PROPOSTA DA LEAP PARA A UNGASS 2016 A UNGASS 2016 – Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o problema mundial das drogas – a se realizar em abril de 2016 em New York, decerto constitui importante ocasião para uma efetiva mudança de rumos na globalizada política de proibição às arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas, expressada nas três convenções internacionais sobre o tema, que constituem a fonte normativa da insana, nociva e sanguinária “guerra às drogas”. Essa ocasião não deve ser perdida. A UNGASS 2016 não deve ser uma mera reprodução das anuais reuniões da Comissão sobre Drogas Narcóticas (o CND) em Viena, onde muito se fala para nada mudar. As propostas para a UNGASS 2016 não devem se contentar em tentar pequenos passos e apenas propor tímidas reformas parciais. As propostas para a UNGASS 2016 não devem se limitar a buscar formas de complacente e comodamente conviver melhor com a proibição. É preciso sim levar à UNGASS uma proposta abrangente que efetivamente aponte para o fim da proibição, para o fim da insana, nociva e sanguinária política de “guerra às drogas”; uma proposta que abra o caminho para a necessária legalização e consequente regulação e controle da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas. É essa abrangente proposta que a Law Enforcement Against Prohibition (LEAP) traz sob a forma de emenda às vigentes convenções proibicionistas, sugerindo-a como um modelo a ser adotado e apresentado, integral ou parcialmente, por Estados-membros dispostos a iniciar um sério e concreto esforço no sentido de efetivamente romper com os repetidos discursos de “voz única” que têm sustentado, no âmbito das Nações Unidas, a falida e danosa proibição. A proposta da LEAP, apresentada na reunião da CND de 2015, em Viena, em evento paralelo promovido juntamente com a delegação oficial da República Tcheca, já se encontra no site da UNGASS, incluída dentre as contribuições enviadas por organizações não-governamentais (http://www.unodc.org/ungass2016/en/contribution_ngos.html). A proposta da LEAP considera a indiscutível e inegável realidade do fracasso de uma política de drogas fundada no paradigma proibicionista criminalizador, fracasso esse evidenciado pelos próprios informes e relatórios anuais de órgãos da ONU, como o UNODC, e com ainda maior eloquência em histórias cotidianas vindas de todas as esquinas do mundo: maior quantidade de drogas em circulação; drogas mais baratas, mais potentes e mais acessíveis; novas drogas sintéticas; apreensões de drogas em toneladas; mortes em conflitos e confrontos; criminalização e encarceramento de milhões de pessoas; tragédias de overdoses e propagação de doenças transmissíveis. As vigentes convenções da ONU institucionalizadoras da proibição e de sua “guerra às drogas” promovem uma política que acaba por aumentar os lucros dos fornecedores e os riscos dos produtos. Entregando aos cartéis e gangues o controle exclusivo da produção e da distribuição das drogas proibidas, a cada eventual apreensão, essa política acaba por proporcionar uma imediata supervalorização das mercadorias, assim criando maiores incentivos econômicos e financeiros para o prosseguimento das sempre mais lucrativas atividades econômicas ilegais. Colocando o mercado na ilegalidade, impede o controle de qualidade das mercadorias produzidas e comercializadas e deixa que criminalizados agentes – os ditos “traficantes” – decidam quais as drogas que serão fornecidas, qual seu potencial tóxico, com que substâncias serão misturadas, qual será seu preço, a quem serão vendidas e onde serão vendidas, assim criando maiores riscos à mesma saúde que enganosamente anuncia pretender proteger. As vigentes convenções da ONU institucionalizadoras da proibição e de sua “guerra às drogas” são fonte de sistemáticas violações a princípios garantidores de direitos fundamentais, sendo manifestamente incompatíveis com as declarações internacionais de direitos humanos que consagram tais princípios. Ao dividirem as substâncias psicoativas entre lícitas e ilícitas, criminalizando as condutas de produtores, comerciantes e consumidores de algumas drogas como a maconha ou a cocaína, enquanto produtores, comerciantes e consumidores de outras drogas como o álcool ou o tabaco agem em plena legalidade, as vigentes convenções da ONU manifestamente violam o princípio da isonomia. Ao proibirem a mera posse das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas e sua venda para adultos que querem adquiri-las, violam a exigência de ofensividade da conduta proibida, assim violando a própria cláusula do devido processo legal. Sistematicamente violando esses e outros princípios garantidores de direitos fundamentais, as vigentes convenções da ONU institucionalizadoras da proibição e de sua “guerra às drogas” promovem uma política que causa violência, com assassinatos, seqüestros, tortura, desaparecimentos forçados, corrupção e decadência moral. Sistematicamente violando direitos fundamentais, as vigentes convenções da ONU institucionalizadoras da proibição e de sua “guerra às drogas” promovem uma política que, além de causar mortes, priva os sobreviventes da liberdade e devasta as vidas de milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a principal alimentadora do encarceramento massivo globalmente registrado a partir das últimas décadas do século XX. Essa política explicitamente fundada em um paradigma bélico promove uma guerra não exatamente contra as arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas. Como quaisquer outras guerras, essa é sim uma guerra contra pessoas: os produtores, comerciantes e consumidores das substâncias proibidas. Mas, não todos eles. Os alvos dessa guerra são os mais vulneráveis dentre esses produtores, comerciantes e consumidores. Os “inimigos” na guerra às drogas são os pobres, marginalizados, não brancos, desprovidos de poder. A disparidade racial no encarceramento massivo que se seguiu à declaração de “guerra às drogas” nos Estados Unidos da América, transformando a antiga “land of the free” no país que mais encarecera em todo o mundo, não deixa dúvida sobre a função dessa política na perpetuação da discriminação e da marginalização fundadas na cor da pele. A versão brasileira da “guerra às drogas” tampouco deixa dúvida sobre seu alvo principal: os mortos e presos nessa guerra são os “traficantes” das favelas e aqueles que, pobres, não-brancos, marginalizados, desprovidos de poder, a eles se assemelham. Para pôr fim a essa falida e danosa política que, além de não funcionar em sua inviável pretensão de salvar as pessoas de si mesmas, produz demasiada violência, demasiadas mortes, demasiadas prisões, demasiadas doenças, demasiada corrupção, demasiadas violações a direitos humanos fundamentais; para construir o único caminho que definitivamente porá fim a essa falida e danosa política, através da indispensável legalização e consequente regulação e controle da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas, é que a LEAP formulou sua proposta de emenda às vigentes convenções da ONU, assim oferecendo um modelo pronto para ser utilizado por Estados-membros que efetivamente se disponham a fazer da UNGASS 2016 uma ocasião de reforma da globalizada política de drogas. A proposta da LEAP de emenda às convenções da ONU sugere: - a revogação integral da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas de 1988 (Convenção de Viena); do Convênio sobre substâncias psicotrópicas de 1971; e das Listas I, II, III E IV, anexas à Convenção Única sobre entorpecentes de 1961; - a consolidação dos dispositivos relativos ao controle de substâncias psicoativas, em âmbito internacional, em uma única convenção, estruturada a partir de substanciais modificações na Convenção Única sobre entorpecentes de 1961 e intitulada “Convenção Única sobre Drogas”; - a redefinição das tarefas da Comissão sobre Drogas Narcóticas (CND), da Junta Internacional de Controle de Narcóticos (INCB) e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). A sugerida “Convenção Única sobre Drogas” inspira-se no modelo seguido pela Convenção da Organização Mundial da Saúde para controle do tabaco de 2003, tomando-o como um padrão para a política internacional de drogas, especialmente em razão de seu implícito reconhecimento da necessidade de deixar aos Estados signatários o controle principal sobre as drogas, ainda que em um ambiente de cooperação internacional, ao invés de submetê-los a um único e imposto enfoque proibicionista criminalizador. Tem ainda em conta seu estridente sucesso demonstrado pela redução do uso do tabaco em mercados legais, em contraste com a persistente falência do enfoque proibicionista criminalizador. A sugerida “Convenção Única sobre Drogas” tem, assim, como eixos fundamentais: - a eliminação do paradigma criminalizador na política de drogas e sua substituição por uma política fundada em paradigmas de saúde, redução de danos e direitos humanos; - a expansão do alcance das substâncias sujeitas a controle, de modo a incluir o álcool, o tabaco e todas as demais substâncias psicoativas em uma mesma Convenção, assim rompendo com a arbitrária divisão entre drogas lícitas e ilícitas; - a revitalização das soberanias nacionais em relação ao controle de substâncias psicoativas em um ambiente de cooperação internacional, rompendo com o mantra da “voz unificada”, para respeitar as diferenças regionais e permitir que os Estados desenvolvam políticas de drogas que melhor se adaptem a seus problemas locais, suas necessidades e culturas; Se adotada a proposta da LEAP de emenda às convenções da ONU, seus principais efeitos serão a redução da violência e de homicídios; a redução das taxas globais de encarceramento; a redução de atentados ao ambiente; a melhoria da saúde pública, da segurança e do bem-estar social; ao mesmo tempo revitalizando as liberdades individuais através do estímulo à tolerância para com comportamentos consensuais entre adultos e à prevalência dos direitos humanos sobre quaisquer outras matérias. Sem propostas concretas de emenda às vigentes convenções internacionais que apontem para a necessária legalização e consequente regulação e controle da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas, a UNGASS 2016 será mais uma das inúteis reuniões, que só servem para prolongar a violência, as mortes, o encarceramento massivo, as doenças e os tantos outros sofrimentos provocados pela falida e danosa proibição às arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas. É preciso que Estados que se farão presentes na UNGASS 2016 se libertem do mantra da “voz unificada”, que, obstruindo questionamentos e propostas reformadoras, vem sustentando a falida e danosa proibição. É preciso que levem à UNGASS uma proposta abrangente que efetivamente aponte para o fim da proibição, para o fim da insana, nociva e sanguinária política de “guerra às drogas”, abrindo o caminho para a necessária legalização e consequente regulação e controle da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas.