PROJETO
ESTRATÉGICO
PRIORITÁRIO
OPERAÇÃO-ESCOLA:
CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA NOS
ANOS DE 1968 – 1970
Cecilia Neves Lima (doutoranda PUC-Rio)
Email: [email protected]
Palavras-chave: Política Educacional, Programa Estratégico do Desenvolvimento,
Operação-Escola
Apresentação
O presente artigo tem como objetivo apresentar o projeto estratégico prioritário do
Programa Estratégico para o Desenvolvimento, denominado Operação-Escola (OP), e
suas principais relações com a política educacional e econômica do Governo Costa e
Silva (1967-1969).
Nesse sentido, o artigo busca, a partir da técnica da análise documental, compreender a
política educacional do governo Costa e Silva através das medidas do Programa
Estratégico do Desenvolvimento, em seu projeto prioritário denominado Operação –
Escola.
O Programa Estratégico do Desenvolvimento (PED) do governo Costa e Silva propunha
uma política econômica que privilegiava deliberadamente a retomada do crescimento
econômico por meio do fortalecimento da empresa privada, da expansão do mercado
interno e de oportunidades de emprego, embora fosse mantida a preocupação com o
controle do processo inflacionário. O planejamento do PED estava fundamentado no
conceito de produtividade, buscando a otimização dos recursos a serem investidos nos
setores considerados prioritários. No âmbito educacional, as medidas eram entendidas
como instrumento de aceleração do desenvolvimento e do progresso tecnológico, ou
seja, o papel da educação para a preparação de novos tipos de recursos humanos e de
um novo quadro institucional, para liderar o processo de desenvolvimento tecnológico.
É nesse contexto que se insere o projeto OP com o objetivo de promover a
obrigatoriedade escolar de 7 a 14 anos. O projeto se desenvolveu através das Secretarias
de Educação, dos Estados e do Distrito Federal, competindo ao Governo Federal o
exercício de ação supletiva, bem como a assistência técnica e financeira para as
secretarias, mediante a transferência de recursos orçamentários específicos.
O artigo se divide em duas partes, a apresentação da política do governo Costa e Silva e
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os principais fundamentos, objetivos e ações do projeto Operação-Escola. A parte final
do trabalho, as considerações finais, buscamos tecer observações que nos ajudam a
compor um panorama geral da política educacional para a educação básica dos anos de
1968-1970.
As principais fontes documentais utilizadas nesse artigo referem-se ao relatório final do
projeto OP, decretos relativos ao período estudado, além de bibliografia pertinentes a
temática.
Governo Costa e Silva: compreendendo sua política educacional
O principal marco do Governo Costa e Silva foi o recrudescimento do autoritarismo
político, personificado pelo Ato Adicional nº5 – AI5. Um longo processo gestação da
chamada modernização conservadora se consolidava nesse momento e, para isso era
necessário que vozes dissonantes fossem abafadas.
O setor social foi sem dúvida o mais atingido, pois seguia uma ordem ortodoxa de que
seu gasto não poderia pressionar o orçamento fiscal implantado, de modo que suas
instituições deveriam modernizar seus instrumentos de gestão econômica e ampliar as
bases de financiamento da economia e do setor público, tendo em vista a expansão da
infraestrutura econômica. Dito de outra forma, no modelo de financiamento das
políticas sociais as instituições deveriam reformar seus mecanismos de gestão
econômica de modo que seus gastos pudessem ser supridos pelas contribuições sociais.
A principal estratégia de ação política desse governo foi a adoção de reformas no
Estado brasileiro. Reforma administrativa, previdenciária, habitacional e educacional
são algumas que foram implantadas. A reforma administrativa mereceu destaque. Em
linhas gerais, (...) nessa fase, vigorava, como regra pétrea, que não se poderia
transgredir, a ideia de que o gasto social não deveria pressionar o orçamento fiscal
(FAGNANI, 2005, p.43).
Segundo Ferreira Jr. e Bittar (2008) o modelo econômico executado possuía dois polos
que pendiam para direções contrárias, pois
em um de seus polos estaria o projeto de criar um capitalismo
nacional, ao passo que no outro estaria o projeto de desenvolver um
sistema de capitalismo associado sob a égide dos Estados Unidos. A
coabitação dessas duas lógicas econômicas atravessou todo o período
do regime militar (p.338).
De acordo com Macarini (2006), o movimento da política econômica do Governo Costa
e Silva (1967-1969) possui elementos de heterodoxia (1967-1968) e ortodoxia (1969).
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No primeiro momento, a política econômica afastava-se da linha de ação do PAEG e,
num segundo momento a execução dessa política estava posta no ataque efetivo à
inflação.
Para o autor,
Em sua primeira fase, durante o governo Castello Branco, a política
econômica teve na prioridade explícita e enfática conferida ao
combate à inflação o seu traço distintivo. Na ótica do PAEG (19641966), a crise econômica com que o país se defrontava, manifestada
com força em 1963 e inícios de 1964, tinha a sua raiz na inflação.
Retomar uma trajetória de desenvolvimento sustentado estaria na
dependência de êxito na reversão firme do processo inflacionário:
somente assim um acúmulo de disfunções responsáveis pelo declínio
da atividade econômica seria eliminado, recriando-se as condições
adequadas à maturação plena do potencial de crescimento de uma
economia de livre iniciativa (MACARINI, 2006, p.455).
O diagnóstico do PAEG entendia que o crescimento da demanda era a causa essencial
do aumento da inflação, configurando-se assim como uma inflação de demanda. Os
fatores que suscitavam esse comportamento de demanda residiam no desequilíbrio
orçamentário e na expansão do crédito. Dessa forma, o programa de ação de combate à
inflação estava centrado na redução e eliminação desse desequilíbrio, no controle da
expansão monetária e creditícia e na contenção dos reajustes salariais dos trabalhadores
assalariados.
A execução desse plano e seus resultados foram vistos como um grande fracasso pelo
regime político militar, necessitando ser reorientado, o que ficou a cargo da
administração de Costa e Silva.
Após o triênio de aplicação do PAEG e a grande insatisfação com os resultados obtidos,
a busca por respostas ao fracasso do plano se tornou fator imprescindível para a
reformulação da política econômica. Segundo Macarini (2006) parafraseando o então
ministro da Fazenda Delfim Netto, a rígida ortodoxia do governo Castello Branco
impossibilitou perceber a mudança da natureza da inflação, o que fez com que o
planejamento da política econômica perdesse sua eficácia. Além disso, era difícil aceitar
que o excesso de demanda fosse o principal fator para elevada inflação.
O ano de 1968 foi considerado importante por significar o momento de retomada do
crescimento industrial brasileiro. O setor teve taxa de crescimento estimada em 14%,
sendo impulsionada pelo setor automobilístico (que teve recordes sucessivos de
produção) e pelo setor de construção civil. Os investimentos industriais também
esboçaram recuperação, consolidando o prisma do crescimento nacional. Apesar do
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“milagre econômico” com a retomada do crescimento,
O movimento imprimido à política econômica após a edição do AI-5
sugere que mesmo as autoridades econômicas não estavam
plenamente seguras da solidez da recuperação: os fantasmas da longa
crise 1963-1967 continuavam a rondar a imaginação, a percepção do
“milagre” não tinha ocorrido ainda. Sim, porque ao mesmo tempo em
que se supervalorizava um crescimento de 6% a 7% ao ano, sem
atrever-se a projetar nada mais ambicioso, propunha-se o abandono da
opção de convivência com a inflação, numa clara indicação que os
resultados até então obtidos não eram avaliados tão positivamente
(MACARINI, 2006, p.464).
Podemos observar que a ampliação do espaço de manobra da política econômica, graças
ao AI-5, foi um fator importante para a revisão de prioridades. Ideologicamente, o
inimigo agora era o combate à inflação. Sem oposição, a ideia do “Milagre Brasileiro”
era impressa na sociedade.
O Plano Trienal, do governo Costa e Silva, realizou um diagnóstico sobre as causas da
crise econômica brasileira desde 1962 e constatou que o crescimento da industrialização
causou um baixo nível de absorção de mão-de-obra e um estreitamento relativo do
mercado. Para o Plano, esse crescimento do setor público na economia, na promoção da
infra-estrutura requerida pelo desenvolvimento e no atendimento de serviços básicos foi
realizado a um baixo nível de eficiência do setor público na alocação de recursos, se
comparado ao setor privado. Nesse diagnóstico, o período de 1962 a 1966 foi
compreendido como uma fase crítica que a economia brasileira passou, por ser um
período de transição dos padrões de desenvolvimento da economia. Algumas
“distorções acumuladas das décadas anteriores” precisavam ser contornadas. Segundo
Alves e Sayad (1970), essas distorções eram: a inflação, a industrialização e o aumento
da participação do setor público na economia.
O processo inflacionário crescente dentro do qual se fez a industrialização brasileira
atuou como um mecanismo de “poupança forçada”, que permitiu de certa forma, tanto
uma complementação do financiamento dos investimentos industriais, como a própria
ação do Governo em setores fundamentais, onde o mesmo era chamado a preencher a
omissão da iniciativa privada (ALVES e SAYAD, 1970, p. 96). Paradoxalmente, a
industrialização foi determinante para a paralisação do setor a partir de 1962, pois a
industrialização substitutiva de importação consistiu basicamente na assimilação de
processos e técnicas oriundas das economias estrangeiras. Dessa forma, a substituições
das importações aumentaram as diferenças setoriais de produtividade e retraíram
prematuramente as taxas de crescimento do produto interno bruto nacional. O aumento
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da participação governamental na economia, na implantação de infraestrutura para o
desenvolvimento e no atendimento de serviços básicos, produziu o aumento da dívida.
O Programa Estratégico do Desenvolvimento (PED) foi criado como o principal
elemento da política nacional que pudesse contribuir para o desenvolvimento dos
setores econômicos, sociais e educacionais do país. Foi resultado de uma iniciativa do
Ministério do Planejamento e Coordenação Geral no sentido de estabelecer uma nova
estratégia para o desenvolvimento nacional. Seu caráter de aplicação foi o responsável
por pôr em prática as principais constatações feitas no Plano Trienal, sob a forma de
metas a serem alcançadas. É interessante observar que o PED trazia em seu interior um
conceito chave para o entendimento dessa política econômica – produtividade podendo ser definida como
(...) uma relação de grandeza que se estabelece entre o produto e os
fatores empregados na sua produção. O capital, em sua forma mais
expressiva e complexa de equipamentos e o trabalho humano são dois
fatores básicos da relação. Quanto mais aperfeiçoadas forem as
máquinas e mais hábeis os homens na realização do seu trabalho, mais
elevado será o quociente da divisão entre a produção e cada um dos
fatores, vale dizer, maior será a produtividade. (PONTES apud
BARBOSA, 2006, p.111).
Dessa maneira, somente um quadro de expansão acelerada de bens e serviços poderia se
acelerar o progresso social e corrigir as desigualdades, e para isso ocorrer era necessário
que a produtividade industrial e dos setores sociais aumentasse.
Assim, as principais ações da nova estratégia que o PED programaria na economia
brasileira estavam relacionadas à elevação da atividade da economia, com a
aproximação da produção a sua capacidade de produção efetiva. Segundo Macarini
(2006, p.466-467), o Governo Federal iniciou uma nova escalada na execução do
Programa Estratégico, pois através de um conjunto de medidas destinadas a queimar
etapas na consecução das metas, o objetivo era impulsionar a economia brasileira a um
novo patamar de crescimento, reduzindo consideravelmente a taxa de inflação.
O progresso tecnológico, nesse contexto, seria resultado da aceleração e
desenvolvimento da educação brasileira, aumentando assim o quantitativo de recursos
humanos para os programas de desenvolvimento e igualmente preparando recursos
humanos que pudessem liderar esse processo de desenvolvimento tecnológico.
A partir da reformulação dos objetivos básicos a aceleração do desenvolvimento,
contidos no PED, o progresso social e a expansão da mão de obra qualificada foram
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elementos importantes para que o Programa pensasse também em metas educacionais.
Definida como a “Área Estratégica IX – Infra Estrutura Social”, a educação foi
contemplada nas formulações oficiais como elemento de grande importância para o
desenvolvimento almejado. Segundo o PED, a educação brasileira seria o instrumento
que asseguraria a participação de todas as categorias sociais no resultados do
desenvolvimento, através de:
- um número mínimo de anos de escolarização a toda a população
escolar, garantia que gradualmente atingirá todas as regiões do País;
- acesso dos mais capazes ao ensino superior, corrigindo as distorções
existentes.
Nesse contexto, constitui, ainda, a educação poderoso instrumento de
formação de uma esclarecida consciência democrática, a serviço dos
valores espirituais e de uma nítida afirmação nacional (PED, Área
Estratégica IX, vol I, p. 11).
Fica claro que para o PED a educação, através da escolarização, era entendida como um
“poderoso instrumento” de desenvolvimento do país, no que tange a relação entre
educação e desenvolvimento. Porém, o documento enfatiza que era a partir do ensino
primário que essa relação se estabeleceria de forma quantitativa e qualitativa, por ser
considerada como a solução mais adequada a seus objetivos nacionais. Segundo o PED:
(...) No tocante ao ensino primário, pretende-se assegurar o
cumprimento da obrigatoriedade escolar, da população de 7 a 14 anos,
nas capitais e grandes centros urbanos do País, através da “OperaçãoEscola”, já estabelecida em decreto, de modo a atingir
progressivamente os núcleos menores; dar impulso ao programa de
alfabetização funcional, notadamente na faixa de 15 a 30 anos; e
realizar, em geral, a reforma do ensino primário, de modo a permitir
considerável aumento da capacidade de absorção de novos alunos,
com a eliminação do estrangulamento representado pelos altíssimos
índices existentes de reprovação, repetência e deserção (PED, Área
Estratégica IX, vol I, p. 14).
Dessa forma, podemos dizer que o principal objetivo do PED para a educação estava
diretamente ligado em assegurar do cumprimento legal da obrigatoriedade escolar das
crianças de sete a quatorze anos (assim já definido na Constituição de 1967 e na LDB de
1961), como degrau inicial para a inserção na cadeia produtiva.
Para a execução dessa prerrogativa legal e meta governamental, foi criado então o
projeto especial prioritário denominado Operação-Escola, através do decreto nº 63.258
de 19 de setembro de 1968. Para Foina
(...) a “Operação” foi resultado de um despertar no sentido de efetivar
uma determinação constitucional. Assim, objetivou-se em função da
necessidade de atenção às exigências do desenvolvimento econômico
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e social, reformular o ensino primário de forma a garantir a igualdade
de oportunidades a todos (FOINA, 1979, p.64).
Fica evidente que a ideologia implementada pelo governo militar do presidente Costa e
Silva através do PED, tinha o objetivo de impulsionar a economia com medidas
educacionais que faziam um triplo movimento: a) se alinhavam às políticas globais
capitalistas de desenvolvimento da educação como um elemento primordial do
desenvolvimento do setor econômico; b) trabalham a ideia de que a escola seria
redentora dos problemas sociais do país, a partir de sua expansão e reforma; c) cumpria
da obrigatoriedade escolar de crianças de sete a quatorze anos prevista em lei. Esse
engenhoso processo possibilitou que o programa Operação-Escola tomasse corpo
ganhando legitimidade dos setores sociais e econômicos. Porém outros elementos dessa
política merecem nossa análise. O governo militar brasileiro deixou como sua marca nas
políticas educacionais a figura dos tecnocratasi, que ganhou força a partir do AI-5 que
impôs censura aos meios de comunicação de massa e suprimiu os direitos civis da
população brasileira, gerando perseguição, prisão e /ou exílio a diversos intelectuais
brasileiros. Segundo Ferreira Jr. e Bittar:
Neste contexto, a ideologia tecnicista serviu como um invólucro
mistificador do projeto “Brasil Grande Potência” que os governos dos
generais-presidentes utilizaram para justificar a supressão das
liberdades democráticas e, por conseguinte, a repressão política que se
abateu contra as tendências oposicionistas. Assim, a propensão em
transformar o Estado em moldes de uma grande empresa, gerenciada
por técnicos que absorvessem as funções da política pela dita
eficiência que eles representavam, constituiu-se no leitmotiv da
ideologia tecnicista que embalou o regime militar (FERREIRA Jr;
BITTAR, 2008, p.343).
Nessa lógica, a bandeira defendida para o desenvolvimento econômico tinha na
educação um de seus pilares principais, à medida que seria o elemento aglutinador entre
instrução e trabalho. Em outras palavras: a educação seria o principal elemento de
elevação da qualificação do trabalhador brasileiro, para que este pudesse se inserir na
cadeia produtiva do país e, consequentemente, na cadeia produtiva internacional em que
o Brasil ocupava lugar periférico. Para isso, era necessário que o investimento em
educação fosse racionalmente distribuído entre os setores mais necessitados, de modo
que o desenvolvimento do setor econômico fosse o elemento impulsionador dos demais
setores. Segundo Foina:
(...) a Educação era considerada como relevante principalmente
devido à sua capacidade de incrementar os recursos humanos no que
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se referia ao planejado progresso tecnológico. Paralelamente, ela devia
formar no individuo os valores ideológicos adequados ao momento
politico e treiná-los profissionalmente de forma a proporcionar neste
sentido, “economias externas para as empresas” (FOINA, 1979, p.
59).
Dessa forma, percebemos que o pressuposto básico defendido pelos técnicos estatais
nas políticas públicas para a educação estava baseado na teoria do capital humano de
Theodore W. Schultz em que a instrução e a educação eram, antes de tudo, valores
sociais de caráter econômico, portanto um bem de consumo cuja principal propriedade é
ser um bem permanente de longa duração, diferentemente de outras mercadorias
consumidas pelos indivíduos durante as suas vidas (SCHULTZ, 1973, p.24-25). Assim,
Os investimentos na instrução não podem ser minimizados; muito ao
contrário, são de tal magnitude que alteram, radicalmente, as
estimativas, geralmente aceitas, do total das poupanças e da formação
de capitais, que estão em curso. Deverão ser formulados os conceitos
estabelecidos com relação aos elementos de formação do pagamento e
salários (renda relativa), à distribuição da renda por pessoa e às fontes
de crescimento econômico (SCHULTZ, 1973, p.26).
Dessa forma, a teoria de Schultz estabelecia uma relação direta entre educação e
economia, na medida em que atribuía a primeira a capacidade de incrementar a
produtividade da segunda.
Esse período também foi marcado por convênios firmados entre o MEC e a Agency for
International Development - AID, conhecidos como MEC-Usaid. É interessante
observar que nesse tipo de acordo, os técnicos “sugeriam” propostas que coincidiam
com as propostas governamentais. Fica claro que a teoria do capital humano era o
principal elemento teórico que legitimava as ações de órgão internacionais e de
governos locais para os países de “terceiro mundo”, pois era a partir deste pressuposto
teórico que estabelecia uma relação direta entre educação e economia que as propostas
de expansão e elevação dos índices quantitativos da escola brasileira foram cunhados
(entre elas o próprio programa do OP).
O modelo educacional brasileiro, seguindo os ditames de uma lógica internacional de
desenvolvimento econômico e social dependente, produziu um corpus ideológico de
legitimação de uma unidade orgânica entre economia e educação.
Projeto Operação-Escola: compreendendo suas ações no âmbito da politica
educacional
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Para iniciarmos nossas reflexões acerca do projeto “Operação-Escola”, é necessário
tratar primeiramente do decreto de criação do mesmo. A OP foi um dos programas
prioritários especiais concebidos pelo Programa Estratégico do Desenvolvimento para o
triênio 1968-1970 e que tinha como principal meta o cumprimento da obrigatoriedade
escolar de sete a quatorze anos nos grandes centros urbanos. Composto por sete artigos,
o decreto n°63.258 de 19 de setembro de 1968, previa de forma sucinta as etapas e as
responsabilidades na execução do programa.
Sobre a execução do projeto, esta competia às Secretarias de Educação dos Estados e do
Distrito Federal e às Divisões de Educação dos Territórios, cabendo ao Governo
Federal, através do Ministério da Educação e Cultura (MEC), o exercício da ação
supletiva, bem como a assistência técnica e financeira, mediante a transferência de
recursos orçamentários específicos (OP, 1968, art.2, p.01). O projeto da OP tinha sua
execução planejada para o triênio de 1968-1970. Através de fases de preparação (1968),
execução (1969), avaliação e redefinição (1970), o programa tinha como objetivo
atingir todo o território nacional. As principais instituições envolvidas na elaboração dos
fundamentos de ação e da execução do projeto eram o INEP e o IPEA.
Para que o programa obtivesse êxito, a OP instituiu um Grupo de Trabalho Especial
(GT) montada através de portaria interministerial nº199 de 24 de setembro de 1968. De
acordo com o decreto, o grupo de trabalho (GT):
Parágrafo único. O Grupo de Trabalho interministerial terá por
principais atribuições:
a) assistir tecnicamente aos Estados na realização dos estudos
básicos para melhor conhecimento das reais dimensões do problema
do déficit escolar ao nível do ensino primário;
b) adotar, em articulação com a Secretaria Executiva do Plano
Nacional de Educação, as medidas necessárias para a mobilização de
recursos federais, exigidos para atendimento das necessidades
educacionais relativas à espaços, instalações, professores, despesas de
investimento e custeio, decorrentes da execução desse programa
prioritário;
c) promover, juntamente com a Campanha Nacional de Merenda
Escolar (CNME), Comissão do Livro Técnico e Didático (COLTED) e
a Fundação Nacional de Material de Ensino (FENAME), a
intensificação de seus programas específicos nas áreas onde será
desenvolvida a "Operação-Escola";
d) montar o sistema de acompanhamento e avaliação da "OperaçãoEscola";
e) articular-se com o INEP, visando à execução da reforma do
ensino primário, da qual depende, em grande parte, o êxito da
"Operação-Escola";
f) articular-se com a Diretoria do Ensino dos Territórios visando à
execução da "Operação-Escola" nas Capitais dos Territórios.
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Com duração de 90 dias (entre 14 de outubro e 24 de dezembro), o GT tinha como meta
promover as medidas preliminares de natureza institucional, técnica e administrativa,
destinadas a “desencadear a Operação-Escola”, a partir de 1969, nas áreas que vierem a
ser estabelecidas, visando à matrícula e à frequência obrigatória de todas as crianças
residentes nas áreas contempladas, que estejam compreendidas na faixa etária dos sete
aos quatorze anos. O GT foi constituído pelas professoras Lúcia Marques Pinheiro e
Lyra Paixãoii, do INEP-MEC e Maria Terezinha Tourinho Saraiva, do IPEAMINIPLANiii, sendo esta última designada coordenadora do grupo.
A dinâmica de trabalho girava em torno de reuniões com os Estados para promover as
medidas preliminares de natureza institucional, técnica e administrativa, destinadas a
desencadear a Operação-Escola, a partir de 1969, nas áreas que vierem a ser
estabelecidas (RELATÓRIO FINAL DO GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL DA
OPERAÇÃO-ESCOLA, 1968, p. 01).
Após essa breve síntese do decreto de criação da OP, alguns questionamentos se
apresentam: Qual a principal justificativa para que o projeto OP fosse inserido no rol
das ações prioritárias? Qual a principal justificativa do projeto?
De acordo com o próprio decreto, a Carta Magna (artigo 168) do país e a Lei de
Diretrizes e Bases de Educação Nacional de 1961 (artigos 27 e 28) já previam a
obrigatoriedade escolar para essa faixa etária. Além disso, o Governo Federal (através
do decreto) admitia que uma determinação constitucional não era cumprida até aquele
momento. Por outro lado, em seu discurso governamental, a obrigatoriedade escolar
dessa faixa etária se tornava indispensável para o crescimento e desenvolvimento
tecnológico do país, à medida que assegurar efetivamente a todos, igualdade de
oportunidades educacionais que se formam, em número e qualidade, os recursos
humanos de que a sociedade moderna precisa para atender às múltiplas tarefas
impostas pelo desenvolvimento econômico e social (OP, 1968, Objetivos Gerais e
Justificativas, p.2).
É importante destacar o OP estava inserido num plano de desenvolvimento econômico e
que buscava relacionar a educação à formação de mão-de-obra qualificada.
Outro dado que mereceu destaque foi relativa à escolha de determinadas áreas do
território nacional (capitais dos estados e cidades de maior desenvolvimento) para que
essa obrigatoriedade fosse cumprida. De acordo com o decreto:
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Determinados fatores, como a extensão territorial do País, a população
rarefeita em nossa zona rural, a baixa renda "per capita", entre outros,
impossibilitam uma ação imediata, de âmbito nacional. Estudos foram
realizados com base na renda "per capita", nas dotações para educação
especialmente par o ensino primário previstas nos orçamentos
estaduais e municipais; nos dados disponíveis fornecidos pelo Censo
Escolar do Brasil (1964) e pelo Anuário Brasileiro de Estatística
(1966), a fim de selecionar as áreas a serem trabalhadas, intensamente.
De acôrdo com êsses estudos, as Capitais e as Cidades de maior
desenvolvimento são as áreas consideradas viáveis para o
desenvolvimento da "Operação-Escola", no período de 1968 a 1970.
(OP, 1968, p.3).
A principal estratégia de ação do projeto foi a execução de suas ações nessas cidades
selecionadas no triênio 1968-1970, apesar do decreto afirmar que o programa era de
âmbito nacional.
É interessante observar que no âmbito das ações do PED, o projeto OP pode ser
entendido como uma linha de ação que visava a reestruturação e expansão do ensino
básico. A urgência da medida estava diretamente ligada a obrigatoriedade escolar,
somado a isso a própria situação econômica do país necessitava que a educação formal
fosse um instrumento de auxílio no crescimento da economia. Dessa maneira, o modelo
de crescimento adotado pelo país estava intimamente ligado ao cumprimento da
obrigatoriedade escolar e sua expansão quantitativa, e posteriormente a reforma do
ensino através da lei nº 5692/1971. Para finalizar, um elemento merece ser destacado.
De acordo com o Relatório Final da OP :
Foi esclarecido que a Operação-Escola não traz inovações, visto que
todo Secretário de Educação tem por meta a expansão do ensino e a
melhoria de sua qualidade.
Representa, porém, uma sistematização do trabalho que visa aumentar
o contingente atendido pela escola e a elevar o nível de ensino,
partindo do que já está sendo feito, por etapas, com prazos pré-fixados
(...) (RELATÓRIO FINAL DO GRUPO DE TRABALHO ESPECIAL
DA OPERAÇÃO-ESCOLA, 1968, anexo IV, p. 08).
É interessante observar que o objetivo da OP estava bem definido enquanto meta a ser
seguida, não nos parecendo que o elemento da qualidade se fazia presente nas medidas
tomadas, apesar do relatório indicar o contrário. Note que no texto oficial a expansão
não está associada a medidas de melhoria dos aspectos pedagógicos e sim do aumento
do contingente de alunos atendidos.
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Considerações Finais
Elementos da política econômica mais ampla nos fazem refletir até que cada instituição
envolvida no projeto estava de fato alinhada a essas políticas.
Mesmo que preliminarmente, podemos perceber que o INEP possuía uma cultura de
trabalho sólida, que mantem os mesmos traços e linhas de ação de gestões futuras, o que
a diferencia radicalmente das ações do IPEA.
Note que o conceito de produtividade assumiu lugar de destaque na formulação das
políticas sociais, entre elas a educação, tendo em vista a concretização das metas
estabelecidas com o menos dispêndio possível (BARBOSA, 2006, p.106). Assim, o
projeto Operação-Escola seria um importante instrumento para a expansão do ensino
primário.
Nesse sentido, a aplicação do conceito de produtividade à educação (...) permite que
esta se torne fator ponderável para o desenvolvimento econômico e social do país,
proporcionando aos educandos uma formação desejável, tendo em vista os objetivos
sociais, políticos e econômicos nacionais (INEP, 1968, p.270). Assim, o aumento da
produtividade em educação seria traduzida pelo fluxo escolar mais rápido das crianças.
Através da aplicação do conceito de produtividade à educação, o INEP funcionava
como a instituição responsável pelo diagnóstico e busca de soluções para o baixo
rendimento escolar das crianças brasileiras do ensino fundamental (crianças de 7 a 14
anos).
De acordo com o Relatório Final do Projeto:
A produtividade em educação permite que esta se torne fator
ponderável para o desenvolvimento econômico e social do pais,
proporcionando aos educandos uma formação desejável, tendo em
vista os objetivos sociais, políticos e econômicos nacionais,
A formação adequada, que vá sendo oferecida aos indivíduos,
permitirá que eles tenham melhores condições de satisfazer suas
necessidades e aspirações pessoais, colocadas num nível mais alto.
O aumento da produtividade em educação se traduz por um fluxo mais
rápido das crianças escolarizadas, a par da formação, pela escola, de
produtos de melhor nível de qualidade, em termos dos objetivos
amplos da educação e mais adequados as necessidades sociais e
econômicas (p.17, anexo V).
Enquanto que o IPEA tinha suas formulações muito mais alinhadas à política geral mais
ampla que se baseava em pressupostos de racionalidade, eficácia e produtividade. Fica
claro que a ênfase no caráter técnico e no planejamento educacional dava os primeiros
sinais de que se tornaria a política governamental hegemônica. Os anos de 1968 e 1969
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são considerados exemplares no endurecimento da política repressora e na supressão
dos direitos civis. Na área educacional, um novo paradigma ganhava força com o
Programa Estratégico de Desenvolvimento em todos os níveis educacionais.
Referências
ALVES, Denysard O; SAYAD João. O Plano Estratégico de Desenvolvimento – 19681970. In: LAFER, Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
1975.
BARBOSA, Rita de Cássia Ribeiro. Os Planos de Desenvolvimento e a Educação: de
Juscelino Kubitschek ao regime militar. Campinas: Unicamp, 2006 (tese de doutorado).
FAGNANI, Eduardo. Política Social no Brasil (1964-2002): entre a cidadania e a
caridade. São Paulo: Universidade Estadual de Campinas, 2005 (tese de doutorado)
FERREIRA JR, Amarilio; BITTAR, Marisa. Educação e Ideologia Tecnocrática na
Ditadura Militar. Caderno Cedes. Campinas, vol. 28, nº 76, set-dez, 2008.
FOINA, Luciana de Mello Gomide. Operação-Escola (Projeto Especial Prioritário do
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INEP. Operação-Escola: Subsídios para Reformulação do Ensino Primário Brasileiro.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, vol. 50, nº112, out-dez,
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MACARINI, José Pedro. A Política Econômica do Governo Costa e Silva: 1967-1969.
Revista Economia Contemporânea. Rio de Janeiro, vol.10, nº03, set-dez, 2006.
SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1973.
Documentos:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao67.htm
Acesso em: 22 set 2012.
_______. Decreto n° 63.258, de 19 de setembro de 1968. Dispõe sobre o projeto
especial prioritário do Programa Estratégico para o Desenvolvimento, denominado
“Operação-Escola”.
_______. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional.
_______. Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968 – 1970). Ministério do
13
Planejamento e Coordenação Geral. Área Estratégica IX – Infra-estrutura social. Vol. I
– Educação e Recursos Humanos, Fevereiro de 1969.
_______. Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968 – 1970). Ministério do
Planejamento e Coordenação Geral. Área Estratégica IX – Infra-estrutura social. Vol. II
– Educação e Recursos Humanos, Fevereiro de 1969.
PINHEIRO, Lúcia Marques; SARAIVA, Maria Terezinha Tourinho. Relatório Final do
Grupo de Trabalho Especial da Operação-Escola (Criado pelo Decreto nº 63.258 de
19/09/68), Setembro de 1968.
NOTAS:
i
Os tecnocratas são os experts (técnicos) responsáveis pela aplicação de novas tecnologias na
administração do poder de Estado, ou seja, das técnicas empregadas no âmbito das ações governamentais
com o objetivo de se alcançar a eficiência na racionalização dos recursos financeiros aplicados nos vários
setores das políticas estatais.
ii
Lyra Paixão pediu dispensa do grupo no dia 19 de novembro de 1968, em virtude das constantes viagens
do grupo e de seus compromissos na EATEP (Equipe de assistência Técnica do Ensino Primário)
iii
IPEA – Instituto de Pesquisas e Econômicas Aplicadas.
MINIPLAN – Ministério do Planejamento e Coordenação Geral.
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