Introdução à magnetoquímica e aos metais de transição Por Marco César Prado Soares – Engenharia Química – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – 2013 1 – Objetivo Este material tem por objetivo introduzir conceitos fundamentais sobre o magnetismo da matéria, visto com relação à estrutura química, para alunos que desejam se aprofundar com vistas às Olimpíadas de Química e aos vestibulares de alto desempenho. Introduziremos conceitos que exigem um grau de abstração maior por parte do aluno, de modo que a leitura deve ser repetida até que se esteja familiarizado com as ideias. O estudo paralelo das teorias atômicas e moleculares é, sem dúvida, de grande auxílio. Antes desta leitura, é essencial que o estudante esteja familiarizado com a distribuição eletrônica dos elétrons no diagrama de orbitais atômicos e com a teoria da ligação de valência. 2 – Conceitos fundamentais Os conceitos listados abaixo são de grande importância para a compreensão deste material e para que o aluno possa compreender outros textos científicos sobre o assunto. HOMO (Highest Occuped Molecular Orbital): é o nível de energia mais alto, na distribuição eletrônica, a conter elétrons. LUMO (Lowest Unoccuped Molecular Orbital): é o mais baixo nível de energia contendo todos orbitais vazios. SUSCETIBILIDADE MAGNÉTICA: é uma medida da força exercida pelo campo magnético sobre a unidade de massa do corpo. Está relacionada ao número de elétrons desemparelhados por unidade de massa. FORÇA MAGNÉTICA: → → → Onde q é a carga, B o campo magnético e V a velocidade da carga. FORÇA ELÉTRICA (LEI DE COULOMB): → 1 Veremos que as propriedades magnéticas estão relacionadas à cor de um composto em solução. Neste contexto, é interessante compreender que uma propriedade essencial do solvente para a dissolução de um sólido iônico, que é sua constante dielétrica ε. Como visto acima, na lei de Coulomb, a força elétrica, que provoca atração entre os cátions e ânions do sólido, é inversamente proporcional à constante dielétrica, que está relacionada à polaridade do solvente. Um exemplo da influência deste parâmetro é que na água a força atrativa entre os íons é reduzida a apenas 1% do seu valor no vácuo, o que facilita a dissolução do solvente. O processo de solvatação de cátions simples nada mais é do que a formação de complexos de coordenação entre o cátion metálico e as moléculas de solvente; os terminais positivos dos dipolos das moléculas do solvente orientam-se em direção aos ânions, enquanto que os negativos orientam-se em direção aos cátions. A constante dielétrica de um solvente e sua capacidade de solvatação está correlacionada, tendendo a crescer continuamente, mas sem uma relação quantitativa, e quanto maior for a polaridade do solvente, maior será a tendência de sua constante dielétrica ser elevada, de modo que a dissolução do soluto será maior2. As propriedades magnéticas de um cátion metálico, em solução, é profundamente influenciada pela quantidade de moléculas de solvente que a ele se coordenam e pela força de atração entre as moléculas de solvente e do metal. BALANÇA DE GOUY: Permite medir, quantitativa e qualitativamente, a suscetibilidade magnética e o momento magnético de um material, que pode estar na forma de um longo bastão, em solução, ou pulverizado e empacotado dentro de um tubo de vidro6. Um esquema da Balança de Gouy, como projetada por seu inventor, é mostrado a seguir: Figura 1: esquema da Balança de Gouy original13 Uma balança analítica é modificada, sendo uma extremidade da balança colocada em um campo magnético uniforme e a outra em um campo nulo, ou muito fraco. A força magnética envolvida altera a leitura da balança, de modo que se obtém a força magnética que atua por unidade de massa (suscetibilidade magnética do material). 2 POLARIZABILIDADE: Capacidade de ter a nuvem eletrônica distorcida. O caráter polarizável aumenta para ânions maiores, de nuvem eletrônica mais “volumosa”, com a carga mais baixa, e, em contrapartida, o poder polarizante é maior para os cátions menores e de carga mais elevada, ou seja, de maior densidade eletrônica. Em um modelo de ligação iônica perfeita, os cátions e ânions são tratados como esferas rígidas, e a atração entre eles é puramente eletrostática. Entretanto, ao se aproximar do ânion, o cátion atrai a volumosa nuvem eletrônica em sua direção, provocando uma distorção no seu formato que faz com que os elétrons passem a se concentrar na região entre os dois íons (se forem íons simples, será a região entre os núcleos atômicos). Desta forma, cria-se uma atração covalente entre os íons, que tira o caráter puramente eletrostático. Assim, o efeito de polarizabilidade é, em essência, um efeito de covalência. Um exemplo notável deste efeito é a solubilidade do cloreto de lítio. O lítio é o mais polarizante dos metais alcalinos, por ter o menor dos raios atômicos e os seus sais tem um caráter covalente, provado pelo fato de o LiCl ser solúvel em etanol. Por fim, é importante ressaltar que as forças envolvidas em uma ligação covalente são da mesma ordem de magnitude que as forças envolvidas em uma ligação iônica. MAGNÉTON DE BOHR5 (µB): constante física essencial aos estudos do magnetismo, definida como: ( ) onde e = -1,602x10-19C é a carga elétrica do elétron, me = 9,11x10-31kg é a massa do elétron e h = 6,63x10-34 Js é a constante de Planck. Faremos, a seguir, um estudo do magnetismo da matéria, e, por fim, uma introdução à teoria do campo cristalino, focando os aspectos qualitativos, e tentando reduzir a profundidade teórica envolvida no estudo desta, da teoria do orbital molecular e da teoria das bandas. MOMENTO DE DIPOLO MAGNÉTICO: As propriedades magnéticas da matéria podem ser mais bem compreendidas se os materiais forem considerados um conjunto de átomos com momentos de dipolos magnéticos individuais. O dipolo magnético guarda uma estreita analogia com o dipolo elétrico. Para uma espira por onde circule uma corrente elétrica, o momento de dipolo magnético é o vetor cujo módulo seja o produto da corrente pela área da espira e cuja direção e sentido são iguais ao do campo magnético gerado pela espira, tendo unidade [J/T]. Na teoria quântica, o momento angular é medido em unidades de (h/2π) – de acordo com um dos postulados de Bohr, mvr = n(h/2π), onde mvr é o momento angular, análogo do momento linear para um movimento rotacional, e n é um número inteiro – e o magnéton de Bohr é o momento angular de um elétron que se moveria em uma órbita circular (um modelo obviamente idealizado) em torno do núcleo. Este elétron circulando pode ser considerado uma espira de corrente, na qual a corrente é igual à carga do elétron dividida pelo período para que ele complete cada órbita. 3 3 – Magnetismo da matéria O efeito magnético está intimamente associado à existência de carga elétrica em movimento: uma carga que se desloca é capaz de produzir um campo magnético, e uma carga que se mova na região de um campo magnético terá seu deslocamento afetado por ele. Todo elétron possui um momento de dipolo magnético intrínseco, cuja direção é determinada pelo número quântico de spin, ms. Se ms = -1/2, o momento aponta no sentido paralelo ao do campo magnético no eixo z, e, se ms = 1/2, o momento aponta no sentido contrário ao do campo. Em um campo magnético, o elétron busca a situação de menor energia, dada por ms = -1/2. Os elétrons emparelhados possuem energia magnética total nula. Nos compostos com elétrons desemparelhados, como os dos metais de transição, a energia térmica dos elétrons é bastante superior à diferença de energia dos estados que definem o número quântico de spin. Devido à agitação térmica, o número de elétrons no estado de menor energia (ms = -1/2) é apenas ligeiramente maior que o número de elétrons no estado de maior energia, já que a agitação térmica pode fornecer a energia necessária à promoção de um nível para o outro. É verificado que, quando uma amostra de uma molécula com elétrons desemparelhados é colocada em um campo magnético, a energia da amostra diminui, e um número maior de elétrons terá ms = -1/2. Caso a amostra possua apenas elétrons emparelhados, a energia sofrerá um pequeno aumento7. De acordo com suas propriedades magnéticas, um material pode ser classificado como diamagnético ou paramagnético. Também serão vistos, abaixo, algumas classificações especiais. 3.1 – Materiais diamagnéticos Materiais diamagnéticos são aqueles que possuem alguns, senão todos, os elétrons emparelhados (em camadas fechadas). Desta forma, esta é uma propriedade que todas as formas da matéria, mesmo as que contêm elétrons desemparelhados, possuem, em maior ou menor grau. Nas substâncias em que todos os elétrons estão emparelhados, o momento magnético é nulo, pois não há momento angular total, já que os momentos de spin e os momentos orbitais se anulam. Quando uma substância é colocada em uma região de campo magnético, as camadas fechadas são afetadas, sendo induzido um pequeno momento magnético que se opõe ao campo externo, de modo que a substância é repelida dos pontos de grande intensidade do campo. O campo magnético dentro da substância é menos intenso que fora dela, de modo que ela tende a repelir as linhas de forças magnéticas. Logo, a suscetibilidade magnética medida, com a balança de Gouy, é negativa. Sendo assim, a única resposta de uma substância que não tenha elétrons desemparelhados, será a resposta diamagnética, o afastamento da região de maior intensidade do campo. A imagem abaixo mostra um caso extremo de repulsão devido ao diamagnetismo: uma rã é submetida a um poderoso campo magnético, e a repulsão faz com que ela levite. 4 Figura 2: rã (corpo diamagnético) flutuando, devido à repulsão da região de maior intensidade de campo3 3.2 – Materiais paramagnéticos O paramagnetismo, em sua forma mais simples, ocorre para os materiais que possuam elétrons desemparelhados. O elétron desemparelhado origina um campo magnético, devido a seu spin e seu momento angular orbital, sendo o composto, a princípio, atraído pelo campo magnético externo. Todavia, qualquer substância conterá certo número de elétrons emparelhados, que provocarão um efeito diamagnético de intensidade bem mais baixa. Assim, o diamagnetismo cancela parcialmente o efeito paramagnético dos elétrons desemparelhados, e a suscetibilidade magnética medida é menor que a se esperaria, caso este efeito secundário não fosse considerado. Analisando por outro ponto de vista, dentro do material paramagnético, a intensidade do campo externo é aumentada, e é mais fácil para as linhas de forças magnéticas atravessarem um material paramagnético do que o vácuo, de modo que o material é capaz de atrair para si as linhas de força, o que provoca o seu deslocamento em direção às regiões de campo magnético mais intenso. Muitos compostos dos metais de transição são paramagnéticos, devido à presença de orbitais d que podem estar semipreenchidos. A medição do momento magnético, com a balança de Gouy, permite obter evidências sobre a presença de elétrons desemparelhados, sendo que, para a primeira série de transição, é possível obter o número deles, como será visto abaixo. No estudo dos complexos de coordenação, nos quais a degenerescência dos orbitais d é quebrada, estas informações são essenciais para deduzir a geometria e distribuição eletrônica do composto. 3.2.1 – Aspectos matemáticos do paramagnetismo Nesta seção serão apresentadas algumas equações do paramagnetismo, sem, contudo, as demonstrações. Várias delas podem ser encontradas no livro Fundamentos de Física – Volume 3- Eletromagnetismo- Halliday, Hesnick e Walker. A equação geral para os momentos magnéticos dos íons de metais da 1ª série de transição é: 5 ( ) √ ( ) ( ) onde S é a soma dos números quânticos de spin, L é a resultante dos momentos angulares orbitais de todos os elétrons do composto e µB é o magnéton de Bohr. Para muitos metais da 1ª série de transição, os campos elétricos dos átomos vizinhos, presentes no material, “anulam” a contribuição orbital, e o momento magnético observado poderá ser considerado função apenas do número de elétrons desemparelhados. Esta aproximação, que está em boa concordância com os dados experimentais, fornece a relação entre o momento magnético e o número de elétrons desemparelhados, n: ( ) √ ( ) esta fórmula mostra que, para o tipo de compostos considerado, a determinação do momento magnético, com a balança de Gouy, permite encontrar o número de elétrons desemparelhados, uma informação essencial para a caracterização da estrutura do composto. Para se chegar à fórmula anterior, foi feita a consideração de que o momento orbital será anulado. Entretanto, sempre que for possível transformar um orbital em outro equivalente (degenerado), por meio de uma rotação simples, o momento angular orbital será diferente de zero. No caso dos 5 orbitais d, mostrados abaixo, os três orbitais chamados t2g, dxy, dxz e dyz, podem ser transformados uns nos outros por rotações de 90o, mas o mesmo não ocorre com os dois orbitais chamados eg, dx2-y2 e dz2, que têm formatos diferentes. Figura 3: representação dos cinco orbitais d - acima os três orbitais t2g e, abaixo, os dois orbitais eg 1 Devido à presença de elétrons nestes orbitais, o movimento orbital não é impedido ou suprimido nos elementos da 2ª e da 3ª séries de transição e, 6 particularmente, nos lantanídios, onde há elétrons desemparelhados ocupando orbitais 4f, de modo que as contribuições orbitais, L, devem ser consideradas. Em alguns casos, ocorrerá o chamado acoplamento spin-órbita, ou acoplamento Russel-Saunders, quando as contribuições de spin, S, e orbital, L, se acoplam, dando origem a um novo número quântico, J. O acoplamento Russel-Saunders desdobra os níveis eletrônicos degenerados de menor energia (quebra a degenerescência dos níveis), formando vários níveis de energia diferentes. A agitação térmica pode promover os elétrons entre estes níveis, de modo que o momento magnético passa a ser dependente da temperatura. Seja χ a suscetibilidade magnética de certo composto no qual ocorre acoplamento spin-órbita. A dependência de χ com a temperatura é descrita pela Lei de Curie: ( ) onde C é uma constante característica de cada substância, chamada constante de Curie, e T é a temperatura absoluta. Muitos materiais sofrem um pequeno desvio em relação a este comportamento, obedecendo à chamada Lei de Curie – Weiss: ( ) onde θ é a chamada constante de Weiss, cujo valor é empírico, e os demais parâmetros têm o mesmo significado que na Lei de Curie. Conclui-se, portanto, que o campo magnético externo tende a alinhar os momentos dos átomos e íons paramagnéticos, mas, quando vigem as leis acima, a agitação térmica tende a torna-los aleatoriamente desordenados, ao reduzir as respectivas suscetibilidades magnéticas. Por fim, o paramagnetismo poderá ser verificado na balança de Gouy, e uma boa teoria atômica deve ser capaz de explicá-lo. O fato de ser detectado, experimentalmente, o paramagnetismo do gás oxigênio, que de acordo com a Teoria da Ligação de Valência não deveria ter elétrons desemparelhados, sendo, portanto, diamagnético, conferiu crédito à Teoria do Orbital Molecular, que fornece uma explicação bastante satisfatória e elegante para este fenômeno. 3.3 – Materiais ferromagnéticos O ferromagnetismo pode ser considerado um caso particular de paramagnetismo, que ocorre quando os momentos magnéticos de átomos individuais se alinham e apontam todos na mesma direção, em rigoroso paralelismo, provocando um aumento muito grande da suscetibilidade magnética. O fenômeno é, portanto, uma consequência da interação de um íon com seus vizinhos. O acoplamento ferromagnético dos spins, também determinado acoplamento de troca, é um efeito puramente quântico, sem analogia com a física clássica, e, para determinado intervalo de temperaturas, característico de cada substância, mais intenso que o efeito de desordem dos elétrons provocado pela agitação térmica. O uso deste tipo de material em eletroímãs permite a obtenção de campos magnéticos bem mais intensos que os que seriam obtidos com a simples passagem de corrente por um fio, devido ao reforço ao campo provocado pelo acoplamento de troca. Um cristal ferromagnético, em seu estado normal, não magnetizado, é constituído de domínios magnéticos, também chamados domínios de Weiss. Dentro 7 de cada domínio, o alinhamento dos dipolos magnéticos é essencialmente perfeito, mas a orientação de cada domínio é aleatória, de modo que, para o cristal como um todo, os efeitos magnéticos se anulam. Uma representação tridimensional dos domínios de Weiss para um filme de alumínio é mostrada abaixo. A imagem foi obtida em 2011 por uma equipe de pesquisadores do Instituto Helmholtz, de Berlim, na Alemanha, e cada cor da figura representa diferentes inclinações dos campos magnéticos, ou seja, os diferentes domínios magnéticos. Para obter esta imagem, os pesquisadores desenvolveram uma técnica que consiste em bombardear o material com feixes de nêutrons: como a direção do campo magnético muda entre os diferentes domínios, os nêutrons têm sua rota ligeiramente alterada ao passar pela fronteira entre eles. Contudo, os nêutrons se espalham em todas as direções, de modo que os pesquisadores tiveram que obter diversas “imagens de nêutrons”, rotacionando a amostra a cada disparo de feixe. A combinação de todos os dados obtidos permitiu, então, obter esta imagem: Figura 4: imagem tridimensional dos domínios de Weiss, para um filme de alumínio9 Em muitos casos, a amostra de um dado material, como um pedaço de um metal, não será cristalina, mais será constituída por um conjunto de cristais, razão porque tais materiais são denominados sólidos policristalinos. Cada cristal terá seu conjunto de domínios magnéticos, dispostos de forma aleatória. Caso seja aplicado um campo magnético, o acoplamento de troca fará com que o campo aumente consideravelmente, até um limite, quando todos os domínios estiverem alinhados com o campo. Entretanto, ao se abaixar gradualmente a intensidade do campo, ocorre um fenômeno conhecido como histerese magnética: os domínios não retornam à sua configuração original, conservando uma espécie de “memória” do crescimento do campo magnético, quando o campo externo foi aplicado, já que o movimento das fronteiras dos domínios e reorientações de suas direções não são totalmente reversíveis. Desta forma, o material pode conservar certo grau de magnetização, tornando-se um ímã permanente, fenômeno comum para Fe, Co e 8 Ni. O fenômeno da histerese é fundamental para o armazenamento de informações nos discos rígidos dos computadores. Diversos metais de transição e seus compostos apresentam comportamento ferromagnético. 3.4 – Materiais antiferromagnéticos Caso o emparelhamento dos momentos magnéticos de átomos adjacentes, ao se aplicar um campo magnético externo, se dê em sentidos opostos, o momento magnético resultante do material será inferior ao esperado para o conjunto de íons independentes. Este fenômeno caracteriza o acoplamento antiferromagnético. Dito de outra forma, a interação entre os íons vizinhos, paramagnéticos, favorece uma orientação antiparalela dos momentos, provocando uma anulação parcial deles e diminuição da suscetibilidade magnética. Ou seja, caso fossem tomados, individualmente, todos os íons do material, a soma dos efeitos paramagnéticos de intensificar o campo externo seria maior que o efeito visualizado para o material como um todo. O acoplamento antiferromagnético se efetua por intermédio dos ânions que ficam entre os átomos metálicos do cristal, ocorrendo frequentemente com os sais simples de íons como Fe3+, Mn2+ e Gd3+, cujos momentos magnéticos intrínsecos são grandes. Abaixo, é mostrada a estrutura cristalina do MnO, bem como a orientação antiparalela dos momentos magnéticos. Estes dados foram obtidos por meio de um experimento de difração de nêutrons. Figura 5: acoplamento antiferromagnético no cristal de MnO11 9 3.4.1 – Aspectos comuns ao ferromagnetismo e antiferromagnetismo Tanto o ferromagnetismo quanto o antiferromagnetismo são casos especiais de paramagnetismo da matéria. Entretanto, como eles dependem da orientação entre os momentos magnéticos vizinhos, seja no sentido de reforçar uns aos outros (ferromagnetismo) ou de se cancelarem mutuamente (antiferromagnetismo), estas formas de magnetismo da matéria desaparecem em soluções diluídas dos cristais. Ambos só podem ocorrer em substâncias em que os átomos ou íons estejam suficientemente próximos para se influenciarem fortemente através das orientações dos respectivos momentos magnéticos. Os dois tipos de comportamento provocam o afastamento em relação à Lei de Curie, que diz respeito à dependência da suscetibilidade magnética em relação à temperatura absoluta, quando há ocorrência de acoplamento spin-órbita, comum nestes compostos. A suscetibilidade magnética de tais compostos obedece à Lei de Curie (ou Curie-Weiss) até uma temperatura característica de cada material – a temperatura Curie, Tc – quando a dependência entre a suscetibilidade e a temperatura muda bruscamente. Nos materiais ferromagnéticos, acima da temperatura Curie, o acoplamento de troca desaparece, o material se torna, simplesmente, paramagnético, e a suscetibilidade aumenta de forma diferente da prevista pela Lei de Curie. Como exemplo, para o Fe, Tc = 770oC. Já nos materiais antiferromagnéticos, acima da temperatura Curie, a suscetibilidade diminui de forma diferente da prevista. A temperatura Curie é aquela em que o efeito de agitação cinética, que tende a tornar aleatórias as orientações dos spins, começa a prevalecer sobre as interações de acoplamento ferromagnético e antiferromagnético. 3.5 – Materiais superferromagnéticos O estudo das nanopartículas coloidais, cujo grau de profundidade teórica foge ao escopo deste texto, levou à descoberta dos materiais superferromagnéticos. Nestes materiais, as nanopartículas (consideradas entidades superparamagnéticas) funcionam como domínios de Weiss nanométricos, de modo que a aplicação de um campo magnético, ao alinhar estes microscópicos domínios, leva à obtenção de um material cujas propriedades magnéticas são extremamente intensas. Nanopartículas com dimensões de 10 nm podem ter um momento magnético muito elevado, da ordem de 10000 magnétons de Bohr. Na imagem abaixo, é mostrado um sistema de nanopartículas coloidais, e destacado o momento magnético de cada partícula, bem como eles podem se alinhar: Figura 6: nanopartículas coloidais que constituem um material superferromagnético15 10 O estudo das nanopartículas coloidais ferromagnéticas e antiferromagnéticas é bastante recente, de modo que nem todos os fenômenos foram bem detalhados. Além disso, como já dito, exige um grau de aprofundamento teórico e matemático extremamente elevado. 4 – Introdução aos metais de transição Já foram observadas algumas propriedades dos metais de transição, como a presença de elétrons nos orbitais d, o paramagnetismo comum entre eles, bem como a ocorrência de acoplamento spin-órbita, em muitos deles, que leva à dependência entre o paramagnetismo e a temperatura a que o material está submetido. Estes metais são assim denominados por possuírem propriedades intermediárias entre as dos elementos metálicos altamente reativos do bloco s, que tendem a formar compostos iônicos, e os elementos do bloco p, com tendência mais acentuada à covalência. Uma característica essencial destes elementos, conforme já afirmado, é o fato de possuírem o nível d parcialmente preenchido. Assim, os elementos do grupo 12, Zn, Cd e Hg, com o nível d totalmente preenchido (configuração d10) apresentam certas propriedades que os diferenciam dos demais. O nível d também está completo nas configurações de Cu, Pd, Ag e Au, quando estes estão na forma atômica isolada (estado fundamental). Contudo, fora do estado fundamental, como é o caso de seus íons, estes últimos apresentam elétrons desemparelhados, se comportando como elementos de transição típicos. Os metais de transição possuem a característica notável de existirem em diversos estados de oxidação, que costumam variar de uma em uma unidade, como Fe3+ e Fe2+, Cu2+ e Cu+, Hg2+ e Hg22+. Estes elementos possuem orbitais vazios de baixa energia, capazes de receber pares de elétrons isolados doados por outros grupos de ligantes, levando à formação dos chamados complexos, íons ou moléculas que existem como entidades que mantém sua identidade estrutural e suas propriedades químicas, mesmo em solução, formados pela associação de pelo menos um átomo metálico com certo número de ligantes, que podem ser íons ou moléculas neutras. À medida que se avança em um período, os elétrons vão sendo “adicionados” aos orbitais d, vazios ou semipreenchidos. Como elétrons em um mesmo subnível blindam de forma ineficiente uns aos outros, e elétrons f blindam menos eficientemente que elétrons d, que exercem uma blindagem menos eficiente que a dos elétrons p, que por sua vez blindam menos que os elétrons s (diz-se que a penetração dos orbitais s, é a maior que a dos orbitais p, seguida por d e f, ou seja, os orbitais s têm maior probabilidade de ser encontrados a uma menor distância do núcleo), os elétrons nos metais de transição blindam de forma incompleta a carga nuclear, fazendo com que a carga nuclear efetiva aumente, ao longo do período, o que provoca a contração dos raios atômicos; soma-se a isto o fato de que os elétrons acomodados em orbitais d não estão no nível energético mais externo (de maior número quântico principal). Entre o lantânio e o háfnio, encontram-se os 14 elementos da série dos lantanídios, onde os elétrons são acomodados no subnível 4f. Como a blindagem de um elétron f sobre outro f, como já visto, é muito pouco eficaz, à medida que o número atômico aumenta, nesta série, a carga efetiva do núcleo sobre os elétrons 4f aumenta, provocando uma sucessiva diminuição do raio atômico entre o La e o Lu. Estas sucessivas diminuições constituem o fenômeno conhecido como contração lantanídica ou contração dos lantanídios. A contração lantanídica anula quase que exatamente 11 o aumento normal de tamanho que deveria ocorrer ao se percorrer um grupo de elementos de transição, e os raios dos elementos, em um mesmo grupo, são menores que o previsto pelo aumento de número atômico. O efeito é tão marcante que o Zr4+ e o Hf4+, apesar da diferença de número atômico (40 e 72, respectivamente), têm raios iônicos quase idênticos. Os primeiros lantanídios só foram isolados, em compostos com alto teor de pureza, em 1940, com auxílio das técnicas de troca-iônica. O grau de penetração dos orbitais 4f, nos átomos e íons de lantanídios, é bastante elevado, e os elétrons estão, em boa parte, “protegidos” das interações com as vizinhanças pelas camadas 5s e 5p, mais externas, de modo que tais interações têm relativamente pouca importância química. Por este motivo, a química dos lantanídios é muito homogênea, contrapondo-se às variações episódicas e irregulares que ocorrem nas propriedades químicas ao longo das séries dos elementos de transição. Devido aos raios atômicos e iônicos menores, causados pela blindagem ineficiente dos elétrons d e f, os elementos de transição estão entre os mais densos, sendo que, dos elementos conhecidos, os mais densos são o ósmio (22,57 g/cm3) e o irídio (22,61 g/cm3). Além disso, seus pontos de fusão e ebulição são bem mais elevados que os dos metais alcalinos e alcalino-terrosos, exceto para o Zn (PF = 420oC), Cd (PF = 321oC) e Hg (PF = -38oC). Esta diferença é reflexo do nível d completamente preenchido, sugerindo que os elétrons d possuem uma importante participação na ligação metálica. Outro reflexo deste conjunto de características é a dureza acentuada destes elementos e as boas conduções térmicas e elétricas observadas. Apesar de, em geral, ser relativamente bons redutores, em condições de equilíbrio, a velocidade com que muitos metais de transição reagem com agentes oxidantes costuma ser muito baixa. Isto ocorre porque muitos metais são protegidos por uma fina camada, impermeável, de óxidos inertes (camada apassivadora). O Cr representa o melhor exemplo deste fenômeno, sendo possível utilizá-lo como metal protetor não oxidável, pois fica recoberto por uma camada de um óxido muito pouco reativo, Cr2O3. Os metais do grupo da Pt (Ru, Rh, Pd, Os, Ir, Pt), a Ag e o Au possuem um caráter “nobre” bastante pronunciado, apresentando baixos potenciais de eletrodo padrão e sendo bastante inertes. O caráter nobre também se traduz em um retículo metálico de estabilidade relativamente grande. Como exemplo, para oxidar o Au e a Pt, é necessária uma mistura de ácido nítrico e ácido clorídrico concentrados, em proporção molar 1:3, a chamada água régia, que leva à formação dos ânions complexos [PtCl6]2-, hexacloroplatinato(IV), e [AuCl4]-, tetracloroaurato(III), ambos estáveis em meio aquoso. Porém, esta técnica não permite a oxidação da prata metálica, pois leva à formação de AgCl, insolúvel, que recobre o metal e impede a continuidade da reação. Devido ao caráter de transição e ao efeito de polarizabilidade, o caráter iônico dos compostos de metais de transição pode ser reduzido, e eles são menos eletropositivos que os metais alcalinos e alcalino-terrosos de mesmo período. Isto dependerá do estado de oxidação que o metal tiver no composto, sendo que, à medida que aumenta o estado de oxidação do metal, aumenta o caráter covalente. Como será introduzido a seguir, na breve introdução à Teoria do Campo Cristalino, muitos compostos iônicos e covalentes dos metais de transição são coloridos, efeito relacionado à absorção de luz na região do visível, que faz com que o composto tenha cor complementar à absorvida. Os compostos formados com elementos dos blocos s e p, ao contrário, são invariavelmente brancos. Mais uma vez, a camada eletrônica completa faz com que os compostos de Zn, Cd e Hg, formem soluções 12 incolores ou compostos brancos, quando combinados com elementos do bloco p, o que os diferencia dos elementos de transição e os aproxima dos outros metais. O poder polarizante dos metais de transição, favorecido por estados de oxidação elevados e baixo raio atômico e iônico, permite a eles formar compostos de cores que não seriam esperadas. Os orbitais 3d, 4d e 5d salientam-se nitidamente na periferia dos átomos e íons, de modo que os elétrons que os ocupam são muito influenciados pelo número e disposição das espécies nas vizinhanças, podendo também influenciá-las de forma significativa. Note, por exemplo, que os íons Cl-, Br-, I-, Na+ e Ag+ são tipicamente incolores, e o sólido AgCl é branco, AgBr é amarelo pálido e AgI é amarelo. À medida que aumenta o raio atômico do halogênio, sua nuvem eletrônica se expande, de modo que o elemento se torna mais polarizável, quando se percorre o grupo de cima para baixo. A polarização que o cátion Ag+ exerce sobre o ânion torna-se, portanto, cada vez mais acentuada, distorcendo a nuvem eletrônica e aumentando o caráter covalente da ligação, no composto iônico. Este fato origina a cor, que cresce junto à covalência da ligação. Um fato notável, do ponto de vista da estrutura eletrônica, é observado a partir do 7º período: enquanto que a entrada de elétrons em orbitais 4f é bem mais favorável, do ponto de vista energético, que a entrada dos mesmos nos orbitais 5d, a diferença de energia entre os orbitais 5f e 6d não é muito grande, a não ser no fim dos períodos. Assim, nos elementos que sucedem o Ac, podem existir elétrons nos orbitais 5f, 6d, ou em ambos, não havendo a ordem rígida de preenchimento sugerida pelo diagrama de Pauling. Aparentemente, após a adição de 4 ou 5 elétrons à configuração eletrônica do Ac, os orbitais 5f passam a ser mais estáveis, e os elementos, a partir do amerício, têm um comportamento químico moderadamente homogêneo e parecido. Assim, o comportamento químico pouco homogêneo, na série dos actinídios, é intermediário entre o comportamento dos lantanídios e o dos outros metais de transição: os orbitais 5f não estão tão expostos quanto os orbitais d, mas não estão tão protegidos quanto os 4f. Por fim, mais um exemplo de que é falso o aspecto determinístico no preenchimento do diagrama de Pauling, não havendo um esquema rígido de energias orbitais que se aplique a todos os átomos e íons, é o fato de que, nos íons de metais de transição em fase gasosa, os orbitais 4s estão vazios, tendo uma energia mais elevada que a dos orbitais 3d, ao contrário do que prevê o diagrama. 5 – Introdução à Teoria do Campo Cristalino Conforme já dito, um bom modelo teórico deve ser capaz de descrever as propriedades mais notáveis do seu objeto de estudo; o modelo atômico de Dalton, por exemplo, tornou-se insustentável quando se descobriu que a carga elétrica era uma propriedade intrínseca da matéria, havendo uma partícula, o elétron, cuja existência ele não previa nem explicava. Da mesma forma, a teoria da ligação de valência, apesar de fornecer subsídios para explicações magnetoquímicas, mostrou-se incapaz de descrever uma propriedade notável dos íons da maioria dos metais de transição, quando em solução: suas cores, muitas vezes bastante intensas, e na explicação deste fenômeno, consiste um dos maiores méritos do modelo do campo cristalino. Para compreender o modelo do campo cristalino, primeiro devemos entender o que é o complexo de coordenação, seu principal objeto de estudo. 13 5.1 – Os complexos de coordenação Um complexo de coordenação é formado quando dois compostos são colocados em contato, constituindo uma espécie distinta, que mantém sua identidade em solução, sendo que, para que um composto seja considerado estável, ele deve subsistir à temperatura ambiente, não ser oxidado pelo ar, não ser hidrolisado pelo vapor de água e nem sofrer reações de desproporcionamento ou decomposição, nas condições a que estiver naturalmente submetido. A química dos íons metálicos em solução é, essencialmente, a química de seus complexos de coordenação, sendo que os íons dos metais de transição formam muitos complexos estáveis, e o Co é o elemento capaz de formar mais complexos diferentes (o único elemento químico que forma mais compostos que o cobalto é o carbono, presente em todos os compostos orgânicos). Em geral, encontra-se uma correlação entre a densidade de carga de um íon metálico e sua capacidade de formar íons complexos: cátions de elevada carga e pequeno tamanho (alta densidade de carga) – cátions de elevado poder polarizante – tais como os íons +2 e +3 dos metais de transição, são capazes de formar um elevado número de complexos estáveis. Por outro lado, os íons metálicos relativamente grandes e de baixa carga, como os dos metais alcalinos, formam um número bem pequeno de complexos10. Os complexos são, em geral, mais estáveis para o metal em seu mais elevado grau de oxidação. Os cátions metálicos podem estar envolvidos por ânions ou por moléculas neutras, chamados de ligantes. A carga elétrica do complexo será a soma da carga do metal central com a carga dos ligantes; complexos como [Pt(NH3)Cl2] e [Zn(H2O)2(OH)2], de carga nula, devido ao cancelamento da carga do metal pelas cargas dos ligantes (Pt e Zn possuem cargas +2, NH3 e H2O são moléculas neutras, e Cl e OH representam ânions de carga -1), são chamados complexos neutros, e são praticamente insolúveis em água. Faz-se necessário ressaltar, mais uma vez, que o complexo existe como uma entidade independente, e não se dissociará nos íons ou moléculas que o constituem, quando em solução. Desta forma, a condutividade será necessariamente menor que caso os íons estivessem em espécies independentes, e não ocorrerão as reações de precipitação típicas de cada espécie iônica. A possibilidade coordenativa decorre, em especial, da presença de orbitais vazios nos átomos metálicos, que são, portanto, ácidos de Lewis. Assim, um dos fatores mais importantes para determinar a capacidade coordenativa de um ligante é sua basicidade de Lewis, ou seja, sua capacidade em doar um par de elétrons que esteja disponível em sua estrutura. As espécies que circundam com maior proximidade o átomo central constituem a primeira esfera de coordenação, ou esfera de coordenação interna. O número de espécies na primeira esfera de coordenação é chamado número de coordenação. Um ligante pode ocupar uma ou mais posições na esfera de coordenação. Caso ele ocupe apenas uma, será chamado ligante monodentado, e, exemplos deste tipo de ligante são os já citados NH3, H2O, Cl e OH. Caso o ligante ocupe duas posições, será chamado bidentado, se ocupar três, tridentado, e assim sucessivamente. Quando o composto se coordena em mais de uma posição do átomo central, forma uma estrutura cíclica, denominada quelato (do grego, chelos, caranguejo – o quelato “agarra” o metal central, como se fosse a pinça de um caranguejo). Os quelatos são mais estáveis que os complexos com ligantes monodentado, pois a dissociação deste tipo de composto implica a dissociação de mais de uma ligação. Esta estabilidade será ainda maior caso o ligante quelato contenha um sistema de ligações duplas e simples 14 alternadas, havendo deslocalização da densidade eletrônica, em um efeito ressonante (exemplos de ligantes deste tipo são a 2,2-bipiridina, a o-fenantrolina e o ânion do aldeído salicílico). Um exemplo de ligante hexadentado é o íon etilenodiaminotetraacetato, EDTA4-. Ele é capaz de se enrolar ao redor de um íon metálico, preenchendo seis posições da esfera de coordenação interna, onde átomos de oxigênio e nitrogênio ocupam os vértices de um octaedro que tem o átomo metálico no centro. Sais deste ânion são frequentemente adicionados a molhos para saladas, com a finalidade de capturar traços de íons metálicos livres, capazes de atuar como catalisadores para a oxidação dos óleos. Além disso, os íons EDTA4- podem remover depósitos de CaCO3 e MgCO3, formados devido à passagem de água dura, pois se coordenam com os íons Ca2+ e Mg2+, que provocam a dureza da água, formando complexos solúveis4. Abaixo está uma imagem do ânion complexo [Fe(EDTA)]-, mostrando como o EDTA se “enrola” em torno do íon Fe3+: Figura 7: estrutura do ânion complexo [Fe(EDTA)]- 14 O meio em que o complexo é formado é determinante para a sua estabilidade. Um exemplo disso são os íons de metais de transição que necessitam de um meio fortemente básico para formar complexos estáveis. Em um meio neutro ou fracamente alcalino, a adição de hidróxido de sódio a uma solução contendo cátions Al3+ leva à formação do Al(OH)3, que, por ser insolúvel, sofre precipitação. Entretanto, se mais hidróxido de sódio é adicionado, ocorre a seguinte reação, com formação de complexo estável e solúvel em meio alcalino, e o precipitado é dissolvido: ( ) ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) Outras reações análogas que ocorrem, na presença de base forte, com dissolução de hidróxidos insolúveis, são: ( ) ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) ( ) ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) Compostos como estes, capazes de reagir tanto com ácidos (por serem bases) quanto com outras bases, são chamados compostos anfóteros. Como se pode ver, o caráter anfótero é decorrência da possibilidade de formação de um complexo de coordenação solúvel e estável. 15 É possível, agora, explicar os postulados da teoria do campo cristalino, focando nos casos dos complexos octaédricos (número de coordenação igual a 6) e dos complexos tetraédricos (número de coordenação igual a 4). Outra geometria bastante comum, mas sobre a qual não nos estenderemos, é a quadrado-planar. Diversas geometrias e números de coordenação são possíveis, não havendo um método, como a teoria do VSPER, que permita deduzi-la, sendo necessários diversos experimentos, como os de determinação magnetoquímica e a difração de raios X. Os números de coordenação mais comuns são o 4 e o 6. 5.2 – O modelo do Campo Cristalino O modelo do campo cristalino, proposto por Bethe e van Vleck, considera que a atração entre o metal central e os ligantes do complexo é de natureza puramente eletrostática, de modo que as ligações no complexo podem ser consideradas como sendo devido à atração entre os íons positivos e os negativos. Assim, o metal de transição é considerado como sendo um íon positivo com carga igual ao seu estado de oxidação, rodeado por ligantes negativamente carregados ou moléculas neutras que possuam pares de elétrons livres. No caso de moléculas neutras, a extremidade negativa do dipolo elétrico da molécula se aproximará do íon metálico. No átomo central, os elétrons estão sob a ação de forças repulsivas provocadas pelos elétrons dos ligantes e, por isso, eles ocupam os orbitais d, que se encontram o mais afastado possível da direção de aproximação dos ligantes. São feitas as seguintes suposições: Os ligantes são tratados como cargas pontuais: eles não fornecem elétrons aos orbitais do átomo central; seu efeito é apenas uma mudança relativa das energias desses orbitais através de interações eletrostáticas; Não há interação entre os orbitais do metal e dos ligantes; Todos os cinco orbitais d do metal, no íon gasoso livre e isolado, têm a mesma energia, isto é, são degenerados. Nas situações reais, contudo, o íon está rodeado por moléculas de solvente, se estiver em solução (onde, como visto, a constante dielétrica terá um papel decisivo nos parâmetros de atração e repulsão eletrostática), por outros ligantes, se fizer parte de um complexo, ou por outros íons, caso faça parte de um retículo cristalino. A repulsão dos elétrons metálicos pelos elétrons externos altera a energia de alguns orbitais d mais do que de outros, de modo que eles não serão mais degenerados. Assim, a teoria do campo cristalino se propõe a determinar, através de considerações eletrostáticas simples, as alterações de energia dos orbitais dos íons metálicos pelos átomos ou ligantes das suas vizinhanças. Esta teoria é um modelo, e não uma descrição realista das forças que realmente atuam entre átomos e íons. Se pensarmos que as ligações são primariamente eletrostáticas, é difícil explicar porque certas moléculas com momentos dipolares muito pequenos, como o CO, podem ser agentes de coordenação bastante efetivos. Além disso, despreza o fato de o íon metálico do metal de transição ter, muitas vezes, um enorme poder polarizante sobre os ligantes, e estes possuírem, em diversos casos, uma nuvem eletrônica bastante polarizável. Para explicar estas situações, a teoria precisa ser modificada de modo a conter os efeitos de contribuição covalente. São possíveis três tipos de interações: interação σ, interação π e interação dπ-pπ, também chamada retrodoação. Esta última decorre da interação π de orbitais d preenchidos do metal com orbitais p vazios dos ligantes, e têm uma enorme importância nas propriedades catalíticas dos compostos 16 organometálicos, por exemplo, na síntese do polietileno utilizando o famoso catalisador de Ziegler-Natta. A teoria do campo cristalino modificada de modo a incluir os efeitos de covalência é denominada teoria do campo ligante. Tanto a teoria do campo cristalino quanto a teoria do campo ligante são bastante simples, tendo êxito na explicação dos espectros eletrônicos e das propriedades magnéticas dos metais de transição. Elas são mais eficientes quando existe elevada simetria no cristal e principalmente nos elementos da série 3d. Utilizaremos, a seguir, este modelo para prever a ordem de energia dos orbitais d para os complexos octaédricos e tetraédricos. Na configuração de cargas, os elétrons não são equivalentes, pois alguns ocupam regiões do espaço mais próximas dos íons negativos do que outros, e o elétron “preferirá” ocupar orbitais que estiverem mais longe das cargas negativas. Considere um complexo octaédrico, e imagine um sistema de eixos cartesianos tais que o metal central está na origem desse sistema e cada diagonal do octaedro que passa pelo seu centro corresponde a um dos três eixos coordenados, x, y e z. Agora é importante ter em mente as imagens dos orbitais d, inclusas na Figura 3. Dois orbitais se situam exatamente sobre os eixos cartesianos; são os orbitais eg, 2 2 dx -y e dz2. Três orbitais se encontram sobre as bissetrizes dos eixos, quando tomados dois a dois; são os orbitais t2g, dxy, dxz e dyz. Sendo assim, os ligantes em um complexo octaédrico se situam na mesma direção dos orbitais eg, de modo que os elétrons localizados nestes orbitais sofrerão maior repulsão eletrostática e terão associados a si, portanto, maior energia potencial que os orbitais t2g. Como estes três são perfeitamente simétricos em relação aos ligantes, também possuem, associada a si, a mesma energia. Desta forma, os orbitais d não serão mais degenerados, havendo um nível de maior energia, constituído pelos orbitais eg, e um nível de menor energia, constituído pelos orbitais t2g. À diferença de energia entre estes dois níveis dá-se o nome de desdobramento do campo cristalino, representado, para os compostos octaédricos, por ∆o ou 10Dq. A magnitude do desdobramento depende da natureza dos ligantes, da carga do íon metálico e do número de coordenação. Ligantes que provocam apenas um pequeno grau de desdobramento do campo cristalino são denominados ligantes de campo fraco, enquanto que ligantes que provocam um elevado grau são denominados ligantes de campo forte. Quanto mais forte for o campo de um ligante, mais facilmente ele substituirá outros, no complexo, e mais difícil será substituí-lo. Considerando que as forças sejam de natureza puramente eletrostática e que os níveis desdobrados estejam energeticamente afastados de todos os outros conjuntos com que possam interagir, então o desdobramento não deve alterar a energia total do sistema. Em um diagrama de energia, os orbitais eg estarão acima do nível energético dos orbitais d degenerados, e os orbitais t2g estarão abaixo. Deste modo, o aumento de energia relacionado a um conjunto de orbitais deve ser igual ao abaixamento relacionado ao outro. Portanto, o aumento de energia devido aos 4 elétrons em orbitais eg deve ser igual à diminuição de energia provocada pelos 6 elétrons nos orbitais t2g. Assim, o aumento de energia dos orbitais eg é 6/4 da diminuição de energia dos orbitais t2g, o que é equivalente à razão (3/5):(2/5). Deste modo, o nível de energia dos orbitais eg é (3/5)∆o acima da energia dos orbitais d degenerados, e a energia dos orbitais t2g é (2/5)∆o abaixo deles. É mostrado, abaixo, um diagrama de energia que evidencia o desdobramento do campo cristalino para um complexo octaédrico: 17 Figura 8: desdobramento do campo cristalino para um complexo octaédrico8 Já nos complexos tetraédricos, o átomo é situado no centro de um cubo, sendo que seus ligantes estão situados em 4 vértices deste cubo, e as direções x, y e z, para onde apontam os orbitais eg, apontam para os centros das faces. A direção de aproximação dos ligantes, portanto, não coincide com a de nenhum orbital d, mas os orbitais t2g estão situados mais próximos aos ligantes que os orbitais eg. Isto inverte a ordem de energia dos orbitais, em relação ao que ocorre no complexo octaédrico. Chamando ∆t ou 10Dq o desdobramento do campo cristalino em um complexo tetraédrico, e tomando um raciocínio análogo ao feito anteriormente, conclui-se que o nível de energia dos orbitais t2g é (2/5)∆t acima da energia dos orbitais d degenerados, e a energia dos orbitais eg é (3/5)∆t abaixo deles. Quando as distâncias cátion-ânion são iguais, e os cátions e ânions são os mesmos em um complexo tetraédrico e um complexo octaédrico, pode-se mostrar que: ou seja, o desdobramento do campo tetraédrico tem aproximadamente metade da intensidade do desdobramento do campo octaédrico. Abaixo, é mostrado um diagrama de energia dos orbitais que evidencia a relação entre o desdobramento tetraédrico e o desdobramento octaédrico: Figura 9: diagrama de energia evidenciando a relação entre o desdobramento do campo cristalino para um complexo octaédrico e para um tetraédrico8 18 Como os orbitais d deixam de ter todos a mesma energia, a Regra de Hund, pode, aparentemente, ser desobedecida, ou seja, não será necessário preencher primeiro todos os orbitais d para depois emparelha-los. Dois elétrons emparelhados em um único orbital estão restritos à mesma região do espaço, e, como eles são carregados negativamente, há um aumento da repulsão quando eles são atribuídos a um mesmo orbital. Este é um efeito desestabilizante, de aumento da energia potencial, que tem o nome de energia de emparelhamento. Assim, para íons com mais de três elétrons (para os complexos octaédricos), ou acima de dois elétrons (para os complexos tetraédricos) em orbitais d, ou seja, quando o nível mais baixo estiver já semipreenchido, os elétrons seguintes buscarão a situação energeticamente mais favorável: emparelhar-se ou ser promovidos ao nível acima. Caso a energia do desdobramento do campo seja mais elevada que a energia de emparelhamento, os elétrons terão o emparelhamento como situação energeticamente mais favorável, e não serão promovidos ao nível acima (eg no caso de complexos octaédricos e t2g no caso de tetraédricos), de modo que o preenchimento será equivalente ao que se esperaria da Regra de Hund. Caso contrário, será energeticamente mais favorável os elétrons serem promovidos ao nível acima que emparelhar-se, de modo que, aparentemente, a Regra de Hund terá sido desobedecida. Desta forma, é possível uma distribuição eletrônica na qual exista um máximo de elétrons desemparelhados, denominada configuração de spin alto, e uma em que haja o máximo de elétrons emparelhados, denominada configuração de spin baixo. Assim, um complexo de spin alto será paramagnético, ao contrário do complexo de spin baixo, e a balança de Gouy pode ser usada para determinar esta configuração. De acordo com a teoria quântica, a toda energia E existe uma frequência ondulatória, f, associada. As grandezas relacionam-se através da equação: onde h é a constante de Planck. Além disso, a energia é quantizada, e emitida em pacotes energéticos discretos, denominados fótons. Ou um fóton é emitido, ou um fóton é absorvido, ou nada. Ocorre que, à energia do desdobramento do campo cristalino, está associada uma frequência de radiação da luz visível. Assim, caso haja orbitais vazios ou semipreenchidos, o complexo absorverá um fóton da luz correspondente ao nível de energia do desdobramento do campo cristalino, promovendo um ou mais elétrons, e transmitirá as frequências que não foram absorvidas. Assim, a cor que enxergamos para um complexo é a complementar à cor cuja frequência está associada à energia do desdobramento do campo cristalino. Percebe-se, assim, que a teoria é realmente capaz de explicar a origem das cores. Um fato importante a ser lembrado, então, é que os íons dos metais de transição são coloridos em solução aquosa porque existem como cátions complexos cujos ligantes são moléculas de água, havendo desdobramento do campo cristalino. Alguns exemplos são: ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) ( ) ( ) ()→[ ( ) ] ( ) ( ) ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) ( ) ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) ( ) ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) ( ) ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) ( ) ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) ( ) 19 ( ) ( )→[ ( ) ] ( ) ( ) Já os complexos de Zn, Cd e Hg, onde o nível d está completamente preenchido, não permitem a promoção de elétrons por absorção de luz, já que, pelo Princípio da Exclusão de Pauli, só pode haver, no máximo, dois elétrons por orbital. Por este motivo estes íon são incolores em solução aquosa, mais um fato que os distingue dos outros elementos de transição. É possível obter intervalos de confiança, sem grande precisão, para o valor do desdobramento do campo cristalino, utilizando tabelas como a que está abaixo, que fornecem, para cada cor vista, a frequência correspondente à cor complementar, ou seja, a que foi absorvida para que houvesse a promoção de elétrons. Aplicando a equação acima, que afirma ser a energia diretamente proporcional à frequência, encontra-se o intervalo no qual está contida a energia do desdobramento do campo cristalino. Figura 10: tabela de frequências das radiações visíveis12 20 Referências bibliográficas [1] AYALA, J. D. Teoria do Orbital Molecular. Universidade Federal de Minas Gerais: Departamento de Química, 2013. [2] COTTON, F. Albert; WILKINSON, Geoffrey. Química Inorgânica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978. [3] HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. Fundamentos de Física – Volume 3- Eletromagnetismo. Rio de Janeiro: LTC, 2008. [4] KOTZ, John C.; TREICHEL, Paul M. Jr. Química Geral 2 e Reações Químicas. Tradução da 5ª edição americana. São Paulo: Cengage Learning, 2009. [5] LEAL, Kátia. Introdução à espectroscopia magnética. Universidade Federal Fluminense: Departamento de Físico-Química, 2013. [6] LEE, J. D. Química Inorgânica não tão Concisa. Tradução da 5ª edição inglesa. 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