São Paulo, 22 de novembro de 2013.
Ao
Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Presidenta do Conselho Superior da Defensoria Pública de São Paulo,
Conselheiras e Conselheiros,
A Ouvidoria-Geral e seu Conselho Consultivo, em decorrência do
acúmulo resultante de reiteradas manifestações consolidadas nos principais
mecanismos de participação social vigentes na Defensoria de São Paulo,
conjuntamente com o Núcleo Especializado de Combate à Discriminação,
Racismo e Preconceito e com o Instituto Luiza Gama, com fundamento no
parecer que encarta o presente documento como parte integrante e fundamento
necessário da Proposta (ANEXO I) e em continuidade ao quanto deliberado na
sessão deste CSDP de 12 de julho deste mesmo ano (ANEXO II1), tem a honra
de se dirigir ao Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado para
apresentar a presente proposta de implantação de sistema de cotas étnicoraciais na Instituição.
Propõe-se, compartilhando a responsabilidade que cabe a todos os
integrantes do Conselho Superior da Defensoria, que os compromissos
históricos sejam resgatados para o avanço na construção de uma agenda
positiva e democratizante também no que concerne à implementação de
políticas afirmativas.
Reiteramos e avançamos, como Deliberado pelo CSDP na sessão de 12/07/2013, na proposta
originalmente apresentada no Processo CSDP nº 210/2013, disponível no seguinte link:
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/23/Documentos/2013%2007%2012_Peti
cao_CSDP_COTAS_ComAnexos_LZ.pdf
1
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Buscamos, ao fim e ao cabo, garantir que, concretamente, a gestão
participativa proporcionada pelos Ciclos de Conferências, pelo Momento
Aberto e pela Ouvidoria Externa amplie e consolide o histórico institucional de
protagonismo democrático, o que, no momento atual, carece de alinhamento
com o bem vindo contexto nacional de avanço na superação das há muito
insuportáveis injustiças étnico-raciais.
Luciana Zaffalon
Ouvidora-Geral
Vanessa Alves Vieira
Coordenadora do Núcleo de
Combate à Discriminação,
Racismo e Preconceito
Silvio Luiz de Almeida
Presidente do Instituto Luiz Gama
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DOCUMENTAÇÃO ANEXA
1. Parecer jurídico acerca da adoção de cotas étnico-raciais nos
concursos públicos para o ingresso na carreira de Defensor Público
do Estado de São Paulo.
2. Relato do comunicado da Sessão do CSDP de 12 de julho de 2013.
3. Artigo História e Memória Nacional no Discurso Jurídico - o
Julgamento da ADPF 186 de Evandro Charles Piza e Guilherme
Scotti, que, dentre outros temas, apresenta o debate sobre a História
a partir da judicialização das cotas raciais.
4. Proposta de alteração da Deliberação CSDP nº 10/2006.
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ANEXO I
PARECER JURÍDICO
________________________________________________
ADOÇÃO DE COTAS ÉTNICO-RACIAIS NOS CONCURSOS
PÚBLICOS PARA O INGRESSO NA CARREIRA DE DEFENSOR
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
________________________________________________
Prof. Dr. Silvio Luiz de Almeida
São Paulo – 2013
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PARECER JURÍDICO
Ementa: Adoção da política de cotas étnico-raciais para negros e indígenas nos concursos de
ingresso na carreira de Defensor Público do Estado de São Paulo. Possibilidade.
Desnecessidade de Lei em sentido estrito. Autorização que emana diretamente do texto
constitucional. Existência de base legal no Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal nº
12.288/2010). Suficiência de ato regulamentar fruto do exercício da autonomia administrativa
e funcional das Defensorias Estaduais. Inteligência dos artigos 134 da Constituição Federal e
dos artigos 3º, 5º e 7º da Lei Complementar Estadual Paulista nº 988/2006.
PREÂMBULO
Consulta-nos a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
sobre a possibilidade jurídica de implantação de sistema de cotas étnico-raciais para
negros e indígenas nos concursos de ingresso na Defensoria Pública do Estado de São
Paulo.
De início, gostaríamos de fixar dois aspectos fundamentais para a correta
abordagem do problema apresentado, a saber: 1) a constitucionalidade das cotas
étnico-raciais para ingresso no serviço público; 2) a autonomia da Defensoria Pública
Estadual para a instituição de ações afirmativas.
Passo agora à fundamentação
FUNDAMENTAÇÃO
1. Cotas étnico-raciais como modalidade de ações afirmativas. Necessidade de sua
adoção para promoção de direitos fundamentais
As cotas ou a reserva de vagas fazem parte do rol das chamadas “ações
afirmativas”, que nada mais são do que medidas estratégicas que têm por finalidade
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promover a igualdade substancial, seja no setor público, seja no setor privado. Ao se
constatar que membros de certos grupos sociais, em decorrência de situações
históricas, sofrem desvantagens quando do exercício de direitos, certas políticas de
caráter temporário devem ser adotadas a fim de que se dê realidade ao princípio da
isonomia. As ações afirmativas são consideradas como formas de “discriminação
positiva”, pois preveem na sua formulação a atribuição de tratamento diferenciado a
membros de grupos sociais com o objetivo de propiciar igualdade de condições e
representatividade político-social.
As políticas de ação afirmativa encontram ampla fundamentação no nosso
ordenamento jurídico, como também em preceitos de justiça que foram incorporados
pelo constitucionalismo contemporâneo, tais como as ideias de justiça corretiva e
justiça distributiva. Esses conceitos de justiça atuam como parâmetros para a
interpretação das normas que estabelecem a erradicação da marginalização social
como um objetivo constitucional.
A discriminação não pode ser entendida apenas em sua forma clássica, ou seja,
como discriminação direta, em que indivíduos ou grupos são ostensivamente
repudiados pela sua condição social. O racismo pode também se apresentar sob outras
formas mais sutis e, de certo modo, mais perversas: a discriminação indireta e a
estratificação social.
A discriminação indireta é um processo intrageracional, em que a situação
específica de grupos minoritários é ignorada (discriminação de fato) ou em que se
impõem regras aparentemente neutras sem que se leve em conta a existência de
diferenças sociais significativas (discriminação pelo direito ou discriminação por
impacto adverso). Por sua vez, a estratificação social indica um processo
intergeracional que se manifesta como consequência da reprodução da discrimnação
direta e indireta ao longo do tempo. Esse processo cria uma série de obstáculos para o
alcance da isonomia material entre grupos raciais porque essas desigualdades se
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estendem a várias esferas da vida dos indivíduos. O combate a estas formas de
discriminação requer a combinação de políticas públicas de caráter universal e de
iniciativas governamentais direcionadas para grupos sociais que sofrem as
consequências históricas da exclusão social.
Vemos então que a análise das sutilezas dos processos discriminatórios levou
os estudiosos à conclusão de que medidas exclusivamente repressivas seriam, além de
inócuas para o enfrentamento do racismo, incapazes de promover a almejada
igualdade de condições. Por isso, dois tipos de argumentos foram constituídos para
fundamentar as ações afirmativas: os forward-looking arguments ou argumentos
prospectivos e os backward-looking arguments ou argumentos retrospectivos. Os
argumentos prospectivos tomam como pedra angular das ações afirmativas a noção de
justiça distributiva, sendo o argumento de valorização da diversidade um dos
exemplos mais bem acabados. Os argumentos retrospectivos sustentam a necessidade
das ações afirmativas no campo da justiça corretiva, figurando a discussão das
reparações históricas como a mais representativa. Em seu voto na ADPF 186, em que o
STF reconheceu a constitucionalidade da política de cotas raciais, o Ministro Ricardo
Lewandowski utiliza um backward-looking argument para justificar a necessidade das
ações afirmativas:
O reduzido número de negros e pardos que exercem cargos ou funções de relevo
em nossa sociedade, seja na esfera pública, seja na privada, resulta da
discriminação histórica que as sucessivas gerações de pessoas pertencentes a esses
grupos têm sofrido, ainda que na maior parte das vezes de forma camuflada ou
implícita. Os programas de ação afirmativa em sociedades em que isso ocorre, entre
as quais a nossa, são uma forma de compensar essa discriminação, culturalmente
arraigada, não raro praticada de forma inconsciente e à sombra de um Estado
complacente.
A ideia de diversidade tem sido bastante destacada nos últimos anos na
justificação das ações afirmativas. É bom que se diga que a diversidade é a ideia
estruturante das decisões da Suprema Corte Americana que em 1969 (Regents of
University of California v. Bakke) e 2003 (Grutter v. Bollinger) reafirmaram a
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constitucionalidade das ações afirmativas com recorte racial. Para a Suprema Corte
Americana, a diversidade se traduzia em uma vantagem para toda a sociedade, pois o
convívio de diferentes visões de mundo só tenderia a fortalecer a democracia. É por
esse motivo que o conceito de diversidade se tornou um princípio de política pública
nos Estados Unidos seguido por entidades públicas e privadas, fato que pode ser
observado pelas inúmeras governamentais, instituições de ensino e empresas privadas
de renome internacional que adotam ações afirmativas de corte étnico-racial como
parte estruturante de suas atividades.
No Brasil, o STF também reforçou a diversidade como algo a ser perseguido nas
políticas de ação afirmativa. Disse, mais uma vez, o Ministro Ricardo Lewandowski:
É preciso, portanto, construir um espaço público aberto à inclusão do outro, do
outsider social. Um espaço que contemple a alteridade. E a universidade é o espaço
ideal para a desmistificação dos preconceitos sociais com relação ao outro e, por
conseguinte, para a construção de uma consciência coletiva plural e culturalmente
heterogênea, aliás, consentânea com o mundo globalizado em que vivemos.
Ao permitir que membros de grupos sociais historicamente discriminados
participem de espaços onde decisões importantes são tomadas ou que venham a
pertencer a instituições que gozam de prestígio, permite-se uma recomposição política
e econômica do tecido social que se manifesta das seguintes formas: a) fortalecimento
dos laços sociais, impedindo o isolamento de grupos e retirando a força de práticas
discriminatórias; b) exercício da pluralidade de visões de mundo e a dedução de
interesses aparentemente específicos do grupo, que agora, com voz ativa, poderá
participar da produção de um “consenso”, dando legitimidade democrática às normas
de organização social; c) redistribuição econômica, vez que a maior dificuldade de
acesso ao mercado de trabalho é característica marcante em membros de grupos
historicamente discriminados.
***
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No campo dos intensos debates sobre as políticas de ação afirmativa, em
especial na modalidade de cotas, o ponto relativo à meritocracia merece ser
comentado. Para os adversários das políticas de ação afirmativa, sobretudo a política
de cotas, a instituição de vantagens com base em critérios que não apenas o
desempenho pessoal ocasionaria a desvalorização do mérito e a consequente perda de
qualidade das instituições. É uma visão equivocada, calcada em um individualismo
abstrato que fantasia um mundo em que as pessoas realmente têm igualdade de
condições. Em primeiro lugar, o mérito só pode ser medido em situações em que haja
igualdade substancial, como já nos ensinou Aristóteles em sua Ética a nicômaco. Em
segundo lugar, diversas pesquisas demonstram que no Brasil a implementação de
políticas de ação afirmativa não apenas manteve o padrão de qualidade das
instituições que a adotaram, mas em muitos casos os beneficiários do sistema de cotas
obtiveram desempenho superior aos candidatos não cotistas. E em terceiro lugar, as
ações afirmativas caracterizam-se pela transitoriedade. Debelados ou reduzidos os
fatores sociais e econômicos que impedem o acesso de pessoas a certos bens e
direitos por conta de algum fator identitário (cor da pele, gênero, etnia, religião,
orientação sexual, deficiência) as políticas de ação afirmativa devem obrigatoriamente
ser revistas ou mesmo extintas, sob o risco de passarem de direito à privilégio. Por
tudo isso, as palavras do Ministro Marco Aurélio Mello no julgamento da ADPF 186 são
definitivas: “a meritocracia sem ‘igualdade de pontos de partida’ é apenas uma forma
velada de aristocracia”.
Se o compromisso com a diversidade e os valores do pluralismo social e político
que a acompanham se impõem também à iniciativa privada, com muito mais razão se
pode dizer do Estado e suas instituições. Se tomarmos apenas o caso específico da
população negra, concluiremos que o Estado brasileiro, desde a sua origem, concorreu
diretamente para a produção das desigualdades do tempo presente. O estímulo
estatal à exploração do trabalho de africanos e seus descendentes; o patrocínio de
políticas de exclusão da população negra, mesmo após a abolição (como a “política do
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branqueamento”) e a omissão diante da violência sistemática contra a população
negra são exemplos da responsabilidade política e jurídica do Estado no que tange ao
combate à discriminação.
A existência da desigualdade racial opõe-se à realização de direitos
fundamentais, tanto em sua dimensão individual, como em sua dimensão social. Da
mesma forma, a persistência do racismo e a omissão do poder público em combatê-lo
são incompatíveis com os objetivos fundamentais da República: a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF), a garantia do desenvolvimento
nacional (art. 3º, II, da CF), a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução
das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF) e, principalmente, a promoção
do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação. Nessa
mesma direção, os ensinamentos da Ministra Carmen Lúcia Rocha Antunes, autora de
trabalhos importantes sobre o tema das ações afirmativas, são exemplares:
A ação afirmativa é, pois, a expressão democrática mais atualizada da igualdade
jurídica promovida na e pela sociedade, segundo um comportamento positivo
normativa ou administrativamente imposto ou permitido.
Por ela revela-se não apenas um marco equivocado da discriminação havida no
passado em relação a determinados grupos sociais, mas, principalmente, uma
transformação presente que marca um novo sinal de perspectivas futuras, firmadas
sobre uma concepção nova, engajada e eficaz do princípio da igualdade jurídica. A
ação afirmativa traduz também o verdadeiro primado do interesse histórico e integral
da sociedade sobre o interesse momentâneo e singular do indivíduo. Sem se deixar o
direito desse ao desabrigo – tanto que apenas um percentual é fixado para a definição
das minorias, deixando-se ao talento pessoal as disputas gerais dos cargos, empregos,
oportunidades gerais para obtenção das condições necessárias para cada qual segundo
a sua vocação à competição e coordenação de todos –, a ação afirmativa reconstrói o
tecido social, introduzindo propostas novas à convivência política, nas quais se
descobrem novos caminhos para se igualar, na verdade do direito e não apenas na
palavra da lei, o que o preconceito de ontem desigualou sem causa humana digna
(ANTUNES, Carmen Lúcia Rocha. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio
da igualdade jurídica. Revista de informação legislativa, a. 33, n. 131, jul/set. 1996, p.
295).
Não há respeito aos valores republicanos onde a cor da pele é uma barreira à
participação de pessoas nas instituições fundamentais do Estado. Não existe
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democracia quando parte significativa da população não pertence aos espaços
políticos de poder e prestígio. E a cidadania é uma quimera quando ser negro é fator
restritivo ao pleno exercício de direitos fundamentais. Mais uma vez, a Ministra
Carmen Lúcia Rocha Antunes, também considera os valores republicanos,
democráticos e da cidadania como incompatíveis com a desigualdade:
A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da superação do problema do
não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente como lhe é na letra
da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para se
igualar com os demais. Cidadania não combina com desigualdade. República não
combina com preconceito. Democracia não combina com discriminação. E, no entanto,
no Brasil que se diz querer republicano e democrático, o cidadão ainda é uma elite, pela
multiplicidade de preconceitos que subsistem, mesmo sob o manto fácil do silêncio
branco com os negros, da palavra gentil com as mulheres, da esmola superior com os
pobres, da frase lida para os analfabetos... Nesse cenário sócio-político e econômico,
não seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da
Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que não lhe rebuscasse a
alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história feita
pelas mãos calejadas dos discriminados (ANTUNES, Carmen Lúcia Rocha. Ação
afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de
informação legislativa, a. 33, n. 131, jul/set. 1996, p. 295).
Nesse contexto, é imperiosa a ação do Estado e de suas instituições para
combater as profundas desigualdades que se reproduzem na sociedade brasileira. A
adoção de ações afirmativas teria um impacto extremamente positivo em uma
instituição como a Defensoria Pública, cujos fins institucionais estão diretamente
vinculados à luta contra todas as formas de exclusão. A presença de defensores negros
e indígenas traria para o interior da Defensoria a visão de mundo daqueles que são os
principais usuários dos serviços prestados pela Defensoria. Seria não mais lidar com o
problema do outro, mas com um problema que aflige à sociedade e com a qual todos –
inclusive a Defensoria – têm que se responsabilizar. As questões com as quais um
homem branco e uma mulher negra têm que lidar não são as mesmas em uma
sociedade como a nossa. A Defensoria Pública se legitimaria frente à sociedade a que
deve servir, pois dentro dela, parte dessa sociedade - a parte que mais sofre - estaria
representada.
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2. Política de cotas nas relações de trabalho. Possibilidade jurídica.
A adoção de ações afirmativas para a inclusão de grupos sociais subrepresentados no âmbito das relações de trabalho não é nenhuma novidade no direito
brasileiro. Basta lembrar as normas que visam a proteção da mulher no mercado de
trabalho, que reservam vagas em concursos públicos para pessoas com deficiência e
que até mesmo concedem tratamento diferenciado a microempresas e empresas de
pequeno porte.
A questão, portanto, não está em saber se a discriminação positiva é
compatível com a ordem jurídica; a Constituição, a mais abalizada doutrina e a
jurisprudência do STF não deixam dúvidas sobre isso. O cerne do problema está em
saber acerca da utilização de critérios raciais para a formulação de políticas afirmativas
nas relações de trabalho.
Antes, porém, é necessário que um olhar sobre a realidade preceda a análise
jurídica. É importante frisar a responsabilidade do Estado brasileiro na persistência do
racismo. No passado, os negros foram profundamente afetados por leis que direta ou
indiretamente proibiram-lhes o exercício de certas profissões ou mesmo retiraramlhes as terras utilizadas para a subsistência. O papel dos juristas da Faculdade de São
Paulo e do Recife, bem como dos médicos da Universidade da Bahia devem ser
ressaltados, pois na transição do trabalho escravo para o assalariado, construíram a
versão nacional do discurso ideológico que afirmava ser a população negra inadequada
para o trabalho assalariado; que a miscigenação levava a doenças; que os negros
tinham problemas de caráter e que sua idade mental era inferior a dos brancos.
O resultado disso já é bastante conhecido: desde a remuneração até o nível das
ocupações a desigualdade entre brancos e negros é explícita. Nas carreiras jurídicas,
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mesmo nas carreiras públicas mais recentes e arejadas, como a Defensoria Pública, é
patente a quase ausência de negros e, portanto, do racismo estrutural.
***
Não bastasse a clareza do texto constitucional acerca do tema, diversas
disposições infraconstitucionais reafirmam o compromisso do Brasil com a promoção
da igualdade étnico-racial.
Destas disposições, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) é a mais
relevante. O objetivo declarado do Estatuto é “garantir à população negra a efetivação
da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e
difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica” (art.
1º). Os programas de ação afirmativa têm especial destaque na consecução desses
objetivos, segundo o disposto no parágrafo único do artigo 4º, segundo o qual “os
programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a
reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias
adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do
País”.
Para os fins a que se propõe esse parecer, destacamos o inciso VII, do artigo art.
4o , do Estatuto, que afirma que “implementação de programas de ação afirmativa
destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação,
cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação
de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros”. O que faz o
Estatuto nesse ponto é alinhar-se com a disciplina dos direitos fundamentais sociais,
essencialmente previstos, nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal. O direito ao
trabalho, como direito social, deve ser assegurado às minorias.
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O mercado de trabalho é um ponto extremamente sensível à discriminação. A
discriminação nas relações de trabalho atinge a capacidade econômica do grupo social,
empurrando homens e mulheres, negros e indígenas, para a pobreza que, na maioria
das vezes, ultrapassa gerações. O resultado disso é a criação de um ciclo em que
pobreza e marginalidade acabam por reforçar os estigmas discriminatórios, fazendo
com que mazelas sociais sejam associadas à condição racial, de gênero ou à
sexualidade, fenômeno a que psicologia social denominou de stereotype threath ou
“ameaça do estereótipo”.
O Estatuto traz um capítulo intitulado “do trabalho”, em que no art. 39 afirmase que “o poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de
oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a
implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do
setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações
privadas”. Por presunção de legalidade, o termo “contratações no setor público” deve
ser compreendido como a realização de concorrência (forma legal de “contratação no
setor público”), o que, por óbvio, engloba a realização de concursos públicos. Vale
ressaltar que o Estatuto da Igualdade Racial é lei de abrangência nacional e que não
fere a competência de nenhum dos entes federativos. É norma que visa a ampliar o
acesso da população negra aos direitos fundamentais e que, para tanto, institui
diretrizes de combate à discriminação racial. Ora, zelar pelos direitos fundamentais e
combater todas as formas de discriminação é competência comum dos entes
federativos, conforme se depreende do artigo 23, incisos I e X, da Constituição Federal,
que diz ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas
e conservar o patrimônio público” e “combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.
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No mesmo artigo 39, § 2o, do Estatuto da Igualdade Racial está disposto que “as
ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração
pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em
legislação específica e em seus regulamentos”. A partícula “ou” é bastante
significativa: as ações afirmativas para o ingresso da população negra no trabalho do
setor público podem ser implantadas por normas já existentes ou por normas
futuramente implantadas. Conforme falaremos mais detalhadamente adiante,
enfocando o caso específico das Defensorias Públicas Estaduais, nada obsta que
instituições com autonomia administrativa e orçamentária (caso das Defensorias)
instituam programas de ação afirmativa, inclusive as cotas raciais, por meio de seus
regulamentos próprios, haja vista a existência de supedâneo constitucional, lei em
sentido estrito (o Estatuto da Igualdade Racial) e até mesmo tratados internacionais
quem fundamentam à sobejo a expedição do ato normativo infralegal.
***
O artigo 38 do Estatuto da Igualdade Racial afirma que na implementação de
políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho, serão
observadas, além das regras do próprio Estatuto, os tratados internacionais sobre o
tema, com especial menção aos compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a
Convenção no 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
trata da discriminação no emprego e na profissão, e a Convenção Internacional sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965.
A Convenção nº 111/OIT, de 1959 foi ratificada pelo Brasil em 1965 e
promulgada pelo Decreto nº 62.150/68, define discriminação como “toda distinção,
exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política,
ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a
igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”
(Art. 1º, item 1) e evidencia que o combate a esta prática passa pela adoção de ações
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afirmativas entendidas como “distinções, exclusões ou preferências fundadas em
qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como
discriminação” (Art. 1º, item 2):
Artigo 1º - 1. a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo,
religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de
emprego ou profissão;
b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou
alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou
profissão, que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultas as
organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam e
outros organismos adequados.
[...]
2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um
determinado emprego não são consideradas como discriminação.
Por sua vez, a Convenção para a Eliminação de todas as formas de discriminação
racial de 1965, ratificada pelo Brasil em 1968 e promulgada pelo Decreto nº 65.810/69,
também considera que políticas temporárias de discriminação positiva baseadas no
critério racial são fundamentais pra “assegurar progresso adequado de certos grupos
raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser
necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos gozo ou exercício de direitos
humanos e liberdades fundamentais” (Art. 1º, item 4):
Artigo 1º, item 4 - Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais
tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais
ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para
proporcionar a tais grupos ou indivíduos gozo ou exercício de direitos humanos e
liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à
manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após
terem sido alcançados os seus objetivos.
No art. 5º da mesma Convenção também se pode encontrar disposição específica
sobre a eliminação da discriminação racial nas relações de trabalho:
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Artigo 5º - Em conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2, os
Estados-partes comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas as
suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei, sem distinção de
raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes
direitos:
(...)
i) direitos ao trabalho, à livre escolha de trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de
trabalho, à proteção contra o desemprego, a um salário igual para um trabalho igual, a uma
remuneração equitativa e satisfatória;
Em relação aos concursos públicos, é importante ressaltar que se constituem
como manifestação do republicanismo e da democracia no acesso aos cargos,
empregos e funções públicas. Desse modo, os princípios da administração pública
expressos no art. 37, da CF, aplicam-se indiscutivelmente aos certames públicos:
legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência. Já dissemos que as
ações afirmativas dão realidade ao republicanismo e à democracia, mas não podemos
deixar de acrescentar que a observância dos princípios administrativos determinam a
adoção de políticas de ação afirmativa, e a de cotas, em particular. A legalidade da
política de cotas é inquestionável, haja vista a decisão do STF na ADPF 186; a
impessoalidade é assegurada pela política de cotas, pois apenas o fato de ser branco
deixará de ser uma vantagem competitiva; a moralidade é um dos motivos essenciais
pelos quais a política de cotas deve integrar os concursos públicos, vez que o racismo é
contrário aos valores protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro; e por fim, a
política de cotas raciais é, dentre as modalidades de ação afirmativa, a que mais
prestigia a eficiência administrativa, conforme demonstra o efetivo aumento de negros
e negras nas universidades públicas que aplicaram tais políticas nos últimos dez anos.
3. Política de cotas no serviço público. Experiência brasileira
Alguns Estados brasileiros já estabelecem reserva de vagas em concursos
públicos para a população negra e indígena: Paraná (Lei 14.274/2003), Rio de Janeiro
(Decreto 43.007/2011 e Lei 6067/2011) e Mato Grosso do Sul (Lei 3594/2008) e Rio
Grande do Sul (Lei 14.147/2012).
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Destacaremos aqui as duas primeiras experiências – Paraná e Rio de Janeiro –
tendo em vista tratar-se de textos mais abrangentes.
A Lei estadual do Paraná é a pioneira na implantação da política de reserva de
vagas, anterior até ao Estatuto da Igualdade Racial. Segundo a Lei, são reservados aos
afrodescendentes 10% das vagas oferecidas nos concursos públicos efetuados pelo
Poder Público Estadual, para provimento de cargos efetivos (art. 1º). No caso de não
preenchimento das vagas reservadas, as mesmas serão revertidas aos demais
candidatos classificados no concurso. A condição de afrodescendente será feita por
autodeclaração (art. 4º), que se falsa for, poderá levar à anulação da inscrição do
concurso ou a demissão, em caso de tomada a posse (art. 5º, I e II):
Lei de Cotas do Estado do Paraná
Art. 1º. Ficam reservadas aos afrodescendentes, 10% (dez por cento) das vagas oferecidas nos concursos
públicos, efetuados pelo Poder Público Estadual, para provimento de cargos efetivos.
§ 1º. A fixação do número de vagas reservadas aos afrodescendentes e respectivo percentual, far-se-á
pelo total de vagas no edital de abertura do concurso público e se efetivará no processo de nomeação.
§ 2º. Preenchido o percentual estabelecido no edital de abertura, a Administração fica desobrigada a
abrir nova reserva de vagas durante a vigência do concurso em questão.
§ 3º. Quando o número de vagas reservadas aos afrodescendentes resultar em fração, arredondar-se-á
para o número inteiro imediatamente superior, em caso de fração igual ou maior a 0,5 (zero vírgula
cinco), ou para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (zero vírgula
cinco).
§ 4º. A observância do percentual de vagas reservadas aos afro-descendentes dar-se-á durante todo o
período de validade do concurso e aplicar-se-á a todos os cargos oferecidos.
Art. 2º. O acesso dos candidatos à reserva de vagas obedecerá o pressuposto do procedimento único de
seleção.
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Art. 3º. Na hipótese de não preenchimento da quota prevista no art. 1º, as vagas remanescentes serão
revertidas para os demais candidatos qualificados no certame, observada a respectiva ordem de
classificação.
Art. 4º. Para efeitos desta lei, considerar-se-á afrodescendente aquele que assim se declare
expressamente, identificando-se como de cor preta ou parda, a raça etnia negra.
Parágrafo único. Tal informação integrará os registros cadastrais de ingresso de servidores.
Art. 5º. Detectada a falsidade na declaração a que se refere o artigo anterior, sujeitar-se-á o infrator às
penas da lei, sujeitando-se, ainda:
I – Se já nomeado no cargo efetivo para o qual concorreu na reserva de vagas aludidas no art. 1º,
utilizando-se da declaração inverídica, à pena disciplinar de demissão;
II – Se candidato, à anulação da inscrição no concurso público e de todos os atos daí decorrentes.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, ser-lhe-á assegurada ampla defesa.
Art. 6º. As disposições desta Lei não se aplicam àqueles concursos públicos cujos editais de abertura
foram publicados anteriormente à sua vigência.
Art. 7º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Foi inicialmente por meio de Decreto que o Rio de Janeiro institui cotas nos
serviços públicos. O Decreto 43.007, de 06 de Junho de 2011, do Estado do Rio de
Janeiro, trouxe texto bastante parecido com o da Lei paranaense, mas com algumas
modificações, em especial nos §1º e 2º do art. §3º. Poucos meses depois, o mesmo
texto do Decreto serviria de base para a Lei 6067 de 25 de outubro de 2011:
Lei de Cotas do Rio de Janeiro
Art. 1° Ficam reservadas aos negros e índios 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos
públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos integrantes dos quadros permanentes
de pessoal do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro e das entidades de sua Administração
Indireta.
§ 1° Se, na apuração do número de vagas reservadas a negros e índios, resultar número decimal igual ou
maior do que 0,5 (meio), adotar-se-á o número inteiro imediatamente superior; se menor do que 0,5
(meio), adotar-se-á o número inteiro imediatamente inferior.
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§ 2° Os candidatos destinatários da reserva de vagas a negros e índios sempre concorrerão à totalidade
das vagas existentes, sendo vedado restringir-lhes o acesso aos cargos ou empregos objeto do certame
às vagas reservadas.
§ 3°Os candidatos que não sejam destinatários da reserva de vagas a negros e índios concorrerão às
demais vagas oferecidas no concurso, excluídas aquelas objeto da reserva.
§ 4° Para os efeitos desta Lei será considerado negro ou índio o candidato que assim se declare no
momento da inscrição, sendo vedada qualquer solicitação por parte do candidato após a conclusão da
inscrição ou participação do certame.
§ 5° A autodeclaração é facultativa, ficando o candidato submetido às regras gerais estabelecidas no
edital do concurso, caso não opte pela reserva de vagas.
§ 6° Não havendo candidatos negros ou índios aprovados, as vagas incluídas na reserva prevista neste
artigo serão revertidas para o cômputo geral de vagas oferecidas no concurso, podendo ser preenchidas
pelos demais candidatos aprovados, obedecida a ordem de classificação.
§ 7º Estende-se o disposto nesta Lei aos concursos públicos realizados pelo Poder Legislativo Estadual.
§ 8º Se o número de vagas oferecidas for igual ou inferior a 20 (vinte) o percentual da reserva citada no
caput será de 10% (dez por cento).
Art. 2º Detectada a falsidade da declaração a que se refere o Art. 1°, § 4°, será o candidato eliminado do
concurso, cópia dos documentos tidos como falsos serão imediatamente remetidas ao Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro para a instrução da devida ação penal e, se houver sido nomeado,
ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço público, após procedimento administrativo em que
lhe seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Art. 3° Na apuração dos resultados dos concursos, serão formuladas listas específicas para identificação
da ordem de classificação dos candidatos cotistas entre si.
§ 1° A nomeação dos candidatos aprovados será de acordo com a ordem de classificação geral no
concurso, mas, a cada fração de 5 (cinco) candidatos, a quinta vaga fica destinada a candidato negro ou
índio aprovado, de acordo com a sua ordem de classificação na lista específica.
§ 2° Na ocorrência de desistência de vaga por candidato negro aprovado, essa vaga será preenchida por
outro candidato negro ou índio, respeitada a ordem de classificação da lista específica.
Art. 4° A reserva de vagas a que se refere a presente Lei constará expressamente dos editais de
concurso público, devendo a entidade realizadora do certame fornecer toda orientação necessária aos
candidatos interessados nas vagas reservadas.
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Art. 5° A presente Lei vigorará por 10 (dez) anos, devendo a Secretaria de Estado de Assistência Social e
Direitos Humanos promover o acompanhamento permanente dos seus resultados e produzir relatório
conclusivo a cada dois anos.
Parágrafo único. No primeiro trimestre do último ano de vigência da presente Lei, o Secretário de
Estado de Assistência Social e Direitos Humanos enviará ao Governador do Estado e à Assembleia
Legislativa relatório final sobre os resultados alcançados, podendo recomendar ou não a edição de nova
Lei sobre o tema.
Art. 6° A presente Lei entra em vigor 30 (trinta) dias após sua publicação.
Parágrafo único. A presente Lei não se aplicará aos concursos cujos editais já tiverem sido publicados
antes de sua entrada em vigor.
4. Autonomia institucional da Defensoria Pública. Poder-dever de implantação de
políticas de ação afirmativa. Desnecessidade de Lei em sentido estrito.
A Defensoria Pública foi elevada pelo Poder Constituinte à condição de
“instituição essencial à função jurisdicional” (art. 134, da CF). No §2º do mesmo artigo,
a Carta Magna assegurou expressamente às Defensorias Públicas Estaduais autonomia
funcional e administrativa, bem como a iniciativa de sua proposta orçamentária desde
que observadas as leis orçamentárias.
No campo de sua autonomia, poderiam as Defensorias Públicas Estaduais
instituir reserva de vagas para negros e indígenas em seus concursos públicos? A
resposta é sim. E as razões são inúmeras, como passamos a expor.
De início, lembremo-nos do alerta sempre presente nas melhores doutrinas de
que a Constituição deve ser interpretada de forma sistemática, de modo que cada
parte sempre se refira ao todo. Nessa vereda, a autonomia constitucional das
Defensorias Públicas Estaduais não se separa da tutela permanente dos direitos
fundamentais.
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Com efeito, autonomia é a qualidade do ente que se autodetermina, mas a
partir de um espaço relativo. Ressaltar a espacialidade e a relatividade na definição é
reconhecer que a autonomia se revela em um mundo concreto, formado por diversas
relações e sempre a partir de determinadas situações. Isso significa que às Defensorias
é dada a autonomia para que, a partir da realidade em que se apresentam, possam dar
cumprimento aos desígnios que lhe foram constitucionalmente traçados.
Não é por outro motivo que a Lei Complementar Estadual 988/2006, que
organiza a carreira a Defensoria Pública Paulista e institui o regime jurídico da carreira
de defensor, traz objetivos institucionais que se afinam com precisão aos objetivos
fundamentais da à República Federativa do Brasil, inscritos no art. 3º, da CF:
Artigo 3º - A Defensoria Pública do Estado, no desempenho de suas funções, terá como
fundamentos de atuação a prevenção dos conflitos e a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalidade, e a redução das
desigualdades sociais e regionais.
Portanto, as Defensorias Estaduais possuem autonomia não para cuidar de
interesses de seus integrantes, seja individualmente, seja como categoria. A
autonomia é atributo conferido às Defensorias dos Estados-membros para que, a
partir do olhar sobre a realidade que as circunda, possam organizar-se da melhor
forma possível a fim de atingir os objetivos institucionais que estão determinados na
legislação.
A responsabilidade da Defensoria Pública Paulista evidencia-se com a leitura do
artigo 5º da Lei Complementar 988/2006:
Artigo 5º - São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre outras:
I - prestar aos necessitados orientação permanente sobre seus direitos e garantias;
(...)
i) a tutela dos direitos das pessoas necessitadas, vítimas de qualquer forma de opressão
ou violência;
j) trabalho de orientação jurídica e informação sobre direitos humanos e cidadania em
prol das pessoas e comunidades carentes, de forma integrada e multidisciplinar;
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l) a tutela das pessoas necessitadas, vítimas de discriminação em razão de origem, raça,
etnia, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, cor, idade, estado civil, condição
econômica, filosofia ou convicção política, religião, deficiência física, imunológica,
sensorial ou mental, cumprimento de pena, ou em razão de qualquer outra
particularidade ou condição;
XII - contribuir no planejamento, elaboração e proposição de políticas públicas que
visem a erradicar a pobreza e a marginalização e a reduzir as desigualdades sociais;
XIII - receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões
apresentadas por entidades representativas da sociedade civil, no âmbito de suas
funções.
A pergunta que fica é: como uma instituição que detém a responsabilidade
expressa de, entre outras coisas, “prestar aos necessitados orientação permanente
sobre seus direitos e garantias, tutelar os direitos das pessoas necessitadas, vítimas de
qualquer forma de opressão ou violência, tutelar pessoas necessitadas, vítimas de
discriminação em razão de raça e etnia” e “contribuir no planejamento, elaboração e
proposição de políticas públicas que visem a erradicar a pobreza e a marginalização e a
reduzir as desigualdades sociais” pode não se aperceber da quase ausência de negros
em seus quadros? Como pode uma instituição que tem por finalidade o combate ao
racismo conviver com a omissão racista? Como trabalhar em prol da integração e da
“multidisciplinaridade” uma instituição majoritariamente branca e que só se esforça
para receber negros como “assistidos”? Tais contradições entre as práticas e as
atribuições normativas são tão evidentes que tendem a tornar mais difícil a relação da
Defensoria com a sociedade e deslegitimar as decisões institucionais.
Não pairando dúvidas sobre o dever constitucional da adoção de cotas raciais
pela Defensoria Pública de São Paulo nos concursos de ingresso para a carreira de
defensor, um último ponto precisa ser abordado. Há necessidade de lei em sentido
estrito ou a Defensoria Pública Paulista tem poder regulamentar para a adoção de
política de cotas?
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A resposta é negativa. E o artigo 7º da Lei Complementar 988/2006 já nos dá
uma pista do motivo:
Artigo 7º - À Defensoria Pública do Estado são asseguradas autonomia funcional e
administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária, dentro dos limites
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, e subordinação ao disposto no artigo
99, § 2º, da Constituição Federal, cabendo-lhe especialmente:
I - praticar atos próprios de gestão;
II - praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal ativo
da carreira de Defensor Público e dos serviços auxiliares organizados em quadros
próprios;
III - adquirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização;
IV - prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como aqueles
decorrentes de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado;
V - editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que possam importar a vacância
de cargos de carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de
membros da Defensoria Pública do Estado e de seus servidores;
VI - instituir seus órgãos de apoio administrativo e os serviços auxiliares;
VII - compor os seus órgãos de administração.
Se já não fosse suficiente o texto constitucional para garantir a “autonomia
funcional e administrativa” das Defensorias Estaduais, a Lei Complementar Paulista fez
questão desdobrar o significado dessa autonomia. Destacamos o inciso IV, do art. 7º,
em que é afirmada a autonomia da Defensoria Pública bandeirante para “prover os
cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como aqueles decorrentes de
remoção, promoção e demais formas de provimento derivado”. O artigo é explícito ao
dar a Defensoria Pública paulista o poder de decidir sobre as regras para o
preenchimento de vagas em concursos públicos, única forma de ingresso na carreira
de defensor (cf. art. 90, do mesmo diploma legal).
Portanto, é à Defensoria Pública de São Paulo, por deliberação de seu Conselho
Superior, que cabe instituir políticas de ação afirmativa para o ingresso na carreira. Já
vimos que há bases legais suficientes para a instituição de políticas de ação afirmativa
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e, especificamente de cotas nos concursos públicos de ingresso. Não se pode olvidar
que muitas universidades brasileiras (e.g. Universidade de Brasília), com base na
autonomia universitária (art. 206, da CF), já adotavam política de cotas raciais por
meio de normas internas, assim como o Itamaraty no ingresso para carreiras
diplomáticas, mesmo antes do Estatuto da Igualdade Racial ou da Lei Federal
12.711/2012 (que instituiu as cotas em todas as universidades federais).
Por fim, nas razões do veto apresentado ao §3º do artigo 90 do projeto de lei
que posteriormente se tornaria a Lei 988/2006, e que instituía cotas raciais, o
Governador do Estado de São Paulo afirma tê-lo feito por considerar “inconstitucional”
a medida. Mas, a equivocada conclusão que levou ao veto do Chefe do Executivo
Paulista foi vigorosamente derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, não havendo
razões jurídicas ou políticas para a manutenção desse entendimento e mesmo para a
omissão do Conselho Superior da Defensoria na utilização de seu poder regulamentar.
CONCLUSÃO
Assim sendo, conclui esse parecerista que:
a. A política de cotas raciais nos concursos de ingresso para a carreira de defensor
é absolutamente compatível com os ditames constitucionais e com o sistema
legal, inscrevendo-se como medida relevante e urgente.
b. Do ponto de vista institucional, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo
teria muito a ganhar com a adoção de uma política de cotas étnico-raciais. A
instituição se abriria para a diversidade, aqui entendida como a valorização da
pluralidade de experiências de mundo, legitimando e tornando mais eficiente a
atuação da Defensoria junto aos usuários do serviço público de assistência
jurídica.
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c. Não é necessária lei específica para que a Defensoria Pública do Estado de São
Paulo insira nos editais de concurso para o ingresso na carreira o critério
étnico-racial. É medida que encontra amparo na Constituição Federal, no
Estatuto da Igualdade Racial, em tratados internacionais ratificados pelo Brasil
há mais de 40 anos e em decisões recentíssimas do STF.
Outrossim, recomenda esse parecerista ao Conselho Superior da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo que na formulação das regras editalícias dos concursos
para ingresso na carreira observe, dentre outras medidas:
1. Reserva de vagas para negros e indígenas no percentual mínimo de 30%, próximo do
percentual de composição destas populações no Estado de São Paulo segundo
números do IBGE (37%), mesmo percentual que já constava no §3º do artigo 90,
vetado pelo Governador do Estado de São Paulo.
2. Autodeclaração do candidato, sujeito a penalidades administrativas e judiciais em
caso de falsidade.
3. Possibilidade de reversão das vagas não preenchidas para os demais candidatos
não-cotistas.
4. Formulação de listas específicas para identificação da ordem de classificação dos
candidatos cotistas entre si, garantindo-se o mínimo de eficiência à política de cotas.
É o meu parecer.
São Paulo, 12 de Julho de 2013
SILVIO LUIZ DE ALMEIDA
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo
Presidente do Instituto Luiz Gama
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ANEXO II
CSDP nº 210/13
Interessada: Defensora Pública Geral do Estado
Assunto: Proposta de abertura do VI Concurso Público de Provas e Títulos para Ingresso na
Carreira de Defensor Público do Estado
Relator: Conselheiro Rafael Bessa Yamamura
(Acompanhamento online do processo)
Davi apontou que a Fundação Carlos Chagas informou que é possível estender a duração das
três primeiras fases da prova para quatro horas e meia, contemplando o voto do Relator,
Conselheiro Rafael Bessa.
Durante o Momento Aberto, Silvio Luis de Almeida, membro do Conselho Consultivo da
Ouvidoria, informou que anexou ao processo CSDP nº 210/13 um parecer daquele colegiado
que trata da possibilidade da adoção de cotas étnico-raciais no edital para o VI Concurso de
Ingresso na Carreira de Defensor Público.
Ele defendeu que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou sobre a
constitucionalidade da adoção de cotas étnico-raciais e da necessidade da implantação de
ações afirmativas no serviço público. Silvio disse ainda que há diversas leis que suportam essa
necessidade, dentre as quais o Estatuto da Igualdade Racial, além de tratados internacionais
no qual o Brasil é signatário.
Segundo Silvio, há a possibilidade formal de instituir as cotas étnico-raciais mesmo que a Lei
Orgânica da Defensoria não contemple o tema. No seu entender, a Constituição Federal
garante a autonomia administrativa das Defensorias Públicas para auxilie no processo de
integração social. Para ele, a ausência de uma legislação estadual é suprida pelo Estatuto da
Igualdade Racial.
Silvio apontou que é visível a ausência de Defensores Públicos negros. Segundo ele, a grande
massa de cidadãos atendidos pela Defensoria é composta por pessoas negras, que muitas
vezes não se sentem representadas pela instituição.
Rodolfo Valente, membro do Conselho Consultivo da Ouvidoria, apontou que diversas
entidades da sociedade civil trouxeram o tema ao Conselho Superior em outubro de 2012. Ele
pediu que não seja realizado mais um certame sem que o edital contemple ações afirmativas.
A Coordenadora do Núcleo de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito, Defensora
Vanessa Vieira, apoiou o pedido do Conselho Consultivo da Ouvidoria. Ela apontou que o
debate já está posto no âmbito do Núcleo que coordena e que existe inclusive um projeto de
lei para a adoção de cotas étnico-raciais no serviço público.
Davi disse que leu o parecer do Conselho Consultivo da Ouvidoria e que concorda com as
premissas estabelecidas. Entretanto, ele disse que há dificuldades em contemplar a solicitação
sem que haja um regramento especifico. Ele disse que tinha dúvidas sobre a possibilidade de
regulamentar administrativamente a adoção de cotas raciais sem previsão legislativa.
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O 2º Subdefensor apontou que os preparativos para o concurso já ocorriam mesmo antes de a
Ouvidoria instar a CGA sobre o tema em maio de 2013. Segundo ele, os preparativos para um
certamente são baseados na legislação e deliberação vigente quando do início dos
procedimentos. Davi apontou que uma eventual alteração no edital demandaria uma rescisão
contratual com a empresa organizadora do certame, o que poderia gerar custos e
questionamentos jurídicos, além do transcurso do tempo para nova contratação. Ele apontou
que caso a alteração seja realizada apenas no edital, sem respaldo normativo, o certame
estará fadado à nulidade.
Bruno Miragaia propôs que o parecer do Conselho Consultivo fosse recebido como proposta
de alteração da Deliberação CSDP nº 10 – que estabelece regras para a realização do concurso
de ingresso na Carreira de Defensor Público. Para ele, o Estatuto da Igualdade Racial supre a
ausência de dispositivo na Lei Orgânica da Defensoria, que é autônoma para fazer o
regramento administrativamente.
Rafael Português reconheceu a importância do debate, mas ponderou que talvez esse não
fosse o momento adequado para discussão, uma vez que atrasaria o cronograma estabelecido
na conclusão do certame. Para ele, é juridicamente possível que as cotas sejam estabelecidas
por meio de deliberação do Conselho Superior.
Rafael Vernaschi disse que a adoção de cotas étnico-raciais deve ser uma meta da Defensoria,
entretanto é preciso haver um amplo debate acerca da maneira mais adequada para que isso
ocorra.
A representante da Ouvidoria Geral, Defensora Samanta Romano Tresinari, defendeu que o
debate fosse travado para que a adoção de cotas étnico-raciais se dê já no VI Concurso de
Ingresso na Carreira de Defensor.
Daniela parabenizou o Conselho Consultivo da Ouvidoria pela riqueza do parecer que esclarece
diversos aspectos jurídicos. Ela apontou que não se trata apenas de uma questão política, mas
também jurídica.
A Defensora Geral pontuou que uma alteração no edital implicaria a rescisão contratual com a
Fundação Carlos Chagas, o que pode gerar ônus para a instituição. Além disso, a alteração
comprometeria o cronograma do certame, uma vez que a proposta deveria ser analisada pela
Assessoria Jurídica e outros órgãos da instituição.
Daniela disse ser, em princípio, favorável à adoção de cotas étnico-raciais e se comprometeu a
iniciar um debate sobre o tema na instituição.
Ela criticou o fato de o tema somente ter sido levado ao Conselho neste momento. No
entendimento de Daniela, o momento mais adequado para a discussão foi quando da edição
da Lei Complementar 1.189/2012, que criou 400 novos cargos de Defensores Públicos no
Estado.
O Assessor Técnico da Ouvidoria, Paulo Cesar Malvezzi, discordou de Daniela. Segundo ele, o
debate acerca da adoção de cotas étnico-raciais nos concursos para ingresso de Defensores é
travado desde a criação da instituição. Paulo Cesar apontou ainda, que em outubro de 2012
entidades da sociedade civil fizeram esse pleito ao Conselho e que a própria Ouvidoria instou à
CGA em maio deste ano a respeito do tema.
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O Conselheiro José Moacyr disse que tem dúvidas acerca dos impactos que a adoção de cotas
étnico-raciais teria na qualidade do serviço público. Para ele, é preciso estabelecer
mecanismos para que a população marginalizada tenha igualdade de condições para disputar
cargos no serviço público.
Silvio apontou que apesar de não haver cotas étnico-raciais no serviço público brasileiro, ainda
assim o sistema é de má qualidade. Segundo ele, a meritocracia somente deve ser admitida
quando há igualdade de condições, o que não acontece no país. Para Silvio, a Defensoria
Pública reproduz racismo estruturante ao impedir o ingresso da população negra na
instituição.
Daniela pontuou que o debate travado no Conselho demonstra a complexidade do tema, o
que reforça a necessidade de ampliação das discussões, o que somado às questões formais
levantadas, torna precipitada adoção da política de imediato.
Após amplo debate, o Conselho Superior entendeu por receber o parecer como proposta de
alteração da Deliberação CSDP 10, que será complementado por proposta concreta a ser
apresentada pelo Conselho Consultivo da Ouvidoria.
O Conselho Superior DELIBEROU, por maioria de votos, homologar o Edital de Abertura de
Inscrições, a seguir publicado, vencido o relator que votava pelo não acréscimo de tempo na
aplicação da primeira prova escrita. Impedido os Conselheiros Davi Eduardo Depiné Filho e
Fabiana Botelho Zapata.
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ANEXO III
História e Memória Nacional no Discurso Jurídico - o Julgamento da ADPF 186.
Aprovado Revista Uniceub/ Apresentado Santiago/Chile
Resumo: O artigo busca discutir sinteticamente os argumentos do debate sobre sistema de
vagas reservadas para negros no ensino universitário, objeto de intenso debate na última
década e de decisão da Suprema Corte Brasileira na Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental n. 186. Examina de que modo referida decisão judicial, ao declarar a
constitucionalidade do Plano de Metas de Inclusão Étnico-Racial instituído pela Universidade
de Brasília, recorreu a argumentos sobre a história brasileira e a identidade nacional. Examina
como igualdade e diferença foram articuladas à narrativa sobre o passado das instituições
jurídicas e sociais, e de que modo a decisão pretendeu rever os pressupostos de uma
identidade nacional homogeneizada cujo paradigma foi construído, sobretudo, nos anos de
1930. A decisão pode ser identificada como um novo momento da retórica identitária por
aceitar a existência de espaços de conflito na comunidade nacional que se expressam não
apenas em demandas por uma distribuição equitativa dos recursos públicos destinados à
educação, mas também pela valorização da diferença, cujo cerne é, em grande parte,
vinculada à disputa pela construção da memória coletiva. A decisão propõe o debate sobre o
modo como as instituições jurídicas redimensionam as identidades nacionais, tendo em vista
as demandas por tutela de direitos fundamentais.
Palavras Chaves: História; Direitos Fundamentais; Pluralismo; Racismo; Cotas Raciais;
Autores:
Evandro Piza Duarte. Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília
(UnB). Professor Adjunto de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia da Universidade de
Brasília (UnB). E-mail: [email protected]
Guilherme Scotti. Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília
(UnB). Professor Adjunto de Teoria e Filosofia do Direito da Universidade de Brasília (UnB). Email: [email protected]
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Introdução
Em 2012, após uma década de efetivação de diversos sistemas de ação afirmativa no
Brasil, o tema da adequação ao princípio da igualdade do sistema de vagas reservadas no
Ensino Superior Público a partir de critérios “etno-raciais” (cotas raciais) foi objeto de decisão
pela Suprema Corte Brasileira na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental número
186 (ADPF 186). A ação pretendia a declaração da inconstitucionalidade do Plano de Metas de
Inclusão Etno-Racial, instituído pela Universidade de Brasília (PMIERUnB), que criava reserva
de 20% das vagas para candidatos negros (pretos e pardos) no sistema de provas de seleção,
bem como vagas especiais para índios. A decisão da Suprema Corte foi o ponto extremo de um
longo debate nos meios de comunicação de massa que teve como articuladores diretores do
jornalismo da Rede Globo, principal mídia brasileira contrária à implantação do sistema. O
julgamento foi televisionado e acompanhado pelos estudiosos da área jurídica e das ciências
sociais. Os votos da decisão ainda não foram publicados, restando apenas o apresentado pelo
Ministro Relator. Para além da arena mediática, a decisão foi precedida da apresentação ao
Congresso Nacional de Manifestos entregues pelos opositores e pelos defensores da política
de cotas raciais, e por Audiências Públicas organizadas pelo Poder Legislativo Federal e pelo
próprio STF em razão da ADPF 186 e do Recurso Extraordinário 597.285/RS2
O presente texto examina, em sua primeira parte, o modo como a decisão judicial, ao
declarar a constitucionalidade das cotas raciais, recorreu a argumentos sobre a história
brasileira e a identidade nacional, traçando um paralelo entre o modo de vincular o recurso a
argumentos históricos presentes naqueles dois manifestos e as opções feitas pelo relator.
Neste contexto, a retórica sobre a igualdade entre brancos e negros na história é significativa,
pois, desde os anos de 1930, estabeleceu-se no discurso nacional o mito do Brasil como país da
Democracia Racial. Segundo tal mito, haveria uma perfeita integração racial, promovida pela
miscigenação, capaz de resolver e prevenir eventuais conflitos e desigualdade econômicas. A
decisão envolvia o debate direto sobre essa integração e como ela teria se dado ao longo da
história.
Seria possível rever, a partir do debate jurídico, os pressupostos de uma identidade
nacional homogeneizada que já era reconhecida como verdadeira desde as primeiras
formulações sobre a história do Estado imperial brasileiro? Como se verá, a decisão demarca
novo momento da retórica identitária por aceitar a existência de espaços de conflito na
comunidade nacional que se expressam não apenas em demandas por uma distribuição
2
As notas taquigráficas estão disponíveis em: www.stf.jus.br.
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equitativa dos recursos públicos destinados à educação, mas também pela valorização da
diferença, cujo cerne é, em grande parte, vinculada à disputa pela construção da memória
coletiva. Ela propõe o debate sobre o modo como as instituições jurídicas redimensionam as
identidades nacionais diante das demandas por tutela de direitos fundamentais de grupos
minoritários.
Por tal razão, o texto propõe, em sua segunda parte, o debate sobre o modo como o
novo constitucionalismo intenta resolver o paradoxo do reconhecimento do caráter não
objetivo e incompleto do conhecimento histórico e de seu uso pelo direito. Aproxima o debate
sobre a consciência da teoria constitucional de que a narrativa jurídica é criativa, ao se
defrontar com o problema da realização de princípios jurídicos em novos contextos históricos
distanciados do momento em que o texto constitucional foi criado, e, a adoção do paradigma
narrativo na história, cuja emergência está vinculada à descrença na aplicação à disciplina
História da visão iluminista do progresso e de neutralidade do observador defendida pelo
cientificismo. Em outras palavras: Se a interpretação jurídica não é apenas declarativa, mas
criativa, e se a compreensão da história também não é neutra, mas uma narrativa situada,
haveria sentido em se buscar na disciplina História fundamentos para uma decisão?
O problema adquire relevância na medida em que os argumentos sobre a adequação
das cotas raciais ao princípio da igualdade propõem recursos fundamentais de justificação
histórica, sociológica e identitária: a) de um lado, a constituição da desigualdade entre brancos
e negros deve ser demonstrada a partir da história, o que é feito com a referência ao
colonialismo e à escravidão; b) de outro lado, a demonstração da relevância da desigualdade
no presente, propõe argumentos quantitativos de ordem sociológica, os quais têm premissas
sobre a história das relações raciais; c) por fim, a existência de um grupo “negro” reivindicante
é reconhecida nas narrativas sobre a história capazes de justificar uma identidade.
Em sua terceira parte, o texto sugere um espaço para pensar a história como elemento
da retórica interpretativa na nova ordem constitucional, inaugurada na Constituição Federal de
1988, responsável por estabelecer o fim da Ditatura Militar. Argumenta-se que se juristas
brasileiros necessitam recorrer à história, não deveriam fazê-lo valendo-se de modelos que
desconsideram, contrariamente a dispositivos constitucionais, a pluralidade da história já
afirmada como texto e como estrutura fundante do constitucionalismo. A pluralidade da
narrativa não seria apenas um problema da disciplina História, mas do texto constitucional
concreto tematizado pela Corte, no qual já se encontram caminhos para uma história plural.
Ademais, a pluralidade da história vincula-se à emergência de novos sujeitos constitucionais
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que propõem a reelaboração dos limites do conteúdo dos Princípios da Igualdade e da
Liberdade, cerne do debate constitucional.
1. O debate sobre a História a partir da judicialização das cotas raciais.
A ADPF 186 foi proposta pelo Partido “Democratas”, situado à direita na arena política
brasileira, e atacou diretamente as seguintes ideias: a) a de que o pertencimento racial fosse
um fator de desigualdade; b) a de que as pessoas fossem reconhecidas como negras. Seus
autores defenderam: a) a particularidade da história brasileira na constituição das relações
raciais; b) o caráter exclusivamente econômico da marginalização social no país.
A decisão final que negou tais objeções foi unânime, malgrado o dissenso em relação a
vários pressupostos. Ela recorreu a argumentos que já estavam presentes a partir da entrega
de dois manifestos, um contra e outro a favor das “cotas raciais”, aos representantes do
Congresso Nacional. Por serem documentos concisos, permitem uma síntese das diferentes
interpretações de nosso futuro constitucional, pois apelam para tradições constitucionais,
concepções quanto à igualdade, a diferença e a identidade nacional. Ilustram os argumentos
presentes em lutas sociais mais amplas, arranjos locais de poder e processos difusos de
conquista de direitos.
Inicialmente, os integrantes do manifesto contra as cotas restringiam a interpretação
da igualdade à igualdade formal, afirmando a impossibilidade de qualquer critério além da
nota obtida em exames de acesso. Esse equívoco político será corrigido. Desse modo, o
manifesto faz menção a existência da desigualdade social como sinônimo de desigualdade
econômica, muito embora não faça referência às suas causas, e aponta para a necessidade de
políticas públicas generalistas. Se a critica inicial era a toda forma diferenciada de acesso à
universidade pública, nas ações judiciais foram excluídas as vagas de inclusão indígena,
permanecendo o foco sobre as destinadas aos negros. O reconhecimento de desigualdades
raciais e a constituição de mecanismos estatais para sua apreensão são denunciados como
ameaça contra a identidade nacional, promovida por instituições estrangeiras.
No debate sobre a “exclusão social”, sublimam as referências ao passado escravista, e
destacam que a igualdade estaria a depender de “serviços públicos universais de qualidade” e
“políticas de emprego”, ou seja, políticas públicas generalistas, e do esforço comum contra os
privilégios odiosos”. Todavia, não são indicados quais seriam tais privilégios (e quais as suas
causas e seus beneficiários). Numa leitura, no mínimo, obtusa de Martin Luther King, impõe-se
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a sobreposição de duas imagens, a real e a ideal; ou seja, o ato de enunciar o Princípio da
Igualdade é discursivamente aproximado da existência dessa mesma realidade social. Logo,
permite-se fazer crer que a ameaça à Igualdade Racial não parte da realidade fática, mas da
norma que pretende combater a desigualdade.
Se, de um lado, fez-se concessão à desigualdade econômica como resposta ao
argumento sobre a existência de desigualdades raciais, de outro, os brasileiros não são
retratados apenas como indivíduos abstratos, mas “cidadãos de todos os tons de pele”, ou
seja, é uma nação que não distribui privilégios odiosos em razão da raça. O não
reconhecimento dessa “virtude nacional” seria um erro pois: “Se forem aprovados, a nação
brasileira passará a definir os direitos das pessoas com base na tonalidade da sua pele, pela
"raça".” Assim: “Políticas dirigidas a grupos "raciais" estanques em nome da justiça social não
eliminam o racismo e podem até mesmo produzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao
conceito de raça, e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância.” Portanto, as
políticas específicas seriam capazes de produzir o acirramento do conflito e da intolerância,
apesar da inexistência de problemas raciais: “A invenção de raças oficiais tem tudo para
semear esse perigoso tipo de racismo, como demonstram exemplos históricos e
contemporâneos. E ainda bloquear o caminho para a resolução real dos problemas de
desigualdades.” Ou seja, o manifesto insiste em identificar cotas raciais, identidade racial e
medo.
A noção de medo (da ruptura, da desordem, da emergência da raça) vincula-se a ideia
de comunidade nacional. Pressupõe a existência de uma comunidade imaginada, abstraída das
contradições históricas. A ausência da ação do Estado na promoção da igualdade racial seria
uma “virtude nacional”, capaz de construir relações sociais menos problemáticas e as
demandas dos negros a causa de um mal. O papel do Estado não seria a de atendê-las, mas de
negar tais reivindicações com base no valor da existência da igualdade formal, apelando ao
“esforço comum” dos indivíduos de todos os “tons de pele”. Logo, se a ideologia da
democracia racial serviu aos regimes autoritários, novamente ela deveria servir para negar a
existência de reivindicações legítimas, por meio do exercício dos procedimentos democráticos,
de grupos sociais colocados em posição subalterna no mito da nacionalidade. Enfim, trata-se
de uma combinação contraditória entre o nacionalismo brasileiro e a ideologia da “cegueira
para com as identidades” do cenário político americano.
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Por sua vez, os signatários do Manifesto em Favor das Cotas Raciais reconhecem a
existência de uma desigualdade de fato (desigualdade racial) que teria sua origem nas ações
estatais:
“A desigualdade racial no Brasil tem fortes raízes históricas e esta realidade não será
alterada significativamente sem a aplicação de políticas públicas específicas. A Constituição de
1891 facilitou a reprodução do racismo ao decretar uma igualdade puramente formal entre
todos os cidadãos. A população negra acabava de ser colocada em uma situação de completa
exclusão em termos de acesso à terra, à instrução e ao mercado de trabalho para competir
com os brancos diante de uma nova realidade econômica que se instalava no país. Enquanto se
dizia que todos eram iguais na letra da lei, várias políticas de incentivo e apoio diferenciado,
que hoje podem ser lidas como ações afirmativas, foram aplicadas para estimular a imigração
de europeus para o Brasil.”
Essa desigualdade poderia ser apreendida pelos dados estatísticos oficiais disponíveis
nas últimas décadas. Logo, as cotas raciais são concebidas como instrumentos para atacar essa
desigualdade real, não natural porque fruto das políticas públicas do período pós-abolição:
“(...) o Estatuto recupera uma medida de igualdade que deveria ter sido incluída na
Constituição de 1891, no momento inicial da construção da República no Brasil. Foi sua
ausência que aprofundou o fosso da desigualdade racial e da impunidade do racismo contra a
população negra ao longo de todo o século XX. (...) Enquanto o Estatuto não for aprovado,
continuaremos reproduzindo o ciclo de desigualdade racial profunda que tem sido a marca de
nossa história republicana até os dias de hoje.”
Os signatários deste Manifesto também produzem uma imagem dos seus opositores,
em que se criticam a incapacidade das políticas generalistas e a necessidade de uma postura
pró-ativa por parte do Estado, nos seguintes termos:
“(...) os assinantes do documento não apresentam nenhuma proposta alternativa
concreta de inclusão racial no Brasil, reiterando apenas que somos todos iguais perante a lei e
que é preciso melhorar os serviços públicos até atenderem por igual a todos os segmentos da
sociedade. Essa declaração de princípios universalistas, feita por membros da elite de uma
sociedade multi-étnica e multi-racial com uma história recente de escravismo e genocídio,
parece uma reedição, no século XXI, do imobilismo subjacente à Constituição da República de
1891: zerou, num toque de mágica, as desigualdades causadas por séculos de exclusão e
racismo, e jogou para um futuro incerto o dia em que negros e índios poderão ter acesso
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eqüitativo à educação, às riquezas, aos bens e aos serviços acumulados pelo Estado brasileiro.
Essa postergação consciente não é convincente.”
Portanto, a oposição entre os signatários dos Manifestos (contra e a favor) está no fato
de que aqueles extraem da igualdade formal a tese da cegueria em relação à raça e
interpretam-na como cegueira em relação à existência do racismo, estes, ao contrário, a partir
do reconhecimento de uma trajetória histórica e de dados sociológicos, afirmam a necessidade
de interpretar a igualdade em seu sentido material, e apelam para a necessidade de ajustes
nas políticas públicas generalistas. Para os favoráveis às cotas raciais, o momento presente é
uma oportunidade de reescrever a história Republicana, sem que se precise apelar para o mito
da nacionalidade. Logo, sugerem um descolamento entre interpretações da história da Nação,
tradicionalmente chanceladas pelos aparelhos ideológicos de Estado, e a história jurídicoconstitucional.
Se o tema da diversidade estrutura de modo “positivo” o mito da nacionalidade, ela é
reinterpretada de modo distinto nessas duas alternativas. No primeiro caso, ela é definida
como manifestação individual da esfera privada ou como representação da imagem de uma
coletividade pacificada. Por sua vez, a concessão de direitos, decorrentes do reconhecimento
de vozes que denunciam desvantagens em razão do racismo, seria uma forma de fixação pelo
Estado de identidades raciais, violadora da diversidade. Portanto, como se percebe, a
diversidade não poderia ser proposta como uma questão para o Estado, salvo para manter
uma representação hegemônica, construída sobre as ruínas da negação de histórias plurais da
retórica nacionalista. A redução da diversidade à esfera da autonomia privada tende a garantir
a ditadura dos padrões incentivados pelos agentes privados ou aqueles padrões de diversidade
de um grupo que, pela tradição não questionada, passam a ser considerados como padrões
comuns adotados pelo próprio Estado. Por sua vez, o não reconhecimento das diversidades
coletivas ou da pluralidade das tradições culturais impõe uma profunda desconsideração à
subjetividade de indivíduos, constituindo-se num instrumento de produção de desigualdades
sociais. Isso porque se aniquila a possibilidade de uma esfera pública plural onde indivíduos,
por serem identificados socialmente como negros, denunciam as desvantagens para a fruição
de direitos, decorrentes de práticas de desrespeito públicas e privadas que são capazes de
limitar seus projetos de vida.
2. A história como problema no Constitucionalismo.
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Como fundamentar a escolha jurídica entre diferentes alternativas históricas? Inicialmente
constata-se que o discurso anticotas retoma uma noção acrítica da história, pois, por
estratégias diversas, busca excluir a problematização da história do Brasil em relação aos
negros. A negação da história combina-se à ideia de que a igualdade racial somente pode ser
alcançada numa sociedade em que todos os demais problemas sociais fossem resolvidos, ou
seja, o advento da sociedade perfeita expurgaria a possibilidade das formas de discriminação.
As reivindicações por mudanças são projetadas para o Juízo Final, tal como ocorria nas
justificativas religiosas da escravidão. Ou seja, a suspensão da história provocada pelo discurso
nacional é compensada pela projeção de uma história escatológica do mundo “por vir”
perfeito. Logo, o pluralismo de que fala o discurso anti-cotas é um pluralismo vinculado ao
passado e ao futuro, não ao presente. Enfim, eis a história como forma de expurgo do
presente e impossibilidade de reconstruir o futuro. Os negros são “estrangeiros” da história
nacional que não lhes reconhece como personagens, mas como matéria sobre a qual se
desenrola a história. E, por essa mesma razão, são estrangeiros do sistema de direitos3.
O recurso à história na compreensão de fenômenos de longa duração na prática
jurídica propõe novos problemas. Para alguns, bastaria invocar o discurso de autoridade para
optar por um modelo de compreensão disponível no cardápio da história. Ou seja, a solução
poderia ser recorrer ao modelo das grandes narrativas e do evolucionismo da história do
Estado-Nação. Todavia, como visto, nos temas constitucionais, o intérprete se defronta
justamente com argumentos cujo cerne é a crítica da narrativa histórica dominante. O recurso
à autoridade, portanto, apenas poderia produzir uma resposta negativa às novas demandas.
A propósito, Ronald Dworkin defende a tomada de consciência, ao invés da
sublimação, por parte dos teóricos constitucionais, quanto ao caráter criativo da narrativa
jurídica, sobretudo quando ela se defronta com o problema da realização de princípios
jurídicos em contextos históricos distanciados do momento em que o texto constitucional foi
criado. Desse modo, a narrativa jurídico-constitucional encontraria semelhança com práticas
existentes na literatura, especialmente de um gênero literário artificial denominado “romance
em cadeia”, capaz de explicitar a prática interpretativa proposta pelo autor para “solucionar” o
distanciamento temporal e as pressões advindas de novas demandas sociais4. Veja-se:
3
Segundo Nicos Poulantzas, a idéia de nação não faria parte apenas da história das mentalidades, não seria o
resultado das mudanças nas formas de representação coletiva. Ao contrário, os elementos constitutivos da nação (a
unidade econômica, o território, a tradição) seriam modificados pela ação direta do Estado na organização material
do espaço social e do tempo, constituindo-se tais procedimentos numa “rede de dominação e poder.”
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 112-113.
4
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 275.
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“Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada
romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que
é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante. Cada um deve
escrever seu capitulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, e
a complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito
como integridade. O projeto literário fictício é fantástico, mas não irreconhecível.5”
A comparação do autor está longe de ser “literária”, pois a questão da interpretação
está também no cerne do debate sobre a possibilidade do conhecimento da história. O
romance em cadeia, ao qual ele compara a prática jurídica, em seu fazer coletivo e
segmentado, integra uma nova dimensão do tempo, mas, no mesmo passo, distancia-se da
história fundada na percepção do sujeito do conhecimento que deve partir de uma coerência
linear de progresso evolutivo que faz coincidir a história com as fases do desenvolvimento
humano individual. A história não é a coerência com os modelos históricos oficiais, mas é
composta de possibilidades de reler o passado (uma intervenção sobre o passado?) na medida
em que o que se busca é a coerência de princípios, o direito como integridade6. Nas palavras
de Rosenfeld:
“Para se estabelecer a identidade constitucional através dos tempos é necessário
fabricar a tessitura de um entrelaçamento do passado dos constituintes com o próprio presente
e ainda com o futuro das gerações vindouras. O problema, no entanto, é que tanto o passado
quanto o futuro são incertos e abertos a possibilidades (de reconstrução) conflitantes,
tornando assim imensamente complexa a tarefa de se buscar revelar linhas de continuidade.”7
O olhar da história no direito é direcionado, pretende solucionar, no presente, problemas que
quase sempre têm longa duração, mas se apresentam com novas dimensões no caso debatido:
“Pretende, sim, justificar o que eles fizeram (às vezes incluindo, como veremos, o que
disseram) em uma história geral digna de ser contada aqui, uma história que traz consigo uma
afirmação complexa: a de que a pratica atual pode ser organizada e justificada por princípios
5
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 276.
A comparação entre a história e o direito é feito de forma explícita nos seguintes termos: “A história é importante
porque esse sistema de princípios deve justificar tanto o status quanto o conteúdo dessas decisões anteriores.”
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 273-274.
7
“Ainda que a efetiva, a real, intenção dos constituintes fosse plena e claramente acessível, permaneceria em
discussão o quanto e em qual medida e extensão ela deveria ser relevante ou vinculante para uma determinada
geração subsequente. E, dado que a intenção dos constituintes sempre poderá ser apreendida em diversos níveis
de abstração, sempre haverá a possibilidade de a identidade constitucional ser reinterpretada e reconstruída.”
ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2003.
6
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suficientemente atraentes para oferecer um futuro honrado.”8 Por sua vez, a disciplina História
não pode prescrever o que deveria ter sido o passado e sequer pode orientar o sentido do
futuro. O direito, ao contrário, integra uma dimensão temporal, comumente reconhecida
como o “dever ser”, mas essa integração se projeta para algo distinto daquilo que o fazer
histórico manipula, o devir. O direito não apenas estabiliza expectativas sobre o futuro, mas
argumenta sobre a “esperança”. Daí que: “o otimismo do direito é, nesse sentido, conceitual;
as declarações do direito são permanentemente construtivas, em virtude de sua própria
natureza.”9 Ele deve assumir uma responsabilidade anterior, a de falar pelos mortos. Mortos
não apenas em sentido físico, mas ausentes das narrativas oficiais que constroem a memória
de um povo. Isso porque o lugar ocupado pelo povo constituinte é constituído por exclusões. O
direito como integridade questiona as narrativas oficiais quanto a sua possibilidade de
fundamentar decisões quando tais narrativas decorrem da violação da igualdade e da
liberdade.
Em conclusão, a opção do intérprete para rejeitar uma história tradicional (nacional e estatal)
e reconhecer uma história constituída pelo pluralismo de narrativas apoia-se em argumentos
diversos.10
Há um imperativo da condição cognitiva humana, relativa à interpretação e compreensão, que
impede o recurso às noções de sujeito do conhecimento e de conhecimento objetivo. Logo,
impossível defender que a narrativa oficial seja a verdade científica. No limite, conforme
Gadamer, para compreender mais é necessário ser capaz de “filiar-se”, ou seja, dispor-se a
uma posição de diálogo, o que provoca adotar um ponto de partida “a priori” da pluralidade
do não conhecido.11
Há um imperativo decorrente do debate sobre o estatuto epistemológico da história,
demonstrando a insustentabilidade de noções estruturantes da história tradicional (progresso,
objetividade e neutralidade). Ao se dar sentido à miríade de acontecimentos, indispensável é a
certeza de que os conceitos utilizados na sua construção foram questionados. As “unidades
conceituais” devem ser problematizadas. O conceito de identidade nacional é profundamente
questionável.12
8
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 274.
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 274.
10
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. São Paulo: Alfa Omega, 1997.
11
GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica Em Retrospectiva. A Virada Hermenêutica. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método 2. Complementos e Índices. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
12
Paul Veyne, ao inventariar o debate sobre os limites entre história e sociologia, afirma que a crítica ao modelo
positivista de história conduziu a descoberta de que: “os fatos não existem”; isto é, não existem em estado isolado,
9
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Há um imperativo complementar sobre o ponto de partida das constantes. O
intérprete deve optar entre narrar a construção do Estado-Nacional, entidade circunstanciada
no tempo ou no espaço, ou em usar conceitos vinculados à narrativa de construção do Estado
Democrático de Direito. Há um hiato entre olhar a história a partir de conceitos como
“integração nacional” ou a partir da realização de direitos fundamentais, da possibilidade de
integração de sujeitos ao sistema de direitos. Somente narrativas plurais podem apresentar os
diversos processos de constituição dos direitos em sociedades nas quais “os constrangimentos
que se opõem a uma plena realização do indivíduo e da vida social estão por toda parte.” 13
Por fim, a Estrutura do Estado Democrático de Direito aponta para uma tensão
constante entre Igualdade e Liberdade presente na reconstrução do passado no presente, o
que somente pode ser realizado a partir de narrativas alternativas que, ao reconhecerem
direitos, lançam um novo olhar sobre os limites desse passado. Adotar uma narrativa
tradicional sobre a constituição de direitos no Brasil significa excluir sujeitos de direitos,
desconhecendo o valor da igualdade, e suprimir suas vozes da discussão, violando a liberdade.
3. A Constituição brasileira de 1988 como ponto de partida de narrativas plurais.
A perspectiva apresentada, fundada na necessidade de reconsideração de narrativas vencidas
no passado para que se possa realizar o ideal do direito como integridade, nasce, de fato, da
interpretação dada por Dworkin às práticas interpretativas da Suprema Corte Americana, as
quais são dependentes de uma Constituição que, comparativamente, é textualmente mais
sintética e historicamente mais datada do que a Constituição brasileira. Porém, é capaz de
demonstrar que tal consideração é estruturante do constitucionalismo. Cabe, portanto,
considerar um argumento complementar, mas localizado: a análise dos dispositivos (texto) da
Constituição de 1988 revelaria outra dimensão da abertura para as histórias não hegemônicas?
No amplo espectro de normas constitucionais que se referem ao debate sobre a denominada
questão racial presentes na Constituição, não discriminação, afirmação da diversidade e
combate à desigualdade social resumem o cerne do tratamento dado ao tema "raça" no
âmbito constitucional. Seguramente, este transita no espaço conceitual do Direito à Igualdade,
exceto por abstração; concretamente, existem apenas sob o conceito que os informa”. Desse ponto de vista: “a
História existe apenas em relação às questões que nós lhe formulamos. Materialmente, a História é escrita com
fatos; formalmente, com uma problemática e conceitos.” VEYNE, Paul. O Inventário das Diferenças. São Paulo:
Brasiliense, 1983, p. 6.
13
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. São Paulo: Studio Nobel, 2002, p. 30.
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mas supera as definições construídas nos modelos liberal e intervencionista de Estado. Tratase de uma Igualdade tensionada pela democratização de uma sociedade periférica marcada
pelo trauma da escravidão e pela heterogeneidade de populações.
De fato, malgrado as limitadas análises conservadoras, o texto trouxe inovações
quanto à história, admitindo, em várias passagens, os efeitos da escravidão e do colonialismo.
Foi na ordem constitucional da cultura, além do título dedicado aos indígenas, que a
pluralidade das formas de vida alcançou maior densidade constitucional. Aqui se revela o
caráter de tensão entre o pluralismo como expressão de grupos e o pluralismo como valor a
ser defendido pelo Estado. O art. 215 afirma que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício
dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, reconhecendo a existência de
“manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras”, de “grupos participantes
do processo civilizatório nacional”, de “diferentes segmentos étnicos nacionais”. Já o art. 216
dispõe que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, determinado que em seu
parágrafo quinto que “ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos”. Logo, reconhece uma trajetória diversa do
contexto europeu, enquanto realidade social e normativa.
Todavia, o texto já sugere que tal diversidade tem sido demarcada pela exclusão e
convertida em desigualdade.14 Daí porque o Estado para garantir a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional necessita proteger manifestações
culturais de grupos específicos, enunciados conforme uma história de exclusão (populares,
indígenas e afro-brasileiras). Para tanto, sugere marcos simbólicos para diferentes segmentos
étnicos nacionais, valorização da identidade étnico regional e de um patrimônio cultural
brasileiro. Este, porém, não é definido como uma identidade brasileira homogênea, ao
contrário, nos termo do art. 216: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
14
“O que precisamos saber é o seguinte: existe ou não existe desigualdade socialmente considerada. Abram os
dados existe. Ponto. Como trata-las? Questão Política. Devemos tratá-las ou não? Resposta: Sim. Devemos
enfrentar o tema.” JOBIM, Nelson. A Inserção do Afro-descendente na Sociedade Brasileira. Palestra com o Ministro
Nelson Jobim, Presidente do STF realizada na Câmara Municipal de São Paulo em 20 de Agosto de 2004. Núcleo
Técnico de Registro, 712.
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brasileiram, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e
viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; (...)”
Logo, o agir do Estado não deve garantir apenas a liberdade de expressão (modelo
liberal) ou o acesso a formas de uma cultura oficial (modelo intervencionista), mas deve
propugnar pelo pluralismo das instituições integrantes da promoção da cultura e valorização
das matrizes culturais não dominantes. A ordem constitucional da cultura integra
conceitualmente a complexidade e a especificidade de uma sociedade marcada por diferenças,
ao mesmo tempo em que busca neutralizar sua conversão em recenseadores de “marcas” de
inferioridade. Duas expressões, nesse contexto, são decisivas: “manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras, e, das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional” e “a valorização da diversidade étnica e regional”. A possibilidade de
nominação sempre foi negada por um constitucionalismo que, marcado pelo racismo, gostaria
de ver apagado de nossa história a presença negra. O apagamento se dava pela eliminação
física ou a eliminação simbólica. Por sua vez, a expressão “processos civilizatórios” deve sua
origem à influência de Darcy Ribeiro, representando uma tentativa de descrever as
transformações das sociedades humanas, a partir de seus elementos constitutivos e do
impacto de forças exógenas.15 Era uma resposta, sob a perspectiva relativista, ao fracasso, em
termos de hegemonia, das culturas dos povos conquistados, e tinha um alvo direto, a
concepção evolucionista sobre a sobrevivência a longo prazo de padrões culturais. Segundo o
autor, foram as distinções tecnológicas, inclusive repressivas, como as técnicas bélicas, que
teriam garantido a supremacia de determinadas civilizações, independentemente de qualquer
padrão qualitativo. Em outras palavras, era uma insurgência contra a naturalização da
supressão das diferenças presentes no conceito de civilização. Outro elemento importante do
texto é a expressão “formas de vida”. Se a ideia de preservar pressupõe a de conhecer, uma
leitura conservadora dessa dinâmica tenderá a reconstruir uma memória estática do nacional,
ao invés de considerá-la como uma memória viva das resistências populares e da dinâmica
própria de uma Constituição Cidadã. Para essa leitura estática, o lugar da memória são os
repositórios estatais criados para registro das façanhas do Império Português, guardados
“literalmente” na Torre do Tombo. Ao contrário, para uma leitura procedimental, vinculada à
construção de um espaço público em sociedades periféricas, é a ampliação da memória
constitucional das lutas sociais pela consolidação de direitos de grupos excluídos das esferas
de poder.
15
RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório: estudos de antropologia da civilização; etapas da evolução sócio-cultural.
Petrópolis: Vozes, 1987.
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Malgrado a regulamentação da questão indígena insira-se de modo mais destacado
num processo de reconhecimento de direitos negados16, o caso das populações negras não é
menos significativo para refletir sobre a complexidade de demandas que o recurso às novas
memórias constitucionais trouxe.
Em primeiro lugar, a imprescritibilidade do racismo - para além de ser uma pauta
constitucional criminalizadora de determinados comportamentos – vincula-se diretamente a
memória constitucional. O fato que não tem prescrição não é apenas o que pode ser punido a
qualquer tempo, em qualquer futuro, mas também o que não pode ser esquecido.
Imprescritível é uma memória social que reatualiza as experiências do passado para fazer
reconhecer que se tem um compromisso inevitável contra a discriminação racial. Logo,
somente justificável diante da gravidade e do impacto social negativo que, por repercussão,
tais ações podem provocar. A imprescritibilidade induz a compreensão da intencionalidade de
ativar formas estatais de preservação de grupos sociais ameaçados em sua história e, ao
criminalizar, de intervenção nas experiências humanas. Algo que se pretenda ver imprescritível
é algo que pode nos fatos sobreviver, como espaço de intervenção simbólica, à atividade
humana cotidiana, inclusive do legislador comum na prática política ordinária. Por sua vez, a
imprescritibilidade do racismo retoma a ideia da escravidão como crime contra a humanidade,
tema recorrente da retórica abolicionista.17 18
Em segundo lugar, o art. 68 do ADCT dispõe que: “Aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” Tal dispositivo vincula-se ao art. 216, parágrafo
quinto, segundo o qual: “ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos.” Para além do debate jurídico sobre a
titularidade do poder de definição do que seja quilombo, inegável que as normas se referem à
imagem de uma resistência negra, quer como símbolo da liberdade quer como luta pela terra,
e neste caso, pela sobrevivência material na redefinição de um espaço físico por meio de
tradições. Os Quilombos sempre foram negados, inclusive pela historiografia que incorporou o
negro à imagem do nacional, porque eles representavam ao mesmo tempo continuidade e
permanência de uma referência, no presente, e projeção, no futuro, de uma identificação com
16 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 822.
17
Sobre o caráter ideológico da criminalização: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Rio
de Janeiro: Revan, 1997.
18
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Crime de Racismo e Anti-semitismo: um Julgamento Histórico no STF: habeas
corpus n.º 82.424/RS. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2004.
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grupos negros. O tombamento, acima referido, é o único caso determinado pela
Constituição.19 Demonstra a urgência, na medida em que não se pode esperar a valoração ou
não dos quilombos pelas instituições, e imperatividade, na medida em que subtrai dos órgãos
administrativos e legislativos a possibilidade de um juízo sobre a importância dos quilombos na
formação do patrimônio cultural brasileiro. O dispositivo situa-se no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias que fizeram um acerto de contas com as práticas autoritárias de
momentos da nossa trajetória política. Assume, neste contexto, o caráter de indenização, de
reparação histórica. De forma concreta, não é o Duque de Caxias que é rememorada em
termos normativos constitucionais, mas o Quilombo de Manoel do Congo contra o qual o
comandante Luís Alves de Lima e Silva empreendeu violenta repressão em 1839.20 Desse
modo, o constituinte originário inscreveu a história das resistências negras dos quilombolas na
memória constitucional, vale dizer, a luta quilombola é um elemento da compreensão da
história dada pela interpretação jurídica. A história da escravidão, do ponto de vista
constitucional, não é a história de uma lenta acomodação dos negros a uma condição de
subalternidade ou da formação de uma nova raça mística, mas uma história que deve
considerar as lutas por liberdade e igualdade negadas pela história oficial.
Em terceiro lugar, há questões culturais que representam acertos de contas com o
passado, tendo em vista as ações negativas do Estado brasileiro. No capítulo constitucional
dedicado ao desporto, está o fomento das práticas desportivas “formais” e “não-formais”
como direito de cada um (art. 217) e “a proteção e o incentivo às manifestações desportivas
de criação nacional” (inciso IV). O acesso de qualquer indivíduo ao desporto exige que se
reconheça a importância de formas desportivas que são criadas por determinados grupos
sociais. Rompe-se com uma trajetória de repressão às manifestações de criação nacional,
especificamente a capoeira que, no período republicano, chegou a ser objeto de criminalização
e identificada com a vadiagem.21 De modo semelhante, “a liberdade de consciência e de
crença livra-se do fantasma da ‘ordem pública’ e dos ‘bons costumes’ das constituições
anteriores”.22 23 O paradoxo aparente é que a liberdade religiosa para as religiões de matrizes
19
Sobre o tombamento: SILVA, José Afonso da. Ordenação Constitucional da Cultura. São Paulo: Malheiros, 2001;
GRINBERG, Keila; BORGES, Magno Fonseca; SALLES, Ricardo. Rebeliões Escravas Antes da Extinção do Tráfico. In:
GRINBERG, Keila (org); SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial. Vol. I(1808-1831). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009, p. 255-256.
21
Sobre a repressão à capoeira: DUARTE, Evandro C. Piza. Criminologia & Racismo. Introdução à Criminologia
Brasileira. Curitiba: Juruá, 2002; FRIGERIO, Alejandro. Capoeira: da arte negra a esporte branco. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, v. 4, n. 10, p. 85-98, jun. 1989; SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Capoeira Escrava e outras
tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas: Unicamp, 2002.
22
SILVA, Jorge da. Direitos Civis e Relações Raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Luam, 1994, p. 132.
20
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africanas e indígenas somente encontra possibilidade de realização plena na medida em que a
Constituição lhes atribui um valor positivo específico como patrimônio cultural.
Em quarto lugar, o art. 242, em seu parágrafo primeiro, dispõe que: “O ensino da
História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro.” O dispositivo opõe-se, em nome do pluralismo, ao monopólio
das instituições reprodutoras da história pelo Estado Nacional. A regra indica uma ruptura
epistemológica que é, essencialmente, uma ruptura de práticas institucionais (tais como
seleção, treinamento de pessoal, novas linhas de financiamento de pesquisas). A referência a
uma história plural somente pode emergir de um espaço em que a ausência de pluralidade não
seja uma constante.24 As expressões Brasil e povo brasileiro sugerem que não se deve
interpretar o dispositivo de modo a conceber as contribuições das diferentes culturas e etnias,
não constantes nas narrativas oficiais, como uma particularidade (história secundária) cuja
construção seria tarefa específica de determinados grupos, ou até mesmo de uma atividade
voluntarista dentro das instituições de ensino e pesquisa. Ao contrário, a história do povo e do
Brasil é plural, dependendo a sua efetivação do reconhecimento da desigualdade produzida
pela negação de determinadas narrativas. Histórias das diferentes culturas e etnias somente
têm razão de ser quando se reconhece um duplo espaço do pluralismo: aquele que constitui o
povo e aquele que é negado na homogeneidade da história produzida nas instituições. O
pluralismo corresponde a um duplo movimento. Isso ocorre porque histórias dominantes
concebidas como universais são narrativas universalizantes de particularismos dominantes, ou
seja, a história dominante é a história de grupos que alcançaram poder institucional suficiente
para construir sua narrativa. Logo, o pluralismo corresponde a um modelo estrutural para a
narrativa, mas, sobretudo, ao reconhecimento da existência de narrativas que foram
deslocadas para o silêncio ou para a imagem do particularismo e que devem ser reinseridas do
ponto de vista institucional.
Enfim, o pluralismo como princípio na Constituição não se situa fora de uma referência
ao contexto plural onde ele poderia ser reelaborado. Indica uma concepção procedimental que
reconstrói uma memória constitucional da igualdade e da liberdade negadas. Estabelece um
âmbito mínimo de normatividade capaz de acoplar o texto às demandas políticas que não
23
Sobre a repressão às religiões de matriz africana: AUGRAS, Monique. A ordem na desordem: a regulamentação
do desfile das escolas de samba e a exigência de “motivos nacionais”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 8, n.
21, p. 90-103, fev. 1993; CARNEIRO, Edson de Souza. Os Cultos de origem africana no Brasil. In: CARNEIRO, Edson de
Souza. Candomblés da Bahia. 3. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1961; CARNEIRO, Sueli, CURY, Cristiane Abdon. O
candomblé. In: Terceiro Congresso de Cultura Negra das Américas, São Paulo, 1982. p. 176-191; RODRIGUES, Ana
Maria. Samba negro, espoliação branca. São Paulo: HUCITEC, 1984.
24
CARVALHO, José Jorge. Inclusão Étnica Racial no Brasil. São Paulo: Attar, 2006.
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eram satisfeitas pelos mecanismos tradicionais de funcionamento da política, tais como os
partidos políticos ou os sindicatos, abrindo espaço para uma política de reconhecimento,
sobretudo a partir das regras referentes à ordem constitucional da cultura.
Entretanto, a decisão sobre a constitucionalidade das cotas raciais - sobretudo porque,
neste ponto, poderia ter repercussão no futuro debate constitucional sobre a regulamentação
da propriedade privada e das terras quilombolas - evitou passar em revista nossa história de
discriminações e potencializar os dispositivos expressos sobre a cultura. Ao revés, fez
referências genéricas à escravidão e seus efeitos inerciais sobre a população negra, preferindo
centrar-se nas desigualdades sociais do presente. Portanto, muito embora se afirme a validade
da reinvindicação, elas foram, tendencialmente, desacopladas da narrativa histórica que
constrói uma identidade a partir de narrativas de resistências e lutas.
4. Considerações Finais
Quais seriam as possíveis contribuições do novo constitucionalismo para o debate
sobre o reconhecimento de direitos de grupos sociais excluídos da memória oficial a partir do
debate constitucional sobre as cotas raciais?
Segundo Habermas, são conhecidas duas alternativas para a coesão entre grupos
humanos que encontraram outrora coesão e sentido de pertencimento nas sociedades
estamentais: uma solução na esfera da cultura ou uma solução na esfera das instituições e dos
procedimentos democráticos. No primeiro caso, ela pressupõe a necessidade de uma
homogeneidade nacional como condição necessária do poder democrático.25 Todavia, a
procedimentalização oferece, a partir do reconhecimento de novos sujeitos constitucionais,
solução para a leitura de novos conteúdos que não fazem parte do rol de direitos comumente
encontrados nas constituições ocidentais. Sugere a possibilidade de soluções temporárias e
sempre passíveis de reconstruções para a tensão entre universalismo e particularismo
vivenciada pelas sociedades periféricas. Os “novos” direitos são ao mesmo tempo universais e
locais, pois, se é o modelo constitucional do direito como integridade - como igual respeito e
consideração, a tensão entre liberdade e igualdade - que lhe dá dinamicidade, é a experiência
fundante da Modernidade em seu conteúdo negativo - a fratura constitutiva desse ambiente
social local, mas em relação com formas sociais universalizantes - o elemento de aproximação
entre vida social e sistema jurídico. Em outras palavras, se foi a pretensão de universalidade
25
HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro. São Paulo: Loyola, 2002, p. 152.
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que permitiu ocultar as diferenças e reproduzi-las como formas de desigualdade, é esta
mesma pretensão (aliada às lutas sociais) que permite, contraditoriamente, reconhecer os
seus limites e, portanto, a necessidade de reconhecimento das diferenças para sua realização.
Conforme Marramao, “o novo universal da esfera pública planetária que somos chamados a
construir ou será fruto de uma maiêutica relacional, de um verdadeiro e próprio
experimentum de ‘tradução’ recíproca entre as diversas experiências culturais, ou,
simplesmente, não será.”26
Neste contexto, a liberdade, como luta democrática pela ampliação e criação de novos
direitos, é constitutiva também das novas demandas por igualdade. Trata-se da liberdade não
como um direito subordinado à igualdade, mas em tensão produtiva, capaz de refundar a
ordem social estabelecida. Liberdade que não pode mais ser lida como liberdade dividida,
confinada ou disciplinada, mas como liberdade cidadã, capaz de redimensionar o espaço
público, o privado e o espaço “estatal”. Liberdade que também justifica a necessidade de
reconhecimento de novos (mas historicamente velhos) sujeitos organizados em torno de
situações concretas de desigualdade social e marginalização, reconstrutores de uma
identidade negada, espoliada, humilhada, redefinidores dessa mesma identidade em nome da
pretensão de Dignidade Humana como agentes construtores das políticas públicas e não
apenas clientes ou objetos de intervenção do Estado Assistencial.
A perspectiva do romance em cadeia demonstra a necessidade de compreender a
identidade da história constitucional como um processo em contínua reconstrução. Conferir
dignidade à história constitucional é reconhecer o seu caráter intrinsecamente incompleto e,
muitas vezes, negativo do passado. De modo direto, se a memória oficial festeja a ação de um
Estado que foi capaz de garantir a reprodução das desigualdades raciais, conferir legitimidade
a ações racistas e negar o direito à cidadania aos negros, uma recondução a essa memória é a
busca pela realização, no presente, do que se negou no passado, de igualdade e de liberdade.
A reconstrução constitucional não muda toda a sociedade, apenas sinaliza que uma
comunidade idealizada27 a partir de valores universais não pode ser tolerante com formas
comuns de naturalização das desigualdades e do racismo. Reconstrói a comunidade e repara
26
MARRAMAO, Giacomo. O Mundo e o Ocidente Hoje. O Problema de uma Esfera Pública Global. Texto
apresentado no seminário “Direito, Política e Tempo na Era Global”, promovido pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito da PUC Minas, nos dias 06 e 07 de junho de 2007. Trad. Flaviane de Magalhães Barros.
27
“As pessoas divergem sobre as fronteiras das comunidades políticas, particularmente em condições coloniais, ou
quando as divisões existentes entre as condições nações ignoram importantes identidades históricas, étnicas ou
religiosas. Estes, porém, podem ser tratados como problemas de interpretação e, de qualquer modo, não ocorrem
nos países dos quais nos ocupamos no presente.” DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 1999, p. 251 .
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não uma dívida histórica para com os negros, mas, sobretudo, consigo mesma. A mensagem
proposta é: “Não queremos ser racistas. Não toleramos as desigualdades raciais. Não podemos
ser indiferentes diante do desrespeito em relação aos negros em nossa comunidade. Por tais
razões, somos uma comunidade que pretende ser integrada racialmente. Uma comunidade de
cidadãos.” A resposta é a comunidade fraterna e, portanto, plural.
Enfim, a abertura do sujeito constitucional a novos conteúdos significa também uma
nova forma de lidar com os problemas sociais nos quais sujeitos são construtores de políticas
públicas e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de rever, por meio da inclusão, as narrativas
dominantes que representam violações aos direitos fundamentais. É esse modelo de raciocínio
que justifica a estrutura e o uso democrático das novas políticas públicas de reconhecimento.
Toda decisão jurídica é um acontecimento, mas nem todo acontecer passa a integrar a
memória social, quer em sua dimensão difusa ou institucional. Toda ação de lembrar importa
em esquecer. Lembrar representa um esforço de seleção. Nas sociedades humanas a memória
se estabeleceu como uma dimensão do poder social. O acontecimento torna-se história na
medida em que se torna discurso validado por esse poder. A decisão acontecimento já é um
discurso que se construiu como discurso histórico. De fato, uma das estratégias para dar
racionalidade à decisão é supor que ela resulta de uma rede causal de decisões precedentes.
Todavia, à grosso modo, se na história a causa somente existe como atribuição discursiva,
como interpretação, ao que parece, história e direito são para as pessoas um produção
simbólica, ou melhor, somente adquirem sentido na esfera do simbólico.
Por sua vez, os desafios propostos pela história que rompeu com o paradigma das
grandes narrativas e das causas fundamentais são muito semelhantes aqueles vivenciados por
um paradigma jurídico que pretende romper com as visões tradicionais de sujeito de direitos.
Porém, não basta apenas aceitar a falsidade da história única do Estado Nacional, faz-se
necessário aceitar que toda história é precária. A constituição de novos sujeitos e o
reconhecimento de novos direitos não suspendem a história. Não impedem que ela seja uma
inclusão-exclusão e que novos-outros esquecidos ou desconhecidos ressurjam para permitir
novas reinterpretações dos direitos e do passado. Paradoxalmente, sempre há novas ou velhas
histórias de liberdade e de igualdade para serem contadas.
Referências Bibliográficas
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Página 48 de 66
Advogado, 2003.
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GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica Em Retrospectiva. A Virada Hermenêutica. Rio de
Janeiro: Vozes, 2007.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método 2. Complementos e Índices. Rio de Janeiro: Vozes,
2004.
GRINBERG, Keila; BORGES, Magno Fonseca; SALLES, Ricardo. Rebeliões Escravas Antes da
Extinção do Tráfico. In: GRINBERG, Keila (org); SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial. Vol.
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HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro. São Paulo: Loyola, 2002.
JOBIM, Nelson. A Inserção do Afro-descendente na Sociedade Brasileira. Palestra com o
Ministro Nelson Jobim, Presidente do STF realizada na Câmara Municipal de São Paulo em 20
de Agosto de 2004. Núcleo Técnico de Registro.
MARRAMAO, Giacomo. O Mundo e o Ocidente Hoje. O Problema de uma Esfera Pública
Global. Texto apresentado no seminário “Direito, Política e Tempo na Era Global”, promovido
Página 49 de 66
pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas, nos dias 06 e 07 de junho de 2007.
Trad. Flaviane de Magalhães Barros.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1981.
RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório: estudos de antropologia da civilização; etapas da
evolução sócio-cultural. Petrópolis: Vozes, 1987.
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ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
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SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Capoeira Escrava e outras tradições rebeldes no Rio de
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Crime de Racismo e Anti-semitismo: um Julgamento Histórico
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VEYNE, Paul. O Inventário das Diferenças. São Paulo: Brasiliense, 1983.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. São Paulo: Alfa Omega, 1997.
Página 50 de 66
ANEXO IV
Proposta de inclusão de Sistema de Cotas Étnico-Raciais nos próximos Concursos da
Defensoria.
Este anexo apresenta a Proposta de Modificação da Deliberação CSDP nº 10/2006. O
conteúdo foi consolidado pelo Núcleo Especializado de Combate à Discriminação,
Racismo e Preconceito da Defensoria, pela Ouvidoria-Geral da Defensoria e pelo
Instituto Luiz Gama e consolidado a partir dos resultados da “Audiência Pública:
Cotas nos Concursos da Defensoria”, realizada em 13 de novembro de 2013, no
Auditório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Para facilitar a identificação e a contextualização do tema tratado, está apresentada a
totalidade da Deliberação vigente, com acréscimo ou alteração de trechos assinalados
em vermelho.
Deliberação CSDP nº 10, de 30 de junho de 2006
Estabelece regras para a realização do concurso de ingresso na Carreira de Defensor Público
O CONSELHO SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO, no uso de
suas atribuições legais, com fundamento no artigo 31, inciso XVII da Lei Complementar
do Estado nº 988, de 9 de janeiro de 2006,
DELIBERA:
I - DA ORGANIZAÇÃO DO CONCURSO DE INGRESSO
Artigo 1º - O Concurso de Ingresso na Carreira de Defensor Público, destinado ao
provimento, em estágio probatório, de cargos de Defensor Público do Estado Substituto,
será realizado na forma estabelecida nesta Deliberação.
Artigo 2º - Compete ao Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado organizar,
com a participação da Escola da Defensoria Pública do Estado, e dirigir o concurso,
cabendo-lhe privativamente:
I - fixar o número de cargos vagos que serão colocados em disputa;
Página 51 de 66
II - indicar as matérias sobre as quais versarão as provas;
III - constituir a Banca Examinadora; (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de
novembro de 2009)
IV - elaborar o edital de abertura das inscrições;
V - convocar os candidatos para as provas escritas e para a prova oral, após o
julgamento dos recursos pela Banca Examinadora; (redação dada pela Deliberação CSDP nº
142, de 19 de novembro de 2009)
VI – (revogado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
VII - elaborar a lista de classificação dos candidatos aprovados.
Artigo 3º - O Conselho fará publicar, no Diário Oficial do Estado, o edital de abertura
das inscrições, as matérias sobre as quais versarão as provas, respectivos programas,
critérios de avaliação dos títulos, número de vagas a serem preenchidas e demais
disposições sobre o concurso.
§ 1º - O número de vagas a serem preenchidas será indicado pelo Conselho Superior da
Defensoria Pública.
§ 2º - Às pessoas com deficiência serão reservadas 5% das vagas, nos termos da Lei
Complementar Estadual nº 68328, de 18 de setembro de 1992, com as alterações da Lei
Complementar Estadual nº 932, de 8 de novembro de 2002, e do artigo 90, § 2º, da Lei
Complementar Estadual 988, de 09 de janeiro de 2006.
§ 3º - Caso não haja candidatos aprovados nas condições previstas no parágrafo
anterior, as vagas serão livremente providas, obedecida a ordem de classificação no
concurso.
§ 4º - O candidato que comprove ter doado sangue a órgão oficial ou entidade
credenciada pela União, Estados ou Municípios, em pelo menos 3 (três) ocasiões, em
período não superior aos 12 (doze) meses que antecedem a data de publicação do edital
do concurso, fica isento do pagamento da respectiva taxa de inscrição. (Parágrafo
acrescido pela Deliberação CSDP nº 175, de 14 de maio de 2010).
Artigo 4º - Pelo período de 10 (dez) anos serão reservadas aos candidatos
autodeclarados negros e indígenas 30% (trinta por cento) das vagas nos concursos para
28
Alteração de “portadores de deficiência” para “pessoas com deficiência”.
Página 52 de 66
ingresso na carreira de Defensor Público, com fundamento no art. 4º, inciso II, do
Estatuto da Igualdade Racial (Lei n.º 12.288/2010), no artigo 134 da Constituição
Federal, bem como nos artigos 3º, 5º e 7º da Lei Complementar Estadual nº 988/2006.
§ 1º - A autodeclaração é facultativa e deve ser feita no momento da inscrição, ficando o
candidato submetido às regras gerais estabelecidas no edital do concurso, caso não opte
pela reserva de vagas.
§ 2º - Para fins da reserva de vaga indicada no caput deste artigo, considera-se negro, o
candidato preto ou pardo, nos termos da classificação utilizada pelo IBGE.
§ 3º - O candidato negro ou indígena que também seja pessoa com deficiência poderá
concorrer concomitantemente às vagas reservadas nos termos deste artigo e do § 2º, do
artigo 3º, e caso seja aprovado em mais de um grupo, será chamado para se matricular
na vaga a que corresponde a maior nota exigida.
Artigo 5º - Detectada a falsidade da declaração a que se refere o §1°, do artigo 4º será o
candidato eliminado do concurso e, se tiver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da
sua admissão à carreira, após procedimento administrativo em que lhe seja assegurado
o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Artigo 6º - Na apuração dos resultados dos concursos serão formuladas listas
específicas para identificação da ordem de classificação dos candidatos cotistas entre si,
com o objetivo de preenchimento das vagas reservadas.
§ 1º - Se, na apuração do número de vagas reservadas a negros e indígenas, resultar
número decimal igual ou maior do que 0,5 (meio), adotar-se-á o número inteiro
imediatamente superior; se menor do que 0,5 (meio), adotar-se-á o número inteiro
imediatamente inferior.
§ 2º - Os candidatos que não sejam destinatários da reserva de vagas a negros e
indígenas concorrerão às demais vagas oferecidas no concurso, excluídas aquelas objeto
da reserva.
§ 3º - Os candidatos às vagas reservadas a negros e indígenas sempre concorrerão à
totalidade das vagas existentes, observadas as seguintes regras:
a) Em primeiro lugar serão preenchidas as vagas não reservadas, de acordo com a
ordem de classificação geral de todos os candidatos aprovados no concurso.
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b) Posteriormente, serão preenchidas as vagas reservadas aos candidatos optantes pelo
sistema de cotas que já não tenham preenchido as vagas não reservadas segundo a
ordem de classificação geral referida na alínea “a” anterior.
c) O preenchimento das vagas reservadas a que se refere a alínea “b” dar-se-á de acordo
com ordem de classificação em lista específica (artigo 6º) formadas pelos candidatos
autodeclarados negros e indígenas.
e) Em caso de desistência de candidato aprovado pelo sistema de cotas, a vaga será
preenchida por outro candidato autodeclarado negro ou indígena, respeitada a ordem
de classificação da lista específica.
d) Não havendo candidatos autodeclarados negros ou indígenas inscritos ou
classificados, as vagas reservadas serão revertidas para o cômputo geral de vagas
oferecidas no concurso, podendo ser preenchidas pelos demais candidatos aprovados,
obedecida a ordem de classificação.
e) O resultado final do concurso será divulgado por meio de uma lista única, contendo
o nome dos candidatos aprovados por ordem alfabética.
Artigo 7º - O sistema de cotas a que se refere o Art. 4º constará expressamente dos
editais de concurso para ingresso na carreira, devendo a entidade realizadora do
certame fornecer toda orientação necessária aos candidatos interessados nas vagas
reservadas.
Artigo 8º - Fica instituída a Comissão Permanente de Acompanhamento de Ações
Afirmativas, que tem como atribuição o acompanhamento e a avaliação dos resultados
da reserva de vagas destinada a negros e indígenas, constituída de forma paritária por
representantes dos defensores, dos servidores e das organizações e movimentos sociais
negros e indígenas, estes últimos indicados pela Ouvidoria da Defensoria Pública do
Estado de São Paulo.
Artigo 9º - São atribuições da Comissão Permanente de Acompanhamento de Ações
Afirmativas:
I - propor políticas e programas de ampla divulgação e incentivo à participação de
candidatos negros e indígenas nos concursos públicos;
II - produzir relatórios periódicos voltados ao aperfeiçoamento do programa de cotas.
Página 54 de 66
III - deliberar sobre a aplicação de medidas administrativas em caso de atos contrários
à aplicação desta Deliberação, em especial referente à veracidade das informações
prestadas pelos candidatos.
Artigo 10º - A reserva de vagas para negros e indígenas prevista neste artigo deverá ser
prorrogada sucessivamente pelo mesmo prazo caso, ao final de 10 anos, seja
objetivamente constatado que as desigualdades étnico-raciais que ensejaram a sua
implantação ainda persistem.
§ 1º - Para fins de prorrogação da reserva de vagas para negros e indígenas serão
levados em conta os resultados dos relatórios de avaliação produzidos pela Comissão
Permanente de Ações Afirmativas, os estudos acadêmicos sobre o tema, as
manifestações em audiência pública, bem como os dados e informações dos institutos
de pesquisa oficiais referentes à evolução da situação socioeconômica de negros e
indígenas.
§ 2º - Dois anos antes do término do período de vigência da reserva de vagas caberá à
Comissão Permanente de Ações Afirmativas a confecção de um relatório de avaliação
dos resultados da política de cotas, a ser apresentado ao Conselho Superior.
§ 3º - O Conselho Superior realizará audiências públicas prévias à deliberação sobre a
prorrogação do sistema de cotas.
II - DA BANCA EXAMINADORA (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de
novembro de 2009)
Artigo 4º 11 - A Banca Examinadora é órgão auxiliar, de natureza transitória,
constituída de integrantes da Carreira de Defensor Público do Estado e de um
representante da Ordem dos Advogados do Brasil, sob a Presidência de um dos
membros da Carreira, indicado pelo Conselho Superior. (redação dada pela Deliberação
CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009).
§ 1º - (revogado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
§ 2º - Na hipótese de superveniente incapacidade ou impedimento ou qualquer outro
fato gerador de afastamento de quaisquer integrantes da Banca, o Conselho Superior da
Defensoria Pública do Estado providenciará, se necessária, a substituição, qualquer que
seja a fase do concurso, sem prejuízo dos atos já praticados. (redação dada pela Deliberação
CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
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Artigo 5º 12 - A Banca Examinadora é órgão incumbido de processar o certame,
cabendo-lhe formular as questões, realizar as provas escritas e oral, julgar os recursos
interpostos, arguir os candidatos, aferir os títulos e emitir os julgamentos mediante
atribuição de notas. (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
III - DAS INSCRIÇÕES DOS CANDIDATOS
Artigo 6º 13 - São requisitos para inscrição no concurso:
I - ser brasileiro, ou português com residência permanente no País; (redação dada pela
Deliberação CSDP nº 71, de 18 de abril de 2008)
II - ser bacharel em direito;
III - estar em dia com as obrigações militares;
IV - estar no gozo dos direitos políticos;
V - contar, na data da posse, 2 (dois) anos, no mínimo, de prática profissional na área
jurídica, devidamente comprovada; (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de
novembro de 2009)
VI - não possuir condenações criminais ou antecedentes criminais incompatíveis com o
exercício das funções;
VII - não possuir condenação em órgão de classe, em relação ao exercício profissional,
incompatível com o exercício das funções de Defensor Público;
VIII - não possuir condenação administrativa, ou condenação em ação judicial de
improbidade administrativa, incompatível com o exercício das funções de Defensor
Público;
IX - haver recolhido ao Fundo de Despesas da Escola da Defensoria Pública do Estado a
taxa de inscrição fixada no edital de abertura.
Parágrafo único - Caracterizará prática profissional, para fins do disposto no inciso V
deste artigo, o exercício:
I - da advocacia, por advogados e estagiários de direito, nos termos do artigo 1º c.c.
artigo 3º, ambos da Lei Federal nº. 8.906/94 e dos artigos 28 e 29 do Regulamento Geral
do Estatuto da Advocacia;
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II - de estágio credenciado na área da Assistência Judiaria da Procuradoria Geral do
Estado ou da Defensoria Pública da União ou dos Estados, nos termos do artigo 145, §
3º, da Lei Complementar Federal nº 80/94;
III - da Defensoria Pública, do Ministério Público ou da Magistratura, na qualidade de
membro;
IV - de estagiário de direito, desde que devidamente credenciado junto ao Poder
Judiciário e ao Ministério Público;
V - de estagiário de direito devidamente credenciado na área pública, não inserido na
situação prevista no inciso I deste artigo em razão de eventual permissivo legal
específico; (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
VI - de cargos, empregos ou funções exclusivas de bacharel em direito; e
VII - de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior público ou
privado, que exijam a utilização de conhecimento jurídico. (acrescido pela Deliberação
CSDP nº 32, de 2 de fevereiro de 2007);
VIII – o exercício de Cargo do Subquadro dos Cargos de Apoio da Defensoria Pública.
(Inciso acrescentado pela Deliberação CSDP nº 161, de 26 de março de 2010).
Artigo 7º 14 - O pedido de inscrição será apresentado nos locais indicados no edital de
abertura, mediante requerimento dirigido ao Presidente da Banca Examinadora,
acompanhado de prova de recolhimento da taxa de inscrição referida no artigo 6º,
inciso IX, desta Deliberação. (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro
de 2009)
Artigo 8º 15 - A comprovação do preenchimento dos demais requisitos indicados no
artigo 6º desta Deliberação deverá ser realizada antes da prova oral, pelos candidatos a
ela habilitados.
Parágrafo único - Caso o candidato não faça a referida comprovação, a inscrição será
declarada insubsistente, com a nulidade dos atos praticados.
IV - DAS PROVAS
Artigo 9º 16 - O concurso realizar-se-á na cidade de São Paulo e compreenderá três
provas escritas, uma prova oral, bem como a avaliação dos títulos. (redação dada pela
Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
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§ 1º - Na primeira prova escrita não será permitida consulta à legislação doutrina e
jurisprudência.
§ 2º - Na segunda e terceiras provas escritas somente será permitida consulta a texto
legal, sem anotações ou comentários. (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de
novembro de 2009)
§ 3º - Na prova oral será permitida a consulta à legislação oferecida pela Comissão de
Concurso.
Artigo 10º 17 - A primeira prova escrita compreenderá 88 (oitenta e oito) questões
objetivas sobre as seguintes matérias: (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de
novembro de 2009)
a) Direito Constitucional;
b) Direito Administrativo e Direito Tributário;
c) Direito Penal;
d) Direito Processual Penal;
e) Direito Civil e Direito Comercial;
f) Direito Processual Civil;
g) Direitos Difusos e Coletivos;
h) Direito da Criança e do Adolescente;
i) Direitos Humanos;
j) Princípios e Atribuições Institucionais da Defensoria Pública do Estado;
k) Filosofia do Direito e Sociologia Jurídica. (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de
19 de novembro de 2009)
§1º - No tocante à matéria prevista na alínea k, serão indicados, no edital de abertura
das inscrições para o Concurso de Ingresso na Carreira de Defensor Público, 05 (cinco)
obras de autores nacionais ou estrangeiros, de notória relevância para a disciplina, bem
como o conteúdo programático extraído a partir dessas obras que será exigido nas
questões. (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
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§2º - O gabarito oficial será publicado no Diário Oficial do Estado até 5 (cinco) dias após
a realização da prova referida no "caput". (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de
19 de novembro de 2009)
Artigo 11 18 - A segunda prova escrita compreenderá: (redação dada pela Deliberação
CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
I – 2 (duas) questões dissertativas sobre as matérias:
a) Direito Constitucional;
b) Direito Penal;
c) Direitos Difusos e Coletivos;
d) Direito da Criança e do Adolescente.
II – 1 (uma) peça judicial, conforme o programa de Direito Processual Civil, com base
em problemas envolvendo, no que diz respeito ao aspecto material, a quaisquer temas
relativos às matérias previstas nos artigos 11 e 12 desta Deliberação, dispensando a
aplicação de questão dissertativa sobre a matéria processual.
Parágrafo único - Na avaliação das provas levar-se-á em conta o domínio do vernáculo
pelo candidato.
Artigo 12 19 - A terceira prova escrita compreenderá: (redação dada pela Deliberação CSDP
nº 142, de 19 de novembro de 2009)
I – 2 (duas) questões dissertativas sobre as matérias
a) Direitos Humanos;
b) Direito Civil;
c) Princípios e Atribuições Institucionais da Defensoria Pública do Estado;
d) Filosofia do Direito e Sociologia Jurídica.
II – 1 (uma) peça judicial, conforme o programa de Direito Processual Penal, com base
em problemas envolvendo, no que diz respeito ao aspecto material, a quaisquer temas
relativos às matérias previstas nos artigos 11 e 12 desta Deliberação, dispensando a
aplicação de questão dissertativa sobre a matéria processual.
§1º - Na avaliação das provas levar-se-á em conta o domínio do vernáculo pelo
candidato.
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§2º - No tocante à matéria prevista na alínea d, serão indicados, no edital de abertura
das inscrições para o Concurso de Ingresso na Carreira de Defensor Público, 05 (cinco)
obras de autores nacionais ou estrangeiros, de notória relevância para a disciplina, bem
como o conteúdo programático extraído a partir dessas obras que será exigido nas
questões.
§3º - No tocante à matéria prevista na alínea a, dentro outros temas deverão ser
abordadas as políticas de promoção da igualdade e os direitos das minorias, e para isso
serão indicados, no edital de abertura das inscrições para o Concurso de Ingresso na
Carreira de Defensor Público, 05 (cinco) obras de autores nacionais ou estrangeiros, de
notória relevância para a disciplina, bem como o conteúdo programático extraído a
partir dessas obras que será exigido nas questões.
Artigo 13 20 - A prova oral consistirá na argüição dos candidatos a ela admitidos, pelos
membros da Comissão de Concurso, sobre quaisquer temas do programa das matérias
previstas nos artigos 11 18 e 12 19 desta Deliberação. (redação dada pela Deliberação CSDP
nº 142, de 19 de novembro de 2009)
Artigo 14 21- As provas escritas e oral serão eliminatórias, nos seguintes termos:
(redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
I - Consideram-se habilitados para a realização da segunda prova escrita os candidatos
que acertarem ao menos 2 (duas) questões em cada matéria e ao menos 44 (quarenta e
quatro) questões em toda a primeira prova escrita.
II – Consideram-se habilitados para a realização da terceira prova escrita os candidatos
que obtiverem nota mínima igual a 3 (três) em cada matéria na segunda prova escrita.
(Nova redação dada pela Deliberação CSDP nº 169, de 16 de abril de 2010).
III – Consideram-se habilitados para a realização da prova oral os candidatos que
obtiverem nota mínima igual a 3 (três) em cada matéria, na terceira prova escrita, e
média igual ou superior a 5 (cinco) nas segunda e terceira provas escritas. (Nova redação
dada pela Deliberação CSDP nº 169, de 16 de abril de 2010).
IV – Consideram-se aprovados no concurso os candidatos que obtiverem nota mínima
igual a 3 (três) em cada matéria e média igual ou superior a 5 (cinco) na prova oral.
§ 1º - Somente serão admitidos à segunda prova escrita os candidatos que obtiverem as
maiores notas até totalizar 4 (quatro) vezes o número de cargos inicialmente postos em
concurso, desconsiderando-se os que se abrirem durante o concurso.
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§ 2º - Os candidatos empatados na última nota de classificação serão todos admitidos à
prova seguinte, ainda que ultrapassado o limite previsto neste artigo. (redação dada pela
Deliberação CSDP nº 71, de 18 de abril de 2008)
§3º - Quando o concurso previr, em seu respectivo edital, um número inferior a 100
(cem) cargos vagos para serem preenchidos ou se tratar de formação de cadastro de
reserva, somente serão admitidos à segunda prova escrita, os candidatos classificados
até a 400ª (quadringentésima) colocação, considerando-se todos os candidatos
empatados nessa posição. (Redação alterada pela Deliberação CSDP nº 274, de 14 de junho de
2013)
Artigo 15 22 - As notas do concurso serão atribuídas na forma seguinte: (artigo
renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
I - Nas provas escritas e oral, a cada matéria corresponderá uma nota, na escala de zero
a dez, das quais será extraída a média aritmética, que constituirá o resultado final do
candidato em cada prova, observado o disposto no artigo 14 desta Deliberação.
II - A pontuação atribuída aos títulos não poderá, na sua avaliação total, ultrapassar 1
(um) ponto.
Parágrafo único - Somente serão analisados os títulos dos candidatos que obtiverem
nota mínima igual a 3 (três) em cada matéria e média igual ou superior a 5 (cinco) nas
provas escritas e oral. (nova redação dada pela Deliberação CSDP nº 71, de 18 de abril de
2008)
Artigo 16 23 - O Conselho Superior aprovará e fará publicar no Diário Oficial do Estado
a lista dos candidatos aprovados na primeira prova escrita, indicando data, hora e local
em que será realizada a segunda prova escrita. (artigo renumerado pela Deliberação CSDP
nº 142, de 19 de novembro de 2009)
Artigo 17 24 - O Conselho Superior aprovará e fará publicar no Diário Oficial do Estado
a lista dos candidatos aprovados na segunda prova escrita, indicando data, hora e local
em que será realizada a terceira prova escrita. (artigo inserido pela Deliberação CSDP nº
142, de 19 de novembro de 2009)
Parágrafo único – O Conselho Superior poderá efetuar convocação conjunta dos
candidatos para a segunda e a terceira provas escritas mediante aprovação e publicação
no Diário Oficial do Estado da lista dos aprovados na primeira prova, desde que
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designe as provas escritas em datas diversas. (Parágrafo único inserido pela Deliberação
CSDP nº 147, de 08 de janeiro de 2010.)
Artigo 18 25 - O Conselho Superior aprovará e fará publicar no Diário Oficial do Estado
a lista dos candidatos aprovados na terceira prova escrita, indicando data, hora e local
em que será realizada a prova oral, fazendo constar da publicação o prazo legal para a
apresentação de títulos e dos documentos comprobatórios dos requisitos de inscrição
dos candidatos, estabelecidos no artigo 6º, incisos I a VIII, desta Deliberação. (redação
dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
Parágrafo único - Não será admitida a apresentação dos títulos e dos documentos
comprobatórios dos requisitos de inscrição dos candidatos, estabelecidos no artigo 6º,
incisos I a VIII, desta Deliberação, via fac-simile, correio, ou internet, e sem
requerimento assinado pelo candidato. (nova redação dada pela Deliberação CSDP nº 71, de
18 de abril de 2008)
Artigo 19 26 - Somente será admitido à prova oral o candidato que, tendo sido
aprovado na terceira prova escrita, comprovar que preenche os requisitos indicados no
artigo 6º desta Deliberação, ou, no caso do inciso V, que o preencherá até a data da
posse. (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
V - DOS RECURSOS
Artigo 20 27 - Do resultado das provas escritas caberá um recurso, separadamente, por
questão, no prazo de 2 (dois) dias, contados a partir da respectiva publicação no Diário
Oficial do Estado. (artigo renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de
2009)
§ 1º - O recurso, dirigido à Presidência da Banca Examinadora, deverá ser
protocolizado, separadamente, contendo a qualificação do candidato, o correspondente
número de inscrição, a modalidade de prova ministrada, a numeração da questão
impugnada e os fundamentos de sua pretensão, nos termos do edital. (redação dada pela
Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
§ 2º - Não serão admitidos recursos via fac-simile, correio, ou internet, por fotocópia e
sem a assinatura do candidato.
§ 3º - Admitido, o recurso será desidentificado e, após as manifestações do examinador
da disciplina e do Presidente da Banca Examinadora pela reforma ou manutenção do
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ato recorrido, será submetido à deliberação da Banca Examinadora. (redação dada pela
Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
VI - DA AVALIAÇÃO DOS TÍTULOS
Artigo 21 28 - Somente serão computáveis os seguintes títulos: (artigo renumerado pela
Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009).
I - título de doutor conferido por faculdade oficial ou reconhecida - 0,5 ponto; (nova
redação dada pela Deliberação CSDP nº 71, de 18 de abril de 2008)
II - título de mestre conferido por faculdade oficial ou reconhecida - 0,3 ponto; (nova
redação dada pela Deliberação CSDP nº 71, de 18 de abril de 2008)
III - (revogado pela Deliberação CSDP nº 71, de 18 de abril de 2008)
IV - diploma ou certificado de conclusão de curso de especialização, conferido por
faculdade ou entidade oficial ou reconhecida, nacional ou estrangeira, conforme
regulamentação do Ministério da Educação - MEC - 0,2 ponto; (redação dada pela
Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
V - obra jurídica editada - 0,2 ponto;
VI - publicação de obras ou artigos em revistas, boletins, periódicos e sítios da internet
com notório reconhecimento acadêmico-profissional, de obras intelectuais de conteúdo
jurídico ou com afinidade com os princípios e as atribuições institucionais da
Defensoria Pública do Estado - 0,05 ponto, até o máximo de 0,2 ponto; (redação dada pela
Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
VII - exercício de estágio, como estudante de Direito, aprovado em concurso, na área de
Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do Estado ou na Defensoria Pública do
Estado - 0,025 ponto por trimestre de exercício;
VIII - exercício de estágio, como estudante de Direito, aprovado em concurso, na
Defensoria Pública de outros Estados, do Distrito Federal e na Defensoria Pública da
União - 0,015 ponto por trimestre de exercício;
IX - exercício da advocacia em entidades, órgãos públicos ou organizações da sociedade
civil em favor dos necessitados - 0,05 ponto ao ano, até o máximo de 0,2 ponto; (redação
dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
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X - exercício da advocacia por meio de convênios de assistência judiciária firmados pela
Procuradoria Geral do Estado ou pela Defensoria Pública do Estado - 0,02 ponto ao ano,
até o máximo de 0,1 ponto.
Artigo 22 29 - Os títulos referidos no artigo 22, incisos VII, VIII, IX e X, desta
Deliberação serão comprovados nos termos seguintes: (Nova redação dada pela Deliberação
CSDP nº 169, de 16 de abril de 2010).
I - exercício de estágio na área de Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do
Estado ou nas Defensorias Públicas: mediante certidão expedida pela instituição
competente;
II - exercício da advocacia em entidades, órgãos públicos ou organizações da sociedade
civil em favor dos necessitados, ou por meio de convênios de assistência judiciária
firmados pela Procuradoria Geral do Estado ou pela Defensoria Pública do Estado,
mediante:
a) cópia de contrato de trabalho ou de prestação de serviços;
b) cópia de peças processuais;
c) certidões emitidas pelo Poder Judiciário ou pelo órgão público competente.
VII - DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Artigo 23 30 - Será considerado aprovado o candidato que obtiver grau igual ou
superior a 5 (cinco), calculado mediante a média aritmética do resultado das provas
escritas e da prova oral, sendo exigido na primeira prova escrita ao menos o acerto de 2
(duas) questões em cada matéria e 44 (quarenta e quatro) questões em toda a prova e,
nas demais provas escritas e oral, nota mínima igual a 3 (três) em cada matéria e média
igual ou superior a 5 (cinco). (redação dada pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro
de 2009)
Parágrafo único - Ao grau a que se refere o "caput" do presente artigo será acrescida a
pontuação dos títulos, obtendo-se, assim, o grau final do candidato aprovado.
Artigo 24 31 - A lista de classificação dos candidatos aprovados, elaborada pelo
Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado, será encaminhada ao Defensor
Público-Geral do Estado, para homologação e publicação no Diário Oficial do Estado.
(artigo renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
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§ 1º - Homologado o concurso, o candidato aprovado receberá do Conselho Superior da
Defensoria Pública do Estado certificado da sua classificação e do grau final obtido,
mediante requerimento do interessado.
§ 2º - Ocorrendo empate no grau final, resolver-se-á a classificação, segundo critérios
sucessivos, em favor daquele que:
a) tenha obtido a maior média na segunda prova escrita;
a) tenha obtido a maior média geral na segunda e terceira provas escritas; (Nova redação
dada pela Deliberação CSDP nº 169, de 16 de abril de 2010).
b) tenha obtido maior nota em Direito Constitucional na segunda prova escrita.
Artigo 25 32 - Não serão publicadas as notas dos candidatos reprovados, cabendo à
instituição que realizar o concurso disponibilizar, individualmente e em tempo
oportuno, o acesso a tais notas. (artigo renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de
novembro de 2009)
Parágrafo único – (suprimido pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
Artigo 26 33 - A nomeação obedecerá à ordem de classificação no concurso. (artigo
renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
§ 1º - A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua
nomeação e posse no cargo público. (Parágrafo inserido pela Deliberação CSDP nº 196/10)
§ 2º - A inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil é requisito apenas para a posse no
cargo. (Parágrafo inserido pela Deliberação CSDP nº 196/10)
Artigo 27 34 - No prazo de até 10 (dez) dias, a contar da posse, o Conselho Superior da
Defensoria Pública do Estado convocará os nomeados para escolha de vagas, na forma
do parágrafo único do artigo 106 da Lei Complementar Estadual nº 988, de 9 de janeiro
de 2006. (artigo renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
Artigo 28 35 - Os cargos serão exercidos no regime de jornada integral de trabalho,
previsto no artigo 85 da Lei Complementar Estadual nº 988, de 9 de janeiro de 2006.
(artigo renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
Artigo 29 36 - A devolução dos documentos apresentados pelos candidatos não
aprovados deverá ser requerida no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da
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publicação da homologação do concurso, findo o qual serão inutilizados. (artigo
renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
Artigo 30 37 - Os prazos previstos nesta Deliberação contam-se em dias corridos,
excluindo-se o dia de início e incluindo-se o dia final. (artigo renumerado pela Deliberação
CSDP nº 142, de 19 de novembro de 2009)
Artigo 31 38 - A legislação que rege o concurso será a vigente e aplicável à espécie à
data da publicação do edital, inclusive a Lei Complementar Estadual nº 683, de 18 de
setembro de 1992, com as alterações previstas na Lei Complementar Estadual nº 932, de
8 de novembro de 2002. (artigo renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de
novembro de 2009)
Artigo 32 39 - Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Superior da Defensoria
Pública do Estado. (artigo renumerado pela Deliberação CSDP nº 142, de 19 de novembro de
2009)
Artigo 33 40 - Esta Deliberação entrará em vigor na data de sua publicação.
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