COTAS RACIAIS
NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS:
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO RACISMO
RATIFICADA PELO STF
Alceu Álvares de Amorim Neto1
Flávio Henrique Salomão Neto2
RESUMO: O presente trabalho tem por escopo discutir a questão das
ações afirmativas, instituídas por meio de cotas raciais nas
universidades brasileiras. O estudo aborda os conceitos de igualdade
formulados ao longo da história das Cartas Políticas brasileiras até
chegar à atual Constituição Federal de 1988 e o problema da divisão
da população brasileira em raças. A análise deste trabalho se
concentra no fato de ser inviável e ineficaz a adoção de políticas de
cotas raciais para solucionar o problema da exclusão social existente
no País. Os fatores que influenciam na capacidade de um aluno
alcançar uma vaga em uma universidade brasileira não é a cor da sua
pele, mas diversos outros fatores como a renda da família, a educação
dos pais, e outras variáveis como o tipo de escola que frequentava.
A solução do problema somente será alcançada com a adoção de cotas
sociais, que alcancem toda a parcela da população desfavorecida, sem
a utilização de critérios raciais e, sobretudo, quando, efetivamente,
houver investimentos no setor educacional brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE:
Princípio da Igualdade. Cotas raciais. Inviabilidade. Ineficácia. Cotas
sociais.
ABSTRACT: The present work has for scope discuss question of
affirmative actions, instituted through racial quotas in Brazilian
1
Acadêmico do IESI/FENORD, graduado em 2013.
² Professor do IESI/FENORD, Especialista em Direito Público e Direito
Administrativo (FADIVALE), Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidad
del Museo Social Argentino).
22
universities. The study addresses concepts of equality formulated
along of history Brazilian Political Letters to arrive the currently
Federal constitution in 1988 and the problem of Brazilian population
division in races. The analysis of this work concentrated on fact of be
inviable and ineffective adoption of political of quotes races to solve
the problem of social exclusion existent in Country. The factors that
influence on the ability of the student achieve a place at a Brazilian
university not is not skin color, but a many of others factors like
family income, parental education, and others variables such as the
type of school that attended. The solution of problem will only be
achieved with the adoption of races quotes, that achieve all plots of
disadvantaged population, without utilization of racial criteria and,
especially, when, effectively, there is investments in the Brazilian
education sector.
KEYWORDS:
Principle of Equality. Racial quotas. Infeasibility. Ineffectiveness.
Social dimensions.
1
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 consagra expressamente o
princípio da igualdade no caput do art. 5º da Carta Maior, segundo o
qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza...”. Por meio deste regramento objetiva-se impedir a
criação de distinções, discriminações e privilégios arbitrários,
preconceituosos, odiosos ou injustificáveis.
A igualdade, durante todas as Cartas Políticas brasileiras,
sempre foi buscada como forma de concretizar a dignidade da pessoa
humana, embora, muitas vezes, apenas de maneira formal.
Neste contexto, as ações afirmativas surgiram como políticas
capazes de, em um curto espaço de tempo, possibilitar a concessão
de uma igualdade de oportunidades às parcelas da população que,
historicamente, foram marginalizadas e excluídas do contexto social.
Todavia, mesmo adotando este objetivo legítimo de concretizar
a igualdade no ordenamento jurídico pátrio, estas políticas públicas
23
sempre foram alvo de inúmeras e intensas críticas, sobretudo após
a decisão do STF que julgou ser constitucional a política de cotas
raciais nas universidades brasileiras. Dentre os diversos argumentos
utilizados, um dos principais é exatamente a utilização da raça como
critério para determinar qual a parcela da população será
beneficiada pela ação afirmativa.
É exatamente sobre esta polêmica que o presente trabalho
monográfico tratará, não a partir apenas de teorias, mas com base em
dados científicos, e, principalmente, estatísticas apresentadas pela
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Instituto
de Pesquisas Avançadas em Educação (IPAE), bem como pelas notas
obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
2
PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA ATUAL
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O papel exercido pelos princípios em um Estado Democrático
de Direito é de extrema relevância para a concretização da
democracia e, consequentemente, de todos os direitos humanos
fundamentais por ele contemplados.
O princípio da igualdade, que exige a igualdade para todos,
sempre foi contemplado por nossas Cartas Políticas, embora, apenas
formalmente: igualdade perante a lei. Diversamente, grande avanço
se viu com a Carta de 1988, ao atribuir ao princípio uma dimensão
material, visando garantir a participação efetiva de todos na
construção de uma sociedade livre de preconceitos (KAUFMANN,
2007, p. 233).
Assim, o princípio da igualdade na atual Constituição, evoluiu no que
diz respeito a sua concepção, ajustando em uma igualdade formal e
material. A formal aquela disciplinada pela lei, enquanto que a material
proporciona tanto a garantia individual, quanto afastar o favoritismo
nas oportunidades, com a intenção de mitigar as desigualdades de fato,
ou seja, dar tratamento desigual para os desiguais na medida de suas
desigualdades a fim de alcançar uma igualdade de oportunidades.
24
Deste modo, toda diferenciação deve ser adotada por lei, e
pode constituir-se de qualquer elemento presente nas coisas, pessoas
ou situações. No entanto, para que seja harmônico com o princípio
da igualdade, o elemento discriminador, cuja adoção exige uma
justificativa racional, deve ter por escopo a promoção de um fim
constitucionalmente consagrado. Assim, o critério utilizado para a
diferenciação deve ser objetivo, razoável e proporcional
(NOVELINO, 2009, p. 412-413).
Portanto, a diferenciação somente será compatível com o
princípio da igualdade quando houver um fundamento lógico para a
adoção do critério discriminatório e esta justificativa estiver,
concretamente, ajustada com os valores protegidos pela Constituição
(MELLO, 2006). Este fundamento lógico empregado para justificar
a adoção das cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas
brasileiras que será, em momento oportuno, objeto do presente
trabalho.
3 AÇÕES AFIRMATIVAS COMO FORMA DE COMBATER
A DISCRIMINAÇÃO
As ações afirmativas são uma das formas para proporcionar a
certas pessoas e/ou grupos de pessoas condições reais de igualdade
em relação a toda a sociedade. Tais ações mostram-se como grandes
aliadas à minimização e, inclusive, à eliminação dos efeitos de
diversas formas de discriminação, buscando-se, assim, gerar “o
desenvolvimento de uma sociedade plural, diversificada, consciente,
tolerante às diferenças e democrática, uma vez que concederia espaço
relevante para que as minorias participassem da comunidade”
(KAUFMANN, 2007, p. 220).
Desde o início do combate às práticas discriminatórias,
verificou-se que o mesmo pode se desenvolver, basicamente, de duas
formas. Na primeira, o Estado edita e adota normas que proíbem e
reprimem a discriminação, criminalizando atos discriminatórios a
cujos autores impõem-se sanções. Na segunda, adota-se uma política
com preceitos que beneficiam a inclusão de pessoas e grupos de
25
pessoas excluídos de algum contexto. Esta é a ação afirmativa
(BRITO FILHO, 2012, p. 59).
Ressalte-se que os modelos não devem ser aplicados
isoladamente, pois um completa o outro. Isto é, nas ações afirmativas,
medidas repressivas devem ser adotadas; e no modelo repressivo,
além das sanções impostas pelo Estado, ações de (re)inclusão
também devem ser tomadas. Ademais, ambos os modelos possuem
idêntico fundamento: a igualdade entre as pessoas (BRITO FILHO,
2012, p. 60).
Mas, esta equidade buscada não pode ser apenas formal, mas,
material, de modo a tratar igualmente os iguais e, desigualmente,
os desiguais, fornecendo “os meios para reduzir ou compensar as
dificuldades subjacentes às desigualdades enfrentadas para cada
qual” (BERNARDES; FERREIRA, 2012, p. 72).
4 AS COTAS RACIAIS NO BRASIL
A adoção de programas de ações afirmativas nos EUA
importou uma verdadeira resposta ao sistema de segregação
institucionalizado que se iniciou logo após a abolição da escravatura.
O fato de, no Brasil, não ter havido este tipo de sistema, logicamente,
não impede a adoção de medidas semelhantes. Todavia, os modelos
a serem utilizados nesta apreciação serão outros, distintos daqueles
que impulsionaram a adoção das supra referidas medidas. No Direito
pátrio, o estudo das ações afirmativas deve ser realizado com base
na realidade aqui vivida, com o escopo de eliminar as razões que
concretamente impediram e ainda impedem o negro de se integrar
totalmente à sociedade.
Aqui, as ações afirmativas surgiram como forma de
consolidar a igualdade material, ou seja, “a igualdade de
oportunidades, em clara proposta assistencialista – e não como
resposta à segregação dantes implementada, como aconteceu nos
Estados Unidos” (KAUFMANN, 2007, p. 236).
O marco histórico para a adoção de políticas afirmativas na
modalidade cotas raciais no País ocorreu em 2001, quando
26
participamos da Conferência Mundial de Combate ao Racismo e
Xenofobia, promovido pela ONU em Durban, África do Sul, onde
nossa delegação assumiu, abertamente, que éramos um país racista
e que existiria aqui um racismo institucional, que agiria de maneira
implícita2.
Em
seguida,
o
Brasil
comprometeu-se,
internacionalmente, a adotar políticas de reparação.
Tal postura, todavia, segundo Maggie e Fry (2002 apud
FREITAS NETO, 2007, p. 16-17):
Gerou críticas diversas por conta do caráter
ideologicamente enviesado da delegação enviada a
Durban e da pouca divulgação dos debates
preparatórios, ficando as discussões restritas interna
corporis do assim chamado Movimento Negro.
Após a referida Conferência, começaram a surgir, no País,
as primeiras ações voltadas para a implantação de políticas
afirmativas de cunho racial.
Nas universidades, a adoção da política de cotas, pela reserva
de vagas iniciou-se em 2000, com a Lei nº 3.524, que trata dos
critérios de seleção e admissão de estudantes da rede pública estadual
de ensino em universidades públicas estaduais. Segundo o (IPAE)
(2010, p. 2), esta lei foi aplicada na Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense
(UENF), e assegurava 50% das vagas para estudantes das redes
municipal e estadual de ensino.
2
Há diferença entre afirmar “há racismo no Brasil” e “O Brasil é um país
racista”. A veracidade daquela se deduz a partir da constatação da existência de
indivíduos racistas num país, fato do qual nenhum país escapa. Afirmar, porém,
que o país é racista depende necessariamente de ser a ideologia racista ali operante,
o que redunda na existência de conflitos de rua entre grupos racistas, difusão
midiática da ideologia, reflexos legais de tal ideologia por meio de medidas
indubitavelmente racistas que, por serem institucionais, são ipso facto explícitas.
A ideia de um racismo ao mesmo tempo institucional e implícito constitui, a nosso
sentir, uma insanável contradição em termos (FREITAS NETO, 2007).
27
A Universidade de Brasília (UNB) e a do Estado da Bahia
(UNEB), também aderiram ao sistema de cotas, utilizando como
critérios os indicadores socioeconômicos, a cor ou a raça do
indivíduo (IPAE, 2010). A UNB foi a primeira instituição federal
a instituir o sistema de cotas, através do Plano de Metas para
Integração Social, Étnica e Racial aprovado pelo Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão da Universidade (MACÊDO, 2009).Além disso,
criou-se o Decreto nº 4.886/2003, que instituiu a Política Nacional
de Promoção da Igualdade Racial, que tem como um dos objetivos
gerais:
Redução das desigualdades raciais no Brasil, com
ênfase na população negra, mediante a realização de
ações exequíveis a longo, médio e curto prazos, com
reconhecimento das demandas mais imediatas, bem
como das áreas de atuação prioritária (BRASIL, 2003).
Podem-se citar, ainda, a Lei nº 10.558/2002, conhecida como
Lei de Cotas, que cria o Programa Diversidade na Universidade, e
dá outras providências; o Decreto nº 4.876/2003, que dispõe sobre a
análise, seleção e aprovação dos Projetos Inovadores de Cursos,
financiamento e transferência de recursos, e concessão de bolsas de
manutenção e de prêmios de que trata a Lei nº 10.558, de 13 de
novembro de 2002, que instituiu o Programa Diversidade na
Universidade. Esse decreto foi modificado pelo Decreto nº
5.193/2004, que dá nova redação aos arts. 3º, 4º, 5º, 8º e 9º do referido
Decreto nº 4.876/2003. Por fim, vale lembrar ainda a Lei nº
12.288/2010, conhecida como o Estatuto da Igualdade Racial 3.
Todavia, o tema cotas raciais é assaz polêmico e ainda carece
de inúmeros debates sobre a sua viabilidade e eficácia. Este é um
assunto que divide opiniões, embora seja pacífico que algo deve ser
3
O Prouni destina-se à concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos
de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de
educação superior. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela
Lei nº 11.096/2005, oferece, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas
instituições de ensino que aderem ao Programa.
28
feito para diminuir as desigualdades existentes entre os cidadãos de
diversos grupos sociais (IPAE, 2010).
É bem verdade que o Brasil, atualmente, possui a segunda
maior população negra do mundo (ficando atrás, apenas, da Nigéria)
(LESME, 2013). Além disso, é notório e indiscutível que o País possui
uma imensa dívida histórica com os negros. Todavia, é sabido,
também, que as cotas raciais já causaram prejuízos incalculáveis a
inúmeras pessoas, que não se viram beneficiadas por vagas e/ou
empregos a que, teoricamente, teriam direito. Na verdade, o que se vê
é que, com o passar do tempo, as cotas transformam-se em
instrumentos de divisão da sociedade em classes e concessão de
privilégios – os quais, ao invés de remediar conflitos, somente
servem para incitar preconceitos.
4.1 Ineficácia da política de cotas raciais
A análise sobre a ineficácia das cotas raciais para solucionar o
problema da desigualdade social e, assim, promover a inclusão dos
negros na sociedade será baseada nos estudos feitos por Simon
Schwartzman sobre os fatores que influenciam na inclusão de
negros e pardos em universidades brasileiras, sopesando,
sobretudo, os dados exibidos pelo IBGE, PNAD e IPAE, bem como
as notas obtidas no ENEM.
É indiscutível que o acesso à educação superior é essencial
para o País, pois traz benefícios para toda a sociedade, não sendo justo
que os mesmos se limitem a apenas certos grupos que tiveram
oportunidade de cursar boas escolas e melhor se preparar para os
exames vestibulares. A relação entre os resultados obtidos nos
vestibulares e a performance nos estudos e nas carreiras, contudo,
não é perfeita. É elementar para as instituições de nível superior e
para o País expandir a presença de pessoas de origens e condições
sociais diversas nas universidades, tornando-as mais plurais e
diferenciadas, social e culturalmente (SCHWARTZMAN, 2008).
A inclusão desses estudantes no ensino superior, segundo
Schwartzman (2008, p. 23), pode ser pensada de duas formas: a
primeira delas é através da ampliação do acesso, que, como é o caso
29
das cotas raciais aqui tratadas, prevalece na discussão brasileira; e a
segunda se dá por meio de uma política mais variada de admissão de
alunos, que pode, em princípio, ser alterada ainda quando a dimensão
do sistema de educação superior permanece inalterado, ou pouco se
altera.
Deste modo, de início, é importante fazermos uma análise do
grau de exclusão existente no ensino superior do País, bem como
se ela vem aumentando ou diminuindo e quais seriam as boas e más
práticas de inclusão a serem adotadas.
Segundo a doutrina de Schwartzman (2008, p. 24), o ensino
superior no Brasil desenvolveu-se enormemente no período de 2001
a 2005, passando, de acordo com dados da PNAD, de 2,4 a 4,8
milhões de estudantes, ou seja, dobrou. Essa ampliação sobreveio,
especialmente, no ensino privado, que cresceu 48,5% no período, ao
contrário do setor público, que só cresceu 21,4%. Do ponto de vista
da inclusão social, o que se verifica é que o sistema tornou-se menos
excludente, tanto em relação à renda quanto à incorporação de alunos
não brancos, segundo a classificação do IBGE. O quadro a seguir
expõe as principais informações.
QUADRO 1 – CRESCIMENTO DA MATRÍCULA ENSINO
SUPERIOR, 2001-2005
2001
2005
Aumento
Total
3.458.642
4.867.984
Z
Não brancos
801.961
1.500.608
87,1%
Renda 1 a 3 quintos
394.357
659.227
67,2%
Público
989.737
1.201.124
21,4%
Não brancos
325.857
457.224
40,3%
Renda 1 a 3 quintos
188.447
253.276
34,4%
Particular
2.468.905
3.666.860
48,5%
Não brancos
475.293
1.043.384
119,5%
Renda 1 a 3 quintos
205.910
405.951
97,1%
Fonte: PNAD 2001 e 2005
Verifica-se que a população de renda mais baixa (1 a 3
quintos), incluindo brancos, pretos e pardos, passou de 11,4% em
2001, para 13,54% em 2005; já a população não branca, subiu de
23,2% em 2001, para 30,8% em 2005, aumento importantíssimo em
um País marcado pela exclusão social. Os principais aumentos
30
ocorreram no setor privado, onde o total de não brancos majorou
quase 120%.
Constata-se que nosso ensino superior desenvolve-se e integra
pessoas menos privilegiadas, e o impressionante é que isto ocorre
independente das políticas de inclusão, o que ratifica que sua
adoção não é de todo indispensável. É possível que, no setor
privado, a ampliação de estudantes de baixa renda seja reflexo do
Programa Universidade para Todos (Prouni). Porém, os alunos
beneficiados não chegam a 300 mil no período apurado, segundo o
Ministério da Educação. Ademais, o limite de renda fixado pelo
programa (1,5 salário mínimo per capita) abrange até o quarto
quinto da classificação de renda empregada aqui, e, possivelmente,
não está incluindo muitos alunos de renda efetivamente mais baixa
(SCHWARTZMAN, 2008).
Estas modificações no número de matrículas no ensino
superior no período de 2001 a 2005 refletem, também, a ampliação
do acesso à educação que vem ocorrendo em outros níveis de
educação, como se verifica no gráfico 1.
GRÁFICO 1
PROPORÇÃO POR COR E NÍVEIS DE EDUCAÇÃO
Fonte: PNAD 2005.
31
Quanto à cor dos candidatos na população total, o gráfico revela
que aproximadamente metade das pessoas (49,91%) se autodeclara
branca, 43,16% se declaram pardas e, apenas, 6,26%, pretas (PNAD,
2005). No ensino fundamental, o percentual de pessoas pardas
(51,08%) é superior ao de brancas (43,00%), e o percentual destas é
quase 8 vezes maior que o de pessoas pretas (5,48%). No ensino
médio, as proporções não se alteram muito: o percentual de pessoas
pardas (43,30%) é bastante equivalente ao de pessoas brancas
(49,93%); porém, o percentual de pessoas pretas (6,15%) continua
baixo (embora com um leve aumento em relação ao ensino
fundamental), pois é 8,1 vezes inferior ao de pessoas brancas. Como
se vê, a diferença na inclusão se torna mais discrepante quanto maior
for o nível de escolaridade. Assim, no ensino superior, o percentual
de pessoas brancas (69,17%) ultrapassa 2,7 vezes o de pardas
(25,12%) e 15,2 vezes o de pretas (4,55%), fato que reflete claramente
o passado de desigualdades.
O entrave basilar ao acesso de alunos ao ensino superior, hoje,
não é a falta de vagas ou a carência financeira, nem a discriminação
social existente em seleções. Na verdade, corrobora-se com
Schwartzman (2008), para quem a grande peneira é o ensino médio,
que ainda não forma alunos suficientemente para suprir a expansão
do ensino. O alto ponto de corte de renda do Prouni se explica porque
o programa não teria candidatos se se voltasse, apenas, a estudantes
de baixa renda.
Neste sentido, Cláudio Moura Castro, assessor do sistema
Positivo de ensino, e João Luiz Martins, pró-reitor de Planejamento
e Desenvolvimento da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop),
defendem que, no atual momento, deve ser dada uma especial
atenção pelo Poder Público para a melhoria do ensino médio, que é
um problema. Martins (2013) indica como pontos críticos “o
elevado percentual de evasão, da ordem de 50%, e a própria
indefinição quando ao conceito que deveria nortear seu conteúdo
curricular” (FREITAS, 2013, p. 5).
32
O ideal, segundo ambos, é que o ensino médio
conseguisse aliar
a formação humanista ao
conhecimento tecnológico e de mundo e, ao final de três
anos, o aluno pudesse fazer a escolha quanto a ir para a
universidade ou
fazer
um
curso
técnico
profissionalizante. “O importante é que a escola de
nível médio esteja sintonizada com o século 21 e as
novas tecnologias”, afirma João Luiz Martins. “O
momento é de consolidar o ensino médio”, reforça
Moura Castro (FREITAS, 2013, p. 5).
No debate já destacado sobre a adoção e implantação das
cotas raciais, a tese de que o problema da inclusão de estudantes na
educação superior está nos ensinos médio e fundamental é
intensamente criticada como forma de desviar a atenção da questão
da ação afirmativa. Mas é notório que o problema do ensino médio é
realmente grave. Para exemplificar esta gravidade existente no
ensino, pode-se citar, de início, o número de alunos. Em Minas
Gerais, 86% dos alunos que cursam o ensino médio estão em escolas
públicas e, apenas, 14%, em escolas particulares. Por outro lado, os
números do ENEM, cuja nota é utilizada pelas universidades como
porta de entrada dão a dimensão desse abismo. Em 2011, em Minas,
entre as 100 escolas melhor classificadas no ENEM, só seis eram
públicas (todas federais – dentre colégios militares, escolas ligadas a
universidades federais ou Cefets), o restante, 94, particulares. Na
outra ponta, ou seja, das 100 escolas com pior desempenho, 99 são
estaduais e 1 municipal (FREITAS, 2013, p. 4).
Sendo assim, levando-se em consideração que o contingente
de alunos negros e pardos em escolas públicas supera
significativamente a de alunos brancos, por consequência, a
dificuldade daqueles em alcançarem vagas nas universidades
públicas brasileiras será muito maior, haja vista estes disporem de
maiores oportunidades para estudarem em escolas particulares e se
prepararem melhor para os vestibulares. Por outro lado, não se pode
esquecer que também existem diversos alunos brancos nas escolas
públicas e que, devido à deficiência do ensino, também têm
dificuldade de conquistarem vagas nas universidades públicas
brasileiras.
33
Esta dificuldade a que são acometidos os estudantes de
ingressarem em universidades públicas também pode ser claramente
evidenciada no quadro a seguir, que demonstra que o setor público
oferece apenas 13,29% das vagas abertas em universidades públicas,
que são disputadas, em média, por 7,88 candidatos, número bastante
elevado se comparado à disputa pelas vagas no setor privado, que é
de apenas 1,3 candidatos por vaga.
QUADRO 2 – CONCLUINTES, CANDIDATOS E VAGAS
PARA O ENSINO SUPERIOR
Concluintes
do ensino
médio
Vagas no
ensino
superior
Candidatos
Ingressantes
Candidatos
por
ingressantes
Setor
302.709
2.011.929
2.622.604
1.303.110
2,0
privado
Setor
1.547.509
308.492
2.431.388
287.242
8,5
público
Total
1.868.218
2.320.421
5.053.992
1.590.352
3,2
Fonte: Ministério da Educação. Censo Escolar 2005 e Censo do Ensino Superior, 2005
Além disso, Schwartzman (2008, p. 27) assevera que:
O ensino superior brasileiro é muito estratificado tanto
no setor público quanto no setor privado, com
instituições e carreiras mais competitivas nos dois
setores atraindo estudantes com melhor formação e
recursos, e outras mais abertas e baratas abrindo espaço
para estudantes com menos condições. Políticas de
inclusão devem lidar com a questão de quem são os
excluídos e, portanto, merecedores de políticas
específicas de atendimento: como selecionar, tomando
critérios sociais, e não somente de desempenho; em que
tipo de instituição (pública, privada) e carreiras (mais e
menos disputadas) estas políticas devem privilegiar; o
que fazer com estudantes menos qualificados uma vez
admitidos ao ensino superior.
34
Neste contexto em que se busca situar quais parcelas da
sociedade são excluídas a fim de definir as políticas de inclusão a ser
adotadas, o debate sobre as cotas raciais destaca-se se comparado aos
critérios que consideram a condição socioeconômica e o tipo de
educação básica recebida, se pública ou privada.
Apesar de os critérios do IBGE evidenciarem uma forte
correlação entre o fato de ser uma pessoa parda ou preta e as suas
condições socioeconômicas e educacionais, estas meras diferenças
de cor não explicam a desigualdade social existente no País. Segundo
Schwartzman (2008, p. 28), no trabalho elaborado pelo IPAE,
juntamente com outros especialistas, sobre Desigualdade de renda
no Brasil, fala-se o seguinte sobre a discriminação no mercado de
trabalho:
Quando pretos e brancos igualmente produtivos têm a
mesma ocupação, no mesmo segmento do mercado de
trabalho, e os brancos recebem remuneração maior,
dizemos que existe discriminação salarial contra os
pretos. Além da cor, trabalhadores podem ser
discriminados por várias características, tais como
idade, sexo, religião etc.. A despeito desta representar
talvez a manifestação mais injusta da desigualdade, sua
importância quantitativa é limitada, uma vez que
responde por apenas 5% da desigualdade entre
trabalhadores e por uma fração desprezível da
desigualdade entre família (IPAE, 2006 apud
SCHWARTZMAN, 2008, p. 28).
Ressalte-se, portanto, que a pesquisa realizada pelo IPAE
(2006) revela que a desigualdade de renda entre trabalhadores
brancos e negros e/ou pardos é de apenas 5%, o que não pode ser
justificado apenas pela discriminação racial, mas por diversos
outros fatores.
Na verdade, Schwartzman (2008, p. 28) explica que os
principais motivos para tais diferenças são, primeiramente, o
rendimento no trabalho; em seguida, a educação; e, por último, a
divisão do mercado de trabalho em segmentos, sobretudo geográfica
(quando, por exemplo, pessoas com a mesma qualificação e
35
atividades semelhantes auferem salários diferentes de acordo com a
região em que vivem). Em outras partes do trabalho, os autores
destacam que as diferenças existentes entre os grupos de cor no
Brasil ocorrem, principalmente, devido às diferenças educacionais,
que, por seu turno, influenciam na produtividade do trabalho.
Novamente, destaca-se que não é a discriminação racial o fator
que mais influência na diferença entre a renda auferida pelas pessoas
brancas e a recebida pelas pessoas pardas e/ou negras, mas sim o
nível da educação, o que comprova, ainda mais, a deficiência do
ensino no País.
Diante do exposto, os estudos realizados pelo IPAE (2006) já
nos permitem colocar em pauta a polêmica sobre a adoção de
políticas de cotas raciais para facilitar o acesso de pessoas pardas e
negras às universidades brasileiras. Como se constatou até o presente
momento, tal adoção resolveria o problema da desigualdade existente
no Brasil em apenas (e no máximo) 5%. Na verdade, como bem
coloca Schwartzman (2008), uma redução significativa dessa
desigualdade social somente poderá ser alcançada com investimentos
na produtividade do trabalho, na melhoria da educação, no
redirecionamento dos gastos sociais, e na integração dos mercados de
trabalho no País, processos que, apesar de estarem sendo realizados,
precisam ser intensificados.
Na seara educacional, uma fonte recente de informações sobre
o impacto das diferenças de cor pode ser extraída dos dados do
ENEM, embora não sejam representativos, já que a participação é
voluntária. Apesar disso, já inclui um número significativo de
pessoas. Em 2005, inscreveram-se para o exame cerca de 3 milhões
de jovens, dos quais aproximadamente 2 milhões fizeram as provas
e responderam a um questionário socioeconômico, que possuía uma
pergunta sobre “cor”, igual à do IBGE. A divisão é bastante
semelhante à da população, sendo 45,6% brancos, 38,2% pardos e
11,9% pretos. Avaliando os resultados da prova objetiva, verifica-se,
como era de se esperar, uma significativa variação do desempenho
em função da educação e da renda das famílias de origem dos
candidatos, e também diferenças por cor (Quadro 3)
(SCHWARTZMAN, 2008).
36
QUADRO 3 – RESULTADOS DO ENEM 2005, POR RENDA
FAMILIAR E COR (PROVA OBJETIVA)
Média na prova objetiva Número de pessoas
Renda familiar
Até 1 s.m.
31,5
260.496
1 a 2 s.m.
35,2
645.469
3 a 5 s.m.
40,7
666.614
5 a 10 s.m.
48,5
207.967
10 a 30 s.m.
59,0
91.032
30 a 50 s.m.
62,7
16.157
Mais de 50 s.m.
61,3
8.232
Nenhuma renda
30,6
27.611
Cor
Branco
42,8
879.191
Pardo
36,8
737.492
Preto
35,6
229.579
Amarelo
40,6
64.915
Indígena
32,9
16.588
Total
39,51
1.927.765
Fonte: ENEM 2005.
Observe-se que a diferença na média das notas obtidas no
exame, levando-se em consideração a renda da família do candidato
é muito maior se comparada à sua cor, variando de 30,6 pontos
(nenhuma renda) a 61,3 pontos (mais de 50 salários mínimos), ao
passo que esta última varia de 42,8 pontos (brancos) para 35,6
pontos (negro), o que comprova, ainda mais, que a condição
socioeconômica das famílias supera a simples questão da cor.
Além disso, segundo Schwartzman (2008, p. 30):
Diferenças semelhantes surgem em termos da educação
dos pais. Filhos de mães que não estudaram têm em
média 31,8 na prova do ENEM, comparando com 56,2
pontos para os filhos de mães com educação superior
completa. Dentro de cada nível de renda ou educação,
as diferenças entre os grupos de cor são pequenas,
37
sobretudo entre os de renda mais baixa, ou de mães com
menor educação. Nos níveis mais altos de educação, as
diferenças entre grupos de cor aumentam. Quando as
mães têm nível superior, a média do ENEM é de (...)
56,2 para brancos, 48,9 para pardos, e 44,3 para pretos.
(PEIXOTO, 2008).
Assim, os dados até então exibidos ratificam que: 1) as diferenças
de renda e educação familiar são os principais fatores ligados aos
resultados do ENEM, que são um indicador razoável da chance de os
candidatos ingressarem em uma universidade mais competitiva; 2)
existem diferenças nos grupos de cor que persistem em vários grupos
de renda e educação familiar; 3) tais diferenças majoram-se na medida
em que alarga a renda e a educação das famílias, como se tais fatores
nas famílias pretas e, em menor grau, nas pardas não fossem
satisfatórios para que os filhos obtivessem ganhos análogos no
desempenho escolar (SCHWARTZMAN, 2008).
Não há provas de que tais diferenças sejam efeito da
discriminação, embora isso possa ser um fator. Elas podem resultar do
fato de os ganhos sociais e econômicos melhores das famílias pardas
e pretas serem recentes, ou que os cursos superiores dos pais tenham
sido feitos em carreiras e instituições de menor qualidade, ou que tais
famílias ainda não tenham acumulado “capital cultural”, requisito para
um bom desempenho escolar (SCHWARTZMAN, 2008). Ou seja,
outra vez, há vários fatores que podem interferir no desempenho
escolar e no ENEM dos candidatos negros e pardos, fatores que não se
limitam à discriminação racial.
Com relação a esta questão da discriminação, o ENEM
possui várias perguntas acerca da sua percepção e experiência.
Poucos são aqueles que se dizem preconceituosos, mas cerca de 30
a 40% veem preconceitos nos colegas e nas próprias famílias. Mais
da metade dos pretos, e 16% dos pardos, afirmam já terem sofrido
discriminação, independentemente de que natureza seja. Apesar
dessas declarações, as estatísticas demonstram que, na verdade, o
fator que influencia nas diferenças de resultado e oportunidades
educacionais não é a discriminação; continua sendo a renda das
38
famílias, a educação dos pais, e outras variáveis como o tipo de escola
que o jovem frequentou (SCHWARTZMAN, 2008).
Portanto, não basta criar políticas de cotas raciais para o
ingresso em universidades; esta medida é ineficaz, pois não resolverá
o problema da inclusão social de pessoas negras e pardas. Na
verdade, esta é uma medida mais simples e barata, mas que não
resolve, e sim acaba desviando a atenção do verdadeiro problema. É
preciso que haja investimentos, principalmente, no ensino básico e
em instrumentos que proporcionem melhor renda e educação às
famílias pardas e negras e, em menor escala, às carentes famílias
brancas.
5 COTAS SOCIAIS: INCLUSÃO SOCIAL DOS
DESFAVORECIDOS E EXTINÇÃO DA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO RACISMO RATIFICADA
PELO STF
A recente decisão do STF de julgar constitucional a política de
cotas nas universidades brasileiras, ao invés de eliminar ou amenizar
o suposto racismo e discriminação existentes no País, provocaram,
ainda mais, a frustração da parcela da população que não se viu por
ela beneficiada.
O que se verifica em nosso cotidiano é que esta questão do
racismo e da discriminação existentes no Brasil não foi suficiente
para obstar a concepção de uma sociedade plural, diversificada e
miscigenada como a nossa, na qual se valorizam as mais variadas
culturas, principalmente a de origem negra, fato que pode ser
visivelmente comprovado na própria identidade do povo brasileiro,
que se destaca em todo o mundo pelo samba, pelo pagode, pelo
chorinho, pelo carnaval, pelo futebol, pela capoeira e pela mulata.
Além disso, não se pode afirmar que o racismo e que a discriminação
foram capazes de impedir que diversos pardos e negros se
destacassem no cenário nacional, seja na política, na magistratura,
nas universidades, nas artes ou nos esportes, como é o caso do Rei
Pelé, negro e mundialmente idolatrado.
39
Verifica-se que, além dos critérios biológicos já citados, que,
devido à grande miscigenação, impedem a divisão do País em
raças, esta divisão também não pode ser feita em seu aspecto
cultural, pois o Brasil se transformou em um País completamente
misturado. Esta situação deveria ter sido observada pelo STF quando
da sua decisão. Todavia, ao invés de resolver um problema de
acesso às universidades brasileiras pela parcela da população que é
reconhecidamente desfavorecida, tal decisão despertou, na verdade,
sentimentos de ódio racial, verificando-se, assim, uma
institucionalização do racismo no País.
Defende-se o posicionamento de que a decisão tomada pelo
Supremo feriu o princípio da igualdade material previsto na
Constituição Federal de 1998, na medida em que, inicialmente, não
se vislumbrou nela uma justificativa racional. Além disso, o critério
escolhido para a concessão das cotas raciais, qual seja a própria
raça, não teve como atributos a objetividade, a razoabilidade e a
proporcionalidade, embora a finalidade maior das mesmas seja
plenamente acolhida pelo ordenamento jurídico pátrio, que é a
promoção da inclusão social de grupos desfavorecidos.
Neste sentido, Bernardes e Ferreira (2012, p. 74-75)
asseveram que:
A ação afirmativa só será constitucional se os fatores
discriminantes utilizados na identificação dos
respectivos beneficiários forem condizentes com as
dificuldades que a atuação estatal tentar atenuar ou
remediar. Caso a desigualdade de “condições de
partidas” advenha de motivações financeiras, por
exemplo, não há por que privilegiar outras pessoas que
não as portadoras de dificuldades econômicas, pois a
medida seria inadequada para atender à finalidade
pretendida.
É dizer, se a justificativa para reservar vagas em
instituições públicas de ensino superior radicar na
desigualdade entre aqueles que frequentaram e os que
não frequentaram escolas particulares – sob a
presunção de que a qualidade destas é melhor – ou entre
os vestibulandos que trabalham e os que não trabalham
para ajudar a família – daí se presumindo que estes
40
últimos não tiveram o mesmo tempo útil de preparação
para o vestibular –, não faz sentido atribuir cotas
conforme
critérios
diversos
(critérios
exclusivamente raciais, por exemplo). Do contrário, a
medida importaria em discriminação arbitrária que
elevaria as mesmas dificuldades enfrentadas pelos
vestibulandos trabalhadores e/ou egressos de escola
pública, mas que não preenchessem os critérios raciais
exigidos ao gozo das cotas. Ou seja, se eleger fator
discriminante equivocado, toda ação afirmativa poderá
ser considerada inconstitucional.
Conforme se pode extrair da explicação dada pelos nobres
doutrinadores, não se pode afirmar que a fixação da raça como
critério para possibilitar o acesso às universidades brasileiras seja
viável em um País marcado pela forte desigualdade social e pela
enraizada miscigenação. Não há como compensar a grande dívida
que a sociedade tem com os negros se não é possível, por meio de
critério objetivo, estabelecer quem é negro no País.
Tal critério (a raça) é demasiadamente subjetivo, conforme já
se pôde verificar ao longo deste trabalho e completamente
desarrazoado e desproporcional, já que, como se viu, diversos fatores
que influenciam na capacidade de um aluno conquistar uma vaga em
uma universidade pública brasileira, dentre os quais se destacam a
educação recebida e a renda da sua família, e não exclusivamente a
cor da sua pele.
Na verdade, o que se verifica no Brasil é que o problema da
exclusão social dos negros e pardos não é oriundo de uma política
segregacionista, como ocorreu nos Estados Unidos, através do
sistema Jim Crow. Logo, a questão não pode ser reduzida a uma
problemática de cor, apenas.
De todo modo, é inegável que, no Brasil, os negros foram
injustamente excluídos do seio da sociedade, fato que pode ser
claramente verificado através dos indicadores sociais, cujos piores
índices estão entre os afrodescendentes. Todavia, como bem coloca
Kaufmann (2007, p. 258):
41
O que se quer demonstrar é que talvez o preconceito
arraigado na sociedade não se constitua no fator
exclusivo a impedir a representatividade dos negros nas
classes sociais mais elevadas. Fortes indícios
demonstram que o verdadeiro anátema dos negros se
localiza na precária situação econômica em que se
encontram, tornando-os despreparados para uma
competição justa no mercado de trabalho e na educação.
Por este motivo, acredita-se que a cotas sociais sejam a melhor
solução para o problema da exclusão social existente no País, uma
vez que, essas sim, alcançariam todos aqueles que carecessem das
condições educacionais e socioeconômicas necessárias para lhes
proporcionar o acesso às universidades públicas brasileiras.
Desta forma, acredita-se, por exemplo, que apenas o
mandamento constante do art. 1º da Lei das Cotas seria suficiente
para solucionar (a curto prazo) o problema da exclusão social, não
sendo necessária a previsão constante do art. 3º, que trata
especificamente do negros, pardos e indígenas. Vale destacar, assim,
a disposições trazidas pelos referidos dispositivos:
Art. 1º - As instituições federais de educação superior
vinculadas ao Ministério da Educação reservarão,
em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos
de graduação, por curso e turno, no mínimo 50%
(cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que
tenham cursado integralmente o ensino médio em
escolas públicas.
Parágrafo único - No preenchimento das vagas de que
trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento)
deverão ser reservados aos estudantes oriundos de
famílias com renda igual ou inferior a 1,5 saláriomínimo (um salário-mínimo e meio) per capita
(BRASIL, 2012).
(...)
Art. 3º - Em cada instituição federal de ensino
superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão
preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados
pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo
igual à de pretos, pardos e indígenas na população da
42
unidade da Federação onde está instalada a instituição,
segundo o último censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Parágrafo único - No caso de não preenchimento das
vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste
artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas
por estudantes que tenham cursado integralmente o
ensino médio em escolas públicas (BRASIL, 2012).
Não se pode olvidar, todavia, que a política de cotas sociais é
uma medida provisória, uma vez que, como já se viu, o problema
maior a ser resolvido no País é a deficiência do ensino médio.
Enfim, acredita-se que, assim, finalmente, será assegurada a
observância da igualdade material de direitos preconizada pela Carta
Magna brasileira, sem a consequente concessão injusta de privilégios
ou vantagens para uma parcela da população que, sequer, pode ser
individualizada.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violação do direito à igualdade constitui um verdadeiro
atentado à fonte material suprema de direitos fundamentais e
fundamento da República Federativa do Brasil, qual seja a dignidade
da pessoa humana.
Não há empecilhos para que a lei estabeleça distinções entre
certas pessoas ou grupos de pessoas, uma vez que, como se viu,
“o papel da lei não é outro senão o de implantar diferenciações”
(NOVELINO, 2009, p. 412). Por consequência, o simples fato de
uma lei, por si só, fixar um fator discriminatório não é suficiente para
que seja considerado ofendido o princípio da igualdade.
Todavia, para que seja harmônico com o princípio da
igualdade, o critério discriminador necessita de um fundamento
lógico, que, por sua vez, dever estar ajustado com os valores
protegidos pela Carta Magna. Assim, o critério utilizado para a
diferenciação prescinde de atributos objetivos, razoáveis e
proporcionais.
43
É exatamente este fundamento lógico empregado para
justificar a adoção das cotas raciais para o ingresso nas universidades
brasileiras que foi arguido neste trabalho, pois não se vislumbra a
possibilidade de solucionar o problema da exclusão social do País
através da mera adoção de políticas de cotas raciais que, obviamente,
utilizem a raça como critério para determinar os beneficiários da
medida, se não é possível determinar, em um País fortemente
marcado pela miscigenação, quem é negro. Trata-se de um critério
subjetivo e passível de manipulação e erro.
Ademais, como se viu, as estatísticas provam que o fator que
influencia nas diferenças de resultado e oportunidades educacionais
não se limita à discriminação; continua sendo a renda das famílias, a
educação dos pais, e outras variáveis como o tipo de escola que é
frequentada. Note-se, que o critério raça é inviável e ineficaz.
Dentre estes fatores, o que merece mais destaque é exatamente
a deficiência do ensino público, carência esta que foi reconhecida
quando da criação da nova Lei de Cotas, pois, além do prazo de
quatro anos estipulado para que as universidades, Ifes e Cefets façam
as devidas adaptações para assegurar aos novos alunos igualdade de
condições com os demais, todos os Estados da Federação, também
neste mesmo prazo, terão a obrigação de melhorar o ensino médio,
de tal modo que, a partir de 2017, os alunos de escolas públicas não
mais precisem do “empurrãozinho” da lei para assegurar sua vaga em
uma universidade.
Enfim, indiscutivelmente, mais importante que corrigir o
déficit no acesso às universidades públicas através da implantação de
um sistema de cotas que gera polêmicas sobre os critérios por ela
adotados, é investir na real melhoria do ensino médio no País. que,
sem sombra de dúvidas, é a causa principal do problema da exclusão
social.
Por fim, levando em consideração que essa reestruturação do
ensino público é uma medida a ser alcançada em longo prazo,
defende-se a adoção de políticas afirmativas, capazes que amenizar o
problema da exclusão mais rapidamente, embora não
definitivamente. Daí porque acreditar que as cotas sociais seriam a
melhor opção, e não as raciais, porque somente aquelas realmente
44
alcançariam as pessoas necessitadas, sejam elas negras, pardas ou
brancas.
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cotas raciais nas universidades públicas brasileiras