma sobre a verdadeira situação história na antiguidade. Sugerir o contrário – explicitamente ou implicitamente! – é uma falsa modernização grosseira. Referências CAJORI, Florian. Uma História da Matemática. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2007. CAMPITELI, Heliana Cioccia; CAMPITELI, Vicente Coney. Funções. Ponta Grossa, PR: Editora UEPG, 2006. CARRAÇA, Bento de Jesus. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa: Tipografia da Matemática, 1951. EULER, Leonhard. Introductio in analysin infinitorum, 1748. [Série I, Volume VIII de Leonhardi Euleri Opera Omnia. Adolf Krazer e Ferdinand Rudio (Eds.). Leipzig: Sociedade Suíça de Ciências Naturais, 1922. Originalmente 1748.] ______. 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The Concept of Function up to the Middle of the 19 Century. Archive for the History of the Exact Sciences, v. 16, n. 1, p. 37-85, 1976/77. 10