Reportagem: Carolina Alves, do programa Momento de Fé Cuidado com o excesso de atividades que você passa para os seus filhos. Sobrecarregados, eles podem desenvolver o estresse, que pode trazer uma série de outros problemas à criança, inclusive à depressão. Quem traz esse alerta é a psicopedagoga Kátia Chedid, que concedeu uma entrevista para o programa Momento de Fé e Portal Pe. Marcelo Rossi. Confira a conversa na íntegra. Momento de Fé TV – Por que as crianças sofrem de estresse? Kátia Chedid – Na realidade a humanidade está estressada. Porque a gente vive em um mundo de violência, onde você vê muita coisa que desagrega essa criança. Ela não se sente capaz de criar mecanismos de defesa no seu desenvolvimento e acaba ficando estressada mesmo. Hoje em dia a gente vê uma sobrecarga com atividades. Os pais trabalham e colocam aula de música, aula de inglês, natação, e aí você vê que a criança fica carregada. Você vê agendas de crianças que parecem agendas de executivos. Momento de Fé TV – O estresse pode ser considerado uma doença? Kátia Chedid – Ele pode virar uma coisa patológica. A principio é só um cansaço, mas ele pode virar um estresse mesmo, uma depressão, uma síndrome do pânico. Se você me falasse há uns 20 anos atrás que teríamos crianças de 7 ou 8 anos com síndrome do pânico eu diria que isso é impossível, mas hoje em dia você tem. Momento de Fé TV – E como os pais podem perceber que a criança está estressada? Kátia Chedid – Os pais têm que conhecer a criança. Eles têm que ter tempo para olhar essa criança e ter encontros verdadeiros com ela, ou seja, prestar atenção no que ela está falando. As mães entendem muito bem o que é encontro verdadeiro quando eu conto assim: “Ah, pensa que você ligou para seu marido e ele responde com apenas um “ahã, ta”. Ele não está te ouvindo. Então, na realidade quando você percebe aquela criança você não precisa nem ter muito tempo, mas você está vendo aquela criança e você vai perceber sua mudança de comportamento e você vai perceber que ela está estressada Ela se sente cansada, sobrecarregada, começa a chorar por qualquer coisinha, começa a ter medo. Momento de Fé TV – E o que pode ser feito quando temos em casa uma criança estressada? Kátia Chedid – Normalmente as escolas encaminham para uma avaliação com a psicóloga ou sugerem que a família mude a rotina com essas crianças. Hoje em dia temos filhos de orientais que vão a duas escolas, vão à escola brasileira em um período e na escola coreana ou japonesa no outro. É uma sobrecarga com essas crianças, a gente percebe que elas ficam mais agressivas, chorosas ou estressadas, percebe que alguma coisa está errada. Momento de Fé TV – Os pais que desejam que os filhos tenham um futuro brilhante e lotam suas agendas estão prejudicando os filhos? Kátia Chedid – Eu acho que a criança tem que brincar e hoje em dia elas brincam muito pouco, aliás, elas não brincam. Existe uma pesquisa recente que diz que o brinquedo que elas mais gostam é a televisão. Você vê um brinquedo que exige movimento em quinto lugar, que é a bicicleta. Então a criança tem que se movimentar, tem que brincar com criança e não com adulto. Os brinquedos não precisam ser sempre dirigidos. Você vê hoje, até nas festas de aniversário, brinquedos dirigidos. As crianças não brincam mais sozinhas, porque na brincadeira existe todo um jogo simbólico onde elas aprendem a se relacionar, elas aprendem a resolver seus problemas. Se você não brinca, não aprende a se relacionar com os outros,tem sempre alguém te dirigindo. Momento de Fé TV – E o que isso pode prejudicar no futuro? Kátia Chedid – No futuro ela vai estar estressada antes do tempo, porque, hoje em dia, a gente já vê o adulto estressado com a correria, violência e tudo mais, é uma criança que já vai começar a sobrecarga antes. Você tem desde crianças obesas, até anoréxicas, com depressão, enfim, o corpo vai mostrar que a criança está com uma sobrecarga. Momento de Fé TV – O estresse também pode causar depressão? Kátia Chedid – Com certeza. Momento de Fé TV – E como pode ser tratada a depressão, se o real problema está no estresse? Kátia Chedid – A especialista vai fazer uma análise e vai levantar a rotina dessa criança e perceberá que tem um excesso de atividades. Ela mesma se refere às vezes dizendo que está cansada, que a mão está doendo, falam que não querem ir para a escolinha da tarde, que não quer mais aprender inglês. Às vezes os pais não percebem que ela está dando sinais, de que ela está dizendo que daqui a pouco ela vai pifar, porque ela não está agüentando mais. É importante perguntar para os pais se existe algum dia livre que ela fique em casa e não faça nada. Quem de nós que trabalha todos os dias não gostaria de ficar um dia em casa sem fazer nada? A criança precisa disso. Um dia sem atividade no mínimo. Às vezes, a gente vê crianças de 3 anos que estão em natação, ginástica, inglês. Aí os pais acham que estão vendo o futuro, mas essa criança acaba se sobrecarregando mesmo. Momento de Fé TV – Então qual deveria ser o roteiro certo de uma criança? Kátia Chedid – Não existe uma receita, acho que é o bom senso mesmo. Os pais têm que perceber os seus filhos, ter momentos com eles, conhecê-los, ouvir este filho para ver se ele não está cansado durante a semana. Tem que ter momentos que você converse e veja se ele não esta cansado, se não quer deixar de ir para a natação hoje, etc. Por exemplo: um esporte é o suficiente; línguas, dependendo da faixa etária. Se a escola já oferece a língua, às vezes é melhor optar pelo curso de línguas mais tarde para não sobrecarregar e colocar momentos que a criança possa brincar, simplesmente. Momento de Fé TV – A classe social pode influenciar no estresse da criança? Kátia Chedid – Não, a pesquisa do brincar, mostrou que tanto os pais de baixa renda quanto os pais mais abastados tem problemas com o brincar, as crianças acabam não brincando, porque os pais de baixa renda também procuram com que a criança fique adulta antes, nesse sentido de não brincar. Essa criança tem seus afazeres e tem até atividades extras, como curso de informática em ONG’s, e acabam se sobrecarregando. Momento de Fé TV – Como que as crianças podem arranjar uma forma de não levar tão a sério, a ponto de ficarem estressadas, todas as atividades extracurriculares que os pais querem que ela faça? Kátia Chedid – Quando a mãe coloca em um esporte, também não dá para fazer com que não seja levado tão a sério, porque a criança tem que ter uma disciplina. Mas, é preciso saber que naquela faixa etária, pelo menos até uns 10 anos, o esporte não pode virar sinônimo de competição. O que a gente vê hoje são escolinhas de futebol com crianças de 3 ou 4 anos competindo. Nessa idade ela ainda não tem recurso e nem preparo para enfrentar uma perda ou uma frustração. A criança tem que começar com a competição quando ela estiver estruturada, lá pelos 9 ou 10 anos. Tem que ser uma coisa mais lúdica, tem que ser uma escolinha de esporte que não tenha uma proposta tão a sério como campeonatos, medalhas, essas coisas. As crianças ficam mais à vontade e gostam mais desses cursos que tenham uma proposta mais lúdica. Momento de Fé TV – Então essas competições ao invés de aumentar a auto-estima elas podem causar o contrário? Kátia Chedid – Pois é, pois você tem que treinar para aprender. Eu falo para os meus alunos que o Ronaldinho Gaúcho treina todos os dias e às vezes não acerta o gol. As crianças têm que treinar, tem que se sentir capazes. E você colocando em uma competição, você já rotula desde pequeno. É melhor você brincar pelo brincar e competir depois que você está estruturado para isso do que você antecipar esse tipo de frustração para a criança. Momento de Fé TV – E as escolas que oferecem muitos cursos, fazem com que as crianças sejam levadas ao estresse? Kátia Chedid – Acho que as escolas ficam bem atentas, pois elas ficam mais chorosas, mais irritadas, reclamam quando existe a sobrecarga, e a escola percebe isso e acaba sinalizando para os pais. O que acontece é que muitas vezes os pais não tem com quem deixar essa criança e aí eles preferem deixar nesses cursos do que deixar com uma pessoa em casa ou alguém da família. Isso tem que ser bem medido até que ponto isso é salutar e até que ponto o curso não tem que ser uma coisa mais amena para que não force a criança. Essas crianças que eu te disse que vão para escolas orientais. Essas escolas exigem muita coisa dessas crianças e elas têm poucas coisas lúdicas, elas ficam estressadas mesmo. Momento de Fé TV – A criança que fica muito tempo longe dos pais pode desenvolver o estresse, também? Kátia Chedid – Olha, falta de pai não dá estresse, falta de qualidade de pais que causa o estresse. A avó é ótima. Elas têm assumido essa função no lugar dos pais. Dizem que as crianças que têm esse relacionamento familiar são mais saudáveis. Empregada depende do quanto você confia, você tem que conhecer. Mas, você conversando com seu filho, tendo diálogo, percebendo mudanças de comportamento, você consegue ver até onde é normal e no que você precisa intervir. Claro que aquela mãe que sai às cinco horas da manhã e volta só quando a criança está dormindo, não vê a criança durante a semana inteira e no final de semana ainda deixa com a babá, ela está gerando um certo estresse nessa criança porque ela precisa da presença do pai e da mãe. Mas ela entende a qualidade, então, se você der 10 ou 15 minutos de qualidade por dia, às vezes é melhor do que você ficar a tarde inteira, que nem aquelas mães que não trabalham e ficam estressadíssimas. Aí elas gritam, batem, deixam de castigo, ficam alucinadas em casa. Às vezes é melhor trabalhar. Fonte: http://www.padremarcelorossi.org.br/principal/home/?sistema=conteudos%7Cconteudo &id_conteudo=240