1 “O ONTEM ETERNO”? Moradia e Desigualdade Sócio-Racial no Brasil, Desafio para o Serviço Social Ângela Ernestina Brito1 RESUMO O presente artigo retrata a questão da inserção do negro na sociedade brasileira focalizando o acesso a moradia. Considerando que a abolição não trouxe mudanças significativas às condições materiais e sociais que permitisse, aos negros, ter as mesmas oportunidades dos brancos. Assim, sem proteção do Estado foram buscar amparo nas nos quilombos, posteriormente com o advento da industrialização e a urbanização foram se aglomerando em periferias e lugares de difícil acesso, em favelas e cortiços. Palavras-chave: população negra; acesso a moradia; relações raciais; Serviço Social. 1 Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES, graduada em Serviço Social pela UNESP, Mestre em Educação pela UFScar e Doutoranda em Política Social pela Universidade Federal Fluminense-UFF. 1 2 I. INTRODUÇÃO 1.1. O Negro e o Brasil Colônia: “o ontem eterno”? No Brasil a desigualdade sócio-racial é uma das maiores do mundo, a diferença de renda no país pode ser atribuída a fatores estruturais sócio-econômicos, como a elevada concentração da riqueza mobiliária e imobiliária agravada pelos baixos salários reais e à persistência dos altos juros. O constante favorecimento dos ricos afeta negativamente o conjunto da população pobre responsável pela maior contribuição na arrecadação tributaria, que se constitui um dos fundamentos que contribuem para a permanência da desigualdade social do país (Pochman, 2005, p.62). Esse processo que perdura desde o sistema escravista tem gerado condições extremas de desigualdades sociais, que se manifestam entre regiões, estados, meio rurais e o meio urbano, entre centro e periferia e entre as raças. Essa desigualdade econômica reflete especialmente sobre a qualidade de vida da população: moradia, saúde, transporte, mortalidade infantil, longevidade e analfabetismo, dentre outros aspectos. No que tange a questão da moradia, a situação é drastica, os grandes centros urbanos estão “inchados”, a urbanização é a garantia de posse nas favelas e ocupações ilegais é outra linha de ação importante nessa área. Conforme Moura (1985) “Esta história começa com a chegada das primeiras levas de escravos vindos da África. Isto se dá por volta de 1549, quando o primeiro contingente é desembarcado em São Vicente”. Sendo os escravos a principal força de trabalho utilizada para explorar a terra, os negros por sua vez eram considerados também por seus aspectos físicos como: cor de pele e cabelo, seres inferiores e desprezíveis. De acordo com Moura (1989) no período colonial, o Brasil foi dividido em 14 capitanias hereditárias, dando terras aos nobres portugueses, que podiam explorá-las, pagando assim tributos a Portugal. O negro escravo vivia como se fosse um animal. Não tinha nenhum direito, e pelas Ordenações do Reino podia ser vendido, trocado, castigado, mutilado ou mesmo morto sem que ninguém ou nenhuma instituição pudesse intervir em seu favor. Era uma propriedade privada, propriedade como qualquer outro semovente, como porco ou um cavalo (Moura, 1989, p.15-16). 2 3 A partir de 1850, já com o Brasil independente, o país organiza-se para mudar o sistema econômico e abolir a escravatura. Os grandes proprietários formavam a elite econômica, e se organizaram para manter a propriedade da terra em suas mãos, foi por este motivo que surgiu a lei da terra n° 601/18502. Desse modo, quando os escravos foram “libertos”, não havia meio de eles buscarem terras. Saiu do único “abrigo” que conheceram por toda a vida apenas com seus míseros pertences e a roupa do corpo. Esta “libertação” chamou-se Lei Áurea. Os negros, que em sua maioria até então não tinham outro trabalho a não ser o braçal se viram, repentinamente, sem labor ou onde morar, pois sua permanência nas terras do antigo senhor de escravos não era mais possível, ao mesmo tempo o Brasil abriu suas portas à mão de obra imigrante, principalmente de pessoas vindas da Europa, ignorando os ex-escravos negros, em sua grande maioria, marginalizando-os, deixando-os a margem da sociedade, sem trabalho e sem acesso à escola, refugiados em quilombos, favelas, mocambos e palafitas. II. DISCUSSÃO TEÓRICA 2.1. Da Liberdade ao Esquecimento? Os negros declarados livres descobriram-se sem moradia, trabalho, meios de sobrevivência e consequentemente sem dignidade (Moura, 1989). E essa exclusão se faz presente ainda na atualidade, refletindo em todas as esferas sociais. Neste sentido, urge a necessidade do assistente social se apropriar dessa discussão, visto que através desta percepção da realidade o profissional poderá construir possibilidades de promoção dessa classe que tanto é discriminada.3 Consideramos que o descompromisso e descaso, do governo, visava à auto-extinção da população negra no Brasil, uma vez que eles não considerados eram mais úteis, para o 1-Uma das leis mais antigas que ainda valem no Brasil. Esta lei define que as terras ainda não ocupadas passam a ser propriedade do estado, e as já ocupadas podiam ser regularizadas como propriedade privada. Isso garantiu os interesses dos grandes proprietários, que estavam iniciando a produção do café. 3 De acordo De Moura, (2006) “não lhes foram oferecidas condições materiais para que criassem condições de re-organizar suas vidas, nem mesmo tiveram a garantia de elementos básicos a sobrevivência, como alimentação, moradia, saúde etc.”. 3 4 novo trabalho, tendo em vista também, a política de branqueamento vinculada no país. (De Moura, 2006) A partir da industrialização o negro, continuou a ser descartado. De escravo, o negro “liberto” passou a ser desempregado, vagabundo, nuca foi lhes dada a mesma condição ou oportunidade, socialmente, como os brancos. Consequentemente, sem aparo do Estado, uma grande parte buscou abrigos nas comunidades rurais chamadas na época de “terras de negros” atualmente conhecidas como comunidades quilombolas. “Tais comunidades se constituíram, geralmente, em terras sem título de propriedade, também terras doadas por fazendeiros e grandes proprietários” ( Moura, 2006). A princípio o quilombo aparece como uma forma de resistência dos negros às opressões do sistema escravista, hoje as condições de vida da população residente nessas comunidades pode ser considerado o contraposto rural/urbano, pois se tratando da estrutura das moradias, muitas não possuem água encanada, não tem esgoto e as condições de habitação são tão precárias quanto ou até pior. Grande parte da população sobreviveu e sobrevive até hoje nessas terras, na maioria das vezes, isolada, distantes das cidades e grandes centros. Porém a concentração de terras e a progressiva valorização das áreas onde se localizam os quilombos, e também pelo fato de as terras dos ex-escravos, na maioria das vezes, não possuem escrituras, assim passaram a ser disputadas por especuladores, grandes proprietários, produtores e extratores de bens naturais, que na maioria das vezes, não reconhecem o direito destas populações que vivem a gerações nessas terras e seus direitos sobre elas ( Moura, 2006). Os quilombos significaram uma forma organizada de resistência e escravidão. Despertando a consciência dos negros para uma luta mais eficaz contra o regime, ameaçando às instituições servis e debilitando a força de trabalho do modo de produção escravista. Muitos desses movimentos assumem um programa de transformação da sociedade. Inegavelmente a campanha abolicionista brasileira recebeu contribuições especiais do heroísmo de afrodescendentes através da luta de muitos deles como por exemplo; José do Patrocínio e Luís Gama.Portanto foram as fugas e rebeliões de escravos na fazendas, revoltas e manifestações citadinas de negros e abolicionistas populares, que os dirigentes abolicionistas assumiram uma postura decisivamente com pró-libertação, sem prazo e sem 4 5 condições, combinada com projetos de integração do negro no mercado de trabalho livre e de conciliação sócio-racial. Com a ascensão do capitalismo, a abolição era condição para definir a entrada do Brasil no mercado competitivo. Florestan Fernandes destaca que o medo de uma rebelião, e a ideia da incapacidade dos negros foram alguns dos motivos que se buscam na Europa imigrantes que substituíssem a força de trabalho. Em condições análogas às anteriores o escravo se tornara um “homem livre”. Além disso, houve outras leis que se diziam a favor do negro, mas na realidade eram contra: a lei dos sexagenários, a lei do ventre livre, e finalmente a lei áurea, submete o povo negro à marginalidade, e a partir de então passou a viver de trabalhos esporádicos e de mendicância, isso por que negaram-lhe o direito de ter as mesmas oportunidades de trabalho que o homem branco. Com o desenvolvimento industrial e a urbanização avançando na mesma proporção, a população negra cada vez mais excluída e inferiorizada, foi se aglomerando em periferias e lugares de difícil acesso ficando à mercê do “esquecimento” da sociedade e do Estado. (...) as condições iniciais de competição foram tais que, em geral, eliminaram o negro e o mulato das atividades mais dinâmicas e onde eram maiores as possibilidades de ascensão, confinando-os às ocupações mais instáveis e mal remuneradas, e mesmo a desocupação (...) o negro, após a abolição, se viu jogado no mundo competitivo sem ter sido preparado para ele, e enquanto não aprendia suas regras, perdia a concorrência para os imigrantes, sobretudo nas ocupações urbanas. Restava-lhe situações típicas de desemprego disfarçado (FERNANDES, 1995 citado por DE MOURA, 2006). O fim da escravidão e a substituição da mão de obra por trabalhadores europeus, sem a preocupação com a re-adequação dos ex-escravos que passaram agora a ocupar a posição de desempregados, transformava-os em desempregados permanentes ou subempregados. Passaram a exercer qualquer atividade que lhes garantissem o sustento como: camelôs, mascates, biscates, capoeiras, ambulantes4 em geral, entre outros. Desencadeando uma série de processos, entre eles o aprofundamento das condições de miséria da população negra. Condições estas visíveis com o aparecimento das favelas que surgem da necessidade de se obter moradia. 4 Embora existe estudos que comprovam que mesmo antes da escravidão, os negros já exerciam esses tipos de atividades. 5 6 As favelas são núcleos de habitações rústicas e improvisadas nas áreas urbanas e suburbanas, irregularmente em terreno invadido, sem infraestrutura, higiene, etc. As favelas ocupam as "piores" terras, as que apresentam problemas de enchentes, desabamentos, e que deixam seus moradores expostos ao risco de perder seu barraco, quando não a sua vida. Vejamos este gráfico que comprova a proporção de pessoas residentes por domicílio, onde os afrodescendentes ocupam uma maior concentração em domicílios irregulares: Conforme NAIFF, NAIF, 2005 as primeiras favelas surgiram no Rio de Janeiro logo após a guerra de Canudos e em São Paulo por volta da Segunda Guerra Mundial. Começam, no entanto, a ser mais visíveis quando se expande o processo de industrialização e urbanização. O surgimento das favelas está diretamente relacionado á migração, consequência das mutações das relações de trabalho no campo. Vejamos a tabela sobre o crescimento da população urbana: População em milhões Part. Relativa (%) Taxa crescimento (% a.a) Total urbana rural urbana Rural Total Urbana rural 1940 41236 12880 28356 31,26 68,76 2,33 3,84 1,58 1950 51944 18783 33162 36,16 63,84 3,05 5,32 1,54 1960 70191 31534 38657 44,9 55,07 2,87 5,15 0,60 ANO 6 7 1970 93139 52084 41054 55,92 44,07 1980 119002 80436 38560 67,59 32,41 2,48 4,44 0,62 Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1940 a 1980. É possível perceber o saldo negativo da herança escravista, haja vista que a grande massa da população negra residente na zona urbana, muitas vezes vive em localidades ilegais e/ou de difícil acesso, e convivem com problemas como ônus com pagamento de aluguel, adensamento domiciliar e a falta de saneamento básico, sem as mínimas condições necessárias a sua sobrevivência. Esta estatística comprova a quantidade de afrodescendentes que convivem sobre o mesmo domicílio, comprovando o déficit habitacional da a população negra. A cidade passa a ser o cenário de reconfiguração dos espaços urbanos, redesenhados pelo agravamento da questão social, pelo encolhimento do trabalho, pelas diferentes formas de precarização do trabalho e explosão do desemprego, deterioração dos espaços coletivos, privatização dos serviços públicos, pelo estabelecimento de novas formas de segregação e violência urbana, pelos novos circuitos de pobreza e riqueza que redefinem os tradicionais modelos de centro e periferias. (RAICHELIS, 2006) A realidade presente da população negra, não é muito diferente daquela vivenciada na escravidão, isso porque o circulo vicioso da pobreza permanece como um cativeiro, uma 7 8 barreira que impede que os negros tenham ascensão social. A miscigenação e a falta de conflitos abertos contribuíram para o mito de um país sem racismo e sem discriminação, contribuindo efetivamente para a manutenção do “status quo”. Os negros brasileiros têm feito pouco progresso na conquista de profissões de maior prestígio social, no estabelecimento de seus próprios negócios e na ocupação de posições de poder político, além de concentrarem-se em atividades manuais que exigem pouca qualificação e escolaridade formal. Esse quadro de desigualdades entre o negro e o branco está relacionado tanto a fatores estruturais quanto a discriminação. Entre os fatores estruturais, sem dúvida o mais significativo é o componente educacional. Ao se situarem nos grupos com menor acesso à educação formal, os negros também ocupam postos de menor prestígio no mercado de trabalho. As iniciativas governamentais no combate às desigualdades raciais, na atualidade, ainda tem um alcance limitado e podem ser mais facilmente identificadas nos documentos e recomendações do que por meio de ações práticas. O Programa Nacional de Direitos Humanos (MJ, 1998), por exemplo, dedica uma seção à apresentação de propostas relacionadas ao tema das desigualdades raciais, resultantes em grande parte dos trabalhos do GTI (Grupo de Trabalho Interministerial para valorização da população negra), criado após a mobilização das organizações do movimento negro por ocasião da celebração dos 300 anos de Zumbi dos Palmares, em 1995. O documento construindo a democracia racial (Presidência da República, 1998, p. 39), apresenta os “planos de ação que estão sendo ou serão desenvolvidos” em termos de políticas públicas. Este documento, juntamente com o Plano Nacional de Direitos Humanos, expressa as diretrizes governamentais para o combate às desigualdades raciais no Brasil. De maneira geral, o estado brasileiro, ainda não demonstrou o comprometimento necessário com a diminuição das desigualdades raciais. Constata-se, também, a descontinuidade de programas e a falta de sensibilidade de muitos técnicos e funcionários para incorporar o combate às desigualdades e à discriminação racial no seu cotidiano de trabalho. 2.2. O Assistente Social e o “Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade”. 8 9 Obviamente o mundo negro é ainda a grande vítima dos preconceitos e da discriminação étnica e racial sustentada pela ideologia racista que embora não exista oficialmente e institucionalmente, existe de fato no tecido social e na estrutura mental de todas as sociedades contemporâneas. Atualmente se analisarmos nossa sociedade poderemos verificar que a cidadania ainda não existe para o negro, basta olharmos a quantidade insignificante de negros que conseguem concluir o 3º grau, as chacinas onde centenas de negros são mortos, a grande dificuldade de ascensão social, a discriminação nos canais de televisão, a falta de acesso a educação a moradia, à saúde etc. É um processo carregado de ambiguidades, que embora apregoe o direito a cidadania a igualdade racial e a igualdade de oportunidades, na verdade discrimina, rejeita e desvaloriza. Isto significa certamente que, assim como no passado, os negros ainda continuam à margem da sociedade Mudaram os instrumentos de tortura, permanece o mesmo ideal de inferioridade. Durante todas essas décadas, em que os negros se encontram no Brasil, nunca houve uma condição positiva para eles. Se para alcançar a cidadania é necessário à participação social, pois ser cidadão é ser “homem participante”. Onde esta a cidadania da população negra? A cidadania na sociedade acontece quando a própria sociedade sabe tomar consciência das injustiças, descobre os direitos e vislumbra estratégias de reação para mudar os rumos da história. Nesse sentido, é importante destacar a importância da participação do Assistente Social no trato das questões ligadas à diversidade étnico-racial, o código de ética profissional determina: “Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças” (CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL, 1993, p. 3). Assim sendo, enfatiza-se a importância de uma intervenção de forma a prevenir e superar as relações discriminatórias que surgem em todas as esferas sociais (BRITO; LOPES: 2010). Entendemos que no racismo não há espaço para a cidadania porque ele explora o ser humano e nega que os negros possam ser seres humanos tal como os brancos. Os Assistentes Sociais devem ter, dentro de suas prioridades, combater o racismo, porque sem o combate ao racismo perderemos a oportunidade de conquistar a cidadania. BRITO (1998) destaca a necessidade do profissional de Serviço Social estar atento, as formas 9 10 de preconceito e discriminação que na maioria das vezes encontra-se velado. Assim o assistente social tem papel importante no trato crítico das relações sociais, sobretudo considerando que o serviço social é considerado profissão eminentemente interventiva – um profissional indispensável para a eliminação das situações de discriminação que vivemos. Assim sendo, tratando-se de profissionais que lidam cotidianamente com as refrações da questão social e, portanto, historicamente com a população empobrecida que são os afrodescendentes, acreditamos que o domínio de conhecimentos acerca da história, da cultura afro-brasileira e das questões concernentes ás relações raciais no Brasil, são necessários para se combater as diferentes formas de dominação e, sobretudo um instrumento contra o preconceito e discriminação, importantes “para um melhor aprimoramento pessoal como para um desempenho profissional mais consciente e crítico de intervenção diante da realidade social e econômica do público que busca seus serviços (BRITO; LOPES: 2010). Precisa-se pensar sobre metodologias específicas para: trabalhar com as famílias negras e inter-raciais, com as crianças negras nas escolas, com moradores afrodescendentes de comunidades quilombolas, favelas e outras, com a saúde dessa população considerando que há doenças que acometem especificamente a população afrodescendente, ao acesso ao trabalho, as relações sociais e de gênero que permeiam os locais do trabalho e outras ambientes institucionais. Enfatizamos que pensar em metodologias específicas para esta parcela estigmatizada da população, de forma alguma representa atitude discriminatória, e sim, em proposições de estratégias que tratam os “diferentes” de forma diferente. Sobretudo enfatizamos diversas pesquisas, tanto qualitativas como quantitativas, que comprovam a especificidades dos afrodescendentes nas áreas acima citadas. Desse modo, o assistente social precisa refletir sobre o seu papel diante das questões que envolvem os afrodescendentes, e a partir daí, pensar estratégias metodológicas para a realização dessa abordagem, contribuindo para o enfrentamento das questões raciais em todos os âmbitos institucionais na qual esteja inserido, especialmente no espaço escolar (BRITO; LOPES: 2010). III. CONSIDERAÇÕES FINAIS 10 11 Ao longo do presente trabalho podemos constatar a pouca produção de trabalhos científicos referentes à precariedade habitacional da população negra na sociedade brasileira. Tendo em vista a relevância do assunto e as suas implicabilidades no que tange o acesso à educação, saúde e segurança pública e outras áreas fundamentais ao desenvolvimento do ser humano, torna-se imprescindível voltar à atenção para a questão da moradia no Brasil, sobretudo da população negra inserida no espaço de discriminação, exclusão e agravamento da questão social no contexto de hegemonia neoliberal de minimização dos recursos nas áreas sociais. Considerando a análise da trajetória histórica e preconceituosa no país pode-se perceber o porquê da existência maciça de negros nas favelas e localidades mais vulneráveis a riscos de desabamentos, enchentes, e de situações que expõem tanto a sua integridade física, como moral e psicológica. Outro problema referente à questão da moradia no país é o fator do adensamento excessivo.5 O grau de adensamento domiciliar reflete a escassez da oferta de moradias adequadas e um descompasso entre o tamanho das famílias e o tamanho da residência. O Brasil passou por um grande processo de mudanças ao longo dos últimos anos, no que diz respeito às relações raciais. A percepção do país como uma democracia racial é cada vez menos consensual, e hoje diferentes setores da sociedade têm sua agenda política marcada pelo debate sobre o racismo como elemento constitutivo de nossa sociedade. Embora ainda esteja também presente a auto-imagem do Brasil como um país homogêneo e indiferenciado, encontra-se progressivamente maior abertura a experiências que procuram beneficiar grupos específicos, historicamente com menor acesso a oportunidades. No que diz respeito às desigualdades advindas das diferenças étnicas e raciais, o quadro apresentase mais tímido, porém já podem ser detectadas transformações no que diz respeito a uma maior frequência e a aceitação de programas que procurem atuar neste campo. O acesso a condições de moradia adequadas é um importante componente da qualidade de vida da população e pode ser averiguado a partir de atributos como: espaço adequado ao tamanho das famílias, disponibilidade de serviços de água, esgotamento 3. O adensamento excessivo refere-se aos domicílios superlotados, com uma densidade superior aos moradores por cômodo servindo como dormitório, parâmetro utilizado pela Fundação João Pinheiro e Ministério das Cidades. 11 12 sanitário e coleta de resíduos sólidos, segurança da posse e preços compatíveis com os níveis de renda da população. A moradia é então considerada como uma questão central para que se tenha uma boa qualidade de vida, e para que o negro seja considerado como cidadão. Considerando o supra citado, o direito à moradia é um direito legal previsto na constituição federal, mas que não é garantido de fato pelo Estado, enquanto a população negra continua com seus direitos negados, são o avesso da cidadania. Ocupam emprego de baixo escalão, moradia precária, além de enfrentar, muitas vezes a fome e o pior de tudo, a indiferença, o preconceito, por parte do Estado, e da população em geral, reforçando resquícios do sistema escravista. Podemos considerar que há um silenciamento por parte do Estado e dos estudos realizados pelos Assistentes Sociais no que diz respeito à questão racial, contrariando muitas vezes o Código de Ética que propõe a ampliação e consolidação da cidadania com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos, ou quando trabalha na perspectiva de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade e à discussão das diferenças. Consideramos que a questão do acesso a moradia por parte da população negra, constitui grande desafio para os assistentes sociais hoje. São poucos trabalhos que fazem recorte racial, na área do Serviço Social e, considerando que este profissional lida diretamente com a questão social e as mais variadas formas de exclusão, que afeta diretamente os negros, faz-se necessário refletirmos sobre nossas práticas profissionais. 12 13 REFERÊNCIAS: Atlas da exclusão social, volume 5: agenda não liberal da inclusão Social no Brasil/Márcio Pochman...( ET. AL.), (organizadores).São Paulo: Cortez, 2005.(p.62). CARNEIRO, M. L. T. O racismo na história do Brasil: Mito e Realidade. 7ª ed, São Paulo: Editora Ática,1998. FERNANDES, F. A integração do Negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Ática, 1978. GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1995. __________________ Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2002. __________________ Acesso de Negros às Universidades Públicas. Caderno de pesquisa, nº 118, p. 247-268, março/2003. São Paulo. HASENBALG, C. & SILVA, N. V. 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