ROF 93 Mar/Jun 2010 INTOLERÂNCIA A EXCIPIENTES Houve um paciente com uma infecção ao qual foi prescrita uma preparação líquida oral de eritromicina (125 mg/ml). Imediatamente após a sua administração, o paciente sofreu fortes dores abdominais, náuseas e vómitos. Duvidando de uma alergia à eritromicina, prescreveu-se outra formulação de eritromicina (250 mg/ml). Esta última não produziu nenhum dos sintomas prévios. De facto, o paciente tinha reagido a um excipiente utilizado na formulação de 125 mg/ml, ausente na formulação de 250 mg/ml.1,2 Os excipientes incluídos nas formas farmacêuticas, por não te‑ rem propriedades curativas ou preventivas de doenças ou dos seus sintomas, são assumidos como inactivos.3,4 Surge então, geralmente, o equívoco de que os excipientes são inofensivos. Tal tem contribuído para a aceitação geral de que a substitui‑ ção de medicamentos é segura enquanto as substâncias acti‑ vas permanecerem constantes. Torna‑se porém cada vez mais evidente que os excipientes não são sempre inertes e podem apresentar riscos.1,5‑9 Os seguintes grupos de excipientes e substâncias listados não são exaustivos, arrolando‑se os que se consideram ser mais relevantes. CONSERVANTES E ANTIOXIDANTES O álcool benzílico, usado como conservante, pode causar reac‑ ções de hipersensibilidade, como dermatite de contacto, náuseas, fadiga, rash maculopapular, angioedema e dor na administração dos injectáveis. É igualmente associado a mortes neonatais e complicações metabólicas e respiratórias graves, em prematuros com baixo peso. Nos recém‑nascidos expostos ao excipiente foi responsável por quadros de Kernicterus, hemorragia intraventricu‑ lar e problemas neurológicos. Foi também associado ao colapso cardiovascular neonatal, caracterizado por acidose metabólica e anormalidades hematológicas. Este conservante, devido à sua acumulação, deve assim ser evitado nos recém‑nascidos. Em pa‑ cientes até aos três anos, o seu uso deve ser avaliado e preferi‑ velmente banido.1‑4,6,7,9 Relativamente aos parabenos (e.g. metilparabeno e propilpa rabeno), foram relatados casos de reacções de hipersensibili‑ dade. Embora as reacções anafilácticas aos parabenos sejam incomuns, eles podem desencadear urticária, dermatite de contacto e angioedema em indivíduos com intolerância aos salicilatos (os parabenos são parcialmente metabolizados a áci‑ do para‑hidroxibenzóico, cuja estrutura química é similar à do ácido acetilsalicílico). Os mesmos sintomas podem ocorrer pelo uso de outros conservantes, como o ácido benzóico e seus sais (benzoato de sódio, potássio e cálcio), pelo facto de as suas estruturas químicas serem semelhantes.3,6,7,10 Substâncias pertencentes ao grupo dos compostos organomer‑ curiais (e.g. tiomersal) são igualmente utilizadas como agentes conservantes. A administração tópica e ocular de produtos con‑ tendo tiomersal pode provocar reacções alérgicas. Contudo, foi comprovada a segurança da vacinação com vacinas que contêm tiomersal, não havendo associação entre este último e pertur‑ bações da fala e autismo.7,8,11‑13 O cloreto de benzalcónio, composto de amónio quaternário, é apontado como responsável pela diminuição significativa da fun‑ ção pulmonar espoletada pela medicação antiasmática e reacções de hipersensibilidade. Assim, a utilização de apresentações sem este conservante pode ser benéfica. Demonstrou‑se igualmente que o seu uso pode agravar o quadro de rinite medicamentosa induzida por descongestionantes nasais.4,6,7 Por também poder causar irritação ocular e descoloração das lentes de contacto mo‑ les, recomenda‑se a remoção das lentes antes da aplicação do medicamento e aguardar pelo menos 15 min. antes da sua re‑ colocação.14 Em consequência da utilização de álcool etílico con‑ tendo cetrimida, outro composto de amónio quaternário, foram descritas situações de queimadura da pele, designadamente na região periumbilical. Será aconselhável que o álcool a aplicar em recém‑nascidos não contenha adjuvantes.15 Os antioxidantes à base de sais de enxofre (e.g. bissulfito de sódio e potássio; metabissulfitos de sódio, potássio e cálcio; sulfito de sódio e potássio; anidrido sulfuroso; ditionito de sódio) foram apontados como causadores de rinite perene, urticária crónica e reacções de hipersensibilidade caracteriza‑ das por broncoconstrição, prurido, dor no peito, angioedema e hipotensão que pode levar à perda de consciência.1,2,4,6‑8,10 Por sua vez, a administração de medicamentos contendo o antioxidante butilhidroxitolueno poderá causar irritação dos olhos, pele e membranas mucosas.3,7,8 EDULCORANTES A sacarose (dissacarídeo hidrolisado em frutose e glucose) deve ser evitada em pacientes que apresentem intolerância hereditária à frutose, portadores da síndrome de má‑absorção de glucose‑ ‑galactose, ou deficiência da sacarase‑isomaltase, e restringir o uso em diabéticos. Devido ao favorecimento do aparecimento de cáries dentárias, os tratamentos prolongados devem ser efectu‑ ados com formulações sem este edulcorante.7,9,10,16 A frutose provoca uma elevação na glicémia, aconselhando‑se evitá‑la nos diabéticos e é contra‑indicada em indivíduos com intolerância à frutose. Pode ainda causar efeitos laxantes, quan‑ do administrada em doses elevadas.7,10 O sorbitol e xilitol não são facilmente absorvidos a nível intes‑ tinal, sendo considerados seguros nos pacientes diabéticos. Porém, dada a metabolização do sorbitol em frutose, é contra‑ ‑indicada a sua utilização em intolerantes à frutose. Ambos os edulcorantes estão associados a relatos de transtornos gastrointestinais, prejudicando a absorção da(s) substância(s) activa(s) dos medicamentos.6,7,9,10 O aspartame (dipeptídeo do ácido aspártico e da fenilalanina) como fonte de fenilalanina, pode ser prejudicial em pacientes com fenilcetonúria, estando‑lhes contra‑indicado. Foram relata‑ das cefaleias, alterações neuropsiquiátricas e raras reacções de hipersensibilidade (urticária, prurido e angioedema) associadas ao composto. Adicionalmente, pode provocar acidose tubular ROF 93 Mar/Jun 2010 ficha técnica renal, quando consumido em grande quantidade.3‑5,7,9,10,16,17 Este e outros edulcorantes artificiais (e.g. sacarina sódica e ciclama to de sódio) podem ser utilizados em diabéticos.17 A sacarina sódica, como derivado da sulfonamida, deve ser evitada em pa‑ cientes com hipersensibilidade às sulfonamidas, devido à sensi‑ bilidade cruzada. As reacções adversas mais comuns induzidas pela sacarina são prurido e urticária.10,16,17 O ciclamato de sódio pode causar fotossensibilização, eczema e dermatites.10,16 DILUENTES, ABSORVENTES, AGLUTINANTES, DESAGREGANTES E SOLVENTES A lactose é absorvida após hidrólise pela lactase intestinal em glucose e galactose. Em indivíduos com problemas hereditá‑ rios de intolerância à galactose, deficiência em lactase de Lapp ou síndrome de malabsorção de glucose‑galactose, a lactose pode ser associada a dor abdominal, flatulência, diarreia, desi‑ dratação e acidose metabólica. Apesar das pequenas quanti‑ dades de lactose utilizadas nas formulações, a sensibilidade à substância varia amplamente de gravidade.4‑10,16 Na doença celíaca deve efectuar‑se uma dieta isenta de glú‑ ten. Os medicamentos que utilizam no seu fabrico o amido de trigo e seus derivados (e.g. dextrinas, dextratos, amido pré gelatinizado, amido glicolato de sódio), são considerados se‑ guros para estes indivíduos por conterem quantidades vestigiais desta proteína. Porém, doentes com alergia ao trigo (patologia diferente da doença celíaca) não devem consumir medicamen‑ tos com estes excipientes.8,14,17,18 O etanol é um solvente que pode provocar problemas graves como a intoxicação aguda por sobredosagem acidental, e a to‑ xicidade crónica associada à administração prolongada de me‑ dicação. A co‑administração do etanol pode alterar a absorção ou metabolismo de fármacos e resultar em interacções medi‑ camentosas. A administração concomitante de medicamentos contendo etanol com alguns fármacos (metronidazol, tinidazol, cloropropamida e cefalosporinas, como o cefamandol, cefme‑ tazol, cefonicide, cefoperazona e cefotetano) pode desenca‑ dear uma reacção tipo dissulfiram. Formulações que contêm o solvente podem ser prejudiciais em indivíduos que sofrem de alcoolismo. Suplementarmente, é necessário ter em considera‑ ção a quantidade de etanol quando os medicamentos são ad‑ ministrados em mulheres grávidas ou a amamentar, crianças, e em grupos de alto risco (doentes com problemas hepáticos ou epilepsia). A aplicação tópica de produtos que contêm este excipiente pode provocar irritação e pele seca.7,9,16,17 O propilenoglicol é um poliálcool cujo principal efeito tóxico é a depressão do sistema nervoso central. Na administração tópica, foi responsabilizado pelo surgimento de dermatite de contacto.1,4,5,7,9 Em doentes sensíveis ao amendoim, foram relatados casos de reacções alérgicas, predominantemente de tipo respiratório e de gravidade variável, ao solvente não aquoso óleo de amen doim e ao óleo de amendoim refinado. Em adição, têm sido documentadas reacções alérgicas cruzadas entre o óleo de soja e o de amendoim. Recomenda‑se, por isso, a não utiliza‑ ção de medicamentos com o excipiente em doentes alérgicos ao amendoim e à soja.5,17,19 Medicamentos com óleo de rícino polioxietilado e óleo de ríci no hidrogenado polioxietilado, como veículos, podem causar reacções cutâneas, distúrbios no estômago e diarreia.3,7,14 Os produtos farmacêuticos com lanolina na sua composição, quando administrados topicamente, podem originar reacções cutâneas locais.5,7,17 CORANTES O corante tartrazina (E 102) é responsável por reacções de hipersensibilidade, como anafilaxia, broncoconstrição, angioe‑ dema, eosinofilia, urticária, dores abdominais e vómitos, em pacientes com predisposição alérgica, bem como dermatite de contacto. Por o corante possuir uma estrutura química similar à dos salicilatos, benzoatos (e.g. benzoato de sódio e meta‑ bissulfito de sódio) e também indometacina, existe a possibi‑ lidade de reacções alérgicas cruzadas com estes compostos. Além disso, a tartrazina pode desencadear hipercinésia e eosi‑ nofilia em pacientes hiperactivos. A ocorrência de púrpura não trombocitopénica com este excipiente é rara.1,2,4‑6,8,10,16,17 O corante amarelosol FCF (E 110) pode provocar reacções anafilactóides, angioedema, choque anafiláctico e vasculite. Intolerância gastrointestinal, assim como eosinofilia e urticá‑ ria, têm sido associadas a este corante. Pode haver reacção cruzada entre o corante e o paracetamol, ácido acetilsalicílico, benzoato de sódio e outros corantes azóicos (e.g. tartrazina – E 102; amarante – E 123; e ponceau 4R – E 124).1,4,10 Os pacientes com púrpura vascular recorrente podem sofrer exa‑ cerbações após a exposição aos corantes azóicos.4 Reacções dermatológicas, incluindo fotossensibilidade, eritro‑ dermia (eritema intenso) e descamação foram atribuídas à eri trosina (E 127).4 Dermatite de contacto tem sido associada ao vermelho neu tro, à indigotina (E 132), ao amarelo de quinoleína (E 104), e ao violeta de genciana.4 O corante carmim (E 120), é um exemplo para o qual já foram descritos alguns casos de desencadeamento de asma ocupa‑ cional e alergia alimentar.10 Em suma, se ocorrerem efeitos indesejáveis aquando da ad‑ ministração de um medicamento, é importante considerar não apenas o princípio activo, mas também qualquer dos excipien‑ tes presentes, como potencial causa do problema. É, portanto, necessária a sensibilização dos profissionais de saúde para o assunto, para que se possam identificar previamente os pa‑ cientes predispostos a hipersensibilidade e alertar a população consumidora sobre os riscos.5‑7 Joana Pais Farmacêutica Bibliografia 1. Napke E. et al. Excipients and additives: hidden hazards in drug products and in product substitution. CMAJ. 1984; 131(12): 1449‑52. 2. Napke E. Excipients, adverse drug reactions and patients’ rights. CMAJ. 1994; 151(5): 529‑33. 3. �urera C. et al. Excipientes incluidos en especialidades farmacéuticas líquidas utiliza‑ das en pediatría. Rev OFIL. 2004, 14; 3: 55‑62. 4. �Inactive�� ingredients in pharmaceutical products: update (subject revie�). American Academy of Pediatrics Committee on Drugs. Pediatrics. 1997; 99(2): 268‑78. 5. What are excipients doing in medicinal products? Drug Ther Bull. 2009; 47(7): 81‑4. 6. Silva A. et al. 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