1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE AUTISMO: A APLICABILIDADE DO INSTRUMENTO CHAT E LEVANTAMENTO DAS NECESSIDADES DE PEDIATRAS PARA CAPACITAÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação Especial, do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Especial. Patrícia Carla de Souza Della Barba Orientadora: Profa. Dra. Ana Lúcia Rossito Aiello São Carlos – SP 2002 2 AGRADECIMENTOS À profa. Dra. Ana Lúcia Rossito Aiello, minha orientadora, que constantemente respeitou minhas idéias, ensinou-me o caminho da pesquisa e contribuiu muito para o crescimento deste estudo e para o meu próprio crescimento pessoal e profissional. À Dra. Maria de Jesus Dutra dos Reis e à Dra. Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, por suas valiosas contribuições especialmente durante o Exame de Qualificação deste trabalho. À Dra. Edna Maria Marturano, por sua importante participação junto à banca examinadora da Defesa da Dissertação. À coordenadora e às educadoras da creche; às enfermeiras e pediatras dos postos de saúde, que me receberam com carinho e contribuíram para a realização deste trabalho. Aos familiares e às crianças participantes do estudo. À CAPES, pelo auxílio financeiro. Ao Avelino, do Programa de Pós Graduação em Educação Especial, por sua atenção e disponibilidade em todos as horas. Às minhas grandes amigas Lea Kellermann Pereira e Cláudia Maria Simões Martinez, com quem pude dividir as angústias, dificuldades e prazeres do mestrado e com quem sei que posso contar em todos os momentos. Às minhas amigas Adriana Augusto Aguiar e Valéria de Almeida Andréa, pela prontidão com que me auxiliaram em algumas etapas do trabalho. 3 Ao Etore, meu marido, que vem compartilhando comigo os desafios e os prazeres da vida, e que sem o seu suporte não seria possível mais esta conquista. Ao Victor e Henrique, meus filhos, que com seu carinho e compreensão, estiveram sempre ao meu lado me dando forças para continuar. À minha mãe e meus irmãos, pelo incentivo constante. E a todos que compartilharam comigo desse aprendizado. 4 RESUMO Considerando os estudos sobre a possibilidade de identificar sinais de risco para autismo em bebês, a responsabilidade do pediatra em suspeitar destes sinais e utilizar instrumentos de triagem relacionados ao autismo e a necessidade de preparo deste profissional para realizar tal tarefa, este estudo teve como objetivos: (1) em uma primeira etapa, verificar a aplicabilidade do instrumento CHAT (Checklist for Autism in Toddlers) e de um conjunto de itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento para levantar sinais indicadores de autismo em crianças de 20 a 47 meses e (2) em uma segunda etapa verificar a conduta de pediatras para avaliar atraso de desenvolvimento relacionado a sinais de autismo em crianças desta faixa etária, e ainda, identificar sua disposição em receber informações sobre este tema. Para tanto, na primeira etapa da pesquisa foi aplicado o CHAT e os itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento em uma população composta por 50 crianças de 20 a 47 meses de uma creche e de um posto de saúde. Os resultados obtidos indicaram que: considerando os critérios estabelecidos pelos autores do CHAT em 2000, nenhuma criança apresentou todos os sinais indicativos de autismo. Contudo, duas crianças (4%) apresentaram falhas em três itens-chave, seis crianças (12%) apresentaram falhas em dois itens-chave, sete crianças (14%) apresentaram falhas em um item-chave e 13 crianças (26%) apresentaram baixo risco para autismo ou algum risco de atraso global de desenvolvimento.E considerando os critérios de avaliação do CHAT estabelecidos em 1992, duas crianças apresentaram tal risco. Foi possível concluir que: tanto o instrumento CHAT como os itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento foram facilmente aplicados junto à amostra; o número de crianças selecionadas para o estudo parece ter sido insuficiente para a detecção de casos de risco para autismo nesta população de acordo com os índices de prevalência da síndrome; o CHAT foi capaz de identificar sinais de risco para autismo na amostra, embora as crianças não tenham atingido todos os critérios estabelecidos pelos autores no estudo de 2000; os itens que apontam sinais de alerta para atraso de desenvolvimento se mostraram eficazes em detectar tais sinais em 20% da amostra; as berçaristas e mães participantes do estudo se mostraram capazes de verbalizar diferenças no desenvolvimento das crianças, entretanto, não parecem ter subsídios para realizar encaminhamentos; os serviços de educação e saúde pública parecem não identificar crianças de risco para atrasos e tampouco encaminhar para avaliações. Diante dos resultados, parece importante utilizar a rota de supervisão em desenvolvimento e investigação do autismo proposta pelos autores em serviços de atenção primária à saúde infantil e capacitar berçaristas e mães para compreenderem o desenvolvimento da criança e conseguirem realizar o rápido encaminhamento a serviços de avaliação e estimulação. Na segunda etapa do estudo, participaram seis pediatras e foram realizadas entrevistas abordando sua conduta ao avaliar atraso de desenvolvimento relacionado a sinais de autismo em crianças de 20 a 47 meses. Os resultados vão na direção dos apontados pela literatura e indicaram que os pediatras utilizavam basicamente o exame clínico em sua rotina de atendimento, e enfocavam aspectos do desenvolvimento neuropsicomotor. Quando a mãe apresentava queixas em relação ao atraso de desenvolvimento da criança os pediatras realizavam anamnese e observação clínica mais detalhadas e na maioria das vezes, encaminhavam ao neuropediatra. Os participantes relataram ter pouco ou nenhum conhecimento sobre autismo e tiveram dificuldade em defini-lo e informar suas características. Conclui-se que os pediatras deveriam ter acesso a informações por meio de uma capacitação que lhes fornecesse embasamento para o reconhecimento precoce e a triagem de casos de autismo, com o objetivo de levar ao encaminhamento o diagnóstico. Com base nestes resultados, propõe-se para futuros estudos, a elaboração de um curso com o objetivo de capacitar pediatras a reconhecerem sinais de autismo em bebês. 5 ABSTRACT Considering the studies upon the possibility of identifying signs of autism in babies, the responsibility of pediatricians in suspicion of these signs and to apply specific selecting tools related to the autism and the necessity of competence this professional to accomplish such assignment, this study objected: (1) in the first step, check the applicability of the tool CHAT (Checklist for Autism in Toddlers) and a group of alert signs to detect development delay to identify signs of autism in children from 20 to 47 months and (2) in a second step is to verify pediatrician attitude of evaluating a development delay related to autism signs on children of this age and identify their willing of receive information of this theme. For this, in the first step of the research CHAT and the alert signs of development delay was applied in a population composed by 50 children from 20 to 47 months from a Public Health Center and nursery school. The obtained results were: no child presented all autism signs. But, two children (4%) presented fail in three key items, six children (12%) presented fail in two key items, seven children (14%) presented fail in one key item and 13 children (26%) presented a low risk of autism or any other risk of global development delay. Considering the appraisal criteria of CHAT established in 1992, two children presented such risk. It was possible conclude that: even the CHAT tool and the alert signs for development delay were easily applied in the group; the amount of children selected to detect cases of autism in this population appears to be insufficient in accordance of the predomination syndrome index; CHAT was capable to identify signs of autism risk among the group, therefore the children did not reach all criteria established by the authors in the study from 2000; the items that point the alert signs for development delay were efficient to detect these signs in 20% of the studied children; the mothers and the nursemaids from nursery school were able to tell differences in children development, otherwise, they appear not have enough knowledge to step forward; the education services and the public health appear not identify children with risk of delays and neither forward to an evaluation. With these results, it is important to choose the way of supervision for autism development and investigation proposed by the authors in services of primary attention to child health and get mothers and the nursemaids capable to comprehend child development to be able to rapidly forward the child to an evaluation and stimulation services. In the second step of this research, six pediatricians participated and interviews were performed discussing their behavior in evaluating a development delay related to autism signs in children of 20 the 47 months. The results pointed to the indicated in the literature where pediatricians uses basically a clinic examination in their routine and focus in the neuropsicomotor development. When the mother complained about child development delay, the pediatricians performed a more detailed clinic observation and in the majority times they followed the child to a neuropediatrician. The physicians realized that they have few or none knowledge about autism and presented difficulties to define its characteristics. The conclusion is that the pediatricians should have access to this information through training process to facilitate an early recognition of autism cases objecting a proper diagnostic. Based in these results, it’s proposed for future studies the creation of a course focus in capacitating pediatricians to recognize autism signs in babies. 6 Sumário INTRODUÇÃO Os estudos sobre prevalência do autismo e os ganhos da identificação 01 precoce......................................................................................................................... A possibilidade da identificação precoce do autismo................................................. A importância da capacitação de profissionais da saúde em identificação 03 04 precoce do autismo................................................................................................................... Os instrumentos de identificação do autismo........................................................ 12 O instrumento CHAT como uma possibilidade da triagem precoce do autismo 15 ESTUDO1 Método.......................................................................................................................... 19 Resultados..................................................................................................................... 30 Discussão...................................................................................................................... 37 Conclusões.................................................................................................................... 42 ESTUDO 2 Método.......................................................................................................................... 45 Resultados..................................................................................................................... 48 Discussão...................................................................................................................... 52 Conclusões........................................................................................................ 58 ............ Proposta de capacitação de pediatras........................................................................... 60 Descrição sobre a capacitação realizada com os pediatras participantes do Estudo 2 64 Referências Bibliográficas............................................................................................ 71 Anexos.......................................................................................................................... 78 7 INTRODUÇÃO Os estudos sobre prevalência do autismo e os ganhos da identificação precoce Quanto mais avançam as pesquisas mais se expande a lista de critérios que definem autismo. Um exemplo disto é a taxa de prevalência citada por Kaplan, Sadock e Grebb em 1997: dois a cinco casos de autismo por 10.000 crianças (0,02 a 0,05%) com menos de 12 anos; enquanto que Baird et al., (apud Filipek et al., 1999) encontraram uma taxa de 30.8 casos de Desordem Autista por 10.000 crianças (um caso em 333 crianças). Este aumento significativo das estimativas confirma a necessidade de melhorar esforços para o diagnóstico precoce. Autores como Lovaas (1987), Mc Eachin, Smith e Lovaas (1993), Baer (1993), Fonseca (1995) e Dawson e Osterling (1997) mostraram que a identificação precoce leva à intervenção precoce, sendo grandes os ganhos quando as crianças ingressam precocemente em programas específicos de estimulação. Os maiores ganhos dão-se em relação à orientação familiar, independência e inclusão das crianças em escola regular. Outros estudos, ainda, como o da Câmara Técnica "Autismo e outras Psicoses InfantoJuvenis" (Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência [CORDE], 1996); Rosa, (1998); Howlin e Moore, (1997); Robins, Fein, Barton e Green, (2001) apontam que os pais passam muito tempo em busca de um diagnóstico para o filho, e embora relatem que percebiam sinais de autismo durante o primeiro ano de vida da criança, este geralmente ocorre tardiamente. 8 A CORDE (1996) coloca que os pais percorrem diversos serviços em busca de atendimento e que somente a minoria encontra serviços estruturados ou atendimento em algumas áreas. A grande maioria dessa clientela não tem acesso a serviços especializados. Além disso, tal organização assinala que ocorre falta de informação da família e da comunidade, somado à falta de preparo dos profissionais da saúde e da educação em lidar com essa clientela, que costumam abordar o tema de forma genérica. Como resultado, o diagnóstico do autismo é feito tardiamente. Rosa (1998) demonstra o descompasso entre a idade em que ocorre o diagnóstico médico e a percepção dos pais sobre a inadequação dos comportamentos de seu filho: a faixa etária de percepção de sinais de autismo pelas famílias foi de três meses a dois anos e seis meses, enquanto que a idade do recebimento do diagnóstico variou de seis a 13 anos. A autora coloca ainda dois pontos relevantes: “nos casos em que o autismo ainda não estava definido, houve por parte da família a busca por diferentes profissionais, que realizaram alguns exames mas evitaram concluir o diagnóstico. As implicações da realização tardia do diagnóstico, ou mesmo da sua não realização comprometem ainda mais a evolução de crianças com sinais de transtornos de desenvolvimento, que não são inseridas em programas voltados às suas necessidades”(p. 29-30). Diante disto, a autora faz as seguintes questões: a demora para a realização desse diagnóstico pode ser atribuída ao médico? Esse profissional teria sido formado para observar comportamentos e para realizar um diagnóstico? Seria necessária a participação de outros profissionais ou uma equipe capacitada para tanto - sugerindo um trabalho de investigação que leve em conta a função e a importância do diagnóstico para que estas questões possam ser respondidas. 9 Robins et al., (2001) acrescentam que o atraso em relação ao diagnóstico do autismo causa extrema angústia aos pais, assim como desperdiça um tempo valioso de intervenção, indicando que os profissionais da área, principalmente os pediatras, necessitam de instrumentos que os ajudem na detecção precoce do autismo e de transtornos invasivos do desenvolvimento. Estes resultados apontam para a necessidade de capacitação de profissionais da saúde para promover a identificação precoce de casos de autismo por meio de instrumentos simples de triagem, visto que os ganhos em relação à intervenção precoce são comprovados, levando à inclusão da criança em programas específicos de educação especial e ao esclarecimento da família quanto às formas de lidar com os problemas decorrentes da síndrome do autismo. A possibilidade da Identificação Precoce do Autismo Vários autores, entre eles Osterling e Dawson (1994) e Nogueira e Moura (2000) têm apontado a possibilidade da identificação cada vez mais precoce de sinais de autismo por meio da observação de alterações de comportamentos nas áreas de comunicação e socialização. O estudo de Osterling e Dawson (1994) relata que 50% dos pais de crianças com autismo suspeitavam de que havia algo errado com seu filho antes de um ano de idade. Esse estudo analisou vídeos de aniversários do primeiro ano de vida de bebês que posteriormente foram diagnosticados como autistas, e comparou os dados com o comportamento de bebês com desenvolvimento normal. Foram avaliados os comportamentos sociais (olhar para o rosto da mãe, manter contato visual com o adulto, olhar para o rosto de outras pessoas quando esta sorria, imitar o comportamento do outro); comportamentos afetivos (sofrimento, birra); atenção compartilhada (apontar, alternar olhar atento entre um objeto e o rosto de outra 10 pessoa, apontar algo em uma tentativa de comunicação, mostrar objeto para outra pessoa); comunicação (balbucio, usar gesto convencional como para acenar adeus, seguir a instrução verbal de outra pessoa) e comportamentos autistas específicos (auto-estimulação, tampar os ouvidos, olhar para o vazio, não responder quando chamado pelo nome). Os resultados indicaram que diferenças significativas no desenvolvimento de crianças normais e autistas podem ser detectadas por volta de um ano de idade; essas diferenças se dão particularmente nas categorias de comportamento social, atenção compartilhada, e de alguns comportamentos autistas. No entanto, o melhor preditor para o diagnóstico posterior de autismo foi a criança não ter olhado para outras pessoas. Nogueira e Moura (2000) afirmam que, embora o diagnóstico seguro de autismo necessite de um amplo conjunto de sintomas, alguns sinais indicadores podem ser identificados logo após o nascimento: a forma de contato visual que o bebê estabelece e o modo como ele tende a focalizar um estímulo. Tal estudo envolveu dois bebês com um mês de vida, sendo que foi observado em um deles indicadores de autismo (a ausência de episódios de interação mãe-bebê, a atividade de olhar o ambiente predominante à atividade de olhar para a mãe e a presença de olhar passivo). Essas alterações foram identificadas no bebê, que aos dois anos de idade, recebeu um diagnóstico apontando para a suspeita de autismo. A importância da capacitação de profissionais da saúde em identificação precoce do autismo De acordo com Robins et al. (2001), autismo e transtornos invasivos do desenvolvimento são difíceis de ser detectados na infância devido a vários fatores: a apresentação dos sintomas varia de caso para caso, os atrasos de linguagem e interação social podem não ser identificados antes de ser dada oportunidade à criança de interagir com seus pares na pré-escola, a baixa incidência de casos de autismo leva a um baixo nível de suspeita 11 e os marcos de desenvolvimento motor não estão geralmente comprometidos. Além disso, instrumentos de triagem para o autismo em bebês não encontram-se disponíveis aos profissionais da saúde. Por essas razões, as avaliações pediátricas raramente identificam casos de autismo ou de transtornos invasivos de desenvolvimento antes dos três anos de idade. O estudo de Lacerda e Aiello (1998) demonstrou que os médicos, principalmente os pediatras, não recebem treinamento específico para realizar o diagnóstico de casos de autismo. As autoras apontam dados ilustrativos sobre a prática médica em relação a este diagnóstico: os médicos relatam que o diagnóstico de autismo é realizado por exclusão, ou seja, durante a anamnese e o exame clínico são levantadas hipóteses de prováveis síndromes, que vão sendo afastadas por exames complementares. Alguns médicos encaminham a família para um atendimento educacional logo no início do processo diagnóstico, com a intenção de favorecer uma melhor adaptação ao possível diagnóstico de autismo. Na fala de um participante observa-se a dificuldade em dar o diagnóstico de autismo à família: "Como há resistência, às vezes, de um dos pais - o autismo é um palavrão - o diagnóstico deve ser dado com muito tato, muito sutilmente". Lacerda e Aiello concluem que em nenhum momento os médicos discutiram como dar o diagnóstico aos pais de forma a sensibilizá-los rapidamente para uma intervenção educativa especial, e que se os médicos parecem ter dificuldades em descrever as características de autismo pode-se supor que terão dificuldades também em observar estas características nas crianças. Estas conclusões respondem em parte a uma questão levantada anteriormente por Rosa (1998) de que a demora no diagnóstico do autismo pode se dar pela falta de conhecimento e treinamento do médico, tendo como conseqüência a demora em concluir o processo diagnóstico. O pediatra é o primeiro médico a quem os pais recorrem quando a criança apresenta problemas de saúde ou dificuldades em seu desenvolvimento. Em seu consultório, o pediatra 12 está em contato freqüente com bebês e seus familiares, sendo o local ideal para a realização de triagens em desenvolvimento. Portanto, segundo Stone, Hoffman, Lewis e Ousley (1994), este profissional deveria criar condições para identificar precocemente sinais de autismo. Os autores afirmam que os pediatras deveriam incluir em seus exames de rotina algum tipo de teste ou lista de "comportamentos de alerta" para facilitar esta prática. Para isto, sugerem que esta lista deva conter características como: interação anormal em jogos sociais, falta de iniciativa e de interesse no contato social, pobre capacidade de imitação, comunicação verbal e não-verbal deficiente, dificuldades em jogos simbólicos. Os autores também indicam que devido à falta de testes específicos e a natureza dos comportamentos da desordem autista, o diagnóstico geralmente é baseado em informações derivadas dos relatos dos pais e de observação clínica, mas, que quando há discrepância entre ambos, torna-se difícil julgar a exatidão desses dois tipos de informação. Os autores concluem que os resultados positivos são comprovados quando ocorre o diagnóstico precoce do autismo e o encaminhamento, também precoce, a programas de intervenção, principalmente em relação à redução de comportamentos atípicos e aquisição de habilidades. Stone et al., (1994) e Howlin e Moore (1997) concluem que o esclarecimento sobre o desenvolvimento da criança por profissionais da saúde primária deveria ser feito com mais seriedade, principalmente pelos especialistas, com encaminhamento rápido aos serviços especializados. Deveriam ser evitados rótulos como "tendências autistas" se o profissional for incapaz de dar um diagnóstico específico de autismo; e o diagnóstico por si mesmo não melhora o prognóstico, a menos que esteja associado a práticas de ajuda e suporte aos pais para conseguirem tratamento para a criança. Ressalta-se aqui que é necessária também a atuação de uma equipe multidisciplinar, capacitada para realizar a estimulação da criança e a orientação aos pais, de forma a desenvolver habilidades e estratégias aplicáveis à rotina da família. 13 Médicos neurologistas e geneticistas brasileiros (Steiner, Guerreiro & de Faria, 1999) concordam com esta afirmação: "o diagnóstico do autismo é complexo e exclusivamente clínico, razão pela qual se faz necessário que seus aspectos clínicos sejam conhecidos por um número maior de profissionais, em especial os pediatras, bem como os paramédicos cujo campo de atuação envolva a faixa etária dos primeiros anos de vida. A partir do diagnóstico, a introdução precoce das terapias de reabilitação (educação especial) constitui um fator importante para a melhora do comportamento" (p. 286). A American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria, 2001 b) define Supervisão em Desenvolvimento como: “um processo contínuo e flexível no qual profissionais habilitados realizam observações de crianças durante o processo de atenção à saúde. Os componentes da supervisão em desenvolvimento incluem: atender às preocupações dos pais, obter uma história relevante de desenvolvimento, fazer observações precisas das crianças e trocar informações com outros profissionais. Para tanto os profissionais deveriam usar roteiros de desenvolvimento apropriados à idade das crianças e registrar dados durante as consultas”(p. 192). Filipek et al., (1999) apontam a importância da triagem em desenvolvimento fazer parte da rotina de atendimento de cada criança. Apresentam uma estimativa de que quase 25% das crianças que passam pelos serviços de saúde necessitam de atenção em algum aspecto do seu desenvolvimento. Além disso, apontam que menos de 30% dos profissionais de saúde primária utilizam testes padronizados de triagem, sendo que o recomendável é a supervisão em desenvolvimento a cada consulta de rotina, ou seja, um processo amplo, contínuo, que inclui tanto a observação da criança como a atenção às queixas trazidas pelos pais. Os autores 14 concluem que isto é possível mediante a capacitação destes profissionais para desempenhar esse papel. Nesse sentido, Filipek et al., (1999) apontam uma rota de avaliação do autismo, com dois níveis de investigação, iniciando com uma triagem ampla e caminhando em direção a exames mais específicos (ver Anexo 1). O Nível 1 envolve a identificação de crianças de risco para qualquer tipo de desenvolvimento atípico. Neste nível, é recomendado que todos os profissionais envolvidos com cuidados básicos de crianças (pediatras, neurologistas, psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais) tornem-se familiarizados com os sinais e sintomas do autismo e seus comportamentos indicadores da necessidade de futura avaliação diagnóstica. É aconselhável também que sejam utilizadas escalas de acompanhamento do desenvolvimento em cada consulta durante a infância porque os marcos de desenvolvimento são universais. Apontam que o fracasso em qualquer um dos itens a seguir constitui indicação imediata para uma avaliação: - não balbuciar até os 12 meses - não usar gestos como apontar e acenar dizendo adeus até os 12 meses - não dizer palavras simples até os 16 meses - não dizer frase de duas palavras espontaneamente (não ecolálica) aos 24 meses - qualquer perda de linguagem ou habilidade social em qualquer idade. Se a criança falhar nestes comportamentos, é indicado que se faça uma investigação audiológica formal. Além disto, os autores colocam que os profissionais envolvidos com cuidados na infância deveriam estar familiarizados em usar instrumentos de triagem para crianças com autismo. É necessário, ainda, que as crianças sejam encaminhadas a serviços locais de intervenção precoce. Os autores acrescentam que os profissionais da rede básica de saúde precisam mostrar-se mais disponíveis para falar com as famílias sobre o autismo, que é 15 uma desordem tratável; e é necessário que a informação sobre os benefícios da intervenção precoce para crianças com autismo seja disseminada a todos os que trabalham com crianças e familiares. Se a criança falhar nos itens citados no Nível 1, é recomendado que se proceda ao Nível 2. O Nível 2 (ver Anexo 1) envolve uma investigação mais profunda das crianças identificadas como de risco para problemas de desenvolvimento; diferencia autismo de outros tipos de dificuldades de desenvolvimento, e inclui avaliações de especialistas em autismo, objetivando melhorar os meios de intervenção. É indicado que o diagnóstico seja baseado nos critérios do DSM- IV - Diagnostic and statistical manual of mental disorders, 4a. ed. (American Psychiatric Association, 1994) e sejam utilizados instrumentos formais com sensibilidade e especificidade adequadas. É aconselhada, também, a avaliação médica e neurológica, focalizando aspectos da história perinatal, desenvolvimento, problemas como regressão, encefalopatias, déficits de atenção, problemas de comportamento, distúrbios de sono e alimentação, entre outros. São recomendadas outras avaliações especializadas, de áreas como: fala, linguagem, cognição, comportamento adaptativo, habilidades sensório-motoras, independência nas atividades de vida diária, recursos familiares e habilidades acadêmicas. Se necessário, deve-se incluir uma avaliação metabólica, testes genéticos, testes eletroencefalográficos e neuroimagem. Finalmente, os autores apontam que sejam implementadas futuras pesquisas com o objetivo de desenvolver e validar instrumentos de triagem específicos para autismo, facilmente aplicáveis principalmente em crianças dentro da faixa etária de um ano. Evidências sugerem que é provável que muitas crianças com autismo sejam identificadas entre os 12 e os 18 meses e é consenso neste estudo que a identificação precoce pode levar ao acesso à intervenção precoce, o que promoveria resultados positivos a longo prazo para os indivíduos com autismo. 16 Dada a ênfase colocada nos sinais de alerta para atraso de desenvolvimento recomendados por Filipek et al.,(1999) este estudo ressalta que os indicadores para qualquer desenvolvimento atípico devem estar presentes em toda triagem realizada por profissionais envolvidos com cuidados básicos de crianças. A American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria, 2001 a) aponta que cabe ao pediatra a difícil tarefa de suspeitar do diagnóstico de desordens autistas tão precocemente quanto possível e implementar um plano de tratamento a tempo de conseguir bons resultados para a criança e sua família. Para isto, indica que o diagnóstico deve ser baseado em um conjunto de sintomas e que considere cuidadosamente as queixas trazidas pelos pais em relação ao desenvolvimento e comportamento de sua criança. A Academia afirma que as queixas devem ser valorizadas e investigações adicionais devem ser conduzidas por pediatras, neuropediatras, ou mesmo por uma equipe de especialistas. A combinação de atraso ou regressão em habilidades sociais e de linguagem são sempre sinais de alerta para o autismo e devem conduzir imediatamente a avaliações mais completas. Além disto, a Academia aconselha que todas as crianças deveriam ser formalmente monitoradas quanto aos seus progressos de desenvolvimento, a cada consulta de rotina médica. A supervisão do desenvolvimento é um importante papel do pediatra e deveria incluir marcos do desenvolvimento sócio-emocional, além dos tradicionais aspectos do desenvolvimento motor, cognitivo e de linguagem. Ela aconselha, também, que os pais sejam orientados a preencher questionários padronizados sobre o desenvolvimento de seu filho e a encaminhar suas queixas ao pediatra nas consultas de rotina. Estudos sobre a capacitação de profissionais da área de saúde em intervenção precoce (Sexton et al., 1996) apontam que a maioria dos treinos oferecidos a estes profissionais tem se baseado em estratégias didáticas passivas que resultam em poucas mudanças práticas após o treino. Os autores demonstram que as técnicas dinâmicas, por sua vez, (por exemplo: 17 observação de práticas atualizadas, discussão em pequenos grupos, demonstrações) alcançam melhores resultados em sua prática. Na conclusão, Sexton et al. indicam pontos importantes a serem considerados ao se preparar estratégias de capacitação de profissionais em intervenção precoce: clareza de objetivos e da proposta do treino, "follow up" após o treino, avaliação das mudanças práticas ocorridas após o treino, combinação de estratégias dinâmicas e passivas, consideração sobre a percepção dos participantes. São escassos os estudos sobre capacitação de profissionais da saúde em identificação precoce de sinais de autismo, mesmo porque esta área é nova. Em um estudo piloto sobre a aplicação de materiais para capacitação de profissionais de um centro de saúde para identificação de sinais de autismo em crianças de 12 a 24 meses, Della Barba e Aiello (2001) constataram que: 1. os profissionais apresentavam pouco conhecimento sobre sinais de autismo e sobre a capacidade de identificá-lo precocemente; 2. todos os participantes consideraram necessário ter em mãos um roteiro de triagem para autismo que fosse rápido e eficaz; 3. o melhor material dentre os testados para isto (texto, folder e vídeo) foi o folder explicativo contendo os sinais de alerta para autismo em bebês antes e depois de um ano de idade e indicação de locais que realizam avaliação especializada em autismo. Os instrumentos de identificação do autismo Paralelamente aos estudos sobre a possibilidade da identificação cada vez mais precoce do autismo, têm sido criados instrumentos fáceis e rápidos de serem aplicados para tal finalidade. Alguns deles baseiam-se em entrevistas, sendo que dentre estes podem ser citados: 1) ADI-R: The Autism Diagnostic Interview –Revised (Lord et al., 1997): entrevista de investigação diagnóstica semi-estruturada, proposta para pais ou cuidadores de crianças e 18 jovens com suspeita de autismo. Tal instrumento incorpora os critérios do CID 10 e do DSM IV, sendo considerada por alguns profissionais da área como uma medida de diagnóstico de alta exatidão. Sua aplicação necessita de uma hora e 30 minutos em média e demanda extensivo treino e experiência por parte do aplicador. A ADI-R enfoca os comportamentos nas áreas de comunicação, habilidades sociais, comportamentos estereotipados e repetitivos, e adicionalmente avalia a história pregressa, quantificando a severidade para cada um destes domínios. Cox et al., (1999) afirmam que, se por um lado a ADI-R apresenta alta sensibilidade e especificidade para diferenciar crianças em idade pré-escolar com autismo daquelas com atraso de desenvolvimento, por outro identifica incorretamente 60% das crianças com menos de 18 meses com atraso de desenvolvimento como tendo sinais de autismo. Tais autores sugerem que seja utilizada com muita cautela com crianças pequenas, uma vez que pode gerar falsos positivos ou falsos negativos. 2) PIA: Parent Interview for Autism (Stone & Hogan, 1993): planejada para pais avaliarem autismo em crianças com menos de seis anos em 11 dimensões de comportamentos, sendo seis delas (relacionamento social, interação com pares, imitação motora, compreensão de linguagem, comunicação não-verbal e brincadeira simbólica) mais importantes para diferenciar crianças com autismo de crianças com retardo mental. A aplicação leva em torno de 30 a 45 minutos. 3) GARS: Gilliam Autism Rating Scale (Gilliam, 1995): instrumento de triagem direcionado a pais, professores e profissionais para ajudá-los a identificar e estimar o nível de severidade dos sintomas de autismo em indivíduos entre a faixa etária de três a 22 anos. Seus itens são baseados no DSM IV, sendo agrupados em: comportamentos estereotipados, comunicação, interação social e desenvolvimento nos três primeiros anos de vida. 4) PDDST - Pervasive Developmental Disorders Screening Test (Siegel, 1998): designado para pais ou clínicos sem treinamento específico em autismo, sendo focado nos sinais de 19 autismo em crianças de até quatro anos de idade. É um instrumento de triagem dividido em três estágios, cada um direcionado a um nível diferente de avaliação. O estágio 1 é indicado para ser usado em situações de atenção primária, o estágio 2 é designado para situações de avaliação do desenvolvimento, e o estágio 3 em avaliação específica de autismo, ou em clínica especializada em autismo. Outros instrumentos são baseados na observação de comportamentos. Entre eles pode ser citado o PL-ADOS - Prelinguistic Autism Diagnostic Observation Schedule (Lord & Rutter, 1995), que é uma escala de observação semi-estruturada para crianças com menos de seis anos de idade, não-verbais, com suspeita de autismo. Ele é aplicado com a ajuda dos pais, fornecendo dados sobre aspectos do comportamento social (por exemplo, atenção compartilhada), imitação e interação afetiva com o examinador e com os pais. Esta escala leva em torno de 30 minutos para ser aplicada por um examinador treinado. Outro instrumento também baseado em observação de comportamentos é o CARS Childhood Autism Rating Scale (Schopler, Reichler & Renner, 1988) que foi desenvolvido pelo programa TEACCH - Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children. Trata-se de 15 itens de observação comportamental (entre eles: relacionamento pessoal, imitação, afetividade, uso do corpo, relação com objetos, adaptação às mudanças ambientais, resposta visual e auditiva, comunicação verbal e não-verbal, nível de atividade, funcionamento intelectual e impressões gerais) que permite a educadores e clínicos identificarem crianças com autismo, ajudando-os a diferenciarem estas crianças de outras com problemas de desenvolvimento. A pontuação total é dada somando os pontos de cada um dos itens, e a classificação do grau de autismo varia entre leve, moderado e severo. É aplicado em 20 ou 30 minutos, sendo indicado para crianças a partir de dois anos de idade. O STAT - Screening Tool for Autism in Two-years-olds (Stone, 1998) é outro instrumento baseado em observação de comportamentos, é designado para diferenciar autismo 20 de outros transtornos de desenvolvimento em crianças de 24 a 35 meses. Ele pode ser aplicado por profissionais de intervenção precoce e envolve 12 atividades que abordam as áreas de brincadeira simbólica, jogo social, imitação motora e comunicação verbal. O ADOS-G - Autism Diagnostic Observation Schedule-Generic (DiLavore, Lord & Rutter, 1995) é um instrumento semi-estruturado de observação que inclui atividades direcionadas a avaliar a comunicação, a interação social recíproca, brincadeiras, comportamentos estereotipados e outros comportamentos atípicos em indivíduos autistas desde a fase não verbal pré escolar até a fase adulta verbal. Leva aproximadamente 30 a 45 minutos para ser aplicado, requerendo treino específico e procedimentos de validação. Robins et al., (2001) apontam que os instrumentos citados apresentam vantagens na identificação do autismo em crianças, mas também apresentam muitos problemas, tais como: aplicação muito longa e volumosa; a maioria deles direcionado a crianças em idade escolar e não válidos para bebês; desconsideração do relato dos pais e valorização da observação da criança em consultório; abordagem de comportamentos que raramente aparecem em crianças antes dos três anos de idade (por exemplo; linguagem idiossincrática, resistência a mudanças); medidas não padronizadas; necessidade de ser aplicados por especialistas em problemas de desenvolvimento ou em autismo; montagem de ambientes estruturados para sua aplicação; e o mais importante, têm indicação para crianças já identificadas com características autistas, ao invés de serem sugeridos para todas as crianças. Esses autores consideram, portanto, que os instrumentos citados não são adequados para a triagem de um grande número de crianças pequenas, e que para isso seria necessário um instrumento rápido, de fácil aplicação, e que alertasse os profissionais de saúde, principalmente os médicos, sobre a importância de futuras avaliações de crianças com sinais precoces tanto de autismo como de transtornos invasivos do desenvolvimento. 21 O instrumento CHAT como uma possibilidade da triagem precoce do autismo O CHAT (Checklist for Autism in Toddlers – ver Anexo 2) é um instrumento de triagem para o autismo desenvolvido por Baron-Cohen, Allen e Gilberg (1992), que combina a entrevista com os pais - denominada sessão A - e a observação, por parte do profissional, de comportamentos dos bebês (1) - denominada sessão B. Tal instrumento tem como objetivo levantar falhas em comportamentos-chave dos 15 aos 24 meses de idade, que são preditores psicológicos para identificação de autismo. Estes comportamentos envolvem as áreas de brincadeira simbólica e atenção compartilhada, que são marcos universais do desenvolvimento normal, estando presentes geralmente aos 15 meses de idade. Portanto, sua ausência na investigação de rotina aos 18 meses poderia ser um indicador específico de autismo ou de desordens relacionadas. Segundo os autores, o CHAT não deve ser utilizado como um instrumento de avaliação, e sim como um alerta aos profissionais da saúde primária para possibilitar o encaminhamento a uma avaliação específica para autismo em idade precoce. No estudo de 1992, os autores colocam como justificativas para aplicação do CHAT os seguintes fatos: os médicos ou profissionais da saúde primária não terem treinamento específico para detectar o autismo precocemente; a rotina de exames da criança não contar com uma lista de comportamentos de alerta para autismo e as áreas geralmente avaliadas parecerem normais (por exemplo, o desenvolvimento motor); os critérios de diagnóstico do CHAT enfatizarem anormalidades no desenvolvimento social e comunicativo, que são difíceis de serem avaliadas no período pré-escolar. É importante ressaltar que o CHAT é um instrumento relativamente recente. Seu estudo teve início em 1992, e ainda em 2000, os autores se questionavam quanto aos resultados apresentados em sua aplicação. Além disso, outras questões são importantes de serem consideradas. Por exemplo, talvez não se deva realizar a aplicação do CHAT na ausência de 22 um adulto significativo para a criança. Ao realizar a aplicação na presença desse adulto estaria se garantindo um ambiente seguro e aspectos relacionados ao apego. (1) Neste estudo o termo “toddler” será definido por “bebê” levando-se em consideração que na língua portuguesa não encontramos uma definição precisa do termo, que em inglês é descrito como “criança que engatinha, começa a andar”. Em um recente estudo, Robins et al., (2001) apresentaram o CHAT modificado (“Modified CHAT”- MCHAT) como um instrumento simples de triagem para o autismo que pode ser aplicado a todas as crianças durante a consulta pediátrica. De acordo com os autores, o MCHAT é uma extensão do CHAT original. Ele não depende da observação da criança pelo pediatra, mas sim do relato dos pais sobre habilidades e comportamentos correntes da criança. Pode ser preenchido pelos pais em sala de espera do médico ou ser fornecido aos pais de crianças que foram encaminhadas a serviços de intervenção precoce. Uma justificativa para sua elaboração está relacionada ao fato de que nem todos os serviços de saúde podem contar com agentes que façam visitas domiciliares para aplicarem a avaliação como propõe a sessão B do CHAT original, que foi desenvolvido no sistema público de saúde da Inglaterra. Adicionalmente, a avaliação de atrasos de desenvolvimento em uma única sessão de observação do pediatra pode ser errônea. Por esse motivo o MCHAT consiste de um único relato dos pais sobre os comportamentos correntes da criança. Outra justificativa é que ainda não havia pesquisas utilizando o CHAT fora da Inglaterra, e a intenção de Robins et al., (2001) foi aplicar o CHAT nos Estados Unidos. Estes autores conservaram os nove itens da sessão A do CHAT original acrescidos de 14 novos itens, totalizando 23 itens-chave. Os novos itens foram designados a ampliar a lista de sintomas para identificar uma escala maior de crianças com transtornos invasivos de desenvolvimento e compensar a eliminação da sessão B do CHAT original, a de avaliação da criança. O MCHAT é apresentado no Anexo 3. Ainda não foram realizados estudos que comparem os dois instrumentos – CHAT e MCHAT. 23 Assim, fazer um levantamento sobre os estudos que apontam a possibilidade da identificação precoce de sinais de risco para autismo e a responsabilidade do pediatra em suspeitar de tais sinais e utilizar instrumentos de triagem que avaliem aspectos do desenvolvimento especificamente relacionados ao autismo, parece ser de grande importância para o campo do diagnóstico precoce. Todavia, observa-se a escassez de estudos desse tipo no Brasil. Nesse contexto, esta pesquisa tem como objetivo verificar a aplicabilidade do instrumento CHAT para detectar sinais de risco para autismo junto a uma amostra de crianças que freqüentam creche e posto de saúde e verificar junto a pediatras, por meio de entrevistas, a sua prática de identificação de tais sinais. Tendo em vista a necessidade de avaliar a aplicação deste instrumento e comparar os resultados com os apresentados pelos autores em seus estudos, o objetivo da primeira etapa desta pesquisa foi o de verificar a aplicabilidade do instrumento CHAT e de um conjunto de itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento para levantar sinais indicadores de autismo em uma população composta por 50 crianças de 20 a 47 meses de uma creche e de um posto de saúde. Sabendo que os instrumentos de triagem para o autismo deveriam constar da rotina de supervisão em desenvolvimento de todos os profissionais envolvidos com a infância, especialmente o pediatra, surgiu a necessidade da realização da segunda etapa desta pesquisa, que teve como objetivo verificar com este profissional, sua conduta, instrumentos utilizados e sua eficácia para avaliar atraso de desenvolvimento relacionado a sinais de autismo em crianças de 20 a 47 meses, e ainda, identificar sua disposição em receber informações sobre este tema. 24 ESTUDO 1 O objetivo deste estudo foi verificar a aplicabilidade de um instrumento de triagem precoce de autismo, o CHAT – Checklist for Autism in Toddlers - (Baron-Cohen et al.,1992, 2000) e de um conjunto de itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento proposto por Filipek et al., (1999) para levantar sinais indicadores de autismo em uma população composta por 50 crianças de 20 a 47 meses de uma creche e de um posto de saúde. MÉTODO Participantes: Foram sujeitos deste estudo 50 crianças de 20 a 47 meses. As crianças de número 1 a 37 freqüentavam uma creche municipal de uma cidade de 24 mil habitantes do interior de São Paulo, sendo que as de número 1 a 28 eram alunas da sala denominada “mini-maternal”, a série inicial da creche; as crianças de número 29 a 33 freqüentavam a sala “maternal II” e as crianças de número 34 a 37 freqüentavam a sala “maternal I”. As crianças de número 38 a 50 eram cadastradas em um programa do posto de saúde desta mesma cidade denominado SISVAN. Este programa da Secretaria Municipal da Saúde tinha como objetivo acompanhar as crianças que durante as consultas com os pediatras eram consideradas de baixo peso para sua idade. Estas crianças, quando inseridas no programa, 25 eram acompanhadas mensalmente quanto a peso e altura e recebiam uma cota de leite. Além disto, suas mães eram orientadas quanto às necessidades de alimentação da criança. Diante da proposta deste estudo, a Secretaria Municipal de Saúde sugeriu a avaliação das crianças do SISVAN devido à facilidade de serem agendadas no posto de saúde e à necessidade de acompanhamento por causa do fator de risco para atraso de desenvolvimento. Todas as crianças participantes do estudo eram de baixo nível sócio-econômico. A idade das crianças variou de 20 a 47 meses, sendo a idade média de 32.5 meses. Participaram 26 crianças do sexo feminino (52%) e 24 crianças do sexo masculino (48%). A relação das crianças avaliadas encontra-se no Anexo 4. Nos estudos sobre o CHAT (Baron-Cohen et al., 1992, 2000), os autores relatam sua aplicação em crianças na faixa etária de 18 meses. Ao iniciarmos este estudo, foi percebida a dificuldade em encontrar uma população na faixa etária sugerida pelo instrumento, pois as crianças que freqüentavam a creche da cidade eram inseridas com idade inicial de 20 meses e as que estavam inscritas no programa SISVAN também tinham esta mesma idade inicial. Além disso, houve um pedido dos profissionais da creche e do posto de saúde para que algumas crianças fossem inseridas no presente estudo, mesmo sendo mais velhas, devido às suspeitas de atraso no desenvolvimento. Foram participantes também as berçaristas da creche, que responderam as questões do instrumento de avaliação referentes às crianças de número 1 a 37; e as mães no posto de saúde, que responderam as questões referentes às crianças de número 38 a 50. Local e materiais: 26 A avaliação das crianças 1 a 37 foi realizada na própria creche, na sala da coordenação, durante seu horário de permanência na mesma. A avaliação das crianças 38 a 50 ocorreu no posto de saúde respeitando o agendamento do SISVAN e a avaliação ocorreu na sala de reuniões. Para a avaliação das crianças neste estudo foi utilizada uma ficha que continha os itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento baseados em Filipek et al. (1999, p.449) e transformados pela pesquisadora em questionário do tipo SIM / NÃO para ser aplicado aos pais e berçaristas (apresentado no Anexo 5) e o CHAT (Checklist for Autism in Toddlers), instrumento de triagem para autismo elaborado por Baron-Cohen et al., (1992) que combina a entrevista com os pais e a observação de comportamentos da criança (descrito no Anexo 2). Foram utilizados também os brinquedos propostos pela sessão B do instrumento CHAT e adequados à faixa etária das crianças (blocos de empilhar, bule, colher e xícara de brinquedo); lápis e prancheta para anotações das observações durante a avaliação das crianças. Procedimento: Aspectos éticos Segundo a resolução 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos, foi respeitado o anonimato dos participantes, e obtido seu consentimento na divulgação dos dados na pesquisa (Anexo 6). Foram feitos também pedidos de autorização às Secretarias de Educação e de Saúde da cidade onde o estudo se desenvolveu, conforme o termo de consentimento apresentado no Anexo 7. 27 Foram realizados os esclarecimentos necessários aos participantes (familiares das crianças, profissionais da creche e posto de saúde) envolvidos no estudo, e estes assinaram o termo de consentimento (Anexo 6). A pesquisadora comprometeu-se a realizar os encaminhamentos necessários das crianças envolvidas, caso fosse constatado algum tipo de déficit nos aspectos avaliados durante a mesma. Os encaminhamentos foram feitos imediatamente após o término do estudo, assim como foram comunicados os resultados da pesquisa ao serviço de saúde (posto de saúde) e educação (creche) nos quais esta se desenvolveu. O projeto de pesquisa foi apresentado aos secretários da educação e da saúde da cidade onde foi desenvolvido. Após receber a autorização para realizar o estudo junto à creche e posto de saúde, a pesquisadora foi apresentada aos profissionais desses locais pelos respectivos secretários, momento em que foram explicados os objetivos e procedimento da pesquisa. Foi iniciada a avaliação das crianças participantes. Avaliação das crianças na creche Primeiramente foram avaliadas as crianças que freqüentavam a creche municipal. Na creche, a pesquisadora chamava cada criança juntamente com a berçarista responsável por ela em uma sala separada. Essa sala era utilizada pela coordenadora da creche que a cedeu à pesquisadora nos horários de avaliação. Nela estavam dispostos: uma mesa, duas cadeiras, um computador, uma mesa infantil e duas cadeiras infantis. A pesquisadora utilizou somente a mesa e cadeiras infantis. Eram aplicadas na seqüência: as questões de Filipek et al., 1999 – (ver Anexo 5) e as questões da sessão A do instrumento CHAT dirigidas às berçaristas; e a sessão B do CHAT (observação dos comportamentos) com a criança, utilizando os 28 brinquedos descritos (blocos de empilhar, bule, colher e xícara de brinquedo), conforme apresentado no Anexo 2. Este procedimento ocorreu individualmente, para cada uma das 37 crianças. Eram anotadas as observações para cada criança em protocolos individuais. Todas as sessões ocorreram no período da manhã. Eram avaliadas quatro a cinco crianças por dia, sendo utilizada uma média de 15 minutos para cada aplicação. A avaliação das 37 crianças da creche teve a duração total de nove manhãs. Avaliação das crianças no posto de saúde No posto de saúde, a pesquisadora compareceu em datas pré-estabelecidas pelas enfermeiras, quando as crianças iriam ser atendidas pelo projeto SISVAN. Nessas datas, cada criança de número 38 a 50 e seu responsável eram encaminhados à pesquisadora individualmente logo após a criança ter recebido o leite e ter sido avaliada pela enfermeira quanto a peso e altura. A avaliação das crianças pela pesquisadora ocorreu na sala de reuniões cedida pelo posto de saúde. Essa sala era composta por uma mesa, várias cadeiras de plástico, um armário fechado, um televisor e um videocassete. Na avaliação foram utilizados a mesa, duas cadeiras e os materiais descritos, sendo que as crianças ficaram no colo de suas mães, na maioria das vezes. Estando a dupla mãe-criança na sala, as questões de Filipek et al.,(1999) e a sessão A do instrumento CHAT eram direcionadas ao responsável por cada criança que as acompanhava neste momento (mães na maioria dos casos, uma avó e uma irmã). Em seguida era realizada a avaliação determinada pela sessão B do instrumento CHAT com a criança. A duração da aplicação das questões e do instrumento foi de aproximadamente 15 minutos por criança e a duração total da avaliação no posto de saúde foi de quatro manhãs. 29 Aplicação e correção das questões de Filipek et al. (1999) A aplicação dos itens de sinais de alerta ocorreu junto com a aplicação do CHAT, nas creches direcionadas às berçaristas e no posto de saúde às mães. O critério de correção dos itens de sinais de alerta de Filipek et al., (1999) foi seguido como indicado pelos autores em seu estudo: diante do fracasso em qualquer um dos itens (colocado como resposta NÃO na ficha de avaliação individual) foi recomendado o encaminhamento imediato da criança a algum serviço especializado em diagnóstico precoce, neste caso, ao serviço de fonoaudiologia e psicologia municipal. Os resultados obtidos na avaliação foram comparados com as observações das mães e berçaristas sobre o desenvolvimento das crianças; estas observações foram escritas na própria ficha de avaliação individual. Descrição, aplicação e correção do instrumento CHAT O CHAT (ver Anexo 2) consiste em um questionário de nove perguntas do tipo sim/não e aborda os comportamentos: atenção compartilhada, incluindo os gestos protodeclarativo, e brincadeira de faz de conta. Os autores definem atenção compartilhada (joint-attention) como a capacidade para responder ou iniciar um foco de atenção com outra pessoa via apontar, mostrar, ou olhar fixamente. Como exemplo, apresentam o olhar para a face do adulto e em seguida para um objeto de interesse ou um evento. A atenção compartilhada permite que a criança aprenda por meio de outros, aprenda a que as palavras se referem, e preste atenção ao ambiente (referencial social). É vista como a mais precoce expressão da capacidade de interpretação. Nela a criança mostra ter se interessado por algo. Segundo os autores, o gesto de “apontar protodeclarativo” significa apontar para indicar interesse e pode ser diferenciado de uma 30 forma simplificada de apontar (apontar para pedir, ou o “gesto protoimperativo”). O apontar declarativo é de importância particular ao se considerar os comportamentos preditores de autismo. Normalmente tal habilidade está presente em bebês dos 9 a 14 meses, sendo ausente ou atípica na criança autista. No CHAT os indicadores protodeclarativos estão representados nos itens A7 (a criança usa o dedo indicador para apontar ou indicar interesse em alguma coisa?) e BIV (fale para a criança: “onde está a luz?” Ou “me mostre a luz”. A criança aponta com seu dedo indicador onde está a luz?) (Baron-Cohen et al., 2000, p. 5). Os autores definem a brincadeira simbólica (pretend play) como a atribuição de características imaginárias às pessoas, objetos e eventos. Tal brincadeira é vista como a emergência da capacidade simbólica, do faz de conta. Eles definem a brincadeira de faz de conta como “tratar um objeto como se ele representasse algo diferente, o imaginário”. Referem que deve ser diferenciada de formas simples de brincar, da brincadeira funcional, onde a criança usa o objeto apropriadamente; e da brincadeira sensório-motora, onde a criança explora as qualidades físicas dos objetos. Geralmente presente dos 12 aos 15 meses, sendo ausente ou atípica no autismo. No CHAT os indicadores da brincadeira de faz de conta são os itens A5 (a criança finge brincar de, por exemplo, servir uma xícara de chá e um bule de brinquedo, ou brinca de faz de conta?) e BIII (obtenha a atenção da criança e então dê a ela uma miniatura de uma xícara e um bule de brinquedo e fale: “você pode me servir uma xícara de café?” A criança fingiu colocar o café e beber, etc?) (Baron-Cohen et al., 2000, p.5-6). A aplicação do CHAT dura em média 5 a 10 minutos, não sendo necessário treino específico para a aplicação. Compreende duas sessões (A e B). A sessão A é direcionada aos pais e inclui nove áreas de desenvolvimento: brincadeira de pular (tumble play), interesse social, desenvolvimento motor, jogos sociais, brincadeira de faz de conta (pretend play), gestos protoimperativos, gestos protodeclarativos, jogos 31 funcionais, atenção compartilhada (joint attention). É feita uma questão para cada um destes comportamentos, onde os pais respondem sim ou não. A sessão B é respondida pelo médico ou agente de saúde mediante observação do comportamento da criança em relação a interação social, brincadeira de faz de conta, gestos protodeclarativos e deficiência mental (mental handicap). Os resultados obtidos na sessão B são confrontados com os da sessão A, de forma a validá-los. Os itens não-chave fornecem informações adicionais e diferenciam autismo de atrasos de desenvolvimento global. No estudo de Baron-Cohen et al. de 1992, os autores consideram risco para autismo falhas em qualquer combinação de dois itens-chave do CHAT entre: interesse social (A2), jogo social (A4), brincadeira simbólica (A5), indicador protodeclarativo (A7) e atenção compartilhada (A9). Já nos estudos de Baron-Cohen et al., (2000) e Baird (2000), os autores consideram que falhas em todos os cinco itens-chave indicam um alto risco para o autismo: brincadeira de faz de conta (pretend play - A5), indicador protodeclarativo (protodeclarative pointing - A7), seguir um ponto (following a point - BII), faz de conta ( pretend play - BIII) e indicador protodeclarativo ( producing a point - BIV). Apontam um risco moderado para o autismo as falhas nos itens que medem indicadores protodeclarativos: A7 e BIV. As crianças deste grupo devem passar em pelo menos um dos outros itens-chave (A5, BII, BIII). E sinalizam um baixo risco para o autismo todos os outros itens restantes como itens não chave: A1, A2, A3, A4, A6, A8, A9, BI e BV. Os autores recomendam que se a criança falhar nos itens-chave do CHAT deve ser reavaliada aproximadamente dentro de um mês pelo mesmo questionário. Afirmam que se a criança falhar novamente na segunda aplicação do CHAT, deve ser encaminhada a um clínico 32 especialista em diagnóstico de autismo, pois o CHAT não é um instrumento diagnóstico, mas sim um instrumento de triagem (screenning test). A aplicação do instrumento CHAT envolveu duas etapas. Na primeira etapa (sessão A) a pesquisadora fazia cada pergunta à berçarista na creche ou à mãe no posto de saúde, esperava a resposta e a anotava no protocolo individual. A segunda etapa (sessão B) foi realizada logo em seguida com cada criança e consistiu na avaliação prática pela pesquisadora (observação de comportamentos). A pesquisadora chamava a criança para brincar e mostrava os brinquedos sugeridos pelo instrumento CHAT (bule, xícara, colher de brinquedo e blocos de empilhar). Enquanto a criança manuseava os brinquedos, a pesquisadora fazia as perguntas sugeridas pela sessão B do CHAT (ver Anexo 2). Eram anotadas as respostas em forma de SIM / NÃO de acordo com o que a criança demonstrava diante das questões. Na creche, esta etapa (sessão B) foi realizada sem a presença da berçarista, que respondia às questões da sessão A e saía para cuidar das outras crianças da sala. No posto de saúde a sessão B foi realizada na presença da mãe ou responsável, pois era uma situação de consulta agendada. A correção do CHAT foi feita segundo os critérios estabelecidos pelos autores em seus estudos (Baron-Cohen et al., 2000; Baird, 2000). Índice de fidedignidade: Para garantir a fidedignidade do instrumento CHAT (1992, 2000) foi realizado o procedimento descrito a seguir: 33 1. 22% de 37 crianças da creche participantes do estudo (n=8) foram escolhidas randomicamente (por meio de sorteio) para serem avaliadas por um pesquisador independente (psicóloga) ingênuo em relação aos objetivos desse estudo. 2. a pesquisadora realizou o treino do pesquisador independente em uma sessão de aproximadamente 30 minutos na qual foram realizados os seguintes procedimentos: a) Inicialmente, o instrumento foi mostrado e aplicado pela pesquisadora em uma criança não participante do estudo e o pesquisador independente observou essa aplicação. Nesta aplicação perguntou-se à mãe as questões propostas por Filipek et al., (1999) e as questões propostas pela sessão A do instrumento CHAT (Baron-Cohen et al., 1992), e foi realizada a avaliação da criança na Sessão B, também de acordo com o CHAT. b) Em seguida, foi discutida a aplicação das questões e do instrumento, e o pesquisador independente teve oportunidade de solucionar suas dúvidas. A seguir, foram relidos os itens. 3. em outra sessão foram sorteadas as crianças da creche, sendo que a pesquisadora retirava cada uma das oito crianças da sala individualmente e realizava a avaliação. Foi necessária uma manhã para esta tarefa. 4. a pesquisadora e o pesquisador independente registraram as respostas das oito crianças no protocolo, concomitantemente, sendo que a pesquisadora aplicou o conjunto (CHAT e Filipek) e o pesquisador independente realizou as anotações desta aplicação em local afastado da pesquisadora. O resultado total do índice de fidedignidade entre a pesquisadora e o pesquisador independente foi de 99.34% de acordos. 34 RESULTADOS 35 A análise dos resultados da aplicação do instrumento CHAT (Baron-Cohen et al. 1992, 2000) e das questões de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento de Filipek et al., (1999) foi realizada separadamente. Dados obtidos na aplicação do CHAT No presente estudo nenhuma das crianças avaliadas apresentou todos os sinais indicativos de alto risco para autismo (ou seja, falhas em todos os cinco itens-chave do CHAT: A5, A7, BII, BIII, BIV) segundo os critérios descritos pelos autores em 2000; e nenhuma criança apresentou risco moderado para autismo (falhas em itens protodeclarativos A7 e BIV). Entretanto, duas crianças (4%) apresentaram falhas em três itens-chave: dois destes representam brincadeira simbólica (A5, BIII) e um deles é indicador protodeclarativo (BIV); seis crianças (12%) apresentaram falhas em dois itens-chave (que também representam brincadeira simbólica e indicador protodeclarativo) e sete crianças (14%) apresentaram falha em um item-chave (BIV). Além disto, 13 crianças (26%) falharam em indicadores de baixo risco para autismo, que segundo os autores, representam risco para atraso global de desenvolvimento, representados nessa amostra pelos itens: interesse social (A2), habilidade motora (A3), jogo social (A4), gesto de apontar para pedir (A6), brincadeira funcional (A8), atenção compartilhada (A9) e habilidade cognitiva (BV). Algumas crianças apresentaram ainda fracasso em itens-chave para autismo combinado com itens de atraso de desenvolvimento global (crianças 9, 28, 34, 37 e 49 = 10%). É importante ressaltar que a criança 49 apresentou falhas em três itens-chave para autismo e em outros três itens indicadores de atraso global de desenvolvimento. Os resultados estão representados na Tabela 1. 36 Portanto, o instrumento CHAT (de acordo com os critérios estabelecidos pelos autores em 2000) conseguiu identificar sinais de risco para autismo e para atraso de desenvolvimento global em 23 crianças participantes (46%), embora não tenha sido encontrado nenhum caso de alto e moderado risco para autismo nesta população. Tabela 1. Resultados apresentados pelas crianças na aplicação do CHAT segundo os critérios de BaronCohen et al., (2000); Baird, (2000) Número de itens-chave Total de crianças Identificação / Itens 03 itens-chave 02 (4%) 27 (A5, BIII, BIV) 49 (A5, BIII, BIV) 02 itens-chave 06 (12%) 09 (BIII, BIV) 10 (BIII, BIV) 26 (A5, BIV) 28 (A5, BIV) 34 (BIII, BIV) 48 (A5, BIII) 01 item-chave 07 (14%) 04 (BIV) 14 (BIV) 17 (BIV) 18 (BIV) 29 (BIV) 31 (BIV) 37 (BIV) Itens-chave indicadores de baixo risco para autismo 13 (26%) 09 (BV) 28 (A8) 30 (A8) 32 (A9) 33 (A2, A4) 34 (A9) 35 (A2) 37 (BV) 43 (A3, BV) 44 (BV) 47 (BV) 49 (A4, A6, BV) 50 (A4) Segundo os critérios descritos pelos mesmos autores do CHAT em 1992, apresentariam risco para autismo as crianças que falhassem em qualquer combinação de dois itens entre: A2 (interesse social), A4 (jogo social), A5 (brincadeira simbólica), A7 (indicador protodeclarativo) e A9 (atenção compartilhada). Das 50 crianças avaliadas no presente estudo, 37 duas crianças apresentaram falhas em pelo menos dois itens-chave do CHAT segundo os critérios de 1992: a criança 33 apresentou falhas nos itens A2 e A4 (interesse social e jogo social), e a criança 49 apresentou falhas em nos itens A4 e A5 (jogo social e brincadeira simbólica). Estas crianças, portanto, de acordo com o estudo de Baron-Cohen et al., (1992), apresentaram risco para autismo e deveriam ser encaminhadas a uma avaliação especializada. Os dados completos referentes à aplicação do instrumento CHAT utilizando os critérios de 1992 e os critérios de 2000 encontram-se nos Anexos 8 e 9, respectivamente. Dados obtidos na aplicação das questões de Filipek Os resultados obtidos foram analisados em função das falhas apresentadas pelas crianças nos itens indicadores de atraso de desenvolvimento propostos por Filipek et al., (1999) mostrados no Anexo 5. Além disso, estes foram comparados com as observações das mães e berçaristas sobre o comportamento das crianças. Das 50 crianças participantes do estudo, dez (20%) apresentaram falhas em comportamentos que indicam alerta para atraso de desenvolvimento segundo Filipek et al., (1999). As crianças de número 4, 15, 20, 24, 28, 32, 34, 36, 38 e 48 (com idade variando de 25 a 42 meses, e idade média de 33.9 meses) fracassaram em dizer frases de duas palavras, aquisição esperada aos 24 meses. Dentre estas, as crianças de número 34 (com 39 meses) e 36 (com 42 meses) apresentaram atraso mais grave: falharam tanto em dizer palavras simples, habilidade que deveria estar presente aos 16 meses, como em dizer frases de duas palavras. De acordo com os autores, as dez crianças deveriam ser encaminhadas com urgência para serviços de diagnóstico audiológico e estimulação, principalmente porque não eram bebês e os atrasos se configuravam há mais tempo. Ressalta-se que somente uma criança (de número 38) recebia atendimento fonoaudiológico. As crianças não apresentaram problemas nos outros 38 itens de alerta: balbuciar aos 12 meses, usar gestos de apontar ou acenar adeus aos 12 meses, perda de habilidade social ou de linguagem. Observou-se, portanto, que os itens propostos por Filipek et al., (1999) foram capazes de identificar sinais de alerta para atraso de desenvolvimento na população avaliada. Uma análise também foi feita comparando-se o índice de queixas e observações sobre o desenvolvimento das crianças emitidas pelas berçaristas e mães em relação aos resultados apresentados pelas crianças na avaliação. Como apresentado na Tabela 2, as queixas mais freqüentes foram relacionadas às dificuldades de linguagem e interação social (“fala pouco para sua idade e/ou apresenta trocas na fala”, “criança tímida”, “não mostra reação diante das perguntas, não responde”, “brinca isoladamente do grupo”). Outros tipos de defasagem no desenvolvimento também foram percebidos pelas cuidadoras: dificuldades no comportamento (“comportamento agressivo”, “não fica sentada”, “não espera sua vez”), história de atraso neuropsicomotor e de traumatismo craniano seguido de coma. As observações “criança tímida, não mostra reação diante das perguntas, não responde” parecem subjetivas, mas refletem a percepção das mães e berçaristas de que há algo diferente com a criança e não sabem explicar por meio de terminologia mais técnica. Estas colocações foram inseridas nas categorias de linguagem e interação social por terem aparecido com grande incidência, não podendo ser desconsideradas. Tabela 2. Observações das mães e berçaristas em relação ao desenvolvimento das crianças Observações Freqüência Identificação das crianças “Fala pouco em relação à idade, apresenta trocas na fala” 14 (28%) 15, 18, 20, 24, 28, 29, 32, 33, 34, 37, 38, 39, 45, 48 “Tímida, fala pouco” 12 (24%) 3, 9, 10, 15, 20, 24, 26, 27, 32, 38, 48, 49 “Não mostra reação diante das perguntas” 07 (14%) 10, 15, 24, 27, 32, 38, 49 39 “Comportamento agressivo”, “não fica sentada”, “não espera sua vez” “Brinca isoladamente” 06 (12%) 3, 27, 30, 31, 33, 42 03 (6%) 29, 32, 33 Observou-se que as cuidadoras foram capazes de verbalizar a existência de defasagens no desenvolvimento de 23 crianças (46%), enquanto que os itens de sinais de alerta de Filipek et al., (1999) identificaram 10 crianças (20%) de risco para atraso de desenvolvimento e os itens-chave do CHAT levantaram 23 crianças (46%) com algum risco para atraso de desenvolvimento e para sinais de autismo. A Tabela 3 mostra esta situação. Tabela 3. Crianças que apresentaram pelo menos uma falha nos itens do CHAT e Filipek bem como nos relatos das observações das mães e berçaristas Falhas apresentadas pelas crianças em pelo menos um item Freqüência Identificação das crianças Itens de sinais de alerta de Filipek et al., (1999) 10 (20%) 4, 15, 20, 24, 28, 32, 34, 36, 38, 48 Observações das berçaristas e mães 23 (46%) 3, 9, 10, 15, 18, 20, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 37, 38, 39, 42, 45, 48, 49 Itens do CHAT 23 (46%) 4, 9, 10, 14, 17, 18, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 43, 44, 47, 48, 49, 50 Ao ser comparado o número de itens observados pelas mães e berçaristas com o índice de falhas apresentadas pelas crianças nos itens de sinais de alerta de Filipek et al.,(1999), observou-se que oito crianças (15, 20, 24, 28, 32, 34, 38 e 48 = 29.6%) apresentaram sinais de atraso de desenvolvimento tanto na avaliação de suas cuidadoras como na triagem de Filipek et al., (1999), confirmando a capacidade de percepção destas em relação às defasagens em aspectos globais do desenvolvimento de tais crianças. Ao compararmos o número de crianças apontadas pelas mães/berçaristas como tendo problemas de desenvolvimento com os itens-chave do CHAT, constatamos 15 crianças em 40 comum (9, 10, 18, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 37, 48 e 49 = 55.5%). Destas, ainda podemos acrescentar que a maioria das falhas ocorreu nos itens relacionados a: comunicação e interação social (A2, A4, A9), brincadeira simbólica (A5 e BIII), apontar protodeclarativo (BIV) e habilidade cognitiva (BV). É importante ressaltar que as crianças 27 e 49, que apresentaram o maior número de itens preditores de autismo (três falhas em itens-chave do CHAT segundo os critérios de 2000) estão entre as que foram detectadas pelas berçaristas e mães como tendo problemas de desenvolvimento. Adicionalmente a criança 33 (que apresentou duas falhas em sinais preditores de autismo segundo os critérios do CHAT de 1992) foi citada pela berçarista como tendo problemas em todos os aspectos levantados: linguagem, interação social, comportamento, atraso neuropsicomotor. Finalmente, quatro crianças apresentaram falhas nos três “instrumentos” CHAT, Filipek e observações das mães e berçaristas: as crianças 28, 32, 34 e 48 (14.8%). Destas quatro crianças, três apresentaram duas falhas em itens-chave do CHAT. Portanto, ao considerarmos todos os critérios de avaliação utilizados (Filipek et al., (1999), o instrumento CHAT e as observações das cuidadoras), 32 crianças (3, 4, 9, 10, 14, 15, 17, 18, 20, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 42, 43, 44, 45, 47, 48, 49, 50 = 64%) parecem ter apresentado alguma defasagem no desenvolvimento, desde os aspectos mais globais até o risco de manifestar sinais de autismo. Diante destes resultados, seria importante fazer a reavaliação destas crianças em outra situação a fim de verificar a manutenção destes índices ou aplicar outros instrumentos conjuntamente. 41 DISCUSSÃO Os resultados da aplicação do CHAT parecem mostrar que este instrumento conseguiu identificar sinais de risco para autismo e para atraso de desenvolvimento global em 23 crianças (46%), embora não tenha sido encontrado nenhum caso de risco alto e moderado para autismo. Contudo, deve-se destacar que a amostra de sujeitos usada neste estudo foi pequena e a faixa etária das crianças foi maior quando comparada com a de Baron-Cohen et al., (1992, 2000). Sugere-se em futuros estudos de rastreamento para sinais de autismo utilizando tal instrumento, que estas observações sejam consideradas. 42 Por outro lado, os resultados mostraram que um grande número de crianças (46%), apresentou falhas em alguns itens-chave tanto para autismo como para atraso de desenvolvimento. Porém, os autores não oferecem explicações ou alternativas de avaliação e encaminhamento para tais crianças. Cabe ressaltar que as falhas apresentadas por elas ocorreram nas categorias de interação social, brincadeira de faz de conta e atenção compartilhada, apontadas por Charman et al., (1998) como comportamentos característicos de autismo nesta faixa etária. Uma outra dificuldade detectada ao analisar os resultados diz respeito aos critérios estabelecidos pelos autores do CHAT para identificar sinais de autismo, ou seja, os critérios diferem de publicação (Baron-Cohen et al., 1992) para publicação (Baron-Cohen et al., 2000 & Baird, 2000) sem esclarecer ao leitor as razões para tal mudança. Esta dificuldade pode acarretar dúvidas sobre como interpretar os resultados. Um exemplo desta aparece com a criança 33, que pode ser considerada de risco ou não dependendo do critério adotado. Com o objetivo de esclarecer os resultados apresentados pelas crianças neste estudo, os dados foram encaminhados por meio de correio eletrônico aos autores do CHAT, juntamente com a questão sobre qual artigo deveria ser considerado para a análise dos resultados. A resposta foi também enviada por e-mail por um membro da equipe do Dr. Baron-Cohen, o Dr. Tony Charman, da University College London, Cambridge. Charman (2001) – comunicação pessoal – afirmou que os critérios de avaliação do CHAT realmente mudaram de 1992 para 2000, mas a explicação para este fato não havia sido apresentada no artigo de 2000. Relatou que essa mudança ocorreu por uma razão sistemática de triagem, isto é, as crianças que falhavam em ambas as sessões do CHAT (sessão A de entrevista e sessão B de observação) teriam maior probabilidade de serem positivas. Portanto, 43 os autores propuseram esse critério no artigo de 2000, sugerindo que este fosse adotado também no presente estudo. Parece ser este o motivo da inclusão de itens-chave da sessão B como critério de avaliação de preditores de autismo, já que em 1992 os itens-chave eram A2, A4, A5, A7, A9 e em 2000 foram modificados para A5, A7, BII, BIII, BIV. Possivelmente a escolha se deu no sentido de adotar critérios mais amplos. Nestes casos, é melhor ter um “alarme falso”, ou seja, detectar falsos sinais de autismo que depois sejam descontados, do que deixar passar pelo escrutínio uma possível criança com autismo. Ainda em relação ao CHAT, surgiram questões quanto aos resultados da sua aplicação. Por exemplo: algumas crianças não apresentaram, na sessão B, as habilidades de brincar de faz de conta (BIII) e apontar um objeto na sala (BIV), o que foi assinalado como “falha” na ficha de avaliação. Pode-se dizer que estas crianças não tinham realmente adquirido estas habilidades ou não o fizeram por timidez diante da pesquisadora, em uma situação de avaliação? Da mesma forma, algumas mães e berçaristas relataram na Sessão A que a criança brincava de faz de conta, e este comportamento não foi observado pela pesquisadora ao avaliar a mesma criança na Sessão B. Pode-se afirmar que as cuidadoras não responderam corretamente à pergunta sobre este comportamento? Esses exemplos parecem indicar a necessidade de realizar mais do que uma observação, assim como sugerem a necessidade do pesquisador estabelecer um vínculo com a criança antes da aplicação da avaliação, ou mesmo realizá-la na presença de seu cuidador. De acordo com os estudos sobre o CHAT, tal instrumento foi designado ao levantamento de sinais indicadores de autismo aos 18 meses. Neste estudo, mesmo sendo as crianças participantes mais velhas (entre 20 e 47 meses), foi possível perceber que algumas falhas em itens-chave do CHAT permaneceram. Como exemplo, houve grande incidência de fracasso nos itens indicadores de brincadeira de faz de conta (A5 e BIII) e de atenção compartilhada 44 (BIV), os quais podem ser indicadores de atraso de desenvolvimento (ver Tabela 2). Poder-seia dizer que a ausência destes itens em crianças mais velhas seria adequado e, portanto, não indicadores de atraso. Entretanto, observa-se que tais comportamentos estão presentes, de forma mais elaborada, em crianças mais velhas quando brincam, por exemplo, de “escolinha” ou de “guerra”. Além disso, as crianças da amostra que fracassaram nestes itens usaram os brinquedos de forma funcional, mas não brincaram de faz de conta como indicam os itenschave A5 e BIII; assim como não apontaram para indicar interesse (BIV). O CHAT é descrito na literatura que aborda os instrumentos de identificação precoce do autismo (entre os estudos destaca-se Robins et al., 2001) como um dos mais rápidos e fáceis de ser aplicado a crianças pequenas, entre 18 e 24 meses; é indicado para triagem de populações aleatórias de crianças e pode ser utilizado por aplicadores não treinados, não exigindo ambientes estruturados. Contudo, Aiello (submetido) ressalta que cuidados devem ser tomados com instrumentos semelhantes ao CHAT, que usam categorias dicotômicas (presença e ausência) e que ignoram critérios dentro de um contexto de desenvolvimento. Considerando o uso do CHAT nesse estudo, algumas questões permanecem para serem respondidas: Como interpretar os resultados de crianças que apresentaram fracasso em dois e três itens-chave? Existiria uma graduação entre os grupos de alto e moderado risco para autismo? Qualquer fracasso em um item-chave indica algum grau de risco para atraso de desenvolvimento? Há necessidade da realização de estudos longitudinais para acompanhar o desenvolvimento das crianças com alto, moderado e baixo risco de autismo; além de estudos que avaliam o grau de precisão e confiabilidade do CHAT, junto com outros instrumentos, para a detecção de sinais precoces de autismo. Em relação aos sinais de alerta para atraso de desenvolvimento propostos por Filipek et al., (1999) observou-se que eles identificaram crianças nessa condição, mas o CHAT e as 45 observações das mães e berçaristas apontaram um maior número de crianças, reforçando o caráter geral dos itens de Filipek. Quando se comparou as crianças detectadas, quatro delas foram identificadas nas três condições. O que estes resultados indicam quando considerados em conjunto? Que estas crianças estão em maior risco? Que os comportamentos em que elas falharam são os que mais se sobressaem aos olhos das cuidadoras? Ou que elas apresentam risco para atrasos de outra natureza? Foi constatado que tanto as berçaristas como as mães conseguiram identificar problemas de desenvolvimento nas crianças que estavam sob seus cuidados, mas não dispunham de recursos ou informações para procurar serviços especializados. Foi observado também que as instituições parecem não contar com um procedimento de encaminhamento para uma avaliação especializada das crianças que apresentam defasagens, conforme sugerido por Filipek et al., (1999). Diante disto, é preocupante que o sistema público de saúde e educação não esteja estruturado de forma a encaminhar adequadamente as crianças que apresentam defasagens, o que é urgente que seja feito. Ressalta-se então a necessidade de valorizar a capacidade manifestada pelas mães e berçaristas, oferecendo algum tipo de suporte neste sentido, necessidade esta enfatizada por Filipek et al., (1999) e pela American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria, 2001 a, b). É importante salientar que a maior freqüência de dificuldades apresentadas pelas crianças foi em relação aos aspectos de linguagem e interação social. Diante disto, considera-se necessário fazer uma reflexão sobre a forma como tem se dado a estimulação das crianças em relação a estes aspectos no ambiente das creches, e como os familiares que freqüentam o posto de saúde poderiam ser orientados quanto às etapas da evolução do desenvolvimento de seus filhos. É de fundamental importância que existam programas como o SISVAN, que monitoram peso e altura da criança, possibilitando a prevenção de doenças. Mas programas dessa 46 natureza parecem não ser suficientes. Também é necessário avaliar o desenvolvimento infantil global, seu monitoramento e dar apoio aos familiares. Estes aspectos também têm sido enfatizados pela American Academy of Pediatrics (2001 a, b). CONCLUSÕES O objetivo deste estudo foi levantar atraso de desenvolvimento relacionado a risco de autismo utilizando o instrumento CHAT (Baron-Cohen et al., 1992, 2000) e os itens de sinais de alerta para alterações de desenvolvimento de Filipek et al.,(1999). Considerando os critérios estabelecidos pelos autores do CHAT em 2000, nenhuma criança apresentou todos os sinais indicativos de autismo diante das condições em que os dados foram obtidos, ou seja, tamanho da amostra e faixa etária diferentes dos apresentados nos artigos, avaliação das crianças na creche sem a presença da berçarista. Contudo, duas crianças (4%) apresentaram falhas em três itens-chave, seis crianças (12%) apresentaram falhas em dois itens-chave (mas não os estabelecidos no estudo para risco moderado de autismo), sete crianças (14%) apresentaram falhas em um item-chave e 13 crianças (26%) apresentaram baixo risco para autismo ou algum risco de atraso global de desenvolvimento. Considerando os critérios de avaliação do CHAT estabelecidos em 1992, duas crianças (4%) apresentaram tal risco. Foi possível concluir que: 1. tanto o instrumento CHAT como os itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento foram facilmente aplicados junto à amostra; 2. o número de crianças selecionadas para o estudo parece ter sido insuficiente para a detecção de casos de risco para autismo nesta população, de acordo com os índices de prevalência da síndrome; 3. o CHAT foi capaz de identificar sinais de risco para autismo na amostra, embora as crianças não tenham atingido todos os critérios estabelecidos pelos autores no estudo de 47 2000; 4. os itens que apontam sinais de alerta para atraso de desenvolvimento elaborados por Filipek et al., (1999) se mostraram eficazes em detectar tais sinais em 20% da amostra; 5. as berçaristas e mães participantes do estudo se mostraram capazes de verbalizar diferenças no desenvolvimento das crianças. Entretanto, apesar de identificarem tais problemas, elas não parecem ter subsídios para realizar encaminhamentos ou procurar ajuda para minimizá-los; 6. os serviços de educação e saúde pública parecem não identificar crianças de risco para atrasos e tampouco encaminhar para avaliações. Frente ao exposto, parece importante utilizar a rota de supervisão em desenvolvimento e investigação do autismo proposta por Filipek et al., (1999) em serviços de atenção primária à saúde infantil e capacitar berçaristas e mães para compreenderem o desenvolvimento da criança e conseguirem realizar o rápido encaminhamento a serviços de avaliação e estimulação. 48 ESTUDO 2 A justificativa para a realização deste estudo está no interesse da pesquisadora em capacitar profissionais da saúde para identificar sinais de autismo em bebês. Os profissionais da saúde primária, especialmente os pediatras, raramente identificam autismo. Esta conclusão foi apresentada no estudo de Lacerda e Aiello (1998), onde os principais resultados mostraram que a prática mais freqüente dos pediatras é encaminhar as crianças que apresentam problemas ao neurologista; as informações que recebem sobre autismo provêm de escassos artigos de revistas médicas; a maioria dos médicos gostaria de receber informações atualizadas sobre a síndrome. Os resultados apresentados referem-se ao quadro de autismo em geral, portanto, pode-se suspeitar que o pediatra também não encontra subsídios em sua prática para detectar sinais precoces de autismo. Nesse sentido, a segunda etapa desta pesquisa teve como objetivo verificar, por meio de entrevista com este profissional, sua conduta, instrumentos utilizados e sua eficácia para avaliar atraso de desenvolvimento relacionado a sinais precoces de autismo em crianças de 20 a 47 meses, bem como perceber sua disposição em receber informações sobre o tema. Os dados coletados nas entrevistas poderão fundamentar, posteriormente, uma proposta de capacitação para pediatras relativa a este tema. 49 MÉTODO Participantes Foram sujeitos deste estudo seis pediatras que trabalhavam em dois postos de saúde de uma cidade do interior do estado de São Paulo com aproximadamente 24.000 habitantes, sendo três de um posto pertencente à periferia da cidade (P1, P2 e P3) e três de um posto da região central (P4, P5 e P6). Os pediatras foram convidados a participar voluntariamente do estudo. A referida cidade tinha, e havia oito pediatras atuando na secretaria da saúde, sendo que um deles já havia participado do estudo piloto que antecedeu a esse estudo (Della Barba & Aiello, 2001) e o outro pediatra não manifestou interesse em participar. A caracterização dos participantes é apresentada na Tabela 4. Tabela 4. Caracterização dos pediatras Pediatra Sexo Idade em anos Faculdade que cursou Ano de conclusão Tempo de Residência atuação em em anos pediatria P1 F 44 particular 1980 21 sim P2 F 37 particular 1990 11 sim P3 P4 P5 M M M 46 33 37 particular particular particular 1981 1991 1991 20 10 10 sim sim sim P6 F 32 pública 1991 10 sim Especiali zação Quantidade de locais em que atuava na época da entrevista saúde pública pneumolo gia infantil Não fez Não fez medicina do trânsito Não fez 2 4 5 3 3 4 50 Observou-se que dois pediatras (P1 e P3) possuíam maior tempo de formação (20 e 21 anos), sendo que a maioria dos participantes tinha entre dez e 11 anos de atuação. Somente um dos pediatras cursou universidade pública e o restante cursou faculdade particular. Todos os participantes realizaram residência em pediatria, e dois de três fizeram cursos de especialização “lato sensu” relacionados à área de atuação. Com exceção de P1 que trabalhava em dois postos de saúde da região, todos os outros participantes atuavam em vários locais (de três a cinco), dividindo seu tempo de atendimento entre: postos de saúde, hospitais, ambulatórios municipais, hospitais particulares e conveniados, cooperativas de medicina e consultórios particulares da cidade e região. Local As entrevistas com os pediatras participantes foram realizadas nos postos de saúde onde trabalhavam, em horários agendados, em suas salas de atendimento. Cada entrevista teve a duração de aproximadamente 30 minutos. Procedimento Inicialmente foi apresentado ao secretário da saúde da cidade o projeto que seria desenvolvido. Após a autorização para realizar o estudo, a pesquisadora entrou em contato com os pediatras para mostrar o projeto e agendar as entrevistas. Os pediatras concordaram em participar e assinaram o termo de compromisso, descrito no Anexo 10. Os itens da entrevista com os pediatras foram baseados no trabalho de Lacerda e Aiello, (1998). O conteúdo da entrevista constou dos seguintes tópicos: caracterização dos profissionais; descrição do instrumento que utilizavam em sua rotina para avaliar crianças 51 na faixa etária de 20 a 50 meses; descrição do procedimento quando a criança apresentava queixas de atraso de desenvolvimento e dos tipos de encaminhamento mais freqüentes; questionamento sobre sua participação em congressos que abordam o tema desenvolvimento; questionamento em relação às noções sobre o autismo e se já haviam feito algum diagnóstico deste transtorno. O roteiro de entrevista com os pediatras é apresentado no Anexo 11. Como as entrevistas foram realizadas individualmente, a pesquisadora fazia cada pergunta, esperava a resposta e a anotava no próprio roteiro. A entrevista teve caráter semiestruturado, isto é, os participantes discorriam sobre a questão formulada, e faziam comentários sobre o tema abordado. A seguir foi feita uma análise das entrevistas em termos de qualidade do exame clínico realizado, a natureza dos sinais de autismo, os encaminhamentos sugeridos, entre outros. Também foi realizada uma análise comparativa entre os dados obtidos nas entrevistas e a literatura consultada sobre o tema. Essas análises servirão como subsídios para uma futura capacitação dos pediatras sobre o diagnóstico precoce do autismo. RESULTADOS 52 Quando perguntado aos pediatras sobre o instrumento que utilizavam em sua rotina de atendimento para avaliar uma criança na faixa etária entre 20 e 50 meses, todos os participantes apontaram o exame clínico como referencial em sua avaliação. Os pediatras relataram que não seguiam um roteiro único de avaliação e também não utilizavam algum tipo de instrumento. A avaliação psicomotora (definida por P6 como habilidade para andar, correr, subir degraus e em móveis, rabiscar, manter equilíbrio) era o enfoque principal em sua consulta, assim como a queixa apresentada pela mãe (ambos citados por quatro participantes, ou 66%). A linguagem foi também um aspecto bastante referido pelos pediatras como integrante da consulta de rotina (três participantes, ou 50%), embora um deles tenha colocado que não considerava os problemas de linguagem tão freqüentes na faixa etária referida neste estudo. Além dos aspectos abordados, dois pediatras (P2 e P4) mencionaram que utilizavam os referenciais teóricos de "Denver" e "Gesell" em suas consultas, mas ao serem questionados sobre a forma de utilizá-los, responderam que os tinham apenas como "noções teóricas". Todos os pediatras comentaram que devido ao curto tempo destinado a cada consulta, tornava-se difícil a utilização de tabelas ou roteiros de avaliação do desenvolvimento, e o exame clínico associado à queixa da mãe era, portanto, o procedimento mais adotado. Este fato foi melhor descrito pelo participante (P1): “Devido ao dia-a-dia corrido, não utilizo instrumento. Faço exame clínico. Utilizaria um instrumento de triagem que fosse rápido. A criança não vem à consulta para fazer um teste, sempre vem com uma queixa”. Foi observado também no relato dos pediatras que o procedimento seguido durante a consulta estava relacionado com a formação acadêmica individual e com a necessidade (ou queixa) percebida no momento da consulta. É importante citar que apenas um dos pediatras (P5) referiu-se ao gráfico de peso e altura e à medida do perímetro cefálico, impressos no Cartão da Criança, como uma medida de 53 acompanhamento do desenvolvimento. Como esse documento contém uma tabela de desenvolvimento da criança e a mãe o traz a cada consulta no posto de saúde, parece que os pediatras já teriam em mãos indicações para o acompanhamento da evolução da criança. No roteiro de entrevista desse estudo não foi questionado como avaliavam a eficácia desse documento oficial da secretaria de saúde, embora fosse interessante obter tal informação. Quando questionado sobre o procedimento diante da avaliação de uma criança que apresentasse problemas de desenvolvimento, as respostas mais freqüentes foram no sentido de uma avaliação mais detalhada (o próprio exame clínico) e da maior atenção à história da criança (a anamnese). Adicionalmente, 33.3% dos pediatras encaminhava os casos ao neuropediatra, outros 33.3% indicava exames laboratoriais e 33.3% não citou nenhum tipo de encaminhamento. Um dos pediatras (P3) relatou que fazia o encaminhamento ao especialista diante de qualquer história de risco perinatal, mesmo quando não havia queixas da mãe. Além do encaminhamento ao neuropediatra, os participantes citaram também o serviço de fonoaudiologia com o segundo mais indicado diante da suspeita de problemas de desenvolvimento. Os encaminhamentos à psicologia e à instituição de educação especial foram citados com menor freqüência. Os participantes acrescentaram que diante de casos de suspeita de alguma síndrome ou deficiência, a opção de encaminhamento era por uma instituição de educação especial, devido a possibilidade de atendimento por uma equipe especializada em estimulação precoce. Em relação à participação em congressos que abordam o tema “desenvolvimento”, 50% dos participantes respondeu que participava de congressos nacionais de pediatria, sendo que nenhum deles apresentava trabalhos nesses congressos. Nenhum pediatra relatou participar de congressos ou cursos que abordassem problemas da área de neuropediatria. 54 Ao serem questionados sobre seu nível de conhecimento quanto ao autismo infantil, 50% dos pediatras não soube defini-lo (P3, P4 e P5), e o restante apresentou definições vagas (ver Tabela 5). Tabela 5. Definições sobre o autismo apresentadas pelos pediatras Profissional Transcrição da fala P1 Quadro psiquiátrico onde a criança vive em seu próprio mundo e não se relaciona com outra criança P2 É um distúrbio psicótico da infância, caracterizado por um afastamento do mundo exterior P3 Muito pouco P4 Muito pouco P5 Muito pouco, a neurologia dentro da pediatria é pouco desenvolvida P6 Doença comum, pouco diagnosticada, onde a criança se desenvolve aparentemente normal até os 12 meses, apresentando, então, alterações do comportamento e afetividade, dificuldade escolar e graus variáveis de deficiência mental Em relação aos sinais precoces de autismo nenhum pediatra foi capaz de nomear qualquer um dos apontados pela literatura. Os pediatras relataram que nunca haviam realizado diagnóstico de autismo. Embora este não seja um papel geralmente atribuído ao pediatra, a Academia Americana de Pediatria atualmente enfatiza que ele deve atuar na identificação de sinais de autismo em bebês. Apenas P5 manifestou seu receio sobre a possibilidade de ter recebido em consulta um caso de autismo e não ter suspeitado por desconhecer os sinais indicadores e os critérios de diagnóstico desta síndrome. P6 relatou que acompanhava uma criança autista cujo diagnóstico foi realizado aos cinco anos de idade por uma equipe especializada da UNICAMP, sendo que, a criança já havia passado anteriormente por pediatras, neurologistas e neuropediatras e nenhum desses profissionais havia fechado o diagnóstico de autismo. P6 acrescentou que os 55 médicos citados não suspeitaram de autismo por conhecerem somente os sintomas clássicos e desconhecerem os seus sinais em bebês. DISCUSSÃO Retomando a questão principal desta etapa da pesquisa, na qual procurou-se analisar a conduta do pediatra e a eficácia de seus instrumentos para avaliar risco de autismo em crianças de 20 a 47 meses, foi possível levantar alguns pontos importantes para discussão. 56 Inicialmente, o exame clínico foi citado como o principal instrumento de avaliação das crianças da referida faixa etária, e foi definido pelo participante P1 como “ a verificação dos aparelhos respiratório, cardíaco e gastrointestinal; a avaliação dos reflexos e questionamento sobre as aquisições de desenvolvimento: motor, linguagem, cognitivo e social”. Esta definição parece condizer com o que é sugerido na literatura médica (Smith, D.W. & Marshall, R.E., 1974). Nela, o “exame clínico” é composto por duas etapas: “1.história clínica, composta por questões sobre: história pré-natal, neonatal, alimentação, evolução do desenvolvimento, crescimento, doenças, cuidados com a saúde, estudo sócio-econômico, antecedentes hereditários; e 2. exame físico, englobando medidas (peso, altura, perímetro cefálico), sinais vitais, exame dos olhos, ouvidos, garganta, tórax, coração, abdômen, genitais e trato retal”(p.249). Entretanto, Robins et al., (2001) afirmam que o exame clínico parece ser insuficiente para identificar sinais de autismo em bebês uma vez que o comportamento psicomotor pode não estar alterado, os atrasos de linguagem podem estar relacionados a outras deficiências (por exemplo, surdez) e as dificuldades de interação social podem não ser identificadas por este exame. O exame físico não acrescenta informações relevantes à identificação dos sinais. Adicionalmente, não há instrumentos padronizados de triagem para o autismo em bebês disponíveis aos profissionais da saúde. Por essas razões, segundo os autores, as avaliações pediátricas raramente identificam casos de autismo ou de transtornos invasivos de desenvolvimento antes dos três anos de idade. Um dos participantes relatou que os problemas de linguagem não são tão importantes nesta idade. Esta afirmação é equivocada segundo a literatura, pois Filipek et al., (1999) ressaltam que os sinais de alerta para atraso de desenvolvimento vão em direção à linguagem (vide Anexo 1), e é necessário que o profissional da saúde tenha uma postura de observação e encaminhamento em relação a isto. Robins et al., (2001) acrescentam que os atrasos de 57 linguagem e interação social são difíceis de ser percebidos antes da criança ingressar na préescola, por isso recomendam a aplicação de instrumentos eficazes de triagem exatamente nessa faixa etária. Os pediatras relataram que sua conduta era dirigida basicamente em função da queixa que o familiar trazia no momento da consulta. Esta afirmação vai na direção do que a American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria, 2001, b) recomenda, uma vez que a atenção às queixas dos pais é fundamental para o bom atendimento da criança. Entretanto, a Academia solicita que as queixas sejam incluídas em avaliações mais completas e freqüentes da criança em relação ao seu desenvolvimento, favorecendo a condução para avaliações adicionais por especialistas. Concluem que é tarefa do pediatra suspeitar de desordens do desenvolvimento precocemente (especificamente o autismo) e implementar um plano de tratamento a tempo de conseguir bons resultados para a criança e a família, uma orientação longe de ser realizada pelos pediatras entrevistados, que usam apenas o exame clínico e ouvem as queixas. Stone et al., (1994) acrescentam que o pediatra deveria incluir em seus exames de rotina uma lista de comportamentos de alerta para sinais de autismo, o que poderia facilitar sua prática. Dois participantes utilizavam autores como “Denver” e “Gesell” como referenciais teóricos em suas avaliações, mas não seguiam as escalas sugeridas por estes autores. Em relação a esta questão, Filipek et al., (1999) documentam que tanto o Denver Developmental Screening Test quanto o Revised Denver Pre-Screening Developmental Questionnaire são instrumentos de baixa sensibilidade e especificidade, que detectam somente 30% das crianças com atraso de linguagem e 50% de crianças com retardo mental. Parece, então, que em uma capacitação dos pediatras dever-se-ia discutir e analisar alternativas para esta questão. Os participantes mencionaram que encaminhavam para o neuropediatra e para exames laboratoriais os casos em que houvesse suspeita de problemas de desenvolvimento, mas foi 58 observado que não havia uma rotina ou um procedimento padronizado para esta conduta. Em relação a esse ponto, a rota proposta por Filipek et al., (1999), que vai além da anamnese e do exame clínico, parece ser norteadora dessa conduta. Ela é composta por uma triagem inicial que utiliza instrumentos de avaliação do desenvolvimento global seguida pelo uso de instrumentos e exames mais especializados (apresentada no Anexo 1). Um outro ponto importante da entrevista abordou o nível de conhecimento dos participantes sobre a definição de autismo. Os pediatras P1, P2 e P6 mencionaram os termos "quadro psiquiátrico", "distúrbio psicótico da infância", "alterações de comportamento e afetividade, dificuldade escolar e graus variáveis de deficiência mental”, mas não citaram seus referenciais. Considera-se que essas definições são baseadas no senso comum e não correspondem à caracterização do quadro de autismo completo descrito no DSM IV (1994). Os mesmos resultados foram encontrados por Lacerda e Aiello (1998). De acordo com a 4ª versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM IV, 1994), o autismo é colocado como uma das categorias dos "Transtornos Invasivos do Desenvolvimento", que é caracterizado por: "uma condição psiquiátrica na qual as habilidades sociais, o desenvolvimento da linguagem e o repertório comportamental esperados não se desenvolvem adequadamente ou são perdidos no início da infância. Em geral, os transtornos afetam múltiplas áreas do desenvolvimento, manifestam-se precocemente e causam disfunção persistente. O autismo, chamado nesta classificação de Transtorno Autista é caracterizado por comprometimentos persistentes nas interações sociais recíprocas, desvios na comunicação e padrões comportamentais restritos e estereotipados. " (Kaplan et al., 1997, p.979). Pode ser observado na Tabela 5 que os pediatras construíram conceitos errôneos sobre o autismo, não situando-o como uma categoria dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, 59 mas citando partes da conceituação do CID 9 e 10 (que adotam os termos psicose infantil, transtorno autista ou psicose de Kanner) e do DSM III (que considera o autismo como características comportamentais manifestadas externamente). É importante destacar que o referencial teórico DSM III está ultrapassado; atualmente a definição aceita do autismo é apresentada no DSM IV (1994). Além disso, P6 definiu autismo como uma doença comum, o que não corresponde às estimativas de prevalência. Os médicos geralmente utilizam o CID 10 em sua prática, o que pode explicar a ausência da citação do DSM-IV, manual mais utilizado para o contexto de pesquisa. Pode-se supor que quando os pediatras não têm uma definição precisa sobre o autismo, não conseguem utilizá-la em sua prática, o que pode trazer prejuízos tanto para o levantamento precoce de seus sinais como para o encaminhamento rápido e eficaz a serviços de estimulação. Portanto, as características apontadas pelos participantes parecem insuficientes e superficiais para definir o quadro de autismo. Lacerda e Aiello (1998) também chegaram a esta conclusão em seu estudo. Durante a realização das entrevistas, os pediatras fizeram alguns comentários sobre sua rotina. Relataram que seria possível e necessário fazer puericultura no posto de saúde com todas as crianças que vêm para a consulta; essa ação, segundo os participantes, dependia de uma melhor organização do seu tempo e do esquema de agendamentos. Segundo os profissionais, o elevado número de consultas no dia levava ao atendimento somente das queixas emergenciais. Este fato explica a dificuldade percebida pela pesquisadora ao tentar agendar horário com os participantes, pois os horários de permanência destes nos postos de saúde era restrito ao tempo de atendimento dos pacientes, que por sua vez, era totalmente ocupado. Algumas entrevistas, então, foram agendadas para os horários de chegada dos pediatras aos postos de saúde; e outras foram marcadas para o final do período dos atendimentos. 60 Os pediatras sugeriram algumas ações que poderiam melhorar a eficácia do trabalho preventivo no posto de saúde: a implantação da avaliação audiológica no próprio posto de saúde desde a primeira semana de vida, como uma forma de prevenção de problemas auditivos; a contratação de neuropediatra na rede de saúde da cidade, pois os encaminhamentos eram feitos para uma cidade vizinha; a formação de um hospital regional de especialidades; e o oferecimento de cursos de capacitação de pessoal, citando este projeto de pesquisa como um exemplo. Os participantes demonstraram interesse em participar do projeto de pesquisa, mesmo com a dificuldade em dedicar parte de seu tempo de permanência no posto de saúde para capacitação. Relataram que devido ao pouco conhecimento sobre o autismo e a possibilidade de identificá-lo precocemente, era grande o interesse em participar de um projeto desta natureza. Neste momento, conseguir instituir uma rotina de triagem de identificação de sinais de autismo é ultrapassar uma primeira barreira, para que em seguida sejam articulados serviços para atender a esta população. 61 CONCLUSÕES Os resultados indicaram que os pediatras não utilizavam instrumento em sua rotina de atendimento no posto de saúde, mas basicamente o exame clínico, enfocando aspectos do desenvolvimento neuropsicomotor; e não seguiam uma conduta padronizada de atendimento, que variava conforme a demanda do dia. Quando a mãe apresentava queixas em relação a atraso de desenvolvimento da criança os pediatras realizavam anamnese e observação clínica mais detalhadas e na maioria das vezes, encaminhavam para o neuropediatra. Como utilizavam somente impressões clínicas ao invés de triagens formais, pode-se supor que o conhecimento sobre o nível de desenvolvimento das crianças parecia ser menos preciso. Os pediatras concordaram que o posto de saúde é uma porta de entrada para casos de deficiência ou de atraso neuropsicomotor, e relataram que utilizariam um instrumento desde que fosse rápido e pudesse ser inserido em sua rotina de atendimento. Eles relataram também 62 que o instrumento de triagem serviria como um roteiro, um meio para recordar-se das observações sobre desenvolvimento. Em relação a este ponto, pode-se supor que o sistema de saúde não tem a preocupação de direcionar suas ações à identificação de problemas de desenvolvimento precocemente, o que traz prejuízos à sociedade. Neste sentido, seria importante sugerir uma mudança no esquema de agendamento do pediatra, aumentando o tempo de sua consulta (e remunerando-o de acordo com esta função) de forma que ele tivesse condições, em sua rotina de atendimento, de seguir um instrumento ou roteiro simplificado de avaliação do desenvolvimento global infantil que não se restringisse aos aspectos antropométricos. A necessidade de capacitação para ações preventivas ficou evidente nesse estudo, pois parecia que este enfoque era direcionado somente a algumas delas, como as campanhas de vacinação. Entretanto, foi possível observar que, mesmo que os pediatras tenham relatado tal dificuldade, não conseguiam mobilizar-se para procurar alternativas, sugerindo que a capacitação fosse trabalhada por "alguém de fora", ou seja, pesquisadores que trouxessem a proposta à secretaria. Adicionalmente, os participantes relataram ter pouco ou nenhum conhecimento sobre autismo e tiveram dificuldade em defini-lo e informar suas características. Uma constatação importante é colocada por Aiello (submetido) ao citar as recomendações da American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria, 2001 a, b): “Tais recomendações podem exigir do pediatra uma mudança de postura em sua prática profissional: ao invés de enfatizar a saúde física da criança (curar doenças infantis), agora deverá também atentar e monitorar seu desenvolvimento e disponibilizar serviços de intervenção existentes na comunidade para os pais. Isso exigirá desses profissionais, a manutenção atualizada de seu conhecimento sobre desenvolvimento infantil, fatores de risco, técnicas de triagem e recursos da comunidade, entre outros.” 63 Conclui-se que os pediatras deveriam ter acesso a informações por meio de uma capacitação que lhes fornecesse embasamento para o reconhecimento precoce e a triagem de casos de autismo, com o objetivo de levar ao diagnóstico e à intervenção precoce. Os participantes manifestaram interesse em receber tais informações, pois relataram não ter acesso a elas nem na graduação e tampouco no exercício da atividade profissional. PROPOSTA DE CAPACITAÇÃO DE PEDIATRAS Diante dos resultados obtidos neste trabalho, propõe-se para futuros estudos, a elaboração de um curso com o objetivo de capacitar pediatras a reconhecerem sinais de autismo em bebês. Como foi observada uma grande dificuldade em reunir os profissionais, pois os pediatras geralmente trabalham em vários locais distantes entre si e em horários diferentes, propõe-se que a capacitação seja realizada no próprio local e horário de trabalho dos pediatras, com a devida liberação por parte da secretaria de saúde por períodos de tempo pré-estabelecidos. Os materiais sugeridos para a capacitação são descritos a seguir: a). Para o pré e pós-teste poderiam ser utilizados: - um questionário (número 1) com o objetivo de detectar o nível de conhecimento dos participantes em relação ao autismo. Um exemplo do mesmo é sugerido no Anexo 12. - um vídeo contendo imagens de três crianças de faixa etária entre 18 e 30 meses, sendo uma criança com desenvolvimento normal (criança 1), uma criança com atraso de desenvolvimento de linguagem (criança 2) e uma criança com sinais de autismo (criança 3). As crianças poderiam ser filmadas em situação de brincadeira dirigida enfocando os comportamentos: interação social (interação com o adulto e com pares), comunicação (uso de 64 palavras simples e frases, uso de gestos convencionais como acenar adeus), brincadeira simbólica e atenção compartilhada (apontar, olhar entre o rosto do adulto e o objeto). O instrumento CHAT aplicado a uma grande população de bebês pode facilitar a identificação de crianças com atraso de linguagem e sinais de autismo a fim de elaborar o vídeo. - um exemplo de questionário (número 2) para analisar o vídeo junto aos participantes poderia incluir os tópicos: Qual a idade aproximada desta criança? Quais aspectos o Sr. avaliaria nesta criança? Que comportamentos estão faltando para dar um diagnóstico ou encaminhamento? Qual diagnóstico ou hipótese diagnóstica o Sr. daria para essa criança? Com base em que comportamentos apresentados no vídeo o Sr. pode fazer tal diagnóstico? Qual seria o seu encaminhamento? Com base em que faria este encaminhamento? b). Como materiais de treino são sugeridos: - um texto científico intitulado: "A identificação precoce do autismo", produzido a partir de literatura atualizada nessa área, abordando os tópicos: "o que é autismo?”, "o que sabemos sobre prevalência?”, “por que o diagnóstico precoce do autismo é importante?”, "quais os procedimentos de investigação sobre o autismo?”. Um exemplo do texto é apresentado no Anexo 13. - um folder explicativo contendo um texto resumido sobre a importância do diagnóstico precoce do autismo, destacando os comportamentos que indicam avaliação urgente, sinais de alerta para comportamentos antes de um ano de idade e a partir de um ano de idade, e indicação de instituições que realizam avaliação especializada para autismo. Um exemplo desse folder é apresentado no Anexo 14. - o instrumento CHAT (Baron-Cohen et al., 1992). (Vide Anexo 2). - o instrumento MCHAT (Robins et al., 2001). (Vide Anexo 3). O grupo de pediatras participaria de quatro sessões: na primeira sessão seria realizado o pré-teste, utilizando-se os materiais descritos acima; na segunda sessão seria realizado o 65 treino utilizando-se os materiais descritos; na terceira sessão seria realizado o pós-teste, com os mesmos materiais utilizados no pré-teste. Poderia ser realizada ainda um quarta sessão (depois de ser dado um certo tempo para que os profissionais aplicassem os instrumentos), onde poderia ser feito um “follow up” da capacitação com o objetivo de saber se os pediatras utilizaram o CHAT e/ou MCHAT em sua prática clínica, de que forma utilizaram, avaliar mudanças práticas ocorridas, levantar críticas e sugestões sobre a possibilidade do uso de tais instrumentos na prática médica. Poderia ainda ser incluído um outro “follow up” – ou poderiam ser indicados futuros estudos - em que se analisaria o número de casos encaminhados depois de alguns meses, avaliar se o médico encaminhou, para quais recursos da comunidade encaminhou, se alguma criança recebeu diagnóstico de autismo. Cada sessão seria de duas horas, totalizando oito horas; as sessões seriam agendadas previamente de acordo com a disponibilidade de todos os participantes. A dinâmica das sessões poderia envolver: discussões em grupo, filmagem da fala dos participantes, “brainstorm” (onde todos os participantes comentariam sobre as perguntas colocadas no questionário 1), leitura em conjunto e posterior análise do conteúdo do texto e do folder, demonstração sobre o uso dos instrumentos. Uma sugestão de procedimento de capacitação dos pediatras está esquematizada na Tabela 6: 66 Tabela 6. Procedimento para capacitação de pediatras Sessões Situação Materiais 1a. sessão Pré-teste questionário no. 1 vídeo: criança 1 questionário no. 2 vídeo: criança 2 questionário no. 2 vídeo: criança 3 questionário no. 2 2a. sessão Treino Texto científico Folder CHAT MCHAT 3a. sessão Pós-teste questionário no. 1 vídeo: criança 1 questionário no. 2 vídeo: criança 2 questionário no. 2 vídeo: criança 3 questionário no. 2 4a. sessão “Follow up” CHAT e MCHAT Os resultados da capacitação poderiam ser analisados em termos de porcentagem de acertos em relação ao conhecimento sobre autismo antes e depois do treino; a porcentagem de número de itens avaliados corretamente no pré e pós-teste para cada participante e entre os participantes; e adequação das informações oferecidas pelo treinamento, segundo a opinião dos pediatras, para sua prática clínica. 67 DESCRIÇÃO SOBRE A CAPACITAÇÃO REALIZADA COM OS PEDIATRAS PARTICIPANTES DO ESTUDO 2 Uma vez que a pesquisadora já havia se comprometido com a Secretaria de Saúde e com os pediatras em oferecer capacitação sobre sinais de autismo, optou-se por conclui-la. Além disso, os próprios pediatras insistiram com a pesquisadora sobre essa capacitação. Frente a isso, segue-se uma descrição breve sobre o que foi realizado com esses pediatras. Procedimento Fizeram parte da capacitação cinco dos seis pediatras participantes do Estudo 2, pois um deles não estava mais atuando no posto de saúde, mas em um projeto nas escolas da cidade. Surgiram problemas diante da tentativa de reunir os cinco pediatras em um mesmo grupo em horário e local de trabalho (posto de saúde) previamente agendados: foi marcada outra reunião na mesma sala destinada à capacitação; foram marcados atendimentos para dois dos pediatras no horário da reunião, comparecendo, portanto, somente três deles. Além disso, o momento foi pouco aproveitado para as questões da capacitação. Os participantes ficaram ansiosos por conversar sobre vários assuntos, e segundo eles, esta era uma rara oportunidade de se encontrarem. Os temas por eles discutidos abordaram questões burocráticas (preenchimento de guias e protocolos), procedimentos no posto de saúde, problemas de horário, demanda e relações de trabalho. 68 Diante deste fato, a pesquisadora sugeriu aos participantes que a capacitação fosse realizada individualmente, o que foi aceito prontamente. Foram então iniciados os encontros com cada participante, no próprio posto de saúde, em horários agendados de acordo com sua disponibilidade. Foram realizadas duas sessões com cada pediatra, tendo a duração de aproximadamente 40 minutos cada sessão. Na primeira sessão - denominada pré-teste – foi realizado o procedimento a seguir: Inicialmente foi questionado sobre seu conhecimento em relação aos sinais de autismo em bebês e a atuação do pediatra neste sentido (baseado no modelo de questionário apresentado no Anexo 12). Tal roteiro não foi aplicado na íntegra devido ao escasso tempo destinado à sessão. Em seguida foi apresentado e discutido o modelo da rota de Filipek et al., (1999), descrito no Anexo 1 Foram entregues os materiais de capacitação (o texto e o folder apresentados nos Anexos 13 e 14, respectivamente) a fim de analisarem e darem feedback na próxima sessão. Finalmente foram apresentados e discutidos os instrumentos CHAT (Anexo 2) e MCHAT (Anexo 3), sendo proposto aos participantes que os utilizassem em crianças de 15 a 24 meses, em sua rotina de trabalho, por 15 dias. Foi então marcado um novo encontro com cada pediatra para discussão sobre o material de capacitação e o uso dos instrumentos. A segunda sessão - denominada pós-teste e follow up dos instrumentos – foi realizada após 15 dias, também individualmente, onde os participantes responderam às perguntas do questionário apresentado no Anexo 12, manifestaram suas opiniões sobre o material de capacitação e apresentaram os resultados da aplicação dos instrumentos CHAT e MCHAT. Resultados 69 Da primeira sessão (pré-teste): Ao serem questionados sobre o nível de conhecimento sobre sinais de autismo em bebês, os pediatras responderam de forma geral que não conheciam tais sinais e não sabiam qual poderia ser sua atuação no processo de identificação. Um dos participantes verbalizou: “Não sabemos nada sobre o autismo”. Na apresentação da rota de investigação do autismo proposta por Filipek et al., (1999), foi possível discutir o papel do pediatra em detectar problemas de desenvolvimento e encaminhar precocemente a locais que realizam avaliação especializada. Um dos pediatras comentou que tal rota “deixa claro a importância de seguir o caminho de triagens mais amplas e a indicação de exames mais específicos”. Outro participante questionou se eles fariam todo o processo descrito por Filipek et al. até chegar à utilização do CHAT, mostrando-se disposto a aplicá-la. Os materiais de capacitação (texto e folder) não foram discutidos na sessão devido à falta de tempo, e foram entregues aos participantes para serem analisados. Na apresentação dos instrumentos CHAT e MCHAT, os pediatras levantaram a hipótese de que seria mais fácil a aplicação do MCHAT, pois suspeitavam que não teriam tempo de aplicar a sessão B com a criança, mas somente fazer questões à mãe. Além disso, questionaram se poderiam aplicar o CHAT em consultório particular, devido ao maior tempo disponível e à possibilidade de utilizarem os brinquedos propostos para avaliação da criança. Um dos participantes questionou se poderia treinar sua secretária para aplicar o MCHAT em todas as crianças de 15 a 24 meses. Da segunda sessão (pós-teste e follow up dos instrumentos): 70 Em relação aos comportamentos que podem ser indicativos de sinais de autismo em crianças na faixa etária de um a três anos, os pediatras utilizaram os termos “atenção compartilhada”, “interação social com outras crianças”, “brincadeira de faz de conta”, “comunicação”, “comportamentos afetivos” e “comportamentos autistas específicos”. Este nível de resposta demonstra que os participantes absorveram o conteúdo do material de capacitação apresentado, conseguindo identificar as principais áreas de desenvolvimento que podem estar comprometidas em uma criança com sinais de autismo na referida faixa etária. Ao serem questionados sobre a atuação do pediatra na identificação de sinais de autismo em crianças de um a três anos, todos os participantes foram capazes de responder, afirmando que seu papel seria alertar os pais para que procurassem avaliação especializada. Neste sentido, destacamos o relato de dois pediatras: “nosso papel é triar os casos suspeitos e encaminhá-los para serviços especializados para confirmação diagnóstica e orientação”; e “chamar a atenção da mãe para algo que não está certo com o bebê”. A respeito de seu conhecimento sobre procedimentos de identificação de sinais de autismo em bebês, os participantes relataram que a partir desta capacitação passaram a conhecer a rota de Filipek et al., (1999), o CHAT e o MCHAT. Um dos pediatras citou também o PDDST (Pervasive Developmental Disorders Screening Test) – Siegel, 2000, descrito no texto (Anexo 13). Ao responderem sobre locais da região que fazem o diagnóstico precoce do autismo, um deles citou a AMA (Associação dos Amigos do Autista), de São Paulo e outro mencionou as cidades de Jundiaí e Campinas, mas não citou local. No material que receberam havia esta informação, mas parece que não foi assimilada. As opiniões quanto ao melhor horário para receber futuras capacitações foram divergentes: três pediatras preferiam receber o curso em horários fracionados durante o período de serviço, sendo liberados para tal; e dois participantes gostariam de recebê-lo em 71 um período contínuo no final de semana. Da mesma forma ocorreu com a preferência por recursos materiais, onde um pediatra gostaria de receber material escrito para ler em horários livres, enquanto que a maioria optou por recursos áudio-visuais e discussão em pequenos grupos. Os pediatras foram unânimes em afirmar que utilizariam instrumentos rápidos como o CHAT e o MCHAT em suas avaliações, desde que fosse feita uma adaptação do serviço para possibilitar o uso de instrumentos. Um deles sugeriu que a rota de investigação proposta por Filipek et al., (1999) poderia ser incorporada à primeira consulta com a criança, e se fosse detectado algum déficit nos itens de alerta para atraso de desenvolvimento, poderia ser agendada outra consulta exclusivamente para aplicar o CHAT. Os cinco participantes utilizaram os instrumentos CHAT e MCHAT em sua prática clínica dentro do prazo de 15 dias conforme o combinado, bem como apontaram críticas e sugestões. Confirmando a hipótese levantada por eles na sessão de pré-teste, o MCHAT foi realmente o instrumento aplicado com maior freqüência (em 20 crianças de 15 a 24 meses, sendo cinco aplicados em consultório e 15 no posto de saúde), enquanto que o CHAT foi aplicado em duas crianças, de 15 e 20 meses, sendo um em consultório e um no posto de saúde. Em relação ao CHAT, os pediatras levantaram as seguintes observações: a forma de aplicação foi bem aceita pelas mães; a necessidade de avaliar a criança (sessão B) fez com que a aplicação durasse aproximadamente 15 minutos e exigiu que o aplicador tivesse os brinquedos sugeridos em mãos; o pediatra que aplicou o CHAT no posto de saúde levou os brinquedos para tal finalidade; as questões A6 e A7 foram consideradas difíceis de serem diferenciadas, sendo necessário dar exemplos (destacaram a importância de terem recebido 72 treinamento); um dos pediatras ressaltou o valor da avaliação da criança pelo aplicador, enfatizada no CHAT e desconsiderada no MCHAT: “Ao meu ver o MCHAT é menos confiável, porque depende exclusivamente das informações de um observador, no caso a mãe, que é questionada pelo pesquisador. A margem de erro pode ser grande porque a mãe pode não entender adequadamente a finalidade da questão, e mesmo que ela entenda, sua observação pode ser equivocada. Já no CHAT entram também dados de observação direta da criança pelo pesquisador, tornando, a meu ver, este teste mais confiável”. Quanto ao MCHAT, foram destacados os pontos: facilidade de aplicação (aproximadamente cinco minutos) diante do tempo disponível durante as consultas; facilidade de aceitação pelas mães; facilidade de compreensão dos itens, embora tenham sido levantadas dúvidas quanto à forma de perguntar os itens 6, 7, 18 e 23 (vide Anexo 3) e o que considerar quando a mãe relata que a criança apresenta determinado comportamento “de vez em quando”. O material utilizado nesta capacitação foi aprovado pelos participantes. Eles consideraram que o texto contém estudos científicos atualizados e essenciais para a compreensão acerca do caminho para a investigação de sinais de autismo, além de apresentar instrumentos; e o folder condensa os tópicos principais sobre sinais de alerta para autismo principalmente em bebês. Conclusões Essa capacitação mostrou o alto interesse dos pediatras não somente por informações, como também para utilizar instrumentos novos e modificar sua prática. Ficou evidente a boa 73 disposição e o envolvimento desses pediatras pelas discussões, sugestões e anotações apresentadas com a questão de sinais de autismo. Esses resultados são encorajadores para futuras capacitações não somente em termos de sinais de autismo, como também em relação ao desenvolvimento infantil. Parece que o maior problema não é a conduta do pediatra, mas sim a falta de um instrumento rápido e de fácil aplicação, com boa precisão e validade para detectar atrasos no desenvolvimento infantil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aiello, A L.R.; Tavares, A. A., Abdelnur, A.C., Silva, A. M., Felício, A.C.G., Oliveira, E.C.A., Santos, K.C., Oliveira, L.B., Yoshikai, L.M.O., Santos, L.S., & Gonzaga, P.A. (2002). O uso do CHAT em creches da cidade de São Carlos. Relatório de pesquisa não publicado. 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A strutured parent interview for identifying young children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 23, (4), 639-652. 80 Stone, W. L., Hoffman, E.L., Lewis, S.E., & Ousley, O.Y. (1994). Early recognition of autism: parental reports vs clinical observation. Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine, 148, (2), 174-179. 81 ANEXOS 82 ANEXO 1 Modelo da rota de investigação do autismo segundo Filipek et al., (1999)* NÍVEL 1: ROTINA DE SUPERVISÃO DE DESENVOLVIMENTO Para todos os provedores de serviço em qualquer visita de supervisão da criança Ex: PED, ASQ, CDIs, Brigance e provas específicas de desenvolvimento Indicação absoluta para avaliação imediata: Não balbuciar aos 12 meses Não apontar ou outros gestos (acenar adeus, mandar beijo) aos 12 meses Não falar palavras simples aos 16 meses Não falar frases de 2 palavras espontaneamente (não ecolálica) aos 24 meses QUALQUER perda de linguagem ou habilidade social em QUALQUER idade. Fracassa Passa Reavaliar na próxima visita Nível 1: Investigação de laboratório Avaliação audiológica formal Triagem de chumbo se “PICA” presente Passa Encaminhar para o Nível 2 como indicado Triagem específica para autismo Ex.: CHAT, PDDST-estágio 1 Escala australiana para síndrome de Asperger Fracassa Encaminhar para intervenção precoce ou escola local e Encaminhar para o Nível 2 NÍVEL 2: DIAGNÓSTICO E AVALIAÇÃO DE AUTISMO Procedimentos de diagnóstico formal: Entrevistas: GARS, PIA, PDDST estágio 3, ADI-R Instrumentos de observação: CARS, STAT, ADOS-G Diagnóstico clínico: DSM IV Ampliação da avaliação neurológica e médica Avaliações específicas para determinar perfil de desenvolvimento: Comunicação-fala-linguagem, comportamento cognitivo e adaptativo, Terapia Ocupacional, avaliação dos recursos da família, avaliação neuropsicológica, acadêmica e comportamental Expansão da avaliação laboratorial somente se indicado: Teste genético e metabólico, eletrofisiologia, neuroimagem PED: The Parents Evaluation of Developmental Status ASQ: The Ages and Stages Questionnaire (2a ed) CDIs: The Child Development Inventories BRIGANCE: The Brigance Screens *Filipek, P., Accardo, P., Baranek, G., Cook, E., Dawson, G., Gordon, B., Gravel, J., Johnson, C., Kallen, R., Levy, S., Minshew, N., Prizant, B., Rapin, I., Rogers, S., Stone, W., Teplin, S., Tuchman, R., & Wolkmar, F. (1999).The screening and diagnosis of autistic spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 29, (6), 439-484. 83 ANEXO 2 CHAT – CHECKLIST FOR AUTISM IN TODDLERS * Nome da criança: _____________Nome do aplicador:____________ Data da aplicação:__________ Data de nascimento:_______________Idade em meses:__________Creche/posto:_______________ Sessão A: Perguntar à mãe ou berçarista sim A1. a criança sente prazer em ser balançada, em brincar de cavalinho em seu joelho? A2. a criança se interessa por outras crianças? A3. a criança gosta de subir nas coisas, como por exemplo, em escadas? A4. a criança gosta de brincar de esconde-esconde? A5. a criança finge brincar de, por exemplo, servir uma xícara de chá e um bule de brinquedo, ou brinca de faz de conta? A6. a criança usa o dedo indicador para apontar ou pedir alguma coisa? A7. a criança usa o dedo indicador para apontar ou indicar interesse em alguma coisa? A8. a criança brinca apropriadamente com pequenos brinquedos (por exemplo, carrinhos, blocos) sem ficar mordendo, balançando ou deixando-os cair? A9. a criança traz objetos para lhe mostrar? não observações Sessão B: Observação do Aplicador: sim BI. durante a entrevista a criança fez contato visual com você? BII. Obtenha a atenção da criança e então aponte um objeto interessante da sala e fale: “Olha! É um (fale o nome do objeto)”. Observe a face da criança. Ela acompanhou para ver o que você apontou? (1) BIII. Obtenha a atenção da criança e então dê a ela uma miniatura de uma xícara e um bule de brinquedo e fale: “você pode me servir uma xícara de café?” a criança fingiu colocar o café e beber, etc? (2) BIV. Fale para a criança: “Onde está a luz?” ou “Me mostre a luz”. A criança aponta com seu dedo indicador a luz? (3) BV. a criança pode construir uma torre de blocos? Se sim, quantas? (Número de blocos____) não observações (1) Para marcar sim neste item tenha certeza de que a criança simplesmente não olhou para sua mão e sim para o objeto que você apontou. (2) Se você usar um outro exemplo de brincar de faz de conta e a criança realizar a brincadeira avalie como sim este item. (3) Repita isto com “Onde está o ursinho?” ou algum outro objeto não presente, se a criança não compreende a palavra “luz”. Registre sim neste item se a criança olha para seu rosto antes de apontar. * Baron-Cohen, S., Allen, J., & Gilberg, C. (1992). Can autism be detected at 18 months? The neddle, the haystack, and the CHAT. British Journal of Psychiatry, 161, 839-843. Tradução adaptada realizada por Dra. Ana Lúcia Rossito Aiello para uso interno da disciplina Pesquisa em Psicologia 3 do curso de graduação em Psicologia da UFSCar. 84 ANEXO 3 M-CHAT – Modified CHAT* Por favor, preencha o formulário abaixo assinalando como sua criança é normalmente. Por favor, tente responder cada questão. Se o comportamento for raro (por exemplo, você viu uma ou duas vezes) preencha como NÃO. Nome da criança:__________________Nome do aplicador:_____________Data da aplicação:_________ Data de nascimento:________________ Idade em meses:_____________Local da aplicação:__________ PERGUNTAS AOS PAIS OU RESPONSÁVEIS 1. a criança sente prazer em ser balançada, em brincar de cavalinho em seu joelho? 2. a criança se interessa por outras crianças? 3. a criança gosta de subir nas coisas, como por exemplo, em escadas? 4. a criança gosta de brincar de esconde-esconde? 5. a criança finge brincar, por exemplo, de falar ao telefone ou cuidar de bonecas, ou brincar de faz de conta? 6. a criança sempre usa o dedo indicador para apontar ou pedir alguma coisa? 7. a criança sempre usa o dedo indicador para apontar ou indicar interesse em alguma coisa? 8. a criança brinca apropriadamente com pequenos brinquedos (por exemplo, carros ou blocos) sem ficar mordendo, balançando ou deixando cair? 9. a criança sempre traz objetos para lhe mostrar? 10. a criança olha para você nos olhos por mais de um ou dois segundos? 11. a criança sempre parece hiper sensível a barulhos (por exemplo, tampando os ouvidos)? 12. a criança sorri em resposta ao seu rosto ou ao seu sorriso? 13. a criança imita você (por exemplo, se você fizer uma careta ela imitará?) 14. a criança responde quando é chamada pelo nome? 15. a criança olha para um brinquedo quando você o aponta do outro lado da sala? 16. a criança anda? 17. a criança olha para coisas que você está olhando? 18. a criança faz movimentos incomuns de dedos perto do rosto? 19. a criança tenta chamar sua atenção para suas atividades? 20. você já se perguntou se a criança pode ser surda? 21. a criança entende o que as pessoas dizem? 22. a criança algumas vezes olha para “o nada” ou anda sem nenhum propósito? 23. a criança olha para seu rosto para verificar sua reação quando está diante de alguma coisa não familiar? SIM NÃO * Robins, D.L., Fein, D., Barton, M.L. & Green, J.A., (2001). The Modified Checklist for Autism in Toddlers: an initial study investigating the early detection of Autism and Pervasive Developmental Disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 31, (2), 131-151. Tradução realizada por Patrícia Carla de Souza Della Barba para uso em sua pesquisa. 85 ANEXO 4 Relação das crianças participantes do Estudo 1 Local Identificação das crianças Sexo Idade em meses no início da pesquisa Creche –mini-maternal 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 F F F F F F F M F F F F M M M F M F M F M M F M M M F F F M M F M M M F M M F M M M F M F F F M M F 33 27 29 27 28 30 34 35 26 27 30 34 25 36 33 30 37 30 30 25 33 30 27 29 37 22 27 31 47 38 44 43 43 39 43 42 44 40 34 42 41 31 23 28 23 31 20 30 20 37 Creche –maternal II Creche –maternal I Projeto SISVAN 86 ANEXO 5 Itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento segundo Filipek et al,. (1999)* Nome da criança:____________________________ Data de Nascimento:_________________ Data da aplicação:___________________________ Nome do aplicador:_________________ Idade em meses:_____________________________ Creche/posto:______________________ Perguntas aos pais ou berçaristas: SINAIS DE ALERTA PARA ATRASO DE DESENVOLVIMENTO Balbucia ? (deve estar presente em crianças acima de 12 meses) A criança: SIM NÃO OBSERVAÇÕES Usa gestos como: apontar e acenar adeus aos 12 meses ? Diz palavras simples aos 16 meses ? Diz frases de duas palavras espontaneamente aos 24 meses? Teve perda de qualquer habilidade de linguagem ou social em qualquer idade? *Filipek, P., Accardo, P., Baranek, G., Cook, E., Dawson, G., Gordon, B., Gravel, J., Johnson, C., Kallen, R., Levy, S., Minshew, N., Prizant, B., Rapin, I., Rogers, S., Stone, W., Teplin, S., Tuchman, R., & Wolkmar, F. (1999).The screening and diagnosis of autistic spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 29, (6), 439-484. Traduzido e adaptado por Patrícia Carla S. Della Barba para uso interno de seu projeto de pesquisa. 87 ANEXO 6 TERMO DE CONSENTIMENTO AOS RESPONSÁVEIS PELAS CRIANÇAS PARTICIPANTES DO ESTUDO 1 – CRECHE E POSTO DE SAÚDE UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS Centro de Educação e Ciências Humanas Programa de Pós Graduação em Educação Especial Este projeto de pesquisa tem como objetivo analisar a aplicação do instrumento CHAT (Baron-Cohen et al.,1992, 2000) e das questões que indicam sinais de alerta para atraso de desenvolvimento segundo Filipek et al., (1999) para identificar sinais de autismo em crianças de 20 a 47 meses. As crianças na faixa etária de 20 a 47 meses que freqüentam a creche e programa SISVAN (posto de saúde) passarão por uma avaliação realizada pela pesquisadora. Esta avaliação se dará no próprio local; é rápida e consiste em perguntas direcionadas ao profissional que atende a criança ou aos pais, e em uma rápida observação da criança em relação a aspectos do seu desenvolvimento utilizando brinquedos simples (totalizando 10 minutos aproximadamente). Os resultados da avaliação das crianças serão analisados e comparados com os dados da literatura. Todos os detalhes e esclarecimentos serão fornecidos pela pesquisadora. Será respeitado o anonimato de todos os participantes da pesquisa, bem como o da instituição. Os resultados da pesquisa estarão disponíveis aos participantes imediatamente após o término da mesma. Autorização dos responsáveis Nome da criança:________________________________________________________ Data de nascimento:_____________________________________________________ Nome do responsável:____________________________________________________ Endereço:______________________________________________________________ Telefone de contato:_____________________________________________________ Autorizo a participação de meu filho (filha) na avaliação a ser realizada pela pesquisadora. ( ) Autorizo a eventual filmagem de meu filho (filha) durante a avaliação pela pesquisadora. ( Assinatura do responsável:_________________________________________________ Assinatura da pesquisadora:________________________________________________ Contato com a pesquisadora: Patrícia Carla de Souza Della Barba telefone: (11) 4582 7308 ) 88 ANEXO 7 TERMO DE CONSENTIMENTO ÀS SECRETARIAS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação e Ciências Humanas Programa de Pós Graduação em Educação Especial Vimos, por meio desta, pedir o consentimento dos Ilmos. Senhores Secretários da Educação e da Saúde para realizar o projeto de pesquisa proposto em anexo junto às crianças de 20 a 47 meses da creche do Bairro Santo Antônio e às crianças do projeto SISVAN realizado no posto de saúde do mesmo bairro. O estudo tem como objetivo em sua primeira etapa analisar a eficácia da aplicação de um instrumento de triagem precoce de autismo, o CHAT, e de um conjunto de itens de sinais de alerta para atraso de desenvolvimento para levantar sinais indicadores de autismo em crianças de 20 a 47 meses. E em sua segunda etapa, verificar, por meio de entrevistas com pediatras, sua conduta, instrumentos utilizados e sua eficácia para avaliar atraso de desenvolvimento relacionado a sinais de autismo em crianças de 20 a 47 meses, bem como perceber a disposição destes profissionais em receber informações sobre o tema. De acordo com os aspectos éticos, será respeitado o anonimato dos participantes, assim como seu consentimento na divulgação dos dados obtidos na pesquisa. Serão feitos todos os esclarecimentos necessários aos participantes: familiares das crianças, profissionais da creche e posto de saúde envolvidos no procedimento. Serão realizados os encaminhamentos necessários das crianças envolvidas na pesquisa, se for constatado algum tipo de déficit nos aspectos avaliados durante a pesquisa. Serão comunicados os resultados da pesquisa aos serviços de saúde (posto de saúde) e educação (creche) nos quais esta se desenvolverá. O estudo será desenvolvido na creche durante o período em que as crianças participantes estão em atendimento; e no posto de saúde, durante as consultas de acompanhamento do programa SISVAN. Coloco-me à disposição para quaisquer esclarecimentos. Atenciosamente Patrícia Carla de Souza Della Barba Mestranda em Educação Especial -UFSCar 89 ANEXO 10 TERMO DE COMPROMISSO DIRECIONADO AOS PEDIATRAS * Com cópia para entrevistado, pesquisadora e orientadora O Dr. (Dra.) está participando de uma pesquisa da área de Educação Especial com o objetivo de verificar, por meio de entrevistas com pediatras, sua conduta, instrumentos utilizados e sua eficácia para avaliar atraso de desenvolvimento relacionado a sinais de autismo em crianças de 20 a 47 meses, bem como perceber sua disposição em receber informações sobre o tema. Garantimos que todas as informações fornecidas pelo (a) Sr. (Sra.) serão divulgadas de forma a preservar seu anonimato. Cuidados serão tomados, ao divulgar a informação, para não fornecer pistas que de forma indireta possam identifica-lo (a). Informamos também, que o Sr. (Sra.) poderá interromper sua participação em qualquer ponto que julgar necessário bem como fazer perguntas a fim de esclarecer dúvidas, quanto ao objetivo ou condução do estudo. Pedimos ao participante a gentileza de manter discrição, não comentando publicamente sobre as perguntas que foram feitas durante a entrevista, para evitar que futuros participantes possam saber de antemão informações que alterem os resultados da pesquisa. Colocamo-nos à disposição do (a) Sr. (Sra.), após a análise dos dados, para informá-lo (a) sobre os resultados gerais deste estudo enviando-lhe um folheto informativo. Além disto, encontra-se nome e endereço da pesquisadora e orientadora para quaisquer esclarecimentos. Ressaltando a importância de sua colaboração para o avanço da pesquisa em Educação Especial, agradecemos antecipadamente. Afirmo que fui informado (a) de antemão sobre este termo e o objetivo da pesquisa, concordando de livre e espontânea vontade a participar deste estudo e aceitar a divulgação dos dados desde que preservado o anonimato. Participante Dra. Ana Lúcia Rossito Aiello Prof. orientadora –depto. de psicologia –UFSCar Rod. Washington Luís, km 235 Caixa postal 676 fone: 16 261 8362 * baseado em Lacerda e Aiello (1998) Patrícia Carla de Souza Della Barba aluna mestrado em Ed. Especial -UFSCar R. Antonio Carlos Mello, 91. Jundiaí, SP fone 11 4582 7308 90 ANEXO 11 ROTEIRO DE ENTREVISTA REALIZADA COM OS PEDIATRAS* 1. Por favor, descreva qual instrumento o Sr. (Sr.a) utiliza normalmente em sua rotina de atendimento, em seu local de trabalho, para avaliar uma criança na faixa etária entre 20 e 50 meses. 2. Como é realizada a avaliação de uma criança que apresenta problemas de desenvolvimento? Quando a criança apresenta atraso ou retardo no desenvolvimento, o que o Sr. (Sra.) normalmente faz? 3. Qual é a freqüência (ou a ordem) de encaminhamentos realizada pelo Sr. (Sra.) ao suspeitar de problemas de desenvolvimento? 4. O Sr. (Sra.) costuma participar de congressos sobre desenvolvimento? 5. O que o Sr. (Sra.) sabe sobre o autismo infantil? 6. O Sr. (Sra.) já realizou algum diagnóstico de autismo? * as questões da entrevista foram baseadas no estudo de Lacerda e Aiello (1998) 91 ANEXO 12 QUESTÕES APLICADAS NO PRÉ E PÓS-TESTE DA PROPOSTA DE CAPACITAÇÃO DOS PEDIATRAS 1. Quais comportamentos podem ser indicativos de autismo na faixa etária de 1 a 3 anos? 2. Quais aspectos do desenvolvimento podem estar comprometidos em uma criança com autismo na faixa etária citada? 3. Qual seria a atuação do pediatra na identificação do autismo em crianças de 1 a 3 anos? 4. O que o Sr. pode dizer sobre os procedimentos de investigação sobre o autismo? O Sr. conhece algum instrumento de identificação precoce do autismo na faixa etária de 1 a 3 anos? Pode citá-lo ou descrevê-lo? 5. Quais os benefícios, na sua opinião, da identificação precoce de sinais de autismo? 6. O Sr. pode citar quais locais dessa região atendem ou fazem o diagnóstico de casos de autismo? 7. Que nível de importância teria uma capacitação em identificação precoce de sinais de autismo para sua prática clínica? 8. De que forma poderia ser realizada uma capacitação (curso / pequenos grupos de discussão / com recursos escritos e audio-visuais)? Em que horários? No horário de serviço? Em uma única sessão de várias horas ou em várias sessões de poucas horas cada? 9. Qual sua disponibilidade para utilizar um instrumento de triagem que leva em torno de 10 minutos para ser aplicado? Em qual local de trabalho este seria viável? 92 ANEXO 13 SUGESTÃO DE MATERIAL DE CAPACITAÇÃO DOS PEDIATRAS: TEXTO CIENTÍFICO 93 ANEXO 14 SUGESTÃO DE MATERIAL DE CAPACITAÇÃO DOS PEDIATRAS: FOLDER 94 Estes comportamentos podem ser sinais de AUTISMO AMA – São Paulo Fone:11 3272 8822 APAE -Jundiaí Fone: 11 4526 1150 ADACAMP – Campinas Fone: 19 3272 7889 CEDAP – Pirassununga Fone:19 561 1268 Prof.Dra.Ana Lúcia R.Aiello Departamento de Psicologia Uni.Federal de São Carlos Fone: 16 3351 8463 95 Universidade Federal de São Carlos Programa PGEES Disciplina: Intervenção Precoce Prof.Dra.Ana Lúcia R.Aiello Prof.Dra.Lúcia C.A. Williams Patrícia C.S. Della Barba e-mail: [email protected] Quanto mais cedo o autismo for diagnosticado, maiores serão as chances de estimulação precoce, Melhorando comportamento da criança a forma da família lidar com as dificuldades Aumentando as chances de independência inclusão escolar. 96 Não balbuciar aos 12 meses Não usar gestos como apontar, acenar tchau aos 12 meses Não dizer palavras simples aos 16 meses Não dizer frases de 2 palavras espontaneamente aos 24 meses ou comunicarse apenas por repetições ou “falar como um papagaio” (ecolalia) QUALQUER PERDA DE HABILIDADE DE LINGUAGEM OU HABILIDADE SOCIAL EM QUALQUER IDADE ATENÇÃO: A apresentação destes sinais NÃO significa que a criança é autista mas sim que ela deve ser encaminhada para especialistas Preste atenção nas alterações de comportamento nas áreas de socialização e comunicação! Se elas persistirem em duas avaliações diferentes em um intervalo de 1 ou 2 meses, leve a criança para uma avaliação com especialistas. Não responde ao seu nome As vezes parece surdo Não sorri socialmente Não se relaciona com quem cuida dela Tem pobre contato visual Não reage as expressões faciais de seus interlocutores Tem aversão ao toque Não se aninha no colo Fica em seu próprio mundo Fica “fora do ar” Não diz o que quer, verbalização pobre sem intenção de comunicação 97 Linguagem atrasada Não segue ordens, instruções Não aponta para lugares ou objetos para demonstrar interesse, não acena tchau Dizia algumas palavras e não diz mais Tem padrões de movimentos estranhos “estereotipados” Prefere brincar sozinho. Não se interessa por outras crianças. Tem mais interesse por objetos que por pessoas Não sabe brincar com brinquedos. Tem apego a brinquedos específicos e brinca de forma repetitiva Não coopera e apresenta hiperatividade ou agressividade Não consegue prestar atenção em mais de uma situação. Não reage aos estímulos do ambiente Permanece muito tempo na mesma atividade Anda nas pontas dos pés Hipersensível a certas texturas ou sons Se esses resultados persistirem, procure um especialista. Quanto mais cedo o diagnóstico e a intervenção melhor o prognóstico.