Introdução à magnetoquímica e aos metais de
transição
Por Marco César Prado Soares – Engenharia Química – Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP – 2013
1 – Objetivo
Este material tem por objetivo introduzir conceitos fundamentais sobre o
magnetismo da matéria, visto com relação à estrutura química, para alunos que desejam
se aprofundar com vistas às Olimpíadas de Química e aos vestibulares de alto
desempenho. Introduziremos conceitos que exigem um grau de abstração maior por
parte do aluno, de modo que a leitura deve ser repetida até que se esteja familiarizado
com as ideias. O estudo paralelo das teorias atômicas e moleculares é, sem dúvida, de
grande auxílio. Antes desta leitura, é essencial que o estudante esteja familiarizado com
a distribuição eletrônica dos elétrons no diagrama de orbitais atômicos e com a teoria da
ligação de valência.
2 – Conceitos fundamentais
Os conceitos listados abaixo são de grande importância para a compreensão deste
material e para que o aluno possa compreender outros textos científicos sobre o assunto.
HOMO (Highest Occuped Molecular Orbital): é o nível de energia mais alto, na
distribuição eletrônica, a conter elétrons.
LUMO (Lowest Unoccuped Molecular Orbital): é o mais baixo nível de energia
contendo todos orbitais vazios.
SUSCETIBILIDADE MAGNÉTICA: é uma medida da força exercida pelo campo
magnético sobre a unidade de massa do corpo. Está relacionada ao número de elétrons
desemparelhados por unidade de massa.
FORÇA MAGNÉTICA:
→
→
→
Onde q é a carga, B o campo magnético e V a velocidade da carga.
FORÇA ELÉTRICA (LEI DE COULOMB):
→
1
Veremos que as propriedades magnéticas estão relacionadas à cor de um
composto em solução. Neste contexto, é interessante compreender que uma propriedade
essencial do solvente para a dissolução de um sólido iônico, que é sua constante
dielétrica ε.
Como visto acima, na lei de Coulomb, a força elétrica, que provoca atração
entre os cátions e ânions do sólido, é inversamente proporcional à constante
dielétrica, que está relacionada à polaridade do solvente. Um exemplo da influência
deste parâmetro é que na água a força atrativa entre os íons é reduzida a apenas 1% do
seu valor no vácuo, o que facilita a dissolução do solvente.
O processo de solvatação de cátions simples nada mais é do que a formação de
complexos de coordenação entre o cátion metálico e as moléculas de solvente; os
terminais positivos dos dipolos das moléculas do solvente orientam-se em direção aos
ânions, enquanto que os negativos orientam-se em direção aos cátions.
A constante dielétrica de um solvente e sua capacidade de solvatação está
correlacionada, tendendo a crescer continuamente, mas sem uma relação
quantitativa, e quanto maior for a polaridade do solvente, maior será a tendência
de sua constante dielétrica ser elevada, de modo que a dissolução do soluto será
maior2. As propriedades magnéticas de um cátion metálico, em solução, é
profundamente influenciada pela quantidade de moléculas de solvente que a ele se
coordenam e pela força de atração entre as moléculas de solvente e do metal.
BALANÇA DE GOUY: Permite medir, quantitativa e qualitativamente, a
suscetibilidade magnética e o momento magnético de um material, que pode estar na
forma de um longo bastão, em solução, ou pulverizado e empacotado dentro de um tubo
de vidro6. Um esquema da Balança de Gouy, como projetada por seu inventor, é
mostrado a seguir:
Figura 1: esquema da Balança de Gouy original13
Uma balança analítica é modificada, sendo uma extremidade da balança colocada em
um campo magnético uniforme e a outra em um campo nulo, ou muito fraco. A força
magnética envolvida altera a leitura da balança, de modo que se obtém a força
magnética que atua por unidade de massa (suscetibilidade magnética do material).
2
POLARIZABILIDADE: Capacidade de ter a nuvem eletrônica distorcida. O caráter
polarizável aumenta para ânions maiores, de nuvem eletrônica mais “volumosa”, com a
carga mais baixa, e, em contrapartida, o poder polarizante é maior para os cátions
menores e de carga mais elevada, ou seja, de maior densidade eletrônica.
Em um modelo de ligação iônica perfeita, os cátions e ânions são tratados como
esferas rígidas, e a atração entre eles é puramente eletrostática. Entretanto, ao se
aproximar do ânion, o cátion atrai a volumosa nuvem eletrônica em sua direção,
provocando uma distorção no seu formato que faz com que os elétrons passem a se
concentrar na região entre os dois íons (se forem íons simples, será a região entre os
núcleos atômicos). Desta forma, cria-se uma atração covalente entre os íons, que tira o
caráter puramente eletrostático. Assim, o efeito de polarizabilidade é, em essência,
um efeito de covalência.
Um exemplo notável deste efeito é a solubilidade do cloreto de lítio. O lítio é o
mais polarizante dos metais alcalinos, por ter o menor dos raios atômicos e os seus sais
tem um caráter covalente, provado pelo fato de o LiCl ser solúvel em etanol.
Por fim, é importante ressaltar que as forças envolvidas em uma ligação
covalente são da mesma ordem de magnitude que as forças envolvidas em uma
ligação iônica.
MAGNÉTON DE BOHR5 (µB): constante física essencial aos estudos do magnetismo,
definida como:
(
)
onde e = -1,602x10-19C é a carga elétrica do elétron, me = 9,11x10-31kg é a massa do
elétron e h = 6,63x10-34 Js é a constante de Planck.
Faremos, a seguir, um estudo do magnetismo da matéria, e, por fim, uma introdução à
teoria do campo cristalino, focando os aspectos qualitativos, e tentando reduzir a
profundidade teórica envolvida no estudo desta, da teoria do orbital molecular e da
teoria das bandas.
MOMENTO DE DIPOLO MAGNÉTICO: As propriedades magnéticas da matéria
podem ser mais bem compreendidas se os materiais forem considerados um conjunto de
átomos com momentos de dipolos magnéticos individuais.
O dipolo magnético guarda uma estreita analogia com o dipolo elétrico. Para
uma espira por onde circule uma corrente elétrica, o momento de dipolo magnético
é o vetor cujo módulo seja o produto da corrente pela área da espira e cuja direção
e sentido são iguais ao do campo magnético gerado pela espira, tendo unidade [J/T].
Na teoria quântica, o momento angular é medido em unidades de (h/2π) – de
acordo com um dos postulados de Bohr, mvr = n(h/2π), onde mvr é o momento angular,
análogo do momento linear para um movimento rotacional, e n é um número inteiro – e
o magnéton de Bohr é o momento angular de um elétron que se moveria em uma órbita
circular (um modelo obviamente idealizado) em torno do núcleo. Este elétron
circulando pode ser considerado uma espira de corrente, na qual a corrente é igual à
carga do elétron dividida pelo período para que ele complete cada órbita.
3
3 – Magnetismo da matéria
O efeito magnético está intimamente associado à existência de carga elétrica em
movimento: uma carga que se desloca é capaz de produzir um campo magnético, e uma
carga que se mova na região de um campo magnético terá seu deslocamento afetado por
ele.
Todo elétron possui um momento de dipolo magnético intrínseco, cuja direção é
determinada pelo número quântico de spin, ms. Se ms = -1/2, o momento aponta no
sentido paralelo ao do campo magnético no eixo z, e, se ms = 1/2, o momento
aponta no sentido contrário ao do campo. Em um campo magnético, o elétron
busca a situação de menor energia, dada por ms = -1/2.
Os elétrons emparelhados possuem energia magnética total nula. Nos
compostos com elétrons desemparelhados, como os dos metais de transição, a energia
térmica dos elétrons é bastante superior à diferença de energia dos estados que definem
o número quântico de spin. Devido à agitação térmica, o número de elétrons no
estado de menor energia (ms = -1/2) é apenas ligeiramente maior que o número de
elétrons no estado de maior energia, já que a agitação térmica pode fornecer a
energia necessária à promoção de um nível para o outro.
É verificado que, quando uma amostra de uma molécula com elétrons
desemparelhados é colocada em um campo magnético, a energia da amostra diminui, e
um número maior de elétrons terá ms = -1/2. Caso a amostra possua apenas elétrons
emparelhados, a energia sofrerá um pequeno aumento7.
De acordo com suas propriedades magnéticas, um material pode ser classificado
como diamagnético ou paramagnético. Também serão vistos, abaixo, algumas
classificações especiais.
3.1 – Materiais diamagnéticos
Materiais diamagnéticos são aqueles que possuem alguns, senão todos, os
elétrons emparelhados (em camadas fechadas). Desta forma, esta é uma propriedade
que todas as formas da matéria, mesmo as que contêm elétrons desemparelhados,
possuem, em maior ou menor grau.
Nas substâncias em que todos os elétrons estão emparelhados, o momento
magnético é nulo, pois não há momento angular total, já que os momentos de spin e os
momentos orbitais se anulam.
Quando uma substância é colocada em uma região de campo magnético, as
camadas fechadas são afetadas, sendo induzido um pequeno momento magnético que
se opõe ao campo externo, de modo que a substância é repelida dos pontos de
grande intensidade do campo. O campo magnético dentro da substância é menos
intenso que fora dela, de modo que ela tende a repelir as linhas de forças
magnéticas. Logo, a suscetibilidade magnética medida, com a balança de Gouy, é
negativa.
Sendo assim, a única resposta de uma substância que não tenha elétrons
desemparelhados, será a resposta diamagnética, o afastamento da região de maior
intensidade do campo.
A imagem abaixo mostra um caso extremo de repulsão devido ao
diamagnetismo: uma rã é submetida a um poderoso campo magnético, e a repulsão faz
com que ela levite.
4
Figura 2: rã (corpo diamagnético) flutuando, devido à repulsão da região de maior
intensidade de campo3
3.2 – Materiais paramagnéticos
O paramagnetismo, em sua forma mais simples, ocorre para os materiais que
possuam elétrons desemparelhados. O elétron desemparelhado origina um campo
magnético, devido a seu spin e seu momento angular orbital, sendo o composto, a
princípio, atraído pelo campo magnético externo. Todavia, qualquer substância
conterá certo número de elétrons emparelhados, que provocarão um efeito diamagnético
de intensidade bem mais baixa. Assim, o diamagnetismo cancela parcialmente o
efeito paramagnético dos elétrons desemparelhados, e a suscetibilidade magnética
medida é menor que a se esperaria, caso este efeito secundário não fosse
considerado.
Analisando por outro ponto de vista, dentro do material paramagnético, a
intensidade do campo externo é aumentada, e é mais fácil para as linhas de forças
magnéticas atravessarem um material paramagnético do que o vácuo, de modo que o
material é capaz de atrair para si as linhas de força, o que provoca o seu deslocamento
em direção às regiões de campo magnético mais intenso.
Muitos compostos dos metais de transição são paramagnéticos, devido à
presença de orbitais d que podem estar semipreenchidos. A medição do momento
magnético, com a balança de Gouy, permite obter evidências sobre a presença de
elétrons desemparelhados, sendo que, para a primeira série de transição, é possível obter
o número deles, como será visto abaixo. No estudo dos complexos de coordenação, nos
quais a degenerescência dos orbitais d é quebrada, estas informações são essenciais para
deduzir a geometria e distribuição eletrônica do composto.
3.2.1 – Aspectos matemáticos do paramagnetismo
Nesta seção serão apresentadas algumas equações do paramagnetismo, sem,
contudo, as demonstrações. Várias delas podem ser encontradas no livro Fundamentos
de Física – Volume 3- Eletromagnetismo- Halliday, Hesnick e Walker.
A equação geral para os momentos magnéticos dos íons de metais da 1ª série de
transição é:
5
(
)
√
(
)
(
)
onde S é a soma dos números quânticos de spin, L é a resultante dos momentos
angulares orbitais de todos os elétrons do composto e µB é o magnéton de Bohr.
Para muitos metais da 1ª série de transição, os campos elétricos dos átomos
vizinhos, presentes no material, “anulam” a contribuição orbital, e o momento
magnético observado poderá ser considerado função apenas do número de elétrons
desemparelhados. Esta aproximação, que está em boa concordância com os dados
experimentais, fornece a relação entre o momento magnético e o número de elétrons
desemparelhados, n:
( )
√ (
)
esta fórmula mostra que, para o tipo de compostos considerado, a determinação do
momento magnético, com a balança de Gouy, permite encontrar o número de elétrons
desemparelhados, uma informação essencial para a caracterização da estrutura do
composto.
Para se chegar à fórmula anterior, foi feita a consideração de que o momento
orbital será anulado. Entretanto, sempre que for possível transformar um orbital em
outro equivalente (degenerado), por meio de uma rotação simples, o momento
angular orbital será diferente de zero. No caso dos 5 orbitais d, mostrados abaixo, os
três orbitais chamados t2g, dxy, dxz e dyz, podem ser transformados uns nos outros por
rotações de 90o, mas o mesmo não ocorre com os dois orbitais chamados eg, dx2-y2 e dz2,
que têm formatos diferentes.
Figura 3: representação dos cinco orbitais d - acima os três orbitais t2g e, abaixo, os
dois orbitais eg 1
Devido à presença de elétrons nestes orbitais, o movimento orbital não é
impedido ou suprimido nos elementos da 2ª e da 3ª séries de transição e,
6
particularmente, nos lantanídios, onde há elétrons desemparelhados ocupando orbitais
4f, de modo que as contribuições orbitais, L, devem ser consideradas.
Em alguns casos, ocorrerá o chamado acoplamento spin-órbita, ou
acoplamento Russel-Saunders, quando as contribuições de spin, S, e orbital, L, se
acoplam, dando origem a um novo número quântico, J.
O acoplamento Russel-Saunders desdobra os níveis eletrônicos degenerados
de menor energia (quebra a degenerescência dos níveis), formando vários níveis de
energia diferentes. A agitação térmica pode promover os elétrons entre estes níveis,
de modo que o momento magnético passa a ser dependente da temperatura.
Seja χ a suscetibilidade magnética de certo composto no qual ocorre
acoplamento spin-órbita. A dependência de χ com a temperatura é descrita pela Lei de
Curie:
(
)
onde C é uma constante característica de cada substância, chamada constante de Curie,
e T é a temperatura absoluta. Muitos materiais sofrem um pequeno desvio em relação a
este comportamento, obedecendo à chamada Lei de Curie – Weiss:
(
)
onde θ é a chamada constante de Weiss, cujo valor é empírico, e os demais
parâmetros têm o mesmo significado que na Lei de Curie.
Conclui-se, portanto, que o campo magnético externo tende a alinhar os
momentos dos átomos e íons paramagnéticos, mas, quando vigem as leis acima, a
agitação térmica tende a torna-los aleatoriamente desordenados, ao reduzir as
respectivas suscetibilidades magnéticas.
Por fim, o paramagnetismo poderá ser verificado na balança de Gouy, e uma boa
teoria atômica deve ser capaz de explicá-lo. O fato de ser detectado, experimentalmente,
o paramagnetismo do gás oxigênio, que de acordo com a Teoria da Ligação de Valência
não deveria ter elétrons desemparelhados, sendo, portanto, diamagnético, conferiu
crédito à Teoria do Orbital Molecular, que fornece uma explicação bastante satisfatória
e elegante para este fenômeno.
3.3 – Materiais ferromagnéticos
O ferromagnetismo pode ser considerado um caso particular de paramagnetismo,
que ocorre quando os momentos magnéticos de átomos individuais se alinham e
apontam todos na mesma direção, em rigoroso paralelismo, provocando um
aumento muito grande da suscetibilidade magnética.
O fenômeno é, portanto, uma consequência da interação de um íon com seus
vizinhos. O acoplamento ferromagnético dos spins, também determinado acoplamento
de troca, é um efeito puramente quântico, sem analogia com a física clássica, e, para
determinado intervalo de temperaturas, característico de cada substância, mais intenso
que o efeito de desordem dos elétrons provocado pela agitação térmica.
O uso deste tipo de material em eletroímãs permite a obtenção de campos
magnéticos bem mais intensos que os que seriam obtidos com a simples passagem de
corrente por um fio, devido ao reforço ao campo provocado pelo acoplamento de troca.
Um cristal ferromagnético, em seu estado normal, não magnetizado, é
constituído de domínios magnéticos, também chamados domínios de Weiss. Dentro
7
de cada domínio, o alinhamento dos dipolos magnéticos é essencialmente perfeito,
mas a orientação de cada domínio é aleatória, de modo que, para o cristal como
um todo, os efeitos magnéticos se anulam.
Uma representação tridimensional dos domínios de Weiss para um filme de
alumínio é mostrada abaixo. A imagem foi obtida em 2011 por uma equipe de
pesquisadores do Instituto Helmholtz, de Berlim, na Alemanha, e cada cor da figura
representa diferentes inclinações dos campos magnéticos, ou seja, os diferentes
domínios magnéticos. Para obter esta imagem, os pesquisadores desenvolveram uma
técnica que consiste em bombardear o material com feixes de nêutrons: como a direção
do campo magnético muda entre os diferentes domínios, os nêutrons têm sua rota
ligeiramente alterada ao passar pela fronteira entre eles. Contudo, os nêutrons se
espalham em todas as direções, de modo que os pesquisadores tiveram que obter
diversas “imagens de nêutrons”, rotacionando a amostra a cada disparo de feixe. A
combinação de todos os dados obtidos permitiu, então, obter esta imagem:
Figura 4: imagem tridimensional dos domínios de Weiss, para um filme de alumínio9
Em muitos casos, a amostra de um dado material, como um pedaço de um metal,
não será cristalina, mais será constituída por um conjunto de cristais, razão porque tais
materiais são denominados sólidos policristalinos. Cada cristal terá seu conjunto de
domínios magnéticos, dispostos de forma aleatória.
Caso seja aplicado um campo magnético, o acoplamento de troca fará com que o
campo aumente consideravelmente, até um limite, quando todos os domínios estiverem
alinhados com o campo. Entretanto, ao se abaixar gradualmente a intensidade do
campo, ocorre um fenômeno conhecido como histerese magnética: os domínios não
retornam à sua configuração original, conservando uma espécie de “memória” do
crescimento do campo magnético, quando o campo externo foi aplicado, já que o
movimento das fronteiras dos domínios e reorientações de suas direções não são
totalmente reversíveis. Desta forma, o material pode conservar certo grau de
magnetização, tornando-se um ímã permanente, fenômeno comum para Fe, Co e
8
Ni. O fenômeno da histerese é fundamental para o armazenamento de informações nos
discos rígidos dos computadores.
Diversos metais de transição e seus compostos apresentam comportamento
ferromagnético.
3.4 – Materiais antiferromagnéticos
Caso o emparelhamento dos momentos magnéticos de átomos adjacentes,
ao se aplicar um campo magnético externo, se dê em sentidos opostos, o momento
magnético resultante do material será inferior ao esperado para o conjunto de íons
independentes. Este fenômeno caracteriza o acoplamento antiferromagnético.
Dito de outra forma, a interação entre os íons vizinhos, paramagnéticos,
favorece uma orientação antiparalela dos momentos, provocando uma anulação parcial
deles e diminuição da suscetibilidade magnética. Ou seja, caso fossem tomados,
individualmente, todos os íons do material, a soma dos efeitos paramagnéticos de
intensificar o campo externo seria maior que o efeito visualizado para o material como
um todo.
O acoplamento antiferromagnético se efetua por intermédio dos ânions que
ficam entre os átomos metálicos do cristal, ocorrendo frequentemente com os sais
simples de íons como Fe3+, Mn2+ e Gd3+, cujos momentos magnéticos intrínsecos são
grandes. Abaixo, é mostrada a estrutura cristalina do MnO, bem como a orientação
antiparalela dos momentos magnéticos. Estes dados foram obtidos por meio de um
experimento de difração de nêutrons.
Figura 5: acoplamento antiferromagnético no cristal de MnO11
9
3.4.1 – Aspectos comuns ao ferromagnetismo e antiferromagnetismo
Tanto o ferromagnetismo quanto o antiferromagnetismo são casos especiais de
paramagnetismo da matéria. Entretanto, como eles dependem da orientação entre os
momentos magnéticos vizinhos, seja no sentido de reforçar uns aos outros
(ferromagnetismo) ou de se cancelarem mutuamente (antiferromagnetismo), estas
formas de magnetismo da matéria desaparecem em soluções diluídas dos cristais.
Ambos só podem ocorrer em substâncias em que os átomos ou íons estejam
suficientemente próximos para se influenciarem fortemente através das
orientações dos respectivos momentos magnéticos.
Os dois tipos de comportamento provocam o afastamento em relação à Lei de
Curie, que diz respeito à dependência da suscetibilidade magnética em relação à
temperatura absoluta, quando há ocorrência de acoplamento spin-órbita, comum nestes
compostos.
A suscetibilidade magnética de tais compostos obedece à Lei de Curie (ou
Curie-Weiss) até uma temperatura característica de cada material – a temperatura
Curie, Tc – quando a dependência entre a suscetibilidade e a temperatura muda
bruscamente.
Nos materiais ferromagnéticos, acima da temperatura Curie, o acoplamento de
troca desaparece, o material se torna, simplesmente, paramagnético, e a suscetibilidade
aumenta de forma diferente da prevista pela Lei de Curie. Como exemplo, para o Fe, Tc
= 770oC. Já nos materiais antiferromagnéticos, acima da temperatura Curie, a
suscetibilidade diminui de forma diferente da prevista.
A temperatura Curie é aquela em que o efeito de agitação cinética, que
tende a tornar aleatórias as orientações dos spins, começa a prevalecer sobre as
interações de acoplamento ferromagnético e antiferromagnético.
3.5 – Materiais superferromagnéticos
O estudo das nanopartículas coloidais, cujo grau de profundidade teórica foge ao
escopo deste texto, levou à descoberta dos materiais superferromagnéticos. Nestes
materiais, as nanopartículas (consideradas entidades superparamagnéticas)
funcionam como domínios de Weiss nanométricos, de modo que a aplicação de um
campo magnético, ao alinhar estes microscópicos domínios, leva à obtenção de um
material cujas propriedades magnéticas são extremamente intensas. Nanopartículas
com dimensões de 10 nm podem ter um momento magnético muito elevado, da ordem
de 10000 magnétons de Bohr.
Na imagem abaixo, é mostrado um sistema de nanopartículas coloidais, e
destacado o momento magnético de cada partícula, bem como eles podem se alinhar:
Figura 6: nanopartículas coloidais que constituem um material superferromagnético15
10
O estudo das nanopartículas coloidais ferromagnéticas e antiferromagnéticas é
bastante recente, de modo que nem todos os fenômenos foram bem detalhados. Além
disso, como já dito, exige um grau de aprofundamento teórico e matemático
extremamente elevado.
4 – Introdução aos metais de transição
Já foram observadas algumas propriedades dos metais de transição, como a
presença de elétrons nos orbitais d, o paramagnetismo comum entre eles, bem como a
ocorrência de acoplamento spin-órbita, em muitos deles, que leva à dependência entre o
paramagnetismo e a temperatura a que o material está submetido.
Estes metais são assim denominados por possuírem propriedades intermediárias
entre as dos elementos metálicos altamente reativos do bloco s, que tendem a formar
compostos iônicos, e os elementos do bloco p, com tendência mais acentuada à
covalência. Uma característica essencial destes elementos, conforme já afirmado, é o
fato de possuírem o nível d parcialmente preenchido. Assim, os elementos do grupo
12, Zn, Cd e Hg, com o nível d totalmente preenchido (configuração d10)
apresentam certas propriedades que os diferenciam dos demais. O nível d também
está completo nas configurações de Cu, Pd, Ag e Au, quando estes estão na forma
atômica isolada (estado fundamental). Contudo, fora do estado fundamental, como é
o caso de seus íons, estes últimos apresentam elétrons desemparelhados, se
comportando como elementos de transição típicos.
Os metais de transição possuem a característica notável de existirem em diversos
estados de oxidação, que costumam variar de uma em uma unidade, como Fe3+ e Fe2+,
Cu2+ e Cu+, Hg2+ e Hg22+.
Estes elementos possuem orbitais vazios de baixa energia, capazes de
receber pares de elétrons isolados doados por outros grupos de ligantes, levando à
formação dos chamados complexos, íons ou moléculas que existem como entidades
que mantém sua identidade estrutural e suas propriedades químicas, mesmo em solução,
formados pela associação de pelo menos um átomo metálico com certo número de
ligantes, que podem ser íons ou moléculas neutras.
À medida que se avança em um período, os elétrons vão sendo “adicionados”
aos orbitais d, vazios ou semipreenchidos. Como elétrons em um mesmo subnível
blindam de forma ineficiente uns aos outros, e elétrons f blindam menos eficientemente
que elétrons d, que exercem uma blindagem menos eficiente que a dos elétrons p, que
por sua vez blindam menos que os elétrons s (diz-se que a penetração dos orbitais s, é
a maior que a dos orbitais p, seguida por d e f, ou seja, os orbitais s têm maior
probabilidade de ser encontrados a uma menor distância do núcleo), os elétrons nos
metais de transição blindam de forma incompleta a carga nuclear, fazendo com que a
carga nuclear efetiva aumente, ao longo do período, o que provoca a contração dos raios
atômicos; soma-se a isto o fato de que os elétrons acomodados em orbitais d não estão
no nível energético mais externo (de maior número quântico principal).
Entre o lantânio e o háfnio, encontram-se os 14 elementos da série dos
lantanídios, onde os elétrons são acomodados no subnível 4f. Como a blindagem de um
elétron f sobre outro f, como já visto, é muito pouco eficaz, à medida que o número
atômico aumenta, nesta série, a carga efetiva do núcleo sobre os elétrons 4f aumenta,
provocando uma sucessiva diminuição do raio atômico entre o La e o Lu. Estas
sucessivas diminuições constituem o fenômeno conhecido como contração lantanídica
ou contração dos lantanídios. A contração lantanídica anula quase que exatamente
11
o aumento normal de tamanho que deveria ocorrer ao se percorrer um grupo de
elementos de transição, e os raios dos elementos, em um mesmo grupo, são
menores que o previsto pelo aumento de número atômico. O efeito é tão marcante
que o Zr4+ e o Hf4+, apesar da diferença de número atômico (40 e 72, respectivamente),
têm raios iônicos quase idênticos.
Os primeiros lantanídios só foram isolados, em compostos com alto teor de
pureza, em 1940, com auxílio das técnicas de troca-iônica. O grau de penetração dos
orbitais 4f, nos átomos e íons de lantanídios, é bastante elevado, e os elétrons estão, em
boa parte, “protegidos” das interações com as vizinhanças pelas camadas 5s e 5p, mais
externas, de modo que tais interações têm relativamente pouca importância química. Por
este motivo, a química dos lantanídios é muito homogênea, contrapondo-se às
variações episódicas e irregulares que ocorrem nas propriedades químicas ao
longo das séries dos elementos de transição.
Devido aos raios atômicos e iônicos menores, causados pela blindagem
ineficiente dos elétrons d e f, os elementos de transição estão entre os mais densos,
sendo que, dos elementos conhecidos, os mais densos são o ósmio (22,57 g/cm3) e o
irídio (22,61 g/cm3). Além disso, seus pontos de fusão e ebulição são bem mais
elevados que os dos metais alcalinos e alcalino-terrosos, exceto para o Zn (PF = 420oC),
Cd (PF = 321oC) e Hg (PF = -38oC). Esta diferença é reflexo do nível d
completamente preenchido, sugerindo que os elétrons d possuem uma importante
participação na ligação metálica. Outro reflexo deste conjunto de características é a
dureza acentuada destes elementos e as boas conduções térmicas e elétricas observadas.
Apesar de, em geral, ser relativamente bons redutores, em condições de
equilíbrio, a velocidade com que muitos metais de transição reagem com agentes
oxidantes costuma ser muito baixa. Isto ocorre porque muitos metais são protegidos
por uma fina camada, impermeável, de óxidos inertes (camada apassivadora). O Cr
representa o melhor exemplo deste fenômeno, sendo possível utilizá-lo como metal
protetor não oxidável, pois fica recoberto por uma camada de um óxido muito pouco
reativo, Cr2O3.
Os metais do grupo da Pt (Ru, Rh, Pd, Os, Ir, Pt), a Ag e o Au possuem um
caráter “nobre” bastante pronunciado, apresentando baixos potenciais de eletrodo
padrão e sendo bastante inertes. O caráter nobre também se traduz em um
retículo metálico de estabilidade relativamente grande. Como exemplo, para oxidar
o Au e a Pt, é necessária uma mistura de ácido nítrico e ácido clorídrico concentrados,
em proporção molar 1:3, a chamada água régia, que leva à formação dos ânions
complexos [PtCl6]2-, hexacloroplatinato(IV), e [AuCl4]-, tetracloroaurato(III), ambos
estáveis em meio aquoso. Porém, esta técnica não permite a oxidação da prata metálica,
pois leva à formação de AgCl, insolúvel, que recobre o metal e impede a continuidade
da reação.
Devido ao caráter de transição e ao efeito de polarizabilidade, o caráter iônico
dos compostos de metais de transição pode ser reduzido, e eles são menos
eletropositivos que os metais alcalinos e alcalino-terrosos de mesmo período. Isto
dependerá do estado de oxidação que o metal tiver no composto, sendo que, à medida
que aumenta o estado de oxidação do metal, aumenta o caráter covalente.
Como será introduzido a seguir, na breve introdução à Teoria do Campo
Cristalino, muitos compostos iônicos e covalentes dos metais de transição são coloridos,
efeito relacionado à absorção de luz na região do visível, que faz com que o composto
tenha cor complementar à absorvida. Os compostos formados com elementos dos
blocos s e p, ao contrário, são invariavelmente brancos. Mais uma vez, a camada
eletrônica completa faz com que os compostos de Zn, Cd e Hg, formem soluções
12
incolores ou compostos brancos, quando combinados com elementos do bloco p, o
que os diferencia dos elementos de transição e os aproxima dos outros metais.
O poder polarizante dos metais de transição, favorecido por estados de
oxidação elevados e baixo raio atômico e iônico, permite a eles formar compostos
de cores que não seriam esperadas. Os orbitais 3d, 4d e 5d salientam-se
nitidamente na periferia dos átomos e íons, de modo que os elétrons que os ocupam
são muito influenciados pelo número e disposição das espécies nas vizinhanças,
podendo também influenciá-las de forma significativa. Note, por exemplo, que os
íons Cl-, Br-, I-, Na+ e Ag+ são tipicamente incolores, e o sólido AgCl é branco, AgBr é
amarelo pálido e AgI é amarelo. À medida que aumenta o raio atômico do halogênio,
sua nuvem eletrônica se expande, de modo que o elemento se torna mais
polarizável, quando se percorre o grupo de cima para baixo. A polarização que o
cátion Ag+ exerce sobre o ânion torna-se, portanto, cada vez mais acentuada,
distorcendo a nuvem eletrônica e aumentando o caráter covalente da ligação, no
composto iônico. Este fato origina a cor, que cresce junto à covalência da ligação.
Um fato notável, do ponto de vista da estrutura eletrônica, é observado a partir
do 7º período: enquanto que a entrada de elétrons em orbitais 4f é bem mais favorável,
do ponto de vista energético, que a entrada dos mesmos nos orbitais 5d, a diferença de
energia entre os orbitais 5f e 6d não é muito grande, a não ser no fim dos períodos.
Assim, nos elementos que sucedem o Ac, podem existir elétrons nos orbitais 5f, 6d,
ou em ambos, não havendo a ordem rígida de preenchimento sugerida pelo
diagrama de Pauling. Aparentemente, após a adição de 4 ou 5 elétrons à configuração
eletrônica do Ac, os orbitais 5f passam a ser mais estáveis, e os elementos, a partir do
amerício, têm um comportamento químico moderadamente homogêneo e parecido.
Assim, o comportamento químico pouco homogêneo, na série dos actinídios, é
intermediário entre o comportamento dos lantanídios e o dos outros metais de transição:
os orbitais 5f não estão tão expostos quanto os orbitais d, mas não estão tão protegidos
quanto os 4f.
Por fim, mais um exemplo de que é falso o aspecto determinístico no
preenchimento do diagrama de Pauling, não havendo um esquema rígido de energias
orbitais que se aplique a todos os átomos e íons, é o fato de que, nos íons de metais de
transição em fase gasosa, os orbitais 4s estão vazios, tendo uma energia mais elevada
que a dos orbitais 3d, ao contrário do que prevê o diagrama.
5 – Introdução à Teoria do Campo Cristalino
Conforme já dito, um bom modelo teórico deve ser capaz de descrever as
propriedades mais notáveis do seu objeto de estudo; o modelo atômico de Dalton, por
exemplo, tornou-se insustentável quando se descobriu que a carga elétrica era uma
propriedade intrínseca da matéria, havendo uma partícula, o elétron, cuja existência ele
não previa nem explicava. Da mesma forma, a teoria da ligação de valência, apesar de
fornecer subsídios para explicações magnetoquímicas, mostrou-se incapaz de descrever
uma propriedade notável dos íons da maioria dos metais de transição, quando em
solução: suas cores, muitas vezes bastante intensas, e na explicação deste fenômeno,
consiste um dos maiores méritos do modelo do campo cristalino. Para compreender o
modelo do campo cristalino, primeiro devemos entender o que é o complexo de
coordenação, seu principal objeto de estudo.
13
5.1 – Os complexos de coordenação
Um complexo de coordenação é formado quando dois compostos são colocados
em contato, constituindo uma espécie distinta, que mantém sua identidade em solução,
sendo que, para que um composto seja considerado estável, ele deve subsistir à
temperatura ambiente, não ser oxidado pelo ar, não ser hidrolisado pelo vapor de
água e nem sofrer reações de desproporcionamento ou decomposição, nas
condições a que estiver naturalmente submetido.
A química dos íons metálicos em solução é, essencialmente, a química de seus
complexos de coordenação, sendo que os íons dos metais de transição formam muitos
complexos estáveis, e o Co é o elemento capaz de formar mais complexos diferentes (o
único elemento químico que forma mais compostos que o cobalto é o carbono, presente
em todos os compostos orgânicos).
Em geral, encontra-se uma correlação entre a densidade de carga de um íon
metálico e sua capacidade de formar íons complexos: cátions de elevada carga e
pequeno tamanho (alta densidade de carga) – cátions de elevado poder polarizante
– tais como os íons +2 e +3 dos metais de transição, são capazes de formar um
elevado número de complexos estáveis. Por outro lado, os íons metálicos
relativamente grandes e de baixa carga, como os dos metais alcalinos, formam um
número bem pequeno de complexos10. Os complexos são, em geral, mais estáveis
para o metal em seu mais elevado grau de oxidação.
Os cátions metálicos podem estar envolvidos por ânions ou por moléculas
neutras, chamados de ligantes. A carga elétrica do complexo será a soma da carga do
metal central com a carga dos ligantes; complexos como [Pt(NH3)Cl2] e
[Zn(H2O)2(OH)2], de carga nula, devido ao cancelamento da carga do metal pelas cargas
dos ligantes (Pt e Zn possuem cargas +2, NH3 e H2O são moléculas neutras, e Cl e OH
representam ânions de carga -1), são chamados complexos neutros, e são
praticamente insolúveis em água. Faz-se necessário ressaltar, mais uma vez, que o
complexo existe como uma entidade independente, e não se dissociará nos íons ou
moléculas que o constituem, quando em solução. Desta forma, a condutividade será
necessariamente menor que caso os íons estivessem em espécies independentes, e não
ocorrerão as reações de precipitação típicas de cada espécie iônica.
A possibilidade coordenativa decorre, em especial, da presença de orbitais
vazios nos átomos metálicos, que são, portanto, ácidos de Lewis. Assim, um dos
fatores mais importantes para determinar a capacidade coordenativa de um
ligante é sua basicidade de Lewis, ou seja, sua capacidade em doar um par de
elétrons que esteja disponível em sua estrutura.
As espécies que circundam com maior proximidade o átomo central
constituem a primeira esfera de coordenação, ou esfera de coordenação interna. O
número de espécies na primeira esfera de coordenação é chamado número de
coordenação. Um ligante pode ocupar uma ou mais posições na esfera de coordenação.
Caso ele ocupe apenas uma, será chamado ligante monodentado, e, exemplos deste tipo
de ligante são os já citados NH3, H2O, Cl e OH. Caso o ligante ocupe duas posições,
será chamado bidentado, se ocupar três, tridentado, e assim sucessivamente.
Quando o composto se coordena em mais de uma posição do átomo central,
forma uma estrutura cíclica, denominada quelato (do grego, chelos, caranguejo – o
quelato “agarra” o metal central, como se fosse a pinça de um caranguejo). Os quelatos
são mais estáveis que os complexos com ligantes monodentado, pois a dissociação deste
tipo de composto implica a dissociação de mais de uma ligação. Esta estabilidade será
ainda maior caso o ligante quelato contenha um sistema de ligações duplas e simples
14
alternadas, havendo deslocalização da densidade eletrônica, em um efeito ressonante
(exemplos de ligantes deste tipo são a 2,2-bipiridina, a o-fenantrolina e o ânion do
aldeído salicílico).
Um exemplo de ligante hexadentado é o íon etilenodiaminotetraacetato, EDTA4-.
Ele é capaz de se enrolar ao redor de um íon metálico, preenchendo seis posições da
esfera de coordenação interna, onde átomos de oxigênio e nitrogênio ocupam os vértices
de um octaedro que tem o átomo metálico no centro. Sais deste ânion são
frequentemente adicionados a molhos para saladas, com a finalidade de capturar traços
de íons metálicos livres, capazes de atuar como catalisadores para a oxidação dos óleos.
Além disso, os íons EDTA4- podem remover depósitos de CaCO3 e MgCO3, formados
devido à passagem de água dura, pois se coordenam com os íons Ca2+ e Mg2+, que
provocam a dureza da água, formando complexos solúveis4. Abaixo está uma imagem
do ânion complexo [Fe(EDTA)]-, mostrando como o EDTA se “enrola” em torno do íon
Fe3+:
Figura 7: estrutura do ânion complexo [Fe(EDTA)]-
14
O meio em que o complexo é formado é determinante para a sua estabilidade.
Um exemplo disso são os íons de metais de transição que necessitam de um meio
fortemente básico para formar complexos estáveis.
Em um meio neutro ou fracamente alcalino, a adição de hidróxido de sódio a
uma solução contendo cátions Al3+ leva à formação do Al(OH)3, que, por ser insolúvel,
sofre precipitação. Entretanto, se mais hidróxido de sódio é adicionado, ocorre a
seguinte reação, com formação de complexo estável e solúvel em meio alcalino, e o
precipitado é dissolvido:
( ) ( )
( )→[ ( ) ] ( )
Outras reações análogas que ocorrem, na presença de base forte, com dissolução de
hidróxidos insolúveis, são:
( ) ( )
( )→[ ( ) ] ( )
( ) ( )
( )→[ ( ) ] ( )
Compostos como estes, capazes de reagir tanto com ácidos (por serem bases) quanto
com outras bases, são chamados compostos anfóteros. Como se pode ver, o caráter
anfótero é decorrência da possibilidade de formação de um complexo de coordenação
solúvel e estável.
15
É possível, agora, explicar os postulados da teoria do campo cristalino, focando
nos casos dos complexos octaédricos (número de coordenação igual a 6) e dos
complexos tetraédricos (número de coordenação igual a 4). Outra geometria bastante
comum, mas sobre a qual não nos estenderemos, é a quadrado-planar. Diversas
geometrias e números de coordenação são possíveis, não havendo um método, como a
teoria do VSPER, que permita deduzi-la, sendo necessários diversos experimentos,
como os de determinação magnetoquímica e a difração de raios X. Os números de
coordenação mais comuns são o 4 e o 6.
5.2 – O modelo do Campo Cristalino
O modelo do campo cristalino, proposto por Bethe e van Vleck, considera que a
atração entre o metal central e os ligantes do complexo é de natureza puramente
eletrostática, de modo que as ligações no complexo podem ser consideradas como
sendo devido à atração entre os íons positivos e os negativos. Assim, o metal de
transição é considerado como sendo um íon positivo com carga igual ao seu estado de
oxidação, rodeado por ligantes negativamente carregados ou moléculas neutras que
possuam pares de elétrons livres. No caso de moléculas neutras, a extremidade
negativa do dipolo elétrico da molécula se aproximará do íon metálico.
No átomo central, os elétrons estão sob a ação de forças repulsivas provocadas
pelos elétrons dos ligantes e, por isso, eles ocupam os orbitais d, que se encontram o
mais afastado possível da direção de aproximação dos ligantes.
São feitas as seguintes suposições:
 Os ligantes são tratados como cargas pontuais: eles não fornecem elétrons aos
orbitais do átomo central; seu efeito é apenas uma mudança relativa das energias
desses orbitais através de interações eletrostáticas;
 Não há interação entre os orbitais do metal e dos ligantes;
 Todos os cinco orbitais d do metal, no íon gasoso livre e isolado, têm a
mesma energia, isto é, são degenerados. Nas situações reais, contudo, o íon
está rodeado por moléculas de solvente, se estiver em solução (onde, como visto,
a constante dielétrica terá um papel decisivo nos parâmetros de atração e
repulsão eletrostática), por outros ligantes, se fizer parte de um complexo, ou por
outros íons, caso faça parte de um retículo cristalino. A repulsão dos elétrons
metálicos pelos elétrons externos altera a energia de alguns orbitais d mais
do que de outros, de modo que eles não serão mais degenerados.
Assim, a teoria do campo cristalino se propõe a determinar, através de considerações
eletrostáticas simples, as alterações de energia dos orbitais dos íons metálicos pelos
átomos ou ligantes das suas vizinhanças. Esta teoria é um modelo, e não uma
descrição realista das forças que realmente atuam entre átomos e íons.
Se pensarmos que as ligações são primariamente eletrostáticas, é difícil explicar
porque certas moléculas com momentos dipolares muito pequenos, como o CO, podem
ser agentes de coordenação bastante efetivos. Além disso, despreza o fato de o íon
metálico do metal de transição ter, muitas vezes, um enorme poder polarizante sobre os
ligantes, e estes possuírem, em diversos casos, uma nuvem eletrônica bastante
polarizável. Para explicar estas situações, a teoria precisa ser modificada de modo a
conter os efeitos de contribuição covalente. São possíveis três tipos de interações:
interação σ, interação π e interação dπ-pπ, também chamada retrodoação. Esta última
decorre da interação π de orbitais d preenchidos do metal com orbitais p vazios dos
ligantes, e têm uma enorme importância nas propriedades catalíticas dos compostos
16
organometálicos, por exemplo, na síntese do polietileno utilizando o famoso catalisador
de Ziegler-Natta. A teoria do campo cristalino modificada de modo a incluir os efeitos
de covalência é denominada teoria do campo ligante.
Tanto a teoria do campo cristalino quanto a teoria do campo ligante são bastante
simples, tendo êxito na explicação dos espectros eletrônicos e das propriedades
magnéticas dos metais de transição. Elas são mais eficientes quando existe elevada
simetria no cristal e principalmente nos elementos da série 3d. Utilizaremos, a
seguir, este modelo para prever a ordem de energia dos orbitais d para os complexos
octaédricos e tetraédricos.
Na configuração de cargas, os elétrons não são equivalentes, pois alguns ocupam
regiões do espaço mais próximas dos íons negativos do que outros, e o elétron
“preferirá” ocupar orbitais que estiverem mais longe das cargas negativas.
Considere um complexo octaédrico, e imagine um sistema de eixos cartesianos
tais que o metal central está na origem desse sistema e cada diagonal do octaedro que
passa pelo seu centro corresponde a um dos três eixos coordenados, x, y e z. Agora é
importante ter em mente as imagens dos orbitais d, inclusas na Figura 3.
Dois orbitais se situam exatamente sobre os eixos cartesianos; são os orbitais eg,
2 2
dx -y e dz2. Três orbitais se encontram sobre as bissetrizes dos eixos, quando tomados
dois a dois; são os orbitais t2g, dxy, dxz e dyz. Sendo assim, os ligantes em um complexo
octaédrico se situam na mesma direção dos orbitais eg, de modo que os elétrons
localizados nestes orbitais sofrerão maior repulsão eletrostática e terão associados a si,
portanto, maior energia potencial que os orbitais t2g. Como estes três são perfeitamente
simétricos em relação aos ligantes, também possuem, associada a si, a mesma energia.
Desta forma, os orbitais d não serão mais degenerados, havendo um nível de maior
energia, constituído pelos orbitais eg, e um nível de menor energia, constituído pelos
orbitais t2g. À diferença de energia entre estes dois níveis dá-se o nome de
desdobramento do campo cristalino, representado, para os compostos octaédricos,
por ∆o ou 10Dq. A magnitude do desdobramento depende da natureza dos ligantes,
da carga do íon metálico e do número de coordenação. Ligantes que provocam
apenas um pequeno grau de desdobramento do campo cristalino são denominados
ligantes de campo fraco, enquanto que ligantes que provocam um elevado grau são
denominados ligantes de campo forte. Quanto mais forte for o campo de um ligante,
mais facilmente ele substituirá outros, no complexo, e mais difícil será substituí-lo.
Considerando que as forças sejam de natureza puramente eletrostática e que os
níveis desdobrados estejam energeticamente afastados de todos os outros conjuntos com
que possam interagir, então o desdobramento não deve alterar a energia total do sistema.
Em um diagrama de energia, os orbitais eg estarão acima do nível energético dos
orbitais d degenerados, e os orbitais t2g estarão abaixo. Deste modo, o aumento de
energia relacionado a um conjunto de orbitais deve ser igual ao abaixamento
relacionado ao outro. Portanto, o aumento de energia devido aos 4 elétrons em
orbitais eg deve ser igual à diminuição de energia provocada pelos 6 elétrons nos
orbitais t2g. Assim, o aumento de energia dos orbitais eg é 6/4 da diminuição de energia
dos orbitais t2g, o que é equivalente à razão (3/5):(2/5). Deste modo, o nível de energia
dos orbitais eg é (3/5)∆o acima da energia dos orbitais d degenerados, e a energia
dos orbitais t2g é (2/5)∆o abaixo deles. É mostrado, abaixo, um diagrama de energia
que evidencia o desdobramento do campo cristalino para um complexo octaédrico:
17
Figura 8: desdobramento do campo cristalino para um complexo octaédrico8
Já nos complexos tetraédricos, o átomo é situado no centro de um cubo, sendo
que seus ligantes estão situados em 4 vértices deste cubo, e as direções x, y e z, para
onde apontam os orbitais eg, apontam para os centros das faces. A direção de
aproximação dos ligantes, portanto, não coincide com a de nenhum orbital d, mas os
orbitais t2g estão situados mais próximos aos ligantes que os orbitais eg. Isto inverte a
ordem de energia dos orbitais, em relação ao que ocorre no complexo octaédrico.
Chamando ∆t ou 10Dq o desdobramento do campo cristalino em um complexo
tetraédrico, e tomando um raciocínio análogo ao feito anteriormente, conclui-se que o
nível de energia dos orbitais t2g é (2/5)∆t acima da energia dos orbitais d
degenerados, e a energia dos orbitais eg é (3/5)∆t abaixo deles.
Quando as distâncias cátion-ânion são iguais, e os cátions e ânions são os
mesmos em um complexo tetraédrico e um complexo octaédrico, pode-se mostrar que:
ou seja, o desdobramento do campo tetraédrico tem aproximadamente metade da
intensidade do desdobramento do campo octaédrico. Abaixo, é mostrado um diagrama
de energia dos orbitais que evidencia a relação entre o desdobramento tetraédrico e o
desdobramento octaédrico:
Figura 9: diagrama de energia evidenciando a relação entre o desdobramento do campo
cristalino para um complexo octaédrico e para um tetraédrico8
18
Como os orbitais d deixam de ter todos a mesma energia, a Regra de Hund,
pode, aparentemente, ser desobedecida, ou seja, não será necessário preencher primeiro
todos os orbitais d para depois emparelha-los. Dois elétrons emparelhados em um
único orbital estão restritos à mesma região do espaço, e, como eles são carregados
negativamente, há um aumento da repulsão quando eles são atribuídos a um
mesmo orbital. Este é um efeito desestabilizante, de aumento da energia potencial,
que tem o nome de energia de emparelhamento.
Assim, para íons com mais de três elétrons (para os complexos octaédricos), ou
acima de dois elétrons (para os complexos tetraédricos) em orbitais d, ou seja, quando o
nível mais baixo estiver já semipreenchido, os elétrons seguintes buscarão a situação
energeticamente mais favorável: emparelhar-se ou ser promovidos ao nível acima. Caso
a energia do desdobramento do campo seja mais elevada que a energia de
emparelhamento, os elétrons terão o emparelhamento como situação energeticamente
mais favorável, e não serão promovidos ao nível acima (eg no caso de complexos
octaédricos e t2g no caso de tetraédricos), de modo que o preenchimento será
equivalente ao que se esperaria da Regra de Hund. Caso contrário, será energeticamente
mais favorável os elétrons serem promovidos ao nível acima que emparelhar-se, de
modo que, aparentemente, a Regra de Hund terá sido desobedecida.
Desta forma, é possível uma distribuição eletrônica na qual exista um
máximo de elétrons desemparelhados, denominada configuração de spin alto, e
uma em que haja o máximo de elétrons emparelhados, denominada configuração
de spin baixo. Assim, um complexo de spin alto será paramagnético, ao contrário do
complexo de spin baixo, e a balança de Gouy pode ser usada para determinar esta
configuração.
De acordo com a teoria quântica, a toda energia E existe uma frequência
ondulatória, f, associada. As grandezas relacionam-se através da equação:
onde h é a constante de Planck. Além disso, a energia é quantizada, e emitida em
pacotes energéticos discretos, denominados fótons. Ou um fóton é emitido, ou um fóton
é absorvido, ou nada. Ocorre que, à energia do desdobramento do campo cristalino,
está associada uma frequência de radiação da luz visível. Assim, caso haja orbitais
vazios ou semipreenchidos, o complexo absorverá um fóton da luz correspondente
ao nível de energia do desdobramento do campo cristalino, promovendo um ou
mais elétrons, e transmitirá as frequências que não foram absorvidas. Assim, a cor
que enxergamos para um complexo é a complementar à cor cuja frequência está
associada à energia do desdobramento do campo cristalino. Percebe-se, assim, que a
teoria é realmente capaz de explicar a origem das cores.
Um fato importante a ser lembrado, então, é que os íons dos metais de transição
são coloridos em solução aquosa porque existem como cátions complexos cujos ligantes
são moléculas de água, havendo desdobramento do campo cristalino. Alguns exemplos
são:
( )
( )→[ (
) ] ( )
( )
( )
()→[ (
) ] ( )
( )
( )
( )→[ (
) ] ( )
( )
( )
( )→[ (
) ] ( )
( )
( )
( )→[ (
) ] ( )
( )
( )
( )→[ (
) ] ( )
( )
( )
( )→[ (
) ] ( )
( )
19
(
)
( )→[
(
) ] (
)
( )
Já os complexos de Zn, Cd e Hg, onde o nível d está completamente preenchido,
não permitem a promoção de elétrons por absorção de luz, já que, pelo Princípio da
Exclusão de Pauli, só pode haver, no máximo, dois elétrons por orbital. Por este motivo
estes íon são incolores em solução aquosa, mais um fato que os distingue dos outros
elementos de transição.
É possível obter intervalos de confiança, sem grande precisão, para o valor do
desdobramento do campo cristalino, utilizando tabelas como a que está abaixo, que
fornecem, para cada cor vista, a frequência correspondente à cor complementar, ou seja,
a que foi absorvida para que houvesse a promoção de elétrons. Aplicando a equação
acima, que afirma ser a energia diretamente proporcional à frequência, encontra-se o
intervalo no qual está contida a energia do desdobramento do campo cristalino.
Figura 10: tabela de frequências das radiações visíveis12
20
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Tradução da 5ª edição americana. São Paulo: Cengage Learning, 2009.
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