SERVIÇO SAÚDE
Pernas, pra que
vos quero?
Muita gente está
encontrando a resposta:
começar a correr.
Mas antes de sair
trotando por aí, saiba
os cuidados que se
deve tomar para
aproveitar melhor
o exercício
A
pátria de chuteiras vai, aos poucos, tornando-se a “pátria de
tênis”. Tênis para correr, caminhar, treinar. Uma pesquisa
encomendada pela Corpore – organização de corredores que
tem mais de 250 mil associados – mostrou que, no fim de 2009, o
número de corredores no Brasil atingiu a marca de 4 milhões – seis
anos antes eram 2 milhões. Um grande mercado a ser explorado, sem
dúvida, mas também sinal de que a preocupação com a saúde está se
incorporando à mentalidade do brasileiro.
Só que é importante lembrar que correr não é simplesmente revestir
os pés com qualquer par de calçados e sair a todo vapor por aí, a esmo,
em um parque, nas ruas, ou até mesmo em provas organizadas. Não.
Correr (e até mesmo caminhar) requer cuidados: escolha do material
esportivo, supervisão médica, preparação física, alimentação. Por isso,
a Revista do Idec dedica esta matéria aos principais pontos a que você,
atleta amador ou aspirante a atleta, deve ficar atento.
BOMBA-RELÓGIO
Um dos momentos mais chocantes da história recente do esporte
nacional foi a morte de Paulo Sérgio Oliveira da Silva, o Serginho,
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• Abril 2012 • REVISTA DO IDEC
Dicas de ouro
l Aqueça, alongue e desaqueça. “Para cada 40 minutos
de exercício, em média, deve-se reservar 20 aos rituais de
aquecimento, alongamento, desaquecimento e, novamente,
alongamento”, indica Paula Viana. Ela acrescenta ainda que um
trabalho de reforço muscular é útil para evitar lesões.
Não ingira alimentos muito pesados antes do treino nem
corra em jejum.
l
l
Tome um pouco de água a cada 20 minutos de treino.
Shutterstock
l Compre tênis um ou dois números acima do seu para
evitar que as unhas batam na parte frontal do calçado; e
experimente-os no fim do dia, quando os pés costumam ficar
mais inchados.
zagueiro do São Caetano, transmitida ao vivo e em rede
nacional. Em outubro de 2004, no começo do segundo
tempo de uma partida contra o São Paulo, o atleta desabou, vítima de parada cardiorrespiratória. Foi levado
ao hospital e, 40 minutos depois, faleceu. Na época, a
imprensa revelou que Serginho não poderia jogar futebol, pois os exames cardiológicos haviam apontado que
o coração do atleta não ia bem.
Embora o futebol seja diferente da corrida, ambos
são esportes extenuantes, que exigem muito do corpo.
Casos como o de Serginho também ocorrem com atletas
amadores. No ano passado, um professor da rede pública faleceu durante o início de uma prova de corrida, em
Parauapebas (PA). Ele tinha 41 anos e foi vítima de mal
súbito. Em Campo Grande (MS), um militar de 43 anos
também não resistiu a uma parada cardiorrespiratória
durante testes de aptidão física em um quartel-general.
É infrutífero pormenorizar se essas mortes estão
ou não atreladas a doenças cardíacas preexistentes. O
fato é que há pessoas que não podem se submeter a
exercícios muito intensos por possuírem quadro clínico incompatível com a prática de atividades físicas
que demandam muito vigor. Assim, é imprescindível
que o atleta – amador, profissional ou mesmo o aspirante a atleta – se submeta a avaliação médica. “Essas
avaliações têm o intuito principal de detectar doenças
l Em caso de dúvida sobre qual é o seu tipo de pisada,
compre um modelo que seja, antes de tudo,
absolutamente confortável.
l Prefira meias de algodão, que permitem a absorção
do suor.
potencialmente fatais, que podem causar morte súbita,
e devem ser realizadas preferencialmente por um médico da área do esporte”, afirma Patrícia Oliveira, médica
da Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia
do Exercício, do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo.
A especialista explica que, até os 35 anos, as principais doenças do coração costumam ser de origem
congênita; elas são quase sempre detectáveis por um
simples eletrocardiograma ou mesmo um exame clínico
cuidadoso. Após essa idade, aumentam as probabilidades de quadros isquêmicos, isto é, de obstrução de artérias (o que pode determinar arritmias e infartos). Para a
detecção desses casos, recomenda-se o teste de esforço,
também conhecido como teste ergométrico. Mas não
são todos os problemas cardíacos que impedem a prática de exercícios físicos. “Em todo caso, o esporte de
alta intensidade é sempre uma grande preocupação, o
“A carga da atividade
tem de ser progressiva.
Não dá para recuperar de
uma vez o tempo perdido”
André Pedrinelli,
especialista em medicina do esporte
REVISTA DO IDEC •
Abril 2012 • 25
SERVIÇO SAÚDE
que demanda aos cardiopatas a prescrição individual de
atividades físicas. O objetivo é ter os maiores benefícios,
mas com os menores riscos”, recomenda Patrícia.
Um importante “termômetro” para quantificar a
intensidade do esforço é a frequência cardíaca (FC), o
número de batimentos do coração por minuto. Assim,
o uso de monitores cardíacos, também chamados de
frequencímetros, durante a corrida é uma maneira
prática de se fazer essa medição. Segundo Patrícia, a
intensidade do esforço ideal pode ser obtida por meio
de uma conta simples, que vai estabelecer qual é a FC
mínima e a máxima de cada indivíduo (veja a fórmula
abaixo). “Essa fórmula costuma funcionar para a maioria das pessoas jovens e saudáveis”, afirma a médica.
Mas, claro, que é importante considerar variáveis como
condicionamento físico e antecedentes.
Como medir a intensidade do esforço*
Frequência cardíaca (FC) máxima
220 - idade
Frequência cardíaca em atividade moderada
FC máxima x 75% e FC máxima x 85% (a
FC ideal deve estar entre os dois valores)
*Essa fórmula não é confiável para atletas, cardiopatas
e pneumopatas; apenas para amadores saudáveis
ALÉM DO CORAÇÃO
A ESCOLHA DOS “PISANTES”
Evidentemente, não é só o coração que merece cuidado especial. Correr sem tomar os devidos cuidados
também pode causar danos a outras partes do corpo.
Mais cedo ou mais tarde os problemas começam a surgir
A “saúde ortopédica” do atleta depende de outro
ponto fundamental: a escolha dos calçados. É claro que
ninguém vai sair por aí correndo de sapatos. Mas, em
se tratando de tênis, há uma infinidade de modelos. E é
preciso escolher um que seja apropriado ao seu estilo.
Estilo, não, pisada. Cada um pisa de um jeito, e ter
um par de tênis apropriado ajuda a evitar sobrecargas,
dores e fraturas.
Para ajudar na escolha, é preciso entender o ciclo
da corrida e identificar o seu tipo de pisada – neutra,
pronada e supinada. Se você entender esses conceitos,
já dá para começar a escolher os tênis ideais: as marcas
costumam classificar os modelos justamente de acordo
com os três tipos de pisada. Mas como saber qual é a
sua? O melhor dos mundos seria consultar um ortopedista que, por meio de uma análise do movimento,
consegue classificar sua maneira de pisar. Lojas especializadas também oferecem o serviço de “detecção de
pisada”, mas, segundo Pedrinelli, os funcionários nem
sempre estão preparados para fazer essa análise. O infográfico da página seguinte traz algumas explicações.
Rua X esteira
1
A maior diferença é que, na rua, a carga nas articulações
tende a ser maior. Por isso, a escolha dos tênis ideais é
ainda mais importante para quem corre ao ar livre.
2
O “rendimento” do atleta é algo muito subjetivo. Tem
gente que “rende” mais na rua, pois conseguir chegar a
tal ponto em um determinado tempo é estimulante; tem gente que se apega mais aos “números” da esteira (distância,
calorias, velocidade média), sempre ao alcance dos olhos.
3
O gasto de calorias de quem corre na rua pode ser ligeiramente maior do que o de quem corre na esteira, pois a resistência do ar e o atrito com o solo devem ser considerados.
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– principalmente em articulações, tendões e músculos.
“A carga da atividade tem de ser progressiva. Não dá
para recuperar de uma só vez o ‘tempo perdido’ ”, diz
André Pedrinelli, especialista em medicina do esporte
pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital
das Clínicas de São Paulo. “Mais vale uma frequência
maior, mas com intensidade menor, do que o contrário.
Tendinites e fraturas por estresse costumam acometer
os que não se preparam devidamente”, ele completa. O
médico destaca ainda que é normal ter algum tipo de
dor muscular nas três primeiras semanas de treino. Mas
se a dor persistir, é sinal de que algo está errado.
Além da receita básica de respeitar os limites do
corpo, ter um especialista para montar os treinos é
recomendável. “Quem não tem condições financeiras
ou não quer contratar um profissional da área pode
começar com caminhadas por algumas semanas e
aumentar a intensidade progressivamente. Outra alternativa interessante é entrar em um grupo de corrida”,
pondera Paula Viana, professora de corrida do Centro
de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo
(USP). Ela se refere a turmas de atletas amadores que
contratam um profissional para supervisionar simultaneamente várias pessoas, o que é financeiramente
interessante, além da interação com os demais adeptos.
Isso costuma acontecer, por exemplo, no Parque do
Ibirapuera, em São Paulo.
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1
Ilustrações Eduardo Nunes
Ciclo da corrida
3
2
Correr (e mesmo andar) é uma espécie de queda
controlada. E quem arca com esse controle são principalmente os pés, que sofrem o impacto da “queda” antes de
este ser transmitido ao sistema ósseo. Dividir essa carga
corretamente garante o bem-estar do atleta.
Essa carga começa no calcanhar, o primeiro ponto a
tocar o solo 1 . Entra então em cena o tornozelo, que
faz uma rotação e distribui o peso para o resto do pé, até
que toda a planta deste esteja apoiada no chão: a isso
chamamos de “pronação” 2 . Por fim, é hora do impulso,
de provocar a nova “queda”, exercido principalmente
pela parte frontal do pé (os dedos), tecnicamente
conhecida como “ossos metatarsianos”: este é o
movimento de supinação 3 .
Tipos de pisada
l Pisada neutra: é quando o eixo da panturrilha está
exatamente perpendicular
ao solo. Os “neutros” tendem
a apoiar a parte externa do
calcanhar com mais intensidade; em seguida, a rotação
do pé acontece “para dentro”,
de maneira uniforme, até que
toda a parte frontal do pé
toque o solo, para novamente
haver o impulso. Seria a forma
ideal de pisada, pois a carga
é bem distribuída. “Mas é raro
alguém 100% neutro. A maioria
das pessoas tem uma pisada
intermediária, entre neutra e
pronada”, diz Pedrinelli.
l Pisada pronada: em linhas gerais, é
quando o tornozelo tem tendência a girar
“para dentro”, para a parte interna do pé.
Assim, a carga inicial se concentra na parte
interna do calcanhar 1 (e não na externa,
como na pisada neutra). Essa tendência continua no decorrer do movimento: é a região
do dedão a maior responsável pelo impulso.
l Pisada supinada: nesta, quem “ataca”
o solo é a extremidade externa do calcanhar 1 ; quando a planta do pé vai se
apoiar inteiramente no chão, é novamente
a parte de fora que sofre a maior carga, até
que, na hora do impulso, é o dedinho que
se esforça mais. Os supinadores são minoria: cerca de 5% dos corredores.
2
1
3
2
3
Tênis ideais: devem ter um revestimento
interno mais reforçado, com materiais de alta
densidade, e a palmilha deve ter um arco
acentuado 2 . Além disso, o solado deve minimizar a rotação do tornozelo para dentro 3 .
1
Tênis ideais: os tênis concebidos
exclusivamente para supinadores são
mais raros, mas, em geral, devem ter
bastante amortecimento na parte
frontal 2 e no calcanhar 3 .
Fonte: Consumer Eroski
Formato da planta do pé
Tênis ideais: não há tênis
especiais para este tipo de
pisada. São recomendados
modelos com bom sistema de
amortecimento e estabilidade.
Um teste
interessante para
identificar seu
tipo de pé
é molhar a sola
e “carimbá-la”
em um papel
pardo seco.
l Os chamados “pés
chatos”, praticamente sem curvatura na
parte interna, tendem
a gerar uma pisada
pronada.
l O oposto, os pés
cavados, com uma
curvatura acentuada,
normalmente resultam
em pisadas supinadas.
l E pés “normais”,
com a curvatura
ideal, proporcionam
a pisada neutra.
REVISTA DO IDEC •
Abril 2012 • 27
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