1 UM ESTUDO DAS REDES SOCIAIS QUE NASCEM A PARTIR DO TRABALHO DA COOPERATIVA “GRANDE SERTÃO” NO NORTE DE MINAS Mota, Percio Vidal de Souza Mestrando em Educação Tecnológica – CEFET-MG Orientando da Prof. Silvani dos Santos Valentim Sabe o senhor: o sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. (Guimarães Rosa,Grande Sertão Veredas. P.22) 1. Resumo: Este trabalho pretende tomar como objeto de estudo a “Cooperativa Grande Sertão”, no Município de Montes Claros, e as redes sociais que fazem conexão com a mesma, no sentido de contribuir para o estudo das dinâmicas locais e suas interfaces com o desenvolvimento regional. O objetivo é investigar os processos subjacentes às redes que se formam e a interação destes com o desenvolvimento local e regional, contextualizando tais fenômenos à luz do “momento-espaço” de globalização das redes e seu impacto sobre as relações sociais e produtivas territorializadas. Dessa forma a análise busca conhecer melhor uma experiência de organização cooperativa como estratégia de desenvolvimento local no Norte de Minas Gerais, e a suas interações e devida inserção nas redes sociais, que nascem do trabalho cooperativo e solidário. Palavras chave: redes sociais, cooperativismo, solidariedade, desenvolvimento social, momento-espaço. 2. Formação de redes sociais O ponto de partida para essa reflexão é a concepção da sociedade em rede, ou sociedade informacional, como foi formulada por Castells(2003), segundo a qual a sociedade contemporânea é caracterizada pela predominância da forma organizacional da rede em todos os campos da vida econômica e sociocultural. Essa nova maneira de estabelecimento de relações sociais por meio da rede, chamada por Castells de “sociabilidade”, permite a formação de comunidades, grupos humanos constituídos a partir de identidades construídas na esteira de interesses comuns. Conforme a interpretação desse autor, os grupos sociais mais poderosos adaptam-se de maneira cada vez melhor às novas condições da sociedade 2 informacional, permeada por fluxos e redes de comunicação-informação, utilizando as novas potencialidades abertas à globalização e pelo acesso às novas tecnologias de informação e comunicação. A situação acima considerada, no entanto, contrasta fortemente com os processos da fragmentação e de segmentação que se observa entre os setores sociais mais fragilizados da sociedade, os “espaços de lugares”, contrapostos aos “espaços de fluxos” dos dominantes, particularmente no nível comunitário dos países em desenvolvimento. Nesse contexto, as redes sociais surgem, navegando contra a corrente hegemônica da globalização e reinventando novas formas de democratização e de construção da cidadania nos níveis local, nacional e global. Para Whitaker (apud Barroso, 2006), não se monta redes, trabalha-se em redes. Assim sendo ao se pensar na palavra redes como forma de organização deve-se pensar em uma forma diferente de se organizar, oposta a da organização social tradicionalmente piramidal. Como assinala Whitaker, o importante da rede é a distribuição de responsabilidades, ou seja, “Redes sociais partem do conceito básico de horizontalidade, como uma malha, fios ligados horizontalmente, sem ganchos de sustentação" (apud Barroso, 2006). Por outro lado, segundo Barroso(2006), tratar este tema como moda banaliza a noção de rede. Ela completa que hoje todos se autodenominam redes, ainda mais com a internet. Isso nos faz perder uma potencialidade de mudança que é extremamente rica. O indivíduo perde assim a chance de melhor compreender a dinâmica indivíduo-sociedade. Nesse sentido Barroso(2006) ainda complementa com Whitaker que afirma que “as redes são importantes porque nela todos são sujeitos autônomos que participam por motivação própria, não por obrigação ou hierarquia”. Desta feita, as redes sociais despontam como um recurso que permite o avanço dos projetos territorializados que contam com a participação ativa das populações locais com o objetivo de promover a cidadania, a democratização e a construção de uma nova realidade social. Segundo Martins(2004), tal recurso valoriza a força da associação entre os homens, ocasionando o aparecimento de movimentos coletivos e espontâneos. A sociedade civil mundial enfatiza a importância da produção rápida e diversificada de respostas locais e eficazes que assegurem a ampliação dos direitos de cidadania e a promoção de políticas de inserção e participação social. Através da análise do relacionamento das instituições na rede é possível verificar quem possui mais recursos, quem passa mais informações, quem tem mais poder de articulação. Na sociedade contemporânea as relações de poder definem as territorialidades. Confrontando com a discussão de território, as redes qualificam o espaço, interferindo na forma como este 3 território está organizado. Como postula Castells(2003:35), “o espaço não pode ser definido sem referência às práticas sociais”, o espaço é o lugar da luta, da resistência, onde aparecem as dificuldades das populações. O que qualifica o espaço são as interconexões existentes na sociedade. De acordo com Castells: Os principais processos dominantes em nossa sociedade são articulados em redes que ligam lugares diferentes e atribuem a cada um deles um papel e um peso em uma hierarquia de distribuição de riqueza, processamento de informações e poder, fazendo que isso,condicione o destino de cada local. (2003:439) A análise das redes está focada na relação entre os sujeitos, considerando que através dessas relações e das situações criadas, eles se posicionam com mais flexibilidade na vida social, diferente da análise que leva em conta individualidade de cada um, com suas características pessoais, atributos e discursos. Tal análise, de acordo com Martins(2004), está presente no pensamento de Durkheim sobre a realidade, enfatizando que esta ao invés de se formar sobre a moral do interesse, se funda na moral da solidariedade. Essa solidariedade pode ser de dois tipos. A solidariedade mecânica resultante da coesão social, na qual os indivíduos se assemelham e onde a personalidade individual é absorvida pela coletiva, ou seja, do grupo inteiro. A solidariedade que deriva da divisão social do trabalho, pode ser chamada orgânica. Na solidariedade orgânica os indivíduos diferem entre si. Cada um tem uma esfera de ação própria. A complexidade das redes, já foi esboçada por Durkheim(1999) ao tratar da função da divisão social do trabalho “cada um depende tanto mais estreitamente da sociedade quanto mais dividido for o trabalho nela e, de outro, a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais for especializada.”(1999:108). Para Milton Santos as redes podem ter definições e conceituações diversas, mas é possível agrupá-las em duas grandes matrizes. A primeira é aquela que considera o seu aspecto, sua realidade material, toda a sua infra-estrutura instalada. A segunda leva em conta, também, o dado social, as pessoas, as mensagens e os valores presentes nas relações dos elementos presentes na rede. As redes são formadas por quantidades e qualidades instaladas em diversos momentos. Portanto é possível considerar a existência de produção e vida nas redes, já que através delas é possível favorecer a “fluidez para a circulação de idéias, mensagens, produtos ou dinheiro, interessantes aos atores hegemônicos.” (Santos, 2003:274) . 4 Assim sendo, as redes sociais articuladas com o poder público têm um papel fundamental e indispensável nos processos de desenvolvimento social. É a forma de articulação dessas redes que vai dar sentido às ações comunitárias, cujos sujeitos são agentes do seu próprio desenvolvimento. A busca da reconstituição do tecido social é sentida pelo crescente aumento do número de Organizações Não-Governamentais(ONGs), espaço diferente do empresarial e do governamental, posto que estrutura as comunidades em torno de interesses difusos e transindividuais. O crescimento mundial dessas redes indica a ampliação de novos campos de possibilidades para ações solidárias estrategicamente articuladas com o objetivo de promover as liberdades públicas e privadas. Isso implica em reconstruir a identidade das populações em torno do território e prolongando-a para a identidade de projeto, que na sociedade em rede origina-se da resistência comunal (Castells, 1999). 3. A Cooperativa Grande Sertão A história da Cooperativa Grande Sertão está fortemente associada a uma ONG que já atua há vinte anos no Norte de Minas na área de construção de alternativas de manejo com a agroecologia: o Centro de Agricultura Alternativa(CAA). A cooperativa nasceu da necessidade de se avançar no trabalho desenvolvido pelo CAA junto às populações da agricultura familiar para aproveitar o potencial de frutos do cerrado, da caatinga e de outras frutas de quintal, foi montada, em 1995, uma pequena indústria para beneficiar e comercializar as polpas das frutas. Francisco Wagner, Diretor Secretário da Cooperativa, faz uma observação bastante importante a esse respeito: “A idéia da cooperativa na verdade surgiu desde 95/96, como um projeto do Cento de Agricultura Alternativa. Na época era um projeto de beneficiamento e comercialização. O CAA sempre atuou no campo de pesquisa, no desenvolvimento de técnicas alternativas, no avanço de conservação e uso sustentável do solo. Chegou um momento que os agricultores passavam para uma segunda etapa. Era a parte de beneficiamento dos produtos da região.” De 1995 a 2003 foi se investindo na qualidade e diversificação dos produtos, no marketing, no aumento da qualidade, na ampliação da produção, na inserção no mercado e, sobretudo, no envolvimento de mais famílias fornecedoras dos frutos nativos e cultivados de toda a região Norte de Minas. 5 Em 2003, com uma trajetória consolidada na sua área de atuação, com perspectivas de crescimento e por demanda dos próprios agricultores, a micro-empresa Grande Sertão Produtos Alimentícios transformou-se na Cooperativa de Agricultores Familiares e Agroextrativistas Grande Sertão. A cooperativa nasceu com trinta cooperados e hoje tem um número próximo de sessenta sócios como destaca o Diretor Secretário da Cooperativa: Hoje nós atuamos em 21 municípios do Norte de Minas e já temos mais de 1.500 famílias envolvidas nos nossos cadastros. Agricultores que entregam as frutas, agricultores que fazem a rapadurinha, que fazem a polpa de pequi, óleo de pequi, açúcar mascavo, o pequi congelado. Então estamos com esta rede de agricultores que entregam as frutas de quintais e derrubam as frutas nativas, tanto as frutas do cerrado quanto da caatinga (Entrevista gravada em 04/11/2006). Atualmente os produtos da cooperativa são: 17 variedades de polpa de fruta, óleo e polpa do pequi, rapadurinha, farinha, mel e cachaça. Neste ano a cooperativa entregou 90 toneladas de polpa de fruta, 20 toneladas de mel, 16 toneladas de farinha, 3 mil quilos de polpa de pequi, 5 mil litros de óleo de pequi e 50 toneladas de rapadurinha, distribuídos em 13 municípios. Além do mercado varejista, a maior parte da produção vai para o mercado institucional, com contratos com a CONAB, através de um programa do governo federal chamado Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), entregando para Hospitais, Creches, Escolas, Associações, APAEs, Asilos, Associações, Restaurantes Populares. A Cooperativa Grande Sertão tem como princípio que todos os seus produtos devem estar de acordo com as exigências da agroecologia dentro das unidades de agricultura familiar. Sobre isso encontramos respaldo em Gonçalves & Rosa(2005)1 que afirmam: Para isso a cooperativa disponibiliza o acompanhamento técnico para capacitação e monitoramento das propriedades. O diferencial dos produtos está na qualidade e na agregação de importantes valores como respeito ao meio ambiente, compromisso social com as populações sertanejas e valorização dos biomas cerrado e caatinga. Institucionalmente a cooperativa está organizada em torno do conselho administrativo e conselho fiscal que são preenchidos por agricultores cooperados. O conselho administrativo é a equipe executora de todas as atividades e é composta pela diretoria, a tesouraria e a secretaria. “Além disso, nós temos os mobilizadores, que são os agricultores que fazem a 1 Breno Gonçalves -administrador, membro da equipe técnica do CAA-NM e Helen Santa Rosa -assessora de comunicação do CAA-NM. Revista Agriculturas - v. 2 - no 2 - junho de 2005 6 parte de organização da produção” (Francisco Wagner Pereira dos Santos – Diretor Secretário da Cooperativa). A participação das centenas de produtores que fornecem as frutas e produtos é mais no nível das formações e capacitações promovidas pela cooperativa. Existe uma assembléia anual dos cooperados onde são feitas avaliações, deliberações e tomadas de decisões sobre os rumos da cooperativa. Mas uma forma que a instituição encontrou de implementar um processo de gestão mais participativo e levar as demandas da atuação da cooperativa para as assembléias anuais é a realização das pré-assembléias locais nas quais os produtores não cooperados podem participar. Na diretoria as responsabilidades são divididas. Percebe-se que a Cooperativa está inserida em dois conjuntos de redes. A primeira rede é aquela que a cooperativa constitui através do seu trabalho Norte de Minas. A sua atuação articula uma ampla rede de agricultores familiares de vários municípios e dezenas comunidades que trabalham diretamente com a coleta de frutos e estabelecem contato e diálogo entre si. Participam dessa rede outras instituições locais nas quais os próprios produtores estão inseridos, como por exemplo: os Sindicatos Rurais, os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, os Conselhos Municipais da Merenda Escolar e a Pastoral da Criança. É uma rede que busca construir mecanismos de convivência com o semi-árido e utilização sustentável do cerrado valorizando as experiências e os saberes locais. Em toda essa rede de mobilização tem-se como ponto central a Cooperativa Grande Sertão. Ela representa o canal para inserir os produtos no mercado, para intercambiar informação entre as realidades mais amplas e os produtores locais, para confrontar os novos conhecimentos no campo da agroecologia com os saberes dessas populações. Ao mesmo tempo, a cooperativa insere os produtores em redes mais amplas, quando alguns deles participam de eventos e discussões nacionais e até internacionais sobre a realidade do Norte de Minas. O segundo conjunto de redes é aquele que a própria cooperativa participa, por se tratar de espaços de discussões, engajamento e lutas similares àquelas que ela trava. Junto com outras entidades contribui na construção de propostas para o desenvolvimento regional. Assim ela se envolve nos debates e preocupações nacionais e globais para o desenvolvimento pautado na realidade regional, conforme observa o Diretor Secretário da Cooperativa: “Temos participado de vários momentos enquanto rede: Rede Cerrado, ANA (Articulação Nacional de Agroecologia), AMA (Articulação Mineira de Agroecologia), e a rede das ONGs aqui em Minas Gerais. Nós temos uma atuação aí. Participamos com as Cáritas diocesanas, partipamos hoje de uma discussão junto com a Conab (Companhia Nacional de 7 Abastecimento). Uma discussão dentro dos ministérios: do MDA (Ministério do Meio Ambiente), alguns recursos do próprio Ministério da Agricultura, com uma articulação... a ASA (Articulação do Sem-Árido), temos participado a nível do sem-árido, as experiências que o semi-árido têm trabalhado com agricultores, a gente tem participado efetivamente.” As informações evidenciam que a atuação da Cooperativa Grande Sertão acontece integrada em várias redes de atores sociais acompanhando a complexidade do movimento local-global e vice-versa, bem como articulada com a sustentabilidade do meio ambiente e da vida das populações situadas no território em que desenvolve seu trabalho. Desta forma a cooperativa constitui uma rede de cooperação horizontal ao redor de si, e ela mesma participa de outras tantas redes mais amplas naquilo que lhe diz respeito. 4. Economia Solidária versus Capitalismo Quanto aos aspectos da economia solidária não há dúvida de que na literatura sobre o tema, há um consenso que entende que a economia solidária está ligada as várias práticas de desenvolvimento que surgem como alternativa de sobrevivência para os mais pobres. Singer, Mance e Arruda concensualizam suas definições de economia solidária como aquela que possui elementos de caráter coletivo. As experiências de economia solidária não são portanto formas de produção e consumo individuais, típicas da economia informal em sentido estrito. As relações não são assalariadas e exercita-se o controle coletivo do empreendimento, informações, fluxos e rendimentos. Singer conceitua a economia solidária como uma economia formada por empresas onde os trabalhadores são capitalistas e os capitalistas são trabalhadores, não há separação entre propriedade e trabalho. Singer entende a economia solidária como uma nova filosofia de produção, trabalho e renda. Acredita que o cooperativismo é uma forma concreta de experiência socialista para uma possível transformação social. Singer assevera que as demonstrações práticas de economia solidária ultrapassam o limite da utopia. A economia solidária é uma militância que marcha melhorando a qualidade de vida das pessoas, onde o trabalho não é subordinado ao capital e onde os principais lideres são os trabalhadores. Além disso, conforme Singer, do ponto de vista econômico a economia solidária na ótica cotidiana dos trabalhadores, não é uma ideologia, mas uma saída possível para a crise. As iniciativas da economia solidária articulam-se com as dimensões econômicas, sociais e política em uma só ação coletiva e são experiências que abrem espaço público no sentido de busca de transformações sociais amplas. A economia solidária parte de valores distintos dos 8 valores predominantes na economia capitalista. Estes apontam na direção de, ou são regidos por, critérios de liberdade, autonomia, democracia, fraternidade, igualdade e solidariedade. Ao tratar de economia solidária, Mance(2002) esclarece que: O termo economia solidária abarca muitas práticas econômicas e não há um consenso fechado sobre o seu significado. Em geral ele está associado a práticas de consumo, comercialização, produção e serviços em que se defendem, em graus variados, entre outros aspectos, a participação coletiva, autogestão, democracia, igualitarismo, cooperação e inter-cooperação, autosustentação, a promoção do desenvolvimento humano, responsabilidade social e a preservação de equilíbrio dos ecossistemas. Mance define a economia solidária dentro de um contexto socioeconômico e político de crise do desemprego estrutural na economia brasileira. Segundo ele, é dentro desse terreno que brota as experiências de economia solidária. Nesse sentido, o principal objetivo da economia solidária é a democratização e socialização da produção, do crédito e da distribuição, ou seja, permitir a todos o acesso aos meios de produção (incluindo a terra), ao crédito e à distribuição das mercadorias. Socializar o crédito é possibilitar o acesso de agricultores familiares, associações, cooperativas e outras organizações de trabalhadores a financiamento de investimento, custeio e capital de giro, com menor taxa de juros possível, para que possam crescer, melhorar seus produtos e atingir um numero maior de pessoas. Tal qual Mance, Singer entende a Economia Solidária como mais uma estratégia de luta do movimento popular e operário contra o desemprego e a exclusão social. Sendo assim fazse necessária a discussão da emergência de uma economia solidária no Brasil e no mundo. Sobretudo mediante o discurso neoliberal e da globalização da economia, de que a forma capitalista de produção é a única forma capaz de gerar bens, serviços e distribuição de renda. Singer(2003:11) assinala que: Há diversas maneiras de organizar a produção e a distribuição de bens e serviços, oriundos da interação de agentes especializados inseridos numa divisão social do trabalho. Um dos mais simples e por isso dos mais antigos é a produção simples de mercadorias: os agentes são possuidores individuais dos seus meios de produção e distribuição e portanto também dos produtos de sua atividade, que eles intercambiam em mercados. O agente é neste modo quase sempre uma família ou domicílio, cujos membros trabalham em conjunto, usufruindo coletivamente dos resultados de sua atividade. A agricultura familiar, o artesanato e o pequeno comércio são exemplos de atividades integrantes deste modo de produção. Singer entende que a economia solidária surge como o modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram marginalizados do mercado de trabalho. A unidade típica da economia solidária é a cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de 9 produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática empresa ou por participação direta; repartição da receita liquida entre os cooperados por critérios acertados entre todos os cooperadores. Esclarece que as experiências solidárias e os programas que as sustentam estariam em vias de evoluir para a ação propositiva, com reflexos concretos no campo das políticas públicas e nos embates que hoje definem os rumos da sociedade. Elas constituem não uma fonte de pré-política, mas uma ação de fronteira geradora de embriões de novas formas de produção e trabalho, estimuladora de alternativas de vida econômica e social. Contudo a economia solidária vista por Singer é uma criação intelectual em processo intermitente de trabalhadores em luta contra o capitalismo e “como tal, ela não poderia preceder o capitalismo industrial, mas o acompanha com uma sombra , em toda sua evolução”(Singer,2003:13) Sem dúvida vários autores argumentam que a solidariedade é um elemento fundamental que acompanha a convivência cotidiana dos setores populares. Ela é uma das condições para preservar e melhorar a qualidade de vida e ao mesmo tempo é um dos elementos constitutivos das relações econômicas, relações estas atravessadas e carregadas de subjetividade. Neste contexto, a cooperativa possibilita o aparecimento da economia de solidariedade. Dentro de cada comunidade aparece a solidariedade do tipo mecânica. Na articulação com outras comunidades define-se a visão da divisão do trabalho com a solidariedade do tipo orgânica. Assim, firma-se a idéia de que é na articulação entre as partes que a sociedade funciona. Um elemento essencial caracteriza a economia solidária, o de um engajamento que visa a “transformação social”. Para Singer a solidariedade é um traço marcante dessa economia que se diferencia do atual modo de acumulação capitalista, sendo uma nova forma de se fazer desenvolvimento. Esse novo jeito representa em ação geradora de embriões, de novas maneiras de produção e trabalho, estimuladoras de alternativas de vida econômica e social. Assim, como contraponto ao sistema econômico neoliberal dominante, os espaços locais participam e atuam desse processo a partir de uma base social, cultural e política local. 5. Um breve comentário final sobre a prática cooperativista Cooperar é um ato inerente ao ser humano. O homem é, por natureza, gregário e precisa viver em sociedade e tem necessidade de ajuda mútua, cooperação e solidariedade .Dos primórdios até os dias de hoje podemos notar uma quantidade enorme de iniciativas cooperativistas que contribuíram para a evolução humana em todas as esferas. De fato, o 10 espírito de cooperação sempre existiu nas sociedades humanas desde os tempos mais remotos, estando sempre associado às lutas pela defesa e sobrevivência, às crises econômicas, políticas e sociais, bem como às mudanças. Exemplos de cooperação são percebidos na organização social dos antigos povos como os babilônios, gregos, chineses, astecas, maias e incas. Conforme aponta Lopes(2001), essas civilizações “viviam em regime de verdadeira ajuda mútua, com organização agrária muito forte [...]” Ou seja, tais povos, com o intuito de obterem resultados melhores e minimizarem os prejuízos, cooperavam em suas plantações, artesanatos, inclusive, no transporte de mercadorias. O Cooperativismo mais próximo do que conhecemos hoje, surgiu como forma de amenizar os traumas econômicos e sociais que assolavam a classe de trabalhadores com as transformações trazidas pela Revolução Industrial em sua primeira fase. Durante décadas, na Inglaterra e na França, foram organizadas diversas sociedades com características de cooperativas. Esses movimentos de cooperação foram conduzidos por idealistas, como Robert Owen, Louis Blanc, Charles Fourier, entre outros, que defendiam propostas baseadas nas idéias de ajuda mútua, igualdade, associativismo e autogestão. Considerados por muitos os precursores do cooperativismo, estes pensadores socialistas começaram a estudar as formas de organização das civilizações antigas, até que “descobriram” a cooperação como instrumento de organização social. Com isto começaram a divulgar idéias e experiências destinadas a modificar o comportamento da sociedade. Mas o cooperativismo de fato, aconteceu em 1844 com os Pioneiros de Rochdale2, que se tornariam - e ainda são - modelos para o cooperativismo no mundo. Suas práticas econômicas, fundamentadas na autonomia, na democracia participativa, na igualdade, equidade e solidariedade, servem de argumento para a experiência cooperativa calcada em princípios. REFERÊNCIAS ANDRADE, Manuel Correia de. Territorialidade, desterritorialialidades, novas territorialidades: os limites do poder nacional e do poder local. In: SANTOS, Milton et al.(orgs.). Território: globalização e fragmentação.5. ed. São Paulo: Hucitec,2002. 2 “A chamada Cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochedale tem um período curto de sobrevivência, extinguindo-se em 1947, porém suficiente para criar um conjunto de princípios, conhecidos mais tarde como ‘Princípios Básicos do Cooperativismo’. Na batida do tempo tais conceitos se aperfeiçoaram. Entretanto, no seu cerne manteve: adesão livre e voluntária, gestão democrática pelos cooperados, participação econômica dos membros, autonomia e independência, educação, formação, informação, inter-cooperação e interesse pela comunidade. Lopes(2001:114) 11 BARROSO, Juliana Rocha. Francisco Whitaker e Augusto de Franco compartilham experiências. Agosto/2006. Disponível em http://www.redesedesenvolvimento.org.br/article/view/3004 Acesso em 21/12/2006. BRASIL. Lei no. 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a política nacional de cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Vol. I. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Col. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol. II. Rio Janeiro: Ed.Paz e terra, 1999. DÜRKHEIM, Emile. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Cap. II e III. FERRINHO. Homero. 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