O PROGRAMA EMPRESÁRIO RURAL À LUZ DA NOVA PNATER ELCIO ANTONIO GERALDINI JÚNIOR; CAROLINA VIOLANTE PERES; SILVANA CRISTINA BIANCO BISETTO; JULIETA TERESA AIER DE OLIVEIRA; SÔNIA MARIA BERGAMASCO; UNICAMP CAMPINAS - SP - BRASIL [email protected] PÔSTER Agricultura Familiar e Ruralidade O Programa Empresário Rural à Luz da Nova Pnater Grupo de Pesquisa: 7. Agricultura Familiar e Ruralidade Resumo O objetivo deste trabalho foi fazer uma análise comparada entre o “Programa Empresário Rural” – Proer - desenvolvido pelo Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) para pequenos produtores e trabalhadores rurais, e a nova Pnater (Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Os dados analisados foram obtidos em fontes secundárias junto às instituições responsáveis pelo Programa e pela Política. Lançou-se mão do método dedutivo para análise comparativa, destacando-se os principais pontos de divergência entre os documentos em relação à questão da gestão de unidades de produção familiar. Estes pontos se constituem como recomendações para o aprimoramento de programas que privilegiem as especificidades e a importância da agricultura familiar no desenvolvimento sustentável do país. Palavras-chave: extensão rural, empreendedorismo rural, agricultura família. Abstract The purpose of this paper was do the analysis between the “Program Rural Owner” – Proer – developed by Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) for small rural producers and rural works, and the new Pnater( Política Nacional de Assistencia Técnica e Extension Rural) ______________________________________________________________________ Rio Branco – Acre, 20 a 23 de julho de 2008 Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural in the Ministerial of Agrarian Development(MDA). This files was got in the secondary sources through the responsible institutions for the Programs and the Polices. It was used deduction methods for the comparative analysis, detaching the principal points of divergences between the documents regarding the question of administrations of the production familiar agriculture. This points consists as recommendation to the improve programs that privileging the specifications and the important of the familiar agriculture on the development rural sustainable of the country. Key-words: rural extension, rural enterprising, familiar agriculture. 1. INTRODUÇÃO Numa grande parte da agricultura familiar observa-se a ausência de capacitações gerenciais necessárias para lidar com a complexidade de fatores que determinam o desempenho dessa agricultura. O curso em gestão denominado Proer – Programa Empresário Rural -, oferecido pelo Sistema FAESP-Senar/SP (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - Administração Regional do Estado de São Paulo) em convênio com a USP/Esalq (Universidade de São Paulo/Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, pretende ser uma iniciativa eficaz de educação em gestão. O objetivo desse programa é “preparar o homem do campo de forma a desenvolver suas competências empresariais aumentando, conseqüentemente, sua perspectiva de uma vida digna nas atividades rurais”. (SENAR, 2000, cap. 1, p. 5) A nova Pnater (Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural), elaborada pelo MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) do Governo Federal, apresenta algumas orientações e princípios, os quais precisam ser seguidos pelos programas de assistência técnica e extensão rural governados por essa política. No presente trabalho fez-se uma análise crítica do Proer e para isto consideraremos em que medida este curso satisfaz os princípios e orientações da nova Pnater, e em que medida ele contribui para solucionar os problemas de gestão na agricultura familiar 1, que é o público alvo da nova Pnater, de modo a levá-la a alcançar sua sustentabilidade. Para atingir nossos objetivos, em primeiro lugar faz-se uma apresentação breve da problemática da gestão na agricultura familiar (tópico 2). Num segundo momento, apresentase uma leitura da velha política e da nova política de assistência técnica e extensão rural brasileiras, focando no aspecto da gestão (tópico 3). Posteriormente descreve-se sinteticamente a proposta do Proer (tópico 4), e faz-se uma problematização desse programa à luz das novas políticas de assistência técnica e extensão rural (tópico 5). A título de considerações finais, apresenta-se algumas possíveis soluções aos problemas encontrados na proposta de educação em gestão do Proer. 1 Unidades de produção agrícola onde há uma intrínseca relação entre propriedade, trabalho e família. 2. O PROBLEMA DA GESTÃO NA AGRICULTURA FAMILIAR Utiliza-se neste trabalho os termos “gestão”, “administração” e “gerenciamento” indiscriminadamente com o sentido único de “fazer ou criar”, sentido este que implica, no caso da gestão de estabelecimentos rurais, em um modelo “ideal”, ou seja, na concepção da “forma” que o proprietário, ou quem tenham poder de decisão como os arrendatários, quer dar ao seu negócio, nos processos envolvidos nesse fazer e no controle desses processos, necessário para a efetivação deles. Um grande conjunto de fatores determina o desempenho da agricultura familiar, por exemplo, as políticas públicas, a conjuntura macroeconômica e as especificidades locais, sejam elas do estabelecimento em si, sejam do entorno no qual eles estão inseridos. A administração, nesse contexto, pode ser caracterizada, em sua forma mais simples e geral, como: (...) uma atividade exclusivamente humana, contingente e situacional, que se desenvolve no interior de uma organização, que consiste em um processo contínuo e integrado de decisão e ação sobre a utilização racional de recursos, tendo em vista determinados objetivos e um conjunto de condicionantes decorrentes das características dos próprios recursos e do meio físico, econômico e social, no qual a organização e o agente atuam. (LIMA, A.P. et all,1995, p.28); e ainda como: (...) a capacidade de negociar com o meio ambiente para melhor atender os objetivos esperados. (Idem, p.45) Que tipo de orientação um curso de gestão de um estabelecimento familiar deve oferecer de modo a garantir o sucesso, o alcance da sustentabilidade do empreendimento? A resposta a esta questão é delineada quando consideramos que aspectos que estão envolvidos na gestão de uma exploração rural. A boa gestão de um estabelecimento familiar pressupõe certas habilidades da parte do administrador, o qual no caso da agricultura familiar é, em geral, o próprio chefe da família, com ou sem a parceria de um técnico. Como neste trabalho analisa-se um curso de “gestão de propriedades oferecido a pequenos agricultores rurais” no intuito de habilitá-los a gerenciar seu negócio autonomamente, então destacar-se-á as habilidades e conhecimentos necessários de que um produtor familiar precisa dispor para gerir a seu empreendimento. Entre as habilidades requeridas na administração rural estão: a capacidade de escolher canais de distribuição; de planejar as atividades produtivas; de garantir a qualidade dos produtos; de administrar a aquisição de insumos; de escolher mecanismos de comercialização; de controlar e analisar custos; de identificar fontes de financiamento; entre outras. As capacitações em gestão exigidas para lidar com esta complexidade de fatores gerenciais, entretanto, são ausentes na maioria dos estabelecimentos. Ocorre ainda que a literatura trata de modo insuficiente do tema da gestão do empreendimento rural, o qual compreende a coleta de dados, a geração de informações, a tomada de decisões e ações. Os esforços dedicados à adaptação de ferramentas de gestão que permitam aos agricultores gerenciar seu empreendimento são incipientes (SOUZA, 2005). Isso torna relevante qualquer iniciativa eficaz de propor e ensinar modelos ou técnicas de gestão para a agricultura familiar, ou mesmo de transmitir informações pertinentes sobre o tema. A atividade dos produtores familiares não é desvinculada dos outros segmentos da cadeia produtiva e nem dos próprios hábitos dos consumidores. A evolução dos mercados e dos hábitos de consumo, por exemplo, precisam ser conhecidos pelos produtores, para que eles gerenciem melhor seus estabelecimentos, de modo a conseguirem melhores condições de inserção de seus produtos nos mercados, melhores condições de geração de renda, para atingirem o crescimento sustentável. Esse conhecimento necessário ao eficaz gerenciamento pode ser obtido pelos agricultores através da difusão, junto a eles, de técnicas gerenciais que guiem “a tomada de decisão sobre o quê produzir, quanto produzir, quando produzir e para quem produzir”. (LOURENZANI, et all, p.2) Entre os fatores que influenciam o desempenho do empreendimento rural, há aqueles que são externos à propriedade e outros que são internos. Os fatores externos não são controlados pelos produtores, aos quais caberia apenas, diante destes fatores, adotarem ações de reação e adaptação. Entre os fatores que fogem ao controle da unidade de produção e que pertencem ao ambiente externo temos o clima, o relevo, políticas governamentais, o ambiente institucional, a tecnologia e o mercado. Há ainda os fatores de influência do ambiente interno para o desempenho do empreendimento, os quais podem ser melhor controlados pelo produtor rural. Entre esses fatores temos o tamanho da propriedade, a tecnologia disponível, os recursos financeiros do empreendimento e as necessidades de auto-consumo. Ao produtor caberá a decisão sobre como os recursos de que dispõe (insumos, capital, tecnologia, recursos humanos) serão utilizados para serem transformados em produtos finais. Todas essas decisões, ou em outras palavras, a escolha do produtor por um modo de gerenciar a sua produção vai depender das informações de que dispõe, ou seja, de sua capacitação gerencial. A qualificação técnica em gestão de um pequeno agricultor o levaria a administrar sua propriedade como uma empresa (LOURENZANI, et all, p.11). Mas as técnicas e procedimentos em gestão transmitidos aos agricultores por um serviço de assistência técnica devem ser adequados à realidade deles. Além disso, as técnicas de gerenciamento precisam ser simplificadas e transmitidas em “uma linguagem simples e de fácil operação” (Idem, p.12). Podemos sintetizar as técnicas necessárias para um produtor rural gerir bem seu estabelecimento em: técnicas relativas ao planejamento da produção; à gestão de qualidade; à gestão de custos; à comercialização; e aos recursos financeiros. Quanto ao planejamento da produção, seria necessário propor ao agricultor um modelo que o ajudasse a estruturar a tomada de decisão, por exemplo, quanto aos produtos a serem oferecidos pelo estabelecimento ou, a cultura a ser produzida. Quanto à gestão de qualidade, um modelo gerencial deveria ajudar o produtor a reduzir os índices de perda e retrabalho, ou seja, a alcançar maior sustentabilidade na produção e a promover maior satisfação do consumidor final em termos de qualidade do alimento. Tal modelo deveria auxiliar o produtor a considerar, no planejamento de seu estabelecimento, as necessidades dos clientes, os padrões de qualidade dos produtos e a legislação em vigor. Quanto à gestão de custos, o “sistema de gestão de custos não deve ser o mesmo que é utilizado nos ambientes industriais, onde os processos de fabricação se repetem nos vários meses do ano” (Ibidem, p.13). As ferramentas de gestão de custos, como sistemas de custeio e indicadores de desempenho, devem ser adequadas às especificidades dos sistemas produtivos e às “culturas empresariais” próprias a cada sistema. Entre essas especificidades dos ambientes agrícolas temos, por exemplo, a sazonalidade das fertilizações, roçagens e outras atividades, atividades estas que são executadas em função de variáveis como infestações de pragas e índices pluviométricos. Quanto à comercialização, o produtor deve ser instrumentalizado para gerir uma cadeia de suprimentos, ou seja, gerir as compras, para considerar as peculiaridades dos atuais canais de distribuição utilizados pelos produtores familiares, as exigências dos atacadistas, varejistas e do ramo de refeições coletivas, etc. “O produtor agrícola precisa entender que está inserido em uma ou várias cadeias de abastecimento e de negócios, que envolvem desde os fornecedores até os consumidores, passando pela produção, compra, gestão de materiais, vendas etc. (...).” (LOURENZANI, et all, p.13) Por fim, quanto à gestão dos recursos financeiros, necessário para as unidades de produção implementarem uma determinada estratégia de desenvolvimento, deve-se ter como ponto de partida na concepção de uma ferramenta de gestão a situação de pouca capitalização da maioria dos agricultores familiares. Tal situação implica na necessidade de captação de recursos externos para promover o desenvolvimento do empreendimento rural. Assim, um curso de gestão deveria habilitar o produtor a escolher entre as diferentes possibilidades de captação de recursos e a identificar os “entraves e facilidades peculiares às diversas fontes de financiamento disponíveis”. A política agrícola ainda tem como principal instrumento o crédito rural, daí a necessidade de instruir o agricultor acerca das principais fontes de recursos disponíveis, bem como de analisar os problemas e limitantes da política de crédito no processo de desenvolvimento (LOURENZANI, et all, p.14). As alternativas auto-sustentáveis, como por exemplo, a possibilidade das práticas de troca de sementes com bancos de sementes, de aproveitamento dos recursos endógenos do estabelecimento e das práticas solidárias de baixo custo ou com custo zero que podem ser inventadas pelos produtores, também devem ser a eles disponibilizadas. A assistência em recursos financeiros oferecida ao produtor, bem como a assistência em todos os aspectos da gestão de propriedades mencionados acima, deve ser tal que resolva, acima de tudo, o problema do tempo que o agricultor não dispõe para se deslocar e obter a vasta gama de informações de que precisa para gerenciar melhor sua propriedade. Como dito anteriormente, devido à complexidade das funções envolvidas num empreendimento rural, as capacitações gerenciais necessárias para lidar com essa complexidade são ausentes na maioria dos produtores rurais. Assim: “(...) é possível encontrar produtores familiares em áreas bastante desenvolvidas do país, onde existe amplo mercado, disponibilidade de crédito, fornecedores, agroindústrias, mas com projetos produtivos fracassados”. (LOURENZANI, et all, p.4) Trata-se muitas vezes de projetos produtivos mal concebidos, que adotam opções produtivas inconsistentes, problema este que revela a forte deficiência em atividades de gestão Neste sentido, a qualificação técnica em gestão da agricultura se mostra como fundamental para a sustentabilidade dos empreendimentos rurais. Assim, este trabalho dirigiu-se à análise um curso de gestão - o PROER (Programa Empresário Rural) - oferecido pelo Sistema FAESP-SENAR/SP e a USP/ESALQ. Verificouse em que medida esse programa está de acordo com a Nova Política de Assistência Técnica e Extensão Rural (Nova Pnater), de 2004, desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). E, em seguida, analisou-se o documento da nova PNATER, à luz da velha política de extensão, enfocando os pontos que dizem respeito à assistência em gestão de propriedades rurais, de modo a identificar as orientações gerais que o PROER deveria atender para se alinhar com as atuais políticas de assistência técnica e extensão rural. Essa análise será precedida de um histórico sobre a extensão rural no Brasil e nos permitirá, após o estudo que faremos da apostila do Proer, identificar a medida da pertinência da proposta de educação em gestão rural desse programa. 3. BREVE HISTÓRICO DA EXTENSÃO RURAL NO BRASIL – UMA VISÃO VOLTADA AO PROBLEMA DA GESTÃO 3.1 – As fases de transição da extensão rural no Brasil A primeira fase da extensão rural no Brasil teve um princípio mais familiar assistencialista, calcada em um projeto educativo que visava a melhoria das condições de vida das famílias rurais, através da criação de algumas empresas de extensão rural. Desde 1948 com a fundação da Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar) em Minas Gerais, várias instituições foram criadas em todo o Brasil seguindo o modelo norteamericano e visando difundir novos conhecimentos e a tecnificação disponível de forma a proporcionar aumento de produtividade da agropecuária na intenção de conquistar melhores condições de vida no campo através da educação da família rural. O objetivo da Acar era desenvolver a família rural através da promoção agrícola, disseminação de técnicas modernas de produção e organização da economia doméstica. O primeiro instrumento aplicado foi o crédito rural supervisionado. Este crédito era discutido com a família, com auxílio de extensionistas, e visava financiar a tecnificação da produção e possíveis reformas e benefícios no domicílio rural. Seguindo o modelo mineiro, vieram novas Acar, sendo: em 1955 a Ascar no Rio Grande do Sul; em 1957 a Acaresc em Santa Catarina; e em 1959 a Acarpa no Paraná. Em 1956 foi criada a Abcar (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural) em âmbito nacional e angariou a filiação das associações estaduais. Já no final dos anos 1950, o modelo de crédito foi alterado para “crédito orientado”, onde os extensionistas dirigiam os investimentos objetivando aumento da produção agrícola. Neste período visava-se, primeiramente, a educação o homem do campo. Como se iniciava um processo de industrialização da agricultura, havia a necessidade da adoção de políticas e instrumentos que propiciassem assegurar o consumo cada vez mais crescente de bens e insumos para a produção agrícola. Usando o discurso da “mudança social” foram adotadas novas técnicas e metodologias, onde a contribuição da extensão foi relevante. A política de crédito foi outro forte instrumento utilizado nesta fase. Entretanto, como os pequenos agricultores não conseguiram apresentar os resultados esperados, passou-se a privilegiar os médios e grandes produtores, pois estes apresentavam melhores condições de adotar as mais modernas tecnologias da época. Entrava-se, então, em uma nova fase, onde não somente a melhoria das condições de vida era levada em conta, mas o aumento da produção de alimentos e matérias-primas visando o atendimento ao mercado interno e a exportação. Esta segunda fase se inicia com a transformação das Acar´s em Emater´s Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), sendo esta uma empresa pública estadual. Para gestão da política de Ater foi criada, no ano de 1974, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater). A Embrater tinha como objetivo a coordenação dos serviços voltados à extensão no Brasil. O país vive, neste período, sob governo militar, e há a priorização da produção agrícola para a exportação, além do abastecimento interno. A extensão rural passa a objetivar a melhoria das condições de vida e o aumento da produção de alimentos e matérias-primas, voltados para o atendimento aos mercados interno e externo. O modelo aplicado pela Embrater classificava os produtores em três categorias: produtores de alta renda, dos quais se esperava produção em larga escala visando equilibrar a balança de pagamentos do país; produtores de média renda, com a manutenção da oferta de alimentos e matéria-prima para o mercado interno; e produtores de baixa renda, com oferta de alimentos e matéria-prima para o mercado interno e industrial, além de conter o êxodo rural. Já na terceira fase, principalmente nos anos 1980, houve uma nova filosofia de trabalho para as Emater’s, na qual a agricultura familiar voltava a ser o foco da extensão rural, com ênfase na participação da população rural no planejamento e execução dos serviços. Porém, devido à reação interna e forças mais conservadoras, no governo Sarney, derrubam este novo conceito e mudam novamente a orientação da extensão rural no país. Já na segunda metade desta década e principalmente na primeira metade dos anos 1990, há uma grande crise nas Emater’s, culminando com a sua extinção em 1990, no governo Collor. A partir de então, os estados passam a instituir políticas diferenciadas. Há, com isso, a consolidação da Faser (Federação das Associações e Sindicatos de Trabalhadores da Extensão Rural), capitaneada pelos próprios extensionistas, além da criação da Asbraer (Associação Brasileira de Empresas de Extensão Rural), esta organizada pelos dirigentes. Passa-se um longo tempo até que seja novamente discutida a extensão rural no âmbito do governo federal. Em 1994, já no governo Fernando Henrique Cardoso, inicia-se uma discussão para que seja elaborado um programa diferenciado para a agricultura familiar. Já no ano de 2001 a Asbraer apresenta uma proposta de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater). Mas é somente no ano de 2004, no governo Luís Inácio Lula da Silva, que é estabelecida a Política Nacional de Ater. Em todas as fases citadas não se viu aplicado integralmente o conceito de gestão da propriedade, pois se dava prioridade a outros objetivos como a educação familiar e o aumento da produção. Este conceito passaria a ser melhor estudado e com potencial aplicação a partir da introdução da nova Ater, no ano de 2004. 3.2 – A nova Pnater e a aplicação de gestão da propriedade Como já observado, os antecedentes históricos da extensão rural no Brasil foram baseados em projetos educacionais e de aumento da produtividade calcados no período de modernização da agricultura. A nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater) visa a substituição deste modelo baseado na tecnificação e voltado exclusivamente para a atividade agrária, por um novo paradigma tecnológico voltado para o desenvolvimento sustentável e baseado na agroecologia. O desenvolvimento sustentável não pode ser objetivado pela simples transferência de tecnologia, mas sim com ênfase no desenvolvimento endógeno e no uso sustentável dos recursos naturais. É baseado em princípios como este, associado a perspectivas de gestão da propriedade, que a nova Pnater se estabelece, visando principalmente “estabelecer um novo compromisso com os beneficiários e com os resultados econômicos e socioambientais relacionados e derivados de sua ação.” e levando em consideração toda “a pluralidade e as diferenças regionais, além da diversidade socioeconômica e ambiental existente no meio rural e nos territórios” (PNATER, 2004, p.6). Fica caracterizada a opção por se trabalhar a gestão da propriedade através do princípio de: (...) Estabelecer um modo de gestão capaz de democratizar as decisões, contribuir para a construção da cidadania e facilitar o processo de controle social no planejamento, monitoramento e avaliação das atividades, de maneira a permitir a análise e melhoria no andamento das ações (PNATER, 2004, p.7). Outro fator relevante concernente à gestão, a ser considerado, é a missão estabelecida na nova Pnater, que é: “Participar na promoção e animação de processos capazes de contribuir para a construção e execução de estratégias de desenvolvimento rural sustentável, centrado na expansão e fortalecimento da agricultura familiar e das suas organizações, por meio de metodologias educativas e participativas, integradas às dinâmicas locais, buscando viabilizar as condições para o exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida da sociedade” (PNATER, 2004, p.9) A nova PNATER, mesmo sem ter como objetivo principal trabalhar a questão da gestão, nos traz pontos relevantes sobre o tema, sejam princípios, diretrizes, orientações ou objetivos, demonstrando que há uma convergência para que se trabalhe a gestão da propriedade. Dentre estes pontos destacam-se os seguintes: • Conhecimento do local e de sua cultura: (...) Ao mesmo tempo, as ações de Ater devem privilegiar o potencial endógeno das comunidades e territórios, resgatar e interagir com os conhecimentos dos agricultores familiares e demais povos que vivem e trabalham no campo em regime de economia familiar, e estimular o uso sustentável dos recursos locais (PNATER, 2004, p.6); • Integração do técnico ao meio em que ele irá atuar: (...) Para isto, é fundamental que os agentes de Ater, sejam eles técnicos, agricultores ou outras pessoas que vivem e trabalham no meio rural, possuam os conhecimentos e habilidades requeridas para a execução de ações compatíveis com a nova Política Nacional de Ater (PNATER, 2004, p.6); • Aplicação de processos de desenvolvimento endógeno: (...) Contribuir para a promoção do desenvolvimento rural sustentável, com ênfase em processos de desenvolvimento endógeno, apoiando os agricultores familiares e demais públicos descritos anteriormente, na potencialização do uso sustentável dos recursos naturais (PNATER, 2004, p.7); (...) Considerar a complexidade e o dinamismo dos sistemas e das cadeias de produção, assim como os limites econômicos e socioambientais em que se desenvolvem, de modo a contribuir para o redimensionamento, redesenho e uso adequado dos meios de produção disponíveis e ao alcance dos agricultores familiares e demais públicos da extensão rural (PNATER, 2004, p.10); • Educação para o desenvolvimento sustentável: (...) Desenvolver processos educativos permanentes e continuados, a partir de um enfoque dialético, humanista e construtivista, visando a formação de competências, mudanças de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que potencializem os objetivos de melhoria da qualidade de vida e de promoção do desenvolvimento rural sustentável. (PNATER, 2004, p.7); (...) As ações de capacitação devem abranger além dos técnicos, os agricultores e outros agentes envolvidos nos processos de desenvolvimento rural, considerando sempre as demandas e realidades locais, regionais ou territoriais (PNATER, 2004, p.22); • Gestão da produção até a comercialização: (...) Assegurar que as ações de Ater contemplem todas as fases das atividades econômicas, da produção à comercialização e abastecimento, observando as peculiaridades das diferentes cadeias produtiva. (PNATER, 2004, p.7); (...) Orientar a construção de sistemas produtivos e estratégias de desenvolvimento rural sustentável norteados pelos princípios da Agroecologia, considerando a amplitude conceitual deste novo enfoque científico (PNATER, 2004, p.10); • Desenvolvimento do Mercado Local: (...) Orientar estratégias que permitam a construção e valorização de mercados locais e a inserção não subordinada dos agricultores e demais públicos da extensão no mercado globalizado, visando gerar novas fontes de renda (PNATER, 2004, p.8); • Inserção da família e a tomada de decisão: (...) Estimular a democratização dos processos de tomada de decisão, assim como a participação de todos os membros da família na gestão da unidade familiar e nas estratégias de desenvolvimento das comunidades e territórios (PNATER, 2004, p.11); • Avaliação dos Resultados: (...) Será considerado com elemento qualitativo, a ser pontuado positivamente na avaliação de projetos, as abordagens que integrem atividades voltadas para a melhoria no desempenho do trabalho e dos resultados da agricultura familiar, tais como: inserção nos mercados, verticalização e transformação da produção, agricultura de base ecológica, produção de artesanato, promoção e participação no turismo rural, organização dos agricultores, administração rural, adoção de metodologias participativas para a construção de processos de DRS e de planejamento municipal, levando em conta as especificidades regionais (PNATER, 2004, p.21); Esses pontos convergem para uma opção pela gestão da propriedade, bastando agora colocá-la em prática. Vejamos em que medida o PROER faz isto. 4. O SENAR E O PROGRAMA EMPRESÁRIO RURAL 2 O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - Senar - foi criado pela Lei 8.315 de 23 de dezembro de 1991, nos termos do Artigo 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, onde previa sua criação nos moldes do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e regulamentado pelo Decreto nº 566, de 10 de junho de 1992. É uma Instituição de direito privado, paraestatal, mantida pela classe patronal rural, vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA e dirigida por um Conselho Deliberativo, de composição tripartite e paritária, por ser composto por representantes do governo, da classe patronal rural e da classe trabalhadora, com igual número de conselheiros. Este Conselho Deliberativo exerce a direção superior e a normatização das atividades do Senar, no que se refere ao planejamento, estabelecimento de diretrizes, organização, controle e avaliação de toda a instituição. Foi ele que aprovou o Regimento Interno, no qual 2 A descrição sobre a instituição Senar foi retirada dos sites: www.senar.org.br e www.faespsenar.com.br constam o detalhamento do Regulamento, a estrutura organizacional e a função dos órgãos que a compõe e é constituído também por um Conselho Fiscal, responsável pela fiscalização de toda a parte financeira e orçamentária da instituição, por uma Administração Central, que executa a administração da instituição, com sede em Brasília, e 27 Administrações Regionais, sendo estas, órgãos de execução das ações de Formação Profissional Rural e Promoção Social, descentralizadas, vinculadas às respectivas Federações da Agricultura. O Senar baseia suas ações em princípios e diretrizes estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, nas políticas do Centro Interamericano de Investigação e Documentação sobre Formação Profissional- Cinterfor, formuladas durante reuniões de comissões técnicas, nas políticas dos Ministérios do Trabalho e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e nas diretrizes emanadas da CNA e suas Federações vinculadas. A atribuição do Senar é organizar, administrar e executar, em todo território nacional, a Formação Profissional Rural (FPR) e a Promoção Social (PS) de jovens e adultos, homens e mulheres que exerçam atividades no meio rural. As ações do Senar são organizadas e desenvolvidas de forma sistematizada, seguindo um processo de planejamento, execução, acompanhamento, avaliação e controle. São ações educativas, que visam o desenvolvimento do Homem Rural, como cidadão e como trabalhador, numa perspectiva de crescimento e bem-estar social. Para isso, o Senar conta com equipe técnica, multidisciplinar, responsável pela condução dos trabalhos e com equipe de instrutores, previamente preparados em uma metodologia de ensino ideal para repassar seus conhecimentos técnicos ao trabalhador e produtor rural. O Senar/SP tem como principal fonte compulsória de recursos financeiros a contribuição previdenciária rural, sendo assim dividida: • Produtor Rural Pessoa Física, Segurado Especial ou Contribuinte Individual contribuem com 0,20% do valor bruto da comercialização. • Produtor Rural Pessoa Jurídica ou Agroindústria do DL 1146/70 ou não relacionada (exceto piscicultura, carcinicultura, suinocultura, avicultura, florestamento e reflorestamento) contribuem com 0,25% sobre o valor bruto da comercialização rural. O Sistema Faesp-Senar/SP e a USP/Esalq firmaram um convênio com o objetivo de capacitar pequenos produtores e trabalhadores rurais para as atividades que os mercados estão demandando, no sentido de prepará-los para adquirirem competências empresariais (conhecimentos, habilidades e capacidade de tomar decisões). Para isto foi criado o Programa Empresário Rural, cujo objetivo é preparar o homem do campo de forma a desenvolver suas competências empresariais aumentando, conseqüentemente, suas perspectivas de uma vida digna nas atividades rurais. É importante salientar que o público do Senar/SP é extremamente abrangente, atendendo a todas as classes de produtores rurais. Por isso o programa não se encaixa perfeitamente em nenhuma classe de produtor, pois mesmo quando se trata de agricultura familiar tem-se as maiores discrepâncias possíveis, pois há desde assentamentos em barracos de lonas com pessoas analfabetas, até agrônomos, economistas, administradores, entre outros, fazendo o mesmo curso. Desenvolvido para beneficiar os pequenos produtores e trabalhadores rurais com no mínimo de 4ª Série completa, o Programa Empresário Rural tem carga horária total de 96 horas e está dividido em doze módulos, que são realizados em aulas quinzenais de oito horas. Nos 12 módulos nos quais o curso é dividido são abordados os seguintes temas: • Módulo 1: Custos de Produção e Rentabilidade na Agricultura; • Módulo 2: A Economia e as Políticas Econômicas; • Módulo 3: As Cadeias Agroindustriais e a Agregação de Valores; • Módulo 4: Planejamento Estratégico da Empresa Agropecuária; • Módulo 5: Estudo de Mercado – Análise Econômica; • Módulo 6: Estudo de Mercado – Análise Estatística; • Módulo 7: Orçamentação e Planejamento da Produção; • Módulo 8: Planejamento e Gestão dos Recursos Humanos; • Módulo 9: Análise Econômica, Financeira e de Decisão; • Módulo 10: Legislação Trabalhista, Fiscal e Contratual da Agropecuária; • Módulo 11: Métodos de Acompanhamento na Implantação dos Projetos; • Módulo 12: Análise Ambiental de Projetos Para facilitar o entendimento do programa observe-se a figura 1. Figura 1. Estrutura do Proer – Programa Empresário Rural. Senar/SP. Fonte: www.Senar.org.br Seguindo a descrição da composição do programa tem-se a estrutura cervical que é o diagnóstico, o estudo de mercado, a engenharia do projeto e as avaliações. O planejamento estratégico atua nas duas primeiras etapas, enquanto as partes de organização, direção e controle encontram-se ao longo do projeto. Tem-se, ainda, como pilares de sustentação a gestão da propriedade (econômico) e responsabilidade social (social). O diagnóstico trabalha a relação de conhecimento da propriedade, na forma em que ela se encontra. Neste processo são passadas aos produtores as noções de capitais (natural, social, humano, físico e financeiro) e rentabilidade. Neste momento trabalha-se os custos fixos e variáveis da propriedade e sua importância relacionando com a receita que obtida, sem considerar, contudo, o auto- consumo. Na parte de política e competitividade a conversa segue um caminho histórico das políticas públicas, do apoio do Estado ao setor e finalmente discute-se algumas perspectivas. Os sistemas agroindustriais são trabalhados na forma de exemplos de três grandes cadeias do setores: carnes, a cana-de-açúcar e milho; mas, mesmo os produtores de outros produtos conseguem entender o funcionamento e a importância de uma cadeia agroindustrial, pois todos os produtos estão de alguma dentro de alguma cadeia. Estas três cadeias foram escolhidos pela relevância econômica e social que têm no estado de São Paulo. O estudo de mercado tem como objetivo oferecer ferramentas para que o produtor entenda como funcionam os mercados de seus produtos, desde o comportamento dos preços até o comportamento relativo do consumidor dentro de uma concorrência hipotética perfeita. Contemplando estes dois assuntos parte-se para o planejamento estratégico, aplicandose técnicas participativas como a análise FOFA (Pontos Fortes e Oportunidade, Pontos Fracos e Ameaças), a discussão sobre Missão, Objetivos, Estratégias e Metas da propriedade, e análise de alternativas como estratégias de cooperativismo e associativismo. A Engenharia do Projeto trata do orçamento, ou seja, de quanto será necessário para a elaboração deste projeto e bem como do planejamento da produção através de um fluxo de caixa. Concluindo, é realizada a análise econômica, financeira e de decisão do projeto, ou seja, se o projeto trará ao produtor uma taxa de retorno atrativa quando comparada à de outro investimento e se haverá capacidade de pagamento caso seja necessário tomar um financiamento, Com a análise de riscos, baseada numa árvore de decisão, o produtor toma a sua posição de fazer ou não o proposto. Durante o processo de elaboração do projeto o programa trata de temas relevantes as questões sociais e ambientais. Dentro das questões sociais os pontos levantados são a geração de renda e sua distribuição, contudo de forma extremamente simplória. Com relação ao meio ambiente é apenas passado conceitos sobre legislação ambiental e a importância de seu cumprimento, contudo não é transferido os conceitos mais profundos sobre o meio ambiente, ficando apenas nos conceitos do que é chamado de Revolução Verde-Verde 3. A metodologia do Proer é a do construtivismo, é o aprender a fazer fazendo. Por isso, demanda muito interesse dos participantes em buscar informações e trabalhar de fato o projeto, contudo nem sempre o participante está com o interesse nesta entrega. De forma muito sucinta esta é a estrutura e dinâmica do Proer. De forma mais ampla e objetiva pode-se dizer que o Proer fornece ferramentas de como elaborar e avaliar um projeto de investimento na área rural. Traz de forma abrangente os assuntos principais dentro de uma boa gestão. 3 A Revolução Verde-Verde trata de um conceito que serve para maquiar os modelos de desenvolvimento sustentável, pois mantém como objetivo o mercado e as racionalidades econômicas e não o meio ambiente e sua biodiversidade, porém, este não é o objetivo deste trabalho. O programa mostra-se extremamente importante pois atinge o principal problema do setor agrosilvopastoril, uma atividade de produtiva de elevado risco, que é a gestão ou a falta dela. O Proer atende, ao menos dentro de seu conteúdo programático, o problema de gestão na agricultura familiar. 5. O PROGRAMA DO SENAR À LUZ DA NOVA PNATER 5.1 - A administração da Unidade de Produção Familiar A questão das necessidades e das expectativas dos agricultores em relação aos programas de administração rural que lhes são propostos, tem se caracterizado bastante problemática, implicando muitas vezes na descontinuidade e, até mesmo, no descrédito dos programas por parte dos agricultores. Observa-se, freqüentemente, uma falta de sintonia entre a proposta de trabalho feita pelos técnicos e aquilo que realmente os agricultores esperam deste programa e necessitam em termos da administração (gerenciamento) de suas unidades de produção. O processo de aconselhamento aos agricultores, apesar de ser clássico e aparentemente simples, tem se constituído em um dos principais estrangulamentos da ação dos técnicos. A dificuldade tem sido ainda maior quando se trata do aconselhamento técnico e gerencial. Estratégia alternativa consiste na realização de diagnósticos rápidos para identificar problemas mais elementares e as necessidades mais rápidas. A estratégia mais apropriada baseia-se em oportunizar ao agricultor um conjunto de instrumentos e informações para que ele próprio analise e reflita sobre sua situação, seus objetivos e sua prática administrativa. A análise e reflexão devem ser feitas, inicialmente, sobre a atividade concreta do agricultor – atividade produtiva. As particularidades das unidades de produção familiar devem ser reconhecidas, analisadas e deve ser feito um diagnóstico das situações, para aconselhamento ou definição de conteúdos. Os agricultores, em geral, encontram-se em situações diferenciadas, as quais os distinguem em diferentes categorias sociais e econômicas. As unidades de produção familiar são unidades de produção essencialmente distintas da empresa capitalista típica, buscam se reproduzir social e economicamente, organizando e realizando a produção basicamente através da força de trabalho familiar. O fato de a produção ser realizada pela família faz com que não exista a separação, comum em outras organizações, entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores, e, portanto entre trabalho administrativo e executivo. As expectativas dos agricultores, em relação aos programas de administração rural, são decorrentes da visão e da análise que eles fazem dos seus problemas e das suas necessidades. As particularidades das unidades de produção familiar dificultam a implementação das estratégias de trabalho dos técnicos junto aos agricultores. Estas dificuldades decorrem, em grande parte, da falta de uma referência teórica, representativa da lógica de organização, funcionamento e reprodução das unidades familiares. Em muitos casos os técnicos não conseguem distinguir os aspectos essenciais a serem observados e analisados, dificultando um diagnóstico e a proposta de alternativas. Como foi dito, a dificuldade no aconselhamento aos agricultores tem sido ainda maior quando se trata do aconselhamento técnico e gerencial, sobretudo porque este tipo de orientação, para que seja eficaz e factível, precisa ser feita com base nos objetivos, na situação e nos problemas concretos dos agricultores e suas unidades de produção. Como a problemática, a situação e o projeto dos agricultores são heterogêneos, não existe, neste tipo de trabalho, lugar para proposições mágicas e ou receitas únicas, generalizadas e generalizadoras. Para a eficácia da implementação do programa de aconselhamento é preciso um bom diagnóstico da unidade de produção. Na montagem do programa deve-se reunir informações que retratem a evolução dos principais meios de produção e das produções, procurando caracterizar as transformações ocorridas na história da unidade de produção e destacando os fatos que determinaram esta evolução. Os agricultores gerenciam seus estabelecimentos produtivos a partir do seu próprio envolvimento com o trabalho ocorrendo, assim, uma unidade entre a tomada de decisões e a execução de certo tipo de atividade. Esta característica confere ao agricultor uma grande objetividade, isto é, ele sabe o que é necessário porque é ele mesmo que faz. Esse envolvimento com o “fazer”, com as preocupações cotidianas, contudo, impede freqüentemente que o agricultor tenha a necessária distância para uma visão global de seus problemas, bem com que ele reflita sobre sua prática. 5.2 - A administração da Unidade de Produção Familiar e o Programa Empresário Rural do Senar Para que o PROER seja consolidado, faz-se necessário a colaboração dos agricultores, o conhecimento prévio das particularidades das unidades de produção e uma análise mais profunda sobre as estratégias e métodos utilizados, bem como os conteúdos propostos, para que estes não sejam inadequados à problemática dos agricultores. Para que se possa entender, reconhecer e compreender as particularidades faz-se necessária a compreensão da natureza da atividade administrativa, sua especificidade em um determinado tipo de organização, as unidades de produção familiar, desenvolvendo o diagnóstico do local e da propriedade. Observando o histórico da Ater no Brasil, percebe-se que muita coisa ainda deve ser criada para atender de fato às necessidades das unidades de produção familiar. Evidencia-se que o Proer deve ser lapidado, levando em conta os cinco princípios orientadores da nova Ater, de modo a proporcionar que os agricultores consigam, através do programa, visualizar e avaliar a unidade de produção em sua globalidade, fazendo com que ele perceba a existência de situações problemáticas que são significativas para ele e que se relacionam com suas experiências prévias. A formação nesse sentido não é apenas transmissão de conteúdos específicos, mas de conteúdos que se referem ao processo produtivo desenvolvido pelo agricultor, fazendo com que ele utilize os novos conhecimentos a serviço da ação e da solução dos problemas. Retomando, destaca-se missão da nova Pnater que é “participar na promoção e animação de processos capazes de contribuir para a construção e execução de um desenvolvimento sustentável (...)”(Pnater, 2004, p9), viabilizando condições para o exercício da cidadania. Na própria cartilha utilizada pelo Programa Empresário Rural” do Senar, consta a seguinte crítica ao programa, onde se vê que ele não é contínuo, é extremamente pontual e possui, apenas, 96 horas de curso. Portanto, pode se perceber que o Proer deveria contar com processos educativos permanentes e continuados, com enfoque dialético, humanista e construtivista, contribuindo para a formação de competências, mudanças de atitudes e procedimentos. Ressaltando que a “Nova Política traz outros desafios que é a necessidade de um Novo Profissionalismo, não apenas do conhecimento técnico científico, mas como entender e trabalhar com as diversidades” (CAPORAL, 1994). O curso do Proer apresenta alguns conceitos mais específicos que podem ser de difícil entendimento para o produtor familiar e também não mantêm consonância com a Pnater, sendo os destaques: • Existe uma grande preocupação com o agronegócio, com ênfase na competitividade, produção em grande escala e comércio exterior, cabendo ao pequeno produtor e ao técnico a adequação ao modelo de agricultura familiar; • Ainda existe orientação, mesmo que pequena, do Proer para a “extensão rural clássica”; • O curso apresenta conceitos de economia, custos, rentabilidade e vários cálculos que seriam de difícil assimilação para um produtor que tenha “apenas” a 4ª série do Ensino Fundamental; • O programa não apresenta posição referente à criação de um mercado agroecológico ou de outras agriculturas alternativas, privilegiando a concorrência em mercados estabelecidos e a competitividade; • Apesar de mencionar o cooperativismo, não são abordadas formas de organização coletiva; • Como já citado, o tempo total do curso é pequeno em relação à necessidade dos produtores; • O curso deixa muitas tarefas a serem realizadas pelo próprio agricultor, como consultas a inúmeros sites da Internet e a realização de pesquisas de campo – atividades que a maioria dos produtores não têm tempo e hábito para realizarem sozinhos. Além disso, muitos produtores não possuem tecnologia informática e nem recursos para terem acesso a ela. • O programa é muito susceptível à “visão de mundo” do técnico que irá implementá-lo; e • Falta uma acompanhamento contínuo dos resultados pós-realização do curso. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS As necessidades e expectativas dos agricultores familiares devem contribuir na construção de um programa específico de formação de “novos” gestores de estabelecimentos rurais. O Programa Empresário Rural – Proer - apresenta características e conceitos que possibilitam ao produtor rural, principalmente aos que possuem melhor nível educacional, o conhecimento dos pontos que envolvem o gerenciamento de uma propriedade, nos moldes de gestão que proporcionam uma melhoria na sua qualidade de vida. A maior dificuldade encontrada, no entanto, é atender ao que preconiza a Pnater, que apresenta ênfase nos seguintes pontos: conhecimento do local e de sua cultura; integração do técnico ao meio em que ele irá atuar; aplicação de processos de desenvolvimento endógeno; educação para o desenvolvimento sustentável; gestão da produção até a comercialização; desenvolvimento do mercado local; inserção da família e a tomada de decisão; e avaliação dos resultados. O Proer é mais aplicado ao médio produtor rural, voltado ao agronegócio, pois enfatiza a competitividade e a escala de produção. Do ponto de vista econômico, a escala de produção, possibilita maior competitividade ao agricultor, porém do ponto de vista social, deveríamos privilegiar o desenvolvimento de mercados locais, inclusão e sustentabilidade que são pontos fundamentais que a Pnater coloca em pauta como alternativas para o desenvolvimento sustentável. Deveria haver maior consonância entre o Programa Empresário Rural e a visão social que a Pnater apresenta de forma a encampar os conceitos de gestão da propriedade, distribuição de renda e desenvolvimento sustentável. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERGAMASCO, Sonia M. P. P. Extensão Rural: passado e presente no discurso e na prática”. In: CORTEZ, L. A. B; MAGALHÃES, P. S. G. (Coord.). Introdução à engenharia agrícola. Campinas, SP : Editora da Unicamp, 1993, p. 353-363. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Agrário. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Brasília, 2004. Disponível em: http://www.mda.gov.br/saf/arquivos/0878513433.pdf Acesso em 10/10/2007 às 14h30min. CAPORAL, Francisco R. Bases para uma nova ATER pública. Brasília, s/d. Disponível em: http://www.pronaf.gov.br/ater/Docs/Bases%20NOVA%20ATER.doc Acesso em: 10/10/2007 às 15h30min. CAPORAL, Francisco R.; COSTABEBER, José A. C. Por uma nova extensão rural: fugindo da obsolescência. 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