O ALUNO CEGO NO CONTEXTO DA INCLUSÃO ESCOLAR: OS DESAFIOS NO
PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA
Edinéia Terezinha de Jesus Miranda
PPGEC - UNESP/Bauru
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RESUMO
Nesse trabalho pretendemos mostrar um recorte de nossa pesquisa de
mestrado, cuja pretensão era a de estudar as adequações necessárias para que o
processo de ensino e de aprendizagem matemática ocorresse de maneira similar para
cegos e videntes, com utilização da Tecnologia Assistiva. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa com abordagem etnográfica, onde o pesquisador como observado também
do ambiente escolar, focava a inclusão escolar do aluno com deficiência visual e sua
interação com o professor de matemática. Nesta oportunidade, pretendemos mostrar
como materiais utilizados em sala de aula de Matemática e em sala de recursos se
constituíram uma tecnologia assistiva viável que favorecesse o aprendizado
matemático.
Palavras chaves: Deficiência visual; Educação Matemática; tecnologia assistiva.
INTRODUÇÃO
Meu interesse pela área de Educação Especial vem de longa data, atuei
como professora de educação especial para pessoas com deficiência visual,
sendo que há mais de 16 anos, trabalho com inclusão escolar. Algumas coisas
no processo de inclusão escolar me deixavam incomodada, uma delas diz
respeito ao fato de que, geralmente, as matérias escolares da área de
humanas costumam ter menos problemas no processo de ensino e de
aprendizagem, por se tratar predominantemente de leitura e interpretação, o
que normalmente é suprido pelo sistema de leitura e escrita Braille, embora
não deixe de ter certas dificuldades de vez em quando. Entretanto, na área de
exatas, é comum os professores demonstrarem se sentir impotentes diante do
conteúdo a ser ensinado, principalmente quando eram envolvidos gráficos,
figuras ou mesmo problemas aritméticos. E, em minha vivência com
professora, infelizmente, percebi que muitos docentes acabam por ignorar o
aluno cego, omitindo alguns conhecimentos, duvidando de sua capacidade de
aprender conteúdos que são perfeitamente compreensíveis, apesar da falta de
visão, desde que se usem os recursos adequados. Dessa forma, o aluno com
deficiência visual irá apresentar muitas defasagens com o passar dos anos.
Fernandes e Healy (2007) acreditam que: “A Matemática para os alunos
sem acuidade visual dentro dos padrões normais dessa escola é uma disciplina
especialmente „complicada‟, só comparada em grau de dificuldade com a
Física e a Química.” (FERNANDES e HEALY, 2007).
Não deixando de reconhecer o papel fundamental da visão no processo
de aprendizagem, e reconhecendo que currículos e materiais educacionais
podem ser produzidos para responder aos vários níveis de necessidades,
inclusive com a finalidade de maximizar a potencialidade de crianças cegas; e,
pensando nas condições da escola na atualidade, a indagação que norteia
minha pesquisa é a seguinte: O que é necessário para que, num contexto de
sala de aula regular, alunos videntes e alunos cegos tenham aprendizados
similares, em termos de conteúdos e atividades realizadas de maneira
autônoma em Matemática?
Um dos objetivos dessa pesquisa era o de elaborar uma compreensão
de como o ensino da matemática para a criança cega pode ser adequado às
suas necessidades, descrevendo os tipos de recursos, de tecnologia assistiva
e de jogos que podem favorecer o processo de ensino e de aprendizagem de
matemática.
Portanto, nesse artigo, a intenção é apresentar esse recorte da
pesquisa, mostrando o que foi possível compreender acerca da tecnologia
assistiva para alunos com deficiência visual incluídos em classes regulares de
Matemática dos Ensinos Fundamental e Médio.
METODOLOGIA
A pesquisa é de abordagem qualitativa, especificamente, um estudo de
caso etnográfico, com dois alunos da Sala de Recursos para pessoas com
deficiência visual de uma escola estadual de Bauru. Sendo que esses alunos
estão inclusos em escolas diferentes, portanto, participaram da pesquisa duas
escolas, consequentemente dois professores de matemática. Um dos recursos
para a produção de dados foi a observação estruturada das aulas de
Matemática nas salas regulares dos alunos envolvidos. Como dados temos os
registros efetuados sobre as pessoas, o cenário das escolas pesquisadas e os
acontecimentos em sala de aula, destacando os mais importantes e até
reconstrução de diálogos e de comportamento. (FIORENTINI e LORENZATO,
2006).
Ainda, para a produção de dados foi considerada a intervenção com
cada aluno com deficiência visual no período contrário ao que estudava, de
forma individualizada. Para tanto utilizei as seguintes Tecnologia Assistiva para
a Educação (TAE):
 soroban para realização de cálculos matemáticos;
 caderno do aluno de matemática em Braille, fornecido pelo
para alunos cegos das escolas estaduais paulista;
 máquina Braille, para registro das atividades em sala de aula;

computador com sistema Dos Vox, um sintetizador de voz que
faz a leitura da tela do computador para o deficiente visual.
 Desenhador, prancheta revestida de material emborrachado;
 Régua adaptada, contendo pontos em relevo.
 Impressora Braille, para impressão de material complementar.
Todo material utilizado foi fotografado para facilitar a descrição da forma
como os mesmos foram utilizados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Muitas foram as transformações sofridas pela educação no Brasil ao longo dos
anos, mas, um dos maiores impactos no cotidiano escolar, nas últimas décadas,
refere-se à inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais nas escolas
regulares. Não são poucas as adequações necessárias para que isso aconteça, além
das transformações arquitetônicas e dos recursos que devem estar disponíveis (como
tecnologia assistiva e adequação curricular), bem como a necessidade da formação de
professores, inclusive de Matemática.
Nessa pesquisa acompanhamos por aproximadamente dois meses dois alunos
cegos congênitos com intenção, entre outras coisas, de observar como a tecnologia
assistiva pode ser utilizada e como ela pode contribuir para a aprendizagem dos
conteúdos de matemática dos alunos com deficiência visual. Além das observações
realizadas em sala de aula fiz algumas intervenções como os alunos no período
contrário ao que estudavam para verificar o que compreenderam sobre o conteúdo
ensinado e como a tecnologia assistiva poderiam contribuir para que as falhas
existentes no processo de ensino e de aprendizagem pudessem ser supridas.
Nesse artigo vamos nos referir aos alunos como A1 e A2. Sendo A1 uma
menina de 15 anos que cursou o 1º ano do Ensino Médio em 2014 e os conteúdos
estudados por ela durante o período de observação foi Função do Primeiro Grau. E A2
faz referencia a um menino de 13 anos que cursou o 8º ano do Ensino Fundamental
também em 2014, durante o período de observação foi Sistemas de Equações.
A maior dificuldade encontrada pela professora da A1 foi em relação à como
ensinar a aluna a montar o Plano Cartesiano e o gráfico, ela deixou claro que pularia
esse conteúdo orientando a aluno a fazer apenas os cálculos e ainda assim com
algumas dificuldades em ensiná-la em relação a como montar o cálculo aritmético.
Sugeri que a montagem do plano Cartesiano poderia ser feita através de materiais
como o Multiplano que pode ser usado para construir gráficos, geometria plana e
espacial, matriz, determinante, entre outros (FERRONATO, 2002), ou mesmo
por meio de uso de materiais simples como barbante ou o uso do próprio sistema de
leitura e escrita Braille, método pelo qual como pesquisadora optei para orientar a
aluna a construir o Plano Cartesiano e posteriormente o gráfico por ser acessível a ela,
sendo que a mesmo poderia construí-lo além de ter baixo custo. A aluna se adaptou
bem ao método, aprendeu a construir o Plano Cartesiano na máquina Braille que
utilizava em sala de aula, além de ligar os pontos encontrados no gráfico com auxílio
do desenhador e de uma régua adaptada, classificando-o como crescente ou
decrescente. Além da orientação que ofereci a aluna contava com a assistência da
professora em sala de aula e uma professora auxiliar.
Com relação ao A2 houve maior dificuldade em acompanhar o conteúdo em
sala de aula, pois durante o período de observação em sala de aula, o mesmo não
anotava o conteúdo, pois a professora achava que o barulho da máquina Braille
atrapalhava o andamento da aula, entretanto a professora supunha que apenas
ouvindo o aluno poderia aprender o conteúdo matemático ensinado. Contudo ao ser
questionado sobre o conteúdo o aluno afirmou estar aprendendo sobre “Inequação”,
quando na verdade o conteúdo ensinado era “Sistema de Equações”, demonstrando
com isso estar perdido em relação ao conteúdo ensinado, pois não tinha nenhum
registro do mesmo. A professora de Matemática não se dispunha a ajudá-lo
justificando que não sabia o Braille. Sugeri a professora que o aluno poderia fazer os
registros do conteúdo em sala de aula utilizando o notebook adaptado Sistema Dos
Vox e um fone de ouvido para não atrapalhar os colegas e dessa forma ela poderia
visualizar o que o aluno estava escrevendo e depois o arquivo poderia ser impresso
em Braille para o aluno e em tinta para que ela pudesse fazer a correção. A professora
se mostrou surpresa em saber que o aluno tinha esse material a disposição e que
depois poderia ser impresso nas duas versões. O aluno passou a registrar o conteúdo
em sala de aula, porém a maior parte dos exercícios a professora pedia para ele
resolver em sala de recursos no período contrário não oferecendo a assistência que o
aluno necessitava para resolvê-los, delegando essa função à professora da sala de
recursos que não é especialista em Matemática. Realizei algumas intervenções
registrando o conteúdo pelo sistema de Leitura e escrita Braille para que o aluno
pudesse acompanhar por meio da leitura Braille o que era explicado. Sendo que a
maior dificuldade do aluno girava em torno da aritmética, pelo fato de ter que calcular
um valor atribuído a uma letra, porém, com a explicação, e o apoio do Braille,
rapidamente o aluno compreendeu como deveria efetuar o cálculo.
O instrumento que consideramos como válido para verificar se houve ou
não um aprendizado efetivo por parte do aluno foi a avaliação realizada em
sala de aula sendo que consideraríamos que o mesmo demonstrou que
compreendeu o conteúdo satisfatoriamente caso o número de acerto nas
atividades realizadas em sala de aula fosse maior ou igual a 70% tendo ele
autonomia na realização dessas atividades solicitando o professor apenas para
dúvidas eventuais, podendo com esse suporte atingir 100% de acerto. Ambos
os alunos atingiram a meta sendo que A1 obteve 95% e A2 obteve 70%. de
acerto.
Sendo assim, o desenvolvimento dessa pesquisa pretende-se corrobora as
pesquisas em Educação Matemática Inclusiva, trazendo novos elementos para a
discussão acerca do ensino e aprendizado de Matemática para alunos com deficiência
visual.
REFERÊNCIAS
FERNANDES, S. H. A. A.; HEALY L. Ensaio sobre a inclusão na Educação
Matemática: Revista iberoamericana de educação matemática. São Paulo. n.10. p.
59-76. jun. 2007. Disponível em:
www.fisem.org/www/union/revistas/2007/10/Union_010_010.pdf. Acesso em: 21 abr.
2014
FERRONATO, R. A Construção de Instrumento de Inclusão no Ensino da
Matemática. Dissertação de mestrado. Programa de Pós Graduação em
Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 2002.
FIORENTINI, D; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática:
percursos teóricos e metodológicos. Campinas. Autores Associados, 2006
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