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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
QUINTA CÂMARA CRIMINAL
Apelação: 0404730-69.2009.8.19.0001
Juízo de origem: 1ª Vara Criminal Regional de Bangu
Apelante: Ministério Público
Apelada: Janaina Pereira Machado
Relator: Des. Roberto Távora
Apelação criminal. Ré solta. Sentença
absolutória (01.07.2010), em razão da
excludente
de
culpabilidade,
id
est,
coação moral irresistível quanto ao crime
de tráfico e no atinente à associação ao
tráfico descaracterizada a concorrência
para
a
infração.
Inconformismo
do
Ministério Público aduzindo, em síntese, a
inexistência de qualquer causa excludente
da
culpabilidade.
suficientes
para
Provas
robustas
reconhecê-la
e
(a
excludente de culpabilidade), diante da
coação
moral
irresistível
sofrida
pela
apelada, alicerçando, assim, um veredicto
absolutório.
RECURSO
CONHECIDO
E
DESPROVIDO.
g
Apelação nº 0404730-69.2009.8.19.0001
Assinado por JOSE ROBERTO LAGRANHA TAVORA:000009645
Data: 13/06/2011 15:35:43. Local: GAB. DES JOSE ROBERTO LAGRANHA TAVORA
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação
nº 0404730-69.2009.8.19.0001 sendo apelante e apelada
Ministério
Público
e
Janaina
Pereira
Machado,
respectivamente.
Acordam
os
Desembargadores
componentes
da
Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, por unanimidade, em NEGAR provimento ao
recurso, na forma do voto do Desembargador Relator.
RELATÓRIO
O Ministério Público denunciou JANAINA PEREIRA
MACHADO
e
PATRICIA
DA
SILVA,
por
supostamente
encontrarem-se incursas nas penas dos artigos 33, caput, e
35, caput, ambos c/c 40, III, todos da Lei no 11.343/06, na
forma do artigo 69 do Código Penal e SERGIO LUIZ
g
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MOREIRA, imputando-lhe a prática do delito previsto no
artigo 33, caput, c/c 40, III, ambos da Lei 11.343/06 c/c
artigo 29 do CP e artigos 35, caput, c/c 40, III, ambos da Lei
11.343/06, na forma do artigo 69 do CP.
Segundo a exordial acusatória de fls. 03/06 (processo
eletrônico) “Em data que ainda não se pode precisar, sendo
certo que permaneceu até 22 de dezembro de 2009, os
denunciados, consciente e voluntariamente, em comunhão
de ações e desígnios entre si, associaram-se para o fim de
praticar, reiteradamente ou não, o crime de tráfico ilícito de
drogas no interior da Penitenciária Jonas Lopes de Carvalho.
No dia 22 de dezembro de 2009, por volta das 11:00 horas,
nas dependências da Penitenciária Jonas Lopes de Carvalho,
situada na Estrada Emílio Maurell Filho, 1904, Gericinó, nesta
comarca, a denunciada Janaina Pereira Machado, consciente
e voluntariamente, em comunhão de ações e desígnios com
os demais denunciados, trazia consigo, no interior de sua
vagina, para fins de tráfico, sem autorização e em desacordo
com determinação legal e regulamentar, um saco plástico
incolor fechado por grampos contendo um pacote cilíndrico
com extremidades em calota contendo 196,12g (cento e
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noventa e seis gramas e doze centigramas) de Cannabis
Sativa
L.,
acondicionados
em
um
retalho
de
plástico
laminado envolto em fita plástica autoadesiva marrom,
conforme laudo prévio de fls. 06”.
O desmembramento do feito ocorreu em relação aos
réus Patrícia da Silva e Sergio Luiz Moreira Guimarães,
continuando
este
processo
quanto
à
Janaína
Pereira
Machado.
Julgada improcedente a acusação, em 01 de julho
de 2010, o juiz a quo absolveu a acusada JANAINA PEREIRA
MACHADO,
em
(inexigibilidade
razão
de
da
conduta
excludente
diversa)
de
–
culpabilidade
coação
moral
irresistível quanto ao crime de tráfico. No atinente à
associação ao tráfico restou absolvida reconhecendo a não
concorrência para a infração (fls. 237/255 do processo
eletrônico).
Inconformado com o decisum, o Ministério Público
apresentou as suas razões (fls.266/273), exclusivamente em
relação à absolvição do crime de tráfico, alegando, em
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síntese, a inexistência de qualquer prova da causa de
excludente da culpabilidade.
Contrarrazões
da
Defesa
(fls.
282/288)
pelo
desprovimento do recurso.
A Procuradoria de Justiça opinou às fls. 319/326,
manifestando-se pelo conhecimento do recurso e pelo seu
desprovimento, diante da caracterização da coação moral
irresistível.
Relatados.
VOTO
Apelação
tempestiva,
preenchendo
os
demais
requisitos de admissibilidade.
Resume-se, a quaestio juris à caracterização ou não
da excludente de culpabilidade, id est, a coação moral
irresistível.
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Saliento, inicialmente, as observações do renomado
jurista Guilherme de Souza Nucci, ao tratar dos elementos da
coação moral irresistível, prevista no artigo 22 do Código
Penal:
"Portanto,
é
fundamental
buscar,
para
a
configuração dessa excludente, uma intimidação
forte o suficiente para vencer a resistência do
homem normal, fazendo- o temer a ocorrência de
um mal tão grave que lhe seria extraordinariamente
difícil suportar, obrigando-o a praticar o crime
idealizado pelo coator" (Código Penal Comentado,
4ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora
Revista dos Tribunais, 2003).
No mesmo sentido, Cezar Roberto Bitencourt:
"Coação irresistível, com idoneidade para afastar a
culpabilidade,
é
a
coação
moral,
a
conhecida
ameaça, uma vez que a coação física exclui a
própria ação, não havendo, conseqüentemente,
conduta típica. Coação irresistível é tudo o que
pressiona
a
vontade
impondo
determinado
comportamento, eliminando ou reduzindo o poder
de escolha. Na Coação moral existe vontade,
embora seja viciada. Nas circunstâncias em que a
g
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ameaça é irresistível não lhe é exigível que se
oponha
a
essa
ameaça
para
se
manter
em
conformidade com o Direito (...). A irresistibilidade
da coação deve ser medida pela gravidade do mal
ameaçado. Essa gravidade deve relacionar-se com a
natureza do mal e, evidentemente, com o poder do
coator em produzi-lo." (Tratado de Direito Penal,
Parte Geral, Vol. 1, 2008).
Assim, para o reconhecimento da excludente de
culpabilidade
da
coação
irresistível
deve
restar
suficientemente evidenciada a ação ameaçadora do coator
traduzida na exteriorização de uma promessa de um mal de
tamanha gravidade a ponto de suprimir a vontade do coacto,
de quem, naquelas circunstâncias, não se poderia exigir
conduta diversa.
Ao compulsar os autos, verifico suficientes os
elementos para reconhecer a inexigibilidade de conduta
diversa, diante da coação moral irresistível sofrida pela
apelada, alicerçando, assim, um veredicto absolutório.
In casu, diante do depoimento em sede policial da
apelada e de sua oitiva em juízo pode-se depreender a
g
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gravidade das ameaças, corroboradas com as oitivas das
demais testemunhas.
A Sra. Janaína machado, no inquérito policial,
afirmou que
“(...) foi descoberta pelo aparelho Scanner, tendo
confessado para as Inspetoras ora presentes o
esquema de tráfico de drogas, dizendo que
entregaria a droga a mulher de blusa rosa, que
havia passado pela revista, sendo essa mulher
PATRICIA; que durante o trajeto que a declarante
fez até as proximidades da casa de PATRICIA, esta
conversou com a declarante, dizendo que quando a
pessoa cheirava muito e não podia pagar a droga
consumida, deveria prestar um serviço de tráfico
para pagar o que usou; que PATRICIA estava se
referindo ao serviço hoje feito pela declarante; que
antes da declarante tentar entrar com a droga
naquela penitenciária, esta vinha recebendo
telefonemas de PATRICIA e um homem que se
identificava, no qual a declarante era sempre
ameaçada de morte, caso não prestasse o serviço
hoje realizado; que a declarante já respondeu a um
processo de tráfico de drogas, mas foi absolvida;
que essa prisão ocorreu quando a declarante
visitava Sérgio”.
Observo que após a narrativa, explicando com
detalhes toda a situação fática, a própria depoente se
arrependeu, restando consignado que “A DECLARANTE AO
TÉRMINO DA LEITURA DISSE QUE NÃO QUERIA MAIS DECLARAR O QUE
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DECLAROU, ALEGANDO TER MEDO DE SOFRER ALGUM MAL GRAVE,
SENDO ENTÃO NOMEADO AS TESTEMUNHAS DE LEITURA PARA FEITO”.
Em Juízo, estranhamente, a apelada mudou o
depoimento dado em sede policial, chamando para si a
responsabilidade pelos fatos apurados e isentando os outros
dois réus:
são EM PARTE verdadeiros os fatos narrados na
denúncia; que de fato foi ao presídio levando
consigo a droga; que foi presa pela agente morena
do DESIPE; que inclusive ouviu essa agente dizer
que na verdade queria pegar Patrícia, assim como
uma outra que foi revistada e que ia sempre de
saia; que não assinou o depoimento na DP porque
foram postas palavras na sua boca; que a droga
chegou às suas mãos não por Patrícia ou pelo
companheiro desta; (...) que levou a droga e a
pedido do seu marido; que foi ameaçada por seu
marido para levar a droga; que a droga lhe foi
repassada por um amigo do seu marido que está
na rua e lhe entregou o material em casa; (...)
que só levou a droga porque foi agredida e
queimada por seu companheiro no parlatório
anteriormente; (...) as agressões se iniciaram
cerca de duas semanas antes da prisão; que
visitava seu marido aos domingos; que as
agressões foram nos dois domingos que
antecederam sua prisão; que as brigas eram de
muito tempo em razão da insistência constante;
que queria largar o marido mas tinha medo em
razão das pessoas conhecidas dele que estão na
rua; (...) que no último dia da visita seu marido
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lhe disse que se não trouxesse a droga tinha
pessoas do lado de fora que iriam em cima da
interroganda (...)”.
Friso que o responsável pela colheita do depoimento
na Delegacia, Sr. José Antônio Santana, esclareceu em
audiência que inexistiu qualquer instrução a Sra. Janaina
antes do depoimento, realizando-a de forma espontânea.
Ademais, as agentes penitenciárias, sob o crivo do
contraditório,
reafirmaram
o
depoimento
da
recorrida
prestado quando da prisão em flagrante.
Daniele Xavier da Cruz disse:
“que já tinha revistado a acusada antes e nunca
teve problemas; que no dia a acusada aparentava
nervosismo; que no dia existia a denúncia de uma
outra visitante; que nesses acasos tem como
padrão de conduta levar a visitante denunciada com
outras escolhidas pela postura ou aleatoriamente
para a revista; que a acusada foi uma destas
terceiras selecionadas; que tão logo submetida ao
scanner, pode se constatar a existência de algo
estranho em sua vagina; que em razão disso
levaram a acusada ao banheiro que retirou a droga
e entregou; que para a depoente a acusada disse
que seu marido era viciado em drogas e que a
pessoa para quem devia teria lhe dito que essa era
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a forma para pagar a dívida; que a acusada disse
que seu marido lhe pediu para praticar estes atos
porque o outro interno teria ameaçado de morte
acaso tal não ocorresse”.
Maria de Lourdes Leal no mesmo sentido afirmou:
que já tinha revistado a acusada antes; que a
acusada
sempre
demonstrou
bom
comportamento; que no dia existiu uma denúncia
contra outra visitante; que tão logo identificaram
esta visitante, adotaram o procedimento padrão
de levá-la com outras visitantes, escolhidas
aleatoriamente para o exame; que assim atuam
para evitar o constrangimento da visitante a ser
submetida a scanner; que não existia nenhuma
dúvida ou suspeita acerca da acusada; que a sua
seleção foi apenas para evitar o constrangimento
da outra a ser investigada, sendo que
coincidentemente se defrontaram com os fatos ora
apurados;
que
no
scanner
todas
foram
investigadas e só com a acusada foi encontrada a
droga apreendidas (...)a acusada justificou sua
atuação dizendo que seu esposo teria dívida de
drogas com Welington; que por tal motivo teriam
lhe mandado levar as drogas; que a acusada
deixou transparecer que Welington teria dito que
"a família dela estava lá fora"; que a acusada
disse mais ou menos essas palavras e disse ter se
sentido ameaçada (...)
As provas demonstram o medo de Janaina Machado
com as ameaças de morte caso não realizasse o transporte da
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droga, caracterizando a sua impossibilidade de atuar de forma
diversa.
Em uma situação como a descrita nos autos,
mostra-se razoável que uma pessoa pratique o delito por
temer por sua própria vida e a de seus familiares.
Por
oportuno,
destaco
o
parecer
do
Ilustre
Procurador de Justiça Alexandre Schott: “(...) deve-se ressaltar
que a opinião do magistrado a quo, responsável pelo contato mais
próximo com a prova testemunhal, que consignou em sua decisão de fls.
214/215
que
a
acusada
mostrava-se
angustiada
e
apreensiva,
procurando a todo custo desmerecer seu depoimento em sede policial,
chamar para si e seu companheiro a responsabilidade exclusiva pelos
fatos e advogar insistentemente em favor de Wellington e de Patrícia.
Assim, para a configuração da excludente da coação
irresistível, como ocorre, mostra-se necessária a identificação
de uma situação fática insuperável e inevitável, submetendo o
coacto a um temor invencível da ocorrência de algum mal
grave, gerando, assim, uma insuportável supressão de sua
vontade, levando-o a fazer - ou a não fazer - algo que, em
situação de normalidade, estaria sob o seu livre arbítrio.
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Com as provas acostadas aos autos, percebo
claramente que Janaína Machado carregou a droga apreendida
de forma forçada em razão das graves ameaças sofridas.
Portanto,
mostra-se
caracterizada
a
coação
irresistível, causa de exclusão da culpabilidade, pois a vontade
da coagida (Janaina Machado) restou suprimida pela ação da
coatora (Patrícia da Silva), merecendo a aplicação do artigo
22 do Código Penal e, consequentemente, a sua absolvição.
Pelo
exposto,
voto
pelo
conhecimento
a
sentença
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desprovimento
do
recurso,
mantendo-se
e
vergastada.
Rio de Janeiro, 9 de junho de 2011.
DES. ROBERTO TÁVORA
RELATOR
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