Critérios para o fornecimento
gratuito de medicamentos e
procedimentos da saúde.
Parâmetros para a atuação
judicial.
João Pedro Gebran Neto
Desembargado Federal
Direito à Saúde
O que é juridicamente devido
quanto ao direito à saúde?
Noções fundamentais

O que é racionamento em saúde?
É quando determinados medicamentos ou
procedimentos são necessários, mas os recursos
existentes não permitem o atendimento de
todos. A questão não está centrada nos recursos
econômicos, mas recursos tecnológicos,
humanos, infra-estrutura.

O que é alocação de recursos em saúde?
É quando os recursos existentes não permitem
que todos seja atendidos, sendo indispensável a
realização de escolhas. A questão está centrada
em parâmetros para atendimento, de modo
racional.

Distinção entre racionamento e alocação de recursos.
Quando há escassez absoluta, a natureza do problema é de
racionamento. Quando a escassez é relativa, é de alocação de
recursos. A chave da questão ética, quando se trata de
racionamento, é qual indivíduo receberá o bem da vida.
Quanto se trata de alocação de recursos, quais os grupos de
indivíduos que dividirão os recursos.
Quem decide? Na escassez, são os médicos. Na alocação de
recursos, são decisões políticas ou legais.
“ Assim, a distinção conceitual entre racionamento e
alocação de recursos significa que o racionamento
impõe a regulação do acesso aos benefícios de saúde
mediante condições de absoluta escassez, ao passo que
a alocação de recursos regula o acesso à saúde sob
condições de escassez relativa.”
Alocação de recursos e
racionamento em saúde

Alocação de recursos em regra envolve recursos
financeiros e escolha de grupos de pessoas a serem
atendidos. O que será financiado e para quem?
Campanha de vacinação para sarampo ou gripe. Para
todos ou para idosos, gestantes e crianças. Quem
realiza a opção é a lei ou a política pública.

Racionamento refere a bens da vida e escolha de
indivíduos. Quem receberá o transplante ou fará
hemodiálise? Quem usará a UTI? Quem deve fazer a
opção são os médicos.
Problematizando sobre:
- racionamento (escassez absoluta)
- alocação de recurso (escassez relativa)
Escassez absoluta:
Quem deve receber o transplante de fígado?
A) Antonio, um menino, de 3 anos
de idade, cujos pais não podem
ter outro filho;
B) Bruna, uma estudante de
medicina, de 25 anos de idade,
noiva;
C) Carlos, um idoso de 65 anos,
viúvo e eletricista aposentado.
Casos recentes de escassez absoluta

HIV/AIDS – anos 90 – racionamento para
os países subdesenvolvidos.

- H1N1 – anos 2000 – negativa de venda
de tamiflu para alguns países.

Problema que se repete em relação a
UTIs, respiradores artificiais, transplantes
de órgãos, entre outros.
Escassez absoluta

Não há possibilidade de atender a todos.

As demandas são maiores que as necessidade,
havendo escassez insuperável.

Transplante de órgãos, vacinas, UTIs, drogas
antirretrovirais, leitos em casos de epidemias ou
acidentes com múltiplas vítimas.
Escassez relativa:
Há previsão orçamentária de X milhões de reais.
Qual política de saúde deve ser realizada?

A) Vacinação de todos os munícipes
contra gripe?

B) Promover o tratamento/medicamento
para todos que necessitam de cirurgia
bariátrica?

C) Realizar financiar o tratamento para
portadores de doença degenerativa do
sistema nervoso?
Escassez relativa:

Incorporar, ou não, determinado
medicamento na política pública de saúde?

Realizar. ou não, uma campanha de vacinação
para gripe? Caso positivo, atender a todos ou
a grupos?

Ofertar, ou não, cirurgia bariátrica ou
transmutação de sexo pelo SUS?
Realidade e a judicialização
Exemplo sobre a realidade de gastos com a Estado do
Paraná.
Exemplos de pendências na política pública de saúde
no Estado do Paraná.
Evolução do atendimento às
Demandas Judiciais por Medicamentos
Ano
Unidades Distribuídas
Valor em R$
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
73.731
73.606
137.615
251.107
322.557
477.863
459.117
632.406
571.267
649.344
945.632
1.587.105
2.363.822
239.815,36
705.641,65
3.385.598,95
6.949.488,24
12.427.245,35
15.869.402,89
19.336.580,60
35.004.454,92
35.718.740,24
45.073.802,93
60.168.910,82
85.009.327,63
90.395.273,10
Total de pacientes
atendidos (ativos e
inativos)
35
27
175
420
498
947
679
871
984
1.337
1.840
3.054
3.646
Distribuição de Medicamentos
pelo CEMEPAR em 2014
PROGRAMAS
VALOR
Componente Especializado
R$
311.094.701,85
Componente Estratégico
R$
184.010.129,15
Componente Básico
R$
17.748.638,96
Oncologia (compra MS)
R$
27.562.249,77
Programas Estaduais SESA
R$
55.450.894,10
Demanda Judicial
R$
90.417.042,64
TOTAL
R$
686.283.656,47
Gastos da União e de alguns Estados
decorrentes de ordens judiciais
UNIÃO – 2014
R$ 838 milhões
Ceará - 2013
R$ 140 milhões
Paraná - 2013 (3646 pessoas atendidas)
R$ 90 milhões
São Paulo - 2013 (14 mil pacientes por ano)
R$ 904 milhões
Minas Gerais – 2013
R$ 291 milhões
Rio Grande do Sul – 2014 (17.000 pessoas)
R$ 235 milhões
Rio de Janeiro - 2104
R$ 61 milhões
Espírito Santo – 2014 (4618 pessoas)
R$ 49 milhões
Procura em atendimentos básicos
Conclusões parciais

A) A finitude dos bens da vida representam dado da
realidade que permite melhor compreender os diferentes
problemas e o objeto do dilema a ser enfrentado.

B) A noção de racionamento e alocação de recursos é
fundamental para examinar a quem compete deliberar
sobre as providências a serem adotadas.

C) Além da competência, é importante verificar que a
existência de critérios (guidelines) médicos prévios (para o
caso de racionamento) e de critérios legais ou
administrativos (para o caso de alocação de recursos) é a
melhor forma de distribuir justamente os bem da vida de
modo equânime e imparcial.
Conclusões parciais

E) Os gastos crescentes com a judicialização da
saúde, tanto nos estados e municípios quanto na
União;

F) O número baixo de pessoas atendidas,
considerando o elevado volume de recursos;

G) A atenção básica da saúde estão a exigir
maiores cuidados por parte dos administradores e
da própria judicialização, de modo a conceder o
que está plasmado em política pública de saúde.
Retomando à pergunta inicial:

Quais os critérios para fornecimento gratuito de
medicamentos e/ou procedimentos?
A primeira resposta adequada é o fornecimento efetivo
daquilo que está previsto na política pública de saúde.
Todos temos que lutar para que as promessas
constantes nas políticas públicas de saúde seja
cumpridas.
Temos que lutar por postos de saúde, por médicos
especialistas, pela organização da política pública de
saúde, pela existência dos medicamentos da lista
RENAME nas farmácias, pelo atendimento nos hospitais
em tempo e modo razoáveis.
Quais os parâmetros para atuação
judicial fora da política existente?
a) Compreensão dos princípios constitucionais de
integralidade e universalidade;
b) Conhecimento acerca da Lei nº 8080/90 que
organiza o SUS;
c) Medicina baseada em evidências - MBE.
d) Enunciados do Fórum Nacional de Saúde do CNJ
Universalidade e Integralidade
O princípio da universalidade, como direito fundamental à
saúde, tem por significado a garantia estatal às condições
necessárias para o exercício e acesso à atenção e à assistência
à saúde em todos os seus níveis. Equivale dizer, basta a sua
condição como ser humano para que seja garantido o pleno
atendimento a saúde preventiva e curativa, ficando vedadas
discriminações decorrentes da condição econômica, social,
profissional ou mesmo regional.
O princípio da integralidade consistente em oferecer uma
“carteira generosa de bens e serviços para a população, a partir
de escolhas fundadas em consensos baseados em critérios
científicos e racionais de escolha, validados socialmente, e em
princípios éticos, através de regras claras e transparentes”, na
expressão de Ciro Carvalho Miranda. (in SUS. Medicamentos,
protocolos clínicos e o Poder Judiciário: ilegitimidade e
ineficiência. Brasília: editora Kiron, 2013, p. 29/30).
Lei nº 8080/90
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os
serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no
art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos
seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em
todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e
curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas
Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se
refere a alínea d do inciso I do art. 6º consiste em:
I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse
para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade
com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo
clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado
ou, na falta do protocolo, em conformidade com o
disposto no art. 19-P;
II - oferta de procedimentos terapêuticos, em regime
domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de
tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Único
de Saúde - SUS, realizados no território nacional por
serviço próprio, conveniado ou contratado.
Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas
Art. 19-N, II, da Lei nº 8080/90, com redação
dada pela Lei nº 12401/2011:
PDCT “é documento que estabelece critérios para o
diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o
tratamento preconizado, com os medicamentos e
demais produtos apropriados, quando couber; as
posologias recomendadas; os mecanismos de controle
clínico; e o acompanhamento e a verificação dos
resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos
gestores do SUS.”
CONITEC
Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a
alteração pelo SUS de novos medicamentos,
produtos e procedimentos, bem como a
constituição ou a alteração de protocolo clínico
ou de diretriz terapêutica, são atribuições do
Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no
SUS
PDCT

http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/leiamais-o-ministerio/840-sctie-raiz/daf-raiz/cgceaf-raiz/cgceaf/l3cgceaf/11646-pcdt
Medicina Baseada em Evidências
§ 1º A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS,
cuja composição e regimento são definidos em regulamento,
contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo
Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista
na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina.
§ 2º O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias
no SUS levará em consideração, necessariamente:
I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e
a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do
processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a
autorização de uso;
II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em
relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere
aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando
cabível.
MEDICINA BASEADA EM EVIDENCIAS
MBE

O que é Medicina Baseada em Evidências?
Conceito
Segundo o Centro Cochrane do Brasil, é
“uma abordagem que utiliza as ferramentas da
Epidemiologia Clínica; da Estatística; da Metodologia
Científica; e da Informática para trabalhar a pesquisa; o
conhecimento; e a atuação em Saúde, com o objetivo
de oferecer a melhor informação disponível para a
tomada de decisão nesse campo.
A prática da Medicina Baseada em Evidências
busca promover a integração da experiência clínica às
melhores evidências disponíveis, considerando a
segurança nas intervenções e a ética na totalidade das
ações. Saúde Baseada em Evidências é a arte de
avaliar e reduzir a incerteza na tomada de decisão em
Saúde.”

MBE é sobretudo uma técnica específica para
demonstrar a existência, ou não, de evidências
(provas ou indícios relevantes) da eficácia,
efetividade, segurança e custo-efetividade dos
medicamentos, produtos ou procedimentos, a partir
de revisões sistemáticas, metanálises, ensaios
clínicos, artigos científicos, literatura médica
especializada, entre outros elementos de
informação.

Trabalha fundamentalmente com as informações
obtidas, conferindo-lhe níveis de evidências e, por
vezes, com análise estatística dos resultados.
Finalidade da MBE

A Medicina Baseada em Evidência é uma
ferramenta médica, criada para auxiliar os
profissionais da saúde quanto as melhores
opções para o caso em estudo.

Pode ser usada pela administração pública, para
escolha das políticas públicas a serem
incorporadas e para confecção dos PCDTs.

Pode ser usada pelo Poder Judiciário no caso de
ausência de política pública para determinadas
situações específicas.
Onde buscar as evidências?
Diversos bancos de dados com credibilidade internacional, dentre eles:
a)
COCRHANE LIBRARY - Inglaterra
http://cochrane.bvsalud.org/portal/php/index.php
b)
LILACS – América Latina http://lilacs.bvsalud.org/
c)
PUBMED - http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/clinical
d)
TRIPDATABASE - http://www.tripdatabase.com/
e)
SUMSearch - http://sumsearch.org/
Enunciados do Fórum
Nacional da Saúde do CNJ
http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude
-
Versam sobre saúde pública, suplementar e biodireito;
Propósito organizativo e informativo
Fomentar a criação de Núcleos de Atendimentos
Técnicos – NATs
Existência de Notas Técnicas no site do CNJ
Conclusões finais
1.
2.
3.
O fornecimento de gratuito de medicamentos
e/ou procedimentos deve ser feito segundo as
políticas públicas existentes;
A grande tarefa dos operadores do direito é
fazer com que o SUS cumpra a promessa
constitucional de outorgar efetivamente aquilo
que já consta nas referidas políticas;
Para além da deferência às políticas públicas
de saúde, o Poder Judiciário deve valer-se dos
seguintes parâmetros:
Adequada compreensão da integralidade;
b) Noção de escassez absoluta e relativa;
c) Exame da Lei nº 8080/90, superando a
equivocada leitura do art. 198, da CF;
d) Verificação quanto a existência, ou não, de
PCDTs;
e) Inexistente protocolo, exigência que a pretensão
esteja fundada na MBE;
f) Atendimento aos Enunciados do Fórum Nacional
da Saúde.
a)
Muito obrigado!
João Pedro Gebran Neto
Desembargador Federal do TRF 4ª Região
Membro do Fórum Nacional da Saúde do CNJ
Email: [email protected]
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Curso de Direito e Saúde