ANTÔNIO MÁRCIO DA COSTA REIS
A INAPLICABILIDADE DA PRISÃO CIVIL PARA
O ALIENANTE FIDUCIÁRIO
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para
obtenção do grau de bacharelado em
Direito sob a orientação do Professor
Marivaldo Antônio Cazumbá.
Taguatinga
2006
2
ANTÔNIO MÁRCIO DA COSTA REIS
A INAPLICABILIDADE DA PRISÃO CIVIL PARA O ALIENANTE FIDUCIÁRIO
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para
obtenção do grau de bacharelado em
Direito sob a orientação do Professor
Marivaldo Antônio Cazumbá.
Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com menção_____
(__________________________________________).
Banca Examinadora:
______________________________
Presidente: Prof. Dr. Marivaldo Antônio Cazumbá
Universidade Católica de Brasília
______________________________
______________________________
Integrante: Prof. Dr.
Integrante: Prof. Dr.
Instituição a que pertence
Instituição a que pertence
3
Agradeço primeiramente à minha família,
em específico à minha querida mãe, Elza,
motivo de orgulho para todos os filhos e
marido e principalmente pelo exemplo de
esforço e dedicação. Agradeço aos
amigos, Alexandre Jales, Carol Gimenez
e Luciana Braga, pelo companheirismo e
amizade fiel e que durante todo o curso
me apoiaram incondicionalmente, por fim
dedico esse trabalho científico à Noraia
Rocha, que antes de namorada, noiva e
futura esposa, foi também amiga e
sustentáculo nesse árduo caminho de
estudo e profissionalização.
4
Agradeço ao professor Marivaldo Antônio
Cazumbá pelo apoio e orientação
prestados durante o planejamento,
elaboração e execução do presente
trabalho, bem como pelo caráter exemplar
perante alunos e professores.
5
“A bem ver, a responsabilidade do juiz é
dramática, visto como a sentença não se
reduz a um simples juízo lógico,
porquanto um juízo valorativo, como é o
da sentença, não pode deixar de
empenhar o juiz como ser humano.
Lembrar-se dessa contingência talvez
seja o primeiro dever do magistrado, em
sua real e legítima aspiração de atingir o
eqüitativo e o justo”.
Miguel Reale.
6
RESUMO
REIS, Antônio Márcio da Costa. A inaplicabilidade da prisão civil para o alienante
fiduciário. 2006. Nº de folhas f. 77 trabalho de conclusão de curso - (graduação) Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2006.
Este trabalho tem como tese a inaplicabilidade da prisão civil do devedor na
alienação fiduciária em garantia, um mecanismo que vem gerando demasiada
polêmica e controvérsias acerca de sua juridicidade. Para tanto buscaremos nessa
monografia confrontar as diferenças entre os institutos do depositário infiel e do
alienante fiduciário, que se mostram completamente distintos, bem como o reflexo
gerado pelo Pacto de São José da Costa Rica junto ao ordenamento jurídico,
mormente no que se refere à prisão civil decorrente de dívidas. Abordaremos o
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, seus
entendimentos e divergências, concluindo que a prisão civil em tela, não se encontra
alcançada por quaisquer interpretações da Carta Magna.
Palavras-chave: prisão civil, alienação fiduciária em garantia, Pacto de São José da
Costa Rica.
7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABREVIATURAS
Art. por artigo
CF por Constituição Federal
CC por Código Civil
CPC por Código de Processo Civil
HC por Hábeas Corpus
REsp por Recurso Especial
SIGLAS
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 09
Capítulo 1 - Aspectos históricos da Alienação fiduciária __________________________ 11
1.1 Importância do estudo histórico _______________________________________________ 11
1.2 Origem ___________________________________________________________________ 12
1.2.1 Fiducia cum amico ______________________________________________________________
1.2.2 Fiducia cum creditore____________________________________________________________
1.2.3 Fiducia remancipationis causa _____________________________________________________
1.2.4 Fiducia Germânica ______________________________________________________________
13
13
14
15
1.3 No Direito Inglês ___________________________________________________________ 16
Capítulo 2 - Alienação Fiduciária em Garantia__________________________________ 18
2.1 Conceito __________________________________________________________________ 18
2.2 Natureza Jurídica __________________________________________________________ 19
2.3 Caracaterísticas e requisitos __________________________________________________ 20
2.4 Direitos e obrigações do fiduciante_____________________________________________ 22
2.5 Direitos e obrigações do fiduciário _____________________________________________ 25
Capítulo 3 - A Legislação e a diferença em relação ao contrato de depósito ___________ 30
3.1 Dispositivos Legais__________________________________________________________ 30
3.2 Diferença entre alienação fiduciária e contrato de depósito ________________________ 35
3.2.1 Das diferenças entre os contratos ___________________________________________________ 36
3.2.2 Das diferenças entre os objetivos ___________________________________________________ 37
Capítulo 4 - Prisão Civil X Direitos Humanos ___________________________________ 40
4.1 Da prisão civil______________________________________________________________ 40
4.2 Dos Tratados sobre Direitos Humanos _________________________________________ 43
4.2.1 Do Pacto de San José da Costa Rica _________________________________________________ 48
Capítulo 5 - Do confronto de entendimentos entre Tribunais Superiores _____________ 54
5.1 Do entendimento do STJ _____________________________________________________ 55
5.2 Do entendimento do STF_____________________________________________________ 60
CONCLUSÃO ____________________________________________________________ 70
REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 74
9
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa teve como base para a sua idealização e efetiva
materialização, a doutrina de autores do ramo do Direito, a jurisprudência de
diversos Tribunais e algumas leis esparsas, entre elas a Lei nº 4.728/65 que
introduziu o instituto da alienação fiduciária no ordenamento jurídico brasileiro.
Busca-se demonstrar nesse trabalho científico a impossibilidade da prisão
civil para o alienante fiduciário, na qual a insistência em corroborar esse instituto
tende a ferir valores individuais, violando princípios como o da Dignidade da Pessoa
Humana e dando uma interpretação por demais dilatada da Constituição Federal de
1988, que em seu corpo traz somente duas possibilidades para a prisão por dívida,
quais sejam o inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e o
devedor infiel1.
Primeiramente, iremos às origens da figura do alienante fiduciário, na qual
comentaremos aspectos históricos, reportando-nos a um breve estudo da fidúcia
romana, nascedouro da alienação fiduciária2 e seus diferentes perfis, bem como
suas peculiaridades. Nesse momento observaremos também alguns traços de
semelhança entre o atual instituto e o direito inglês.
No segundo capítulo abordaremos o conceito e a natureza jurídica da
alienação fiduciária em garantia, suas características e requisitos legais enquanto
_____________
1
2
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), 21ª ed. 2003, p. 8.
FORSTER, Nestor José. Alienação fiduciária em garantia. Porto Alegre: Sulina, 1976, p.8.
10
Negócio Jurídico. Demonstraremos os direitos e obrigações das partes no contrato
de alienação fiduciária, fiduciante e fiduciário.
Posteriormente o estudo se volta para os dispositivos legais que
introduziram a alienação fiduciária em garantia no mundo jurídico nacional, como
também para as normas que modificaram esse instituto, tendo seqüência com os
contrastes entre o contrato de alienação fiduciária com o contrato de depósito, a fim
de facilitar a visualização de todo o arcabouço fiduciário e demonstrar as evidentes
diferenças entre os dois diplomas legais.
No quarto capítulo o foco será direcionado para o conceito de prisão civil, a
finalidade e diferenças entre as prisões civis e criminais. Trataremos de forma
minuciosa a questão da recepção dos Tratados perante o Ordenamento Jurídico
Pátrio, a hierarquia frente à Carta Magna, em especial os Tratados que versem
sobre Direitos Humanos, o reflexo da Emenda Constitucional nº 45 em relação a
essas Convenções Internacionais e posteriormente o Pacto de San José da Costa
Rica, bem como sua repercussão junto à prisão civil para o alienante fiduciário.
O quinto capítulo trará o entendimento dos Tribunais, as divergências entre
Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, onde será exposto e
comentado o posicionamento jurídico de alguns Ministros do STF sobre a
impossibilidade da aplicação de prisão em decorrência de dívida ao alienante
fiduciário.
E, por fim, uma visão abrangente no que tange à inconstitucionalidade da
prisão civil do alienante fiduciário, não ficando adstrito do estudo desse projeto de
pesquisa, visto que o assunto em questão traz à balha uma discussão ainda distante
de ser resolvida.
11
Capítulo I
ASPECTOS HISTÓRICOS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
1.1 Importância do estudo histórico
O instituto da alienação fiduciária em garantia mostra-se como uma
modalidade de negócio jurídico bastante utilizada em nosso cotidiano, seja na
aquisição de bens móveis ou imóveis, a prazo ou à prestação, restando o bem como
garantia do adimplemento da obrigação contraída pelo devedor3, porém, antes de
aprofundarmos-nos no estudo deste diploma legal, mister se faz analisarmos sua
história e origem, na qual a historicidade serve para um melhor entendimento acerca
do projeto que se inicia.
Segundo as palavras do processualista Alfredo Buzaid:
A alienação fiduciária em garantia é uma figura per se stante, possui
caracteres próprios e se rege por princípios que lhe são peculiares. Mas
para a sua perfeita compreensão, é indispensável, primeiro que tudo,
conhecer a teoria geral do negócio fiduciário, analisando-o particularmente
em sua origem histórica e em suas formas mais importantes adotadas pelo
direito dos povos cultos (BUZAID, 1969, p.10).
O Direito evolui de acordo com os anseios da sociedade e por eles se
justifica. Nenhuma norma, lei ou legislação é criada sob o alvedrio do legislador,
muito pelo contrário, sua gênese está intimamente ligada ao processo evolutivo de
toda a sociedade. Consoante os ensinamentos de Carlos Maximiliano:
_____________
3
PARIZATTO, João Roberto. Alienação fiduciária. 1ª ed. Minas Gerais: Edipa, 1998, p.6.
12
O que hoje vigora abrolhou de germes existentes no passado; o Direito não
se inventa; é um produto lento da evolução, adaptado ao meio; com
acompanhar o desenvolvimento desta, descobri a origem e as
transformações históricas de um instituto, obtém-se alguma luz para o
compreender bem (MAXIMILIANO, 1988, p.137).
1.2 Origem
Remonta do período romano o surgimento da chamada fidúcia, que
traduzida do latim, quer dizer confiança, segurança. A fidúcia era à época uma
espécie de contrato de confiança, selado e exercido de maneira bastante freqüente
entre os romanos. Suas origens decorrem basicamente do Digesto e da Lei das XII
Táboas, porém de maneira um tanto imprecisa, observa-se também certa influência
de outros fragmentos, tais como a Collagio, a chamada Fómula Bética e as Taboas
de Pompéia, entre outros.
Mecanismo utilizado como empréstimos de uso, também direcionado àquele
que se encontrava em eminente perigo de perda de bens decorrente das
inquietações políticas de Roma, sendo nestes dois casos, evidente o respeito e
confiança entre as partes ou então a perda da propriedade dos bens fiduciados, com
a transmissão da propriedade.
A fiducia adquire um aspecto dúbio, de caráter obrigacional, na qual o
fiduciário se vê obrigado a devolver a res após a efetivação do contrato e resgate da
13
dívida garantida, de caráter real, em que suprida as carências do contrato, o
fiduciário tornava-se legítimo proprietário do bem4.
Note-se que na falta de um desses aspectos, real e obrigacional, o negócio
fiduciário inexiste, ou seja, não temos a figura do contrato fiduciário, mas sim um
outro negócio jurídico qualquer.
1.2.1 Fiducia cum amico
Como a própria terminologia da expressão sugere, era um contrato
celebrado entre amigos, era tão somente um contrato de confiança e não de
garantia. Uma das partes, fiduciante - alheia bens à outra - fiduciário, que se
compromete em devolver o referido bem logo após cessadas as circunstâncias que
deram origem ao pacto. Geralmente utilizado em situações onde uma das partes se
via sob a eminente perda de bens devido às perturbações políticas ou em casos de
empréstimos de uso, diploma que trazia forte semelhança ao Comodato.
1.2.2 Fiducia cum creditore
Esse talvez tenha sido o marco inicial para a atual concepção de alienação
fiduciária, dava uma maior garantia ao credor, visto que este se tornava proprietário
legítimo do bem, havendo tão somente os limites impostos pelo pacto fiduciae, pelo
_____________
4
FORSTER, Nestor José. Alienação fiduciária em garantia. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 1970, p.10.
14
qual o fiduciante obrigava-se a restituir a coisa logo após a adimplência da dívida
garantida ao credor5.
Segundo Maria Luiza de Sabóia Campos, o pactum fiduciae seria o segundo
elemento da fidúcia romana, no qual o fiduciário assumia a obrigação de restituir, ou
em latin, remancipare, o bem a ele transmitido. O primeiro elemento seria então a
mancipatio ou iure cessio, consistindo em uma maneira de transferência da
propriedade da maneira solene, independente da causa da alienação6.
Percebe-se que a fidúcia possuía então um elemento garantidor, cuja
observação é abordada por Maria Helena Diniz da seguinte forma: “A fiducia cum
creditore já continha caráter assecuratório ou de garantia, pois o devedor vendia
seus bens ao credor sob a condição de recuperá-los se, dentro de certo prazo,
efetuasse o pagamento do débito” 7.
1.2.3 Fiducia remancipationis causa
Consistia no pacto pelo qual o pater famílias vendia seu próprio filho a outro
pater famílias, com a obrigação deste em libertá-lo em seguida, a fim de que se
alcançasse o fim visado, qual seja a emancipação do filho8.
_____________
5
Idem, p.11.
CAMPOS, Maria Luiza de Sabóia. O depositário infiel na alienação fiduciária em garantia. Revista de Direito
Civil, nº 46, ano 12, out/dez 1988, p.85.
7
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 5ª ed. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 59.
8
SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2001, p.8.
6
15
1.2.4 Fiducia germânica
Bastante parecida à romana, a fidúcia germânica atribuía ao fiduciante uma
garantia de segurança muito maior, pois lhe era atribuído um direito real sobre a
coisa. Com isso, enquanto para o fiduciário romano inexistia a possibilidade de ele
ser obrigado a restituir a coisa dada em garantia, o fiduciário alemão (treuhander)
advinha como titular de um direito sob condição resolutiva, podendo ser destituído
do bem se não honrasse o que fora pactuado. Por conseguinte, em sendo o
fiduciante titular de direito real e, portanto, oponível erga omnes, lhe era facultado o
direito de reivindicação da coisa de terceiro que a adquirisse do fiduciário9.
No negócio fiduciário germânico não havia possibilidade de abuso pelo
fiduciário, uma vez que o direito transferido ao fiduciário é limitado pela condição
resolutiva. Tal condição é verificada no momento em que a finalidade almejada pelas
partes é alcançada10.
Assim, na fidúcia germânica vislumbrava-se o direito de seqüela, ou seja, a
possibilidade por parte do fiduciante de reaver o bem das mãos de quem o possua,
conforme ilustra Luiz Augusto Beck da Silva:
Já na fidúcia de construção germânica, o fiduciante, após cumprida sua
obrigação, tinha direito de seqüela, isto é, o de reivindicar o bem das mãos
de quem o detivesse. Assim, ainda que o fiduciário não agisse com
honestidade ou lealdade, deixando de zelar pela boa guarda e conservação
do bem entregue em garantia, o devedor não ficava adstrito á indenização,
tendo a faculdade de ir em busca da coisa (SILVA, 2001, p.12).
_____________
9
WANDSCHEER, Clayton César. Alienação fiduciária de imóveis em garantia. Disponível em <
http://www.neófito.com. br/artigos/art01/civil45.htm >. Acesso em 23/06/2006.
10
ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p.31.
16
Com o exame da evolução histórica, tanto da fidúcia romana quanto a
germânica, contribuíram para o surgimento da alienação fiduciária em garantia nos
moldes atuais, no entanto este se apresenta como um instituto próprio do direito
brasileiro, cujo sistema enquadra-se dogmaticamente em nosso ordenamento
jurídico, além de prestar enorme benefício à segurança do crédito11.
1.3 No Direito inglês
No direito inglês a fidúcia apareceu sob a forma dúplice do trust receipt e do
chattel mortgage. No primeiro, a propriedade, geralmente matéria-prima, produtos
semi-manufaturados e bens de consumo, é transferida do vendedor para o
financiador, mediante entrega do recibo denominado trust receipt, ficando o devedor
como depositário. Também possibilitava ao devedor a venda das mercadorias para o
posterior pagamento da dívida12.
Já no chattel mortage ocorria uma transferência de domíno não-definitiva,
posto que o bem era dado em garantia da dívida do fiduciante. Gerava-se então uma
garantia real de pagamento, outrora, não havia a transmissão do bem ao credor, que
permanecia de posse do devedor. Uma vez solvida a dívida por parte do fiduciante,
o bem era restituído. Ocorre que nem sempre tal obrigação pecuniária era cumprida
e em face desta quebra contratual, cabia ao credor a venda da coisa para
_____________
11
12
ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p.45.
Idem, p.36.
17
pagamento da dívida, sendo garantido ao devedor a restituição de saldo
excedente13.
Segundo relata Maria Helena Diniz: “O chattel mortgage, ou hipoteca
mobiliária, consiste na transferência da propriedade de coisa móvel ao credor,
conservando o devedor a posse, sob a condição resolutiva do pagamento do
quantun devido”. 14
Vemos que o modelo mortgage se apresenta como sendo o que mais se
assemelha à alienação fiduciária, seja em sua natureza jurídica, cuja finalidade é a
transferência da propriedade dada em garantia, seja na própria sistemática do
instituto.
_____________
13
TRENTINI, André Luiz Anrain. Alienação fiduciária em garantia: das origens aos direitos do fiduciante
inadiplente
à
luz
do
código
de
defesa
do
consumidor.
Disponível
em
<
http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/alienacao_fiduciaria_em_garantia.pdf> Acesso: 29/08/2006.
14
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 5, p. 60.
18
Capítulo II
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA
2.1 Conceito
A alienação fiduciária apresenta-se como um negócio jurídico, cujo escopo
é a transferência da propriedade visando uma garantia, diferentemente de outros
institutos que têm por finalidade a constituição de um direito real, a exemplo os
contratos de hipoteca, penhor e anticrese.
O conceito de alienação fiduciária, no dizer de João Roberto Parizatto, é o
negócio jurídico realizado entre um credor e um devedor, fiduciário e fiduciante
respectivamente, o primeiro concebendo um crédito para a aquisição de bens
móveis e o segundo recebendo em garantia do adimplemento da obrigação
ajustada, o próprio bem adquirido com os recursos do negócio então realizado15.
Segundo Fran Martins, a alienação fiduciária em garantia consiste na
operação em que, alguém recebendo financiamento para aquisição de bem móvel
durável, aliena esse bem ao financiador, em garantia do pagamento da dívida
contraída16.
Portanto, na alienação fiduciária, o fiduciante tem a posse direta e o
depósito do bem, sendo que o fiduciário, que realiza o financiamento para a
_____________
15
16
PARIZATTO, João Roberto. Alienação fiduciária. 1ª ed. Ouro Fino: Edipa, 1988, p. 7.
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.15.
19
aquisição, fica com o direito à propriedade do bem e a sua posse indireta, podendo
retê-lo em caso do não pagamento.
2.2 Natureza Jurídica
Temos então o artigo 66 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, com a
redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 911, 1º de outubro de 1969, que dispõe
expressamente:
A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e
a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição
efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e
depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem
de acordo com a lei civil e penal. (LEI 4.728, 1965, art. 66)
Todavia, o negócio jurídico é sinalagmático, visa à constituição de direito real
de garantia, na qual seu objeto é a transferência da propriedade de coisa móvel,
mas com a finalidade de garantir o cumprimento de obrigação assumida pelo
devedor fiduciário, frente à instituição financeira que lhe concedeu o financiamento
para a aquisição de um bem. 17
A propriedade fiduciária, além da limitação própria da propriedade resolúvel,
possui, por imposição legal, a restrição caracterizada pelo fim de garantia, impedindo
que o credor-fiduciário exerça plenamente seu direito de propriedade, enquanto não
frustrada a condição resolutiva.
Após tecer essas considerações, a alienação fiduciária em garantia se
mostra como uma espécie de domínio que, por virtude do título de sua constituição,
20
é
revogável
(resolúvel),
transitório
(temporário)
e
possui,
como
principal
característica, atribuir ao credor-fiduciário, por imposição legal, o ônus de exercer
sua propriedade de forma limitada18.
2.3 Características e requisitos
Segundo Artur Oscar de Oliveira Deda, o contrato de alienação tem as
seguintes classificações: sinalagmático ou bilateral, porque faz nascer direitos e
obrigações para ambas as partes; oneroso-comutativo, pois deste contrato resulta a
reciprocidade de vantagens/ônus para os contraentes; acessório, nasce de um
principal, o contrato que deu origem à dívida assegurada pela garantia, daquele de
que decorre o crédito que a propriedade fiduciária visa a garantir; típico, estando
contemplado em legislação própria, o legislador deu-lhe nome e o expressamente
regulou; consensual, trata-se de um contrato que a lei não prevê forma especial, a
forma escrita é exigida para a prova e o necessário registro, a fim de valer contra
terceiros; de adesão, o contraente tem a liberdade de contratar, mas não a liberdade
contratual e por último, complexo, visto que envolve relações jurídicas distintas,
quais sejam o direito de crédito e o direito de propriedade19.
_____________
17
LEMOS, Walter Gustavo da Silva. Cabimento da prisão civil nos contratos de alienação fiduciária. Disponível
em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3591>. Acessado em 23/08/2006.
18
WANDSCHEER, Clayton César. Alienação fiduciária de imóveis em garantia. Disponível em: <
http://www.neofito.com.br/artigos/art01/civil45.htm>. Acesso em: 23/08/2006.
19
DEDA, Artur Oscar de Oliveira. Alienação fiduciária em garantia. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.12.
21
A exemplo do que ocorre com os demais negócios, a alienação fiduciária
pressupõe agente capaz, objeto lícito, possível ou determinável e forma prescrita e
não defesa em lei20.
Como todo ato contratual pressupõe uma declaração de vontade, a
capacidade do agente torna-se elemento indispensável à validade do negócio no
campo jurídico. Aliado à capacidade, tem-se o objeto lícito, que consoante à lei, não
deve violar os bons costumes, a ordem pública e a moral, devendo também ter um
caráter alcançável, ora, de nada adiantaria um objeto que em conformidade com a
norma colidisse com a impossibilidade de sua definição ou mesmo execução. Com
isso, é necessário que além de lícito ou jurídico, o objeto seja também determinável
ou determinado.
Entendia-se que a alienação alcançava somente os bens móveis e
infungíveis. Contudo, Maria Helena Diniz, em sua obra, reporta-se à defesa de José
Carlos Moreira Alves e Pontes de Miranda sobre a coisa móvel fungível que poderá
ser alienada fiduciariamente21.
Entretanto, não se tem admitido a alienação fiduciária de bens fungíveis que
sejam também consumíveis, ainda que por destinação, como os que compõem o
estoque de comércio do devedor22.
Por último a forma prescrita ou não defesa em lei, em que pese o princípio
geral de que a declaração de vontade em contratar independe de forma especial, em
_____________
20
Idem, p.16.
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.69.
22
GONDIM, Thais de Arruda. Alienação fiduciária na prática. Disponível em < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=658> Acesso: 26/08/2006.
21
22
situações excepcionais, a forma pela qual o contrato será celebrado surge como
requisito indispensável à validade do negócio jurídico23.
A Lei n° 9.514/97 que instituiu a alienação fiduciária em garantia para bens
imóveis, embora um tanto semelhante à alienação de bens móveis, possui certas
peculiaridades, entre elas a aquisição do domínio que exige a tradição, exige
também a constituição de instrumento escrito, seja ele público ou particular, na qual
deverá ser realizado o devido registro do contrato, através de cópia ou microfilme, no
Registro de Títulos e Documentos do domicílio do credor, a fim de produzir efeitos
erga omnes, tornando pública a garantia e gerando oponibilidade a terceiros.
2.4 Direitos e obrigações do fiduciante
Em sendo o instituto da alienação fiduciária em garantia um negócio jurídico,
este faz nascer entre os contraentes direitos e obrigações, conforme Luiz Augusto
Beck da Silva24:
Ao fiduciante cabe-lhe os seguintes direitos e obrigações: a Lei nº 4.728, art.
66, § 2º e a Lei nº 9.514/97, art. 23 em seu parágrafo único, traz o direito de ficar
com a posse direta da coisa e o direito eventual de reaver a propriedade plena, com
o pagamento da dívida.
Tendo sindo movida ação de busca e apreensão, tem o fiduciante, direito de
purgar a mora caso tenha pagado 40% do preço financiado.
_____________
23
24
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.128.
SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 56.
23
Possui também o direito de receber o saldo apurado na venda do bem
efetuada pelo fiduciário para satisfação de seu crédito, quando vendida por preço
superior ao valor da dívida.
Ao fiduciante, cabe-lhe responder pelo remanescente da dívida, se a
garantia não se mostrar suficiente, bem como de não dispor do bem alienado, que
pertence ao fiduciário, porém nada impede que ceda o direito eventual de que é
titular, consistente na expectativa de vir a ser titular, independentemente da
anuência do credor, levando a cessão a registro25.
Deverá guardar e conservar a coisa depositada, cuidando-a como se fosse
sua, na condição de depositário, ao qual está equiparado, com todos os ônus,
encargos e responsabilidades previstos nas leis civil e penal, empregando meios e
diligências, inclusive o enfrentamento de despesas, necessários à sua manutenção.
Obriga-se a entregar o bem, em caso de inadimplemento de sua obrigação,
sujeitando-se à pena de prisão imposta ao depositário infiel, pena cujo
questionamento acerca de sua constitucionalidade é o objeto do nosso estudo.
Pagar pontualmente sua dívida, na forma estipulada no instrumento
representativo do crédito, bem como não alienar, nem dar em garantia a terceiros
mercê da posse direta que possui da coisa, sob pena da tipificação delituosa
contemplada no art. 171, § 2º, I, do Código Penal.
26
_____________
25
GONDIM, Thais Arruda. Alienação fiduciária na prática. Disponível em < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=658 > Acesso: 26/08/2006.
26
SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 57-58.
24
O fiduciante deverá permitir que o credor fiscalize o estado de conservação
da coisa alienada fiduciariamente. No entanto, não reterá a coisa depositada, no
caso de inadimplemento e/ou descumprimento das obrigações legais ou
convencionais, diante de Ação de Busca e Apreensão promovida pelo credor,
mesmo que tenha dele, comprovadamente, valores a receber e/ou prejuízos a serem
reparados provenientes do depósito.
Nesse sentido, o fiduciante goza de outros direitos, conforme se segue 27:
Poderá exercer a posse direta do bem, usando-o, gozando-o e fruindo-o
como se fosse seu, bem como ver a coisa alienada, em garantia, ser colocada à
venda pelo credor.
Terá assegurada a mais ampla defesa com o uso de todos os meios,
recursos, procedimentos e ações, agasalhados em lei, bem como a produção de
todo o gênero de provas em direito admitidas, necessária à tutela de seus
interesses.
Não terá os juros correspondentes ao prazo convencional por decorrer
antecipados, mesmo que se opere a antecipação do vencimento da dívida.
Obterá a liberação do bem pelo credor, por ocasião do pagamento integral
da dívida, ou nos demais casos de extinção da alienação fiduciária, podendo exercer
a ação restitutória, no caso de oferecimento de obstáculo ou resistência, eis que
aquela se dá de pleno iure.
_____________
27
Idem, p.57.
25
Valer-se-á de notificações, interpelações, protestos e/ou contraprotestos,
além da exibição de documentos, fazendo uso da Ação de Prestação de Contas, em
conformidade com os arts. 914 a 919 do CPC.
Poderá lançar mãos da Ação de Consignação em Pagamento, na forma dos
arts. 890 a 900 do CPC.
Utilizará as ações possessórias, quando estiver sendo molestado, turbado
ou esbulhado em sua posse, atendidos os pressupostos legais de cada uma.
Poderá reconvir, sempre que houver conexão com a ação principal ou com
o fundamento da defesa.
Proporá as ações cominatórias, reivindicatórias, restitutótia, de reitegração
e/ou de cobrança, atendidos os pressupostos legais correspondentes.
Poderá apelar da sentença, obtendo o efeito meramente devolutivo,
valendo-se dos demais recursos e procedimentos cabíveis previstos nas leis
processuais civis, inclusive com vistas à obtenção de declarações, incidentais ou
não.
Terá os efeitos da tutela a que foi em busca antecipados, total ou
parcialmente atendidos os pressupostos do art. 273 do CPC.
2.5 Direitos e obrigações do fiduciário
A obrigação principal do credor fiduciário consiste em proporcionar ao
alienante o financiamento a que se obrigou, bem como em respeitar o direito ao uso
regular da coisa por parte deste, além de transferir a propriedade ao fiduciante, sem
26
ônus ou gravame, de qualquer natureza, após este haver cumprido integralmente
com suas obrigações.
Se o devedor é inadimplente, poderá vender o bem, aplicar o produto no
pagamento do crédito, acréscimos legais, contratuais e despesas, entregar o
remanescente, se houver, ao devedor, ou ajuizar execução por quantia certa ou
ação de busca e apreensão contra o devedor, a qual poderá ser convertida em ação
de depósito, caso o bem não seja encontrado.
O artigo 1°, § 6°, do Decreto-Lei n° 911/69 proibe a inserção, no contrato, de
cláusula que permita ao credor ficar com o bem, em caso de inadimplemento
contratual ("pacto comissório"), se o devedor é inadimplente, cumpre-lhe promover
as medidas judiciais mencionadas, a mora decorrerá do simples vencimento do
prazo para pagamento, mas deverá ser comprovada mediante protesto do título ou
por carta registrada, expedida por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos, a
critério do credor28.
Poderá vender a coisa a terceiros, no caso de inadimplemento da obrigação
garantida, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer
outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário
prevista no contrato, porém deverá repassar ao fiduciante, o que sobrejar da
importância apurada com a venda do bem, depois de quitada a dívida.
_____________
28
SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 54.
27
Pois bem, vejamos mais alguns direitos do fiduciário, de acordo regime da
Lei nº 4.728/65 e do Decreto-Lei nº 911/69, conforme Luiz Augusto Beck da Silva29:
O fiduciário encaminhará para arquivamento o instrumento do contrato,
qualquer que seja o seu valor, por cópia ou microfilme, ao Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do credor, sob pena de não valer contra terceiros.
Tornar-se-á proprietário resolúvel da coisa depositada, assim que adimplida
a obrigação.
Receberá valor integral da dívida, incluindo o principal, juros, comissões,
taxas, cláusula penal, atualização monetária e demais encargos que couberem.
Nas situações previstas em lei, serão consideradas vencidas todas as
obrigações contratuais, independentemente de aviso ou notificação judicial ou
extrajudicial, ou então, legitimamente no contrato.
Primará pela preservação da garantia, na sua integralidade, ainda que esta
compreenda vários bens, diante do pagamento de uma ou mais prestações da
dívida.
O fiduciário fiscalizará o estado de conservação do bem que lhe foi alienado,
valendo-se de notificações, interpelações, protestos, contraprotestos e vistorias.
Fará uso da Ação de Busca e Apreensão, a qual será concedida,
liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor,
_____________
29
Idem, p. 54-56.
28
convertendo-a, nos mesmos autos, em Ação de Depósito, se o bem não for
encontrado ou não se achar na posse do devedor.
Poderá vender a coisa, judicialmente, caso em que se aplicará o disposto
nos arts. 1.113 a 1.119, do CPC.
Poderá recorrer à via do processo de execução para a cobrança de seu
crédito do fiduciante, avalista (s) e/ou fiador (es), inclusive o saldo porventura
existente, após a venda do bem, judicialmente ou extrajudicialmente. Desde que
preservada a liquidez da dívida.
Recorrerá à Ação de Prestação de Contas após haver promovido à venda
extrajudicial do bem.
Valer-se do pedido de restituição na falência do devedor, bem como utilizar
a via dos Embargos de Terceiro se o bem que lhe foi alienado, for penhorado por
outro credor. Fará uso do interdito proibitório.
Poderá habilitar seu crédito no inventário ou arrolamento de bens do de
cujus, com o pedido de separação dos bens alienados, ou de outro, se for o caso.
Apelar da sentença, obter o efeito meramente devolutivo, valendo-se dos
demais recursos e procedimentos cabíveis admitidos pela legislação processual civil,
inclusive com vistas a obtenção de declarações, incidentais ou não.
Terá os efeitos da tutela a que for em busca antecipados, total ou
parcialmente, atendidos os pressupostos legais do art. 273 do CPC. 30
_____________
30
Ibidem, p.54.
29
Pagará ao depositário as despesas feitas com a coisa e os prejuízos que o
depósito prover. 31
Respeitará o uso regular da coisa pelo alienante, não o molestando, nem se
apropriando dela, eis que vedada a cláusula comissória, devendo vendê-la a
terceiros.
Disponibilizará o valor do financiamento ao devedor-alienante ou repassá-lo
ao vendedor mercê de cláusula em tal sentido ou autorização, escrita, dada pelo
finduciante, ainda que em separado.
Comprovará a mora ou o inadimplemento do devedor, se quiser valer-se da
Ação de Busca e Apreensão.
Aplicará o preço da venda no pagamento do seu crédito.
Poderá repassar, ato contínuo, ao fiduciante, o que sobrejar da importância
apurada com a venda do bem, depois de quitada a dívida.
Poderá transferir a propriedade ao fiduciante, sem ônus ou gravame, de
qualquer natureza, após este haver cumprido integralmente com suas obrigações.
Encaminhará para arquivamento o instrumento, qualquer que seja o seu
valor, por cópia ou microfilme, ao Registro de Títulos e Documentos do domicílio do
credor, sob pena de não valer contra terceiros.
_____________
31
BRASIL, Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. art. 1.278.
30
Capítulo III
A LEGISLAÇÃO FIDUCIÁRIA E A DIFERENÇA EM RELAÇÃO AO
CONTRATO DEPÓSITO
3.1 Dispositivos legais
O instituto da alienação fiduciária em garantia foi introduzida no
Ordenamento Jurídico Pátrio com a sua criação da Lei nº 4.728/65, de 14 de julho de
1965, para disciplinar o mercado de capitais e estabelecer medidas para o seu
desenvolvimento, justamente em um período que a economia industrial estava
estagnada, precisando de uma estrutura que fosse segura para o financiamento de
bens móveis duráveis.
Nesse mesmo momento, o Sistema Financeiro Nacional passava por
profundas transformações, haja vista a edição de algumas leis que visavam o
crescimento do setor, aumentando sua lucratividade, facilitando a captação de
recursos e dando maiores garantias, tornando assim, mais vantajosas as operações
de crédito. 32
Todos esses fatores contribuíram para a criação da alienação fiduciária em
garantia, pois se almejava um diploma legal que possibilitasse uma ampla utilização
na tutela do crédito direto ao consumidor, concedido pelas instituições financeiras,
_____________
32
SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 18.
31
bem como dar maior garantia ao credor da satisfação do seu crédito, segundo as
palavras de José Carlos Moreira Alves:
Introduzida a alienação fiduciária em garantia no direito brasileiro, desde
logo teve ela ampla utilização na tutela do crédito direto ao consumidor,
concedido pelas instituições financeiras, abrindo-se, assim, perspectiva de
aquisição a uma larga faixa de pessoas que, até então, não a tinha, e
possibilitando, em contrapartida, o escoamento da produção industrial,
especialmente no campo dos automóveis e dos eletrodomésticos.
Em tese, a alienação fiduciária proporcionava garantia eficaz ao credor,
porque, transferindo-lhe a propriedade resolúvel da coisa móvel que era do
devedor, ficava aquele a salvo de credores cujo privilégio se antepunha até
às garantias reais disciplinadas no código civil; e, se não fosse pago o
débito, tinha o credor a faculdade de vender a coisa, pagar-se, e restituir o
saldo, acaso existente, ao devedor. (ALVES, 1987, p.13).
O instituto da alienação fiduciária em garantia traz características próprias,
não encontradas em nenhum outro instituto. Sua definição encontrava-se disposta
no art. 66 da referida Lei, no entanto com o surgimento do Decreto-Lei nº 911, de 1º
de outubro de 1969, o caput do art. 66 da Lei nº 4.728/65 foi alterado e o Decreto,
que deu nova redação ao conceito de alienação fiduciária, acabou por trazer um
conceito legal mais completo, prevendo em seu parágrafo primeiro a possibilidade
do contrato ser arquivado através de microfilme, senão vejamos:
Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio
resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da
tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor
direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe
incumbem de acordo com a lei civil e penal.
§1º A alienação fiduciária somente se prova por escrito e seu instrumento,
público ou particular, qualquer que seja o seu valor, será obrigatoriamente
arquivado, por cópia ou microfilme, no Registro de Títulos e Documentos do
domicílio do credor, sob pena de não valer contra terceiros, e conterá, além
de outros dados, os seguintes (DECRETO-LEI nº 911/69, art. 66, §1º).
No art. 2º temos a possibilidade em caso de inadimplemento ou mora nas
obrigações contratuais por parte do devedor fiduciante, de o credor fiduciário vender
a coisa a terceiros, independente de leilão, hasta pública, ou qualquer outra medida
judicial ou extrajudicial, salvo se previsto no contrato o contrário. No art. 3º, a
32
previsão da ação autônoma de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente,
em favor do credor e contra o devedor ou terceiro que possuísse o bem, ou seja, o
exercício do direito de seqüela.
O art. 4º traz a possibilidade de conversão da ação de busca e apreensão
em ação de depósito. Talvez esse seja o ponto mais expressivo desse instituto, visto
que a aplicação do artigo enseja inúmeros debates jurídicos, pois através da
conversão das ações acima citadas, o devedor fiduciário poderá ter sua prisão
decretada. 33
Com
base
nesses
dispositivos
legais
é
que
se
arvoram
alguns
Doutrinadores, Magistrados e Operadores do Direito, pela possibilidade da prisão
civil do devedor fiduciante, uma vez que o CPC, no artigo 904, caput e parágrafo
único, prevê a decretação da prisão civil em caso de frustração do cumprimento do
mandado para entrega da coisa ou equivalente em dinheiro.
Os artigos finais não requerem uma abordagem mais detalhada, pois se
tratam de dispositivos meramente procedimentais da alienação fiduciária em
garantia.
Como a Lei nº 4.728/65 tratava apenas da alienação fiduciária em garantia
para bens móveis, surge em 20 de novembro de 1997, a Lei nº 9.514, dispondo
sobre o método de financiamento imobiliário, bem como figura da alienação
fiduciária para os bens imóveis.
_____________
33
BRASIL. Decreto-Lei nº 911 de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de
julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária em garantia e dá outras providências.
Planalto. Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso: 23/09/2006.
33
Interessante se faz notar que a propriedade do bem está em condição
resolúvel tanto na alienação fiduciária de bem móvel, quanto na de bem imóvel.
Porém, somente com o adimplemento do contrato é que a propriedade, livre de
qualquer gravame, volta ao domínio do fiduciante.
Nesse contexto, é importante apontarmos algumas diferenças entre a
alienação fiduciária para bens móveis e bens imóveis. Dentre elas temos que no
contrato de alienação para coisa móvel, a Lei nº 4.728/65 permite somente
instituições financeiras, entidades bancárias, e outras do mesmo gênero, enquanto
que na alienação fiduciária de bem imóvel a Lei nº 9.514/97 confere legitimidade a
qualquer pessoa, física ou jurídica, para assumir o pólo ativo da relação, segundo
Artur Oscar de Oliveira Deda:
Aspectos particulares apresenta a alienação fiduciária de coisa imóvel,
tocantes ás partes do contrato, ao seu objeto e à forma. Com efeito,
segundo mostramos na devida oportunidade, em face da lei n. 4.728/65 e
do Decreto-Lei n. 911/69, que a regulamentou, não é reconhecida a
capacidade geral das pessoas para a realização do contrato. Somente as
instituições financeiras ou entidades bancárias, e outras que a lei autorizar,
têm legitimidade para integrar o pólo ativo da relação contratual. A nova lei,
entretanto, legitima à prática do negócio qualquer pessoa, física ou jurídica,
não sendo privativo das entidades que operam no Sistema Financeiro
Imobiliário. (DEDA, 2000, p.67).
Outra diferença marcante refere-se ao objeto do contrato que trata de coisa
imóvel, podendo ser ele, imóvel já construído ou em construção, rural ou urbano e
residencial ou comercial. Entretanto, a diferença que mais nos chama a atenção é a
impossibilidade da prisão civil em caso de inadimplemento, pois o descumprimento
34
do contrato pelo fiduciante, dar-se-á a consolidação da propriedade do imóvel em
nome do fiduciário de acordo com o art. 26 da Lei nº 9.514/97. 34
Por fim, temos a Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, que em seu art. 56
modifica todos os parágrafos do art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69, tal artigo é o
responsável pela parte processual do instituto e dita todas as regras processuais
que devem ser seguidas pelas partes do contrato da alienação fiduciária em
garantia.
§ 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidarse-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do
credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso,
expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou
de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.
§ 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da
dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na
inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.
§ 3o O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da
execução da liminar.
§ 4o A resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha se
utilizado da faculdade do § 2o, caso entenda ter havido pagamento a maior
e desejar restituição.
§ 5o Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo.
§ 6o Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e
apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em
favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor
originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido
alienado.
§ 7o A multa mencionada no § 6o não exclui a responsabilidade do credor
fiduciário por perdas e danos.
§ 8o A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo
autônomo e independente de qualquer procedimento posterior. (LEI nº
10.931, 2004, art.56, §§).
_____________
34
BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o sistema de financiamento imobiliário,
institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Planalto, Brasília, DF, 2006. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso: 23/09/2006.
35
Com a total modificação art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69, a Lei nova trouxe
uma perspectiva mais enérgica ao instituto da alienação fiduciária em garantia, pois
os parágrafos da nova redação dinamizaram ainda mais o procedimento de
adimplência e aumentou a segurança jurídica entre as partes de um negócio de
incorporação imobiliária.
3.2 Diferenças entre alienação fiduciária e contrato de depósito
Preliminarmente, sendo a alienação fiduciária um diploma legal que se difere
dos demais institutos de direitos reais em garantia, hipoteca, penhor e anticrese, que
possui características exclusivas de sua estrutura jurídica e tendo em vista a enorme
divergência no que se refere à prisão civil do alienante inadimplente, cabe então
uma abordagem acerca das diferenças entre a propriedade fiduciária em garantia e
os direitos reais de garantia sobre coisa alheia.
A diferença mais evidente entre a garantia oferecida pela alienação fiduciária
e a garantia dos institutos acima elencados, está no fato de que estes são direitos
reais sobre a coisa alheia, eis que o devedor hipotecário, pignoratício e anticrético
continuam dono do bem dado em garantia, enquanto na alienação fiduciária o bem
tem sua propriedade transferida para o credor35.
Vejamos os ensinamentos do Ministro Moreira Alves:
O que é certo é que a propriedade fiduciária decorrente da alienação
fiduciária em garantia – a qual, de ora em diante, denominaremos
_____________
35
MARTINS, Raphael Manhães. A alienação fiduciária em garantia de acordo com uma perspectiva civilconstitucional. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5658>. Acesso em: 26/08/2006.
36
simplesmente de propriedade fiduciária – não se enquadra, em rigor, em
nenhuma das categorias dogmáticas existentes em nosso direito das coisas.
Indubitavelmente, constitui ela garantia real, pois serve para garantir o
cumprimento de obrigação. Ademais, é a propriedade fiduciária direito real
típico, mas – como vimos anteriormente – não possui as características de
direito real em garantia (uma espécie dos direitos reais limitados ou sobre
coisa alheia), nem se inclui entre os direitos reais em garantia, porquanto, à
semelhança do que ocorre com os negócios fiduciários de que resultam
esses direitos, se caracterizam eles pela atipicidade o que afasta a
possibilidade da existência de direitos reais em garantia típicos. 36
Destarte, não se confundem a alienação fiduciária e os direitos reais em
garantia, visto que, enquanto para o primeiro a propriedade resolúvel se transfere ao
devedor, adimplida todas as prestações do contrato; para o segundo, a propriedade
dada em garantia não é transferida ao devedor, sendo ele mero titular da coisa
alheia.
3.2.1 Das diferenças entre os contratos
No contrato de depósito, a pessoa que recebeu o bem, deve restringir-se em
guardar e preservar o bem até que este lhe seja reivindicado. Essa proteção tem
caráter temporário e gratuito. O artigo 625 do Código Civil traz a seguinte redação:
“Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até
que o depositante o reclame”. 37
Eis que o depositário fica adstrito ao que versa o artigo 625 do CC, ou seja,
a pessoa a qual foi confiada a obrigação limita-se exclusivamente em manter o bem
sob sua esfera protetiva.
_____________
36
ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p.
158.
37
BRASIL. Código Civil Brasileiro: Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
37
Nos contratos de alienação fiduciária em garantia, o objeto alienado funciona
como garantia do adimplemento do empréstimo prestado pelo fiduciário, o bem
alienado não fica simplesmente depositado nas mãos do fiduciante. Muito pelo
contrário, este tem a plena fruição econômica do bem, podendo utilizá-lo da forma
que melhor lhe apetece, independente da autorização do credor, diferentemente do
depositante38.
Conclui-se que o contrato de depósito em nada se relaciona com o contrato
de alienação fiduciária em garantia, primeiro pela finalidade dos contratos, no qual
este visa à transferência da propriedade e aquele à proteção do bem. Neste o
alienante obtém um financiamento para a aquisição de um bem, e automaticamente
é instado na posse deste bem, para usá-lo da maneira que bem entender, situação
que não se faz possível no depósito.
3.2.2 Das diferenças entre os objetivos
No que tange ao objetivo de cada contrato, percebemos notória distinção
entre os dois institutos e não poderia ser diferente, pois, enquanto nos contratos de
depósito o objetivo volta-se para restituição do bem, nos contratos de alienação
fiduciária a atenção é para a transferência da propriedade resolúvel dada em
garantia.
_____________
38
CARNEIRO, André Luiz de Andrade. Breves comentários acerca da prisão civil decorrente da alienação
fiduciária em garantia. Disponível em < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4107> Acesso em:
27/08/2006.
38
A validade do contrato de depósito consiste na entrega do bem assim que
este seja reivindicado, de acordo com Maria Helena Diniz “o depósito é um contrato
real que exige para o seu aperfeiçoamento, a entrega do bem depositado, não
havendo qualquer transferência de propriedade, nem permissão para o uso da
coisa” 39.
Corroborando nosso entendimento, afirma Orlando Gomes:
A custódia da coisa constitui a principal obrigação do depositário. Incumbelhe guardá-la e conservá-la com o cuidado e diligência que costuma ter com
as coisas que lhe pertencem, procedendo, numa palavra, como onus patere
familias. Não a recebe para outro fim (GOMES, 2000, p.340.).
Cabe ressaltar que poderá o depositário responder por perdas e danos, caso
faça uso da coisa depositada, sem a anuência do proprietário (depositante), é o que
dispõe o art. 640 do CC/02, in verbis: “Sob pena de responder por perdas e danos,
não poderá o depositário, sem licença expressa do depositante, servir-se da coisa
depositada, nem a dar em depósito a outrem.”.
Contudo, nos contratos de alienação fiduciária, o alienante exerce direitos de
uso sob o bem em condição resolúvel, de certo, os direitos deste que recebeu a
coisa dada em garantia são mais amplos do que os daquele.
Senão, vejamos os ensinamentos de José Carlos Moreira Alves:
Ainda com relação ao alienante, é de se salientar que tem ele de ser o
proprietário da coisa a ser alienada fiduciariamente, e de poder dispor dela,
pois, somente assim, poderá transferir – embora sob condição resolutiva – o
domínio ao adquirente (ALVES, 1987, p.101).
_____________
39
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 5ª ed. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 242.
39
Aqui inexiste o elemento confiança, ora visto nos contratos de depósito, o
negócio jurídico é pautado pura e simplesmente na propriedade resolúvel dada em
garantia, ou seja, está enraizado na garantia e não na confiança, como ilustra
Orlando Gomes:
Tal como se acha delineada, a alienação fiduciária em garantia foi
desfigurada. Conserva muitas características do negócio fiduciário. Desde,
porém, que o legislador preferiu o mecanismo da propriedade resolúvel e
determinou a reversão indeclinável da propriedade ao fiduciante, com o
implemento da condição resolutiva, o fator confiança (fidúcia) desaparece
de cena (GOMES, 1970, p. 39).
A diferença nuclear dos contratos em tela está na transferência da
propriedade dada em garantia por parte dos contratos de alienação fiduciária e a
entrega do bem e posterior restituição por parte dos contratos de depósito.
40
Capítulo IV
PRISÃO CIVIL X DIREITOS HUMANOS
Mesmo antes da ratificação, pelo Brasil, do Pacto de San José de Costa
Rica ou Convenção Americana de Direitos Humanos que vedam a possibilidade de
prisão cível advindas de dívidas contratuais, a decretação da prisão administrativa
do devedor em contrato de alienação fiduciária em garantia já se configurava
contrária à ordem constitucional instaurada com a promulgação da Constituição
Federal de 1988.
Contudo o Supremo Tribunal Federal em seu entendimento admite a prisão
civil para o alienante, todavia, tal entendimento vai de encontro à corrente
jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça.
Dada à devida importância dessa dissonância, nesse capítulo abordaremos
o instituto da prisão civil, a hierarquia dos tratados internacionais e seus ingressos
no ordenamento jurídico e o Pacto de San José da Costa Rica, enfocando a questão
dos direitos humanos frente à prisão civil decorrente de dívida, para no capítulo
seguinte confrontarmos o entendimento entre o STF e o STJ, analisando a
jurisprudência de ambos os órgãos acerca da prisão civil para o devedor alienante.
4.1 Da Prisão Civil
Diferentemente da prisão penal ou criminal, a prisão civil não é sansão
decorrente de ato ilícito ou antijurídico, tão pouco possui caráter apenatório, no
41
entanto, atribui à pessoa os mesmos malefícios da prisão penal, impondo
cerceamento ao direito de liberdade e gerando idênticas conseqüências ao sujeito
passivo, que sofre o constrangimento corporal.
40
Segundo Marcelo Ribeiro Oliveira:
“a prisão civil não é tida como repressão a um ilícito, mas tão-somente como um
meio de forçar o devedor a adimplir o seu compromisso”. 41
A prisão penal possui um caráter preventivo e retributivo, na qual aquele que
delinqüiu - e aqui falamos da prática delituosa cometida por maior imputável – está
sujeito a uma sanção imposta pelo Estado como retribuição ao agente do mal
causado à sociedade. Assim, Damásio Evangelista de Jesus demonstra:
A pena tem caráter retributivo, ao passo que priva o agente de seu bem
jurídico, e duplo caráter preventivo, na medida em que intimida a sociedade,
a fim de impedir que seus membros pratiquem crimes (prevenção geral), e
retira o autor do delito do meio social, impedindo-o de delinqüir novamente
(prevenção especial). (JESUS, 1995, p.547).
A prisão civil apresenta-se como mecanismo de coercibilidade, com feições
evidentemente econômicas, praticado na esfera cível e com o objetivo de compelir o
devedor ao cumprimento de obrigação prevista em lei. 42
A Constituição Federal em seu art. 5º, LXVII, dispõe que não haverá prisão
civil por dívida, excetuando dois casos em que poderá ser decretada pela autoridade
judicial competente: quando do inadimplemento voluntário e inescusável de
obrigação alimentícia e depositário infiel. 43
A prisão para o alimentante acaba por ser instrumento de pressão, na qual
visa obrigar a quitação do seu débito junto ao alimentando. A prisão será decretada
_____________
40
MOLITOR, Joaquim. Prisão civil do depositário. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 13.
OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro. Prisão civil na alienação fiduciária em garantia. Curitiba: Juruá, 2000, p. 42.
42
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Contratos em Espécie. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 262.
41
42
quando o devedor não efetuar o pagamento e não demonstrar a possibilidade de
fazê-lo ou for escusável, no entanto há de se perceber, nessa hipótese, que a
privação da liberdade do devedor dar-se-á em prol das necessidades do
alimentando.
44
Maria Helena Diniz ensina que: “Os alimentos são prestações que
visam atender às necessidades vitais, atuais ou futuras, de quem não pode provê-las
por si”. 45
Já na prisão civil para o depositário infiel, a decretação deriva da
inadimplência da obrigação de guardar, conservar e restituir a coisa, assim que
reivindicada
pelo
depositante
ou
da
impossibilidade
em
pagar
o
preço
correspondente ao valor da coisa dada em confiança. Neste contexto Maria Helena
Diniz corrobora:
No depósito voluntário ou necessário, o depositário terá obrigação de
devolver o bem depositado com seus acessórios, assim que for reclamado
pelo depositante, sob pena de ser compelido a fazê-lo, mediante prisão não
excedente a um ano, e pagar os danos decorrentes do seu inadimplemento.
(DINIZ, 2004, p.482).
A Carta Magna traz em seu corpo um rol taxativo que impossibilita a prisão
civil para quaisquer outros institutos que não sejam aqueles elencados no art. 5º,
inciso LXVII, porém, o Decreto-lei nº 911/69 trouxe à luz de nosso ordenamento
jurídico a possibilidade de prisão civil do devedor considerado, por ficção legal, como
depositário infiel em alienação fiduciária46, cujo questionamento acerca de sua
constitucionalidade é objetivo deste projeto.
_____________
43
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 135.
DINAMARCO, Cândido Ragel. Instituições de direito processual civil. 1ª ed. v. IV. São Paulo: Medalheiros,
2004, p. 604.
45
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1256.
46
MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 136.
44
43
Entretanto, a prisão civil do devedor de alimentos, vem se mostrando como
único permissivo legal para o cerceamento da liberdade, tendo em vista a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica)
que, desde a ratificação, propugna a não restrição de liberdade decorrente de dívida.
4.2 Dos Tratados sobre Direitos Humanos
Inicialmente, para uma melhor compreensão acerca da repercussão dos
pactos internacionais de proteção dos direitos humanos recepcionados pelo
ordenamento jurídico pátrio, faremos uma breve explanação acerca do processo de
internacionalização desses tratados internacionais e seu grau hierárquico frente à
Carta Magna de 1988. 47
De acordo com a Constituição Federal de 1988, para que um tratado
internacional passe a vigorar no Brasil ele deve ser assinado por um representante
capaz do Poder Executivo (Art. 84, VIII) e ser submetido ao referendo do Congresso
Nacional (Art. 49, I) 48. Caso o Poder Legislativo o aprove, ratificando-o, promulga-se
um Decreto Legislativo e o documento é enviado ao Presidente da República para a
promulgação, que vem a ser o ato pelo qual se dá ciência aos cidadãos de que
_____________
47
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Hierarquia Constitucional e Incorporação Automática dos Tratados
Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no Ordenamento Brasileiro.
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_21/artigos/art_valerio.htm> Acesso: 05/09/2006.
48
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), 21ª ed. 2003, p. 20 - 26.
44
aquele tratado é lei no ordenamento jurídico e, portanto, deve ser respeitado. Tal ato
se concretiza por meio do Decreto de Promulgação. 49
Os tratados internacionais de quaisquer natureza, segundo o entendimento
firmado pela Suprema Corte, desde que ratificados pelo Brasil, passam a fazer parte
do nosso direito interno, no âmbito da legislação ordinária. No entanto, devido à
hierarquia entre as normas, a lei ordinária encontra-se abaixo da Carta da República,
não tendo assim, prerrogativas para mudar o texto constitucional. Isto porque a
Constituição Federal, como expressão máxima da soberania nacional, como diz o
Supremo Tribunal Federal, está acima de qualquer tratado ou convenção
internacional que com ela conflite. 50
Destarte, os tratados, convenções ou pactos internacionais terão a natureza
de norma infraconstitucional, extraída do art. 102, III, b, da Carta Magna de 1988. No
dizer de Alexandre de Moraes:
As normas previstas nos atos, tratados, convenções ou pactos
internacionais devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e
promulgadas pelo Presidente da República, inclusive quando prevêem
normas de direitos fundamentais, ingressam no ordenamento jurídico como
atos normativos infraconstitucionais (MORAES, 2004, p. 591).
Por sua vez, não podemos abstrair-nos acerca de um ponto de suma
importância, a questão dos tratados garantidores de direitos fundamentais.
A Emenda Constitucional nº 45, que consubstancia a reforma do Judiciário,
trouxe à tona profundas alterações em diversos dispositivos constitucionais,
_____________
49
50
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), 21ª ed. 2003, p. 20 - 26.
BRASIL, Superior Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n. 1.480/DF. Rel. Min. Celso de Mello.
Disponível em <http://www.stf.gov.br> Acesso: 05/09/2006.
45
notadamente no que se refere ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, entre
outros temas. 51
Dentre as inovações procedidas pela Emenda em referência no texto
constitucional, chama a atenção o novo parágrafo 3º, que versa sobre a
incorporação dos tratados sobre direitos humanos em nosso ordenamento jurídico,
cujo dispositivo traz o seguinte conteúdo:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais (BRASIL, EC nº 45, §3º).
É salutar observar que o teor do novo parágrafo 3º é visivelmente colidente
com o teor dos parágrafos 1º e 2º, do art. 5º da Constituição Federal, como veremos
a seguir. Isto porque, enquanto estes incluem, automaticamente, os direitos e
garantias constantes de instrumentos internacionais no rol dos direitos e garantias
constitucionalmente assegurados, o parágrafo 3º pretende limitar tal proteção,
condicionando-a à deliberação do Congresso Nacional.
Frise-se que os parágrafos 1º e 2º são, indiscutivelmente, cláusulas pétreas,
imodificáveis, a teor do parágrafo 4º do art. 60 da Constituição Federal.
Assim sendo, não podem ser os referidos parágrafos sequer modificados
pelo parágrafo 3º da Emenda Constitucional nº 45, não restando alternativa, com
fundamento na correta hermenêutica constitucional, senão entender-se pela
inconstitucionalidade do novo parágrafo, haja vista a incompatibilidade da disposição
_____________
51
SGARBOSSA, Luis Fernando. A Emenda Constitucional nº 45/04 e o novo regime jurídico dos tratados
internacionais em matéria de direitos humanos. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6272
> Acesso: 05/09/2006.
46
normativa nele contida com aquelas contidas dos dispositivos engendrados pelo
constituinte originário. 52
Nesse sentido e tomando por base o que versa o parágrafo 1. º do art. 5. º
da nossa Carta “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata", os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos,
uma vez ratificados, por também conterem normas que dispõe sobre direitos e
garantias fundamentais, terão, dentro do contexto constitucional brasileiro, idêntica
aplicação imediata. Da mesma forma, são imediatamente aplicáveis aquelas normas
expressas nos arts. 5.º a 17 da Constituição da República, de igual maneira, às
normas contidas nos tratados de direitos humanos de que o Brasil seja parte. 53
É do magistério de Flávia Piovesan a seguinte afirmativa:
Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais
uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a hierarquia de norma
constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de
que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos
constitucionalmente consagrados (PIOVESAN, 2000, p. 76).
Para a autora, a Constituição assume expressamente o conteúdo
constitucional dos direitos constantes dos tratados sobre direitos humanos, dos
quais o Brasil seja parte. Ainda que estes direitos não sejam enunciados sob a forma
de normas constitucionais, mas sob a forma de tratados internacionais, a
Constituição lhes confere o valor jurídico de norma constitucional, já que preenchem
_____________
52
SGARBOSSA, Luís Fernando. A Emenda Constitucional nº 45/04 e o novo regime jurídico dos tratados
internacionais em matéria de direitos humanos. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6272
> Acesso: 05/09/2006.
53
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Hierarquia Constitucional e Incorporação Automática dos Tratados
Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no Ordenamento Brasileiro. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_21/artigos/art_valerio.htm > Acesso: 05/09/2006.
47
e complementam o catálogo de direitos fundamentais previstos pelo texto
constitucional.
Nessa mesma linha de raciocínio, não é outro o entendimento de Fernando
Luiz Ximenes Rocha, citado por Alexandre de Moraes:
Posição feliz a do nosso constituinte de 1988, ao consagrar que os direitos
garantidos nos tratados de direitos humanos em que a República Federativa
do Brasil é parte, recebe tratamento especial, inserindo-se no elenco dos
direitos constitucionais fundamentais, tendo aplicação imediata no âmbito
interno, a teor do disposto nos §§ 1º e 2º do art 5º da Constituição Federal
(MORAES, 2003, p.459).
Desse modo, tanto na visão de Flávia Piovesan quanto de Fernando Luiz
Ximenes Rocha, os tratados que versem sobre direitos humanos e tendo por objetivo
a proteção de direitos fundamentais da pessoa humana, possuem supremacia em
relação aos demais tratados, incorporando-se ao nosso sistema legislativo com a
natureza de norma constitucional, tal entendimento encontra sustentáculo no art. 5º,
parágrafo 2º da Constituição Federal, que assim dispõe:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte
(Constituição Federal, 1988, p.8).
Ocorre que o dispositivo legal, possui um caráter eminentemente aberto,
dando margem à entrada de outros direitos e garantias provenientes dos tratados
internacionais do qual a República do Brasil seja parte, revelando que o rol dos
direitos fundamentais da Carta da República não é taxativo. 54
Ora, se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nela elencados
não excluem outros provenientes dos tratados internacionais em que a República
48
Federativa do Brasil seja parte, é porque ela própria autoriza a inclusão em nosso
ordenamento jurídico de direitos e garantias internacionais constantes dos tratados
ratificados pelo Brasil, sendo vistos como se na própria Carta Magna estivessem. 55
Vale lembrar que o Brasil é signatário de dois tratados que versam sobre
direitos humanos, sendo um deles a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pela República
Federativa do Brasil em 1992 e que traz à luz do direito pátrio a impossibilidade da
prisão civil decorrente de dívidas56.
4.2.1 Do Pacto de San José da Costa Rica
O Pacto de San José de Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos
Humanos foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 27, de 25 de setembro de 1992, e
ratificado pela República Federativa do Brasil através do Decreto Executivo nº 678,
de 06 de novembro de 1992.
Este Tratado Internacional tem como principal motivo de questionamento a
inaplicabilidade da prisão civil em caso de dívidas, pois, visto que o art. 5º, inciso
LXVII, da Constituição Federal, prevê a possibilidade de prisão civil por dívida para o
_____________
54
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, p. 118.
55
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Hierarquia Constitucional e Incorporação Automática dos Tratados
Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no Ordenamento Brasileiro.
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_21/artigos/art_valerio.htm> Acesso: 05/09/2006.
49
depositário infiel, no Tratado, em seu art. 7º, nº 7, tem a seguinte redação: “Ninguém
deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade
judiciária competente, expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação
alimentar”.
Como vimos anteriormente, a Emenda Constitucional nº 45/04 em vez de
conferir aos tratados de proteção dos direitos humanos uma maior segurança e
amplitude do seu alcance, colocou-os sob o manto da conveniência e oportunidade
políticas do Poder Legislativo Federal, fazendo com que o ingresso dos tratados no
ordenamento jurídico, em virtude do juízo do Congresso Nacional, tenha ou não
hierarquia constitucional.
Contudo, percebe-se que o Pacto de San José da Costa Rica, por ser um
tratado que versa sobre direitos humanos, ratificado anteriormente à entrada em
vigor da Emenda Constitucional nº 45/04, já adquiriu, por força dos parágrafos 1º e
2º do art. 5º da Constituição da República, o status de norma constitucional,
encontrando-se incluído no rol dos direitos constitucionalmente assegurados. 57
Nesse liame, as normas constantes deste tratado, dispõem sobre direitos
fundamentais, e como tais devem ingressar na ordem jurídica brasileira,
proporcionando aos cidadãos brasileiros, além dos direitos e garantias fundamentais
oriundos da Constituição Federal, os direitos e garantias fundamentais nascidos no
_____________
56
COSTA, Aline Paula Gomes. A inadmissibilidade da prisão civil por dívida decorrente da alienação fiduciária
em garantia: uma análise empírica.Disponível em < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8156 > Acesso:
31/08/2006.
57
SGARBOSSA, Luís Fernando. A Emenda Constitucional nº 45/04 e o novo regime jurídico dos tratados
internacionais em matéria de direitos humanos.
Disponível em < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6272> Acesso: 05/09/2006.
50
plano internacional. 58 Tal fato se deve à crescente preocupação com a dignidade da
pessoa humana, e com a garantia efetiva de seus direitos, que são indivisíveis e
universais.
Temos então uma bifurcação no que tange à hierarquia dos tratados
recepcionados pelo direito pátrio, de um lado encontram-se os tratados
internacionais sobre direitos humanos, do outro os demais acordos internacionais,
cuja natureza é de norma infraconstitucional, com base no dispositivo legal, qual seja
o art. 102, III, b, da Constituição Federal.
Nesse diapasão, nasce uma nova disciplina, o Direito Internacional
Constitucional, que visa dilatar essa temática dentro do plano jurídico nacional, bem
como criar tratamento linear entre os direitos fundamentais até então contemplados
na Constituição Federal e os direitos fundamentais decorrentes dos tratados sobre
direitos humanos, a exemplo do Pacto de San José da Costa Rica.
Se a Constituição permite que os tratados que versam sobre direitos
humanos ingressem em nossa estrutura jurídica, revestindo-se da natureza de
norma constitucional, e dispondo o produto normativo desses tratados sobre direitos
e garantias individuais, a outra conclusão não se chega senão a de que, pelo
disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 5º da Carta de 1988, após a entrada de tais
normas no próprio corpo da Carta Magna, não há mais sequer uma maneira de se
_____________
58
COSTA, Aline Paula Gomes. A inadmissibilidade da prisão civil por dívida decorrente da alienação fiduciária
em garantia: uma análise empírica. Disponível em < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8156 > Acesso:
31/08/2006.
51
suprimir qualquer dos direitos provenientes daquele produto normativo convencional,
nem mesmo através de Emenda à Constituição. 59
Pois como é sabido, o art. 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal
assim dispõe:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente à
abolir:
IV – os direitos e garantias individuais (CF, 1988, p.23).
Um outro aspecto importante a ser destacado, no que se refere aos direitos
humanos, é a necessidade de integração dos múltiplos tipos de normas de proteção
a esses direitos para uma garantia integral e efetiva, destacando sempre a
necessidade de se aplicar a norma mais favorável às vítimas das eventuais
violações.
60
O operador deve integrar todo o conjunto de normas e de instrumentos
internos e internacionais para assegurar uma proteção ampla ao ser humano, é o
chamado direito de proteção.
No entanto, a posição do STF caminha em sentido oposto, entendendo que:
inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer
precedência ou primazia hierárquico-normativa dos tratados ou convenções
internacionais sobre o direito positivo interno (...), Diversa seria a situação,
se a Constituição do Brasil - à semelhança do que estabelece hoje a
Constituição Argentina, no texto emendado pela Reforma Constitucional de
1994 (arts. 75, n.22) - houvesse outorgado hierarquia constitucional aos
tratados celebrados em matéria de direitos humanos. (HC 72.131-RJ, 1995)
Com isso, o egrégio tribunal fugiu à linha interpretativa mais favorável a
proteção aos direitos humanos, desconsiderando assim, a hierarquia constitucional
_____________
59
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Hierarquia Constitucional e Incorporação Automática dos Tratados
Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no Ordenamento Brasileiro. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_21/artigos/art_valerio.htm> Acesso: 05/09/2006.
60
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos. 1ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1991, p.434.
52
para os tratados internacionais em tela. A análise do HC 72.131 também contribuiu
para a evolução jurisprudencial do tema, pois se afirmou que a Convenção de San
José da Costa Rica, que proíbe a prisão decorrente de contrato civil, não afasta a
aplicação do art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, ou seja, concluiu-se pela
supremacia da Constituição sobre um tratado que protege direito fundamental.
Contudo, deve-se destacar que todos os direitos fundamentais compõem
uma estrutura única de proteção integral ao ser humano, em diversos aspectos de
sua vida, representados nas diferentes gerações de direitos fundamentais.
61
Assim,
não se pode delegar ao legislador pátrio a função de apartar quais direitos
fundamentais são mais ou menos necessários ao bem estar e à vida humana. Esses
direitos são essenciais como um todo.
Remeter certos direitos fundamentais à lei ordinária e outros à Constituição é
dizer que existe uma categoria de direitos fundamentais merecedora de uma maior
proteção legal e outra categoria também de direitos fundamentais tidos como menos
importantes e que, por isso, poderão ser derrogados por outra lei. Tal entendimento
afasta, por completo, a idéia de integração entre os direitos fundamentais.
Destarte, realizando uma interpretação sistemática, os direitos humanos
fundamentais são considerados cláusulas pétreas, devendo, portanto, sempre serem
ampliados, e jamais restringidos ou abolidos. Punir o cidadão com prisão civil por
dívida, salvo o caso de alimentos, é um total descompasso com os princípios
_____________
61
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 1ª ed. Rio de Janeiro: Max
Limonad, 2000, p.57.
53
norteadores dos direitos humanos fundamentais, e com a concepção moderna do
constitucionalismo. Consoante entendimento de George Marmelstein Lima:
Aceitar que uma questão patrimonial (do depositário infiel) sacrifique um
bem tão importante como a liberdade é inverter a hierarquia axiológica dos
valores maiores consagrados em nossa Constituição e nos tratados
internacionais de que o Brasil é signatário (LIMA, 2000, p. 36).
Desta feita, a inconstitucionalidade da prisão civil para o devedor fiduciário,
mostra-se descabida ou pelo menos desarazoada, devendo esta ser apreciada sob
uma nova ótica pelos julgadores. Espera-se, que no nascer de uma nova
perspectiva de tratamento aos direitos humanos, o respeito a este bem jurídico
fundamental seja garantido.
Para tanto, é necessário que haja a convergência entre o direito
internacional e o direito interno, rompendo assim as barreiras que tendem a obstar o
avanço e a preservação dos direitos inerentes à própria condição humana enquanto
cidadãos.
54
Capítulo V
DO CONFRONTO DE ENTENDIMENTOS ENTRE TRIBUNAIS
SUPERIORES
Para iniciarmos o estudo acerca da possível inconstitucionalidade da prisão
civil para o alienante fiduciário, torna-se extremamente relevante observamos alguns
aspectos iniciais, dentre eles está a questão de o Pacto de São José da Costa Rica,
tratado ratificado pelo Brasil e que dispõe sobre direitos humanos, poder ou não
revogar os preceitos constitucionais que tratam do assunto.
Tal questionamento já fora abordado no capítulo anterior, porém há de se
perceber que a matéria em tela não se encontra pacificada entre os Tribunais
Superiores, no entanto, devemos salientar a importância hoje do Direito Internacional
dos Direitos Humanos o qual tem por objeto a proteção dos direitos humanos. Para
Flávia Piovesan, tais direitos devem fazer parte dos ordenamentos jurídicos estatais,
convivendo de forma pacífica com as soberanias. 62
Tendo o Brasil, tornado-se signatário do Pacto de São José da Costa Rica,
criou-se uma antinomia em seu direito positivo acerca do descumprimento do dever
jurídico de restituir nas relações jurídicas envolvendo depósito de bens, alcançando
não só o devedor alienante, como também o devedor depositário, uma vez que
aquele tratado não permite a prisão civil do sujeito passivo inadimplente.
_____________
62
PIOVESAN, Flávia. Prisão civil de depositário infiel – Constitucionalidade. Disponível
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/boletins/bolmarabril/madoutrina.htm> Acesso: 30/08/2006.
em
<
55
Um outro aspecto que não se pode olvidar é a conversão da Ação de Busca
e Apreensão em Ação de Depósito nos contratos de alienação fiduciária, disposto no
art. 4º do Dec. – Lei nº 911/69:
Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na
posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de
busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma
prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil
(Dec. - Lei 911, 1969, art. 4º).
Em ocorrendo tal situação o devedor fiduciante acaba por ser diretamente
equiparado ao devedor depositário, sofrendo com isso as implicações previstas no
art. 1.287 do Código Civil:
Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário, que o não restituir,
quando exigido, será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a
um ano, a ressarcir os prejuízos (CC, 2002, art. 1.287).
Nesse contexto, o contrato de alienação fiduciária assume uma roupagem
de contrato de depositário, ambos convergindo, em caso de inadimplência e
impossibilidade de restituição da coisa, na prisão civil.
Com base nesses aspectos, a controvérsia sobre a prisão civil para o
alienante fiduciário se avulta em função de posicionamentos jurisprudências
divergentes entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça,
sendo essa a discussão que ensejou nossa pesquisa.
5.1 Do entendimento do STJ
Mister se torna observar que a inconstitucionalidade da norma vigente ainda
não foi decidida pelas cortes superiores brasileiras. No entanto, o Superior Tribunal
56
de Justiça traz à luz do ordenamento jurídico fortes jurisprudências contrárias à
equiparação do alienante fiduciário ao depositário infiel. Neste contexto é importante
destacarmos o RE nº 149.518, cujo voto o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, assim
declarou:
A meu juízo não cabe a prisão civil do devedor em alienação fiduciária.
Essa opinião é antiga e se reforça na mesma proporção em que se degrada
o sistema prisional do país, transformados os cárceres em depósitos
destituídos das mínimas condições de dignidade, conforme estamos
diariamente sendo informados pela imprensa. Basta a fotografia de uma
cela em que os detentos, para dormir, revezam-se na ocupação dos
espaços; basta, também, ouvir o relato do que acontece no fundo dos
corredores das penitenciarias e nas celas improvisadas das delegacias de
polícia para se entenderem os esforços dos penalistas e dos
penitenciaristas em limitar o uso da prisão apenas àqueles que,
absolutamente, não podem continuar vivendo em sociedade. Nessas
condições, que o juiz não pode desconhecer, parece inadmissível submeter
o descumprimento de um contrato, o devedor de uma dívida civil, às agruras
de um regime penitenciário fechado, durante meses, que a lei penal reserva
aos delinqüentes mais perigosos, pois à maioria dos autores de crimes são,
hoje, aplicadas penas alternativas.( RE nº 149.518, 2000, p.29).
Desta feita, entre o valor liberdade e o valor satisfação de um crédito, é
óbvio a supremacia do primeiro. O direito à liberdade está consagrado na
Constituição Federal como sendo um direito indisponível, abaixo apenas do direito à
vida, ressalvando que ambos são inerentes da própria condição humana, são
direitos garantidores da pessoa humana, ora, torna-se descabido que o direito de
propriedade prevaleça em detrimento do direito de liberdade, cabendo a impetração
do remédio constitucional, qual seja o Hábeas Corpus, nas hipóteses em que haja o
constrangimento ou ameaça do direito de ir e vir. 63
Para o Ministro, submeter o devedor fiduciante à prisão, é criar um
desequilíbrio
de
valores,
bem
como
impor
ao
devedor
uma
situação
demasiadamente desproporcional em relação ao seu inadimplemento, visto que até
57
determinados criminosos gozam de penas alternativas, a fim de retribuírem o mal
gerado para a sociedade, ou seja, alguns criminosos sequer colocam os pés em um
sistema prisional, enquanto o mero devedor se vê tolhido de seu direito de liberdade
em decorrência de dívida.
Nessa mesma linha de raciocínio, o Ministro Jorge Scartezzini, no HC nº
49675/SP, em seu voto, prolatou da seguinte maneira:
Quanto ao cabimento do remédio heróico preventivo, ao revés do
asseverado pelo Tribunal a quo, verifica-se a presença do interesse de agir,
visto que o paciente poderá sofrer constrangimento em sua liberdade de ir e
vir, sendo cabível o writ para fazer cessar tal ameaça, caso seja, deveras,
ilegal.
Esta Superior Corte de Justiça prega ser viável o manejo do hábeas corpus,
mesmo que cabível outro recurso, desde que presentes seus requisitos de
admissibilidade, como o constrangimento ilegal ou abusivo imposto contra a
liberdade de locomoção do paciente, emanado do ato tido como coator.
Na via da excepcionalidade, quando manifesta a ilegalidade da decisão,
tem-se admitido o processamento do writ, ainda que a questão se encontre
pendente de apreciação na Corte estadual, evitando, destarte, a ocorrência
ou manutenção da coação ilegal. Precedentes.
Consoante pacificado pela Corte Especial, em caso de conversão da ação
de busca e apreensão em ação de depósito, torna-se inviável a prisão civil
do devedor fiduciário, porquanto as hipóteses de depósito atípico não estão
inseridas na exceção constitucional restritiva de liberdade, inadmitindo-se a
respectiva ampliação.
Ademais, descabida, nestes casos, a equiparação do devedor à figura do
depositário infiel.
Cumpre ressaltar também que o trânsito em julgado da decisão proferida na
Ação de Depósito atípico não constitui óbice ao afastamento de
constrangimento ilegal provocado pela mesma, mormente quando utilizada
a via do remédio heróico. Precedentes.
Ordem concedida, para afastar a cominação de prisão do ora paciente,
expedindo-se o necessário salvo-conduto. (HC nº 49675/SP, 2006, p.198).
Na análise do HC, o Ministro Jorge Scartezzini, não só considera incabível a
prisão civil para o devedor fiduciário, como também exclui a possibilidade de
_____________
63
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), 21ª ed. 2003, art. 5º, LXVIII, p. 8.
58
equiparação entre o contrato de depósito e o contrato fiduciário. Nesse diapasão,
afirma que a sentença transitada em julgado da Ação de Depósito não afasta a
impetração do remédio constitucional.
Recaímos aqui na mesma situação, em que o Hábeas Corpus vem como
remédio sanador da coação de liberdade, não podendo ser diferente, pois fora
concebido para tal finalidade, não obstante a equiparação dos diplomas em tela.
Destarte, os Ministros do STJ entendem não existir, nesse caso, o contrato
de depósito, tendo em vista, os institutos do depósito e da alienação fiduciária em
garantia serem flagrantemente distintos, possuindo enormes contrariedades em seus
principais requisitos básicos.
Observemos o que afirma Alexandre de Morais, acerca da possibilidade de
prisão civil, frente à Constituição Federal de 1988:
A Constituição Federal prevê no inciso LXVII, do art. 5º, a disciplina e
aplicabilidade da prisão civil em nosso ordenamento jurídico. Em regra, não
haverá prisão civil por dívida. Excepcionalmente, porém, em dois casos será
permitida a prisão civil decretada pela autoridade judicial competente:
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia; e,
depositário infiel.
Hipóteses estas taxativas, impossibilitando seu alargamento
determinação do legislador ordinário (MORAES, 2004, p.135).
por
Ora, é sabido que, aquele que adquire determinado bem, mediante contrato
de alienação fiduciária, apresenta-se como legítimo proprietário da coisa e assume
todos
os
riscos
inerente
ao
bem.
Tendo
o
bem
deixado
de
existir
independentemente da culpa do devedor, poderá o credor executar o contrato com
as garantias nele constantes, como, por exemplo, títulos de crédito avalizados,
59
evitando assim o constragimento da prisão civil.
64
Nesse sentido, não se pode
equiparar o adquirinte fiduciáio ao depositário.
Teceremos agora alguns comentários acerca do HC nº 44053/DF, cujo
relator foi o então Ministro Nancy Andrighi que em seu voto, assim proferiu:
Confirmando entendimento adotado por ocasião da concessão da liminar,
no tocante à prisão civil do devedor fiduciante, a jurisprudência dominante
no STJ aponta para o seu descabimento em casos de alienação fiduciária,
porque não equiparável o devedor fiduciante a depositário infiel. Nesse
sentido, dentre outros, destacam-se os seguinte julgados da Corte Especial:
EREsp 149.518, Rel.Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 28/02/2000 e HC
11.918, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 20/10/2000.
A mansa e reiterada jurisprudência não permite a prisão civil do devedor
fiduciante na hipótese dos autos. Todavia, devo ressalvar meu
posicionamento sobre a questão, porquanto entendo que, uma vez que o
STF já definiu a legalidade da prisão civil nas hipóteses de alienação
fiduciária em garantia, competiria ao STJ - cuja função precípua é
justamente a de velar pela uniformização da jurisprudência - aderir a esse
posicionamento.
Não tendo sido essa a decisão da Corte Especial, porém, curvo-me, por
uma questão de coerência interna, ao precedente exarado no supracitado
REsp 149.518/GO.
Assim, na esteira da jurisprudência desta Corte, considero ilegal o decreto
de prisão da agravante.( HC nº 44053/DF, 2005, p. 315).
Diante da fundamentação do Ministro Nancy Andrighi, percebemos que o
entendimento do STJ acerca da prisão para o devedor fiduciante encontra-se quase
que solidificada, trazendo como exemplo outros julgados convergentes sobre o
assunto.
Um ponto bastante interessante é o fato de o Ministro Nancy Andrighi deixar
transparecer certa divergência com relação aos demais ministros, que apesar de
_____________
64
GONDIM, Thais de Arruda. Alienação fiduciária na prática. Disponível em < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=658> Acesso: 26/08/2006.
60
entender que o STJ deveria corroborar o posicionamento do STF, acaba por se
curvar à Corte Especial, que propugna pela não prisão civil.
A idéia que vem sendo enraizada no círculo interno do Superior Tribunal de
Justiça é no sentido de afastar a ameaça ou ordem de prisão do devedor em caso
de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária em garantia, segundo o voto
do Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgamento no REsp nº 337073/RS, assim
assentado:
inobstante a existência de importantes escólios em contrário, a partir de
precedente da Colenda Corte Especial, de que foi relator o eminente
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, restou pacificada no Superior Tribunal de
Justiça a impossibilidade da prisão em casos que tais, considerando-se,
entre outros argumentos, que aquela cominação, quando derivada da
alienação fiduciária em garantia, constitui simples forma de coagir o devedor
inadimplente a pagar a dívida, portanto diferenciando-se e refugindo à real
condição de depositário, que se obriga a restituir o bem na forma e
condições avençadas ou quando solicitado, enquanto, na espécie em
comento, se admite o pagamento do preço e a manutenção da coisa em
seu poder e titularidade.( REsp nº 337073/RS, 2002, p. 260).
5.2 Do entendimento do STF
Diferentemente do entendimento do STJ, o Supremo Tribunal Federal vem
se posicionando favorável à prisão civil para o devedor fiduciário, concluindo que o
Pacto de São José de Costa Rica não pode confrontar-se com o disposto no art. 5º,
LXVII, da Constituição Federal de 1998, pois em sendo o tratado um diploma
internacional, acabaria por sobrepujar a soberania nacional, elemento estrutural do
Estado, bem como pelo fato de que o Decreto-lei nº 911/69, em nada fere a Carta
61
Política, tendo então que a prisão civil nos contratos de alienação fiduciária
apresenta-se cabível e em consonância com a norma constitucional. 65
Para Orlando Gomes embora o financiamento com cláusula de alienação
fiduciária não seja um típico contrato de depósito, o art. 1º do Decreto-lei nº 911/69,
ao imprimir nova redação ao art. 66 da Lei nº 4.728/65, equiparou o devedor
fiduciante ao depositário, para fins civis e penais. A doutrina converge para tal
afirmação. 66
Passaremos a analisar alguns julgados do STF, a fim de tecer comentários
acerca da polêmica discussão, nesse sentido vejamos o julgamento do HC nº
72.131/RJ, cujo Acórdão deu-se por maioria sobre os votos vencidos dos Ministros
Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Francisco Resek e Carlos Velloso, cabendo
assim uma pequena explanação acerca dos votos individuais:
Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do devedor como depositário
infiel. - Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário
necessário por força de disposição legal que não desfigura essa
caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na
ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação
fiduciária o disposto no § 7º do artigo 7º da Convenção de San José da
Costa Rica. "Habeas corpus" indeferido, cassada a liminar concedida. (HC
nº 72.131/RJ, 2003, p. 103).
Nesse prisma, o contrato de alienação fiduciária assumiu o perfil de contrato
de depósito e teve o devedor alienante sua prisão decretada. No que tange ao
indeferimento do Hábeas Corpus, a Suprema Corte entendeu que o Pacto de San
José da Costa Rica não repercute no disposto do art. 5º, LXVII, da Carta Magna, no
_____________
65
LEMOS, Walter Gustavo da Silva. Cabimento da prisão civil nos contratos de alienação fiduciária. Disponível
em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3591>. Acesso em: 23/08/2006.
66
GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 82.
62
entanto, devido à equilibrada votação do HC, nos reportaremos ao voto, ora vencido,
do Ministro Marco Aurélio, que se contrapôs ao entendimento majoritário.
Para o Ministro Marco Aurélio a equiparação do contrato de alienação
fiduciária em garantia ao contrato de depósito deve seguir os moldes definidos no
art. 1.265 do CC, para tanto é necessário que o bem seja adquirido não de maneira
onerosa, mas com a finalidade de resguardo, devendo ser devolvido tão logo seja
reinvidicado. Outra diferença entre os diplomas está no fato de que o contrato de
alienação se pauta na garantia, enquanto nos contratos de depósito, na confiança.
Vejamos nas palavras do Ministro, in verbis:
Conforme consagrado na melhor doutrina, condição indispensável a que se
possa considerar alguém como depositário é a formalização de um contrato
de depósito nos moldes definidos no Código Civil, art. 1.265. É que se tenha
firmado ajuste no sentido de que a obrigação precípua de uma das partes
seja a de não pagar, por um bem, certo preço em prestações sucessivas,
mas de devolvê-lo a quem de direito, ou seja, ao detentor do domínio. (HC
nº 72.131/RJ, 2003, pp.00103).
Segundo o Ministro o disposto no inciso LXVII, do art. 5º da CF/88, deve ter
uma interpretação literal, qual seja a prisão civil somente para o depositário infiel,
pois este goza de peculiaridades não encontradas em outro negócio jurídico, visto
que tais características é que dão o suporte para a coerção.
Ressalta a supressão da expressão “na forma da lei” na Carta de 1988,
diferentemente das Constituições de 1967 e 1969. Corroborando mais uma vez, que
o termo depositário infiel, há de merecer interpretação técnica e estrita, ao instituto
de Direito Civil que lhe dá causa.
Enfoca que a prisão civil no caso de alienação fiduciária, não tem
decorrência da Carta Política da República, mas do Decreto-Lei nº 911/69, que já
não subsiste na ordem jurídica em vigor, mediante a adesão à Convenção
63
Americana sobre Direitos Humanos, chamado Pacto de San José da Costa Rica, por
meio do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, remetendo-se ao teor do
disposto no § 2º do art. 5º, da CF, que assim dispõe:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte
(Constituição Federal, 1988, p.8).
Nesse contexto, o entendimento pela recepção dos Tratados Internacionais,
mesmo com força de lei ordinária, teria a partir de 06.11.92, derrogado o Decreto-Lei
nº 911/69, no que tange à prisão civil para o devedor fiduciário.
No entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence, também voto vencido,
inicia a sua fundamentação afastando qualquer discussão acerca do Pacto de San
José da Costa Rica, no entanto, afirma que a Constituição Federal traz somente
duas possibilidades para a prisão civil, quais sejam o depositário infiel e o
inadimplente voluntário e inescusável de alimentos.
Segue explanando sobre a impossibilidade de equiparação ou ficção do
devedor fiduciante ao depositário infiel, que uma interpretação com essa finalidade,
tornar-se-ia uma ampliação arbitrária do texto constitucional.
Demonstra que a admissibilidade, segundo a Constituição, da prisão civil por
dívidas de alimentos e do depositário infiel, não é um cheque em branco passado ao
legislador ordinário. Alega ainda, que o Decreto nº 911/69, outorga ao credor algo
próximo ao direito de propriedade, na medida em que lhe fornece algumas
prerrogativas de proprietário, mas que não se identifica com o domínio. Não
obstante, entende que o verdadeiro proprietário embora limitado em seu domínio, é
o devedor, dito alienante fiduciário, e não pode conceber depositário de coisa
própria.
64
Conclui então pela inconstitucionalidade da prisão do alienante fiduciário que
se pretenda albergar na exceção constitucional da vedação da prisão por dívidas.
Para o Ministro Carlos Velloso o instituto da alienação fiduciária deve ser
preservado, porém afirma que o meio utilizado para essa preservação não deve ser
a prisão, visto que a prisão deve ser direcionada aos criminosos perigosos e não
com a finalidade de resolver obrigações civis.
O Magistrado entende que a Constituição não permite a prisão daquele que
se torna depositário em razão de ficção legal, pois, tendo sido baixado por uma
Junta Militar, tal ficção sequer foi objeto de discussão no Congresso Nacional. Em se
falando de ficções, o Ministro afirma que a equiparação é uma ficção por completo,
tanto no que diz respeito à suposta propriedade do credor fiduciário, na qual não
ocorre a tradição do bem, quanto à equiparação ao contrato de depósito, que é uma
ficção legal, bem como ao tratar da posse indireta do bem, constituindo assim outra
ficção.
Prendendo-se ao fato de que a Constituição autoriza a prisão civil única e
exclusivamente ao inadimplente de alimentos e ao depositário infiel, assim definido
no Código Civil. Afasta a possibilidade de qualquer equiparação ou interpretação
constitucional que possa alcançar o instituto da alienação fiduciária, ou seja, o
depositário infiel deve ser vislumbrando em sua concepção jurídica. A possibilidade
de equiparar os dois diplomas legais poderia trazer à luz do nosso Ordenamento
Jurídico uma fraude constitucional, transmutando aquilo que é uma prisão
excepcional em regra. Permitir a prisão do alienante fiduciário seria interpretar a
Constituição no sentido da norma infraconstitucional.
65
Ressalta a importância do princípio da dignidade da pessoa humana frente à
Constituição Federal, que por encontrar-se sob um Estado Democrático de Direito,
tal princípio se mostra incompatível com a prisão civil para o adquirente de um bem
móvel ora inadimplente.
Encerra a fundamentação comentando o Pacto de San José da Costa Rica,
que ao tratar de assuntos relacionados aos direitos humanos, seus dispositivos
legais fariam parte dos direitos fundamentais materiais, em pé de igualdade com o
rol de direitos fundamentais expressos na Constituição. Por isso, todas as
equiparações com finalidade de autorizarem a prisão de devedores inadimplentes
estariam revogadas pela convenção de San José da Costa Rica, inclusive a
equiparação prevista pelo Decreto-Lei nº 911/69, visto que o Tratado, mesmo
considerando-o com força de lei ordinária, é posterior ao decreto.
O Ministro Francisco Rezek inicia seu voto abrindo um parâmetro entre a
hierarquia do Pacto de San José da Costa Rica e a Lei Federal. Para o Ministro, o
tratado convive hierarquicamente com a Lei Federal, e que na hipótese de conflito
entre o Tratado e a Constituição, o primeiro deve ser sacrificado.
No entanto, não observa conflito entre a restrição do Tratado e aquilo que a
Constituição de 1988 diz no art. 5º, LXVII, pois inexiste na Lei Fundamental uma
ordem para prisão do depositário infiel, mas tão somente a autorização para que o
legislador ordinário tome esse caminho. Todavia, o Congresso Nacional aprovou,
posteriormente, a convenção de San José da Costa Rica, que revogou o
estabelecimento da prisão civil pelo legislador ordinário, ora, se a Carta da República
dispõe a possibilidade de um determinado acontecimento e posteriormente esse
66
acontecimento é retirado do mundo jurídico, não há que se falar em prisão civil
decorrente de dívidas.
Frisa que equiparar a alienação fiduciária em garantia com o contrato de
depósito é ainda mais grave, pois além de não haver interesse em reaver o bem, o
contrato alienação em nada se assemelha ao depósito verdadeiro, devendo, de
acordo com a Constituição, ser no mínimo algo parecido em sua reprovabilidade
com o alimentante omisso, o que não ocorre. Terminando assim os votos dos
Ministros que entendem não existir suporte jurídico permissivo para a decretação da
prisão civil para o alienante fiduciário em garantia. 67
Passaremos a analisar os votos dos Ministros Moreira Alves, Maurício
Corrêa, Celso de Mello, Octávio Gallotti, Sydney Sanches, Néri da Silveira e do
Ministro Ilmar Galvão, no qual se restaram vencedores no julgamento do Hábeas
Corpus em tela.
O Ministro Moreira Alves, começa explanando a respeito da prisão civil na
alienação fiduciária, cuja matéria já teria sido discutida em face da Emenda
Constitucional nº 1/69, e que sua legalidade confirmada nesta época.
Entende que nada obsta que a lei considere o devedor fiduciário que não
restitui o bem, como depositário da coisa por depósito necessário em consonância
com o disposto no art. 1.282, I, do Código Civil de 1916, que reza que é depositário
necessário o que se faz em desempenho de obrigação legal.
_____________
67
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 72.131/RJ. Relator: Ministro Marco Aurélio Mello. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 23/11/1995. Diário de Justiça [da] República Federativa do Brasil.
Brasília, DF, 01/08/2003, pp. 00103. Disponível em: <http:// www.stf.gov.br/jurisprudencia> Acesso:: 23/09/2006.
67
Encerra a fundamentação, discorrendo sobre o Tratado de San José da
Costa Rica, que ao ingressar no Ordenamento Jurídico Pátrio com força de lei
ordinária e por ser norma de caráter geral, não derroga o disposto em legislação
especial, no tocante à lei que disciplina o devedor fiduciário como depositário
necessário.
O Ministro Maurício Corrêa entende que o Decreto-Lei nº 911/69, foi
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, e que em sendo diferente, o
instituto da alienação fiduciária em garantia não teria consistência e acabaria por
ruir. Reporta-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo ele,
interativa pela possibilidade da prisão civil em caso de alienação fiduciária em
garantia.
Afirma que o Pacto de San José da Costa Rica, mesmo albergado pelo § 2º
do art. 5º da CF, não pode colidir com o preceito Constitucional. Ressalva que o
Tratado encontra-se em consonância com a Carta da República, no entanto, mesmo
fazendo parte do Ordenamento Jurídico Pátrio, não tem o condão de revogar o
Decreto-Lei nº 911/69, no que diz respeito à possibilidade de prisão civil.
O Ministro expõe, em seu voto, que o preceito do art. 5º, inciso LXVII, não
está restrito ao depósito voluntário, alcançando também o depósito legal, ao qual se
encaixaria o contrato da alienação fiduciária em garantia.
O Ministro Celso de Mello inicialmente relata que o Pacto de San José da
Costa Rica é um instrumento normativo que deve ter um papel de extremo relevo no
âmbito do sistema interamericano de direitos humanos, servindo como peça
complementar na tutela das liberdades públicas fundamentais.
68
Trás à luz da discussão a inexistência de qualquer primazia hierárquiconormativa dos tratados ou convenções internacionais em relação ao direito positivo
interno. Com isso a proibição de prisão civil estatuída no Pacto de San José da
Costa Rica, não vincula o legislador constituinte, que poderá dispor em sentido
contrário na Constituição.
O Ministro entende que o Congresso Nacional tem a prerrogativa
institucional de legislar sobre a prisão civil e que a Convenção de San José da Costa
Rica não teria afastado essa possibilidade. Para Ministro Celso de Mello, o DecretoLei nº 911/69 fora recepcionado pela Constituição Federal de 1988, nesse sentido, a
equiparação do devedor fiduciário ao depositário infiel não afronta a Carta Magna.
O Ministro Octávio Gallotti, em resumida argumentação, se manteve
consoante ao posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal,
acompanhando o entendimento do Ministro Moreira Alves.
Inicia a argumentação, o Ministro Sydney Sanches, reportando-se às
diversas ações ocorridas após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 911. Discorre
que nessa ocasião, por ser juiz de primeiro grau, teve que decidir acerca da prisão
civil, pegou-se então em um profundo estudo sobre o tema e concluiu então pela
legalidade da coerção.
Em seu raciocínio, o advento da Constituição de 1988 nada mudou em
relação à legalidade da prisão civil do depositário infiel, visto que a equiparação do
devedor alienante pelo depositário infiel, decorrente de infidelidade no cumprimento
dos direitos e obrigações mútuo, não afrontaria a Constituição Federal.
69
Para o Ministro Néri da Silveira, o Pacto de San José da Costa Rica, não se
trata de norma especial e sim de norma de caráter geral, nesse prisma afasta a
possibilidade de derrogação do Decreto nº 911/69, haja vista ser uma norma
especial.
No entendimento do Ministro Ilmar Galvão o contrato da alienação fiduciária
surge como sendo um contrato de caráter misto, com traços próprios de alienação
fiduciária, compra e venda de um determinado bem com reserva de domínio e
características de depósito.
Afirma que o depósito constitui garantia do crédito resultante de empréstimo
em dinheiro, que a restituição do bem depositado só poderá se exigido diante do
inadimplemento da obrigação por ele garantida e que o depositário não fica
impedido de usar o bem depositado, no entanto, mesmo com todos os traços
diferenciais da alienação fiduciária, o Ministro entende não haver desfiguração do
depósito. Encerra corroborando o entendimento da Suprema Corte. 68
_____________
68
Idem.
70
CONCLUSÃO
A prisão civil para o alienante fiduciário traz à tona grande discussão sobre a
uma possível inconstitucionalidade desse meio coercitivo, haja vista que no corpo da
Constituição Federal de 1988 encontram-se, de forma expressa, apenas duas
possibilidades para a decretação da prisão civil, são elas o responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário
infiel.
Tal discussão pauta-se no fato de que o Decreto-Lei nº 911, de 1º de
outubro de 1969, através do seu art. 4º, instituiu a possibilidade de o credor requerer
a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, equiparando o
devedor alienante ao depositário infiel, gerando ao primeiro a possibilidade da
decretação da prisão civil.
Outro elemento estimulante nessa discussão é recepção dos Tratados que
versem sobre Direitos Humanos em que o Brasil seja parte, pois os Tribunais
Superiores, STJ e STF, ainda não chegaram a um consenso, no que tange à
hierarquia desses tratados frente às normas internas, permanecendo assim o
questionamento acerca do caráter constitucional ou infraconstitucional das normas
internacionais.
Eis que surgem então duas correntes jurisprudenciais, uma encabeçada pelo
STJ que não admite a aplicação da prisão civil, posto que equiparar o contrato de
alienação fiduciária em garantia ao contrato de depósito é elastecer por demais o
alcance do dispositivo constitucional, uma vez que tanto o contrato de alienação
quanto o contrato de depósito possuem características próprias de cada instituto.
71
O posicionamento que se contrapõe ao do STJ é advindo do Supremo
Tribunal Federal, que além de admitir a prisão civil para o devedor alienante afasta
qualquer possibilidade de um tratado, mesmo os que versem sobre Direitos
Humanos, de ingressarem no Ordenamento Jurídico com força de norma
constitucional.
Levando-se em consideração as normas constantes de Tratados que
versam sobre Direitos Humanos possuíssem apenas força de lei ordinária, a
Convenção Interamericana de Direitos Humanos ainda assim possui o condão de
revogar o conteúdo do Decreto-Lei n. 911/69, pois fora introduzida em nosso
ordenamento jurídico a partir da edição do Decreto Presidencial n. 678, de 6 de
novembro de 1992.
Diante dessa dicotomia, trazemos no quarto capítulo um ponto de suma
importância para o nosso estudo. Mesmo havendo divergência de entendimento
entre os Tribunais, o assunto em questão não se encontra pacificado no STF, visto
que em vários julgados, sejam eles Hábeas Corpus ou Recursos Especiais, a
votação em nenhum deles se deu por unanimidade.
Partindo dessa premissa é que nos arvoramos na defesa da corrente que se
opõe ao STF, uma vez que a temática acerca da prisão civil para o alienante
fiduciário ainda não repousa tranqüila na Suprema Corte, muito pelo contrário,
caminha inquieta no âmbito do saber de nobres Doutrinadores e Ilustres Ministros
dos Tribunais Superiores.
Por essas razões é que entendemos ser a prisão civil um mecanismo que
traz fortes indícios de incontitucionalidade. Seguindo a linha de raciocínio do STJ,
acreditamos que a prisão civil para o devedor alienante mostra-se bastante
72
desproporcional em relação ao inadimplemento do fiduciário, pois atribruir um valor
maior ao direito de propriedade sobre o direito de liberdade é criar uma inversão de
valores sociais.
Nesse prisma, declinamos no sentido de que o Pacto de San José da Costa
Rica revogou o Decreto-Lei nº 911/69, visto que a norma especial ulterior revoga
norma especial anteriormente em vigor, não obstante a questão hierárquica do
Tratado perante a Constituição Federal de 88. além disso, a preservação dos direitos
humanos sobrepõe àqueles decorrentes de dívidas.
Todavia, apesar de entendermos inviável a decretação da prisão civil para o
devedor alienante não podemos afirmar com veemência a inconstitucionalidade
desse constragimento à liberdade, pois como é sabido a Suprema Corte ainda não
firmou entendimento acerca do assunto, mas acreditamos que o STF caminha para
um posicionamento mais humano, afim de encontrar na hermenêutica uma
interpretação que satisfaça o credor sem com isso macular aquele que é um dos
direitos mais cristalinos da pessoa humana.
73
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Forense, 1987.
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), 21ª ed. 2003.
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da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre
alienação fiduciária em garantia e dá outras providências. Planalto, Brasília, DF,
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financiamento imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras
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afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de
Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei nº 911, de 1º de
outubro de 1969, as leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, Lei nº 4.728, de 14
de julho de 1965, e nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências.
Planalto, Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso:
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CDU- XXX.XX
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Antonio Marcio da Costa Reis - Universidade Católica de Brasília