XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
O PRONAF E AS DESIGUALDADES NA AGRICULTURA
FAMILIAR
ALICIA RUIZ OLALDE; ISABEL DE JESUS SANTOS; ESIO LIMA
SANTOS.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECONCAVO DA BAHIA,
SALVADOR, BA, BRASIL.
[email protected]
APRESENTAÇÃO ORAL
AGRICULTURA FAMILIAR
O PRONAF e as desigualdades na agricultura familiar
Grupo de Pesquisa: 7. AGRICULTURA FAMILIAR
Resumo
Ao longo dos anos foram realizadas algumas alterações nas regras de
funcionamento do PRONAF no sentido de ampliar o acesso e atender às demandas
específicas de segmentos de trabalhadores rurais e/ou regiões do país. Com isso, o
Programa ganhou abrangência nacional e capilaridade, atingindo R$ 1,8 milhões de
empréstimos por R$ 7,4 bilhões, em 2006. A expansão do número de operações foi
especialmente significativa entre os agricultores de menores recursos (PRONAF B) na
Região Nordeste. Apesar de considerar este fato positivo, questiona-se se o Programa está
tratando adequadamente a diversidade da agricultura familiar, principalmente com relação
aos agricultores de menores recursos, no sentido de constituir um verdadeiro instrumento
para o desenvolvimento rural, ou se, pelo contrário, o PRONAF B está sendo encarado
apenas como mais um programa de transferência de renda. O trabalho toma como
referência um estudo de caso realizado no município de Cruz das Almas –BA. Observa-se
uma concentração dos recursos entre os agricultores mais profissionais, além de um
aprendizado na utilização do crédito por esses agricultores. É destacada a necessidade de
estabelecer políticas específicas destinadas ao segmento de minifundistas e de articular
várias ações para o desenvolvimento rural, incluindo o crédito rural.
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Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
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"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
Palavras-chaves: PRONAF, crédito rural, agricultura familiar
Abstract
Along the years some were accomplished alterations in the rules of operation of PRONAF
in the sense of to enlarge the access and to assist to the specific demands of rural workers'
segments and/or areas of the country. With that, the Program won national inclusion and
capillarity, reaching R$ 1,8 million of loans for R$ 7,4 billion, in 2006. The expansion of
the number of operations was especially significant among the farmers of smaller resources
(PRONAF B) in the Northeast Area. In spite of considering this positive fact, it is
questioned if the Program is treating the diversity of the family agriculture appropriately,
mainly regarding the farmers of smaller resources, in the sense of a true instrument for the
rural development, or if, on the opposite, PRONAF B is just being faced as one more
program of transfer of income. The work takes as reference a case study accomplished in
the municipal district of Cruz das Almas, Bahia (Brasil). A concentration of the resources
is observed among the most professional farmers, besides a learning in the use of the credit
for those farmers. It is outstanding the need to establish specific politics destined to the
minilandowner segment and of articulating several actions for the rural development,
including the rural credit.
Key Words: PRONAF, rural credit, family agriculture.
1. Introdução
È inegável o avanço trazido pela implantação de políticas públicas específicas para
a agricultura familiar no Brasil na última década, especialmente o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), criado em 1996. A própria formulação
do Programa e mais tarde a ampliação dos recursos destinados ao mesmo e o
aperfeiçoamento dos seus instrumentos responderam à interlocução dos órgãos estatais
com as organizações de pequenos agricultores e trabalhadores rurais, convertendo o
Programa em uma política consolidada, a diferença de iniciativas pontuais e descontínuas
ocorridas anteriormente.
No campo conceitual, a utilização da categoria agricultura familiar também
representou um avanço com relação ao debate acadêmico anterior, marcado pela convicção
sobre o inevitável declínio do campesinato, de acordo com o debate clássico da sociologia
rural. Esse enfoque entendia como verdade indiscutível a superioridade técnica e
econômica da produção capitalista em larga escala sobre a agricultura familiar. Por isso,
seria ingenuidade ou mesmo demagogia destinar muito esforço para uma categoria que
estava fadada a desaparecer mais ou menos rapidamente com o avanço do capitalismo.
Uma contribuição importante ao debate no Brasil foi a publicação do livro
“Paradigmas do capitalismo agrário em questão”, onde Abramovay (1992) questiona a
hegemonia do paradigma conhecido como marxismo agrário e propõe como alternativa o
enfoque regulacionista. O autor, estudando as particularidades sociais da agricultura nos
países do capitalismo avançado, conclui que a reprodução da agricultura familiar nesses
países não dependeu apenas da sua força interna, mas se deu a partir de uma espécie de
pacto social que se efetivou através da intervenção estatal. Abramovay também considera
que existe uma diferença substancial entre o camponês tradicional e o agricultor familiar
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moderno, especialmente no caso dos países desenvolvidos, onde os agricultores familiares
estão plenamente integrados ao mercado.
Veiga (1991), utilizando um enfoque semelhante, afirma que a grande propriedade
não é um modelo inevitável na agricultura. O autor considera que as políticas agrícolas dos
países desenvolvidos procuraram manter a oferta alimentar ao mesmo tempo em que
asseguravam uma renda mínima aos agricultores. O resultado desse esforço conciliatório
foi a instauração de uma dinâmica da modernização agrícola, interpretada por William
Conchrane através da teoria do treadmill. Isto se traduz no preço mais baixo possível para
o consumidor, garantido o nível de renda para o produtor. O modelo familiar teria sido
uma opção política desses países, o que desloca a discussão do determinismo econômico
para o campo das políticas públicas.
O conceito de agricultura familiar também permite substituir com vantagens a
noção de “pequeno produtor” que carece de status conceitual sólido e foi utilizada
geralmente de modo instrumental na formulação de políticas públicas. Deste modo, sendo
o conceito de “campesinato” muito específico e o de “pequeno produtor” pouco preciso, o
conceito de “agricultor familiar”, ao mesmo tempo em que é bem definido conceitualmente
apresenta a suficiente flexibilidade para compreender uma grande diversidade de formas de
organização da produção agrícola no contexto do capitalismo contemporâneo. Além disso,
a categoria “agricultor familiar” afasta certos preconceitos, como por exemplo, a idéia de
“agricultura de subsistência” ou “agricultura de baixa renda”, que estão indissoluvelmente
ligados à idéia de pobreza e, portanto, tornam estes grupos sociais apenas alvo de políticas
sociais compensatórias, na melhor das hipóteses.
Assim, a resignificação conceitual da agricultura familiar está indissoluvelmente
ligada a seu fortalecimento político. A mensagem é que os agricultores familiares, mais
que vestígio do passado, constituem também semente de futuro, principalmente quando se
pensa em modelos de crescimento econômico socialmente integrados. Esta idéia tem como
referência o debate sobre a relação existente entre crescimento econômico e distribuição de
renda, pois alguns autores questionam a famosa parábola de Kuznets, que indica que
haveria necessariamente uma distribuição regressiva da renda nas primeiras fases do
crescimento econômico. Os críticos consideram que a concentração é mais o resultado das
condições iniciais e das políticas aplicadas do que produto de uma lei econômica
inamovível. Nesse caso, considera-se que uma distribuição inicial muito desigual dos
ativos, como é o caso da terra no Brasil, poderia comprometer a equidade e o próprio
crescimento econômico no longo prazo, sugerindo políticas distributivas, como a
realização da reforma agrária e o apoio à agricultura familiar (GUANZIROLI et al, 2001).
Uma contribuição importante para delimitar o universo da agricultura familiar no
Brasil, explicitar sua dimensão e contribuição para a produção agropecuária foi a
publicação da pesquisa FAO/INCRA (1996) a partir do processamento dos dados do Censo
Agropecuário 1995/1996. Os estabelecimentos familiares eram na época 4,3 milhões,
representando 85,2% do total no país, ocupavam 30,5% da área produtiva e eram
responsáveis por 37,9% do valor bruto de produção agropecuária. A contribuição era mais
expressiva na produção de alimentos básicos, como mandioca (84%), feijão (67%), suínos
(58%), pecuária de leite (52%), milho (49%), trigo (46%) e aves (40%). O estudo também
revela que a agricultura familiar ocupava 76,9% do pessoal na agricultura nacional. No
entanto, os agricultores familiares tiveram acesso a só 25,3% dos financiamentos
nacionais.
Um novo estímulo para o modelo da agricultura familiar foi dado pelo debate sobre
o desenvolvimento sustentável e multifuncionalidade do espaço rural. A noção de
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multifuncionalidade rompe com o enfoque exclusivamente setorial e amplia as funções
sociais atribuídas à agricultura. O significado do vocábulo agricultura é ampliado até
englobar um conjunto diverso de elementos econômicos, sociais, culturais e ambientais
presentes no meio rural. Além da produção de alimentos e matérias-primas, o espaço rural
seria responsável pela conservação dos recursos naturais (água, solos, biodiversidade), pelo
patrimônio natural (paisagens) e pela qualidade dos alimentos. Este novo olhar sobre a
agricultura familiar permite compreender a importância do segmento na oferta de bens
públicos relacionados com o ambiente, com a segurança alimentar, com a manutenção do
tecido social e com a preservação do patrimônio cultural (CARNEIRO; MALUF, 2003).
Para quem acompanhou o debate acadêmico até os anos 80, não deixa de ser
surpreendente a força que tomou a opção pela agricultura familiar no cenário acadêmico e
político brasileiro nos últimos anos. Nesse contexto ganha significado a reflexão de
Nazareth Wanderley quando observa que: “A agricultura familiar não é uma categoria
social recente, nem a ela corresponde uma categoria analítica nova na sociologia rural. No
entanto, sua utilização com o significado e abrangência que lhe tem sido atribuída nos
últimos anos, no Brasil, assume ares de novidade e renovação” (WANDERLEY, 2001: 2122).
É necessário destacar que a revalorização da agricultura familiar não é isenta de
tensões, pois envolve interpretações divergentes quanto ao caráter do agricultor familiar
nos países subdesenvolvidos: alguns autores optam por destacar os traços de continuidade
com o modelo tradicional camponês, enquanto outros ressaltam as transformações e
capacidade de adaptação dessa categoria ao sistema capitalista. Dito em outras palavras, o
agricultor familiar é apresentado algumas vezes como mais próximo do
campesinato e outras do pequeno empresário, plenamente inserido no mercado.
Do mesmo modo em que há uma intencionalidade política em mostrar a plena
adequação da agricultura familiar à economia de mercado, como eficiente fornecedora de
alimentos e matérias-primas, há também um significado político na tentativa de apontar a
persistência e identidade do campesinato que, por ser portador de uma lógica sócioeconômica diferenciada, poderia exercer papel protagônico em um projeto de
transformação social mais amplo. Os camponeses teriam um modelo senão de autonomia,
pelo menos de resistência e reprodução, apesar do avanço do capitalismo. Recentemente as
estratégias de sobrevivência dos agricultores familiares, interpretadas a partir do modelo
conceitual de Chayanov, passaram a ser analisadas também à luz da abordagem ecológica,
ganhando a denominação de “neopopulismo ecológico” (SEVILLA; GONZALEZ, 1995).
Wanderley (2001) assume uma posição intermediária nesse debate, talvez a mais
acertada, quando observa que as transformações do chamado agricultor familiar moderno,
que se reproduz nas sociedades capitalistas, adaptando-se ao contexto próprio dessas
sociedades, não representam uma ruptura total e definitiva com as formas anteriores, mas
um agricultor portador de uma tradição camponesa, o que lhe permite em muitos casos
adaptar-se às novas exigências da sociedade.
O reconhecimento da importância da defesa do significado conceitual e político da
utilização do conceito de agricultura familiar não deveria levar a minimizar suas
contradições. Já a pesquisa FAO/INCRA apontava a extrema heterogeneidade da categoria
no Brasil, tratando-se de um universo diversificado na sua composição. Em parte, esta
diversidade é natural em um país de dimensão continental, com agroecossistemas diversos
e processos de colonização igualmente diferenciados. Todavia, quando analisamos as
categorias definidas na pesquisa de modo estatístico a partir da variável Renda Monetária
Bruta (RMB): agricultores “consolidados” (RMB superior à média regional), “em
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transição” (RMB entre a média e a mediana), e “periféricos” (abaixo da mediana), já é
possível perceber que se trata de sujeitos sociais diferentes, que também refletem a extrema
desigualdade da estrutura agrária e da sociedade brasileiras.
No caso dos agricultores consolidados, que representam 1,1 milhões de unidades
(26,5% do total), com uma renda média anual de 57,1 salários mínimos, trata-se de
produtores integrados ao mercado, com acesso a inovações tecnológicas e políticas
públicas, incluindo o crédito. Já os agricultores em transição, que são 1,0 milhão (23,5%)
das propriedades, com uma renda média de 12,0 salários mínimos, em geral têm escassa
capacidade de acumulação, acesso limitado ao mercado, às tecnologias e às políticas
públicas. Enquanto o grupo dos periféricos, composto por 50% de unidades de produção,
2,2 milhões, não possui infra-estrutura nem viabilidade econômica, com renda média
agrícola da 0,5 salários mínimos ao ano, não sendo, portanto, da produção na unidade que
a família tira seu sustento. Em muitos casos, os agricultores familiares periféricos se
ocupam como empregados nas propriedades dos agricultores familiares consolidados.
Ainda de acordo com a pesquisa FAO/INCRA, as desigualdades regionais também
são muito acentuadas. Embora quase 50% dos estabelecimentos familiares, quase 2,3
milhões de unidades, estavam localizados no Nordeste e 21,9% (algo mais de 900 mil
unidades) na região Sul, os estabelecimentos do Nordeste ocupavam apenas 31,6% da área
destinada à produção familiar enquanto aos agricultores do Sul correspondiam a 18%, área
bastante proporcional à sua importância numérica. No Brasil, 39,8 % das propriedades
familiares tinham menos de 5,00 hectares, mas no Nordeste 58,9% estavam nessa
categoria, com uma área média de 1,7 hectares, enquanto na Região Sul só 20% das
unidades familiares tinham menos de 5,00 hectares. As desigualdades se expressam
ainda com maior intensidade na contribuição ao valor bruto da produção, pois a região Sul
representava 47,3% enquanto os agricultores da região Nordeste contribuíam com 16,7%
do valor bruto da produção da agricultura familiar no país apesar de representar metade das
unidades familiares.
No Projeto FAO/INCRA, que precedeu à criação do PRONAF, a conclusão foi que
os agricultores familiares “consolidados” necessitavam de menos apoio já que possuíam
acesso à terra, tecnologia e crédito. Os agricultores “em transição” constituiriam o público
alvo prioritário das políticas públicas, com vistas a inseri-los no mercado. Já para os
agricultores familiares “periféricos”, seriam necessárias políticas agrárias e outras ações
estruturantes para viabilizá-los. A lógica inicial do PRONAF seguiu basicamente essas
recomendações.
Veiga (2000), no documento que analisa as diretrizes para uma política de
desenvolvimento rural, já observava que em vez de falar de ‘um’ público alvo, parece mais
correto entender que existem, na verdade, pelo menos ‘dois’: o minoritário, que pode
responder de pronto a uma política de modernização da agricultura familiar nos moldes
convencionais (crédito, assistência técnica, etc.), e o majoritário, que não teria essa mesma
capacidade de resposta.
Existem divergências entre os acadêmicos quanto ao tipo de política que deveria
prevalecer em um programa de desenvolvimento rural. Alguns autores se centram nas
políticas agrárias e agrícolas, enquanto outros defendem que se deve dar mais atenção às
políticas não-agrícolas.
Graziano da Silva (2002) observa que o meio rural brasileiro já não pode ser
analisado apenas como o conjunto das atividades agrícolas e agroindustriais, pois ganhou
novas funções. A generalização da atividade agropecuária em tempo parcial nos países
desenvolvidos decorre, entre outros fatores, da redução do tempo de trabalho necessário
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para as atividades agrícolas, devido á mecanização das mesmas. A pluriatividade também é
estimulada pela transferência de atividades tipicamente urbanas, como a indústria e os
serviços, para os campos, constituindo um tipo de transbordamento do urbano sobre o
rural. Segundo seu ponto de vista, nos países subdesenvolvidos também já se pode
observar com clareza o fenômeno dos part-time, embora sem a mesma magnitude que
assume nos países desenvolvidos. Mas, “lamentavelmente, a visão dos nossos dirigentes
vem sendo a de insistir no desenvolvimento agrícola como estratégia para solução do
emprego e da pobreza rural” (GRAZIANO DA SILVA, 2002:30).
Carneiro (1997), no início do PRONAF, já chamava a atenção sobre o fato de que
apesar do reconhecimento da diversidade de atividades hoje presentes no meio rural, o
Programa fixava uma proporção muito baixa do rendimento não-agrícola na renda familiar
como condição de acesso, procurando o “verdadeiro agricultor”, tomando como referência
o produtor especializado para pensar o lugar da agricultura familiar no desenvolvimento
econômico e social do país e excluindo por definição os agricultores pluriativos.
Anjos et al. (2004) apontam o risco de que o PRONAF possa incentivar o
produtivismo e a adoção de “pacotes tecnológicos”, reincidindo no erro de apoiar um novo
ciclo de modernização conservadora, ao privilegiar um elenco restrito de produtos e de
produtores.
Em contraposição, outros autores opinam que a visão do “novo mundo rural” pode
se prestar de justificativa para políticas que mantenham o status quo agropecuário do país,
caracterizado por fortes desigualdades econômicas, sociais e elevados níveis de pobreza
(BUAINAIN; ROMEIRO; GUANZIROLI, 2003). O novo rural vem sendo usado
como argumento para abandonar políticas agrícolas e agrárias orientadas à agricultura
familiar. Quando as famílias têm a possibilidade se sobreviver da agricultura o fazem até
porque o custo de oportunidade da mão-de-obra em ocupações não agrícolas é muito baixo
no Brasil. Assim por exemplo, Nascimento (2004) destaca a importância do serviço
doméstico nas rendas não-agrícolas das famílias rurais no Nordeste, indicando a
precariedade desse tipo de pluriatividade. O agricultor familiar quando recebe o devido
apoio é capaz de gerar uma renda superior ao custo de oportunidade do trabalho. Os
autores do artigo acima citado também consideram que os dados da PNAD, utilizados no
Projeto Rururbano, subestimam as rendas agrícolas.
Veiga (2001) defende a idéia de que preciso dar condições para que a produção
familiar no Brasil cumpra um papel semelhante ao que cumpriu nos países desenvolvidos,
com políticas agrárias e agrícolas para o fortalecimento da agricultura familiar, além de
políticas de geração de ocupações não-agrícolas. Uma grande massa de produtores é
excluída como inviável, mas há muitos agricultores inviabilizados exatamente pela falta de
políticas de apoio.
A idéia central do presente trabalho é que embora a criação da linha do PRONAF
B, que atende basicamente aos agricultores “periféricos”, tenha representado uma
conquista, uma vez que se trata de agricultores que estavam totalmente excluídos do
crédito rural, a aplicação deste microcrédito sem orientação técnica e sem alterar os outros
fatores que limitam o desenvolvimento destes produtores, tem limitado impacto e
capacidade de transformação.
A base empírica que orienta o artigo foi a pesquisa realizada durante 2006 no
município de Cruz das Almas, Bahia, com a finalidade de analisar a atuação do PRONAF,
tomando como referência o estudo de caso em uma comunidade rural que se encontra a 7
Km da sede municipal. Trata-se de uma comunidade que está em intensa interação com o
meio urbano, sendo possível analisar outros aspectos, como a pluriatividade. A
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metodologia utilizada foi a realização de entrevistas com 25 famílias de agricultores
familiares (mais de 80% do total), empregando questionário semi-estruturado. Além disso,
foram feitas entrevistas com técnicos da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola
(EBDA) e sindicato rural, órgãos encarregados de outorgar a Declaração de Aptidão
(DAP), de elaborar os projetos e fornecer assistência técnica e também entrevistas com
agentes bancários responsáveis pelo financiamento do Programa na região.
2. Abrangência e capilaridade do PRONAF
Ao longo dos anos foram realizadas algumas alterações nas regras de
funcionamento do Programa no sentido de ampliar o acesso e atender às demandas
específicas de segmentos de trabalhadores rurais e/ou regiões do país. Com isso o
PRONAF ganhou abrangência e capilaridade nas regiões onde está atuando.
Nos dez anos da sua existência, a evolução do PRONAF pode ser dividida em três
sub-períodos: 1996/99, 2000/2002 e 2003/2006. Nos primeiros três anos de atuação do
Programa houve uma grande concentração de contratos e de recursos na Região Sul do
país, predominando amplamente o crédito para custeio. Em 1996, foram assinados 332.828
contratos por um montante equivalente a R$ 650 milhões, enquanto em 1999 o número de
contratos foi de 802.849, correspondendo a R$ 1,8 bilhões. Nesse último ano, a Região
Sul concentrou 62% dos contratos e quase 51% dos recursos, apesar de responder apenas
por 22% dos agricultores. Já o Nordeste foi responsável nesse mesmo ano por 22% dos
contratos e 26% dos recursos, mesmo albergando 50% das unidades familiares.
Isto significa que ocorreu um desequilíbrio regional muito forte. Houve também
concentração de recursos em algumas culturas, como o fumo, que em 1996 concentrou
32% dos contratos para custeio, 14% para milho e 8% para soja, indicando preferência
pelos produtos integrados em cadeias agroindustriais. Como foi observado na época, não
era difícil prever que os créditos se concentrassem onde a agricultura familiar tinha maior
força econômica (ABRAMOVAY; VEIGA, 1999). Também era reconhecido como fato
preocupante a concentração de operações na cultura do fumo, servindo como capital de
giro para grandes empresas agroindustriais1.
No período posterior a 1999 o PRONAF ganhou maior abrangência nacional.
Considerando a evolução do número de contratos, o crescimento entre 1999 e 2002 não foi
muito expressivo, passando de 802.849 para 953.297 e o montante de recursos de R$ 1,8
bilhões para R$ 2,4 bilhões. Em algum momento ocorreu até uma diminuição dos recursos
do crédito, nesse período, quando se somam os recursos anteriormente destinados ao
PROCERA transferidos para o PRONAF A. A participação da região Nordeste foi
ampliada no número de contratos para 31%, mas a proporção dos recursos orientada a esta
região foi reduzida a 15% do total, em 2002. Já a Região Sul nesse mesmo ano concentrou
50% dos contratos e 56% dos recursos.
A partir de 2003 os dados confirmam que houve um aumento expressivo no número
de contratos e no montante de recursos do Programa, de acordo às novas diretrizes do
Governo Federal. Em 2006 o número total de empréstimos concedidos atingiu quase 1,8
milhões e o volume de recursos foi de R$ 7,4 bilhões. Assim, o número de empréstimos foi
quase duplicado e o montante global mais que triplicado. Isto conduz a afirmar que, na
1
Esta distorção levou a formular a Resolução no 3.001 do Banco Central do Brasil, datada em 24/07/2002,
vedando a concessão de crédito do PRONAF para a cultura de fumo desenvolvida em regime de parceria ou
integração com indústrias fumageiras.
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atualidade, o volume de recursos do PRONAF é bastante expressivo, permitindo atender
parte significativa dos agricultores familiares do país2.
Com relação à questão dos desequilíbrios regionais vemos que, em 2006, 44% dos
contratos foram realizados o Nordeste e 32% para o Sul, correspondendo a 26% e quase
40% dos recursos respectivamente. Deste modo, á possível concluir que apesar da maior
abrangência nacional que ganhou o Programa, pelo crescimento do número de contratos no
Nordeste e outras regiões do país, o Sul continua concentrando parte expressiva dos
recursos, principalmente porque os limites máximos de crédito foram ampliados e foi
criado um novo grupo (E), que permite aos agricultores familiares consolidados terem
acesso a montantes mais elevados de recursos.
No caso da Bahia, observa-se que houve um crescimento expressivo no número de
contratos (Tabela 1).
Tabela 1. Número de contratos financiados pelo PRONAF na Bahia, segundo enquadramento, por
ano fiscal, 2000-2006
A
A/C
B
C
D
E
Outros
Total
2000
4.096
35
13.818
24.364
15.011
0
131
57.455
2001
2.263
228
32.791
27.639
8.987
0
0
71.908
2002
2.856
97
44.674
29.386
10.474
0
0
87.487
2003
2.658
15
21.785
47.309
12.151
293
0
84.211
2004
3.314
271
74.600
47.334
10.489
598
744 137.350
2005
1.632
573
84.415
43.319
10.820
735
1.237 142.731
2006
1.362
845
87.006
44.998
12.296
681
1.698 148.886
Fonte: SAF/MDA
Segundo dados do último Censo Agropecuário, havia na Bahia 623.130 agricultores
familiares, que representavam 89,1% das unidades agrícolas do estado, ocupando 37,9% da
área e contribuindo com 39,8% do valor bruto da produção agropecuária estadual. Em
2006 foram realizados 148.886 contratos pelo que, apesar da expansão, a capilaridade do
Programa continua restrita. No entanto, merece ser ressaltada a maior participação do
grupo B, que em 2006 foi responsável por quase 60% dos empréstimos.
Com relação ao montante dos recursos, vemos que também ocorreu um crescimento
significativo, sendo que o valor do último ano (2006) é quase quatro vezes o valor do ano
de 2002 (Gráfico 1).
2
O número de agricultores não é equivalente ao número de contratos porque alguns agricultores fazem
contratos de custeio e investimento no mesmo ano, além do caso dos pescadores artesanais que também são
atendidos através do Programa.
8
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Bahia: montante total do PRONAF por
ano(2000/2006)
Montante (R$)
500.000.000,00
400.000.000,00
300.000.000,00
Montante total
200.000.000,00
100.000.000,00
0,00
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Ano
Deve ser destacada a parcela dedicada ao investimento no total financiado na
Bahia. Em 2004, 60% dos recursos foram destinados a investimento no estado, enquanto
essa proporção alcançava só 38% para o conjunto do país. No número de contratos, a
modalidade de investimento também ultrapassa os financiamentos concedidos para custeio.
Por causa da pulverização das operações e aumento dos empréstimos para os
grupos de menos renda (PRONAF B), a participação da Bahia nos recursos do PRONAF
foi de só 5,8% em 2006, menos da metade da proporção dos agricultores familiares baianos
no total nacional, que é de 15%. O valor médio dos empréstimos, nesse mesmo ano,
correspondeu a R$ 2.893,92, enquanto na Região Sul o valor médio foi algo superior a R$
5.000 nesse mesmo ano. Já a participação no número de contratos foi maior, de 8,3%, mais
ainda distante da importância da agricultura familiar baiana no contexto nacional.
É possível concluir que o PRONAF teve o mérito de incorporar uma imensa
quantidade de agricultores familiares que antes estava à margem do sistema bancário.
Pode-se afirmar que o mesmo é um marco na política agrícola brasileira, uma vez
que possibilitou a construção de instituições, normas e procedimentos que, de forma
regular disponibilizam crédito para todos os municípios do país, para um número crescente
de agricultores familiares. O Programa também se transformou em uma política pública
indispensável para a manutenção da atividade agropecuária. Além disso, conformou-se um
novo campo de atores sociais, públicos e privados, tendo por objetivo dar um tratamento
adequado às necessidades da agricultura familiar brasileira, abrindo espaço para a
participação da sociedade civil na formulação, implementação e avaliação de políticas
orientadas para esta categoria (MATTEI, 2005).
No entanto, o PRONAF está ainda longe de atingir o universo de agricultores
familiares. Em trabalho anterior, realizado na Região do Baixo Sul do estado da Bahia,
observou-se que ainda existem várias restrições para universalizar o acesso ao crédito para
os agricultores familiares. Entre as principais restrições, foi constatado o limitado acesso à
informação, a carência de documentação e o endividamento anterior (OLALDE; MATOS,
2005).
Anjos et al. (2004), em pesquisa realizada em 2001, comparam o perfil dos
contratantes do PRONAF (“pronafianos”) com o dos não-contratantes (“não- pronafianos”)
em dois municípios gaúchos, chegando às seguintes conclusões: i) os pronafianos têm em
média 5,9 anos de estudo frente a 5,0 para os não-pronafianos, sendo bastante superior a
taxa de analfabetismo entre estes últimos; ii) os pronafianos têm um Índice de Nível de
Vida (INIV) superior aos não-pronafianos; iii) os dados de renda média também são
superiores para os pronafianos ; iv) os não-pronafianos apresentaram uma maior
participação do autoconsumo, das rendas não-agrícolas e dos recursos provenientes de
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aposentadorias. Os autores também observam que nas comunidades remanescentes de
quilombos, no município de Restinga Seca (RS), os agricultores não tinham acessado o
PRONAF, sobrevivendo dos jornais pagos pelos agricultores pronafianos brancos. A partir
desses dados, eles perguntam: “O PRONAF pode servir como instrumento em prol da
emancipação e redução das desigualdades, ou, ao contrário, atua como elemento que
reforça as diferenças sócio-culturais?” (ANJOS et al, 2004: 504).
Uma vez consolidado o Programa, maior atenção deveria ser dispensada à avaliação
da sua efetividade para promover o desenvolvimento rural. Embora não há dados oficiais
sistematizados sobre o desempenho da agricultura familiar em todo o país, uma vez que o
último Censo Agropecuário foi realizado há mais de uma década, Mattei (2005) em estudo
dos 100 municípios que mais tomaram recursos do PRONAF no período 2001 a 2004,
avaliou alguns indicadores de impacto, como a evolução do PIB agropecuário e do PIB
municipal, a área colhida e quantidade produzida das lavouras temporárias, a variação do
efetivo dos rebanhos e indicadores de arrecadação tributária, chegando a resultados
positivos. O autor constatou que em 72 dos 100 municípios pesquisados houve aumento da
área colhida com lavouras temporárias, em 86 da quantidade produzida e em 69 dos
mesmos ocorreu aumento do PIB agropecuário, apesar de ser um período marcado pela
redução dos preços agrícolas e recessão econômica. Nesses municípios houve uma
correlação positiva entre aumento do PIB agropecuário, emprego agropecuário, emprego
total e arrecadação própria dos municípios. Isto sugere que o Programa está gerando
externalidades positivas naqueles municípios onde mais tem atuado e reduzindo possíveis
impactos negativos frente à queda da rentabilidade do setor agropecuário, como poderiam
ser a redução da oferta agrícola e/ou o êxodo rural.
Já outro estudo analisou a distribuição dos recursos do PRONAF nos municípios
que mais e nos que menos tomaram recursos do Programa entre 1999 e 2004, nas regiões
Sul e Nordeste (SILVA; CORRÊA; NEDER, 2006). Utilizou-se como referência o Índice
de Desenvolvimento Rural (IDR), proposto por Kageyama (2005), constatando que os
municípios que mais captaram recursos são os que apresentam IDRs médios e altos. O
estudo revela que a concentração dos recursos nos municípios que mais captaram é ainda
mais forte entre os municípios da Região Nordeste do que no Sul do país. No Nordeste os
177 municípios (10% do total) que mais captaram foram beneficiados com 43% das
liberações, enquanto os 930 que menos captaram (50% do total) foram responsáveis por
10,77% das liberações. Assim, a liberação não leva em conta as necessidades dos
municípios, mas o perfil do demandante do recurso, prevalecendo a lógica bancária e
privilegiando os mais integrados. Mesmo com estas restrições, o estudo constatou uma
mudança de perfil na liberação de recursos na Região Nordeste, sendo que os agricultores
do grupo B aumentaram sua participação.
Conclui-se que houve uma expansão muito significativa no número de empréstimos
e na inclusão de agricultores no Programa, no entanto, as desigualdades na captação de
recursos entre regiões e entre municípios de uma mesma região permaneceram e, em
alguns casos, até tem aumentado.
3. O PRONAF no município de Cruz das Almas
O município de Cruz das Almas está situado na Região Recôncavo Sul da Bahia,
distando 146 quilômetros da capital do Estado, Salvador. A altitude é de 200 m acima do
nível do mar, clima tropical quente e úmido. A pluviosidade média anual é de 1.224 mm,
com maior incidência de chuvas no período compreendido entre março e junho, inclusive.
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Tem uma superfície de 150,9 km2 e uma população estimada em quase 60 mil habitantes
para 2006. A população urbana representa 75%, proporção bem superior à média da região
(58%), em função de que se trata de um município de pequena extensão territorial que
concentra boa parte do comércio e serviços no entorno regional.
O PIB municipal era de R$ 158 milhões em 2003, com um PIB per capita de R$
2.830,30. Na distribuição setorial 15% corresponde à agropecuária, 19% à indústria e 66%
ao setor de serviços. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, existem
5.193 famílias consideradas pobres, com uma renda per capita familiar inferior a R$
120,00, sendo que, em janeiro de 2007, 5.274 famílias receberam benefícios através do
Bolsa Família. É possível constatar que uma boa parcela da população (mais de 1/3
considerando uma média de quatro pessoas por família) vive em situação de séria
precariedade econômica. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) é
0,723 (dados de 2000).
Existem no município 1.260 estabelecimentos rurais, de acordo com o último
Censo. A maior parte dessas propriedades pode ser considerada minifúndio, sendo que
quase 90% têm área inferior a 10 hectares. O Índice de Gini para a terra, segundo dados do
INCRA de 1998, era de 0,627, denotando uma concentração média a forte da propriedade
fundiária. De acordo com o Bando de Dados da Agricultura Familiar, criado a partir da
pesquisa FAO/INCRA, havia 1.165 unidades familiares em Cruz das Almas, que
correspondem a 92,4% dos estabelecimentos agropecuários, ocupam 62% da área e
contribuem com quase 80% do valor bruto da produção. Observe-se que a agricultura
familiar tem uma contribuição mais relevante na produção no município de Cruz das
Almas do que no estado da Bahia e no país. Isto também revela que as unidades patronais,
basicamente de pecuária, fazem uma exploração extensiva dos recursos naturais,
contribuindo com apenas 20% do valor bruto da produção, embora possuam 38% da área,
o que desmistifica a suposta eficiência produtiva da agricultura patronal.
Ainda segundo os dados do último Censo Agropecuário, empregavam-se na
agropecuária 4.795 pessoas, 62% homens e 38% mulheres. A área agrícola utilizada com
lavouras temporárias e permanentes corresponde a 36% do total, enquanto as pastagens
representam 52%, correspondendo o restante 12% a matas naturais e plantadas e a lavoura
em descanso e áreas produtivas não utilizadas. Na economia agropecuária se destacam
tradicionalmente as culturas de laranja, mandioca e fumo (Tabela 2). O inhame é um
produto muito cultivado nos últimos anos, mas, curiosamente, ainda não aparece nas
estatísticas. O rebanho bovino era de 12.116 animais, em 2004, enquanto os ovinos
correspondiam a 1.425 cabeças, 586 eqüinos, 3.591 suínos, 5.168 codornas e mais de 30
mil galinhas.
Tabela 2. Área plantada, colhida e quantidade produzida das principais culturas no
município de Cruz das Almas- BA, ano 2004.
Área
Área
Cultivo
Plantada Colhida Quantidade Unida Valor (R$ 1.000
(ha)
(ha)
Produzida
de
)
Amendoim
589
589
589
t
206
Banana
87
87
641
t
256
Batata doce
25
25
212
t
85
Côco- da -baía
51
51
178 1000
53
Frutos
Feijão
177
177
128
t
90
11
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Fumo
1.645
1.645
Laranja
1.959
1.959
Limão
63
63
Mamão
17
17
Mandioca
2.506
2.506
Maracujá
3
3
Milho
87
87
Tangerina
10
10
Fonte: IBGE-Pesquisa Agrícola Municipal
1.484
47.016
1.134
221
35.084
57
78
230
t
t
t
t
t
t
t
t
4.749
10.814
340
66
2.456
28
17
35
O número de empréstimos através do PRONAF tem se ampliado no município de
Cruz das Almas a partir de 2002, tendo ocorrido depois uma manutenção do mesmo
patamar (Gráficos 2). Parcela significativa dos agricultores ainda não tem acesso ao
crédito, se consideramos que existem mais de mil unidades familiares.
Nº de contratos
Cruz das Alm as: Nº de contratos do PRONAF
por ano (2000/2006)
600
396
400
363
217
200
64
309
267
37
0
2000 2001 2002
2003
2004 2005 2006
Ano
Com relação ao montante dos recursos, houve um aumento mais significativo a
partir de 2002 e especialmente de 2004 (Gráfico 3). O valor médio dos contratos em 2006
foi de R$ 2.638,04, levemente inferior à média estadual (R$ 2.893,92).
Cruz das Almas: montante total do PRONAF por
ano(2000/2006)
Montante (R$)
800.000,00
600.000,00
400.000,00
Montante total
200.000,00
0,00
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Ano
Os grupos mais atendidos neste município tem sido o B (mais de 65% dos
empréstimos em 2006) e o D (Tabela 3). A presença do grupo D se explica pela cultura do
inhame que tem um elevado custo de implantação e tem tido uma renda razoável nos
últimos anos, além da fruticultura.
Tabela 3. Número de contratos financiados pelo PRONAF no município de Cruz das Almas,
segundo enquadramento, 2000-2006, por ano fiscal
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Ano
A
A/C
2000
0
2001
0
2002
0
2003
0
2004
0
2005
0
2006
0
Fonte: SAF/MDA
B
C
0
0
0
0
0
0
0
D
0
0
298
144
263
238
175
10
2
2
4
19
11
23
E
54
35
96
69
78
60
66
Total
Outros
0
0
0
0
0
0
2
0
0
0
0
3
0
1
64
37
396
217
363
309
267
Analisando a distribuição dos financiamentos nas modalidades de investimento e
custeio, vemos que predomina a primeira modalidade, o que pode ser explicado, entre
outros fatores, pela participação do Grupo B (que só está presente nesta modalidade) e a
importância da fruticultura (Gráfico 4).
Nº de contratos
Cruz das Almas: Nº de contratos do PRONAF
(custeio/investimento) por ano (2000/2006)
350
300
250
200
150
100
50
0
Custeio
Investimento
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Ano
Na análise qualitativa sobre a atuação do PRONAF em Cruz das Almas apresentase uma síntese das respostas obtidas nas entrevistas. Os técnicos reconhecem que, no início
da implementação do PRONAF na região, houve alguns desvios. Alguns agricultores
achavam que não seria necessário devolver os recursos. Havia desinformação e isso era,
até certo ponto, propositado devido ao clientelismo político muito arraigado, quando
cheques do PRONAF foram entregues em reuniões públicas com a presença de políticos
locais. Outro problema eram os cadastros, houve mais de uma pessoa da mesma família
que obteve recursos, ou pessoas que não se enquadravam dentro dos critérios do Programa.
Além disso, como não havia fiscalização, os recursos poderiam ser desviados para outras
finalidades. Estes problemas foram especialmente notórios com o PRONAF B, que foi
encarado, e até certo ponto ainda é, como algo equivalente a um programa de transferência
de renda. Aos poucos, segundo os técnicos entrevistados, esses desvios foram reduzidos. A
demanda pelos projetos aumentou principalmente a partir de 2002, quando foi simplificado
o cadastro para o PRONAF B, e depois se estabilizou, até porque passou a haver certa
seleção dos agricultores quando as regras foram ficando mais rigorosas.
No escritório local da instituição estadual de extensão rural (EBDA) há dois
técnicos agrícolas cuja principal função é a elaboração dos projetos para o PRONAF. Eles
atendem uma área de abrangência de 4 municípios. O quadro técnico não tem se ampliado
nas últimas décadas apesar do acentuado crescimento da demanda. Só para ter uma noção
da carga de trabalho, no ano de 2006 foram elaborados 1.367 projetos do PRONAF pelo
escritório local. Logicamente, seria muito difícil fazer visitas técnicas para todos esses
agricultores. Em geral, os contatos se estabelecem indiretamente através dos presidentes
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das associações. As informações sobre mudanças nas regras do Programa e outros assuntos
de interesse dos agricultores são repassados através do Conselho do FUMAC (Programa
Produzir) e em reuniões regulares das associações.
Cabe destacar que no caso da Bahia, sendo o governo estadual e federal de distinta
orientação política, nos últimos anos, a prioridade dada ao Programa pelas instituições
estaduais foi relativa, existindo algumas políticas até certo ponto eram concorrentes com o
PRONAF como, por exemplo, o Programa Nossa Raiz, muito utilizado para o cultivo de
mandioca na região, onde é fornecido ao agricultor o adubo e outros corretivos, a partir de
análise de solos, além de realizar o preparo do solo. Este projeto pretende aumentar a
produtividade e transferir tecnologias para o agricultor. Com a recente mudança de
orientação política do governo estadual é provável que venha ocorrer maior convergência
dos programas, deixando um pouco de lado a concorrência entre programas estaduais e
federais que dificulta a utilização mais eficiente dos escassos recursos materiais e humanos
disponíveis.
O movimento sindical decidiu entrar diretamente na assistência técnica a partir da
constatação das deficiências das instituições públicas de extensão rural. Na região, a
atuação da equipe técnica da FETAG começou em 2005 e ainda está em fase de
estruturação. Há só dois técnicos para uma área de abrangência de 14 municípios. No ano
de 2006 foram elaborados através dos sindicatos 1.118 projetos nesses municípios,
denotando que a maior parte dos projetos ainda é elaborada pela EBDA. Os cadastros dos
agricultores do PRONAF B são preenchidos por funcionários do sindicato e supervisados
pelos técnicos, enquanto os projetos para os restantes grupos (C, D e E) são elaborados
diretamente pelos técnicos. Hoje quase todos os sindicatos têm computador, mas faz algum
tempo atrás não tinham. Não são realizadas visitas de supervisão para o grupo B, mas sim
para os outros grupos, de acordo com o cronograma de liberação das parcelas. O sindicato
não conta com veículo próprio para realizar as visitas pelo que os técnicos procuram
formas alternativas de transporte (moto, ônibus, topic, etc.).
Em Cruz das Almas, as atividades que mais demandaram crédito foram:
citricultura, maracujá, banana, inhame, mandioca, pequenos animais (aves e suínos) e
pecuária. Uma crítica feita por alguns técnicos é que no início foram concedidos muitos
empréstimos do PRONAF B para concerto de cercas, sendo que este investimento não traz
um retorno direto (chamado de “investimento macho”).
Segundo os técnicos da EBDA, um dos avanços trazidos pelo PRONAF foi certa
diversificação de atividades, como a expansão do cultivo do maracujá, floricultura,
apicultura e incentivo ao cultivo do inhame. As outras atividades, como a citricultura e o
cultivo da mandioca já eram tradicionais na região. Observa-se uma redução no cultivo do
fumo e seria assunto interessante para futuros estudos procurar saber se a existência de
recursos disponíveis para outras culturas através do PRONAF possa ter contribuído para
reduzir a dependência do agricultor das empresas fumageiras.
Ainda segundo os técnicos, o PRONAF também teria reduzindo o êxodo rural na
região. Um fenômeno comum antigamente era que o pequeno agricultor precisava se
empregar em outras propriedades para sobreviver, então, no período mais apropriado para
o plantio, deixava de trabalhar na sua terra para trabalhar na terra de outros agricultores. O
PRONAF teria permitido maior autonomia ao pequeno agricultor.
No caso da atuação dos sindicatos, houve mudança de foco, pois até algum tempo
atrás as preocupações estavam concentradas na previdência e atenção à saúde, enquanto a
operacionalização do PRONAF permitiu aos sindicatos estar mais próximo da realidade
produtiva dos agricultores.
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Uma prática comum na gestão do agricultor familiar é aplicar o recurso na
propriedade como um todo e não exclusivamente na atividade financiada. Isto, que a rigor
seria desvio de crédito, na realidade é a forma de maximizar a utilização dos recursos
escassos que o agricultor possui e também uma forma de minimizar o risco, por não
investir numa única atividade. Nesse caso, seria mais apropriado financiar a unidade de
produção, ainda que é necessário reconhecer que este tipo de ação talvez exigisse
acompanhamento técnico mais próximo e fiscalização mais efetiva.
Apesar das regras gerais do Programa serem as mesmas, cada banco estabelece seus
critérios com relação a exigências de documentação e necessidade de avalista, entre outros
aspectos. Os dois bancos que atuam na região são: Banco do Brasil (BB) e o Banco do
Nordeste (BNB). As exigências de documentação do BNB são maiores, em compensação
fazem um acompanhamento mais próximo e há maior apertura para eventuais mudanças a
partir de sugestões dos outros parceiros participantes do Programa. O crédito do BNB é
usado mais para investimento. Já o BB é mais ágil na concessão de crédito para custeio,
mas chega a liberar todo o recurso numa única parcela, sem esperar os laudos técnicos. Só
quando aparecem muitos casos de inadimplência é que os bancos se preocupam em
acompanhar o que está acontecendo.
Quando a inadimplência atinge certo patamar em determinada agência a concessão
de empréstimos é suspensa automaticamente. Logo, convoca-se uma reunião com os
parceiros para descobrir as razões da inadimplência e tentar achar uma solução, que
normalmente é a renegociação das dívidas. Há diferenças nas atitudes dos gerentes frente
aos agricultores familiares. Foram constatados casos em que o Banco procura “empurrar”
outros serviços do banco para os correntistas do PRONAF.
Um dos principais problemas com respeito à documentação dos agricultores é que
muitas propriedades não foram desmembradas entre os herdeiros, constituindo
propriedades familiares onde moram e trabalham vários núcleos familiares (irmão,
cunhados, etc). Os agricultores não têm interesse em fazer a partilha porque há muitos
herdeiros morando fora (São Paulo, Salvador, etc.) e se for dividido não vai restar quase
nada para cada um. Este problema é menor no PRONAF B, que é menos exigente quanto à
documentação, o que incentiva os agricultores a se enquadrar nesse grupo.
Constatou-se que o enquadramento é um pouco relativo. O agricultor logicamente
prefere tomar empréstimo pelos grupos de menor renda com condições mais vantajosas,
mas quando pretende fazer um investimento maior, ele começa a reconhecer que conta
com outras atividades que geram renda na sua propriedade para se enquadrar no PRONAF
D, por exemplo. Um aspecto que seria interessante aprofundar em futuras pesquisas é que,
aparentemente, os agricultores estão perdendo o medo de tomar empréstimos e com isso os
montantes tendem a aumentar. Isto é, além de uma seleção dos agricultores mais
profissionais, estaria ocorrendo um aprendizado na utilização do crédito por esses
agricultores.
O BNB tem uma proposta de trabalho diferenciada através dos Agentes de
Desenvolvimento. Estes agentes procuram articular as cadeias produtivas e os parceiros
para melhorar o retorno ao agricultor e diminuir o risco do banco. Uma articulação muito
importante atualmente é a política de territórios, aonde o Agente de Desenvolvimento vem
participando ativamente.
Atualmente há na agência de Santo Antônio de Jesus (a mais próxima de Cruz das
Almas) que atende 31 municípios, junto com a agência de Ipiaú (que atende 22
municípios) três Agentes de Desenvolvimento. Cada um se especializa em algumas cadeias
produtivas. Na regional foram estabelecidas como prioritárias as seguintes cadeias:
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citricultura, bovinocultura de leite, banana, mandiocultura, pupunha e sistemas
agroflorestais, sendo estes dois últimos mais orientados para a região do Baixo Sul.
O modelo dos agentes já tem 12 anos, mas passou por várias reformulações.
Primeiro começou, com apoio do PNUD, com a capacitação de agentes para fomentar a
organização entre os agricultores familiares. Depois os agentes passaram a prospectar
crédito e negócios. A atuação do BNB como banco de desenvolvimento é ainda tímida
porque tem pouco pessoal disponível. Só para acompanhar a política dos territórios tem
que atender quatro territórios diferentes que fazem parte da jurisdição das duas agências.
Os bancos em geral confiam nos laudos técnicos das instituições idôneas para
liberar os recursos, tendo como norma fiscalizar diretamente 10% das operações,
escolhidas aleatoriamente. Além disso, são realizadas visitas surpresa onde houver suspeita
de fraude e quando são constados problemas, comunicados á ouvidoria agrária do MDA.
No entanto, a capacidade real de operacionalizar esses critérios é limitada devido ao
elevado número de operações e carências na disponibilidade de técnicos. Atualmente há
demora na avaliação dos projetos pelo banco, sendo que o recurso nem sempre chega a ser
liberado no período mais apropriado para o plantio, representando um risco para o
agricultor. No ano de 2006 a demora chegou em algum momento até 3 ou 4 meses, o que
levou a rejeitar a apresentação de novas propostas por não poder atendê-las em tempo
hábil.
Foi reconhecido pelos entrevistados que existem um trade-off entre a expansão do
número de clientes para atender o público alvo do PRONAF e maiores exigências na hora
de conceder e fiscalizar os empréstimos. Se os critérios ficarem mais rígidos, muitos
agricultores teriam dificuldades o que restringiria a abrangência social do Programa. Na
realidade, os critérios ficam mais rígidos quando o banco avalia que há risco de
inadimplência, como ocorrido recentemente no caso da bovinocultura, onde só financiam
caso constatem que o produtor já está estruturado. Outro exemplo é o aval grupal, que foi
suspenso depois de muitos casos de inadimplência. Além disso, hoje só toma recursos
superiores a R$ 10 mil pelo BNB quem tiver avalista.
Os agentes entrevistados apontaram dificuldades para operacionalizar algumas
linhas dentro do PRONAF, como o PRONAF Agroindústria, pela exigência de que 70% da
matéria–prima provenha a propriedade, ou o PRONAF Jovem que exige que os jovens
tenham cursado 120 horas de cursos de capacitação que não estão sendo ofertados na
região. A linha PRONAF Mulher também tem sido muito pouco procurada, possivelmente
por falta de informação.
4. Estudo de caso na comunidade Sapucainha
Das 25 unidades familiares pesquisadas, 8 (32%) possuem menos e 1 há, 13 (52 %)
possuem de 1-10 ha, 3 propriedades (12%) possuem de 10-50 ha, 1 propriedade (4%)
possui mais de 50ha. Constata-se, portanto, o caráter claramente minifundista da
agricultura familiar na comunidade, pois 21 unidades (84%) possuem menos de 10 há,
coincidindo com os dados para o município, onde 90% das propriedades têm menos de 10
hectares.
A estrutura fundiária estudada reflete as enormes desigualdades observadas no meio
rural. Assim, enquanto na comunidade encontram-se situadas as casas sede de algumas
fazendas de pecuária, 32% dos agricultores contam com área inferior a um hectare. A
formação de estes minifúndios, que correspondem bem à categoria de agricultores
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familiares “periféricos”, se deu basicamente seguindo dois processos: a) subdivisão da
propriedade familiar a partir da sucessão hereditária e b) desmembramento de áreas como
indenizações trabalhistas para empregados e “arrendeiros” das fazendas.
De acordo com o relato das pessoas mais idosas da comunidade, antigamente era
muito comum que as fazendas recorressem ao sistema de parceria para a realização de
atividades agrícolas na região. O sistema, que os agricultores chamam dos “arrendeiros”,
incluía o pagamento da renda em dias de serviço para o patrão, em troca de uma parcela
dentro da propriedade para a produção própria. Este sistema era utilizado na produção do
fumo, da mandioca, e de outras lavouras, e vigorou até não faz muito tempo, apesar do seu
caráter notadamente arcaico. O mesmo tem entrado em desuso principalmente devido à leis
trabalhistas, na fala dos trabalhadores, o patrão agora é obrigado a “pagar os tempos”
(cobrir indenizações trabalhistas) para que trabalha e mora nas suas terras. As áreas
antigamente cultivadas pelos “arrendeiros” foram substituídas por pastos. Alguns desses
antigos parceiros “ganharam” como indenização pequenos sítios (inferiores a 1 hectare)
onde moram e cultivam alguns produtos destinados majoritariamente ao autoconsumo.
Outros “arrendeiros” obtiveram como indenização uma casa “na rua” (área urbana). Hoje
várias dessas áreas derivadas de indenizações trabalhistas, que já eram diminutas, foram
ainda subdivididas entre herdeiros, formando verdadeiros “condomínios rurais”.
A idade dos agricultores é bastante avançada, sendo que a média correspondeu a 55
anos, enquanto 9 agricultores (36%) têm mais de 65 anos. Em alguns casos foi constatado
como principal problema a ausência de herdeiros que pretendam continuar trabalhando a
terra, o que está levando ao abandono das atividades produtivas pelos agricultores, devido
à falta de perspectivas.
O número médio de pessoas por família é de 4,24 e quase metade dos agricultores
(12) possuem outros parentes que moram na própria comunidade. É muito comum que em
cada propriedade existam várias casas, principalmente dos filhos que constituíram seus
próprios núcleos familiares. Mesmo assim, a disponibilidade de mão-de-obra familiar é
limitada, contando com uma média de 2,3 trabalhadores por estabelecimento. Já a mão-deobra contratada correspondeu na média a 0,68 unidades, com um máximo de 4
trabalhadores. A grande maioria dos trabalhadores é temporária, até porque os agricultores
evitam manter muito tempo os mesmos trabalhadores nas suas propriedades como forma
de evitar os encargos trabalhistas, cujo cumprimento seria inviável devido à baixa
rentabilidade das atividades. Alguns agricultores entrevistados se queixam de falta de mãode-obra e/ou do encarecimento da mesma.
Não se encontrou na pesquisa nenhum agricultor familiar, orientado para o
mercado, que desenvolva outra atividade. Isto provavelmente obedeça a que, ao contrario
de outras regiões do país, onde o mercado de trabalho está mais desenvolvido, no interior
do Nordeste a oferta de ocupações bem remuneradas é ainda limitada, além de que a maior
parte das atividades agrícolas desenvolvidas pelos agricultores familiares apresenta uso
intensivo de mão-de-obra, não existindo excedente da mão-de-obra, mas carência de mãode-obra.
As principais culturas comerciais nas unidades pesquisadas são: amendoim,
mandioca, laranja, inhame, banana, maracujá e milho. Em muitas unidades o principal
destino das atividades realizadas é o autoconsumo, embora seja vendida parte da produção
no caso de pequenos excedentes. Em 5 casos (20%) foi constado que o agricultor não
possui em nenhum momento do ano excedentes comercializáveis. Entre os cultivos mais
orientados para o autoconsumo temos as fruteiras, cultivadas em grande número que junto
com a criação de pequenos animais (galinhas e em alguns casos também porcos)
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contribuem para a segurança alimentar. No entanto, foi observado que os agricultores
compram a maior parte da alimentação no mercado pelo que a realidade está muito distante
da segurança alimentar. Também foi constatado que não existe hábito de cultivo de
produtos hortícolas.
O modo de comercialização também denota as fortes carências que existem entre os
agricultores e a escassa organização dos mesmos. Praticamente todos os agricultores que
possuem excedentes comercializáveis vendem seu produto para intermediários. Além
disso, 5 agricultores (20%) vendem também na feira local e 7 (35%) realizam venda direta
(neste caso trata-se de pequenos volumes vendidos a vizinhos, clientes já identificados na
cidade e um agricultor que possui uma pequena venda). Foram identificados também 4
agricultores que vendem para a indústria sua produção de fumo através de contratos de
integração.
O número de famílias que recebem aposentadorias rurais e/ou benefícios do
Programa Bolsa Família é de 19 (76%), denotando a importância das transferências
governamentais na sobrevivência das famílias que, na maioria dos casos, são quase sem
terra. A previdência rural, “desempenha uma função que muito se aproxima de um seguro
agrícola, pois reprograma e alarga o potencial produtivo das unidades familiares”
(DELGADO; CARDOSO, 2003: 64). O seguro previdenciário soma-se, em geral, às outras
fontes de renda para formar um “caixa único” que ajuda no custeio das atividades
produtivas, tanto para o autoconsumo como para atividades orientadas ao mercado.
Dado que na maioria dos casos se trata de quase sem terra, não é surpendente que
em 13 casos (52%) algum membro da família trabalhe fora, sendo que em outros casos se
trata de famílias de aposentados. As principais ocupações não-agrícolas são: empregada
doméstica (diarista), trabalhador rural (diarista e assalariado) e trabalhador do comércio.
O número de produtores que teve acesso ao PRONAF entre os entrevistados foi de
10 (40%), enquanto 15 (60%). não acessaram o Programa. Entre as razões mais freqüentes
pelas quais os agricultores não acessam o PRONAF destacam-se: falta de terra para
cultivar, medo de perder a produção e ficar endividado, falta de informações e idade
avançada. Nenhum agricultor relatou ter tido dificuldades significativas para acessar o
PRONAF nem que seus pedidos tenham sido negados. Também não foram constatados
casos de inadimplência.
Entre aqueles que acessaram o PRONAF o enquadramento se divide da seguinte
maneira: Grupo B correspondeu a 6 agricultores ( 60%); 1 agricultor acessou o Grupo C
(10%) e 3 agricultores (30%) acessaram o Grupo D. As atividades agrícolas desenvolvidas
foram: cultivo de laranja, inhame, mandioca e abacaxi. Na pecuária: bovinocultura de
corte, suinocultura e galinha caipira de corte. Cabe destacar que dos 10 que obtiveram
empréstimo, apenas um agricultor relatou ter recebido uma visita técnica para fiscalizar a
aplicação dos recursos. Nenhum agricultor contou com orientação técnica.
Com relação aos resultados os agricultores que acessaram o PRONAF B não
alcançaram mudanças significativas nas condições de vida, devido ao baixo valor do
recurso e os limites enfrentados pelos mesmos. Já os que acessaram o grupo C e D
obtiveram respostas positivas com o incentivo do crédito do PRONAF. Estes últimos
conseguiram melhorar a estrutura de suas propriedades, inseriram novas culturas,
aumentaram suas rendas e, consequentemente, melhoram suas condições de vida.
5. Considerações finais
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Os dados citados sobre disponibilidade de técnicos nas instituições encarregadas de
acompanhar o PRONAF frente ao número de empréstimos concedidos, mesmo sem
considerar que a demanda potencial é ainda muito maior da efetivamente atendida e as
carências materiais das instituições, já reflete as grandes limitações ao apoio técnico
necessário viabilizar o Programa como instrumento efetivo de desenvolvimento rural. A
orientação só é dada quando o agricultor procura diretamente o técnico ou quando aparece
algum problema novo. Isto denota que já ocorre certa “rotinização” do PRONAF, onde, na
maioria dos casos, o agricultor toma recursos para realizar o mesmo cultivo que já
realizava há muitos anos, com a mesma tecnologia, e as instituições de assistência técnica
elaboram projetos em serie seguindo critérios padronizados. Seria necessário investir mais
recursos e/ou mudar a cultura das instituições da assistência técnica que, na Bahia,
encontram-se realmente sucateadas, ou procurar novos parceiros institucionais para dar
verdadeira orientação técnica ao agricultor familiar.
A partir da realidade da comunidade pesquisada questiona-se a aplicação de
conceitos como pluriatividade e novo rural, quando se observa que a maioria dos
agricultores não tem terra disponível para cultivar. É lógico que estas pessoas
desempenhem atividades remuneradas, agrícolas ou não-agrícolas. No passado, as
atividades eram predominantemente agrícolas porque o mercado de trabalho era pouco
desenvolvido. Hoje o trabalho agrícola divide participação com outros tipos de atividades, ,
em geral pouco qualificadas, como o trabalho de pedreiro, vigilante, pequenos serviços ou
emprego doméstico. Assim, os dados estatísticos sobre ocupações e rendas não-agrícolas
no meio rural podem ocultar o fato de que não se trata de produtores rurais, mas de
assalariados devido à insuficiência de recursos produtivos. Trata-se da velha questão, hoje
fora de moda, do minifúndio e da proletarização.
No caso dos agricultores dos grupos C e D é inegável a importância do PRONAF,
embora seja necessário dar especial atenção à assistência técnica e à superação de
problemas associados à comercialização e agregação de valor, que são os principais
gargalos da agricultura familiar. Todavia, quando se trata de PRONAF B o problema é
mais complexo: o que é possível fazer com os limitados recursos dos empréstimos? Quais
seriam as tecnologias sociais mais apropriadas para viabilizar esse segmento? É possível
atingir uma renda razoável com essas atividades? Em definitiva, devem ser analisados os
problemas estruturais e sugeridas soluções, senão o PRONAF B vai atuar mais como um
programa (muito insuficiente) de transferência de renda do que como uma verdadeira
alternativa para o desenvolvimento rural.
O PRONAF ainda apresenta desafios importantes do ponto de vista institucional. O
trabalho em parceria é um avanço importante, mas cada parceiro tem uma cultura
institucional diferenciada e falta uma proposta articulada de maior fôlego, discutindo as
opções produtivas, escolhendo as tecnologias mais adequadas e fomentando a organização
dos agricultores. Uma expectativa positiva neste sentido é a atual política de
desenvolvimento territorial.
Não é conveniente colocar a todos os agricultores familiares na mesma categoria
(embora esta observação não pretenda desqualificar a utilização do conceito de agricultura
familiar), mas apontar a necessidade de reconhecer as especificidades e as tensões que
existem entre seus diversos grupos e orientar políticas específicas para eles.
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