A Inconstitucionalidade da Indeterminação do Prazo de Duração das
Medidas de Segurança
Andressa Vieira (1), Orientador Fernando Tonet (2)
(1) Bolsista de Iniciação Científica pelo projeto “Bolsa Desempenho” e graduanda do X nível de Direito,
IMED, Brasil. E-mail: [email protected]
(2) Evolução dos modelos constitucionais autopoiéticos – IMED, Brasil. E-mail:
[email protected]
A Inconstitucionalidade da Indeterminação do Prazo de Duração das
Medidas de Segurança
Resumo: O agente que cometer um crime e for considerado imputável, sofrerá as respectivas sanções
penais previstas ao fato cometido. Tais sanções, entre elas a pena privativa de liberdade, têm a sua
duração determinada e prevista na legislação penal. Já o sujeito que cometer um fato típico e
antijurídico e for considerado inimputável, será absolvido e submetido a uma medida de segurança, de
tratamento ambulatorial ou internação em hospital de custódia e tratamento. Ao revés das penas
privativas de liberdade, as medidas de segurança não têm um prazo máximo previsto em lei. Tem um
prazo mínimo: um a três anos, mas o prazo máximo será indeterminado, até que reste cessada a
periculosidade do agente. Esta indeterminação no prazo de duração da medida imposta aos inimputáveis
tem sido objeto de debates entre os juristas, pois não se coaduna com o disposto na Constituição Federal
de 1988, que veda penas com caráter perpétuo. Assim, através do método de dialético e do uso da
revisão bibliográfica como procedimento instrumental, o presente trabalho tem como objetivo discutir a
possibilidade/necessidade de determinação de um prazo de duração para as medidas de segurança, e a
forma como deve ser realizada a fixação do seu lapso temporal. Tem prevalecido, na doutrina e na
jurisprudência o entendimento de que as medidas de segurança devem sim ter uma limitação temporal e
que esta tem de ser regulada pela pena máxima abstratamente cominada ao delito e, ainda, o teto das
penas previsto no Código Penal: 30 anos.
Palavras-chave: Medida de Segurança; Inimputabilidade; Prazo de duração.
Abstract: Every agent that commits a crime and is considered as imputable will undergo respective
penalties formally described for the commited fact. These penalties, including the custodial sentence,
have their duration determined and described in the criminal law. Conversely, an individual that commits
a typical and anti-juridical fact and is considered as non-imputable will be acquitted and will undergo a
security measure, as well as outpatient treatment or custody hospitalization measures. Unlike the
custodial sentences, these security measures have no maximum terms legally described. However, they do
have a minimum term: one to three years, but the maximum term is indeterminate, until the agent’s
dangerousness is ceased. This indeterminacy on the lenght term of the measures imposed on nonimputable individuals has been debated among experts in law, as it does not suit to what is formally
described in the Federeal Consitution of 1988, which forbids punishments applied in perpetuity. Thus,
through the usage of a dialectical method and a literature review as instrumental procedures, the present
work aims to discuss the possibility/necessity of determining a lenght term concerning the security
measures, as well as the ways of settling the lapse in time. In the realm of the doctrine and jurisprudence,
there is a predomination of acquainting that security measures should definitely have a time limit and be
regulated by the maximum sentence abstractedly imposed on the crime and still the ceiling of the
penalties under the criminal code: 30 years.
Keywords: Security measure; Nonimputability;Lenght term
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, as medidas de segurança são aplicadas aos inimputáveis que cometeram fato típico e
antijurídico e também aos semi-imputáveis, se necessitarem de tratamento especial. A sua previsão no
Código Penal ocorreu, pela primeira vez, em 1940, com o intuito de promover a defesa social e o
tratamento curativo daqueles que cometem fato típico, mas não são condenados.
Ocorre que, na legislação brasileira, a medida de segurança sempre teve um prazo mínimo de
duração: um a três anos. Assim, o agente é absolvido, no que é chamado de absolvição imprópria, neste
caso, e o juiz determinará na sentença o prazo mínimo em que o agente ficará em tratamento ambulatorial
ou internado em hospital de custódia e tratamento. Superado tal prazo, será realizado o exame
psiquiátrico para aferição da periculosidade do paciente e, se restar cessada, ele deverá ser liberado.
No entanto, não há previsão com relação ao prazo máximo da duração das medidas de segurança.
Diferentemente das penas previstas aos agentes imputáveis que cometem crimes e são condenados, para o
inimputável a medida deverá ter duração indeterminada até que reste cessada a sua periculosidade,
conforme a previsão do artigo 97, §1º, do Código Penal.
A indeterminabilidade do prazo de duração da medida de segurança, segundo a doutrina
majoritária, não foi recepcionada com o advento da Constituição Federal de 1988. À luz da vedação das
penas de caráter perpétuo, do princípio da isonomia, da proporcionalidade e da legalidade, deve ser
imposto um prazo máximo para a duração de tais medidas, sob pena de condenar os inimputáveis à perdas
perpétuas de direitos fundamentais. Assim, mister se faz a discussão da temática acerca da
determinabilidade ou indeterminabilidade das medidas de segurança e possíveis balizamentos para a sua
duração.
2. INIMPUTABILIDADE E MEDIDAS DE SEGURANÇA
A presente seção destina-se a trazer à discussão um breve histórico acerca do trato da loucura e da
origem das medidas de segurança no Brasil e no mundo. Além disso, conceitua e diferencia os agentes
imputáveis dos inimputáveis, levando em consideração os elementos do crime e da culpabilidade. Por
fim, apresenta o instituto da medida de segurança no Brasil da forma que é prevista pelo Código Penal e
pela Lei de Execução Penal (7.210/84).
2.1 Histórico
Ao longo da história, os indivíduos considerados loucos foram tratados de diversas maneiras.
Para os povos primitivos, eles eram vistos como seres sagrados, merecedores de respeito e distinção.
Durante a Idade Média, a loucura era um elemento normal do cotidiano e passava despercebida.
No século XVII, no entanto, iniciou-se um período de exclusão. Foram criados estabelecimentos
para o recolhimento de elementos inservíveis à sociedade: loucos, prostitutas, mendigos, criminosos, etc.
Em tais locais a tortura e os maus-tratos eram constantes e as internações violentas. A Revolução
Francesa restringiu as internações apenas aos indivíduos considerados loucos. (FÜHRER, 2000, p. 1618).
Diversos métodos foram experimentados para livrar os sujeitos da doença mental. Já no século 5
a.C. faziam-se buracos no crânio para que os demônios pudessem ser expulsos do corpo.
No século XIII, a dor ainda fazia parte das mais diversas técnicas: uma delas constituía em
queimar as genitálias e o crânio do paciente com soda cáustica para impedir pensamentos raivosos. Por
volta de 1896, institui-se a hidroterapia: o paciente era enrolado em uma rede e mantido na água por horas
ou dias onde se alternavam água fervente e gelada. (MATTOS, 2006, p. 41-43).
Philippe Pinel, por volta de 1795, lutou para livrar os internos dos métodos de tortura e inaugurou
os estudos científicos acerca da loucura. Providenciou a libertação dos doentes mentais encarcerados;
alguns acorrentados à décadas. Assim como outros reformistas, defendia que os internos são pacientes
que precisam de tratamento e não animais que merecem confinamento. (GLEITMAN; REISBERG;
GROSS, 2009, p. 627-628).
A medida de segurança surgiu com a necessidade do Estado em adequar o seu papel punitivo. A
sua origem oficial é amplamente apontada ao Anteprojeto do Código Penal Suíço de Karl Stoos em 1893.
A partir de sua redação, Códigos Penais de diversos países adotaram o referido instituto: Português em
1896, Italiano em 1889, Norueguês em 1903 e o Argentino em 1921.
No Brasil, as Ordenações Filipinas de 1603, já previam que ao louco, insensato ou doente, não se
poderia imputar fato ilícito, vez que não obrava com dolo ou culpa. Legislações de 1830 e 1890
determinavam diversas providências aos inimputáveis, posteriormente estendias aos toxicômanos, vadios
e anarquistas. (LEVORIN, 2003, p. 174-179).
A medida de segurança restou normatizada na redação do Código Penal de 1940 que, de forma
semelhante ao Código Italiano de 1930, trazia diversas categorias de indivíduos que eram
presumidamente perigosos. Além dos inimputáveis e semi-imputáveis por enfermidade mental, os ébrios
habituais condenados por crimes cometidos em estado de embriaguez, os reincidentes em crimes dolosos
e os sujeitos condenados por crimes que teriam sido cometidos por bando ou quadrilha de malfeitores.
(RIBEIRO, 1998, p. 10-31).
A reforma na parte geral do Código Penal em 1984 adotou o sistema vicariante em substituição
ao ineficiente duplo binário, extinguindo a aplicação de medida de segurança aos imputáveis. Também
restringiu a duas as espécies do instituto: detentiva (internação em hospital de custódia e tratamento) e
restritiva (tratamento ambulatorial).
2.2 Inimputabilidade
Estão sujeitos ao cumprimento de medida de segurança os agentes que cometerem fato típico nos
termos do artigo 26 do Código Penal. O inimputável vem definido no caput do artigo: “É isento de pena o
agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da
ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento”.
A imputabilidade deve corresponder à presença de uma consciência psíquica no agente que lhe
indique a antijuridicidade de sua conduta (aspecto cognoscitivo ou intelectivo) e que permita a adequação
de tal conduta segundo esse entendimento (aspecto volitivo).
O agente deve conhecer ou poder conhecer o que é injusto e a falta de qualquer destes aspectos
afasta a imputabilidade.
Já o semi-imputável, também chamado de fronteiriço, tem a sua previsão no parágrafo único do
mesmo artigo: “A pena poder ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da
saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.
O sujeito considerado inimputável será absolvido. No entanto, trata-se de absolvição imprópria
que determinará o cumprimento de medida de segurança. O semi-imputável poderá sofrer pena (reduzida)
ou medida de segurança se o seu estado pessoal acusar a necessidade de especial tratamento.
São causas de inimputabilidade, de acordo com o Código Penal: doença mental, desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, a menoridade penal e a embriaguez acidental. O menor de 18 anos que
cometer um fato típico (ato infracional) sofrerá as medidas previstas em legislação própria – Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
E, aquele que cometer fato típico em estado de embriaguez acidental será isento de pena e não
estará sujeito a tratamento.
Ao termo doença mental, deve ser atribuído um amplo sentido abrangendo, sobretudo, as psicoses
e, principalmente, a esquizofrenia. Também têm relevância: a embriaguez patológica, a toxicomania
grave, os transtornos bipolares e as demências. Em muitos casos, tem-se o problema da comorbidade,
sendo que o mais comum é a conjunção da esquizofrenia com transtornos por uso de substâncias.
(SILVA, 2011, p. 49-50).
Por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, inclui-se, segundo a terminologia
tradicional, os vários níveis de oligofrenia (grave, moderada e leve), atualmente chamadas de retardo
mental (profundo, grave, moderado e leve). Em tal categoria não está mais prevista a presunção de
inclusão dos indígenas e dos surdos-mudos. Segundo o entendimento atual do STF, o indígena,
aculturado ou não é, a princípio considerado imputável. (HC 85.198-3, 1ª Turma, rel. Min. Eros Grau, D.
J. 09.12.2005). Da mesma forma, entende-se que a análise do caso concreto determinará a
inimputabilidade ou não do surdo-mudo.
Não constituem causas de exclusão de imputabilidade, por expressa previsão no Código Penal, a
emoção ou a paixão e a embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos
(artigo 28, Código Penal). A emoção ou a paixão estarão envolvidas no cometimento de quase a
totalidade de crimes e, por isso, são incapazes de isentar o agente de pena (com exceção da patológica). E,
por embriaguez voluntária ou culposa, inclui-se tanto o sujeito que bebe com o intuito de embriagar-se
como o que bebe de forma imprudente.
2.3 As Medidas de Segurança do Brasil
As medidas de segurança no Brasil têm previsão normativa nos artigos 96 ao 99 do Código Penal.
A sua execução está prevista nos artigos 171 ao 179 da Lei de Execução Penal (7.210/84).
Trata-se de um instituto que deve proporcionar tratamento ao agente inimputável ou semiimputável e que, ainda, deve servir à defesa social. Tem como fundamento a periculosidade, ou seja, a
probabilidade de que o sujeito irá cometer novos crimes, se permanecer em liberdade. São requisitos para
o cumprimento de medida de segurança: o cometimento de fato típico e antijurídico.
A doutrina majoritária entende que a medida de segurança, assim como a pena, é gênero da
sanção penal. Possuem algumas diferenças como: o fundamento, periculosidade na primeira e
culpabilidade na segunda; o prazo, indeterminado para a primeira e determinado para a segunda; e o
caráter, essencialmente preventivo para a medida de segurança e retributivo e preventivo para a pena.
O artigo 96 do Código Penal estabelece as duas espécies de medida de segurança: “internação em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado” e “sujeição
a tratamento ambulatorial”. A primeira constitui a modalidade privativa de liberdade e a segunda a não
privativa de liberdade.
É direito do interno que o local seja dotado de características hospitalares (artigo 99, Código
Penal). O artigo 88 da Lei de Execução Penal (7.210/84) em seu parágrafo único, também aplicável às
medidas de segurança, dispõe que a unidade celular deverá ter, no mínimo 6 m² (seis metros quadrados) e
salubridade no ambiente.
O prazo da medida de segurança tem um patamar mínimo: um a três anos. No entanto, o Código
Penal não prevê um tempo máximo de internação, declarando que esta deverá perdurar por tempo
indeterminado até que seja verificada a cessação da periculosidade. (artigo 97, caput e parágrafo primeiro,
Código Penal).
A desinternação (medida privativa de liberdade) e a liberação (medida não privativa de liberdade)
será sempre condicional. Poderá ser reestabelecida se o sujeito praticar fato indicativo de persistência da
periculosidade no prazo de um ano. (artigo 97, parágrafo terceiro, Código Penal).
As hipóteses de extinção de punibilidade devem ser aplicadas às medidas de segurança.
Depreende-se tal conclusão do parágrafo único do artigo 96 do Código Penal: “Extinta a punibilidade,
não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta”. Destarte, possível a aplicação
do reconhecimento da prescrição ao caso concreto, dentre outras possibilidades presentes no artigo 107 da
mesma legislação, porém esse entendimento não é pacífico.
Existem três entendimentos na jurisprudência acerca do prazo da prescrição da pretensão
punitiva: um leva em conta o prazo mínimo de duração da medida de segurança fixada em juízo, outro a
pena mínima cominada abstratamente ao delito cometido e, um terceiro, a pena máxima cominada
abstratamente ao delito praticado. Prevalece o terceiro entendimento. Com relação à prescrição da
pretensão executória, deve-se tomar por base o máximo da pena abstratamente cominada ao delito.
(PONTE, 2012, p.89-95).
3. MUDANÇA PARADIGMÁTICA
A leitura acerca das medidas de segurança não pode mais ser realizada tão somente a partir da
previsão do ainda vigente Código Penal de 1940. A Constituição Federal de 1988, importante pela ampla
garantia de direitos fundamentais, também deve ser considerada na aplicação do instituto, tendo como
norte sempre a dignidade da pessoa humana. No mesmo sentido, a Lei nº 12.016/01 foi redigida com o
intuito de promover o respeito aos direitos dos pacientes submetidos à tratamento psiquiátrico e
determinar como objetivo final sempre a reinserção do agente na comunidade.
3.1 Constituição Federal de 1988
Considerando que a medida de segurança é espécie do gênero sanção penal, a ela são aplicados os
dispositivos da Constituição Federal acerca do cumprimento de penas. O artigo 5º, inciso XLVII, declara
que: “não haverá penas: [...] b) de caráter perpétuo”.
Ainda, deve-se submetê-la ao princípio da reserva legal, artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição
Federal. Todo cidadão deve saber antecipadamente a natureza e a duração das sanções penais, e, por
sanção penal, entende-se pena e medida de segurança. (BITENCOURT, 2011, p. 782).
A proibição de penas com caráter perpétuo, no entanto, não é inovação da Carta de 1988. Em
1890, antes mesmo da aprovação do novo Código Penal, o governo havia abolido a pena de galés,
reduzido a trinta anos as penas perpétuas e instituído a prescrição das penas. (DOTTI, 1998, p. 49-55).
Apesar de tal impedimento, o legislador de 1940 preocupava-se com o aumento impressionante
da “criminalidade crônica”, ou seja, com os reincidentes do crime. Tinha essa preocupação em uma época
que o rádio estava começando sua história e a televisão não era nem cogitada. Assim, para a salvaguarda
da sociedade (moralista, preconceituosa e temente a Deus), criou-se a medida de segurança como método
de defesa social e tratamento dos desgarrados da sociedade. (MATTOS, 2006, p. 100).
Em face da Constituição Federal, porém, o legislador ordinário não tem poderes para prever uma
medida de segurança por tempo indeterminado (intervenção indefinida), pois está vinculado à garantia da
legalidade penal, não podendo promover uma perpetuidade na intervenção da liberdade individual.
(LEVORIN, 2003, p. 202).
3.2 A Lei nº 10.216/01
Também chamada de lei Antimanicomial, a Lei nº 10.216/01, é fruto de movimentos sociais dos
usuários dos sistemas assistenciais, seus familiares e também dos profissionais que trabalham em tais
ambientes. Ela dispõe acerca dos direitos e da proteção das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo de assistência em saúde mental.
O texto da legislação declara que são direitos dos pacientes, entre outros, sem qualquer distinção:
ter acesso ao melhor tratamento, de acordo com suas necessidades; ser tratado com humanidade e respeito
no interesse exclusivo de beneficiar a sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na
família, no trabalho e na comunidade; e ser tratado em ambiente terapêutico, pelos meios menos
invasivos possíveis (artigo 2º).
Afirma a responsabilidade do Estado em desenvolver políticas públicas de saúde mental,
assistência e promoção de saúde aos portadores de transtorno mental, assegurada a participação da
comunidade (artigo 3º).
Deve ser aplicada aos três tipos de internação psiquiátrica: voluntária, involuntária (sem
consentimento do usuário e a pedido de terceiro) e a compulsória (determinada pela justiça). A lei
considera que a internação deve ser a exceção, somente indicada quando os recursos extra-hospitalares
forem insuficientes e que sempre terá como norte a reinserção social (artigo 4º).
A normativa não escapa ao problema do paciente que está há longo tempo hospitalizado ou com
grave dependência institucional. Afirma que este deverá ser objeto de política específica de alta planejada
e reabilitação psicossocial assistida, assegurada, porém, a continuidade do tratamento, quando necessário
(artigo 5º).
Assim, a lei buscou mudar a dinâmica de tratamento com relação aos portadores de transtorno
mental, determinando que a internação deve constituir a última opção e que o objetivo final será sempre a
reinserção social. Ainda, reconheceu os direitos dos pacientes e procurou impor respeito com relação a
sua condição.
4.(IN)DETERMINAÇÃO DO PRAZO DE DURAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
Como a doutrina e a jurisprudência vêm se posicionado com relação à indeterminação ou
determinação das medidas de segurança é a temática da presente seção. Diversas foram as posições
adotadas pelos autores e pelos juízes ao longo dos anos de aplicação das medidas de segurança, no
entanto será dado o devido destaque à posição que atualmente vem prevalecendo - já está prevista,
inclusive, no anteprojeto do Novo Código Penal.
4.1 Doutrina
A doutrina diverge com relação à possibilidade de estabelecimento de um prazo de duração para
as medidas de segurança e, diante da possibilidade, divergem acerca dos critérios para o seu balizamento.
Há importantes doutrinadores que defendem que as medidas de segurança têm natureza
administrativa e que, portanto, não podem ter limitação temporal, pois a sua continuidade ou não deve ser
determinada pela cessação da periculosidade do agente. Neste sentido está a lição de Adeildo Nunes:
A medida de segurança [...] é especificamente a imposição ao doente mental,
por sentença transitada em julgado, de um tratamento psiquiátrico, seja na
forma ambulatorial, seja na de internamento. Assim, a medida de segurança não
é uma sanção penal, que tem em seu conteúdo uma repressão, mas tão somente
uma medida eficaz de tratar o doente que
praticou um fato descrito como crime mas que não gozava das faculdades
mentais quando realizou a conduta.
Em defesa do caráter administrativo das medidas de segurança também está o magistério de
Zaffaroni e Pierangeli que ensinam que não se pode considerar penal um tratamento ou uma custódia
psiquiátrica. No entanto, afirmam que, à luz da Constituição Federal, não se pode estabelecer uma
privação perpétua da liberdade a título de tratamento, causando desigualdade entre imputáveis e
inimputáveis. (2011, p. 733).
Já Bitencourt, sustenta que pena e medida de segurança são duas espécies do gênero sanção penal
e que, por não se distinguirem ontologicamente, a previsão constitucional de proibição de prisões com
caráter perpétuo deve ser aplicada a ambos os institutos. Além de defender a determinação de um prazo
de duração para a medida de segurança, o doutrinador indica a forma de balizamento: o limite máximo da
pena abstratamente cominada ao delito, pois esse seria o limite possível de intervenção estatal.
(BITENCOURT, 2011, p. 786-787).
Silva cita Juarez Cirino dos Santos ao dissertar acerca da aplicação do princípio da
proporcionalidade às medidas de segurança. De acordo com o segundo autor, a indeterminação das
medidas de segurança representa uma violação da dignidade humana e uma lesão ao princípio da XXXX.
Argumenta que não há correlação possível entre a perpetuidade da internação e a inconfiabilidade do
prognóstico de periculosidade criminal do exame psiquiátrico. (SILVA, 2011, p. 108-110).
Ponte, ao dissertar sobre a inimputabilidade e o processo penal, defende que as medidas de
segurança estão sujeitas aos princípios da dignidade humana, legalidade, anterioridade, jurisdicionalidade,
proporcionalidade, intervenção mínima e humanidade e que, portanto, devem ser submetidas a um prazo
máximo de duração. Aponta que as diferenças entre os presídios e os hospitais de custódia e tratamento se
dão somente no plano teórico. Defende que a medida de segurança deve ter um controle mais rígido,
alcançado pela determinação de um prazo máximo para sua duração. Se o agente, no entanto, não
apresentar qualquer melhora, deverá ele ser transferido a um estabelecimento administrativo para o
prosseguimento do tratamento. (2012, p. 83-87).
4.2 Jurisprudência e o novo Código Penal
Em importante decisão, no HC 84.219-4 de 2005, o Supremo Tribunal Federal definiu que
também a medida de segurança deve ter um teto, assim como a pena, de 30 anos. O Ministro Sepúlveda
Pertence declarou na ocasião que, embora a medida de segurança não seja pena, tem caráter de pena, por
isso o tratamento isonômico.
A tal decisão, seguiu o HC 97.621-2 de 2009, também do Supremo Tribunal Federal, com decisão
de mesmo teor. Atualmente, no entanto, a jurisprudência tem aceitado estabelecer um prazo para a
duração da medida de segurança: a pena máxima abstratamente cominada ao delito cometido.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em recentes decisões, tem apontado neste sentido.
De acordo com decisão da Quinta Câmara Criminal, o parágrafo 1º do artigo 97 do Código Penal teve a
sua redação em 1940, portanto, tem vigência anterior à Constituição Federal de 1988. A leitura do
referido artigo deve ser realizada de acordo com a Carta Magna, passando pelo filtro constitucional. Tal
filtro determina, pelo princípio da isonomia e pela vedação de penas de caráter perpétuo, a limitação do
tempo de execução das medidas de segurança. A decisão refere que, ainda que se reconheça o caráter
terapêutico da medida de segurança, o seu caráter de sanção penal é inquestionável. Não pode, portanto o
inimputável receber um tratamento mais gravoso que o imputável. (Apelação Crime Nº 70053595948,
Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 24/07/2013).
Tal decisão não é unânime nos Tribunais brasileiros, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios também já proferiram decisões de igual teor,
defendendo, por meio dos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, a pena máxima
abstratamente cominada ao delito como prazo máximo da medida de segurança (HC Nº 003121538.2013.8.19.0000, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RJ, Des. Antonio Carlos Amado,
Julgado em 09/07/2013 e EIR Nº 20110310206278EIR, Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do DF,
Relator George Lopes Leite, Julgado em 08/07/2013).
O Superior Tribunal de Justiça tem deixado assente o mesmo entendimento. Em suas decisões, os
Ministros têm declarado que o prazo da medida de segurança deve ser balizado pela pena máxima
abstratamente cominada ao delito e pelo teto de 30 anos. Afirmam que não determinar um prazo máximo
significa tratar mais severamente o inimputável que o imputável, ferindo o princípio da isonomia e da
proporcionalidade (HC Nº 2012/0163628-3, Quinta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Min. Laurita
Vaz, Julgado em 11/06/2013 e HC Nº 2010/0055136-5, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Min.
Maria Thereza de Assis Moura, Julgado em 02/05/2013).
Tal orientação também é a adotada pelo Anteprojeto do novo Código Penal, PLS 236/2012,
atualmente em trâmite no Senado Federal. O seu artigo 96, §1º, afirma que o prazo mínimo é de 1 a 3
anos e, o §2º, prevê que a medida de segurança deve perdurar até a cessação da periculosidade, mas que
deve observar o limite máximo da pena cominada ao fato criminoso e de 30 anos nos fatos criminosos
praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, salvo se a infração for de menor potencial ofensivo.
O parágrafo terceiro do mesmo artigo, para dirimir dúvidas quanto ao destino do inimputável após a saída
do hospital de custódia e tratamento, determina que atingido o limite máximo, o Ministério Público ou o
responsável legal pela pessoa pode requerer no juízo cível o prosseguimento da internação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história, os centros de internação foram considerados como forma de exclusão de
todos os sujeitos que eram considerados inservíveis à sociedade, além dos loucos, eram encarcerados:
pobres, mendigos, prostitutas, vadios, etc. Contudo, as medidas de segurança não podem mais ser
apreendidas com o norte de exclusão, mas essencialmente de tratamento. Deve-se considerar que elas
foram criadas em uma época que não existiam remédios e tratamentos efetivamente aptos ao controle das
doenças mentais e, por isso, necessário se faz a sua reformulação.
Pelo exposto, considerando as previsões e princípios constitucionais, depreende-se a necessidade
da determinação de um prazo de duração para as medidas de segurança. Mais que a previsão na
legislação, no entanto, percebe-se a necessidade do Estado de promover políticas públicas tendentes a
facilitar o retorno dos pacientes à família e à comunidade, após a sua desinternação ou liberação. Assim, a
liberdade dos agentes, mais que ideal constitucional poderá tornar-se realidade ao mesmo tempo que se
possa permitir a continuidade do tratamento, se necessário para a sua saúde mental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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