RAÇA E CLASSE: LUTA INSTITUCIONAL CONTRA O RACISMO Wilson Honório da Silva Graduado em História e Mestre em Ciências da Comunicação/Cinema Professor universitário (História da Arte e Metodologia do Ensino de História) Militante do Movimento Nacional “Quilombo Raça e Classe” e do GT LGBT da CSP-Conlutas RAÇA E CLASSE: LUTA INSTITUCIONAL CONTRA O RACISMO "A sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo". Florestan Fernandes. A integração do negro na sociedade de classes: no limar de uma nova era. (Vol. 1, 1978). CONTRA O QUE LUTAMOS: A construção social dos abismos raciais Raça é um conceito político ideológico construído historicamente. “NEGRO”, SEGUNDO O AURÉLIO: Negro: (adjetivo). 1. De cor preta. 2. Diz-se dessa cor, preto. 3. Diz-se do Indivíduo de raça negra; preto. 4. Preto. 5. Sujo, encardido, preto. (...) 7. Muito triste, lúgubre. (...) 8. Melancólico, funesto. (...) 9. Maldito, sinistro (...) 10. Perverso, nefando (...) (sinônimo) 11. Indivíduo de raça negra. 12. Escravo. “BRANCO” SEGUNDO O AURÉLIO: Branco: (adjetivo) (...) 2. Da cor da neve, do leite, do cal, alvo. 3. Diz-se das coisas que não sendo brancas, têm cor mais clara que outras da mesma espécie. (...) 4. Claro, transparente, translúcido. 5. Pálido, descorado. (...) 6. Prateado, argentado.(...) 8. Diz-se do Indivíduo da raça branca. (figurativo) 9. Sem mácula, Inocente, puro, cândido, Ingênuo (sinônimo) 10. A cor branca.(...) 12. Homem de raça branca. SEGUNDO A IGREJA, “DESALMADOS” No Brasil, uma das versões mais bizarras da “lógica” católica foi formulada pelo famoso padre Antonio Vieira, segundo o qual, “os negros foram escolhidos por Deus e feitos à semelhança de Cristo para salvar a humanidade através do sacrifício”, ou seja, “a escravidão era “um estado de milagrosa felicidade, por meio do qual o africano podia se salvar do inferno”[1]. Uma tese que o padre desenvolveu com todas as letras em seu “Sermão 14”, pronunciado em 1633 aos escravos da Irmandade dos Pretos de um engenho: “Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado (...) porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, e em toda a sua paixão (...) Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isso se compõe a vossa imitação, que se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio”. • [1] Kok, Glória Porto. A escravidão no Brasil colonial. São Paulo: Saraiva. 1997 (Coleção “Que história é esta?”), pág. 19. A REDENÇÃO DE CAN (MODESTOS BROCOS, 1895) Discursos feitos no Congresso, defendendo subsídios para imigrantes europeus, no final do século XIX. Teses defendidas por João Batista Lacerda, no Congresso Universal das Raças, em Londres (1911). A TEORIA DO EMBRANQUECIMENTO Nina Rodrigues, Silvio Romero e a teoria do embranquecimento O maranhense Nina Rodrigues destacou-se particularmente pelos estudos sobre os negros em livros como Os Africanos no Brasil (1932) e por sua crença de que “a igualdade de direitos era uma utopia”. Já o sergipano Romero, tem uma vasta produção nas áreas do “folclore” e literatura. SÍLVIO ROMERO: "A vitória lia luta pela vida, entre nós, pertencerá no porvir (futuro), ao branco; mas para essa mesma vitória (o branco) tem necessidade de aproveitar-se do que de útil as outras duas raças lhe podem fornecer; máxime a preta, com que tem mais cruzado. Pela seleção natural, todavia depois de prestado auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância até mostrar-se puro e belo como no velho mundo. Será quando já estiver de todo aclimatado no continente. Dois fatos contribuirão largamente para esse resultado: de uma lado, a extinção do tráfico negreiro e o desaparecimento constante dos índios, e de outro a imigração europeia” NINA RODRIGUES: “OS AFRICANOS NO BRASIL” "A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestes serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão (...) há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo”. "A constituição orgânica do negro, modelado pelo habitat físico e moral em que se desenvolveu, não comporta uma adaptação à civilização das raças superiores, produtos de meios físicos e culturais diferentes”. O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL (CENA FAMILIAR, DEBRET, CERCA DE 1820) GILBERTO FREYRE E O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL “O intercurso sexual de brancos dos melhores estoques — inclusive eclesiásticos, sem dúvida nenhuma, dos elementos mais eugênicos na formação brasileira — com escravas negras e mulatas foi formidável. Resultou daí grossa multidão de filhos ilegítimos — mulatinhos criados com a prole legítima, dentro do liberal patriarcalismo das casas-grandes; outros à sombra dos engenhos de frades; ou então nas “rodas” e orfanatos” (Freyre, 1987:91). CONTINUA GILBERTO FREYRE: “Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se construiu mais harmoniosamente quanto às relações raciais: dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo aproveitamento dos valores e experiências dos povos mais atrasados pelo adiantado; no máximo da contemporização da cultura adventícia com a nativa, da do conquistador com o conquistado” (Freyre, 1987:91) A IDEOLOGIA INTROJETADA: Negros e negras e a reprodução do discurso racista POPULAÇÃO BRASILEIRA, POR RAÇA: O CENSO E A COR, PELA POPULAÇÃO “A Identidade e a consciência étnica são penosamente escamoteadas pelos brasileiros. Ao se auto-analisarem, procuram sempre elementos de Identificação com os símbolos étnicos da camada branca dominante”. No Censo de 1980, por exemplo, os não brancos brasileiros, ao serem inquiridos pelos pesquisadores do IBGE sobre sua cor, responderam que ela era acastanhada (...), alva escura (...) amarela queimada (...), baiano (...), branca morena (...), branca queimada (...), morena, morena bem chegada, morena bronzeada, morena canelada, morena castanha, morena clara (...), mulata (...), parda clara (...), pouco clara, pouco morena (...), puxa para branca, (...) regular (...), quase negra (...). O total de 136 cores bem demonstra como o brasileiro foge da sua verdade étnica, procurando, através de simbolismos de fuga, situar-se o mais possível próximo do modelo tido como superior“ (Retrato do Brasil, vol. 1, pág. 112) Foras-da-lei: marginalização como lógica do racismo DEPOIS DE 400 ANOS... "Para fora: o homem negro é expulso de um Brasil moderno, cosmético, europeizado. Para dentro: o mesmo homem negro é tangido para os porões do capitalismo nacional, sórdido, brutesco. O senhor liberta-se do escravo e traz ao seu domínio o assalariado, migrante ou não. Não se decretava oficialmente o exílio do ex-cativo, mas este passaria a vivê-lo como um estigma na cor da sua pele." Alfredo Bosi (Dialética da colonização, 1992). DEPOIS DE 400 ANOS.... Os negros escravos foram comparados a instrumentos de trabalho e animais: era-lhes negado o status de humanos. Com a abolição, o negro foi relegado ao status de cidadão de segunda classe, excluído dos direitos sociais (inclusive jurídicos) e desconsiderado por uma concepção de história branca e européia que enfatizava o movimento operário na perspectiva do branco imigrante europeu. . UM ABISMO DE RAÇA E CLASSE Média salarial – IBGE (2010) Brancos...............R$ 1.538,00 Negros.........R$ 834,00 Pardos..........R$ 845,00 RENDIMENTO DOS OCUPADOS NEGROS GANHAM 60% DO SALÁRIO PAGO AOS BRANCOS Pesquisa do Dieese/Seade mostra que 60,4% do valor pago a outros grupos raciais. De acordo com o estudo elaborado em conjunto pelo Dieese e pela Seade, um negro (grupo que inclui pretos e pardos) ganha, em média, R$ 5,81 por hora trabalhada, contra R$ 9,62 pagos a um nãonegro. • O estudo mostra que o principal motivo dessa desigualdade é a presença do negro em postos de trabalho menos especializados. Na construção civil, por exemplo, estavam empregados, em 2010, 8,8% dos negros e 5% dos não-negros. No serviço público, a desigualdade segue, com a presença de 8,4% dos ocupados não-negros e 6,2% de negros. • No grupo que inclui desde profissionais autônomos com ensino superior até donos de negócios, o percentual é de 3,9% contra 9% de outras camadas sociais. ANALFABETISMO ENTRE NEGROS(AS) A taxa de analfabetismo é um dos indicadores em que a existência de dois Brasis se revela com mais vigor. Entre 2000 e 2010, o número de analfabetos com 15 anos de idade ou mais recuou de 13,63% para 9,6%. Enquanto na população branca existem 5,9% de analfabetos com 15 anos ou mais, entre os negros a proporção é de 14,4%, e entre os pardos, de 13%. Nas cidades pequenas, com até 5.000 habitantes, o analfabetismo entre os negros atinge 27,1%. Em Salvador, brancos ganham 3,2 vezes mais que pretos. Na comparação entre brancos e pardos, São Paulo aparece no topo da lista da desigualdade, com rendimentos 2,7 vezes maior. RACISMO E MACHISMO EM CIFRAS EU, RACISTA? NUNCA!!! É comum dizer que não há racismo no Brasil. Contudo, o preconceito é identificado e reconhecido pela população brasileira. Prova disso é a pesquisa de opinião realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2003. Nela, 87% dos brasileiros admitem que há racismo no Brasil. Destes, apenas 4% se reconhecem como racistas. DISCRIMINAÇÃO POLICIAL Na pesquisa da Perseu Abramo, 51% dos negros declararam que já sofreram discriminação da polícia, percentual que cai para 15% quando a mesma pergunta foi feita aos brancos MAPA DA VIOLÊNCIA 2010 A violência e racismo também aparecem relacionados no Mapa da Violência 2010, em que são analisados os homicídios entre 1997 e 2007. O estudo indica que um negro tem 107,6% mais chances de morrer assassinado do que uma pessoa branca. Leis acompanham a formação da ideologia REFLEXOS DA TEORIA Política de imigração na Velha República: Em 1890, por exemplo, o governo republicano que recém havia tomado o poder baixou um decreto sobre imigração que determinava que os asiáticos e africanos só poderiam ser admitidos nos portos do país "mediante autorização do Congresso Nacional". • Eliminação do item “raça” em sucessivos censos, a partir de 1910. • Em 18 de setembro de 1945, um decreto de Getúlio Vargas, sobre a política de imigração no país, defendia que ela deveria obedecer à "necessidade de preservar e desenvolver na composição étnica do País as características mais convenientes de sua ascendência europeia”. LEIS E DISCRIMINAÇÃO RACIAL "A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um." (Art. 179, inciso XIII da Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824) "Todos são iguaes perante a lei." (Art. 72 § 2º da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891) "Todos são iguaes perante a lei. Não haverá privilégios, nem distincções, por motivos de nascimentos, sexo, raça, profissões próprias ou dos paes, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideas políticas." (Art. 113, § 6º da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934) LEIS E DISCRIMINAÇÃO RACIAL A discriminação racial só foi reconhecida oficialmente em 1951, coma aprovação da Lei Afonso Arinos. Cem anos após a abolição da escravatura, o Estado brasileiro, pela segunda vez, admitiria a existência da discriminação contra os negros e tipificaria tal procedimento como crime inafiançável e imprescritível (artigo 5º, inciso XLII, da Constituição de 1988), sujeitando os responsáveis à pena de reclusão. O ESTATUTO DA (DES)IGUALDADE “É ‘extraordinária’ e uma ‘vitória fantástica’. Com esse estatuto nós colocamos uma argamassa poderosa na consolidação e sedimentação da nossa democracia. Fora do ambiente democrático, nós não teríamos condições de discutir esse tipo de matéria sobre a inclusão de negros e negras. Com a inclusão de negros e negras damos um passo definitivo na consolidação da democracia.” Edson Santos Ministro da Seppir (2010) O ESTATUTO DA (DES)IGUALDADE O que poderia ter sido um avanço não passou de um acordo entre o PT, através do Deputado Paulo Paim, a SEPPIR e representantes do agronegócio e ruralistas, por meio do Senador Demóstenes Torres do DEM, relator da Comissão de Constituição e Justiça. • Desta forma, o estatuto aprovado suprimiu pontos importantes como: as cotas de negros nas universidades públicas, o que não tem nos causa espanto na medida em que teve um relator que defende as cotas sociais e não raciais e que o acesso à universidade deve ser baseado no “princípio do mérito e da capacidade de cada um”. Da mesma forma, foi suprimida as cotas do mercado de trabalho, assim como a a redução do percentual de 30% para 10% de cotas reservadas a participação de negros em partidos políticos. Outro aspecto importante excluído do texto original foi o que tratava da regularização de terras para remanescentes de quilombos. Há ainda neste estatuto erros gravíssimos do ponto de vista conceitual, a exemplo da retirada das categorias raça, escravidão e identidade negra. Nabuco e Luis Gama: duas perspectiva na luta contra o racismo LUÍS GAMA "O escravo que mata o seu senhor pratica um ato de legítima defesa.“ Luís Gama (Salvador,1830 — São Paulo, 1882) LUÍS GAMA "Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença,o estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão, tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade." NABUCO E O “SUJEITO” DA ABOLIÇÃO "A propaganda abolicionista, com efeito, não se dirige aos escravos.(...) A emancipação há de ser feita, entre nós, por uma lei que tenha os requisitos, externos e internos, de todas as outras. É, assim, no Parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade. Em semelhante luta, a violência, o crime, o desencadeamento de ódios acalentados, só pode ser prejudicial ao lado que tem por si o direito, a justiça, a procuração dos oprimidos e os votos da humanidade toda.“ Nabuco “O Abolicionismo” NABUCO, PATROCÍNIO E A “REDENTORA” “Façamos nós, antes que eles o faça” LEI: BURLAR OU RESPEITAR Utilizava-se das brechas existentes nas próprias leis escravistas, que não eram respeitadas pelos fazendeiros. A principal delas era a de 1831, pela qual foram declarados livres todos os escravos que ingressassem no país após aquela data. LUÍS GAMA “Sou detestado pelos figurões da terra, que já me puseram a vida em risco; mas sou estimado em muito pela plebe. Quando fui ameaçado pelos grandes, que hoje encaram-me com respeito, e admiram minha tenacidade, tive a casa rondada e guardada pela gentalha”. LUÍS GAMA “Aos positivistas da macia escravidão, eu anteponho o das revoluções da liberdade; quero ser louco como John Brown, como Espártacus, como Lincoln, como Jesus; detesto, porém, a calma farisaica de Pilatos”. LUÍS GAMA “Ciências e letras Não são para ti Pretinho da Costa Não é gente aqui (...) Desculpa, meu caro amigo Eu nada te posso dar; Na terra que rege o branco, Nos privam ‘té de pensar” Luis Gama – No Álbum — do meu amigo J.A. da Silva Sobral - Trovas Burlescas de Getulino. Movimento negro ea quilombolagem MOVIMENTO NEGRO E QUILOMBOLAGEM “Entre eles, tudo que é produzido é distribuído de acordo com o trabalho e a necessidade de cada um” (relato de espião enviado pelo governador de Pernambuco, 1694) MAPA DO QUILOMBO DOS PALMARES ZUMBI DOS PALMARES HISTÓRIA DO NEGRO BRASILEIRO “Entendemos por quilombagem o movimento de rebeldia permanente organizado e dirigido pelos próprios escravos que se verificou durante o escravismo brasileiro em todo o território nacional. Movimento de mudança social provocado, ele foi uma força de desgaste significativa ao sistema escravista, solapou as suas bases em diversos níveis – econômico, social e militar – e influiu poderosamente para que esse tipo de trabalho entrasse em crise e fosse substituído pelo trabalho livre”. Clóvis Moura História do Negro Brasileiro (1989) MARCOS DA “QUILOMBOLAGEM” E DA REBELDIA NEGRAS Rebeliões coloniais, como a "Inconfidência Baiana“ ou Revolta dos Alfaiates, de 1798. Participação ativa e militante na Cabagem, Balaiada, Revolução dos Farrapos (Lanceiros Negros).Entre seus dirigentes e participantes, contavam-se "negros forros, negros escravos, pardos escravos, pardos forros, artesãos, alfaiates, enfim componentes dos estratos mais oprimidos, e/ou discriminados na sociedade colonial da Bahia da época". A REVOLTA DOS MALÊS A Revolta foi planejada por um grupo de africanos muçulmanos —negros de origem haussa e nagô, chamados de malês, devido ao fato de que, em ioruba, muçulmano é imale — formado, dentre outros, por Ahuma, Pacífico Licutan , Luiza Mahin, Aprício, Pai Inácio, Luís Sandim, Manuel Calafate, Elesbão do Carmo, Nicoti e Dissalu. A data escolhida, o amanhecer de 25 de janeiro, coincidia com um dia importante do ponto de vista religioso: o fim do mês sagrado muçulmano, o Ramadã, e dos tradicionais festejos religiosos dedicados a Nossa Senhora da Guia, que manteriam ocupados os católicos • O objetivo da conspiração era libertar seus companheiros islâmicos e negros em geral e matar brancos e mulatos considerados traidores. Uma meta que traduzia a complexa combinação entre escravidão negra e perseguição religiosa, imposta pelos colonizadores católicos. • Dois aspectos singulares influenciaram todo o processo. Em primeiro lugar, diferentemente da grande maioria dos negros (que compunham mais da metade dos cerca de 20 mil habitantes de Salvador) os malês sabiam ler e escrever em árabe. Além disso, boa parte dos líderes da Revolta, era formada por “negros de ganho” (escravos que faziam serviços urbanos, artesanato ou vendas, recebendo algo por isso) o que não só facilitava sua circulação pela cidade, mas também possibilitou que muitos deles comprassem sua alforria e, nos meses que anteriores à Revolta, adquirissem armas. • O número de pessoas envolvidas na preparação da rebelião (entre libertos, escravos, islâmicos e gente que professa outras religiões) varia de acordo com a documentação entre 600 e 1.500, a grande esmagadora deles nascidos na própria África. A REVOLTA DOS MALÊS De forma desorganizada, a Revolta tomou a cidade, mas, devido à inferioridade numérica e de armamentos, acabou sendo massacrada pelas tropas da Guarda Nacional, pela polícia e por civis armados que estavam apavorados ante a possibilidade do sucesso da rebelião negra. Durante os confrontos, morreram cerca de 70 negros e aproximadamente 10 soldados das forças repressoras. Com a derrota, centenas foram presos, sendo condenados à deportação (muitos para a África, algo até então inédito no Brasil), a brutais castigos ou à pena de morte. Na seqüência do evento, instalou-se na Bahia, sobretudo em Salvador e Santo Amaro, a mais generalizada e cruel repressão contra os escravos que estendeu a perseguição a outros malês. O temor provocado pela rebelião foi tamanho que a corte imperial proibiu a transferência de qualquer escravo baiano para qualquer outra região do país. ” LUÍZA MAHIN: MULHER GUERREIRA Esta africana guerreira teve importante papel na Revolta dos Malês. Pertencente à etnia jeje, alguns afirmam que ela foitransportada para o Brasil, como escrava; outros se referem a ela como sendo natural da Bahia e tendo nascido livre por volta de 1812. Em 1830 deu a luz a um filho, Luis Gama, que mais tarde se tornaria poeta e abolicionista e escreveria as seguintes palavras sobre sua mãe: ‘‘Sou filho natural de uma negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã’’. Luiza Mahin foi uma mulher inteligente e rebelde. Sua casa tornou-se quartel general das principais revoltas negras que ocorreram em Salvador em meados do século XIX, dentre elas a chamada Grande Insurreição, de 1835. Luiza conseguiu escapar da violenta repressão desencadeada pelo Governo da Província e partiu para o Rio de Janeiro, onde também parece ter participado de outras rebeliões negras, sendo por isso presa e, possivelmente, deportada para a África. REVOLTA DA CHIBATA "Revolta da Chibata" em 1910, capitaneada pelo marinheiro João Cândido. Através da revolta da Armada, Cândido conseguiu fazer com que a Marinha de Guerra do Brasil deixasse de aplicar a pena de açoite aos marujos (negros, em sua maioria). Apesar da vitória e de uma promessa de anistia, a liderança do movimento havia sido praticamente exterminada um ano depois, e o próprio João Cândido, embora tenha sobrevivido ao expurgo, acabou seus dias esquecido e na miséria. O Lulismo tem sido cúmplice de seu não reconhecimento. IMPRENSA NEGRA: O JORNAL COMO ORGANIZADOR DO MOVIMENTO Tendo como principais centros de mobilização as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, os movimentos sociais afro-brasileiros, a partir de meados dos anos 1910,tem como principal expressão o surgimento da imprensa negra paulista, cujo primeiro jornal, O Menelick, começa a circular em 1915. Seguem-lhe A Rua (1916), O Alfinete (1918), A Liberdade (1919), A Sentinela (1920) e o Clarim d' Alvorada (1924). Esta onda perdura até 1963, quando foi fechado o Correio d'Ébano. Conforme assinala Moura,[9] tratava-se de "uma imprensa altamente setorizada nas suas informações e dirigida a um público específico". O CLARIM O MENELICK VOZ DA RAÇA FRENTE NEGRA BRASILEIRA Fundada em 16 de setembro de 1931, graças a uma forte organização centralizada na figura de um "Grande Conselho" de 20 membros, presidida por um "Chefe" (o que lhe valeu a acusação de movimento fascista), e contando com milhares de associados e simpatizantes, a FNB teve uma atuação destacada na luta contra a discriminação racial, tendo sido, por exemplo, responsável pela inclusão de negros na Força Pública de São Paulo. Depois dos êxitos obtidos, a FNB resolveu constituir-se como partido político, e nesse sentido, deu entrada na Justiça Eleitoral em 1936. • Em 1937, com a decretação do Estado Novo por Getúlio Vargas, todos os partidos políticos – inclusive a Frente Negra – foram declarados ilegais e dissolvidos. A partir daí e praticamente até a Redemocratização, em 1945, os movimentos sociais negros tiveram de recuar para suas formas tradicionais de resistência cultural. TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO Em 1944, Abdias do Nascimento fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN). Nascimento foi o responsável por expressiva produção teatral onde buscava dinamizar "a consciência da negritude brasileira" e combater a discriminação racial. Durante sua existência, até início dos anos 1950, publicou o jornal “Quilombo” QUILOMBO A CULTURA COMO RESISTÊNCIA Nas palavras de Clóvis Moura:“(…) durante a escravidão o negro transformou não apenas a sua religião, mas todos os padrões das suas culturas em uma cultura de resistência social. Essa cultura de resistência, que parece se amalgamar no seio da cultura dominante, no entanto desempenhou durante a escravidão (como desempenha até hoje) um papel de resistência social que muitas vezes escapa aos seus próprios agentes, uma função de resguardo contra a cultura dos opressores.” SOLANO TRINDADE (RE CIF E 1908 – RIO DE JAN E IRO 1974) Poeta brasileiro, folclorista, pintor, ator, teatrólogo, cineasta e militante político. • No ano de 1934 idealizou o I Congresso Afro-Brasileiro no Recife, Pernambuco, e participou em 1936 do II Congresso Afro-Brasileiro em Salvador, Bahia. • Mudou-se para o Rio de Janeiro, nos anos 40 e logo depois para a São Paulo, onde passou a maior parte de sua vida no convívio de artistas e intelectuais. Participou de um grupo de artistas plásticos com Sakai de Embu onde integrou na produção artística a cultura negra e tradições afro-descendentes. CANTARES AO MEU POVO “Lá vem o navio negreiro Com carga de resistência Lá vem o navio negreiro Cheinho de inteligência” Solano Trindade SOU NEGRO, A DIONE SILVA Sou Negro meus avós foram queimados pelo sol da África minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs Contaram-me que meus avós vieram de Loanda como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo e fundaram o primeiro Maracatu. Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi Era valente como quê Na capoeira ou na faca escreveu não leu o pau comeu Não foi um pai João humilde e manso Mesmo vovó não foi de brincadeira Na guerra dos Malês ela se destacou Na minh'alma ficou o samba o batuque o bamboleio e o desejo de libertação... ” GRAVATA COLORIDA Quando eu tiver bastante pão para meus filhos para minha amada pros meus amigos e pros meus vizinhos quando eu tiver livros para ler então eu comprarei uma gravata colorida larga bonita e darei um laço perfeito e ficarei mostrando a minha gravata colorida a todos os que gostam de gente engravatada... CANTA AMÉRICA Não o canto de mentira e falsidade que a ilusão ariana cantou para o mundo na conquista do ouro nem o canto da supremacia dos derramadores de sangue das utópicas novas ordens de napoleônicas conquistas mas o canto da liberdade dos povos e do direito do trabalhador... ROSA PARKS (DEZEMBRO DE 1955) ROSA PARKS UM ANO DEPOIS MARTIN LUTHER KING: “EU TENHO UM SONHO...” MALCOLM X: “NÃO HÁ CAPITALISMO SEM RACISMO” PANTERAS NEGRAS E O “BLACK POWER” BAR STONEWALL: BERÇO DO MOVIMENTO GLBT REBELIÃO DE STONEWALL 28 DE JUNHO DE 1969 PRIMEIRA MARCHA DO ORGULHO GLBT (1970) Movimento negro e a luta pela democratização O MNU E O ASCENSO DO FINAL DOS ANOS 1970: A LUTA ANTI-REGIME A ditadura militar brasileira inviabilizou todas as manifestações de cunho racial. Os militares transformaram o mito da "democracia racial" em peça chave da sua propaganda oficial, e tacharam os militantes (e mesmo artistas) que insistiam em levantar o tema da discriminação como "impatrióticos", "racistas" e "imitadores baratos" dos ativistas estadunidenses que lutavam pelos direitos civis. Discutir raça era, essencialmente, umaafronta ao caráter nacional. O movimento negro, enquanto proposta política, só ressurgiria realmente em 7 de Julho de 1978, quando um ato público organizado em São Paulo contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê, deu origem ao Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU). A data, posteriormente, ficaria conhecida como o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. ATO PÚBLICO DO MNU: 07.07.1978 DEMOCRATIZAÇÃO E COOPTAÇÃO Em 1984 foi criado o primeiro órgão público voltado para o apoio dos movimentos sociais afrobrasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no governo Franco Montoro. A Comissão Arinos, formada no interior do governo Montoro, formatou a lei que criminalizou a discriminação racial na Constituição brasileira de 1988. A tipificação do racismo como crime foi estabelecida pela Lei Caó, de autoria do deputado Carlos Alberto de Oliveira, promulgada em 1989. MARCHA ZUMBI DOS PALMARES (1995) RAÇA E CLASSE combate ao racismo e luta anti-capitalista J. P. CANNON A esquerda revolucionária teve posições bastante contraditórias (e geralmente equivocadas) no que diz respeito à relação entre a luta contra o racismo e a estratégia revolucionária. Como destacou o dirigente trotskista James Cannon (em um artigo publicado originalmente em 1959), “o movimento socialista anterior (...) jamais reconheceu a necessidade de um programa especial para a questão do negro. Esta era considerada pura e simplesmente um problema econômico, uma parte da luta entre os operários e os capitalistas; a idéia era que não se podia fazer nada sobre os problemas especiais da discriminação e a desigualdade antes da chegada do socialismo” (Cannon: 2000, 03) J. P. CANNON Como lembra Cannon, esta postura totalmente equivocada, além de impossibilitar a incorporação de negros e negras à luta revolucionária, era e é um erro do ponto de vista político e metodológico que, nos Estados Unidos, só começou a ser corrigido na década de 20, quando o partido, influenciado pela Revolução Russa e por Lênin, começou a atuar poderosamente “para dar nova forma ao movimento operário e auxiliar os operários negros a conseguir neste movimento o lugar que anteriormente lhes havia sido negado”. (Cannon: 2000, 10) Foi esta concepção que permitiu aos revolucionários norte-americanos avaliar corretamente as lutas de negros e negras norte-americanos na década de 50, no movimento pelos direitos civis. Ressaltando que “a política do gradualismo [conquistas graduais, defendidas pelos setores reformistas da época], de prometer a liberdade ao negro dentro do marco do sistema social que o subordina e degrada, não está dando resultado”, Cannon alertou que, exatamente por suas limitações e contradições, esse processo poderia conduzir a militância negra para uma nova etapa que, em aliança com os revolucionários, poderia cumprir um papel fundamental na construção do socialismo. J. P. CANNON “Na próxima etapa de seu desenvolvimento, o movimento negro norte-americano se verá obrigado a orientar-se a uma política mais combativa que a do gradualismo e buscar aliados mais confiáveis que os políticos capitalistas do Norte (...) . Os negros, mais que ninguém neste, tem motivo —e direito —para ser revolucionários. As reformas e as concessões, muito mais importantes e significativas que as obtidas até agora, serão subprodutos desta aliança revolucionária. Em cada fase da luta se lutará a seu favor e elas serão seguidas. Porém, o novo movimento não se deterá com as reformas, não será satisfeito com concessões. O movimento do povo negro e o movimento operário combativo, unificados e coordenados por um partido revolucionário, resolverão a questão dos negros da única maneira em que pode ser resolvida: mediante uma revolução social” (Cannon: 2000, 15) GEORGE NOVACK “Os marxistas são amiúde acusados por seus inimigos de negar, ignorar ou subestimar as peculiaridades nacionais em favor das leis históricas universais. Não é verdade. Não é correta essa crítica, embora alguns marxistas individualmente possam ser acusados de tais erros. O marxismo não nega a existência e a importância das peculiaridades nacionais. Seria teoricamente estúpido e praticamente sem valor se o fizesse, dado que as diferenças nacionais podem ser decisivas para orientar a política do movimento operário, de uma luta nacional ou de um partido revolucionário, durante certo período num dado país. (...) Os marxistas que não levarem em conta este fator, como chave de sua orientação organizativa, estarão violando o espírito do seu método. (...)” (Novack, 1988: 37) GEORGE NOVACK “Nos Estados Unidos (...), a luta dos negros contra seu caráter de cidadãos de segunda classe se caracteriza por não ser um movimento pela separação e sim pela demanda de integração incondicional à vida americana, sobre bases iguais. Sem ter em conta este caráter específico é impossível compreender as principais tendências da luta dos negros americanos na atual etapa.” (Novack, 1988: 38). GEORGE NOVACK “Um dos maiores problemas que a revolução democrático burguesa dos Estados Unidos deixou sem resolver foi a abolição dos velhos estigmas da escravidão, com a integração sem restrições dos negros na vida norteamericana. (...) A questão que agora está colocada é se os atuais governantes capitalistas ultra-reacionários dos EUA poderão levar a cabo um tarefa nacional que foram incapazes de completar em sua época revolucionária. Os porta vezes dos democratas e republicanos consideram necessário dizer que poderão de fato cumprir esta tarefa; os reformistas de todo tipo juram que o governo burguês poderá fazê-lo. É nossa opinião, contudo, que só a luta conjunta do povo negro e das massas operárias contra os governantes capitalistas será capaz de combater os restos da escravidão até sua conclusão vitoriosa. Nesse sentido, a revolução socialista completará o que resta realizar da revolução democrático-burguesa.” (Novack, 1988: 64) O “ESPÍRITO” DA CONTRACULTURA