Mudança Organizacional e Inovação Tecnológica em Processos: Estudo de Caso em uma Empresa Prestadora de Serviços do Estado do Paraná Autoria: Samir Adamoglu de Oliveira, Kleber Cuissi Canuto, Andréa Paula Segatto-Mendes, Fabiano Manfio, Fabricio Baron Mussi RESUMO No contexto dos estudos organizacionais encontram-se, na literatura existente, análises sobre a dinâmica das mudanças organizacionais fomentadas por inovações de cunho tecnológico compreendendo processos especificamente em manufatura. Contudo, tão pertinente e relevante quanto, são as análises que abordam essa mesma dinâmica na perspectiva de empresas prestadoras de serviços, no intuito de ampliar o entendimento desse binômio temático dentro dos processos inerentes a esse setor de atividades. Assim sendo, o propósito desse trabalho é avaliar a dinâmica entre as mudanças organizacionais desencadeadas por uma inovação tecnológica nos processos de uma empresa de transporte rodoviário de passageiros do estado do Paraná. A metodologia empregada na pesquisa foi o estudo de caso de cunho descritivo e qualitativo a partir de entrevistas com três gerentes de nível intermediário envolvidos diretamente no desenvolvimento e implantação dessa inovação, a fim de que se pudesse obter um panorama histórico-evolutivo das mudanças organizacionais. Constatou-se então que mudanças estruturais e culturais em níveis individual e organizacional ocorreram diretamente em virtude da implantação da inovação tecnológica nos processos da empresa, rompendo paradigmas operacionais vigentes. 1. INTRODUÇÃO O tema da mudança organizacional vem sendo exaustivamente discutido nas análises organizacionais, no tocante a forma e as razões pelas quais as empresas mudam ou deixam de mudar. Para Motta (2000) a mudança aparece não só como inevitável, mas necessária à sobrevivência. Em muitos casos o processo de mudança vem sendo perseguido e adotado sem o conhecimento do seu total sentido e sem garantia de êxito para a organização. Em paralelo, nos estudos referentes à inovação, percebe-se sempre uma associação entre este tema e a questão da mudança, na qual o primeiro preconiza ou condiciona o segundo. Contudo, o foco mais usual de análise da dinâmica entre inovação e mudança organizacional ainda está concentrado em processos de manufatura no setor industrial, por vezes subjugando a relevância de apreciações críticas dessa mesma dinâmica em organizações alocadas no setor de serviços, uma vez que para estas, assim como para aquelas, o papel da inovação em seus processos compreende significante parcela na estratégia corporativa (PAVITT e STEINMUELLER, 2002). Considerando o quadro situacional da literatura acima comentado, este estudo propõe-se a avaliar a dinâmica entre inovação e mudança organizacional em uma empresa prestadora de serviços a partir de um estudo de caso que permita uma apreciação crítica empírica da associação desses dois temas. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 MUDANÇA ORGANIZACIONAL A mudança organizacional é abrangentemente definida mediante muitos aspectos, desde os mais simples, como salienta Hage apud Hall (2002, p. 173) ao considerá-la “[…] a 1 alteração e a transformação da forma, a fim de sobreviver melhor no ambiente”, até mesmo aspectos de maior amplitude, como afirma Wood Jr. (1995) ao percebê-la como sendo qualquer transformação de natureza estrutural, estratégica, cultural, tecnológica, humana ou de outro componente, capaz de gerar impacto em partes ou no conjunto da organização. Araújo (1982), por sua vez, a qualifica como uma alteração significativa articulada, planejada e operacionalizada por pessoal interno ou externo à organização, que tenha o apoio e supervisão da administração dos altos níveis hierárquicos, e que atinja de forma integrada os componentes de cunho comportamental, estrutural, tecnológico e estratégico da organização. De maneira similar, Herzog apud Wood Jr. (1995) define que a mudança no contexto organizacional engloba alterações fundamentais no comportamento humano, nos padrões de trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia. Observam-se assim alguns aspectos comuns às definições de mudança organizacional, como alterações em fatores do comportamento humano, estratégias, estrutura, cultura e tecnologia, este último fonte de estudo deste trabalho. 2.1.1 Fatores de mudança organizacional Identificar variáveis do contexto que estariam provocando as mudanças, sejam contínuas ou descontínuas, apresenta-se como uma vantagem na medida em que esse conhecimento pode permitir o manejo e a implantação da mudança, o aumento da eficácia organizacional e de sua chance de sobrevivência durante esse processo de transformação. Robbins (2002) apresenta seis aspectos específicos que atuam como desencadeadores de mudança: a natureza da força do trabalho, a tecnologia, os choques econômicos, a concorrência, as tendências sociais e a política mundial. Esses aspectos estariam presentes no cotidiano organizacional de forma mais ou menos aguda em determinados momentos, mas constantemente exerceriam pressão sobre a organização. Nadler et al. (1995) complementam esses aspectos apresentando os desencadeadores da mudança como: descontinuidade da estrutura organizacional, inovação tecnológica, crises e tendências macroeconômicas, mudanças legais e regulamentação, forças do mercado e competição e crescimento organizacional. Como se pode perceber, a relação entre mudança organizacional e inovação tecnológica é pertinentemente salientada na literatura existente uma vez que, dentre os fatores (ou aspectos) desencadeadores dos processos de transformação intra-organizacional, a tecnologia, enquanto área de conhecimentos ou mesmo enquanto instrumento de processos, faz-se presente, tanto como força motriz de mudança interna, quanto como algo associado à pressões externas de cunho concorrencial. 2.1.2 Caracterizando a mudança nas organizações Uma organização está sempre em processo de mudança, mesmo que na maioria das vezes tais mudanças ocorram sem planejamento deliberado da organização. Hall (2002) coloca que a mudança pode ser forçada, aceita ou até procurada pela organização, carregando dicotomicamente consigo um caráter que pode se constituir benéfico ou prejudicial à organização, acarretando em crescimento ou em declínio da organização ou ainda apenas em uma alteração na sua forma. Levando-se em conta isso, um fator desenvolvido pelas organizações é o planejamento da mudança, ou seja, a mudança como atividade intencional da organização e com metas a serem alcançadas. Robbins (2002) diz que essencialmente há dois tipos de metas no planejamento da mudança: a primeira busca aprimorar a capacidade da organização de adaptar-se a mudanças em seu ambiente; e a segunda busca mudar o 2 comportamento dos indivíduos da organização. Dentro desse contexto das organizações planejarem as mudanças, Robbins (2003) afirma, fundamentado em Leavitt (1964), que as opções de mudança estão divididas em cinco categorias: Estrutura, Cultura, Ambientes Físicos, Pessoas e Tecnologia. • • • • • Estrutura: as estruturas das empresas não são fixas. Muitas variáveis podem ocorrer em uma mudança de estrutura, como a centralização ou descentralização de tarefas, criação ou extinção de setores/departamentos, adoção de uma maior flexibilidade ou rigidez nas tarefas, crescimento ou decrescimento da organização e alterações na estrutura básica da organização. Cultura: a mudança cultural é a mais difícil de ocorrer nas organizações, pois envolve a mudança de crenças e valores da organização caracterizando-se por ocorrer de uma maneira lenta e processual. Ambientes Físicos: o espaço físico e a colocação dos objetos são pontos que ao serem alterados, invariavelmente provocam mudanças nas organizações. Caracteriza-se a mudança em ambientes físicos como a alteração na engenharia do prédio ou ambiente, repartição, iluminação, nível de calor ou frio, barulho, limpeza, mobília, decoração e esquemas de cor. Pessoas: esta categoria envolve a mudança nas atitudes e comportamentos dos participantes da organização. Ela pode ser uma mudança ocasionada pelas circunstancias do ambiente, como pode ser provocada, por meio de cursos e treinamentos. Tecnologia: a mudança tecnológica envolve a introdução de novos equipamentos, produtos, ferramentas ou métodos, técnicas, informatização e conhecimentos na organização. A inovação tecnológica é um fator que contribui de forma significativa para o processo de mudança nas organizações, estando diretamente ligado a modernização de equipamentos e produtos que proporcionam maior eficácia e consequentemente maior competitividade à organização. Essas categorias de mudança compiladas por Robbins (2002) são percebidas também de maneira concomitante por outros autores e assim esboçadas em diferenciadas roupagens em termos de modelos de mudança disponíveis na literatura, à exemplo do modelo de Lewin (Unfreezing-Change-Refreezing), o modelo de Kanter, Stein e Jick (The Big Three Model Change), e o modelo de Pasquale Gagliardi (Cultura e Estratégia) (HATCH, 1997, p. 353-362). Para o modelo de Lewin (1958), aprecia-se a desestabilização do comportamento intra-organizacional (Unfreezing), seguida da ocorrência da mudança em si (Change) e passando-se ao processo de re-estabilização desse novo comportamento organizacional, institucionalizando-a (Refreezing). Referente ao segundo modelo, o de Kanter, Stein e Jick (1992) as mudanças podem ocorrer em três níveis – Ambiental, Organizacional e Individual – fruto de forças macro-evolucionárias (externas à organização), micro-evolucionárias (internas à organização) ou políticas (poder de influência de indivíduos), respectivamente. Quanto ao modelo de Pasquale Gagliardi (1986), este também parte do pressuposto de que há três tipos de mudança, contudo de uma perspectiva que combina cultura e estratégia, sugerindo que se pode ter a ‘Mudança Aparente’, que ocorre sem alterar a cultura organizacional a partir da escolha de estratégias alternativas permitidas pelas crenças e valores da organização; a ‘Mudança Revolucionária’, que provoca alteração direta na cultura organizacional, sendo imposta sob a forma de uma estratégia revolucionária e incompatível com as crenças e valores culturais; e a ‘Mudança de Incremento Cultural’, a qual altera a cultura da organização, mas com estratégias que não são incompatíveis com os valores e crenças dela, procurando assim 3 ampliar a sua cultura. Nota-se pela apreciação desses modelos que as categorias de cultura, estrutura e pessoas destacadas antes em Robbins (2002) são também consideradas no cerne dos outros modelos. Motta (2000, p. 94) coloca que a mudança tecnológica envolve: “alterar sua tecnologia, especialização de funções e seus processos produtivos, ou seja, rever a forma pela qual se utilizam os recursos materiais e intelectuais”. Bower e Dean apud Thomas (1992) destacam que a mudança tecnológica relaciona-se com um conjunto de decisões acerca de como os recursos serão investidos em equipamento, em treinamento, e suporte para novas tecnologias, entre outros aspectos. 2.1.3 Resistência à mudança e saídas à resistência Pode-se concordar que a resistência à mudança leva a muitas dificuldades no processo de transformação da organização, porém a total inexistência da resistência é um fator questionável. Certo grau de resistência à mudança pode ser positivo no sentido da não aceitação imediata da primeira proposta de mudança sem uma avaliação mais criteriosa, assim como, ajudar a aperfeiçoar o próprio processo de mudança em si. Dessa forma, o grande desafio está em controlar a resistência da mudança nesse contexto. Certo (2003, p.275) elucida esta questão descrevendo que: Em uma empresa, a resistência a mudanças é tão comum quanto a sua necessidade. Depois que os gerentes resolvem fazer alguma mudança na empresa, geralmente se deparam com a resistência dos funcionários para evitar que essa mudança ocorra. Por trás dessa resistência dos funcionários estão o medo de alguma perda pessoal, como a redução de prestígio individual e o distúrbio das relações sociais e de trabalho, e o medo do fracasso pessoal, que pode decorrer da incapacidade de assumir novas responsabilidades no trabalho. Referente às resistências existentes, estas podem ser divididas em individuais e organizacionais. As fontes de resistências individuais se caracterizam por fatores intrínsecos e subjetivos do próprio indivíduo. Robbins (2002) identifica cinco fontes de resistência à mudança individual: hábitos, segurança, fatores econômicos, processamento seletivo de informações e medo do desconhecido. Com relação às organizacionais, Katz e Kahn (1978) definem seis fontes de resistência: inércia estrutural, foco limitado de mudança, inércia de grupo, ameaça à especialização, ameaça às relações de poder estabelecidas e ameaça às alocações de recursos estabelecidas. A adoção de estratégias para lidar com o processo de resistência à mudança envolve compreender aspectos do ambiente, dos indivíduos e da organização como um todo. Invariavelmente, o esforço para minimizar a resistência à mudança enquanto estratégia concentra-se na tentativa de apresentar a mudança como algo significativo para a organização, introduzindo-a paulatinamente em etapas ao alcance de todos, ao mesmo tempo em que se observa o grau de mudança que os indivíduos – e conseqüentemente a organização – são capazes de suportar. Em termos efetivos, essas estratégias traduzem-se essencialmente em processos de educação e comunicação das transformações intra-organizacionais que estão por acontecer, transparência informativa, elucidação de questionamentos, abertura participativa aos indivíduos dentro do processo de mudança e negociação entre as partes envolvidas. Devese salientar, todavia que, mesmo estando estas técnicas baseadas em dinâmicas democráticas para com as partes envolvidas, outras táticas mais impositivas são passíveis de serem adotadas, a exemplo da manipulação, cooptação e até mesmo a coerção (CERTO, 2003; ROBBINS, 2003). Nenhuma dessas técnicas para lidar com a resistência à mudança se afigura 4 como um receituário infalível, mas as chances de sucesso podem ser aumentadas a partir de uma aplicação oportuna e casuisticamente escolhida de algumas dessas táticas em face da identificação das causas específicas de resistência à mudança. 2.2 INOVAÇÃO Considerada por muitos teóricos como sendo o resultado perceptível de uma função específica da atividade empreendedora, a inovação, independentemente de onde ela ocorra – quer seja na iniciativa privada ou na pública -, é comumente debatida em torno do quão sistematicamente esta pode ser gerenciada, e também acerca do impacto modificador que ela carrega consigo. Percebe-se a existência dessa dualidade argumentativa na própria literatura, aonde é colocado que a inovação corresponde à introdução de novas combinações produtivas economicamente viáveis (SCHUMPETER, 1984), ou que equivale “[...] ao esforço para criar significante e focalizada mudança no potencial social ou econômico de uma organização” (DRUCKER, 1998, p. 149). Levando-se em conta a abrangência dos aspectos econômicos e sociais dessas definições, Schuhardt (2005) condensa em termos mais técnicos essa amplitude temática, argumentando que a inovação é um processo que envolve múltiplas atividades realizadas por diversos atores de uma ou várias organizações durante a qual novas combinações de meios e/ou fins são desenvolvidos, produzidos, implementados e/ou transferidos para velhos e/ou novos mercados, oportunidades comerciais ou sistemas sociais. 2.2.1 Fontes de inovação Drucker (1998, p. 150-156) contribui para com o tema apontando que as inovações enquanto produto ou processo podem ser oriundas de fontes tanto intraorganizacionais quanto extra-organizacionais. Para as fontes intra-organizacionais, o autor salienta: • • • • Ocorrências inesperadas: que correspondem a sucessos ou falhas inesperadas nas atividades da organização, percebidas a partir de avaliações de desempenho, análise de relatórios, etc.; Incongruências: que equivalem à disparidades sentidas ou percebidas por intermédio do feedback informativo obtido na observação de realidades heterogêneas, a exemplo de retorno de investimentos acima ou abaixo das expectativas corporativas; Necessidades de processo: a partir do instante em que uma organização necessite crescer e se desenvolver, seus processos precisam ser reavaliados, a fim de que se possa afirmar se esse desenvolvimento desejado é passível de ocorrer a partir dos processos já existentes na organização, abrindo-se assim oportunidades para que novos processos sejam elaborados; Mudanças na indústria ou no mercado: eventuais transformações no comportamento do mercado (por parte do consumidor), ou mesmo políticoeconômicas no setor industrial, a ponto de influenciar toda uma gama de organizações a adotarem práticas estratégicas miméticas ou reagirem em contrapartida a tais mudanças. Para as fontes extra-organizacionais, são elencadas: 5 • • • Mudanças demográficas: que proporcionam chances ao desenvolvimento de inovações visando alcançar especificamente grupos populacionais específicos, frutos de fenômenos demográficos, a exemplo de baby-booms; Mudanças na percepção por parte do mercado consumidor: bastante atrelada às mudanças no mercado previamente destacadas, as mudanças na percepção do consumidor podem influenciar positiva ou negativamente a apreciação do indivíduo acerca de um produto, grupo de produtos, ou até mesmo de como este enxerga uma organização a partir do portfolio desta, o que tende a impulsionar inovações por parte das organizações para que se sustentem em vantagem competitiva, ou para que consigam encurtar a distância perante seus concorrentes. Novos conhecimentos: o surgimento de novos conhecimentos científicotecnológicos e, sobretudo a condensação destes, formalizando-os, constituem também relevante fonte de inovação, a partir da transferência de tecnologia entre organizações, institutos de pesquisa, parcerias, sistemas nacionais de inovação, patentes etc. 2.2.2 Inovação em processos Faz-se pertinente aqui salientar a diferença encontrada na literatura entre inovação e tecnologia. Segundo Perez (2004) os limites que distinguem os dois conceitos podem ser classificados como esferas, que, em seqüência, partem da tecno-científica (techno-scientific) passando pela tecno-econômica (techno-economic) para a sócio-econômica (socio-economic). Dentro dessa primeira esfera, uma novidade é considerada apenas uma invenção, pois se encontra ainda em período de geração. A partir do momento que esta rompe o primeiro limite e adentra seu mercado ela se torna inovação, principalmente condicionada pelo grau de sua difusão, posicionando-se assim na segunda esfera. Em última instância, a amplitude da difusão dessa inovação a coloca na terceira esfera, tornando-a um fato sócio-econômico de grande importância para a sociedade. Esses limites postos como esferas por Perez (2004) podem ser interpretados tanto de uma perspectiva mais abrangente – a exemplo de um sistema social composto de organizações e indivíduos formadores de um mercado disposto a aderir à novas combinações produtivas, modificando assim seus hábitos e as utilizando sistematicamente – quanto de uma forma mais específica – a exemplo da organização em si, fazendo com que a difusão dessa inovação remeta à adesão dos indivíduos que compõem a organização, e à mudança nas práticas habituais em termos de método e/ou freqüência de uso. Assim sendo, a inovação tecnológica nas organizações nessa segunda perspectiva interpretativa, contemplaria sobretudo novos métodos, instrumentos, percepções, comportamentos, e dessa forma, conseqüentemente também novos processos. Obviamente, essas perspectivas (quer focadas na organização ou no sistema social) não são exclusivas, nem muito menos excludentes, por se considerar que são realidades complementares, de maneira tal que é sabido que as inovações tecnológicas podem incorrer em novos outputs desses novos processos, uma vez que as organizações atendem a esses mesmos sistemas sociais mencionados na perspectiva interpretativa mais abrangente supracitada (AFUAH, 2002; PEREZ, 2004). Afuah (2002, p. 48-55) argumenta que para interpretação das inovações, há de se considerar certas dimensões, acima de tudo na perspectiva organizacional. Analisar-se-ia, portanto: a) O objeto da inovação – se trata-se de uma inovação mais voltada para os processos da organização ou mais voltada para os outputs dela; 6 b) O grau da inovação – acerca do quão nova ela é em termos de produto e/ou processo; c) A subjetividade da inovação – uma dimensão que tem por fim indagar para quem essa inovação é realmente uma novidade (Para um indivíduo envolvido no processo? Para a organização como um todo? Para uma indústria ou setor econômico? Para um sistema social?); d) A natureza da inovação – que questiona em que estágio essa inovação se encontra (apenas uma idéia, uma invenção, um protótipo, já uma inovação pensada na sua plenitude); e) Os papéis na inovação – que compreende entender quem participa do desenvolvimento da inovação (se ela é conduzida por quem fabrica, ou seja, pela indústria em si; se ela é conduzida ou auxiliada por quem se utiliza dela, ou seja, o consumidor; ou ainda se é uma inovação cooperativa, na qual estão envolvidos tanto a indústria quanto o consumidor); f) O sucesso da inovação – por último, cabe questionar a efetividade técnica ou comercial da inovação, levando-se em conta também questões morais e éticas, a fim de que se possa entender a relevância da inovação para quem quer que ela pretenda beneficiar. Pode-se observar uma semelhança temática entre a dimensão da natureza da inovação de Afuah (2002) e as esferas que distinguem a inovação da tecnologia em Perez (2004) conforme descrito anteriormente, sem, contudo ousar indicar qualquer influência teórica entre os autores. Outro ponto a destacar são algumas classificações consensuais na dimensão do ‘grau da inovação’ no tocante a percepção de quem produz a inovação (o fabricante e o impacto tecnológico da inovação para estes) e a de quem absorve a inovação (o consumidor e o ganho em benefícios propiciado pela inovação a este). São assim apontadas: a inovação incremental (novas combinações que advém de algo existente e que surgem de forma a complementar o padrão vigente); a inovação técnica (mais pertinente aos fabricantes em virtude da alta distinção da tecnologia que acompanha a inovação, usualmente relacionada a processos); a inovação aplicativa (na qual modificações tecnológicas em produtos aumentam o ganho em benefícios dos consumidores ao passo que estes percebem novas aplicabilidades de produtos em virtude da inovação fomentada pelo fabricante) e a inovação radical (que corresponde aos casos em que as combinações afastam-se substancialmente do padrão vigente, causando um impacto muito maior principalmente na esfera sócio-econômica, podendo eventualmente criar uma nova trajetória que incite a geração de inovações incrementais). Fica evidente também que estas classificações funcionam de forma puramente explicativa, uma vez que pela própria descrição delas, a dinâmica das mesmas permite com que haja mútua-interação entre elas (AFUAH, 2002; FREEMAN, 1984; NELSON e WINTER, 1993). Em suma, no intuito de compreender o que vem a ser uma inovação tecnológica em termos conceituais, há de se tentar (juntamente a essa compreensão) vislumbrar as suas características, bem como entender a partir de qual contexto esta pode surgir e se desenvolver, tornando-se nítido com isso, a multidisciplinaridade intrínseca ao tema. 3. METODOLOGIA A presente investigação caracteriza-se como estudo de caso, que consiste na “investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de 7 vida real” (YIN, 2001, p. 32). Do ponto de vista teórico, o estudo de caso foi à estratégia escolhida pelo fato de que os resultados obtidos neste tipo de investigação são considerados mais convincentes, dando maior robustez à pesquisa como um todo. A pesquisa classifica-se como descritiva, que possui como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis (BARROS e LEHFELD, 1989; GIL, 1999). A análise foi empreendida em uma organização do setor de transporte rodoviário de passageiros. Situada no estado do Paraná, sua matriz localiza-se na cidade de Ponta Grossa, adicionalmente, esta possui filiais fixadas em Curitiba, Cascavel, Guarapuava e Foz do Iguaçu, além de pontos de apoio à sua frota em Telêmaco Borba, Irati e Toledo. Fundada em 1935, a empresa ainda se caracteriza pela administração familiar que a originou, contudo se adaptando ao contexto econômico local/regional no qual atua, a fim de manter-se competitiva. A escolha da organização foi intencional em virtude da relevância da mesma dentro do setor econômico de atuação, levando-se em consideração para esta decisão o tamanho da frota e o número médio mensal aproximado de passageiros. Em virtude do intuito deste estudo em avaliar o impacto de uma inovação tecnológica e seus efeitos na mudança organizacional provocada após a implantação dessa inovação, foram entrevistados três colaboradores do nível gerencial da organização (um Gerente de Operações, uma Gerente Administrativa e um Gerente de TI), os quais necessariamente tiveram relação direta com o planejamento e a tomada de decisões estratégicas que vieram a compreender o desenvolvimento da inovação tecnológica aqui analisada. O período avaliado nas entrevistas corresponde ao momento inicial da implantação da inovação tecnológica (outubro de 2002) até o momento atual, a fim de que se pudesse extrair uma apreciação crítica dos impactos desta na organização. Neste contexto a investigação foi conduzida com observação direta, orientada por um roteiro semi-estruturado de questões. Estas foram realizadas junto aos pesquisados em junho de 2007. Além desta observação, e com o intuito de pesquisar outras fontes de evidências (YIN, 2001), foram também analisados documentos internos da organização e dados relativos a realidade mercadológica do setor econômico de atuação da mesma. Esta escolha segue a sugestão de Weiss (1994) que assinala a importância da triangulação de dados no intuito da integração de perspectivas, pelo fato de não necessariamente o que se observa nos discursos dos indivíduos entrevistados corresponde ao que está realmente se concretizando na realidade analisada. No tocante aos dados primários extraídos das entrevistas pessoais, o tratamento desses dados foi realizado por meio de análise de conteúdo da transcrição formal das entrevistas registradas sob autorização dos participantes, considerando-se para isso uma análise temática e interpretativa à luz dos conceitos referenciados na revisão teórica presente neste ensaio. 4. ANÁLISE DO CASO 4.1 DESCRIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO E CENÁRIO DO CASO A empresa em estudo, a qual atua tanto no transporte de passageiros quanto no transporte de encomendas (sendo a primeira atividade a sua maior fonte de faturamento), conta com 1250 funcionários, possui uma frota de 280 ônibus, 47 veículos de apoio e transporte de encomendas, transportando em média 740.000 passageiros por mês entre os Estados do PR, SC e SP, percorrendo assim uma média mensal de 2.700.000 quilômetros, em viagens de curta e longa duração. 8 Na área de Encomendas, possui depósitos em todas as suas garagens, utilizando para o transporte de mercadorias os bagageiros dos ônibus, o que propicia aos clientes uma entrega mais rápida e segura. Conta também com uma frota de caminhões baús com várias linhas interligando as cidades de São Paulo, Curitiba, Ponta Grossa, Guarapuava, Cascavel, Foz do Iguaçu, Pato Branco, Francisco Beltrão, Londrina, Maringá, Umuarama, Guaíra, dentre outras. A empresa efetua também serviços de Fretamento Contínuo, no transporte de funcionários para outras empresas. A seguir, segue o quadro 1 que sintetiza o perfil da empresa em estudo. Características Número aproximado de funcionários Tempo de existência Sistema de vendas de passagem via internet Certificação ISO 9000 Tamanho da frota (nº. total de Ônibus) Tipo de viagens Número médio de passageiros transportados por mês (aprox.) Estados onde atua Atuação na área de encomendas Empresa 1250 73 anos possui possui 280 Curta e longa duração 740.000 PR, SC e SP Frota própria e parcerias, prevalecendo o sistema de parcerias QUADRO 1: Perfil da empresa em estudo. Fonte: Elaborado pelos autores. Em uma breve contextualização ambiental, o cenário no qual a empresa opera é regulamentado por órgãos estaduais (DER- Departamento de Estradas e Rodagens) e federais (ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres) de modo que estes balizam a conduta da organização a partir do: • • • • • Controle do preço das passagens; Estabelecimento de regras de conduta e padrões a serem adotados na prestação do serviço; Definição das normas de condução do veículo, requisitos e preceitos de segurança; Deliberação sobre as linhas que cada empresa atenderá; Decisão sobre os horários permitidos para cada linha. Em termos concorrenciais no setor de transporte rodoviário, a empresa possui concorrentes diretos – de porte similar ou superior, e em menor escala, de porte inferior – e concorrentes indiretos, que se aproveitam de ‘brechas’ na fiscalização por parte dos órgãos reguladores para, na ilegalidade, operarem – a exemplo de empresas de transportes particulares que operam com Vans e Kombis. 4.2 DIAGNÓSTICO DO SISTEMA DE FROTA E ANÁLISE DOS RESULTADOS A inovação tecnológica aqui analisada é o Sistema de Frota da empresa, o qual consiste de um software para escala e controle de veículos, motoristas e cobradores, de modo a otimizar os recursos materiais e de pessoal da empresa no tocante à suas operações. Esse software foi desenvolvido internamente na empresa pelo seu próprio departamento de Tecnologia da Informação, de maneira deliberada pela organização, a partir da percepção das necessidades de melhoria na eficiência dos seus processos em nível operacional. Faz-se 9 necessário aqui destacar um ponto salientado unanimamente pelos três gerentes entrevistados, de que este Sistema constituiu uma inovação tecnológica não apenas para a empresa em si, como também para o mercado ao qual a empresa pertence, uma vez que dado o seu desenvolvimento interno, este fator possibilitou maior especificidade em termos de funcionalidade do que outros softwares corporativos disponíveis para aquisição na época. Conforme afirmou o Gerente de TI entrevistado: [...] um sistema dessa natureza, que integrasse as atividades da empresa dessa forma, simplesmente inexistia até então; posso afirmar isso, uma vez que eu fui responsável por sondar no mercado uma solução de TI para nossos problemas, e não a encontrei na época. As chamadas ‘escalas’ correspondem à programações dos veículos e dos motoristas para a realização das atividades operacionais da empresa. Para o primeiro caso, os veículos são escalados conforme as exigências das linhas de concessão, contratos estabelecidos e viabilidade de utilização devido a fatores de manutenção envolvidos na disponibilização do veículo. No segundo caso, o processo de escala de motoristas e cobradores é realizado levando-se em conta a quantidade de profissionais disponíveis e a carga horária mensal de trabalho, atendendo às normas da CLT. Destinado a todos os níveis hierárquicos da organização, o Sistema de Frota visou integrar a empresa em termos de informações disponíveis para consulta intra e interdepartamental, beneficiando mais notoriamente o desempenho dos processos em nível operacional, já que essencialmente é este, juntamente com os níveis de supervisão e gerência, quem alimenta o sistema em termos de informação. Além da troca de informações entre os setores, ele possibilita a inibição das falhas operacionais, ao mesmo tempo em que realiza o gerenciamento dos 280 veículos que compõem a frota da empresa, juntamente com os seus 450 motoristas e 42 cobradores, contemplando cada evento realizado em qualquer um dos serviços ofertados, bem como a manutenção de veículos e tempo de folga de colaboradores. Paralelamente ao controle de frota, o Sistema influencia de forma significativa nas decisões tomadas pela empresa no que diz respeito à economia e finanças, já que este permite um melhor acompanhamento dos recursos imobilizados, monitorando seu aproveitamento. A implantação do sistema deu-se em Outubro de 2002 nas unidades de Ponta Grossa, Cascavel, Curitiba, Guarapuava e Foz do Iguaçu. Posteriormente, por necessidades operacionais foi instalado também nos pontos de apoio de Telêmaco Borba, Irati e Toledo. Paulatinamente, outros módulos que hoje compõem o Sistema de Frota foram sendo pensados e desenvolvidos à medida que outras necessidades de melhorias nos processos operacionais da empresa eram percebidos. De modo a ilustrar essa evolução, apresenta-se a seguinte cronologia: • Fevereiro/2002 até Outubro/2002 – desenvolveu-se o controle logístico dos motoristas (controle de horários, local e das escalas em si), que era inicialmente assessorado por um software externo das Rodoviárias, denominado “Sistema RJ”; • 2003 – após implantação do Sistema de Frota, desenvolveu-se o cadastro dos ônibus (em termos de documentação, características do veículo, quilometragem e cronograma de manutenção); mais adiante no mesmo ano, desenvolveu-se o módulo de abastecimento da frota, e o controle da média do gasto do combustível em tempo real; • 2005/2006 – desenvolveu-se e implantou-se o ‘Módulo de Pneus’, a partir do qual se estabeleceu o controle de tudo relativo a estes, desde a sua compra até a sua 10 venda (registro de todos os pneus e o seu monitoramento, a exemplo dos seus valores de acordo com os tipos requeridos, em que veículo se encontra, os recapes efetuados neles e toda a parte de engenharia de manutenção). O desenvolvimento desses módulos subseqüentes ilustra o caráter estratégico, incremental e dinâmico da inovação tecnológica em si (que a priori poder-se-ia qualificar como uma inovação radical, pela ruptura com o paradigma operacional vigente), a partir do momento em que os levantamentos de custos operacionais da empresa indicaram que o maior gasto dela até 2003 era referente ao abastecimento da frota (ou seja, com o controle dos gastos na aquisição e consumo de diesel) e em seguida, com os gastos em compras e manutenção dos pneus dos veículos. A inibição das falhas operacionais proporcionada pelo Sistema se faz visível a partir do gerenciamento padronizado das atividades, o que não ocorria anteriormente, pois cada escalador e programador tinham sua forma de atuar, de acordo com suas habilidades e discernimento do que ele considerava a prática mais correta. Com o Sistema de Frota, o trabalho de escala deixou de estar centralizado tacitamente por quem efetuava a programação, passando a estar disponível em tempo real para consulta de todos os envolvidos no processo. Dessa forma, a partir da informatização dos processos, as mudanças ocasionadas pelo impacto da inovação tecnológica em si podem ser percebidas mais facilmente. Antes, os registros nos processos eram manuais e desempenhados individualmente em termos de informações requeridas para alimentar os processos (tomando o exemplo do registro das escalas); depois, houve a informatização e a parcial automatização desses processos agora em uma base de dados virtual (software) e de forma coletiva (mesmo considerando-se as reservas quanto à acessibilidade por parte de certos setores da empresa, para os quais a plataforma de TI permite apenas a leitura e/ou apreciação dos dados e informações disponíveis), descentralizando-se o poder em termos de quem detinha as informações e o expertise pertinentes aos processos. Somando-se a isso, providos de informações relevantes, os níveis hierárquicos estratégicos puderam rever as metas e objetivos da empresa de modo a minimizar seus custos ao poderem mensurar a lucratividade em manter certas rotas e destinos ofertados em termos de transporte de passageiros. Ilustrando tal assertiva, segue o gráfico do Percurso Médio Anual da frota de ônibus da empresa até Junho de 2007, aonde se percebe, em quilometragem rodada, que certos tipos de transporte cresceram em virtude justamente dessa revisão estratégica das atividades da empresa (no caso, os transportes metropolitanos), enquanto outros passaram por um processo de redução da concentração dos investimentos destinados a eles (transportes urbanos e rodoviários), devido à melhor mensuração quantitativa dos resultados apresentados comparativamente ao exercício do ano anterior. Considerando o fato do exercício analisado (o ano de 2007) ainda não estar concluído, o que se pode indicar pelo gráfico 1, é a tendência de que essas reduções e aumentos se mantenham linearmente até o fim do período abordado. 11 PERCURSO MÉDIO ANUAL Comparativo 12.000 10.000 8.000 10.526 10.145 9.371 9.120 7.542 7.082 6.000 4.000 2.000 0 Ano 2006 Ano 2007 Rodoviários Urbanos Metropolitanos GRÁFICO 1: Comparativo 2006/2007 do Percurso Médio Anual da frota de ônibus da empresa (em km). Fonte: Dados secundários da pesquisa. Neste contexto, houve uma redução da frota da empresa (que possuía 300 veículos antes da implantação do Sistema de Frota, em 2002) para os 280 ônibus que hoje a compõem, fruto da otimização dos processos em si, e amparado nas análises de custo versus benefício propiciadas pelas informações do Sistema. Percebe-se em suma, duas mudanças. A primeira, uma mudança estrutural, destacada pelo “achatamento” da pirâmide hierárquica da organização, com relação ao aumento das responsabilidades, ampliando as tarefas e as funções dos colaboradores, a exemplo da descentralização da marcação das escalas nas garagens (antes, apenas quem era “escalador” poderia fazê-lo, enquanto hoje não mais, desde que também pertença ao nível operacional). Destaca-se também em termos de mudança estrutural, a redução da frota da empresa anteriormente comentada. A outra mudança, esta de cunho cultural, constata-se pelas transformações na conduta e nos hábitos em termos de como os colaboradores realizavam suas funções pré e pós-implantação do Sistema de Frota, ao passo que tal mudança é certamente conciliada com as mudanças estruturais supracitadas, preconizando a adequação aos novos processos operacionais. Faz-se necessário frisar que essas duas mudanças analisadas são obviamente produto de uma mudança tecnológica condicionada pela inovação nos processos da empresa que se desencadeou por intermédio da implantação do Sistema de Frota em sua versão inicial e dos seus módulos subseqüentemente desenvolvidos. Antevendo eventuais resistências comportamentais na organização – sobretudo por parte dos colaboradores de nível operacional, mas não exclusivamente – os gerentes envolvidos diretamente no desenvolvimento e implantação do Sistema de Frota estruturaram um processo de conscientização mediante treinamentos internos com os colaboradores, numa tentativa de demonstrar os benefícios do novo sistema, realizando também reuniões com os “escaladores”, a fim de “[...] ‘desmistificar’ a tecnologia da informação e o uso dos computadores”, conforme respondeu o Gerente de TI. Mesmo com essa iniciativa de conscientizar os que fariam uso direto da tecnologia, e demonstrando a relevância dela para a organização e até mesmo para com a facilitação das atividades destes, durante os seis 12 primeiros meses de implantação a resistência cultural e o receio dos colaboradores de perder o emprego foram perceptíveis. Esta resistência cultural pode ser traduzida em termos de: hábitos na realização das tarefas, e também na falta de compreensão em mudar esses hábitos. Um exemplo dado foi a falta de colaboração dos funcionários em seguir os novos procedimentos operacionais, não registrando todas as movimentações que deveriam ser registradas, mas apenas parte delas. Segundo a Gerente Administrativa entrevistada: Precisava-se de muita conversa para que eles (os colaboradores) pudessem começar a perceber que aqueles novos métodos e processos tinham de ser apreendidos e absorvidos não apenas por serem o novo padrão de trabalho requerido pela empresa, mas, sobretudo porque aquilo estaria beneficiando a todos dentro dela; [...] e quando percebemos que não eram em casos isolados que tais dificuldades de compreensão estavam ocorrendo, mas sim em muitos colaboradores, em maior ou em menor grau entre eles, foi então que vimos que teríamos de estruturar treinamentos específicos não apenas para instruí-los melhor acerca da situação, como também para minimizar o ‘espanto’ daquela novidade, que para muitos era quase que uma ameaça direta ao seu emprego. Notem vocês que, o mais incrível disso tudo é que a tendência seria de atribuirmos esse tipo de receio aos níveis operacionais pela carência de instrução e educação, mas surpreendentemente houve casos também dentro do setor administrativo e comercial da empresa. Tendo em vista essa conduta, após a implantação, foram necessários recursos normativos, como advertências e punições para os que não contribuíram de forma esperada, porém “[...] fazendo-se uso desses recursos apenas em última instância, já que prezamos pela serenidade no ambiente de trabalho e sempre recorremos primeiramente às vias do debate” segundo o Gerente de Operações. Por fim, condizente com as respostas consensuais dadas pelos gerentes em praticamente todas as entrevistas, estes percebem em retrospecto os impactos ocasionados pela inovação tecnológica compreendida no Sistema de Frota como sendo “o grande responsável pelas mais profundas e perceptíveis mudanças organizacionais que ocorreram provavelmente nos últimos 10 anos na empresa”, pois foi a partir dela que a atualização e a inserção da empresa em termos de reposicionamento dentro do mercado competitivo à qual ela pertencia, pode se dar. Conforme ressaltou a Gerente Administrativa: [...] a lógica de mercado é sempre ‘menores custos e maiores margens’ para qualquer empresa, e obviamente não seria diferente para nós; a relevância da implementação do Sistema de Frota para nós é nitidamente percebida a partir do momento em que, à parte do investimento inicial nessa plataforma de TI, os custos da empresa puderam ser efetivamente melhor controlados e reduzidos e, conseqüentemente, a gestão dos processos e dos recursos da organização pôde ser melhor realizada da mesma forma, uma vez que ficou muito mais fácil não só mapear esses tipos de custos, como também mensurá-los em termos de impacto para nós dentro dos exercícios fiscais da empresa. A partir dessa constatação, ocorrida inicialmente apenas com o módulo do controle logístico dos motoristas, os módulos que se seguiram vieram como um ‘efeito dominó’ natural, pois estavam evidentes os benefícios trazidos por essa tecnologia para aquele setor em específico da empresa, e dessa forma, melhorias daquele tipo também poderiam muito bem ocorrer na empresa como um todo, nos fortalecendo competitivamente, seguindo aquela lógica de ‘custos menores e margens maiores’ que eu tinha falado antes. Ao mesmo tempo, essa segurança competitiva da empresa nós fez olhar mais para frente, e não termos medo de darmos um passo arriscado em direção a novas áreas, diversificando nosso negócio, em busca de mais marketshare. 13 De acordo com tal consideração, é possível vislumbrar que, com o auxílio da tecnologia (especificamente uma TI, nesse caso), a ampliação das estratégias organizacionais tornou-se viável, dessa vez corroborada quantitativamente pelos resultados angariados pósimplementação da inovação tecnológica e pelos impactos culturais e estruturais dessa, habilitando-a efetivamente a concorrer mais equivalentemente no seu setor de atividades. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho demonstrou, por intermédio de um estudo de caso analíticodescritivo, a dinâmica da mudança organizacional fomentada pelo impacto de inovações tecnológicas (ARAÚJO, 1982; ROBBINS, 2002; WOOD JR., 1995). Especificamente no caso estudado, evidenciou-se tal dinâmica a partir da inovação em processos numa empresa do setor de serviços, distanciando-se um pouco, em termos de contribuição científica, de análises mais comumente encontradas acerca desse binômio (mudança organizacional e inovação tecnológica) focando processos em manufatura, por exemplo (SILVEIRA, 2003). Evidenciou-se no caso ilustrado uma inovação tecnológica que se poderia classificar como radical, surgida intra-organizacionalmente a partir de necessidades de melhoria dos processos vigentes, objetivando a padronização destes, e conseqüentemente o maior controle e otimização dos recursos da organização bem como sua integração (AFUAH, 2002; PEREZ, 2004), que propiciou que mudanças organizacionais de caráter estrutural e cultural, desencadeadas pela inovação tecnológica em si, alterassem o quadro situacional da organização, incorrendo na quebra de um paradigma operacional internalizado (NADLER et al., 1995; ROBBINS, 2002) – a exemplo dos processos realizados manualmente que passaram a ser informatizados após a implementação do Sistema de Frota, bem como a possibilidade tanto de controle quanto de distribuição do expertise inerente à práxis dos processos, que passou a ser acessível a um número amplo de colaboradores. A permanência do paradigma operacional anterior debilitaria a empresa competitivamente frente a uma realidade local/regional de forte concorrência, por vezes agravada pelas questões regulatórias das agências estadual e federal que gerenciam esse setor econômico. Foi ressaltado em uníssono pelos entrevistados que, apesar de resistências individuais (hábitos, segurança, e medo do desconhecido) e organizacionais (ameaça às relações de poder estabelecidas) registradas durante o processo de implantação da inovação tecnológica (CERTO, 2003; KATZ e KAHN, 1978), o impacto desta foi sensivelmente percebido enquanto fator-chave no desenvolvimento de um profundo processo de mudança no cerne da organização. O estudo restringiu-se a avaliar o tipo de mudança organizacional ocorrido após a implantação da inovação tecnológica apresentada até os dias de hoje na organização descrita, abrindo um precedente para pesquisas que compreendam, em empresas do mesmo setor econômico, modelos ou evoluções de tecnologias similares, ampliando assim o entendimento da natureza das mudanças organizacionais que inovações em processos em empresas prestadoras de serviços podem gerar. 6. RECONHECIMENTO Este trabalho contou com o apoio financeiro da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – para a sua realização. 14 REFERÊNCIAS AFUAH, A. Innovation Management: Strategies, Implementation and Profits. New York: Oxford University Press, 2002. ARAÚJO, L. C. G. Mudança Organizacional na Administração Pública Federal Brasileira. Tese de Doutoramento, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas: São Paulo, 1982. BARROS, A. J. D. S.; LEHFELD, N. A. D. S. Fundamentos de Metodologia: Um guia para a iniciação Científica. São Paulo: McGraw-Hill. 1989 CERTO, Samuel C. Administração Moderna. 9ª ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2003. DRUCKER, P. F. The discipline of innovation. Harvard Business Review, n. 76, p. 149-157, nov./dec. 1998. FREEMAN, Christopher. Prometheus Unbound. Futures, v. 16, n. 5, p. 494-507, 1984. GAGLIARDI, Pasquale. The creation and change of organizational cultures: a conceptual framework. Organization Studies, v. 7, p. 117-134, 1986. GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: 5ª Edição – Editora Atlas, 1999. HALL, Richard H. Organizações: estruturas, processos e resultados. 8. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2002. HATCH, Mary Jo. Organization theory: modern, symbolic, and postmodern perspectives. New York: Oxford University Press, 1997. Innovation Management Parts 1 & 2. Bremen: SCHUHARDT, Christian, 2005. 88 Transparências, color, 25 x 20 cm. KANTER, R. M.; STEIN, B. A.; JICK, T. D. The challenge of organizational change: how companies experience it and leaders guide it. New York: Free Press, 1992. KATZ, D.; KAHN, R. L. The Social Psychology of Organizations. 2. ed. Nova York: John Wiley & Sons, 1978. LEWIN, K. Group decisions and social change. In: MACCOBBY, E. E.; NEWCOMB T. M.; and HARTLEY, E. L. (Eds). Readings in social psychology. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1958, p. 197-121. MOTTA, Roberto P. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2000. NADLER, D. A.; SHAW, R. B.; WALTON, A. E. Discontinuous Change: leading organizational transformation. San Francisco: The Jossey-Bass Management series, 1995. 15 NELSON, Richard R.; WINTER, Sidney. G. In search of useful theory of innovation. Research Policy, v. 22, c. 2, 1993. PAVITT, K.; STEINMUELLER, W. E. Technology in corporate strategy: change, continuity and the information revolution. In: PETTIGREW, A.; THOMAS, H.; WHITTINGTON, R. (Eds). Handbook of Strategy and Management. London: Sage Publications, 2002, p. 344372. PEREZ, Carlota. Technological revolutions, paradigm shifts and socio-institutional change. In: REINERT, E. S. (Ed). Globalization, Economic Development and Inequality: An Alternative Perspective (New Horizons in Institutional and Evolutionary Economic Series). UK: Edward Elgar, 2004, p. 217-242. ROBBINS, Stephen P. Comportamento Organizacional. 9ª ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2002. __________. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. SILVEIRA, Henrique Flávio Rodrigues da, Motivações e fatores críticos de sucesso para o planejamento de sistemas interorganizacionais na sociedade da informação. Ciência da Informação, v. 32, n. 2, p. 107-124, mai./ago. 2003. THOMAS, Robert J. Organizational change and decision making about new technology. In: KOCHAN, T. A.; USEEM, M. (eds). Transforming organizations. New York: Oxford University Press, 1992, p. 280-307. WEISS, R. S. Learning from strangers. New York: Free Press, 1994. WOOD JR., Thomaz. Mudança Organizacional: Introdução ao Tema. São Paulo, Atlas, 1995. YIN, R. K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 3ª Edição. Porto Alegre: Bookman, 2005. 16