Mudança Organizacional e Inovação Tecnológica em Processos: Estudo de Caso em
uma Empresa Prestadora de Serviços do Estado do Paraná
Autoria: Samir Adamoglu de Oliveira, Kleber Cuissi Canuto, Andréa Paula Segatto-Mendes,
Fabiano Manfio, Fabricio Baron Mussi
RESUMO
No contexto dos estudos organizacionais encontram-se, na literatura existente, análises sobre
a dinâmica das mudanças organizacionais fomentadas por inovações de cunho tecnológico
compreendendo processos especificamente em manufatura. Contudo, tão pertinente e
relevante quanto, são as análises que abordam essa mesma dinâmica na perspectiva de
empresas prestadoras de serviços, no intuito de ampliar o entendimento desse binômio
temático dentro dos processos inerentes a esse setor de atividades. Assim sendo, o propósito
desse trabalho é avaliar a dinâmica entre as mudanças organizacionais desencadeadas por uma
inovação tecnológica nos processos de uma empresa de transporte rodoviário de passageiros
do estado do Paraná. A metodologia empregada na pesquisa foi o estudo de caso de cunho
descritivo e qualitativo a partir de entrevistas com três gerentes de nível intermediário
envolvidos diretamente no desenvolvimento e implantação dessa inovação, a fim de que se
pudesse obter um panorama histórico-evolutivo das mudanças organizacionais. Constatou-se
então que mudanças estruturais e culturais em níveis individual e organizacional ocorreram
diretamente em virtude da implantação da inovação tecnológica nos processos da empresa,
rompendo paradigmas operacionais vigentes.
1. INTRODUÇÃO
O tema da mudança organizacional vem sendo exaustivamente discutido nas
análises organizacionais, no tocante a forma e as razões pelas quais as empresas mudam ou
deixam de mudar. Para Motta (2000) a mudança aparece não só como inevitável, mas
necessária à sobrevivência. Em muitos casos o processo de mudança vem sendo perseguido e
adotado sem o conhecimento do seu total sentido e sem garantia de êxito para a organização.
Em paralelo, nos estudos referentes à inovação, percebe-se sempre uma
associação entre este tema e a questão da mudança, na qual o primeiro preconiza ou
condiciona o segundo. Contudo, o foco mais usual de análise da dinâmica entre inovação e
mudança organizacional ainda está concentrado em processos de manufatura no setor
industrial, por vezes subjugando a relevância de apreciações críticas dessa mesma dinâmica
em organizações alocadas no setor de serviços, uma vez que para estas, assim como para
aquelas, o papel da inovação em seus processos compreende significante parcela na estratégia
corporativa (PAVITT e STEINMUELLER, 2002).
Considerando o quadro situacional da literatura acima comentado, este estudo
propõe-se a avaliar a dinâmica entre inovação e mudança organizacional em uma empresa
prestadora de serviços a partir de um estudo de caso que permita uma apreciação crítica
empírica da associação desses dois temas.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 MUDANÇA ORGANIZACIONAL
A mudança organizacional é abrangentemente definida mediante muitos aspectos,
desde os mais simples, como salienta Hage apud Hall (2002, p. 173) ao considerá-la “[…] a
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alteração e a transformação da forma, a fim de sobreviver melhor no ambiente”, até mesmo
aspectos de maior amplitude, como afirma Wood Jr. (1995) ao percebê-la como sendo
qualquer transformação de natureza estrutural, estratégica, cultural, tecnológica, humana ou
de outro componente, capaz de gerar impacto em partes ou no conjunto da organização.
Araújo (1982), por sua vez, a qualifica como uma alteração significativa articulada, planejada
e operacionalizada por pessoal interno ou externo à organização, que tenha o apoio e
supervisão da administração dos altos níveis hierárquicos, e que atinja de forma integrada os
componentes de cunho comportamental, estrutural, tecnológico e estratégico da organização.
De maneira similar, Herzog apud Wood Jr. (1995) define que a mudança no contexto
organizacional engloba alterações fundamentais no comportamento humano, nos padrões de
trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de
recursos ou de tecnologia.
Observam-se assim alguns aspectos comuns às definições de mudança
organizacional, como alterações em fatores do comportamento humano, estratégias, estrutura,
cultura e tecnologia, este último fonte de estudo deste trabalho.
2.1.1 Fatores de mudança organizacional
Identificar variáveis do contexto que estariam provocando as mudanças, sejam
contínuas ou descontínuas, apresenta-se como uma vantagem na medida em que esse
conhecimento pode permitir o manejo e a implantação da mudança, o aumento da eficácia
organizacional e de sua chance de sobrevivência durante esse processo de transformação.
Robbins (2002) apresenta seis aspectos específicos que atuam como desencadeadores de
mudança: a natureza da força do trabalho, a tecnologia, os choques econômicos, a
concorrência, as tendências sociais e a política mundial. Esses aspectos estariam presentes no
cotidiano organizacional de forma mais ou menos aguda em determinados momentos, mas
constantemente exerceriam pressão sobre a organização.
Nadler et al. (1995) complementam esses aspectos apresentando os
desencadeadores da mudança como: descontinuidade da estrutura organizacional, inovação
tecnológica, crises e tendências macroeconômicas, mudanças legais e regulamentação, forças
do mercado e competição e crescimento organizacional.
Como se pode perceber, a relação entre mudança organizacional e inovação
tecnológica é pertinentemente salientada na literatura existente uma vez que, dentre os fatores
(ou aspectos) desencadeadores dos processos de transformação intra-organizacional, a
tecnologia, enquanto área de conhecimentos ou mesmo enquanto instrumento de processos,
faz-se presente, tanto como força motriz de mudança interna, quanto como algo associado à
pressões externas de cunho concorrencial.
2.1.2 Caracterizando a mudança nas organizações
Uma organização está sempre em processo de mudança, mesmo que na maioria
das vezes tais mudanças ocorram sem planejamento deliberado da organização. Hall (2002)
coloca que a mudança pode ser forçada, aceita ou até procurada pela organização, carregando
dicotomicamente consigo um caráter que pode se constituir benéfico ou prejudicial à
organização, acarretando em crescimento ou em declínio da organização ou ainda apenas em
uma alteração na sua forma. Levando-se em conta isso, um fator desenvolvido pelas
organizações é o planejamento da mudança, ou seja, a mudança como atividade intencional da
organização e com metas a serem alcançadas. Robbins (2002) diz que essencialmente há dois
tipos de metas no planejamento da mudança: a primeira busca aprimorar a capacidade da
organização de adaptar-se a mudanças em seu ambiente; e a segunda busca mudar o
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comportamento dos indivíduos da organização. Dentro desse contexto das organizações
planejarem as mudanças, Robbins (2003) afirma, fundamentado em Leavitt (1964), que as
opções de mudança estão divididas em cinco categorias: Estrutura, Cultura, Ambientes
Físicos, Pessoas e Tecnologia.
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Estrutura: as estruturas das empresas não são fixas. Muitas variáveis podem
ocorrer em uma mudança de estrutura, como a centralização ou descentralização
de tarefas, criação ou extinção de setores/departamentos, adoção de uma maior
flexibilidade ou rigidez nas tarefas, crescimento ou decrescimento da organização
e alterações na estrutura básica da organização.
Cultura: a mudança cultural é a mais difícil de ocorrer nas organizações, pois
envolve a mudança de crenças e valores da organização caracterizando-se por
ocorrer de uma maneira lenta e processual.
Ambientes Físicos: o espaço físico e a colocação dos objetos são pontos que ao
serem alterados, invariavelmente provocam mudanças nas organizações.
Caracteriza-se a mudança em ambientes físicos como a alteração na engenharia do
prédio ou ambiente, repartição, iluminação, nível de calor ou frio, barulho,
limpeza, mobília, decoração e esquemas de cor.
Pessoas: esta categoria envolve a mudança nas atitudes e comportamentos dos
participantes da organização. Ela pode ser uma mudança ocasionada pelas
circunstancias do ambiente, como pode ser provocada, por meio de cursos e
treinamentos.
Tecnologia: a mudança tecnológica envolve a introdução de novos equipamentos,
produtos, ferramentas ou métodos, técnicas, informatização e conhecimentos na
organização. A inovação tecnológica é um fator que contribui de forma
significativa para o processo de mudança nas organizações, estando diretamente
ligado a modernização de equipamentos e produtos que proporcionam maior
eficácia e consequentemente maior competitividade à organização.
Essas categorias de mudança compiladas por Robbins (2002) são percebidas
também de maneira concomitante por outros autores e assim esboçadas em diferenciadas
roupagens em termos de modelos de mudança disponíveis na literatura, à exemplo do modelo
de Lewin (Unfreezing-Change-Refreezing), o modelo de Kanter, Stein e Jick (The Big Three
Model Change), e o modelo de Pasquale Gagliardi (Cultura e Estratégia) (HATCH, 1997, p.
353-362).
Para o modelo de Lewin (1958), aprecia-se a desestabilização do comportamento
intra-organizacional (Unfreezing), seguida da ocorrência da mudança em si (Change) e
passando-se ao processo de re-estabilização desse novo comportamento organizacional,
institucionalizando-a (Refreezing). Referente ao segundo modelo, o de Kanter, Stein e Jick
(1992) as mudanças podem ocorrer em três níveis – Ambiental, Organizacional e Individual –
fruto de forças macro-evolucionárias (externas à organização), micro-evolucionárias (internas
à organização) ou políticas (poder de influência de indivíduos), respectivamente. Quanto ao
modelo de Pasquale Gagliardi (1986), este também parte do pressuposto de que há três tipos
de mudança, contudo de uma perspectiva que combina cultura e estratégia, sugerindo que se
pode ter a ‘Mudança Aparente’, que ocorre sem alterar a cultura organizacional a partir da
escolha de estratégias alternativas permitidas pelas crenças e valores da organização; a
‘Mudança Revolucionária’, que provoca alteração direta na cultura organizacional, sendo
imposta sob a forma de uma estratégia revolucionária e incompatível com as crenças e valores
culturais; e a ‘Mudança de Incremento Cultural’, a qual altera a cultura da organização, mas
com estratégias que não são incompatíveis com os valores e crenças dela, procurando assim
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ampliar a sua cultura. Nota-se pela apreciação desses modelos que as categorias de cultura,
estrutura e pessoas destacadas antes em Robbins (2002) são também consideradas no cerne
dos outros modelos.
Motta (2000, p. 94) coloca que a mudança tecnológica envolve: “alterar sua
tecnologia, especialização de funções e seus processos produtivos, ou seja, rever a forma pela
qual se utilizam os recursos materiais e intelectuais”. Bower e Dean apud Thomas (1992)
destacam que a mudança tecnológica relaciona-se com um conjunto de decisões acerca de
como os recursos serão investidos em equipamento, em treinamento, e suporte para novas
tecnologias, entre outros aspectos.
2.1.3 Resistência à mudança e saídas à resistência
Pode-se concordar que a resistência à mudança leva a muitas dificuldades no
processo de transformação da organização, porém a total inexistência da resistência é um fator
questionável. Certo grau de resistência à mudança pode ser positivo no sentido da não
aceitação imediata da primeira proposta de mudança sem uma avaliação mais criteriosa, assim
como, ajudar a aperfeiçoar o próprio processo de mudança em si. Dessa forma, o grande
desafio está em controlar a resistência da mudança nesse contexto. Certo (2003, p.275)
elucida esta questão descrevendo que:
Em uma empresa, a resistência a mudanças é tão comum quanto a sua necessidade.
Depois que os gerentes resolvem fazer alguma mudança na empresa, geralmente se
deparam com a resistência dos funcionários para evitar que essa mudança ocorra.
Por trás dessa resistência dos funcionários estão o medo de alguma perda pessoal,
como a redução de prestígio individual e o distúrbio das relações sociais e de
trabalho, e o medo do fracasso pessoal, que pode decorrer da incapacidade de
assumir novas responsabilidades no trabalho.
Referente às resistências existentes, estas podem ser divididas em individuais e
organizacionais. As fontes de resistências individuais se caracterizam por fatores intrínsecos e
subjetivos do próprio indivíduo. Robbins (2002) identifica cinco fontes de resistência à
mudança individual: hábitos, segurança, fatores econômicos, processamento seletivo de
informações e medo do desconhecido. Com relação às organizacionais, Katz e Kahn (1978)
definem seis fontes de resistência: inércia estrutural, foco limitado de mudança, inércia de
grupo, ameaça à especialização, ameaça às relações de poder estabelecidas e ameaça às
alocações de recursos estabelecidas.
A adoção de estratégias para lidar com o processo de resistência à mudança
envolve compreender aspectos do ambiente, dos indivíduos e da organização como um todo.
Invariavelmente, o esforço para minimizar a resistência à mudança enquanto estratégia
concentra-se na tentativa de apresentar a mudança como algo significativo para a organização,
introduzindo-a paulatinamente em etapas ao alcance de todos, ao mesmo tempo em que se
observa o grau de mudança que os indivíduos – e conseqüentemente a organização – são
capazes de suportar. Em termos efetivos, essas estratégias traduzem-se essencialmente em
processos de educação e comunicação das transformações intra-organizacionais que estão por
acontecer, transparência informativa, elucidação de questionamentos, abertura participativa
aos indivíduos dentro do processo de mudança e negociação entre as partes envolvidas. Devese salientar, todavia que, mesmo estando estas técnicas baseadas em dinâmicas democráticas
para com as partes envolvidas, outras táticas mais impositivas são passíveis de serem
adotadas, a exemplo da manipulação, cooptação e até mesmo a coerção (CERTO, 2003;
ROBBINS, 2003). Nenhuma dessas técnicas para lidar com a resistência à mudança se afigura
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como um receituário infalível, mas as chances de sucesso podem ser aumentadas a partir de
uma aplicação oportuna e casuisticamente escolhida de algumas dessas táticas em face da
identificação das causas específicas de resistência à mudança.
2.2 INOVAÇÃO
Considerada por muitos teóricos como sendo o resultado perceptível de uma
função específica da atividade empreendedora, a inovação, independentemente de onde ela
ocorra – quer seja na iniciativa privada ou na pública -, é comumente debatida em torno do
quão sistematicamente esta pode ser gerenciada, e também acerca do impacto modificador
que ela carrega consigo. Percebe-se a existência dessa dualidade argumentativa na própria
literatura, aonde é colocado que a inovação corresponde à introdução de novas combinações
produtivas economicamente viáveis (SCHUMPETER, 1984), ou que equivale “[...] ao esforço
para criar significante e focalizada mudança no potencial social ou econômico de uma
organização” (DRUCKER, 1998, p. 149). Levando-se em conta a abrangência dos aspectos
econômicos e sociais dessas definições, Schuhardt (2005) condensa em termos mais técnicos
essa amplitude temática, argumentando que a inovação é um processo que envolve múltiplas
atividades realizadas por diversos atores de uma ou várias organizações durante a qual novas
combinações de meios e/ou fins são desenvolvidos, produzidos, implementados e/ou
transferidos para velhos e/ou novos mercados, oportunidades comerciais ou sistemas sociais.
2.2.1 Fontes de inovação
Drucker (1998, p. 150-156) contribui para com o tema apontando que as
inovações enquanto produto ou processo podem ser oriundas de fontes tanto intraorganizacionais quanto extra-organizacionais. Para as fontes intra-organizacionais, o autor
salienta:
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Ocorrências inesperadas: que correspondem a sucessos ou falhas inesperadas nas
atividades da organização, percebidas a partir de avaliações de desempenho,
análise de relatórios, etc.;
Incongruências: que equivalem à disparidades sentidas ou percebidas por
intermédio do feedback informativo obtido na observação de realidades
heterogêneas, a exemplo de retorno de investimentos acima ou abaixo das
expectativas corporativas;
Necessidades de processo: a partir do instante em que uma organização necessite
crescer e se desenvolver, seus processos precisam ser reavaliados, a fim de que se
possa afirmar se esse desenvolvimento desejado é passível de ocorrer a partir dos
processos já existentes na organização, abrindo-se assim oportunidades para que
novos processos sejam elaborados;
Mudanças na indústria ou no mercado: eventuais transformações no
comportamento do mercado (por parte do consumidor), ou mesmo políticoeconômicas no setor industrial, a ponto de influenciar toda uma gama de
organizações a adotarem práticas estratégicas miméticas ou reagirem em
contrapartida a tais mudanças.
Para as fontes extra-organizacionais, são elencadas:
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Mudanças demográficas: que proporcionam chances ao desenvolvimento de
inovações visando alcançar especificamente grupos populacionais específicos,
frutos de fenômenos demográficos, a exemplo de baby-booms;
Mudanças na percepção por parte do mercado consumidor: bastante atrelada às
mudanças no mercado previamente destacadas, as mudanças na percepção do
consumidor podem influenciar positiva ou negativamente a apreciação do
indivíduo acerca de um produto, grupo de produtos, ou até mesmo de como este
enxerga uma organização a partir do portfolio desta, o que tende a impulsionar
inovações por parte das organizações para que se sustentem em vantagem
competitiva, ou para que consigam encurtar a distância perante seus concorrentes.
Novos conhecimentos: o surgimento de novos conhecimentos científicotecnológicos e, sobretudo a condensação destes, formalizando-os, constituem
também relevante fonte de inovação, a partir da transferência de tecnologia entre
organizações, institutos de pesquisa, parcerias, sistemas nacionais de inovação,
patentes etc.
2.2.2 Inovação em processos
Faz-se pertinente aqui salientar a diferença encontrada na literatura entre inovação
e tecnologia. Segundo Perez (2004) os limites que distinguem os dois conceitos podem ser
classificados como esferas, que, em seqüência, partem da tecno-científica (techno-scientific)
passando pela tecno-econômica (techno-economic) para a sócio-econômica (socio-economic).
Dentro dessa primeira esfera, uma novidade é considerada apenas uma invenção, pois se
encontra ainda em período de geração. A partir do momento que esta rompe o primeiro limite
e adentra seu mercado ela se torna inovação, principalmente condicionada pelo grau de sua
difusão, posicionando-se assim na segunda esfera. Em última instância, a amplitude da
difusão dessa inovação a coloca na terceira esfera, tornando-a um fato sócio-econômico de
grande importância para a sociedade.
Esses limites postos como esferas por Perez (2004) podem ser interpretados tanto
de uma perspectiva mais abrangente – a exemplo de um sistema social composto de
organizações e indivíduos formadores de um mercado disposto a aderir à novas combinações
produtivas, modificando assim seus hábitos e as utilizando sistematicamente – quanto de uma
forma mais específica – a exemplo da organização em si, fazendo com que a difusão dessa
inovação remeta à adesão dos indivíduos que compõem a organização, e à mudança nas
práticas habituais em termos de método e/ou freqüência de uso. Assim sendo, a inovação
tecnológica nas organizações nessa segunda perspectiva interpretativa, contemplaria
sobretudo novos métodos, instrumentos, percepções, comportamentos, e dessa forma,
conseqüentemente também novos processos. Obviamente, essas perspectivas (quer focadas na
organização ou no sistema social) não são exclusivas, nem muito menos excludentes, por se
considerar que são realidades complementares, de maneira tal que é sabido que as inovações
tecnológicas podem incorrer em novos outputs desses novos processos, uma vez que as
organizações atendem a esses mesmos sistemas sociais mencionados na perspectiva
interpretativa mais abrangente supracitada (AFUAH, 2002; PEREZ, 2004).
Afuah (2002, p. 48-55) argumenta que para interpretação das inovações, há de se
considerar certas dimensões, acima de tudo na perspectiva organizacional. Analisar-se-ia,
portanto:
a) O objeto da inovação – se trata-se de uma inovação mais voltada para os processos
da organização ou mais voltada para os outputs dela;
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b) O grau da inovação – acerca do quão nova ela é em termos de produto e/ou
processo;
c) A subjetividade da inovação – uma dimensão que tem por fim indagar para quem
essa inovação é realmente uma novidade (Para um indivíduo envolvido no
processo? Para a organização como um todo? Para uma indústria ou setor
econômico? Para um sistema social?);
d) A natureza da inovação – que questiona em que estágio essa inovação se encontra
(apenas uma idéia, uma invenção, um protótipo, já uma inovação pensada na sua
plenitude);
e) Os papéis na inovação – que compreende entender quem participa do
desenvolvimento da inovação (se ela é conduzida por quem fabrica, ou seja, pela
indústria em si; se ela é conduzida ou auxiliada por quem se utiliza dela, ou seja, o
consumidor; ou ainda se é uma inovação cooperativa, na qual estão envolvidos
tanto a indústria quanto o consumidor);
f) O sucesso da inovação – por último, cabe questionar a efetividade técnica ou
comercial da inovação, levando-se em conta também questões morais e éticas, a
fim de que se possa entender a relevância da inovação para quem quer que ela
pretenda beneficiar.
Pode-se observar uma semelhança temática entre a dimensão da natureza da
inovação de Afuah (2002) e as esferas que distinguem a inovação da tecnologia em Perez
(2004) conforme descrito anteriormente, sem, contudo ousar indicar qualquer influência
teórica entre os autores.
Outro ponto a destacar são algumas classificações consensuais na dimensão do
‘grau da inovação’ no tocante a percepção de quem produz a inovação (o fabricante e o
impacto tecnológico da inovação para estes) e a de quem absorve a inovação (o consumidor e
o ganho em benefícios propiciado pela inovação a este). São assim apontadas: a inovação
incremental (novas combinações que advém de algo existente e que surgem de forma a
complementar o padrão vigente); a inovação técnica (mais pertinente aos fabricantes em
virtude da alta distinção da tecnologia que acompanha a inovação, usualmente relacionada a
processos); a inovação aplicativa (na qual modificações tecnológicas em produtos aumentam
o ganho em benefícios dos consumidores ao passo que estes percebem novas aplicabilidades
de produtos em virtude da inovação fomentada pelo fabricante) e a inovação radical (que
corresponde aos casos em que as combinações afastam-se substancialmente do padrão
vigente, causando um impacto muito maior principalmente na esfera sócio-econômica,
podendo eventualmente criar uma nova trajetória que incite a geração de inovações
incrementais). Fica evidente também que estas classificações funcionam de forma puramente
explicativa, uma vez que pela própria descrição delas, a dinâmica das mesmas permite com
que haja mútua-interação entre elas (AFUAH, 2002; FREEMAN, 1984; NELSON e
WINTER, 1993).
Em suma, no intuito de compreender o que vem a ser uma inovação tecnológica
em termos conceituais, há de se tentar (juntamente a essa compreensão) vislumbrar as suas
características, bem como entender a partir de qual contexto esta pode surgir e se desenvolver,
tornando-se nítido com isso, a multidisciplinaridade intrínseca ao tema.
3. METODOLOGIA
A presente investigação caracteriza-se como estudo de caso, que consiste na
“investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de
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vida real” (YIN, 2001, p. 32). Do ponto de vista teórico, o estudo de caso foi à estratégia
escolhida pelo fato de que os resultados obtidos neste tipo de investigação são considerados
mais convincentes, dando maior robustez à pesquisa como um todo. A pesquisa classifica-se
como descritiva, que possui como objetivo primordial a descrição das características de
determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis
(BARROS e LEHFELD, 1989; GIL, 1999).
A análise foi empreendida em uma organização do setor de transporte rodoviário
de passageiros. Situada no estado do Paraná, sua matriz localiza-se na cidade de Ponta Grossa,
adicionalmente, esta possui filiais fixadas em Curitiba, Cascavel, Guarapuava e Foz do
Iguaçu, além de pontos de apoio à sua frota em Telêmaco Borba, Irati e Toledo. Fundada em
1935, a empresa ainda se caracteriza pela administração familiar que a originou, contudo se
adaptando ao contexto econômico local/regional no qual atua, a fim de manter-se competitiva.
A escolha da organização foi intencional em virtude da relevância da mesma dentro do setor
econômico de atuação, levando-se em consideração para esta decisão o tamanho da frota e o
número médio mensal aproximado de passageiros.
Em virtude do intuito deste estudo em avaliar o impacto de uma inovação
tecnológica e seus efeitos na mudança organizacional provocada após a implantação dessa
inovação, foram entrevistados três colaboradores do nível gerencial da organização (um
Gerente de Operações, uma Gerente Administrativa e um Gerente de TI), os quais
necessariamente tiveram relação direta com o planejamento e a tomada de decisões
estratégicas que vieram a compreender o desenvolvimento da inovação tecnológica aqui
analisada. O período avaliado nas entrevistas corresponde ao momento inicial da implantação
da inovação tecnológica (outubro de 2002) até o momento atual, a fim de que se pudesse
extrair uma apreciação crítica dos impactos desta na organização.
Neste contexto a investigação foi conduzida com observação direta, orientada por
um roteiro semi-estruturado de questões. Estas foram realizadas junto aos pesquisados em
junho de 2007. Além desta observação, e com o intuito de pesquisar outras fontes de
evidências (YIN, 2001), foram também analisados documentos internos da organização e
dados relativos a realidade mercadológica do setor econômico de atuação da mesma. Esta
escolha segue a sugestão de Weiss (1994) que assinala a importância da triangulação de dados
no intuito da integração de perspectivas, pelo fato de não necessariamente o que se observa
nos discursos dos indivíduos entrevistados corresponde ao que está realmente se
concretizando na realidade analisada.
No tocante aos dados primários extraídos das entrevistas pessoais, o tratamento
desses dados foi realizado por meio de análise de conteúdo da transcrição formal das
entrevistas registradas sob autorização dos participantes, considerando-se para isso uma
análise temática e interpretativa à luz dos conceitos referenciados na revisão teórica presente
neste ensaio.
4. ANÁLISE DO CASO
4.1 DESCRIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO E CENÁRIO DO CASO
A empresa em estudo, a qual atua tanto no transporte de passageiros quanto no
transporte de encomendas (sendo a primeira atividade a sua maior fonte de faturamento),
conta com 1250 funcionários, possui uma frota de 280 ônibus, 47 veículos de apoio e
transporte de encomendas, transportando em média 740.000 passageiros por mês entre os
Estados do PR, SC e SP, percorrendo assim uma média mensal de 2.700.000 quilômetros, em
viagens de curta e longa duração.
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Na área de Encomendas, possui depósitos em todas as suas garagens, utilizando
para o transporte de mercadorias os bagageiros dos ônibus, o que propicia aos clientes uma
entrega mais rápida e segura. Conta também com uma frota de caminhões baús com várias
linhas interligando as cidades de São Paulo, Curitiba, Ponta Grossa, Guarapuava, Cascavel,
Foz do Iguaçu, Pato Branco, Francisco Beltrão, Londrina, Maringá, Umuarama, Guaíra,
dentre outras. A empresa efetua também serviços de Fretamento Contínuo, no transporte de
funcionários para outras empresas. A seguir, segue o quadro 1 que sintetiza o perfil da
empresa em estudo.
Características
Número aproximado de funcionários
Tempo de existência
Sistema de vendas de passagem via internet
Certificação ISO 9000
Tamanho da frota (nº. total de Ônibus)
Tipo de viagens
Número médio de passageiros transportados por mês
(aprox.)
Estados onde atua
Atuação na área de encomendas
Empresa
1250
73 anos
possui
possui
280
Curta e longa duração
740.000
PR, SC e SP
Frota própria e parcerias,
prevalecendo o sistema de
parcerias
QUADRO 1: Perfil da empresa em estudo.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Em uma breve contextualização ambiental, o cenário no qual a empresa opera é
regulamentado por órgãos estaduais (DER- Departamento de Estradas e Rodagens) e federais
(ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres) de modo que estes balizam a conduta
da organização a partir do:
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Controle do preço das passagens;
Estabelecimento de regras de conduta e padrões a serem adotados na prestação do
serviço;
Definição das normas de condução do veículo, requisitos e preceitos de segurança;
Deliberação sobre as linhas que cada empresa atenderá;
Decisão sobre os horários permitidos para cada linha.
Em termos concorrenciais no setor de transporte rodoviário, a empresa possui
concorrentes diretos – de porte similar ou superior, e em menor escala, de porte inferior – e
concorrentes indiretos, que se aproveitam de ‘brechas’ na fiscalização por parte dos órgãos
reguladores para, na ilegalidade, operarem – a exemplo de empresas de transportes
particulares que operam com Vans e Kombis.
4.2 DIAGNÓSTICO DO SISTEMA DE FROTA E ANÁLISE DOS RESULTADOS
A inovação tecnológica aqui analisada é o Sistema de Frota da empresa, o qual
consiste de um software para escala e controle de veículos, motoristas e cobradores, de modo
a otimizar os recursos materiais e de pessoal da empresa no tocante à suas operações. Esse
software foi desenvolvido internamente na empresa pelo seu próprio departamento de
Tecnologia da Informação, de maneira deliberada pela organização, a partir da percepção das
necessidades de melhoria na eficiência dos seus processos em nível operacional. Faz-se
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necessário aqui destacar um ponto salientado unanimamente pelos três gerentes entrevistados,
de que este Sistema constituiu uma inovação tecnológica não apenas para a empresa em si,
como também para o mercado ao qual a empresa pertence, uma vez que dado o seu
desenvolvimento interno, este fator possibilitou maior especificidade em termos de
funcionalidade do que outros softwares corporativos disponíveis para aquisição na época.
Conforme afirmou o Gerente de TI entrevistado:
[...] um sistema dessa natureza, que integrasse as atividades da empresa dessa forma,
simplesmente inexistia até então; posso afirmar isso, uma vez que eu fui responsável
por sondar no mercado uma solução de TI para nossos problemas, e não a encontrei
na época.
As chamadas ‘escalas’ correspondem à programações dos veículos e dos
motoristas para a realização das atividades operacionais da empresa. Para o primeiro caso, os
veículos são escalados conforme as exigências das linhas de concessão, contratos
estabelecidos e viabilidade de utilização devido a fatores de manutenção envolvidos na
disponibilização do veículo. No segundo caso, o processo de escala de motoristas e
cobradores é realizado levando-se em conta a quantidade de profissionais disponíveis e a
carga horária mensal de trabalho, atendendo às normas da CLT.
Destinado a todos os níveis hierárquicos da organização, o Sistema de Frota visou
integrar a empresa em termos de informações disponíveis para consulta intra e
interdepartamental, beneficiando mais notoriamente o desempenho dos processos em nível
operacional, já que essencialmente é este, juntamente com os níveis de supervisão e gerência,
quem alimenta o sistema em termos de informação. Além da troca de informações entre os
setores, ele possibilita a inibição das falhas operacionais, ao mesmo tempo em que realiza o
gerenciamento dos 280 veículos que compõem a frota da empresa, juntamente com os seus
450 motoristas e 42 cobradores, contemplando cada evento realizado em qualquer um dos
serviços ofertados, bem como a manutenção de veículos e tempo de folga de colaboradores.
Paralelamente ao controle de frota, o Sistema influencia de forma significativa nas decisões
tomadas pela empresa no que diz respeito à economia e finanças, já que este permite um
melhor acompanhamento dos recursos imobilizados, monitorando seu aproveitamento.
A implantação do sistema deu-se em Outubro de 2002 nas unidades de Ponta
Grossa, Cascavel, Curitiba, Guarapuava e Foz do Iguaçu. Posteriormente, por necessidades
operacionais foi instalado também nos pontos de apoio de Telêmaco Borba, Irati e Toledo.
Paulatinamente, outros módulos que hoje compõem o Sistema de Frota foram sendo pensados
e desenvolvidos à medida que outras necessidades de melhorias nos processos operacionais da
empresa eram percebidos. De modo a ilustrar essa evolução, apresenta-se a seguinte
cronologia:
•
Fevereiro/2002 até Outubro/2002 – desenvolveu-se o controle logístico dos
motoristas (controle de horários, local e das escalas em si), que era inicialmente
assessorado por um software externo das Rodoviárias, denominado “Sistema RJ”;
•
2003 – após implantação do Sistema de Frota, desenvolveu-se o cadastro dos
ônibus (em termos de documentação, características do veículo, quilometragem e
cronograma de manutenção); mais adiante no mesmo ano, desenvolveu-se o
módulo de abastecimento da frota, e o controle da média do gasto do combustível
em tempo real;
•
2005/2006 – desenvolveu-se e implantou-se o ‘Módulo de Pneus’, a partir do qual
se estabeleceu o controle de tudo relativo a estes, desde a sua compra até a sua
10
venda (registro de todos os pneus e o seu monitoramento, a exemplo dos seus
valores de acordo com os tipos requeridos, em que veículo se encontra, os recapes
efetuados neles e toda a parte de engenharia de manutenção).
O desenvolvimento desses módulos subseqüentes ilustra o caráter estratégico,
incremental e dinâmico da inovação tecnológica em si (que a priori poder-se-ia qualificar
como uma inovação radical, pela ruptura com o paradigma operacional vigente), a partir do
momento em que os levantamentos de custos operacionais da empresa indicaram que o maior
gasto dela até 2003 era referente ao abastecimento da frota (ou seja, com o controle dos gastos
na aquisição e consumo de diesel) e em seguida, com os gastos em compras e manutenção dos
pneus dos veículos.
A inibição das falhas operacionais proporcionada pelo Sistema se faz visível a
partir do gerenciamento padronizado das atividades, o que não ocorria anteriormente, pois
cada escalador e programador tinham sua forma de atuar, de acordo com suas habilidades e
discernimento do que ele considerava a prática mais correta. Com o Sistema de Frota, o
trabalho de escala deixou de estar centralizado tacitamente por quem efetuava a programação,
passando a estar disponível em tempo real para consulta de todos os envolvidos no processo.
Dessa forma, a partir da informatização dos processos, as mudanças ocasionadas
pelo impacto da inovação tecnológica em si podem ser percebidas mais facilmente. Antes, os
registros nos processos eram manuais e desempenhados individualmente em termos de
informações requeridas para alimentar os processos (tomando o exemplo do registro das
escalas); depois, houve a informatização e a parcial automatização desses processos agora em
uma base de dados virtual (software) e de forma coletiva (mesmo considerando-se as reservas
quanto à acessibilidade por parte de certos setores da empresa, para os quais a plataforma de
TI permite apenas a leitura e/ou apreciação dos dados e informações disponíveis),
descentralizando-se o poder em termos de quem detinha as informações e o expertise
pertinentes aos processos.
Somando-se a isso, providos de informações relevantes, os níveis hierárquicos
estratégicos puderam rever as metas e objetivos da empresa de modo a minimizar seus custos
ao poderem mensurar a lucratividade em manter certas rotas e destinos ofertados em termos
de transporte de passageiros. Ilustrando tal assertiva, segue o gráfico do Percurso Médio
Anual da frota de ônibus da empresa até Junho de 2007, aonde se percebe, em quilometragem
rodada, que certos tipos de transporte cresceram em virtude justamente dessa revisão
estratégica das atividades da empresa (no caso, os transportes metropolitanos), enquanto
outros passaram por um processo de redução da concentração dos investimentos destinados a
eles (transportes urbanos e rodoviários), devido à melhor mensuração quantitativa dos
resultados apresentados comparativamente ao exercício do ano anterior. Considerando o fato
do exercício analisado (o ano de 2007) ainda não estar concluído, o que se pode indicar pelo
gráfico 1, é a tendência de que essas reduções e aumentos se mantenham linearmente até o
fim do período abordado.
11
PERCURSO MÉDIO ANUAL
Comparativo
12.000
10.000
8.000
10.526
10.145
9.371
9.120
7.542
7.082
6.000
4.000
2.000
0
Ano 2006
Ano 2007
Rodoviários
Urbanos
Metropolitanos
GRÁFICO 1: Comparativo 2006/2007 do Percurso Médio Anual da frota de ônibus da empresa (em km).
Fonte: Dados secundários da pesquisa.
Neste contexto, houve uma redução da frota da empresa (que possuía 300 veículos
antes da implantação do Sistema de Frota, em 2002) para os 280 ônibus que hoje a compõem,
fruto da otimização dos processos em si, e amparado nas análises de custo versus benefício
propiciadas pelas informações do Sistema.
Percebe-se em suma, duas mudanças. A primeira, uma mudança estrutural,
destacada pelo “achatamento” da pirâmide hierárquica da organização, com relação ao
aumento das responsabilidades, ampliando as tarefas e as funções dos colaboradores, a
exemplo da descentralização da marcação das escalas nas garagens (antes, apenas quem era
“escalador” poderia fazê-lo, enquanto hoje não mais, desde que também pertença ao nível
operacional). Destaca-se também em termos de mudança estrutural, a redução da frota da
empresa anteriormente comentada. A outra mudança, esta de cunho cultural, constata-se pelas
transformações na conduta e nos hábitos em termos de como os colaboradores realizavam
suas funções pré e pós-implantação do Sistema de Frota, ao passo que tal mudança é
certamente conciliada com as mudanças estruturais supracitadas, preconizando a adequação
aos novos processos operacionais. Faz-se necessário frisar que essas duas mudanças
analisadas são obviamente produto de uma mudança tecnológica condicionada pela inovação
nos processos da empresa que se desencadeou por intermédio da implantação do Sistema de
Frota em sua versão inicial e dos seus módulos subseqüentemente desenvolvidos.
Antevendo eventuais resistências comportamentais na organização – sobretudo
por parte dos colaboradores de nível operacional, mas não exclusivamente – os gerentes
envolvidos diretamente no desenvolvimento e implantação do Sistema de Frota estruturaram
um processo de conscientização mediante treinamentos internos com os colaboradores, numa
tentativa de demonstrar os benefícios do novo sistema, realizando também reuniões com os
“escaladores”, a fim de “[...] ‘desmistificar’ a tecnologia da informação e o uso dos
computadores”, conforme respondeu o Gerente de TI. Mesmo com essa iniciativa de
conscientizar os que fariam uso direto da tecnologia, e demonstrando a relevância dela para a
organização e até mesmo para com a facilitação das atividades destes, durante os seis
12
primeiros meses de implantação a resistência cultural e o receio dos colaboradores de perder o
emprego foram perceptíveis. Esta resistência cultural pode ser traduzida em termos de:
hábitos na realização das tarefas, e também na falta de compreensão em mudar esses hábitos.
Um exemplo dado foi a falta de colaboração dos funcionários em seguir os novos
procedimentos operacionais, não registrando todas as movimentações que deveriam ser
registradas, mas apenas parte delas. Segundo a Gerente Administrativa entrevistada:
Precisava-se de muita conversa para que eles (os colaboradores) pudessem começar
a perceber que aqueles novos métodos e processos tinham de ser apreendidos e
absorvidos não apenas por serem o novo padrão de trabalho requerido pela empresa,
mas, sobretudo porque aquilo estaria beneficiando a todos dentro dela; [...] e quando
percebemos que não eram em casos isolados que tais dificuldades de compreensão
estavam ocorrendo, mas sim em muitos colaboradores, em maior ou em menor grau
entre eles, foi então que vimos que teríamos de estruturar treinamentos específicos
não apenas para instruí-los melhor acerca da situação, como também para minimizar
o ‘espanto’ daquela novidade, que para muitos era quase que uma ameaça direta ao
seu emprego. Notem vocês que, o mais incrível disso tudo é que a tendência seria de
atribuirmos esse tipo de receio aos níveis operacionais pela carência de instrução e
educação, mas surpreendentemente houve casos também dentro do setor
administrativo e comercial da empresa.
Tendo em vista essa conduta, após a implantação, foram necessários recursos
normativos, como advertências e punições para os que não contribuíram de forma esperada,
porém “[...] fazendo-se uso desses recursos apenas em última instância, já que prezamos pela
serenidade no ambiente de trabalho e sempre recorremos primeiramente às vias do debate”
segundo o Gerente de Operações.
Por fim, condizente com as respostas consensuais dadas pelos gerentes em
praticamente todas as entrevistas, estes percebem em retrospecto os impactos ocasionados
pela inovação tecnológica compreendida no Sistema de Frota como sendo “o grande
responsável pelas mais profundas e perceptíveis mudanças organizacionais que ocorreram
provavelmente nos últimos 10 anos na empresa”, pois foi a partir dela que a atualização e a
inserção da empresa em termos de reposicionamento dentro do mercado competitivo à qual
ela pertencia, pode se dar. Conforme ressaltou a Gerente Administrativa:
[...] a lógica de mercado é sempre ‘menores custos e maiores margens’ para
qualquer empresa, e obviamente não seria diferente para nós; a relevância da
implementação do Sistema de Frota para nós é nitidamente percebida a partir do
momento em que, à parte do investimento inicial nessa plataforma de TI, os custos
da empresa puderam ser efetivamente melhor controlados e reduzidos e,
conseqüentemente, a gestão dos processos e dos recursos da organização pôde ser
melhor realizada da mesma forma, uma vez que ficou muito mais fácil não só
mapear esses tipos de custos, como também mensurá-los em termos de impacto
para nós dentro dos exercícios fiscais da empresa. A partir dessa constatação,
ocorrida inicialmente apenas com o módulo do controle logístico dos motoristas, os
módulos que se seguiram vieram como um ‘efeito dominó’ natural, pois estavam
evidentes os benefícios trazidos por essa tecnologia para aquele setor em específico
da empresa, e dessa forma, melhorias daquele tipo também poderiam muito bem
ocorrer na empresa como um todo, nos fortalecendo competitivamente, seguindo
aquela lógica de ‘custos menores e margens maiores’ que eu tinha falado antes. Ao
mesmo tempo, essa segurança competitiva da empresa nós fez olhar mais para
frente, e não termos medo de darmos um passo arriscado em direção a novas áreas,
diversificando nosso negócio, em busca de mais marketshare.
13
De acordo com tal consideração, é possível vislumbrar que, com o auxílio da
tecnologia (especificamente uma TI, nesse caso), a ampliação das estratégias organizacionais
tornou-se viável, dessa vez corroborada quantitativamente pelos resultados angariados pósimplementação da inovação tecnológica e pelos impactos culturais e estruturais dessa,
habilitando-a efetivamente a concorrer mais equivalentemente no seu setor de atividades.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho demonstrou, por intermédio de um estudo de caso analíticodescritivo, a dinâmica da mudança organizacional fomentada pelo impacto de inovações
tecnológicas (ARAÚJO, 1982; ROBBINS, 2002; WOOD JR., 1995). Especificamente no
caso estudado, evidenciou-se tal dinâmica a partir da inovação em processos numa empresa
do setor de serviços, distanciando-se um pouco, em termos de contribuição científica, de
análises mais comumente encontradas acerca desse binômio (mudança organizacional e
inovação tecnológica) focando processos em manufatura, por exemplo (SILVEIRA, 2003).
Evidenciou-se no caso ilustrado uma inovação tecnológica que se poderia
classificar como radical, surgida intra-organizacionalmente a partir de necessidades de
melhoria dos processos vigentes, objetivando a padronização destes, e conseqüentemente o
maior controle e otimização dos recursos da organização bem como sua integração (AFUAH,
2002; PEREZ, 2004), que propiciou que mudanças organizacionais de caráter estrutural e
cultural, desencadeadas pela inovação tecnológica em si, alterassem o quadro situacional da
organização, incorrendo na quebra de um paradigma operacional internalizado (NADLER et
al., 1995; ROBBINS, 2002) – a exemplo dos processos realizados manualmente que
passaram a ser informatizados após a implementação do Sistema de Frota, bem como a
possibilidade tanto de controle quanto de distribuição do expertise inerente à práxis dos
processos, que passou a ser acessível a um número amplo de colaboradores. A permanência
do paradigma operacional anterior debilitaria a empresa competitivamente frente a uma
realidade local/regional de forte concorrência, por vezes agravada pelas questões regulatórias
das agências estadual e federal que gerenciam esse setor econômico.
Foi ressaltado em uníssono pelos entrevistados que, apesar de resistências
individuais (hábitos, segurança, e medo do desconhecido) e organizacionais (ameaça às
relações de poder estabelecidas) registradas durante o processo de implantação da inovação
tecnológica (CERTO, 2003; KATZ e KAHN, 1978), o impacto desta foi sensivelmente
percebido enquanto fator-chave no desenvolvimento de um profundo processo de mudança
no cerne da organização.
O estudo restringiu-se a avaliar o tipo de mudança organizacional ocorrido após a
implantação da inovação tecnológica apresentada até os dias de hoje na organização descrita,
abrindo um precedente para pesquisas que compreendam, em empresas do mesmo setor
econômico, modelos ou evoluções de tecnologias similares, ampliando assim o entendimento
da natureza das mudanças organizacionais que inovações em processos em empresas
prestadoras de serviços podem gerar.
6. RECONHECIMENTO
Este trabalho contou com o apoio financeiro da CAPES – Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – para a sua realização.
14
REFERÊNCIAS
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16
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