O DESAFIO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO EM SEGMENTOS EMPRESARIAIS NASCENTES: O CASO DAS COMPANHIAS PRIVADAS DE CONCESSÃO RODOVIÁRIA NO BRASIL Autoria: João Gualberto Coutinho Rocha e Rosângela Maria Vanalle Resumo O Planejamento Estratégico tem se constituído em um dos mais importantes instrumentos de gestão empresarial ao longo dos últimos anos. Algumas vezes, entretanto, sua introdução em alguns setores ou empresas tem se mostrado difícil, especialmente porque obrigatoriamente impõe novas rotinas e procedimentos gerenciais e é natural a ocorrência de resistências a mudanças nas organizações. Se isto ocorre em organizações tradicionais, consolidadas em seus campos de atuação, o mesmo também se dá em estruturas organizacionais novas. No Brasil, com a política governamental de concessão de serviços públicos à iniciativa privada, novas empresas têm surgido no cenário empresarial brasileiro: as companhias privadas concessionárias de serviços públicos. Tais empresas devem conduzir suas ações de planejamento estratégico com especial atenção, primeiramente pelo fato de muitas vezes não existirem referenciais de mercado para sua atuação, em segundo lugar por conta das condições que fundamentaram sua estrutura associativa e também em decorrência de serem geridas sob a égide de um contrato de concessão, que regula sua ação futura. Neste ambiente, a atividade operacional das empresas acaba por se sobrepor a outros fatores na concepção e desenvolvimento do processo do planejamento estratégico dessas organizações. 1. Introdução O Planejamento Estratégico, um dos instrumentos mais eficazes na gestão empresarial contemporânea, apesar de conceitual e metodologicamente desenvolvido por diversos autores, como Oliveira (1992) por exemplo o faz no capítulo 1 e 2 de sua obra, ainda encontra dificuldades de aplicação em muitas organizações. Primeiro, pela resistência usual que se observa, na prática, às mudanças derivadas de um processo de intervenção sob o enfoque de estratégias e segundo pelo fato, muitas vezes observado, de se operar um processo de planejamento estratégico nem sempre tendo-se às mãos todos os instrumentos e informações necessários para tal. Se isto é verdade para diferentes empresas em diferentes setores, ainda mais o é no caso de segmentos empresariais nascentes. A ausência de experiência setorial acumulada, a formação das empresas com pessoal oriundo de distintos segmentos, o planejamento se desenvolvendo em paralelo a demandas de produção cada vez mais envolventes e a falta de empresas-referência são alguns dos fatores que tornam o planejamento estratégico especialmente complexo nas organizações situadas nesses segmentos. No Brasil, com o advento político-econômico das concessões de serviços públicos à iniciativa privada, ocorrido com maior concentração ao longo dos últimos três anos, uma grande massa de agentes econômicos vem transferindo parte de suas competências de investimento, gerenciamento e organização empresarial para um novo campo de atuação: as companhias privadas concessionárias de serviços públicos. Dentre os segmentos que vêm tendo sua gestão transferida à iniciativa privada, um em especial merece destaque: a administração da malha rodoviária. Tal destaque se faz necessário especialmente pelo fato da outorga da concessão não ser acompanhada da transferência do controle acionário de uma concessionária pública anteriormente existente (o que acontece, por 1 exemplo, em outros setores, como energia, telecomunicações, etc.), caracterizando, assim, as companhias privadas de concessão rodoviária como integrantes efetivas de setor empresarial nascente. Além disso, por se tratar de concessão de serviço público, o processo de entrada no segmento de negócios de administração de rodovias se dá através de licitações públicas, impondo novas condicionantes à configuração e aos mecanismos de planejamento dessas companhias. O objetivo deste artigo é o de caracterizar que, pelas peculiaridades do processo de sua formação enquanto empresa e por sua demanda enquanto prestadora de serviço público, as companhias privadas de concessão rodoviária se obrigam a identificar um caminho próprio para condução de seu planejamento estratégico. 2. A Estrutura Tradicional de Formulação do Planejamento Estratégico O planejamento estratégico desenvolve-se nas companhias tendo por objetivo dotar-lhe de maior competitividade em seu mercado de atuação. Oliveira (1992) formula um modelo de planejamento em que define três níveis de formulação: o estratégico, o tático e o operacional. Gracioso (1990) resume os níveis de planejamento em corporativo e divisional admitindo, entretanto, que o nível divisional subdivide-se no de unidades de negócios (tático) e no de gerência de produção (operacional). A partir destes três níveis de formulação do planejamento estratégico de uma empresa, a seqüência executiva de seu processo de implementação pode se desenvolver, segundo Casarotto Filho e Kopittke (1998), de acordo com dois sentidos: de “baixo para cima” (ou Botton Up) ou “de cima para baixo” (ou Top Down). No primeiro sentido de formulação, no nível operacional estabelecem-se os padrões e as estratégias de condução das rotinas operativas e de produção, procurando-se maximizar produtividade e, a partir daí, integram-se metas que comporão os planos táticos e gerenciais. O planejamento corporativo deriva do que se traça abaixo da estrutura diretiva, à qual só cabe originalmente estabelecer princípios empresariais de caráter geral. No sentido Top Down, o roteiro que se cumpre é o inverso, partindo-se dos planos e conceitos (estratégicos) mais amplos para os mais objetivos e pontuais, sendo estes, assim, conseqüência de seus anteriores. Neste caso, o planejamento no nível corporativo desenha objetivos e metas da organização, seus valores e sua filosofia de ação empresarial. É desenvolvido pela alta administração, construído à luz da cultura própria da empresa, e em respeito aos legítimos interesses e desejos de seus controladores, constituindo-se na referência básica para a formulação do escopo do planejamento nos níveis inferiores. O planejamento desenvolvido no nível tático ou gerencial desdobra, a partir daí, objetivos e metas globais em táticas de ação capazes de cumprir os desejos empresariais, levando em conta expectativas de comportamento do mercado e capacidades de movimento da organização. No nível operacional, o que se processa dentro de uma estrutura de formulação de planejamento estratégico no sentido Top Down, é a concepção de programas de trabalho por unidade de produção da organização onde, de forma integrada horizontal e verticalmente, cada programa tem estabelecido seu papel e contribuição no cumprimento dos objetivos e metas globais, em perfeito respeito à estratégia, aos valores e às táticas gerenciais da organização. Tanto uma seqüência como outra, apesar de aparentemente natural e possível de ser cumprida para qualquer organização, encontra nas empresas nascentes e em especial nas companhias privadas concessionárias de rodovias algumas dificuldades de implementação. De 2 modo geral, as empresas situadas em segmentos empresariais nascentes não contam com empresas de referência para implementar benchmarking, ação legítima e produtiva de implementação de um processo de planejamento, conforme destaca Slater (1999) ao citar o ideário de Jack Welch no capítulo 10 de sua obra. Nas concessionárias de rodovias, em função do padrão sob o qual as empresas são constituídas, o qual distingue-se, fortemente, da liberdade de criação das empresas em mercado aberto e até dos processos de privatização de empresas estatais, as dificuldades potencializam-se, pois exige-se e amarra-se contratualmente todo o planejamento da organização, antes mesmo de sua constituição. Assim sendo, antes mesmo de se estudar a formatação do planejamento em empresas sob o regime de concessão, deve-se distingui-lo do processo puro e simples de privatização, de modo a melhor se desenhar o cenário sobre o qual se estará trabalhando neste texto. 3. Concessão e Privatização A privatização das empresas estatais, fenômeno presente na pauta econômica dos últimos anos, no Brasil e em diversos outros países, teve como arquitetura institucional a transferência de propriedade das ações dessas companhias, do controle do Estado, para o de agentes privados. Muitas empresas anteriormente estatais, entretanto, apesar do controle público de suas ações, já atuavam em mercado, concorrendo com as empresas privadas. Nessas condições, a abordagem analítica dos agentes privados sobre tais oportunidades (aquisição das empresas sob privatização) levou em conta as expectativas de desempenho para essas companhias e sua gestão tem se condicionado a estratégias empresariais traçadas sob o enfoque usual do planejamento estratégico, subordinando-se à maior ou menor competência acumulada, neste sentido, dentro das organizações pré-existentes. De forma própria, a concessão de um serviço público tem configuração jurídica distinta do processo de privatização, pois se outorga à iniciativa privada o direito de explorar determinada e específica atividade, com a assunção de obrigações em contrapartida, sempre por um período de tempo definido e através de contrato. A concessão do serviço público pode, ainda, ser acompanhada da transferência do controle de uma empresa concessionária até então estatal (caso dos setores de telecomunicação, energia, entre outros) ou obrigar que os agentes privados constituam uma empresa com a finalidade específica de explorar a atividade concessionada (caso típico das rodovias). Fica evidente, portanto, que, de partida, o enfoque do planejamento empresarial para empresas privadas gestoras de concessão de rodovias tem que distinguir-se dos de setores tradicionais ou das companhias privatizadas, função das peculiaridades próprias que envolvem a outorga da concessão, incluindo o fato da obrigatoriedade de constituição de uma empresa de finalidade específica e do projeto empresarial ser finito no tempo, subordinado a um contrato e com limitação expressa de mercado. Além disso, o processo de outorga de concessão sendo promovido na forma de licitação, conforme destacam Rocha e Quina (1999), força os agentes privados a encontrarem um formato empresarial associativo que lhes conceda competitividade, primeiramente, voltada à licitação, o que não necessariamente representará sua maior competência para a gestão da futura organização e de suas atividades operacionais, potencializando ainda mais os desafios de implantar e gerir as estratégias empresariais. 3 4. Modelagem Institucional das Concessões Rodoviárias no Brasil A concessão da exploração de uma malha rodoviária é outorgada a determinado grupo empresarial através de uma licitação pública. Tomando como referência os editais de licitação promovidos pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER (1998) e o Governo de São Paulo (1998), as empresas interessadas na concessão candidatam-se à concorrência e são submetidas a três níveis de análise: de habilitação; de qualificação técnicooperacional-econômica, e de melhor proposta comercial. Na fase de habilitação, as empresas, ou consórcio de empresas, devem demonstrar capacitação econômico-financeira e legal à concessão. Elementos objetivos como montante de Patrimônio Líquido, índice de endividamento, demonstração de regularidade fiscal etc. são avaliados, em conformidade com as Leis reguladoras da matéria e com os termos e condições impostos nos editais, de modo a habilitar, ou não, cada concorrente à fase seguinte. A qualificação técnica, operacional e econômica de cada proposta é a seguir avaliada, com base em um estudo apresentado por cada concorrente, normalmente denominado “Programa de Exploração da Rodovia”, no qual é explicitada toda a estratégia corporativa e operacional planejada para gestão do negócio, durante todo o período previsto de concessão (entre 20 e 25 anos). Elementos como organização administrativa, serviços a serem prestados, localização de praças de pedágio, plano de investimentos e fontes de financiamento, plano de seguros, política de recursos humanos, entre outros, são formulados e apresentados ao poder concedente no sentido de garantir a qualificação do concorrente à fase final do processo licitatório. Na última fase de análise e julgamento das propostas, segundo critérios que variam de acordo com o órgão que está promovendo a licitação, avalia-se a melhor proposição comercial, que pode ser expressa na menor tarifa de pedágio, no maior percentual de repasse ao Poder Público da receita que vier a se arrecadar - dado um valor pré-estabelecido de pedágio -, na maior quilometragem de vias a serem conservadas e operadas ou em outro critério que igualmente garanta a melhor relação custo/benefício ao poder público concedente ou ao usuário. A licitante vencedora do processo licitatório, ultrapassadas as três fases da licitação, torna-se titular da concessão devendo, para tanto, constituir uma nova empresa, com finalidade exclusiva de explorar a atividade concessionada, a qual será a titular do contrato de concessão. No contrato, a concessionária compromete-se com um conjunto de obrigações de ação, de performance, de submissão a fiscalização, de investimentos, etc. de forma compatível com as exigências impostas pelo edital de licitação e com a própria proposta apresentada. Assim, o processo de conquista do contrato de concessão exige que se planeje antecipadamente toda a operação e todo o programa de investimentos da rodovia pelo período do contrato (portanto para os 20 ou 25 anos subseqüentes à constituição da empresa concessionária). Tal planejamento prévio constitui-se, a seguir, em obrigação contratual, amarrando boa parte da flexibilidade que se poderia construir se outro fosse o regime empresarial. Configura-se, assim, no contexto do processo licitatório e da modelagem institucional que lhe dá forma, a primeira base de (in)sustentabilidade de um processo futuro de planejamento estratégico, função da exigência de um planejamento prévio (configurado na “proposta técnica, operacional e econômica” apresentada na segunda fase da licitação) que, de forma antecipada, propõe ações para um período de 20 ou 25 anos (prazo da concessão), as quais passam a valer como obrigação contratual firme. É evidente que são estabelecidas ressalvas de revisão de tais obrigações, porém desde logo impõem-se peculiaridades 4 específicas para a gestão de um processo de planejamento estratégico de organizações nascentes que antes de conhecerem seu negócio, antes de integrarem todos os atores envolvidos em torno de objetivos consensados e construídos em parceria, são obrigadas a, em curto espaço de tempo, se capacitarem ao cumprimento de obrigações cuja validade operacional e eficácia corporativa serão ainda testadas. 5. Os Atores do Processo A outorga de concessão de um serviço público envolve um conjunto expressivo de entes direta ou indiretamente interessados no seu desenvolvimento. Situados no mundo externo às fronteiras da empresa concessionária ou em seu ambiente corporativo, gerencial e de operação, tais atores, em suas inter-relações, desenharão o cenário sob o qual deverá se desenvolver o planejamento estratégico da organização concessionária. Os usuários do sistema concessionado - no caso das rodovias representados pelos proprietários de veículos, sejam pessoas físicas ou jurídicas, sejam particulares (automóveis, caminhões, etc.) ou também concessionários de outros serviços públicos (transporte de passageiros) - são os atores primeiros do processo, a quem se destinam os serviços que virão a ser prestados. Autoridades públicas, na forma de poder concedente ou como legítimos representantes de comunidades, igualmente interagem no sentido de garantir que a empresa concessionária cumpra com máxima eficiência seu papel enquanto prestadora de serviços públicos. No mundo externo à empresa, portanto, reside parte dos agentes que nortearão seu planejamento e ação, agentes que definem seu mercado e sua legitimidade enquanto prestadora de serviço (público), os quais, a princípio, deveriam se constituir em preocupação primeira de um processo de planejamento. Rocha e Quina (1999) destacam, entretanto, que é no ambiente interno das concessionárias que residem os atores que imporão o maior desafio para a formalização de um vetor estratégico unidirecional, voltado ao cumprimento de sua missão empresarial de forma plena, o que traz como conseqüência a necessidade de uma abordagem invertida no processo de planejamento, em que antes de concentrar sua ação no atendimento ao mercado, a organização deve legitimar-se como tal. Isto porque, segundo tais autores, as concessionárias de rodovias têm sido formadas a partir das empresas interessadas nas concessões, onde a composição dos consórcios para participação nas concorrências é motivada pela competitividade potencial dos grupos na fase licitatória, muitas vezes atribuindo-se pouca preocupação para a convivência futura. Neste ambiente, dois grupos-tipo de consórcios empresariais têm se apresentado nos processos licitatórios no Brasil sendo, portanto, aqueles que têm conquistado a titularidade dos contratos de concessão: os grupos uniformes e os grupos complementares. Os grupos denominados uniformes são aqueles formados por empresas oriundas do mesmo setor empresarial - no caso das concessões rodoviárias no Brasil limitados ao setor de serviços de construção de obras públicas sob regime de empreitada. As empreiteiras, segundo Rocha (1995), em especial as de obras rodoviárias, interessaram-se pelas concessões, primeiro, para manterem dinâmico o seu mercado e, em segundo lugar, por disporem da convicção de que detinham vantagens competitivas flagrantes em relação a empresas de outros segmentos. Assim como nas obras públicas, a concessão de rodovias é intensiva em serviços de construção pesada, em gestão de contrato com o poder público, em gerência de custos (a partir de receita pre-definida), em competência na participação em licitações, todos fatores disponíveis nas organizações empresariais das empreiteiras, sendo, o último, 5 determinante do fato de todas as primeiras licitações terem sido ganhas por grupos empresariais uniformes de empreiteiras, conforme relatório pelo DNER (1999). Grupos complementares passaram a se fazer presentes nas licitações mais recentes, promovidas pelo Estado de São Paulo. Segundo Rocha e Quina (1999), define-se por grupo complementar os consórcios formados por empresas oriundas de setores distintos. No caso brasileiro, segundo os autores, os grupos complementares têm sido e cada vez mais tendem a ser formados por bancos ou investidores de longo prazo aliados a empresas operadoras de serviços rodoviários, transportadores de carga ou passageiros a longa distância, distribuidoras de petróleo e empresas de construção. A motivação na formação de grupos complementares, ainda segundo os autores, está na possibilidade de reunir competências múltiplas tanto na fase licitatória quanto na fase posterior de gestão da concessão. Dentre tais competências destaca-se a questão da engenharia financeira, totalmente distinta entre uma obra pública de curto prazo de execução e com recursos do cliente (objeto usual do trabalho das empresas componentes dos grupos uniformes) e uma concessão a longo prazo, a ser tocada com recursos próprios pela concessionária. A possibilidade de formação de uma engenharia financeira mais sólida e a competitividade construída a partir daí têm se constituído no maior estímulo à formação dos grupos complementares. A lógica de composição acionária das empresas concessionárias, seja a dos grupos uniformes, seja a dos grupos complementares, pode parecer, a princípio, fator de equilíbrio para a definição de uma linha estratégica efetiva para gestão do negócio concessão, porém, aliado à própria característica institucional das concessões, torna-se, ao contrário, um dos fatores de dicotomia na formulação das estratégias empresariais. 6. Dicotomias Internas O processo de planejamento estratégico dentro das empresas concessionárias de rodovias, seja no sentido BottonUp, seja no sentido TopDown, deverá ter sempre em conta, em sua formulação, nos níveis corporativo, tático e também no operacional, o planejamento prévio concebido na etapa licitatória. Além disso, deverá obrigatoriamente cumprir as expectativas de seus clientes, representados pelos usuários e pelo poder público. Antes, porém, o plano deverá refletir os interesses e objetivos de ação da estrutura societária que lhe está por trás, sendo este o primeiro desafio a se enfrentar. No campo societário, ao se compor um grupo uniforme, antes de integrá-lo em torno de um objetivo comum, há de se encontrar um meio de harmonizá-lo após anos de concorrência acirrada em um mercado competitivo em que confiança mútua é elemento não praticado, por força do ambiente competitivo em que todos, agora consorciados, até então e por tanto tempo, se defrontaram. E tal confrontação, via de regra, permanecerá, no segmento original, fazendo com que sócios em um negócio (concessão) sejam rivais, simultaneamente, em outro (obras públicas e privadas). Cria-se uma tendência a formação de um clima de desconfiança em um ambiente em que deveria prevalecer unidade de pensamento ou, pelo menos, de propósitos, condição fundamental à construção de um planejamento corporativo monolítico. Nos grupos complementares, seus componentes são efetivamente complementares em qualificação, mas tendem a ser opostos em interesses. Aos bancos e fundos de investimento interessam a rentabilidade do negócio a longo prazo, portanto sua gestão se dará sobre a taxa interna de retorno e à adequada relação de custos e benefícios totais. Para transportadores, normalmente minoritários na equações associativas, o negócio concessão é meio para o melhor desenvolvimento de seu negócio próprio, pois estradas em boas condições e com valores módicos de pedágio, lhe asseguram a realização de melhor 6 rentabilidade no transporte de cargas e passageiros e, neste campo, sem ter que compartilhar resultados com terceiros - portanto, não se tem interesse na melhor rentabilidade na concessão e, sim, na eficácia dos investimentos e na capacidade de pagamento. Operadoras de serviços ou interessados na exploração de negócios na faixa de domínio das rodovias tendem a garantir resultados nos seus negócios individuais, fazendo valer, pela posição de sócias na concessionária, condição de privilégio em relação a suas concorrentes. As empreiteiras, por sua vez, têm como estratégia ocupar sua capacidade instalada, gerando, via concessões, encomendas para seu parque produtivo, portanto, realizando parte do lucro dos negócios no segmento de obras. Empreiteiras estarão interessadas em tornar constante a demanda por investimentos (obras) e garantir mínimos prazos de retorno, de modo a “fritar o porco com a própria banha”. Constituída sob uma relação de desconfiança e/ou de interesses potencialmente conflitantes, tanto sob o modelo de grupos uniformes ou como nos grupos complementares, as concessionárias têm que superar tal barreira para deflagrar seu processo de planejamento. Subordinadas a um planejamento prévio, formulado no âmbito do processo licitatório, portanto voltado à conquista do contrato, o que não significa, necessariamente, a melhor decisão estratégica efetiva a médio/longo prazo, condicionadas a uma liderança dividida e, por vezes, explícita ou implicitamente antagônica e submetidas a constante pressão dos usuários, as concessionárias demandam a definição de uma estratégia que, antes de ser um instrumento de eficiência, torna-se uma necessidade de legitimidade. O planejamento estratégico no nível corporativo e, nestas condições, também no nível tático, tem que encontrar forma de expressão de seus princípios básicos, apesar dos conflitos que sua concepção promove entre sócios e na relação entre a concessionária e seu mercado. Neste contexto, a formulação de um planejamento prévio, na fase de licitação, antes portanto de ser uma amarra, pode tornar-se um instrumento eficaz para se construir uma estratégia em que se assegure o cumprimento de um objetivo central. O planejamento prévio, agora já materializado na forma de condições contratuais, torna-se o plano referencial para se formular as estratégias de produção, estas, sim, sem dúvida, capazes de assegurar uma linha de sustentabilidade para a concessionária. A construção do planejamento estratégico se dará, assim, a partir da função-produção neste segmento de negócio caracterizada pela prestação de serviços de infra-estrutura rodoviária -, tomando-se o conjunto de atribuições contratualmente estabelecido como o contorno de um conceito corporativo e de um plano tático, o qual deverá ser executado pela função-produção. Ao cumprir com eficácia e eficiência tais atribuições, até por estar contratual e mercadologicamente pressionada para tal, a concessionária poderá superar as dicotomias internas a que está submetida, proporcionando a efetivação plena que a função produção deve cumprir dentro das organizações produtivas: a de ser o foco do seu planejamento – esta a única alternativa de caminho a percorrer. 7. Caminhos a Percorrer O planejamento das empresas concessionárias de rodovia tem na formulação operacional de ações o seu caminho de efetividade. Identificar os fatores que lhe assegurem legitimidade enquanto entidade presente na vida econômica, só tem sido possível na medida em que se perceba seu papel como macro infra-estrutura produtiva, portanto justificando-se na economia como a produção se justifica em uma indústria (ao invés de ser tratada como um “mal necessário”). O planejamento operacional, portanto, pode cumprir os papéis básicos das atividades produtivas nas organizações, conforme define Slack (1996), quais sejam: o de apoiar a 7 estratégia empresarial, o de implementar a estratégia empresarial e o de impulsionar a estratégia empresarial. Apoiar, na medida em que as atividades operacionais da gestão de rodovias é que lhe permitem cumprir suas obrigações contratuais, portanto desenvolver seu negócio, além de colocá-la em contato com o mercado e, a partir das estratégias referenciais estabelecidas nos instrumentos de planejamento prévio e que, em certa monta, ultrapassam a vontade particular da própria organização, vão lhe garantir o cumprimento, senão de outras, da estratégia de legitimação perante o mercado em que se insere. Implementar, já que o serviço público não admite outro enfoque diferente do da prestação de serviços em qualidade, cortesia, modicidade, segurança, etc., em níveis adequados, e na medida em que a estratégia, sendo fiel às condições contratuais, reflita tal obrigação, serão as atividades operacionais que as implementarão. Finalmente, impulsionar, pois só a função operacional de uma empresa posicionada em um segmento nascente, submetida às peculiaridades do regime de concessão e, ainda, às características institucionais e associativas observadas no segmento das concessionárias brasileiras de rodovias, é que pode criar cultura, experiência e auto-referência para, a médio e longo prazos, impulsionar um processo de planejamento que, sem quebrar a barreira das obrigações contratuais, conceda movimento próprio à formulação/revisão contínua da estratégias empresariais. Daí derivarão, por certo, a percepção, dentro das estruturas associativas formadas, da necessidade de descolamento entre os interesses próprios do negócio concessão dos interesses outros que terão que ser conduzidos de per se, tendo, eventualmente, a concessão apenas como cliente, porém livre, e dessa forma compreendendo que do sucesso individual da atividade concessão também dependerá, em parte, o sucesso das atividades que lhe têm como cliente. Neste contexto, para cumprir tal meta, o planejamento operacional deverá ser conduzido de modo a garantir sua plenitude como instrumento de gestão empresarial e, assim, deverá ter como foco o cumprimento dos cinco objetivos da função produção, como também define Slack(1996): objetivo qualidade, objetivo rapidez, objetivo confiabilidade, objetivo flexibilidade e, por fim, objetivo custo. Qualidade em gestão de rodovias é, antes de tudo, o padrão e as condições da infraestrutura disponibilizada, em termos de pistas, pavimento, sinalização, acostamento. É a parte perceptível por todos os usuários. Garantir qualidade pode ser tratado como critério qualificador para a continuidade (política, social e contratual) de uma concessão. Rapidez, em serviços rodoviários pode ser entendida como a velocidade com que os serviços especiais demandados são atendidos. Aparição de carro guincho e mecânico e, principalmente, da ambulância, após um acidente; a rapidez de uma informação sobre condições da viagem, etc. são serviços que, mesmo eventuais, garantem imagem importante para a atividade da empresa. Confiabilidade, tão importante quanto a qualidade e a velocidade com que o serviço é prestado, é a garantia de que o serviço, sob qualquer hipótese, será cumprido. A ambulância deverá estar disponível 24 horas por dia, assim como uma deformação de pista hoje deverá estar reparada amanhã. Os clientes deverão confiar que não há solução de continuidade para os serviços pelos quais ele está pagando compulsoriamente ao cruzar uma rodovia, mesmo que, a princípio, deles não venham a se valer. Flexibilidade, no caso de rodovias, submetidas a picos sazonais de tráfego, é a garantia de capacitação de manter o padrão de qualidade sob hipóteses variadas de demanda. Os postos de arrecadação de pedágio deverão estar capacitados a atender variados números de veículos 8 por hora ou por dia, garantindo um tempo mínimo de espera em fila, da mesma forma os outros serviços. Finalmente custo. Assim como nas indústrias tradicionais, custo, também no caso das rodovias, é conseqüência dos demais objetivos perseguidos (qualidade, confiabilidade, rapidez e flexibilidade). Só que por uma via diferente. Custo, para o cliente das rodovias, é um dado previamente estabelecido enquanto valor absoluto – pedágio. Porém, da melhor qualificação dos serviços, na percepção do usuário, menor será o custo relativo pelo que ele estará pagando. Planejar custo em uma concessionária, portanto, será planejar não só custo interno (efetivo, garantidor de margem), mas também percepção de custo (custo externo) pelo usuário. Submetida a limitações de planejamento corporativo, as empresas concessionárias rodoviárias poderão, via planejamento operacional, do qual não poderão se eximir, por conta de obrigação contratual, construir seu programa de ação, seu plano tático, criando o ambiente para, em momento seguinte, dispor das condições plenas para o desenvolvimento do seu efetivo planejamento estratégico. 8. Considerações Finais Diante da demanda estratificada entre diferentes agentes e interesses, as concessionárias rodoviárias, mesmo não podendo se valer de experiência anterior semelhante, devem conduzir um processo de gestão que, subordinado a um padrão de planejamento eficaz, lhe garanta legitimidade dentro do ambiente político-social-econômico em que se inserem. Aspectos institucionais característicos dos processos de licitação, aliados a dicotomias provenientes dos modelos societários praticados, inibem a formulação de um planejamento corporativo e, mesmo, no plano tático ou gerencial, nos quais, em um modelo tradicional, se vincularia o planejamento operacional. Porém, apesar deste cenário, o mercado das concessões rodoviárias fortemente demanda competência de planejamento e ação por parte das empresas concessionárias, até para que se legitimem perante seu próprio mercado e o ambiente sócio-econômico em que se inserem. Compelidas pelas necessidades operativas, as empresas concessionárias de rodovias enfrentam, por via inversa, o desafio de seu autoplanejamento, tendo, para tanto, que valer-se do planejamento de suas ações funcionais, do qual não podem se furtar. Cumprindo suas atividades-fim, tendem a descobrir, e a assumir, sua missão, capacitando-se a estabelecer um processo de planejamento que lhe dê sustentação empresarial e, ainda, gere resultados para aqueles que, no segmento das concessões, investiram, mesmo que motivados por interesses e expectativas não diretamente vinculadas ao negócio concessão. Assim, o ciclo de planejamento em empresas situadas no segmento de concessões rodoviárias tem sua gênese submetida a variáveis de diferentes e, por vezes, antagônicas origens, porém via o cumprimento de suas ações operacionais poderá construir uma base autosustentada para a perpetuidade de um processo de planejamento estratégico, nos níveis corporativo, tático e operacional, sendo este o caminho de superação dos desafios a se enfrentar ao se conviver com um segmento empresarial nascente condicionado às peculiaridades do das empresas concessionárias rodoviárias, no Brasil. BIBLIOGRAFIA CASAROTO Fº, N. e KOPITTKE, B.H. Análise de Investimentos. 8a. edição, São Paulo: Atlas, 1998 9 DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Edital de Licitação 0595/98-00 Lote 12, Rodovia BR 116 – SP/PR. Brasília, out.98. _____ – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Relatório Anual de Acompanhamento das Concessões Rodoviárias Federais. Brasília, 1999. GRACIOSO, F. 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