Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ETEC “JORGE STREET”
COTAS RACIAIS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO
São Caetano do Sul
2012
ANDRESSA TEIXEIRA N°.04
CAMILA BELO N°.05
GIOVANNI SANCHES N°.10
GRAZIELE ARAÚJO N°.12
IRANEIDE JARDIM N°.13
PRISCILA MONTEIRO N°.19
COTAS RACIAIS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO
Orientador: Prof ªPaula Roberta Meloni Trubiani
Trabalho apresentado a ETEC Jorge
Street
–
Extensão
Maria
Trugilo
Torlone , como parte dos requisitos
necessários
para
conclusão
da
disciplina Trabalho de Conclusão do
Curso do curso Técnico Jurídico.
São Caetano Do Sul
2012
ANDRESSA TEIXEIRA
CAMILA BELO
GIOVANNI SANCHES
GRAZIELE ARAÚJO
IRANEIDE JARDIM
PRISCILA MONTEIRO
Cotas Raciais no ensino superior brasileiro.
Trabalho de Conclusão de Curso – ETEC Jorge Street
Comissão julgadora
__________________________________
Professor Orientador
_________________________________
Examinador (1)
_____________________________________
Examinador (2)
_____________________________________
Examinador (3)
_____________________________________
Examinador (4)
São Caetano Do Sul
Data de aprovação
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar temos que agradecer a Deus, por ter nos dado força de
vontade,paciência e inteligência para a conclusão desse trabalho.
Gostaríamos de agradecer aos professores Waldir Magalhães,Alber Sena e Laura
Sanches pelo apoio,as criticas e orientação durante a produção deste trabalho.
Também não poderíamos deixar de agradecer nossos familiares, que nos apoiaram
e compreenderam nossa angústia.
“Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos
julgados por sua personalidade,
não pela cor de sua pele”.
Martin Luther King
RESUMO
As cotas raciais são atos classificados como ações afirmativas, que tendem
amenizar
desigualdades
tanto
econômicas
quanto
sociais.
Foi
utilizada
primeiramente na década de 60 nos Estados Unidos da América, para tentar-se
diminuir as desigualdades entre brancos e negros. No Brasil, o tema vem
alcançando uma visibilidade maior na medida em que universidades adotam esse
sistema de cotas e alunos questionam sua validade. Mas tem que se levar em conta
que o país possui uma dívida histórica com a população negra, mas estas também já
prejudicaram muitas pessoas que perderam vagas em universidades para
concorrentes com uma classificação inferior. Esse sistema no estado do Rio de
Janeiro é garantido pela lei 3.708 de 9 de novembro de 2001, proporcionando em
até 40% das vagas para negros e pardos, gerando polêmica, pois o artigo 5° da
Constituição Federal, diz que todos somos iguais sem distinção de cor, raça ou
gênero, dando a entender que todos possuem os mesmos direitos e as mesmas
obrigações perante o Estado.
Palavras-chave :cota, negro, direito social, raça, universidade.
LISTA DE GRÁFICOS
1. Afrodescendentes no ensino fundamental e médio............................................... 15
2. Quantidade de vagas no curso ............................................................................ 19
3. Divisão de raça e cor no Brasil ............................................................................ 30
4. Melhorias na lei .................................................................................................... 79
5. Porque não concordam com a lei? ..................................................................... 80
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
2. AÇÃO AFIRMATIVA................................................................................................ 13
2.1 Ação afirmativa enquanto cota racial.................................................................. 15
2.1.1 Qual a razão dessas cotas terem sido aprovadas?................................. 16
2.2 Origem e evolução histórica .............................................................................. 19
2.2.1 Estados Unidos ........................................................................................ 19
2.2.1 Antecedentes ........................................................................................... 20
2.2.2 Programas e ações nos Estados Unidos ................................................. 23
2.2.3 Resultados ............................................................................................... 24
2.3 Brasil................................................................................................................... 26
3 RAÇA,COR,E AS DIVERSIDADES ETNICAS......................................................... 27
3.1 Raça ................................................................................................................. 27
3.1.1. Raça VS Etinia................................................................................. 28
3.2 Cor ..................................................................................................................... 29
3.3 Etnia .................................................................................................................. 30
3.4 Diversidades étnicas ......................................................................................... 32
4 ASPECTOS JURÍDICO............................................................................................ 35
4.1 Aspecto Constitucional das cotas .....................................................................
4.2 Aspecto Social das cotas ..................................................................................
4.3 Aspectos legais .................................................................................................
4.4 Legislação Infraconstitucional ...........................................................................
4.5 Jurisprudência ...................................................................................................
35
37
38
40
44
5 AS EFICIÊNCIAS E DEFICIÊNCIAS DAS COTAS RACIAIS ................................. 47
5.1 As cotas raciais na visão dos seus defensores e detratores .............................
5.1.1 Considerações Finais.................................................................................
5.2 Argumentos prós ................................................................................................
5.3 Argumentos contra ............................................................................................
5.4 O argumento da reparação histórica .................................................................
5.5 O argumento da inclusão social ........................................................................
47
49
51
52
54
56
6 DIREITO COMPARADO ......................................................................................... 61
6.1 Sri Lanka ..........................................................................................................
6.2 Malásia .............................................................................................................
6.3 Índia .................................................................................................................
6.4 África do Sul ....................................................................................................
61
61
62
63
6.5 Outros países .................................................................................................. 63
7 CONCLUSÃO.......................................................................................................... 64
8 REFERÊNCIA......................................................................................................... 65
9 ANEXO ................................................................................................................... 67
10
1 Introdução
A pesquisa tem como objetivo estudar a ação afirmativa e o sistema de cotas
raciais como mecanismo de acesso às instituições de ensino superior, sob a ótica
constitucional. Tendo como objetivo despertar a consciência crítica sobre a questão
das cotas raciais no ensino superior brasileiro, sob o ponto de vista jurídico, que vem
gerando grande polêmica na sociedade ao afirmar que somos diferentes perante a
lei, apenas pela cor da pele, dando a entender que se está infringindo o artigo 5° da
Constituição Federal, que diz que todos são iguais sem qualquer motivo de distinção
entre as pessoas. Para isso, a pesquisa irá analisar as leis existentes e projetos de
lei em tramitação no Legislativo, também com enfoque no Direito Comparado, os
artigos, e os princípios da Carta Magna que possuem relevância ao tema.
Através de pesquisa em livros, sites de pesquisa e pesquisa de campo esperase levar a sociedade à reflexão sobre o tema, gerando um maior conhecimento
jurídico, e consequentemente tendo uma discussão mais fundamentada na qual
espera-se resultados positivos, já que o sistema de cotas raciais tem por finalidade
efetivar o direito fundamental à educação superior, garantindo o acesso às
instituições de ensino superior aos grupos étnicos que têm este direito suprimido ou
dificultado, em razão da discriminação racial, e para isso determinados pressupostos
constitucionais devem ser respeitados, quais sejam a imprescindibilidade e a
temporariedade desta ação afirmativa.
11
ABSTRACT
The research aims to study affirmative action and racial quota system as a
mechanism for access to higher education institutions from the perspective
constitutional. Aiming to raise awareness about the critical issue of racial quotas in
higher education in Brazil, under the legal point of view, which has generated great
controversy in society by claiming that we are different under the law, only by skin
color, implying that is contrary to Article 5th of the Federal Constitution, which says
that everyone is equal no reason to distinguish between people. For this, the
research will examine existing laws and bills pending in the Legislature, also focusing
on Comparative Law, Articles, and principles of the Charter that have relevance to the
theme.
Through research in books, websites, research and field research is expected to
lead society to reflect on the theme, creating greater legal knowledge, and therefore
having a more reasoned discussion in which positive results were expected, since
the system racial quota aims to accomplish the fundamental right to higher education,
ensuring access to higher education to ethnic groups that have this right suppressed
or hindered by reason of racial discrimination, and that certain constitutional
assumptions must be respected, which are the indispensability of this temporariness
and affirmative action.
12
2 Ação Afirmativa
Joaquim Barbosa Gomes define o instituto:
“Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um
conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à
discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para
corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado,
tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de
acesso a bens fundamentais como a educação e emprego.”
As ações afirmativas surgiram como uma forma de promover a igualdade
entre grupos historicamente preteridos ou discriminados em uma sociedade, sua
finalidade é acabar com atos discriminatórios, gerando condições para que as
conseqüências sociais concretas da discriminação, passada ou presente sejam
progressivamente amenizadas, para que haja um alcance, maior na promoção da
efetiva igualdade. Visando uma igualdade de condições e oportunidades de acesso
à educação, e ao mercado de trabalho.
Conforme Joaquim B. Barbosa Gomes,
“políticas e mecanismos de inclusão concebidas por entidades
públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional,
com vistas à concretização de um objetivo constitucional
universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de
oportunidades a que todos os seres humanos têm direito”.
São políticas de ações e incentivos que visam integrar um grupo há uma
sociedade preconceituosa através das ações afirmativas que favoreçam a igualdade
de brancos e negros, ricos e pobres, heterossexuais e homossexuais, esse sistema
busca reduzir a discriminação contra todos os ―diferentes‖ que retoma aos tempos
de intolerância e que permanecem ate os dias atuais.Por exemplo, a implantação
de adoção das cotas raciais nas universidades brasileiras visando aumentar as
oportunidades para a população negra.
13
Sendo nesse contexto que a referida lei pode ser entendida como uma
medida de ação afirmativa, através de ações afirmativas são políticas, projetos e
práticas públicas e privadas que visam à superação de desigualdades que atingem
historicamente determinados grupos sociais. Tais ações são passíveis de avaliação
e têm caráter emergencial, sobretudo no momento em que entram em vigor. Podem
ser realizadas por meio de cotas, projetos, leis, planos de ação, etc.
“A expressão ação afirmativa, foi usada pela primeira vez numa
ordem executiva federal norte americana pelo presidente John
Kennedy no ano de 1961, e passou a significar, desde então, a
exigência de favorecimento de algumas minorias socialmente
inferiorizadas, vale dizer, juridicamente desigualadas, por
preconceitos arraigados culturalmente e que precisavam ser
superados para que atingisse a eficácia da igualdade preconizada e
assegurada constitucionalmente na principiologia dos direitos
fundamentais”. (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes, op.cit. P. 87)
Tais ações tem como objetivo, a concretização de maior igualdade, a
provação de alterações culturais, pedagógicas e sociais, a extinção da discriminação
presente, a eliminação de efeitos persistentes de discriminações passadas, o
favorecimento
da diversidade e o aumento da representatividade de grupos
desfavorecidos.
Gráfico 1 – Afrodescendentes no Ensino Fundamental e Médio
14
Panoroma Educacional
51% de alunos
negros não estão
de acordo
idade/ensino
medio
Analfabetismo
entre negros
11%
Analfabetismo
entre brancos
5%
Escolaridade entre
negros de 18 e 24
anos no ensino
fundamental é
27%
35% dos alunos
brancos não estão
de acordo idade
ensino medio
Escolaridade entre
brancos no ensino
fundamental
7%
Fonte: Autores
2.1 Ação afirmativa enquanto cota racial
O sistema de educação brasileira passou por algumas transições nesse novo
governo, a onde ocorreram mudanças, de forma errônea, já que ela veio de cima
para baixo, começando nas Universidades e não no ensino fundamental que é a
base para uma boa e melhor educação, e qual foi o objetivo da criação das cotas,
além de tentar promover o fim da desigualdade social?Tudo começou de maneira
errada, afinal a reforma tem que acontecer de baixo para cima e não o
contrário.Enfim, não é sobre educação de base que estamos abordando nessa
pesquisa embora relevante, esta pesquisa foca as Cotas Raciais.
O sistema de cotas raciais foi empregado para garantir vagas para os negros
e índios e que almejam conseguir o seu lugar na sociedade através dos estudos e
de uma profissão. A pesquisa não é contra a cota, entendemos que foi divulgada de
forma equivocada gerando um preconceito da própria cota, já que a Constituição diz
que todos são iguais perante a lei, este é o princípio da isonomia, havendo um
equivoco, quando o mais esperado por parte do governo seria o princípio da
15
igualdade, que reza que se devem tratar desigualmente os desiguais para, enfim,
alcançar a igualdade.
Conforme a Constituição Federal
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil:
IV – “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição”.
A pesquisa entende que de uma forma camuflada está havendo uma
segregação dessas raças o que é absolutamente inaceitável por vários princípios
constitucionais, estão violando de forma gritante os direitos fundamentais dos
cidadãos.
2.1.1 Qual a razão dessas cotas terem sido aprovadas?
Para que a população se esqueça dos diversos problemas que existem no
país, achar que isso é uma resolução para a educação serve e cai bem no
momento, então, que tipo de sistema é esse que não serve para diminuir as
desigualdades, mas sim para que se aumente o preconceito existente em cada um
de nós, já que alguém ingressa na faculdade pelo sistema de cotas , mesmo tendo
feito menos pontos que outra pessoa, e não adianta falar da condição social, pois aí
entraremos em outro debate, tornando os temas ainda mais longos e complicados.
16
Com certeza, esse sistema de cotas é uma subestimação á capacidade de
intelectualidade dos negros. É vergonhoso essa contradição da Constituição
brasileira. ―Direitos iguais para todos‖. Onde?
As cotas, embora possa parecer, para alguns grupos, uma compensação
justa, no fundo é uma ampliação do abismo que separam brancos e negros no
Brasil, legitimando a segregação.
“Ainda
há
muito
que
se
discutir
sobre
este
assunto
Políticos oportunistas fazem questão de confundir a população com os
critérios equivocados. A concepção da terminologia “raça” não dá qualquer
respaldo científico que viabilize esse sistema absurdo. Nos debates e
fundamentações de quem defende o sistema de cotas raciais,se percebe que
fazem muita confusão com a chamada cota social. Tem muita gente que
defende um sistema pensando se tratar do outro. Não há interesse da classe
política em resolver o problema do ensino na origem – no ensino básico e
fundamental – porque isso, certamente, levaria mais de 4 anos para
apresentar resultados, prejudicando a reeleição. O caminho mais fácil é
deteriorar o país com esse pseudo-privilégio nas universidades públicas, que
já se estende aos concursos públicos e até à contratação de servidores em
cargos de confiança, como ocorre na cidade do Rio de Janeiro.”.
Se realmente o interesse fosse inclusão social, igualdade e diminuição das
disparidades regionais estariamos discutindo uma revolução na educação de base,
mas enquanto se gasta o dobro do valor do orçamento anual da educação de forma
vergonhosa continuaram a usar o Pro uni, Pro jovem e cotas raciais, pois são
medidas do tipo ―remendo‖ para querer cicatrizar essas feridas ainda abertas no seio
de nossa sociedade.
As cotas são uma maneira do Estado de discriminar mais os negros, pois se a
Constituição diz que todos somos iguais, porque discriminar os negros com estas
cotas?, já que o problema não resolve a demanda de vagas nas universidades e que
o Brasil ―copiou‖ essas ideias de cotas dos Estados Unidos, porem o que acontece é
que se investe muito na educação, já aqui no Brasil os políticos gastam o dinheiro
publico com coisas insignificantes e se esquecem de que só melhoraremos este país
através da inclusão social principalmente os negros que contribuíram muito com a
17
nossa cultura e seu modo de viver, enfim os negros merecem nosso respeito e
gratidão.
Segundo o Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012
“São considerados cotistas todos os candidatos que cursaram, com
aprovação, as três séries do ensino médio em escolas públicas ou Educação
de Jovens e Adultos (EJA) ou tenham obtido certificado de conclusão do
ensino médio pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Os estudantes
com bolsa de estudo integral em colégios particulares não são beneficiados
pela Lei”.
Em agosto de 2012, a aprovação de uma lei polêmica alterou a forma de
ingresso nos cursos superiores das instituições de ensino federais. A chamada Lei
das Cotas (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012)determina que as universidades,
institutos e centros federais a reserva para candidatos cotistas a metade das vagas
oferecidas anualmente em seus cursos, essa determinação deve ser cumprida até
30 de agosto de 2016, mas já em 2013, as instituições devem separar 25% da
reserva prevista, ou 12,5% do total de vagas para esses candidatos.
A lei também define que, dentro do sistema de cotas, metade das vagas
deverá ser preenchida por estudantes com renda familiar mensal (por pessoa) igual
ou menor a 1,5 salário mínimo e a outra metade com renda maior que 1,5 salário
mínimo. Há, ainda, vagas reservadas para pretos, pardos e índios, entre as vagas
separadas pelo critério de renda.A distribuição das vagas da cota racial será feita de
acordo com a proporção de índios, negros e pardos do Estado onde está situado o
campus da universidade, centro ou instituto federal, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa, por exemplo, que um
Estado com um número maior de negros terá mais vagas destinadas a esse grupo
racial. O único documento necessário para comprovar a raça é a auto declaração.
Gráfico 2 - Quantidade de vagas no curso
18
Fonte: MEC
2.2 Origem e evolução histórica
2.2.1 Estados Unidos
A expressão ação afirmativa foi usada pela primeira vez pelo presidente John
Kennedy em 1961 no Decreto n.º 10.925. Desde então, muitas definições têm sido
propostas, sendo a sugerida por Greenberg (1984: 286) bem esclarecedora: “[...]
ação afirmativa é um mecanismo usado em diferentes tipos de sociedade:
democráticas, socialistas, autoritárias, combinadas e pós coloniais, destinado a
ajudar as minorias (ou, como no caso da Malásia, a maioria) anteriormente
discriminadas para que possam superar as desvantagens em muitas áreas da vida
econômica, social e política. Tem produzido mudanças para algumas pessoas, às
vezes muitas, como se verifica na Malásia, Kosovo, Estados Unidos, Israel e Índia”.
A compreensão de suas múltiplas facetas e de pormenores que envolvem a sua
implementação podem-se depreender dos comentários adiante, relativos aos
19
antecedentes que motivaram a sua adoção e aos diversos programas desenvolvidos
nos Estados Unidos. Esse país será o nosso ponto de referência.
2.2.2 Antecedentes
Dois acontecimentos podem ser considerados como o marco inicial da
chamada ―era dos direitos civis‖ naquele País: a célebre decisão Brown em 1954, da
Suprema Corte, que tornou inconstitucional a segregação escolar; e o boicote aos
ônibus em Montgomery, Alabama, liderado por Martin Luther King, Jr, em 1955. Na
década de 1960, o mundo assistiu, perplexo, à explosão racial nos Estados Unidos.
cidades queimadas, saques, distúrbios.
No célebre distúrbio de Watts, Los Angeles, no dia 11 de agosto de 1965,
morreram trinta e quatro pessoas, mil ficaram feridas, mais de oito mil prédios foram
danificados e quatro mil pessoas presas. A decisão Brown não conseguia decolar
nos estados do Sul. Nas cidades, o trabalho reservado ao negro seguia sendo o
braçal não qualificado: estivadores, carregadores, faxineiros, varredores, operários,
podiam também ser cantores, músicos, atletas. De pouco adiantava tentar se
qualificar. Raros eram os casos de negros, mesmo no Norte, que conseguiam fugir a
esse esquema e galgar melhores posições. A verdade é que aquela situação ficou
insustentável, não dava mais para contar só com a força da polícia e da Guarda
Nacional para reprimir as manifestações e manter os negros ―encurralados‖ em seus
guetos. Já em 1963 o presidente John F. Kennedy , alertava o Congresso e a
população em geral para o perigo que a discriminação racial representava,
mencionando os distúrbios havidos naquele ano em Birmingham e outras
localidades. Assinalou que, diante do descontentamento e do clamor por igualdade,
nenhum setor poderia ficar indiferente. Conclamou o Congresso, o Judiciário e o
empresariado a unirem-se ao Executivo no esforço nacional contra a discriminação
no emprego, na educação e em lugares abertos ao público:
“O Comitê Presidencial para a Igualdade de Oportunidades
no Emprego, reconstituído por decreto no início de 1961, já deu, sob
a liderança do Vice Presidente, passos significativos para eliminar a
discriminação racial por parte daqueles que fazem negócios com o
governo. Centenas de empresas, cobrindo setenta milhões de
20
empregos, concordaram com rígidas provisões, tornadas agora
padrão em todos os contratos com o governo. Cento e quatro
empreendimentos industriais, incluindo os maiores empregadores da
nação, além disso assinaram acordos comprometendo-se em
desencadear um ataque afirmativo contra a discriminação no
emprego; e 117 sindicatos, representando cerca de 85 por cento dos
membros da AFL-CIO, assinaram acordos semelhantes com o
Comitê.”
(p. 177)
Quanto à discriminação em lugares abertos ao público, um parêntese se
impõe. Para um brasileiro, no geral a ideia que se tem é de que estes foram, e
continuam a ser problemas dos norte-americanos. Não nos esqueçamos, todavia, de
que em 1951 foi preciso que uma artista norte-americana negra fosse barrada e
humilhada num hotel em São Paulo para que o Congresso brasileiro, em vista da
grande repercussão do fato, promulgasse uma lei, a Lei Afonso Arinos, condenando
práticas parecidas e então corriqueiras entre nós: a discriminação em ―hotéis‖,
―restaurantes‖, ―estabelecimentos comerciais‖ etc.
Voltando ao assunto,da forma como o conceito é entendido hoje naquele país,
pode-se dizer que o seu grande marco foi a edição da Lei dos Direitos Civis de 1964,
pois a referida Lei não só removeu as barreiras formais à plena cidadania dos
negros e outras ―minorias‖ como também inaugurou mecanismos concretos para que
se perseguisse a igualdade de fato. Impende adiantar que a política afirmativa e os
programas dela decorrentes partem da aferição de um dado simples: a participação
proporcional das populações ―em desvantagem social‖ na educação, trabalho e
renda, e no poder. O ponto de partida foi, pois, uma simples questão de matemática,
aqui no Brasil o quesito ―cor‖ já foi deliberadamente retirado dos censos, e ainda
hoje não aparece nas estatísticas oficiais, das empresas, instituições educacionais,
corporações etc., implicando a necessidade de grande empenho de todos para que
este fator deixe de ser um tabu, um problema a mais.
O grande impulso a essas ações deve-se ao presidente Lyndon Johnson.
Como nos conta Eastland (1989:33), as normas do Ministério da Justiça que
regulamentaram um decreto do presidente Johnson em 1965, no qual ele ordenava
tais ações, diziam:
“Um programa aceitável de ação afirmativa precisa incluir
21
uma análise das áreas dentro das quais o contratante é deficiente na
utilização de grupos minoritários e mulheres e, além disso, das metas
e dos cronogramas para os quais precisam ser dirigidos os esforços
de boa fé do contratante para corrigir as deficiências e assim
aumentar materialmente a utilização de minorias e mulheres em
todos os níveis e em todos os segmentos de sua força de trabalho
onde existam deficiências.”
Depois a ação afirmativa ganha novos contornos, com a incorporação de
metas numéricas, proporcionais à participação populacional dos grupos minoritários.
Em 1971, a Suprema Corte, no caso Griggs versus Duke Power Co., endossou
regulamentações rígidas da Comissão de Oportunidades de Emprego, restringindo
os
procedimentos
de
admissão
e
promoção
que
prejudicassem
desproporcionalmente as minorias; em que os requisitos e testes não tivessem
relação necessária com as tarefas a eles correspondentes. Por exemplo, um teste
que exigisse educação formal quando o trabalho a executar não exigisse essa
formação.
Os programas de ações afirmativas despertaram muita controvérsia nos
Estados Unidos, e tiveram grande impulso do início da década de 1960 até meados
da década de 1970, tendo experimentado certo desaquecimento com a volta ao
poder do Partido Republicano. Hoje, é possível computar os avanços substanciais
dos primeiros anos, no auge das lutas pelos direitos civis, nos anos sessenta, e a
relativa estagnação do período que se costumou chamar de ―pós-era dos direitos
civis‖ (Smith, 1995), de meados dos anos setenta em diante. Em todo esse
processo, uma pergunta sempre feita e nunca respondida: por quanto tempo e em
que medida os programas de ações afirmativas terão cumprido a sua função
compensatória?
Cá entre nós, como afirmado acima, o tema é sempre reduzido à dimensão
das cotas. Por esta razão será importante fazer um resumo dos principais programas
de ações afirmativas desenvolvidas naquele país e os resultados mensuráveis da
sua implementação.
22
2.2.3 Programas e ações nos Estados Unidos
Os programas decorrentes da política de ações afirmativas, aliados a
importantes decisões dos tribunais, contribuíram, e ainda continuam a contribuir,
para compensar a discriminação passada. Em 1961, o presidente Kennedy baixou
um decreto estabelecendo que as empresas que quisessem trabalhar com o
governo federal teriam que desenvolver uma ―ação afirmativa‖ para que
assegurassem oportunidades de emprego em todos os setores da empresa.
Discriminação
―não
intencional‖
no
emprego Também
chamada
de
―discriminação indireta‖,se refere à proibição de adoção de requisitos e testes para
contratação que, aparentemente neutros, e mesmo não visando explicitamente
discriminar, não sejam necessários à execução das tarefas para as quais os
candidatos se habilitam. Oportunidades de emprego no serviço público o governo
federal se impôs, através de programas objetivamente mensuráveis, em todos os
ministérios e em todos os níveis de gerência, as mesmas obrigações se
estabeleceram para as empresas contratantes, a fim de assegurar maior
participação de minorias e mulheres na força de trabalho governamental.
Incentivo a empresas de minorias como parte do chamado ―capitalismo
negro‖, em 1977 o Congresso norte-americano incluiu um dispositivo na Lei sobre
Obras Públicas (Public Works Employment Act) estabelecendo que cada governo
local e estadual, inexistindo uma isenção por parte do Ministério do Comércio,
usasse dez por cento dos fundos federais destinados a obras
públicas para agenciar serviços de empresas controladas por minorias.
Suporte a programas educacionais O Ministério da Educação passou a exigir
que as instituições que tivessem praticado a discriminação adotassem programas
especiais para a admissão de minorias e mulheres, a fim de superar a discriminação
passada. Esta passou a ser uma condição para que se habilitassem a ajuda federal.
Quando a Universidade da Califórnia reservou 16 (dezesseis) das 100 (cem)
vagas do curso de medicina para candidatos oriundos das minorias, Allan Bakke, um
candidato branco, conseguiu na justiça ocupar uma das 16 dezesseis vagas, mas a
maioria dos ministros reconheceu que o programa da universidade não era
inconstitucional.
Em todo esse processo afirmativo tem sido importante o suporte dado pelo
23
Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário dos Estados Unidos. Mais que tudo, o
empenho do Executivo em mobilizar as forças vivas da nação para promover a
igualdade.
2.2.4 Resultados
A partir de meados da década de 1970, atravessando toda a década de 1980,
observando o desaquecimento dos programas de ações afirmativas, coincidindo
com os governos Nixon, Reagan e Bush, republicanos, muito embora o Partido
Republicano tenha encorajado programas de financiamento de empresas de
minorias, o chamado ―capitalismo negro‖. Alegou-se que estes programas,
concebidos como negação das cotas, seriam ações afirmativas numa linha diferente,
pois o financiamento está dentro das regras do capitalismo e aponta para a
competência e a competitividade.
O tema continua dividindo a opinião dos cidadãos norte-americanos,
devendo-se registrar os argumentos dos seus opositores, a fim de que se tenha uma
ideia da distância que separa teoria e prática. Nada diferente do que ocorre no
Brasil. Múltiplos fatores podem explicar o progresso atingido pelos negros no
período considerado, não necessariamente a ação afirmativa. De qualquer modo, há
de
se
registrar
a
coincidência
de
os
afro-americanos
terem
avançado
substancialmente quando essa política teve maior força. Os dados abaixo, retirados
de Sowell (1988) e de Edsall et al (1991) podem servir de um guia para a reflexão.
De Sowell podem-se recolher os seguintes dados positivos:
1-Entre 1961 e 1971, a renda da família branca cresceu 31%, enquanto a da família
negra subiu 55%; b) Entre 1965 e 1972, a proporção de negros matriculados nas
universidades quase dobrou,no mesmo período, a proporção de negros e brancos,
em conjunto, permaneceu a mesma; c) Entre 1960 e 1972, o número de brancos em
ocupações de nível profissional aumentou cerca de um quinto, enquanto que o
número de negros nessa faixa quase que dobrou; d) No mesmo período, o número
de chefes de turma, artífices e policiais negros mais do que dobrou, e o número de
24
profissionais especializados em máquinas triplicou.
E os seguintes dados tidos por negativos:
1-Entre 1950 e 1973, a proporção de famílias negras encabeçadas por uma mulher
aumentou de 18% para 33%, isto é, do dobro da percentagem branca em 1950 para
mais do triplo dessa porcentagem em 1973. (Esta não era uma tendência no
passado);
2-A taxa de desemprego entre os negros havia crescido, em números relativos e
reais, em comparação com os brancos;
3-O desemprego entre os adolescentes negros, em 1978, era cinco vezes maior do
que tinha sido a trinta anos antes. Apesar de se posicionar criticamente em relação
às cotas, extraímos a seguinte afirmação de Sowell :―Começando nos meados da
década de 1960, no entanto, houve numerosas áreas em que os negros não
somente ascenderam, mas o fizeram a um ritmo mais rápido do que os brancos.‖
De Edsall et al , podemos recolher os seguintes dados positivos:
1-Em 1940, apenas 187.520 negros trabalhavam em ocupações não-braçais, e mais
de 100.000 dentre eles eram religiosos, professores primários ou proprietários de
pequenos negócios de venda de gêneros nos guetos, com uma renda marginal,no
final de 1990, mais de 1.900.000 negros ocupavam posições de gerência e
empregos profissionais;
2-De 1950 a 1990 a população negra dobrou, mas o número de negros trabalhando
em ocupações não braçais aumentou em cerca de 920%;
3-De 1963 a 1977/78, a diferença entre os salários de brancos e negros caiu de um
patamar de 45% para 30%, uma queda de cerca de um ponto percentual por ano;
4-Em meados da década de 1970 a diferença entre os salários de jovens brancos e
25
negros de boa formação educacional praticamente tinha desaparecido.
E podem-se recolher os seguintes dados negativos:
1-De 1976 a 1988 a percentagem de negros entre os dezoito e vinte e quatro anos
de idade matriculados na Universidade caiu de 22,6% para 21,1%, enquanto a
percentagem de brancos aumentou de 27,1% para 31,3%. Diminuiu a percentagem
de negros nessa faixa que permaneciam na universidade e conseguiam se graduar;
2-Com o desaquecimento dos programas de integração escolar e a busca, por parte
dos brancos, de escolas independentes, em 1986, 27,5% de todas as crianças
negras na escola, e 30% das de origem latina estavam matriculadas nos vinte e
cinco maiores distritos escolares das principais cidades. E apenas 3,3% de todos os
alunos brancos. Ou seja, pela via da deterioração do ensino público, regrediu-se a
um sistema de segregação escolar de fato.
3-Nas palavras desse autor, ―O processo racial correu para uma barricada: o crime,
a proliferação de filhos ilegítimos, o abuso de drogas, e uma geração de homens e
mulheres sem vontade nem para frequentar a escola nem para desempenhar
trabalhos subalternos e domésticos.‖
2.3 Brasil
No Brasil, o tema surgiu em 2000, com a aprovação da lei estadual
3.524/00 de 28 de dezembro de 2000. Esta lei garante a reserva de 50% das vagas,
nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, para estudantes das redes públicas
municipal e estadual de ensino. Esta lei passou a ser aplicada no vestibular em 2004
na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do
Norte Fluminense (UENF). A lei 3.708/01 de 9 de novembro de 2001, institui o
sistema de cotas para estudantes denominados negros ou pardos, com percentual
de 40% das vagas das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Esta lei passa a
ser aplicada no vestibular de 2002 da UERJ e da UENF. Outras universidades, tais
26
como
a Universidade
de
Brasília (UNB)
e
a Universidade
do
Estado
da
Bahia (UNEB) também aderem a tal sistema, tendo como critérios os indicadores
sócio-econômicos, ou a cor ou raça do indivíduo. Já no ano de 2012, o Supremo
Tribunal Federal ( STF ), afirmou que as Cotas Raciais são constitucionais.
3 Raça,Cor e As diversidades étnicas
3.1 Raça
A origem da palavra "raça" é obscura, alguns estudiosos entendem que a sua
etimologia provém da palavra latina "radix", que significa raiz ou tronco; enquanto
outros acham que ela tem origem na palavra italiana "razza", que significa linhagem
ou criação.
Seja qual for a sua origem, ela foi introduzida na literatura científica há cerca
de 200 anos e desde então tem aparecido em tantos diferentes contextos que até
hoje a palavra "raça" não teve o seu significado exatamente claro, é usada para
designar qualquer agregado de pessoas que podem ser identificados como
pertencentes a um grupo. Por si mesmo, esta ampla definição talvez não seja de
todo uma coisa má, contudo abre a porta para muitos e sérios desentendimentos
sobre pessoas que a utilizam para caracterizar preconceito e discriminação.
"Raça tem somente um significado científico e é biologicamente único. Referese a uma única subdivisão das espécies conhecidas, membros de uma herança
física, a qual visa distinguir-se de outras populações da mesma espécie”.
Apesar desta definição ser precisa tanto quanto possível, os cientistas
entendem que não existem claras subdivisões na única espécie chamada homem,
isto é, o homo sapiens. A maior parte das pessoas pertencem a categorias entre
subdivisões do que propriamente àquela a qual pertencem, ou de que um mesmo
indivíduo pode ter características que o colocam em diversas categorias
simultaneamente.
Os antropólogos tem, tradicionalmente, descrito várias raças colhendo um ou
mais traços de evidência física , por meio do qual o homem pode ser classificado.
Entre os mais comuns traços utilizados estão: forma da pálpebra, cor e forma do
27
cabelo, o formato do nariz, a forma da cabeça, a pele e a cor dos olhos e altura.
A descrição de diferentes raças tem sido originada na medida de vários traços
em comum por um grande número de tipos similares de pessoas. Não há, contudo,
ninguém que possa calcular a média do ajuste como sendo a "ideal" de uma
determinada raça, em face da existência de muitos pontos coincidentes,por
exemplo, os indivíduos mais altos de uma raça de pessoas pequenas são maiores
do que as pessoas mais baixas de uma raça de pessoas altas.
As pessoas de pele muito escura, de uma raça de pele clara, pode,
frequentemente, ser mais escura do que uma pessoa mais clara de uma raça de
pele escura. Estes pontos coincidentes ocorrem com tanta extensão que se torna
impossível estabelecer claramente subdivisões de tipos raciais.
Portanto, quanto maior os traços usados como uma base para classificação,
tanto maior um número de raças iremos encontrar. O número de raças declarado
pelas autoridades varia entre duas e duzentas raças.
3.1.1.1 Raça vs Etnia
Raça e etnia são dois conceitos relativos distintos. Raça refere-se ao âmbito
biológico; referindo-se a seres humanos, é um termo que foi utilizado historicamente
para identificar categorias humanas socialmente definidas, e mais comuns referemse à cor de pele, tipo de cabelo, portanto, a cor da pele, amplamente utilizada como
característica racial, constitui apenas uma das características que compõem uma
raça. Raça e etnia não são sinônimos, mas o conceito de raça é associado ao de
etnia, que é uma comunidade humana definida por afinidades linguísticas e culturais.
Entretanto, há um conceito crescente que a cor da pele não determina a
ancestralidade, principalmente na população brasileira, altamente miscigenadas.
Etnia refere-se a palavra que é derivada do grego ethnos, que significa povo.
A diferença entre raça e etnia, é que etnia também compreende os fatores
culturais, como a nacionalidade, religião, língua e as tradições, enquanto raça
compreende apenas os fatores morfológicos, como cor de pele, constituição física,
28
estatura. A palavra etnia muitas vezes é usada erroneamente como um eufemismo
para raça.
Os grupos étnicos compartilham uma origem comum, e exibem uma
continuidade no tempo, apresentam uma noção de história em comum e projetam
um futuro como povo, isso se alcança através da transmissão de geração em
geração de uma linguagem comum, de valores, e tradições.
3.2 Cor
No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e
divisor d’água entre as chamadas raças. A cor da pele é determinada por uma
combinação dos pigmentos produzidos na pele, denominada melanina.A produção
de melanina é feita pelos melano blastos (tirosinase), células da camada basal da
epiderme. O pigmento tem duas classes principais:melanina, de cor acastanhada ou
preta, e feomelanina, de cor avermelhada ou amarelada. É responsável pela
coloração da pele, mucosas, globo-ocular, retina, cabelos, neurônios, etc.O número
de células produtoras de melanina é mais ou menos o mesmo em pessoas de pele
clara ou escura, mas elas são mais ativas nas pessoas de pele escura.
Desde o início, o ser humano se deu o direito de hierarquizar, isto é, de
estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças.O fizeram exigindo uma
relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços morfológicos) e as
qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim, os indivíduos da
raça ―branca‖, foram decretados coletivamente superiores aos da raça ―negra‖ e
―amarela‖, em função de suas características físicas hereditárias, tais como a cor
clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do
queixo, entre outros, deduziam e até afirmava-se o que os tornavam mais bonitos,
mais inteligentes, mais honestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais
aptos para dirigir e dominar as outras raças, principalmente a negra mais escura de
todas e consequentemente considerada como a mais estúpida, mais emocional,
menos honesta, menos inteligente e, portanto a mais sujeita à escravidão e a todas
as formas de dominação.
29
O texto constitucional proíbe preconceito de origem, cor e raça e condena
discriminação com base nesses fatores, um repúdio à brutalidade de tipo nazista que
aniquilou milhares de pessoas e, consagra a condenação do Apartheid, por parte do
povo mestiço, com razoável contingente de negros. Foi expresso também nas
relações internacionais o repúdio ao racismo, conforme explicito no art. 4º, VIII .
Gráfico 3 – Divisão de raça e cor no Brasil
Fonte: Wagner Alves
3.3 Etnia
Etnia vem também de origem grega, termo utilizado para denominar um
determinado grupo que possui afinidades de idioma e cultura, independente do país
em que elas estejam, por exemplo, na África existem vários conflitos de etnias.
Etnia é utilizada também de forma pejorativa, que significa preconceito contra
um determinado grupo racial, ou para mostrar pessoas excluídas, que são minoria,
etnia traduz exatamente, um grupo de indivíduos que possuem fatores culturais,
como religião, língua, roupas, iguais, e não apenas a cor da pele, por exemplo.
O conteúdo da raça é morfo biológico e o da etnia é sócio cultural, histórico
psicológico. Um conjunto populacional dito raça ―branca‖, ―negra‖ e ―amarela‖, pode
30
conter em seu seio diversas etnias. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que,
historicamente ou mitologicamente, que possuam um ancestral em, uma língua uma
mesma religião em comum; uma mesma cultura e que morem geograficamente num
mesmo território. Assim é o caso de várias sociedades indígenas brasileiras,
africanas, asiáticas, australianas.
A maioria dos pesquisadores brasileiros que atuam na área das relações
raciais e interétnicas recorre com mais frequências ao conceito de raça.
Eles empregam ainda este conceito, não para afirmar sua realidade biológica,
mas sim para explicar o racismo, na medida em que este fenômeno continua a se
basear em crença na existência das raças hierarquizadas, raças fictícias ainda
resistentes nas representações mentais e no imaginário coletivo de todos os povos e
sociedades contemporâneas. Alguns fogem do conceito de raça e o substituem pelo
conceito de etnia considerando mais cômodo ―fala politicamente correta‖.
Essa substituição não muda nada à realidade do racismo, pois não destrói a
relação hierarquizada entre culturas diferentes que é um dos componentes do
racismo, ou seja, o racismo hoje praticado nas sociedades contemporâneas não
precisa mais do conceito de raça ou da variante biológica, ou identidade cultural, as
vítimas de hoje são as mesma de ontem e as raças de ontem são as etnias de hoje.
O que mudou na realidade são os termos ou conceitos, mas o esquema ideológico
que subentende a dominação e a exclusão ficou intato. É por isso que os conceitos
de etnia, de identidade étnica ou cultural são de uso agradável para todos: racistas e
anti racistas,constituem uma bandeira carregada para todos, embora cada um a
manipule e a direcione de acordo com seus interesses.
Olhando a distribuição geográfica do Brasil e sua realidade etnográfica,
percebe-se que não existe uma única cultura branca e uma única cultura negra e
que regionalmente podemos distinguir diversas culturas no Brasil.
3.4 Diversidades étnicas
31
Segundo Brito, Quesia Marinho de Oliveira, no atual contexto em que estão
inseridas as políticas educacionais, pensar em diversidade étnico-racial significa
somar avanços para o exercício da cidadania, numa sociedade formada por
afrodescendentes, brancos e índios.
Quem no Brasil pode dizer que não possui sangue negro? Que não possui
uma descendência índia? Praticamente ninguém já que nosso país é uma grande
mistura de raças é por isso que é dito que existem vários ―Brasis‖ dentro do Grande
Brasil, ou seja, a diversidade faz parte de nossa herança e de nossa cultura!
Segundo a Lei nº 10.639/03 que estabelece a obrigatoriedade do ensino da
história e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do
ensino fundamental e médio; o Parecer do CNE/CP 03/2004 que aprovou as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas; e a Resolução CNE/CP
01/2004, que detalha os direitos e as obrigações dos entes federados ante a
implementação da lei compõem um conjunto de dispositivos legais considerados
como indutores de uma política educacional voltada para a afirmação da diversidade
cultural e da concretização de uma educação das relações étnico-raciais nas
escolas, desencadeada a partir dos anos 2000. É nesse mesmo contexto que foi
aprovado, em 2009, o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana .
“A qualidade da educação é a busca de uma educação séria,
rigorosa, democrática, em nada discriminadora nem dos renegados, nem
dos favorecidos. Isto porém, não significa uma prática neutra, mas
desveladora das verdades, desocultadora, iluminadora das tramas sociais e
históricas (...). Educação e qualidade são sempre uma questão política”. (
FREIRE, 2005, p. 42- 43 )
As ações pedagógicas voltadas para o cumprimento da Lei nº 10.639/03 e
suas formas de regulamentação se colocam nesse campo. A sanção de tal
legislação significa uma mudança não só nas práticas e nas políticas, mas também
no imaginário pedagógico e na sua relação com o diverso, aqui, neste caso,
representado pelo segmento negro da população.
32
Considerando a dimensão, da Lei nº 10.639/03 podendo ser interpretada
como uma medida de ação afirmativa, uma vez que tem como objetivo afirmar o
direito à diversidade étnico-racial na educação escolar, romper com o silenciamento
sobre a realidade africana e afro-brasileira nos currículos e práticas escolares e
afirmar a história, a memória e a identidade de crianças, adolescentes, jovens e
adultos negros na educação básica e de seus familiares.
“ O mito da democracia racial teve embasamentos na ideologia de
dominação racial que justifica a escravidão a partir das idéias de
inferioridade do negro. Para o êxito da constituição do mito da democracia
racial foi necessário apagar a história da resistência dos negros à
escravidão, bem como a forma e os efeitos da integração do negro na
sociedade organizada pelo trabalho livre. Talvez o mais perverso do mito
tenha sido o fato da tentativa de negar ao negro brasileiro sua identidade
como um povo portador de direitos. A negação da questão racial atua como
a negação do próprio negro enquanto um dado da realidade brasileira.
Assim, ainda hoje, um dos maiores desafios para o movimento social negro
tem sido a dificuldade dos próprios negros de se auto-identificarem
politicamente como negros.” (ROCHA, 2006, p. 25)
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 10.639/03
podendo garantir, que os defensores das ações afirmativas das políticas universais
brasileiras incluam e garantam, de forma explícita, o direito à diferença.E sobre as
relações étnico-raciais? Destacaremos alguns aspectos considerados principais. O
primeiro deles se refere à concepção de raça presente nesta reflexão.
Para aumentar a nossa compreensão quanto à importância da articulação da
educação escolar e relações raciais, destacamos as palavras de Moura “Uma
educação, profundamente vinculada as matrizes culturais diversificadas que fazem
parte da formação da nossa identidade nacional, deve permitir aos alunos respeitar
os valores positivos que emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando ao
mesmo tempo desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que marca a
visão discriminatória de grupos sociais, com base em sua origem étnica, suas
crenças religiosas ou suas práticas culturais. Só assim a escola poderá, levando em
consideração as diferenças étnicas de seus alunos, reconhecer de forma integral os
valores culturais que carregam consigo para integrá-los à sua educação formal. Isso
é essencial no caso de grupos que, por força da inércia da herança histórica ou pela
33
pura força do preconceito, são quase sempre considerados “inferiores” ou
“naturalmente” subalternos. “ (MOURA, 2008, p.72, 73)
A forma como a raça opera em nossa sociedade possibilita, o movimento
negro e que um grupo de intelectuais não abandonem o conceito de raça para falar
sobre a realidade do negro brasileiro, mas o adotem de maneira simplificada. Nesse
sentido, rejeitam o sentido biológico de raça, já que todos sabem e concordam com
os avanços da ciência de que não existem raças humanas. O conceito de raça é
adotado, nessa perspectiva, com um significado político e indenitário construído com
base na análise do tipo de racismo que existe no contexto brasileiro, as suas formas
de superação e considerando as dimensões histórica e cultural a que esse processo
complexo nos remete.
Não podemos negar que, na construção das sociedades, na forma como os
negros e os brancos são vistos e tratados no Brasil, a raça tem uma
operacionalidade na cultura e na vida social. Se ela não tivesse esse peso, as
particularidades e características físicas não seriam usadas por nós para classificar
e identificar quem é negro e quem é branco no Brasil, e não para serem usadas
como forma de discriminar e negar os direitos e as oportunidades dos negros em
nosso país.
Ficando clara que as diferenças, não são apenas dados e sim informações
sociais, culturais, políticas e indenitárias. Aprendemos, desde criança, a olhar,
identificar e reconhecer a diversidade cultural e humana, contudo, como estamos
imersos em relações de poder e de dominação política e cultural, nem sempre
percebemos que aprendemos a classificar não somente como uma forma de
organizar a vida social, mas também como uma maneira de ver as diferenças e as
semelhanças de forma hierarquizada, com perfeições e imperfeições, beleza e
feiura, inferiores e superiores, esse olhar e essa forma de racionalidade precisam
ser superados.
A escola tem papel importante a cumprir nesse debate. E é nesse contexto
que se insere a alteração a Lei nº 10.639/03, uma das formas de interferir
pedagogicamente na construção da diversidade e garantir o direito à educação e
saber mais sobre a história, a cultura africanas e as afro-brasileiras. Nesse
34
entendimento poderemos ajudar a superar opiniões preconceituosas sobre os
negros, a África, e a denunciar o racismo e a discriminação geral, rompendo com o
mito da democracia racial.
4 Aspectos jurídicos
4.1 Aspecto Constitucional das cotas
A Constituição de 1988 concede a todos os brasileiros e estrangeiros
residentes no País, a igualdade perante a lei, e o direito de justiça, ou seja todos
devem ter um tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades.
Ações de inconstitucionalidade foram propostas por políticos e entidades
civis,
no
Supremo
Tribunal
Federal
(STF),
duas
Ações
Diretas
de
Inconstitucionalidade (ADI), que são a 3330 e a 3197, ambas promovidas pela
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Cofenen). Esta entidade
entende que as cotas raciais contrariam
os preceitos constitucionais, já que
promove discriminações para estabelecer vagas nas universidades. Ela ainda
reclama os direitos dos candidatos que obtiveram boas notas, consequência de seu
bom desempenho no vestibular, contudo são preteridos em face de candidatos que
obtiveram um desempenho inferior, na qual conseguem uma vaga, não pelo seu
mérito, mas apenas pela cor de sua pele.
Para melhor entendimento da questão, é importante ler os artigos 3°, 5°, 207°,
e 208 da Constituição Federal.
Art.3° “ Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa
do Brasil, (...)
IV - “ Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Art. 5° “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
35
natureza.”
Ou seja, isso mostra que todos os brasileiros, independentemente de
serem brancos, negros, homens, mulheres, pobres ou ricos, possuem as mesmas
obrigações e os mesmos direitos, e serão tratados de forma igual perante a lei e a
sociedade.
Art. 207° “As universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao
princípio de indisociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”
A autonomia universitária consagra liberdade de ação, para que possa
formar profissionais e cidadãos, conscientes e eficientes, aptos a ajudarem a
sociedade e a nação na conquista do equilíbrio entre o saber e o viver. Alguns
educadores, veem a lei das Cotas Raciais ( lei 180/08 ), com um certo receio,
porque afirmam que o governo esta se intrometendo nos assuntos internos de cada
universidade, e consequentemente
interferindo na autonomia das universidades
quanto à sua capacidade de sistematizar provas de seleção de estudantes,
conforme prevista pela Constituição Federal.
Para se discutir o acesso ao ensino superior, é necessário conhecer o
artigo 208 da Constituição Federal.
Art. 208° ( …)
V – O acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa, e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um.
O dispositivo constitucional estabelece que o desempenho de cada um
será levado em conta no processo seletivo das instituições superiores,ou seja o
acesso as universidades se dará através do conhecimento cognitivo e intelectual
que o aluno possui. Dessa maneira, a ação afirmativa não deve apenas promover
integração no ensino superior, mas garantir o acesso da população negra, já nas
primeiras etapas do ensino básico e fundamental.
36
4.2 Aspecto social das cotas
Apesar da aprovação das Cotas Raciais pelo Congresso Nacional e pelo
Supremo Tribunal Federal ( STF ), a discussão entre a sua legalidade ou não ainda
divide opiniões, consequentemente gerando dois extremos de defesa. Umas das
contradições junto ao sistema de cotas raciais, diz respeito a institucionalização do
racismo, que segundo Yvonne Maggie, antropóloga na Universidade Federal do Rio
de Janeiro, a distinção de etnias por lei, agravaria ainda mais o racismo existente no
Brasil, pois essa politica exige que o cidadão se defina perante o Estado segundo
sua raça ou sua origem, e sabe-se que sempre que o Estado se ausenta em relação
aos assuntos de identidade dos indivíduos, o resultado é a violência como o
Apartheid na África do Sul, que dividiu o país em exatamente duas raças, os brancos
e os negros, e também no Sri Lanka, que alguns apontam ser uma das causas da
guerra civil do país.
Para José Roberto Militão, militante histórico do movimento negro, advogado,
membro da comissão de assuntos anti-discriminatórios – Conad – OAB/SP, e exsecretário geral do Conselho da Comunidade Negra do governo do estado de São
Paulo
(1987
à1995),
entende
que
as
cotas
raciais
são
discriminatórias
inconstitucionais, e que as ações afirmativas não fazem reparações do passado,
mas atuam para que as discriminações históricas não persistam no presente, ou
seja, os negros necessitam de politicas publicas de inclusão, que garantem a
promoção da igualdade, e não de cotas da humilhação.
Os que são a favor das cotas raciais afirmam , que é preciso diminuir a desigualdade
existente entre os brancos e os negros, afirmando que com as cotas, a parcela da
população negra a ingressar no ensino superior aumentaria drasticamente, também
usam como argumentos, uma série de estatísticas fazendo uma comparação entre o
nível de vida da pessoa branca e da negra, o grau de escolaridade de ambas, e
também falam que é preciso que o Estado ―recompense‖ os negros, por toda
atrocidades cometidas contra eles no passado. Mas para Roberta Fragoso, sabe-se
que existe discriminação contra os homossexuais e os nordestinos no Brasil. Mas
tal fato, isoladamente, constitui-se em uma barreira intransponível, a ponto de os
nordestinos/homossexuais não conseguirem ascender socialmente? Não!, acredito
que
no
Brasil
a
cor,
isoladamente,
não
funciona
como
um
critério
37
constitucionalmente válido para a concessão de ações afirmativas. Isto porque a cor
da pele, aqui, jamais funcionou como barreira intransponível à ascensão social, de
modo que diversos foram os negros que conseguiram superar o preconceito e a
discriminação e atingiram cargos de prestígio, mesmo antes da abolição da
escravatura. No Brasil, o problema da integração dos negros à sociedade decorre da
perversa correlação entre pobreza e negritude, pela dificuldade inerente de romper o
círculo de pobreza. Por outro lado, é necessário que existam critérios objetivos para
determinar os verdadeiros beneficiados da medida afirmativa. Deste modo, a intensa
miscigenação ocorrida no Brasil inviabiliza a aceitação do critério "cor" como um
fator objetivo. Quem são os pardos no País?
4.3 Aspectos Legais
Ao contrário do que se possa pensar, a espécie de ação afirmativa nomeada
de cotas não teve origem no Brasil com a inauguração de reservas de vagas para
determinados grupos nas universidades brasileiras. Seu precedente é na chamada
Lei dos 2/3 ou Lei de Nacionalização do trabalho, que consistia a presença mínima
de dois terços de brasileiros natos, entre todos os indivíduos, em empresas,
companhias, firmas comerciais e associações que contratassem ou empreendessem
quaisquer serviços ou obras do Governo Federal. A Lei nº 5.465, chamada "lei do
boi", publicada em 1968, versava a respeito de reservas de vagas em escolas
agrícolas para filhos de agricultores e candidatos. Em decorrência da promulgação
da Constituição de 1988, foram criadas leis que visavam ampliar os espaços à
mulher e aos deficientes.
Em meados de 2000, para ser mais coerente no mês de Setembro, o então
presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso criou o Comitê Nacional para a
Preparação da participação brasileira na III Conferência. Lá se iniciou o debate sobre
a situação dos negros existentes no país. Daí surgiram diversas discussões por meio
da mídia, militantes de movimentos sociais, políticos e intelectuais a respeito do
tema das cotas raciais. Tais discussões colocaram a tona distintas opiniões sobre o
uso das ações afirmativas no Brasil como meio de inclusão do negro na sociedade.
Maior celeuma ainda foi com a aprovação da Lei estadual no Rio de Janeiro onde
38
previa para indivíduos auto-declarado negro ou pardo a implantação de cotas em
universidades. O estado do Rio de Janeiro foi pioneiro na aplicação da política de
Ação afirmativa por meio de cotas raciais.
A primeira turma de universidade estadual formada pelo sistema de Cotas no
Brasil foi instituída no ano de 2003, através das Leis nº 3.524 e 3.708....A Lei
3.708/01 (RIO DE JANEIRO, 2001) reservou uma cota mínima de 40% para negros
e pardos no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação da
universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Estadual do Norte
Fluminense. [...] Este era, portanto, o programa de ações afirmativas no Rio de
Janeiro que causou uma grande polemica em todo o Brasil. Como era de se esperar,
diversas ações, discutindo a constitucionalidade dessas leis foram ajuizadas perante
o poder judiciário. Em 2008 foi elaborada a Lei 5.346, onde ficou criado um novo
sistema de cotas para ingresso nas Universidades do Estado do Rio de Janeiro,
permanecendo desta maneira: 5% das vagas reservadas para pessoas com
deficiência e filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de
segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão de
serviço, 20% para estudantes de escola publica, e por fim, 20% das vagas para
negros e indígenas. A partir deste ato, diversas outras universidades tomaram
posições análogas. A Universidade Estadual da Bahia estabeleceu uma cota mínima
de 40% para afro descendentes, relativo a cursos de graduação e pós-graduação.
Outras instituições brasileiras, diferentemente das supracitadas, adotaram um
sistema diferente de cotas raciais. Trata-se do sistema de bônus, consistindo na
adição de ponto ou percentuais nas notas dos alunos afro descendentes indígenas
ou estudantes oriundos de escola pública. O referido programa foi instituído no ano
de 2004, visando melhorar o desempenho médio dos estudantes por meio de uma
política de inclusão social, criou o programa Ação afirmativa e Inclusão Social
(PAAIS), sendo a precursora deste programa a Universidade de Campinas. Em
minas Gerais, foi aprovada a Lei 15.259/04, trazendo para o ensino superior das
universidades publicas estaduais em Minas Gerais, UEMG e Unimontes, pois ela
instituiu as ações afirmativas em prol dos afro descendentes, estudantes egressos
de escola pública, ambos desde que carentes, e portadores de deficiência e
indígenas. A porcentagem das cotas ficou dividida da seguinte maneira: 20% das
vagas para negros, 20%para alunos provenientes de escolas públicas e finalmente,
39
5% para deficientes e indígenas, totalizando 45% no mínimo o total de vagas para
cada universidade. Entretanto, as referidas cotas foram vetadas pelo então
Governador de Minas Gerais Aécio Neves, justificando-se que a fixação destes
critérios não embarcavam as condições diferenciais das diversas regiões do Estado
de Minas e poderia até mesmo impedir o melhor empenho de políticas positivas.
Neste ano de 2012 foi aprovada pelo Congresso Nacional e pela Presidente Dilma
Rousseff, a PLC nº 180/2008, de autoria da Deputada Federal Nice Lobão, que
prevê a reserva de 50% de vagas das Universidades Federais e nos institutos
federais para os alunos cotistas, sendo que 25%, será por cota racial, e os outros
25%, por cota social, na qual o ingresso se dará a partir da nota obtida no Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).
4.4 Legislação infraconstitucional
Com observância ao princípio da isonomia disposto no art. 5º, caput: ‖Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...‖ pode-se perceber a
legalidade das ―cotas‖ para as classes minoritárias e em se tratando especificamente
das ―cotas‖ para afro descendentes como trata o art. 4º, inciso VIII da Carta Magna,
que diz que a nossa República Federativa, regida por princípios repudia o racismo,
ou seja, atos discriminatórios contra afro descendentes que fere os princípios
instituídos por nossa Lei maior.
Além disso, as instituições de ensino superior possuem autonomia no que diz
respeito as suas políticas administrativas, de acordo com o art. 207 da Constituição
Federal de 1988:
“As universidades gozam de autonomia didáticocientífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão”.
Dessa forma, a adoção do sistema de ―cotas‖ pela universidade, para afro
descendentes não fere os princípios e as garantias fundamentais.
40
É nesse sentido que as cotas raciais são medidas que buscam a efetivação
da igualdade, procurando diminuir as consequências dos atos discriminatórios
ocorridos no passado, sendo assim, percebe-se que o sistema propõe salvaguardar
a igualdade material.
Essa igualdade material envolve a igualdade formal no sentido de que além
de perceber que o princípio da igualdade material absorve e estende o da igualdade
formal, pois além de proibir a discriminação, proporciona políticas públicas que
buscam extinguir as desigualdades sociais. Assim diz Afonso da Silva (2010; p.
215): ―A Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em
que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei... acrescenta
vedações a distinção de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação.‖
O art. 1º da Lei Federal 10.558 de 2002 afirma que:
“Fica criado o Programa Diversidade na Universidade, no âmbito do
Ministério da Educação, com a finalidade de implementar e avaliar
estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de
pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos,
especialmente dos afro descendentes e dos indígenas brasileiros.”
Notadamente, essa legislação surgiu afim de saldar o débito existente em
nossa sociedade com os afro descendentes, com base nos seus longos anos de
lutas por um espaço no meio social, bem como galgar posições igualitárias no plano
de ensino, saber e conhecimento, especificamente como propõe este trabalho. Além
disso, as ações afirmativas propostas pelo nosso governo, buscam extinguir as
discrepâncias entre as elites, os pobres, os afro descendentes, as mulheres, os
analfabetos, entre outros, com formas de inserção das classes minoritárias no plano
geral de sociedade passível de direitos e deveres como a Lei maior nos assegura.
Sobre a égide da competência no caso da demanda, notadamente se observa
uma incompetência territorial, tendo em vista que uma ação de natureza cível foi
iniciada em outro estado diferente do estado do réu, vejamos o que Cintra, Grinover
e Dinamarco (2006; p. 254) diz:
“A competência de foro (ou territorial) é a que mais
pormenorizadamente vem disciplina nas leis processuais,
principalmente no Código de Processo Penal e no Código de
41
Processo Civil. Desprezando os casos excepcionais (foros
especiais),podemos indicar as regras básicas, ou seja, aquelas que
constituem o chamado foro comum:
a) no processo civil, prevalece o foro do domicílio do réu (CPC, art.
94);
b) no processo penal, o foro da consumação do delito (CPP, art. 70);
c) no processo trabalhista, o foro da prestação do serviço ao
empregador (CLT, art. 651).”
Entende-se, portanto, que a ação que dispor sobre direito pessoal ou bens
móveis em regra são propostas no domicílio do réu. Mas não para por ai, por
tamanha discussão que o tema tem trazido no âmbito jurídico, essas questões estão
sendo mais solucionadas por resolução normativa do que pela própria lei, visto que
o sistema de cotas para afro descendentes é regulamentado por lei complementar
mediante intervenção estatal, ou seja, cada estado tem sua lei que regulamenta
esse sistema, por esta razão não cabe o autor da ação demandada ingressar com a
querela em seu estado de origem já que este não adotou o sistema de cotas como
assim fez a determinada universidade federal de um estado distinto.
Em referência a lei 10.678 de 2003, esta surge para criar uma secretaria de
controle das políticas de igualdade racial, com função de coordenar os trabalhos
objetivados nesta lei, junto a Presidência da República tendo um controle nacional
sobre os trabalhos propostos nesta legislação a nível nacional e setoriais.
Nesta linha de raciocínio, passar a existir as Políticas de Ações Afirmativas no
âmbito da Administração Pública Federal, sob coordenação e controle da referida
secretaria, dispondo de ―cotas‖ para afro-descendentes em universidades, como por
exemplo, algumas Universidades brasileiras, a saber: Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ), a Universidade do Estado da Bahia (Uneb), a Universidade de
Brasília (UnB), a Universidade Federal do Paraná (UFPR), sendo estas pioneiras, e
outras aderindo ao programa.
Complementando o entendimento arrazoado neste trabalho, segue abaixo
duas decisões jurisprudenciais:
“A argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186-2
proposta pelo partido político DEMOCRATAS (DEM), contra atos
42
administrativos da Universidade de Brasília que instituíram o
programa de cotas raciais para ingresso naquela universidade.
Alega-se ofensa aos artigos 1º, caput e inciso III; 3º, inciso IV; 4º,
inciso VIII; 5º, incisos I, II, XXXIII, XLII, LIV; 37, caput; 205; 207,
caput; e 208, inciso V, da Constituição Federal de 1988.
[...]
Embora a importância dos temas em debate mereça a apreciação
célere desta Suprema Corte, neste momento não há urgência a
justificar a concessão da medida liminar. O sistema de cotas raciais
da UnB tem sido adotado desde o vestibular de 2004, renovando-se
a cada semestre. A interposição da presente argüição ocorreu após a
divulgação do resultado final do vestibular 2/2009, quando já
encerrados os trabalhos da comissão avaliadora do sistema de
cotas. Assim, por ora, não vislumbro qualquer razão para a medida
cautelar de suspensão do registro (matrícula) dos alunos que foram
aprovados no último vestibular da UnB ou para qualquer interferência
no andamento dos trabalhos na universidade.
Com essas breves considerações sobre o tema, indefiro o pedido de
medida cautelar, ad referendum do Plenário.” (ADPF 186-2. STF.
Ministro Ricardo Lewandowski).
4.5 Jurisprudência
O Tribunal Regional Federal da 4ª região reconhece a constitucionalidade do
sistema de cotas:
―DIREITO
CONSTITUCIONAL.
UNIVERSIDADES.
AUTONOMIA
CRITÉRIO
UNIVERSITÁRIA.
AÇÕES
AFIRMATIVAS.
"COTAS"
RACIAL.
DISCRIMINAÇÃO.
MÉRITO
UNIVERSITÁRIO.
NAS
ISONOMIA.
1.POLÍTICAS
AFIRMATIVAS. Conjunto de políticas públicas e privadas, tanto compulsórias,
quanto facultativas ou voluntárias, com vistas ao combate à discriminação racial, de
gênero e outras intolerâncias correlatas. Técnicas que não se subsumem ao sistema
de cotas, ainda que com elas sempre relacionadas. 2.INEXISTÊNCIA DE BASE
43
LEGAL. Previsão expressa no Plano Nacional de Direitos Humanos, no Plano
Nacional de Educação e nas Leis nº 10.558/2002, que criou o programa
"Diversidade na Universidade" e Lei nº 10.678/2003, que criou Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Autorização, por via legal, para
implementação, pelo Poder Executivo, de políticas afirmativas. Previsão em tratados
internacionais.
3. CONSTITUIÇÃO. Previsão expressa no tocante à mulher ( art. 7º, XX) e a
portadores de necessidades especiais ( art. 37, VIII), a sinalizar baliza fundamental
para aplicação do princípio da igualdade jurídica. Legislação infraconstitucional que
estabeleceu cotas para candidaturas de mulheres, para portadores de necessidades
especiais em concursos públicos e dispensa de licitação.
4. TRATADOS INTERNACIONAIS. Reconhecimento pelo Brasil da competência do
Comitê Internacional para eliminação da discriminação racial. Internalização da
Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação racial. Recepção
dos tratados internacionais anteriores à EC 45/2002, com status supralegal ou de
materialmente constitucionais, jurisprudência ainda não definida no STF, mas a
indicar a possibilidade de constituírem "bloco de constitucionalidade", a ampliar
núcleo mínimo de direitos e o próprio parâmetro de controle de constitucionalidade.
5. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. Revisão dos parâmetros clássicos, de forma a
reconhecer sua dupla faceta: a) proibição de diferenciação, em que "tratamento
como igual significa direito a um tratamento igual"; b) obrigação de diferenciação, em
que tratamento como igual significa "direito a um tratamento especial". Rompimento
com a visão clássica, de forma que a igualação jurídica se faça, constitucionalmente,
como conceito positivo de condutas promotoras desta igualação.
6.
DISCRIMINAÇÃO.
Conceito
internalizado
pelo
Decreto
nº
65.810/69,
reconhecendo diferenciações legítimas e afastando propósitos e efeitos de anular
reconhecimento de direitos em pé de igualdade em razão de raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica. Quadro cultural brasileiro complexo no
que diz respeito ao reconhecimento da existência do próprio racismo, com a
ideologia do "branqueamento" e o "mito da democracia racial". Informes
internacionais questionando a dificuldade do aparelho estatal em reconhecer e
44
promover atitudes antidiscriminatórias. Reconhecimento, por outro lado, de que a
regra aparentemente neutra pode produzir discriminação, que a Constituição proíbe.
7. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. Art. 207, V, CF. Previsão constitucional
regulamentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, tendo como norte "as
normas gerais da União" e do "respectivo sistema de ensino", podendo ser
ampliadas ou reduzidas as vagas ofertadas.
8. SISTEMA MERITÓRIO. A previsão constante no art. 208, V da Constituição não
estabeleceu o "mérito" como critério único e decisivo para acesso ao ensino
superior, nem constitucionalizou o sistema do Vestibular. Existência de "nota de
corte", a demonstrar que o mérito é conjugado com outros critérios de índole social e
racial. Inexistência de "mérito" em abstrato.
9. AUTODECLARAÇÃO. Critério que não é ofensivo nem discriminatório em relação
aos "negros", porque: a) já é adotado para fins de censo populacional, sem
objeções; b) utilizado amplamente no direito internacional; c) guarda consonância
com os diplomas legais existentes; d) constitui reivindicação dos próprios
movimentos sociais antidiscriminação.
10. DISCRÍMEN RAÇA. Possibilidade admitida quando agir "não para humilhar ou
insultar um grupo racial, mas para compensar desvantagens impostas contra
minorias". Congruência com os ditames constitucionais de vedação ao racismo, na
ordem interna e externa, de modo a indicar: a) no aspecto negativo, a necessidade
de impedir qualquer conduta, prática ou atitude que incentive, prolifere ou constitua
racismo; b) no aspecto positivo, um mandamento de otimização de medidas cabíveis
e possíveis para erradicação de tal prática. Inexistência de "raças" a indicar,
contudo, a necessidade de censura ao "racismo". Inteligência da decisão do STF no
HC 82.424/RS. Preconceito, no Brasil, de fundo distinto daquele praticado nos EUA
e África do Sul ("preconceito de marca" ao invés de "preconceito de origem"), a
indicar a inaplicabilidade, aqui, das discussões sobre percentuais de genes
africanos, europeus ou indígenas.
11. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. Aplicação aos atos de todos os
poderes públicos, vinculando legislador, julgador e administrador, mas com extensão
e intensidade distintas conforme se trate de atos legislativos, da administração ou da
45
jurisdição. Limites de "conformação" do administrador e do legislador a reduzir a
análise de todas as possibilidades de escolhas postas à disposição. Verificação de:
a) adequação, que não constitui o dever de escolher o meio mais intenso, melhor e
mais seguro, mas sim a anular o ato somente quando a inadequação for evidente e
não for, de qualquer modo, justificável; b) necessidade, em relação ao meio eficaz e
menos desvantajoso para os cidadãos; c) proporcionalidade em sentido estrito,
comparando a importância da realização do fim e a intensidade da restrição de
direitos fundamentais. Metas fixadas para educação nacional pelo Legislativo com
duração de dez anos, passíveis de revisão. Não-comprovação de que as premissas
para instituição de critérios de "inclusão social"- ampliação do acesso para estudos
de ensino público e auto declarados negros, promoção da diversidade étnico-racial
no ambiente universitário, educação de relações étnico-raciais - não são critérios
adequados, necessários e proporcionais para os fins constitucionais de repúdio ao
racismo, redução das desigualdades sociais, pluralismo de idéias, garantia de
padrão de qualidade do ensino, defesa e valorização da memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, valorização da diversidade étnica e
cultural e promoção do bem de todos, "sem preconceitos de raça e cor e quaisquer
outras formas de discriminação". Percentuais de cotas que não constituem patamar
elevado,seja porque 87% da oferta de vagas vem do ensino público médio e
fundamental, seja porque a população negra brasileira é superior ao percentual
estabelecido nas cotas. Reconhecimento de que os programas deixam sempre à
disputa livre da maioria "a maior parcela de vagas", como forma de "garantia
democrática do exercício de liberdade pessoal e realização do princípio da nãodiscriminação" (Carmen Lucia Antunes). (TRF4, APELAÇÃO EM MANDADO DE
SEGURANÇA Nº 2005.70.00.008336-7, 3ª Turma, Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ
LEIRIA, POR UNANIMIDADE, D.E. 24/04/2008)
Então, conforme as jurisprudências citadas acima percebe-se que a matéria
vem sido debatida de forma complexa, tendo entendimentos divergentes, mas que
deve-se atentar para a necessidade de solucionar um problema que a muito tempo
já esta posto.
Complementando essa linha de raciocínio Lucília Lopes Silva (2009) fala
sobre o sistema de cotas e a intervenção estatal:
46
“...o sistema de cotas deve ser entendido apenas como o primeiro
passo no caminho para a eliminação da discriminação racial no
ensino. Enquanto as medidas de caráter especial e temporário
estiverem vigentes (e, no caso das cotas, o tempo previsto é de dez
anos), cumpre ao mesmo Estado que implementa essas medidas,
concomitantemente pôr em prática por meio de providências
concretas, outras de caráter geral e permanente, que erradiquem as
causas que motivam a adoção do sistema de cotas”.
Finalizando no dia 15 de dezembro de 2010, o Ministro da Educação
Fernando Haddad, entregou ao Presidente da República o projeto de lei do novo
Plano Nacional de Educação (PNE) e a meta 8 objetiva igualar a escolaridade entre
negros e não-negros, com vistas à redução da desigualdade educacional. (Diário da
Borborema, Campina Grande, quinta-feira, 16 de dezembro de 2010).
5 As eficiências e deficiências das Cotas Raciais
5.1 As Cotas Raciais na visão dos seus defensores e detratores
A atual discussão que se instituiu no Brasil em torno da proposta do governo
de estabelecer políticas públicas de inserção social dos negros por cotas raciais no
ensino superior do país, acabou por se transformar em apenas um ponto de partida
para as discussões mais profundas, centradas no questionamento da sociedade
brasileira ser ou não ser racista.
De um lado, os que são favoráveis ás cotas, justificam a sua necessidade a
partir da seguinte concepção:”a desigualdade entre negros e brancos é causada
pelo racismo”(KAMEL,2006,p.140)
Para tal concepção, a sociedade brasileira esta dividida entre dois grupos
raciais, ou seja, “uma nação bicolor, apenas negros e brancos”(MAGGIE In
KAMEL,2006, p.11), e mais do que isto, com duas raças ligadas a partir de uma
relação, “com os brancos oprimindo os negros”(p.11) do que decorreria uma divida
de caráter histórico a ser indenizada no presente, pela adoção de políticas publicas
47
em prol dos negros.Demétrio Magnoli, critico de visão dos cotistas, assim sintetiza o
pensamento do grupo: “os negros são pobres porque são negros”(MAGNOLI,2006).
Aqueles que são contrários ás cotas essencialmente discordam de que seja o
racismo o causador da desigualdade social entre brancos e negros.Concordam, sim,
que ―o racismo existe aqui como em todo lugar, mas não é, nem de longe, uma
marca da nossa identidade nacional‖(KAMEL,2006,P.103).
Para esta vertente, trata-se de um engano fundamental constituir as políticas
públicas a partir de critérios raciais, o que implicaria aceitar que a sociedade
brasileira é constitutivamente racista...(KAMEL,2006) avalia que após a abolição
“jamais existiriam barreiras institucionais contra a ascensão social do negro num
país em que os acessos a empregos públicos e ás vagas em instituições de ensino
público são assegurados apenas por mérito”, para concluir que “as chamadas ações
afirmativas são uma resposta irracional para um problema fictício- o racismo
institucional, que não vigora no Brasil”(pp.39-40).
Para tal linha de pensamento, a origem do problema, no Brasil, está ligada á
sua histórica má distribuição de renda, sua alta concentração que dificulta a
mobilidade social dos mais pobres, e á ausência de efetivas políticas públicas de
inclusão social do cidadão brasileiro que atinja a todos, mas em especial á camada
mais pobre da população.
Tal argumentação se fundamenta na informação de que:
“cerca de um terço dos brasileiros estão abaixo da linha da
pobreza por ter renda per capita inferior a meio salário mínimo ; dois
terços têm renda per capita de apenas um mínimo: entre um extremo
e outro, uma multidão com a renda variando entre meio e um salário
mínimo” (p.105);
Conclui: que “se o problema brasileiro é a pobreza e não o racismo,
dimensiona- la é um pré-requisito básico a qualquer política publica que vise a
erradica-la,ou sendo mais realista,ameniza-la”(p.105).
Em comum, cotistas e não cotistas identificam as questões a serem
enfrentadas com políticas publicas:a distribuição de renda e a educação, porém
divergem quanto á forma a ser adotada.Os primeiros visam a cotas raciais para o
ensino superior, enquanto os outros entendem que o investimento no ensino médio e
fundamental seria um meio de promover a equalização de oportunidades.
O tema divide opiniões inclusive entre a parcela negra da população.Neste
48
sentido, o representante do ―
Movimento Negro Socialista, José Carlos de
Miranda,é contrario ás cotas;defende a adoção de políticas voltadas á população
pobre.No Brasil, branco pobre também é preto.Por outro lado,Marcos Santos da
Silva,coordenador do Movimento Negro Unificado,defende:”as cotas e ações
afirmativas representam uma tática imediata, não podemos esperar a reforma da
educação”(CONSTANTINO,2006).
A discussão vem se ampliando,recebendo acréscimo do ingrediente
emocional,conforme nos informa a narrativa da antropóloga Yvonne Maggie no
prefacio do livro Não Somos Racistas ,de Ali Kamel:
”O debate foi tão emocional como todos os que seguiram com
diferentes personagens e em diferentes cenários.Sua estrutura
mudou pouco nos últimos anos.Posições contra e a favor das cotas
na mesa e na plateia;um grupo ruidoso que clama pelas cotas raciais
e acusa de racistas os que criticam a política”(MAGGIE In
KAMEL,2006).
Aqui a hipótese de sustentação é de que a sociedade brasileira é formada
pela raça negra, no papel de vitima explorada, impedida de evoluir na escala social
em razão do racismo da raça branca, atuando historicamente como algoz.Nesta
linha de pensamento, a discussão do conceito de raça acaba posicionada como
principal subsidio á discussão central.E, a partir de uma ação presente se objetiva
solucionar o suposto desvio incutido no passado.É neste contexto que se acaba por
desenvolver o chamado Estatuto da Igualdade Racial como instrumento institucional
capaz de produzir uma indenização de cunho histórico.
5.1.1 Considerações Finais
Ao observar o confronto dos pós e contras, fica a percepção de um aspecto
produtivo no que se refere á exposição de temáticas sociais como a questão racial,
inclusão social e distribuição de renda, nem sempre temáticas preferenciais da
grande imprensa.No que tange especificamente á questão racial e á proposta das
cotas como solução, parece haver uma convergência em favor da inclusão, porem
divergência quanto á forma e á estruturação que se propôs para sua solução.
Embora a ideia, que a principio fomenta o Estatuto pareça ser a da igualdade,
49
ao observar as suas medidas, esta não se mostra adequada aos seus objetivos de
claro caráter reparador, e mais do que isto ,indenizatório.Portanto, não há como não
estipular na sua estruturação um ato criminoso, um pecado original que gere um
culpado.Por decorrência,se teria um criminoso ou pecador, o que pediria um código
penal, um tribunal, um juiz, a promotoria, a defensoria e então um julgamento isento.
Chega a causar surpresa quando se fala abertamente num
discriminação
positiva,
onde
os
descendentes
da
raça
conceito de
vitimizada
pudessem,institucionalmente, discriminar os descentes dos algozes.A ligação entre
o conceito de negro e pobreza, passa uma borracha na imensa população branca
que também é pobre, como se estes fossem um mero estorvo ao pensamento que já
se constitui em juízo definitivo, onde o sentimento de indignação acaba se deixando
levar pela intolerância.A ideia de discriminação positiva acaba por justificar a
perseguição positiva, o assassinato positivo;enfim, dá o adjetivo positivo a
comportamentos humanos dignos de amplo repudio da cidadania constituída em
bases universais e humanitárias.O brasileiro ainda não conquistou a plenitude de
sua cidadania, é em um pais mestiço, onde valorizar a diferença racial pode ser um
meio de se promover um eterno confronto civil, que pode ser franco ou
dissimulado.Elevar uma raça e produzir reconhecimento não é sinônimo de humilhar
e atribuir crimes aos descendentes de outra.
A escravidão é um crime produzido pela humanidade;brancos escravizaram
brancos,negros escravizaram negros,brancos escravizaram negros e,se tivesse
oportunidade,o negro escravizaria o branco.Escravidão é ação ultima da
discriminação,e ofende a dignidade de quem não praticou tal crime hediondo pagar
por ele,mas isto parece ser algo secundário.
5.2 Argumentos prós
Legalidade não implica necessariamente em legitimidade, sendo essa a ser
construída (ou não) por um debate público mais amplo do que o que se dá nos
espaços formais do Estado.
Nesta linha de pensamento,elas podem ser sintetizadas em três princípios
básicos de um Estado democrático de direito na contemporaneidade:
 redistribuição das riquezas e bens produzidos em uma sociedade;
 reconhecimento à diversidade cultural dos povos;
50
 reparação do Estado brasileiro em relação aos malefícios perpetrados contra
a
população
negra
ao
longo
da
história
de
nossa
nação.
1-O Estado brasileiro promoveu e ajudou a promover a escravidão de negros no
país por quatrocentos anos.O Brasil não foi apenas o último país do mundo a abolir
a escravidão,mas também o pais que mais teve escravos na história;
2-A abolição da escravidão não foi acompanhada de nenhuma iniciativa do Estado
em reparar o dano causado a esta população. Os negros brasileiros conhecem
principalmente a face repressora do Estado que promoveu a perseguição de suas
manifestações culturais e religiosas (samba,capoeira,candomblé,etc.)
3-A discriminação racial é atestada ano após ano pelas estatísticas que comparam a
vida de brancos e negros (pretos e pardos) no país: índice de mortalidade,
analfabetismo, anos de educação escolar, salários, expectativa de vida, população
carcerária, etc.Em todos esses indicadores sociais, negros aparecem em situação
de desvantagem em relação aos brancos.
4-Não é a primeira vez que o país adota medidas de discriminação positiva,
compatíveis com a Constituição de 1988, por exemplo: reservas de cargos para
portadores de deficiência física, proteção do mercado de trabalho da mulher, reserva
de vagas para mulheres nas candidaturas partidárias, a Lei 5.465, a "Lei do Boi" que
reservava vagas para agricultores e seus filhos no ensino agrícola, além da lei que
estabelece o ingresso diferenciado de estudantes africanos nas universidades
brasileiras sem passarem pelo crivo do vestibular.
5-A educação apresenta-se como uma variável determinante na desigualdade de
renda entre negros e brancos. Em países como o Brasil, em que o diploma de
ensino superior funciona como critério de exclusão social, não ter acesso às
universidades, é estar impedido de ocupar os postos sociais mais importantes da
nação.
51
6- Contra aqueles que acreditam que as cotas sociais resolvem o problema com um
ônus menor, alguns dados revelam que alunos negros comparados a alunos
brancos de mesmo nível socioeconômico, do ensino público e privado, têm
proficiência menor do que os alunos brancos. Assim, políticas sociais não terão o
mesmo impacto que as raciais.
7-Qualquer critério de escolha de quem deve ou não ingressar numa universidade é
questionável: por que devemos saber determinados conteúdos de química e
matemática, mais do que de arte, se optamos, por exemplo, por um curso na área
de ciências humanas? O fato de ser contestável não implica na impossibilidade de
se formular critérios adequados a cada região do país e passíveis de modificações à
luz da experiência das cotas, regularmente aferida.
8- Raça não existe?Se, de fato, o conceito de raça é contestado pela medicina,
biologia e pela genética (embora, curiosamente, essas ciências tenham no passado
ajudado a legitimar a ideia da superioridade branca), o conceito de raça como
categoria política e social é plenamente legítimo.
5.3 Argumentos contra
Essa segregação de direitos, apelidada de cotas raciais, encontra-se vedada
pela consciência nacional ,são cláusulas imperativas, que asseguram a igualdade de
direitos, base fundamental da dignidade humana.
Os defensores da segregação de direitos raciais desprezam a igualdade
humana trazida pelo iluminismo –Todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e em direitos, deferida por Immanuel Kant – e sustentam a tese da
desigualdade natural de Aristóteles: “Se os homens não são iguais, não devem
receber coisas iguais”.
Vivemos, enquanto colônia de Portugal, com leis que faziam discriminações
pela cor, origem, religião e cultura. Porém, sob a influência iluminista do século 18,
desde a primeira Constituição do Brasil, de 1824, a igualdade tem sido declarada e
reiterada nas cartas. A de 1988 reafirma o primado da igualdade humana sem a
52
hipótese da classificação racial para o exercício de direitos. É a expressão de nossa
índole.
Em 1953, após a tragédia do nazismo, o sociólogo Oracy Nogueira, da USP,
publicava tese de doutorado, um clássico da sociologia, Tanto Preto, Quanto Branco,
com pesquisas que revelavam que para o norte americano o que importava era a
raça (origem), enquanto para o brasileiro era a cor (marca), razão pela qual não
tivemos ódios raciais, embora tenhamos as discriminações de cor. Em 2009, a
pesquisadora Francisca Cordélia, da UnB, chegava à mesma
conclusão,
lamentando: ―Os brasileiros não reconhecem sua identidade racial‖.
Pesquisa divulgada no Rio de Janeiro, em 2008, atestava: 63% dos afro
brasileiros são contra a segregação de direitos raciais. Política racial, mesmo de
boa-fé, é terapia estatal para uma doença inexistente: não temos identidade racial.
A questão em julgamento não são as políticas públicas de inclusão de afro
brasileiros nas universidades públicas, o que poderá ser contemplado pelo critério
de cotas sociais ampliando as oportunidades aos mais pobres, dos quais 70% são
pretos e pardos. O que se disputa é a possibilidade da segregação de direitos raciais
pelo Estado. Os defensores falam em diversidade racial. Nós contrapomos o império
do pensamento da diversidade humana. A diversidade racial significa o Estado
conferindo validade à tese racista da classificação racial, que nós repudiamos.
O que está sob julgamento é se a Carta Cidadã permite a discriminação
estatal com base em direitos raciais segregados. É disso que tratamos nesse
julgamento histórico e cuja deliberação influenciará a harmonia social de futuras
gerações. Ortega y Gasset, o filósofo espanhol, nos diz da responsabilidade da atual
geração entregar à futura um ambiente social melhor do que a recebido. A nossa
geração recebeu uma sociedade sem direitos e sem ódios raciais. Como vamos
entregá-la?
5.4 O argumento da reparação histórica
A primeira vez que tal argumento foi usado para justificar políticas de ação
afirmativa foi na Índia, o primeiro país do mundo a adotar tais políticas. Naquele
contexto, um de seus principais objetivos era justamente o de compensar um
53
determinado grupo social (os dalits ou ―intocáveis‖) por injustiças cometidas no
passado.Posteriormente, o mesmo argumento veio a ser novamente utilizado nos
Estados Unidos, primeiro pelo Civil Rights Movement, chegando depois a ser
incorporado até como fundamento de decisões da Suprema Corte americana. O
presidente americano Lyndon B. Johnson, precursor das medidas de ação afirmativa
nos Estados Unidos, em um discurso aos formandos da turma de 1965 da Howard
University, se valeu exatamente do argumento da reparação histórica para justificar
as políticas de favorecimento dos negros:
“A liberdade, per se, não é suficiente. Não se apaga de repente cicatrizes de
séculos proferindo simplesmente: agora vocês estão livres para ir onde
quiserem e escolher os líderes que lhe aprouverem. [...]
Não se pode pegar um homem que ficou acorrentado por anos, libertá-lo
das cadeias, conduzi-lo, logo em seguida, à linha de largada de uma
corrida, dizer “você é livre para competir com os outros”, e assim pensar que
se age com justiça”.
Enfim, percebe-se que, através do argumento da reparação histórica, tenta-se
atualmente,no
Brasil,
justificar
o
tratamento
desigual
entre
candidatos
a
universidades públicas brancos e negros, com base no critério da raça.
Para tanto, defende-se que, como no passado a ―raça branca‖ teria escravizado a
―raça negra‖,hoje essa mesma ―raça negra‖ mereceria uma reparação história, que
poderia ser perfeitamente realizada em detrimento da ―raça branca‖, já que esta teria
sido a agressora no passado e, portanto, poderia sofrer as consequência dessa
compensação no presente.Há uma quantidade imensa de equívocos e inexatidões
históricas e lógicas nesse raciocínio.
Em primeiro lugar, ele parte do pressuposto histórico falso de que a
escravidão foi um fato racial, em que uma raça (a branca) teria escravizado outra
raça (a negra).Na verdade, a escravidão foi um fato econômico que não seria
possível sem que reais interesses comerciais relacionados ao tráfico transatlântico
existissem em ambas as margens do oceano.
De fato, é dado histórico inegável que os negros eram escravizados primeiramente
por tribos rivais do mesmo continente e só depois vendidos aos europeus.Além
disso, no Brasil, os negros não eram somente escravos, mas também tiveram
participação expressiva como proprietários de escravos. O historiador José Roberto
Pinto Góes nos informa que, por volta de 1830, em Sabará, Minas Gerais, quase
54
metade da população livre de cor tinha escravos. Já, na região de Campos, ainda de
acordo com Pinto Góes, um terço da classe senhorial era de descendentes de
escravos.Outro ponto que se deve ressaltar aqui são as informações que o estudo
da genética nos traz. Por meio de tal ciência já foi possível concluir que, no Brasil,
em decorrência do elevado grau de miscigenação, não é possível aferir a
ancestralidade de um indivíduo através da mera análise de características
fenotípicas como a cor da pele. Sobre essa questão,afirma o médico geneticista
Sérgio Pena que:
No Brasil, a cor, avaliada fenotipicamente, tem uma correlação muito fraca
com o grau de ancestralidade africana. No nível individual qualquer tentativa
de previsão torna-se impossível, ou seja, pela inspeção da aparência física
de um brasileiro não podemos chegar a nenhuma conclusão confiável sobre
seu grau de ancestralidade africana. (PENA,Sérgio, Razões para banir o
conceito de raça da medicina brasileira, p. 336)
Desse modo, é totalmente descabido considerar que um candidato a uma
universidade pública de cor preta possa ser privilegiado em detrimento de seu
concorrente de pele mais clara, com base na presunção de que o primeiro seria
necessariamente descendente de escravos e, por isso, merecedor de reparação,
enquanto o segundo seria necessariamente descendente de donos de escravos,
podendo, assim, sofrer as consequências dessa compensação histórica..
Na verdade, nada impede que aquele estudante de pele mais escura seja, por
exemplo,descendente de um ex escravo que se tornou depois proprietário de
escravos, ou ainda que sua ancestralidade seja mais européia do que africana. Do
mesmo modo, é perfeitamente possível que o estudante de pele mais clara possua,
entre seus ascendentes,africanos escravizados, sendo, portanto, pelo raciocínio da
reparação histórica, legítimo detentor do direito de compensação.
Assim é preciso se perguntar:o argumento da reparação histórica é plausível? É
suficiente para justificar um tratamento desigual entre candidatos brancos e negros a
uma vaga em uma universidade pública brasileira? A resposta só pode ser negativa,
seja pela falta de consistência histórica de tal argumento,seja por contrariar
postulados básicos da Genética, como acaba de ser demonstrado.
55
5.5 O argumento da inclusão social
Enquanto o argumento da reparação histórica volta-se para o passado, o da
inclusão social procura analisar tão somente a situação do indivíduo considerado
negro na sociedade brasileira do presente. Segundo tal argumento, os negros se
encontrariam hoje em uma situação de inferioridade na disputa por vagas em
universidades públicas, porque seriam socialmente excluídos em função do racismo
que sofreriam. Desse modo, as cotas raciais seriam legítimas, porque, ao funcionar
como um instrumento de inclusão social dos negros,elas os trariam para uma
situação fática maior em relação aos brancos no processo de seleção para ingresso
em cursos superiores.
Para se avaliar a plausibilidade desse argumento, deve-se primeiro investigar
quais são os fatores objetivos que influenciam na competição por vagas em uma
universidade pública. De modo geral, pode-se afirmar que os candidatos aprovados
em um vestibular serão aqueles mais bem preparados para o exame, isto é, os que
estudaram mais, frequentaram melhores escolas e contaram com uma estrutura
melhor para aprender aquilo que lhes é cobrado nas provas de conhecimento
colocadas como instrumento de seleção pelas universidades.Ocorre que nem todos
os candidatos tiveram acesso às mesmas oportunidades de estudo e de se preparar
adequadamente para o vestibular. Notadamente, os filhos de famílias ricas e de
classe média possuem condições muito maiores de realizar de forma apropriada tal
preparação do que aqueles oriundos de famílias pobres. Enquanto os primeiros têm
a oportunidade de frequentar colégios particulares de nível elevado e contam ainda,
via de regra, com um ambiente familiar mais estável, os segundos se veêm sem
outra escolha que não a de serem abarcados por um sistema público de educação
de péssima qualidade, tendo de suportar ainda as instabilidades familiares que a
falta de recursos financeiros normalmente traz.
Por esse motivo, muitas universidades públicas adotam as chamadas cotas
sociais,que beneficiam alunos oriundos de escolas públicas, com o objetivo de
corrigir essas distorções sociais. Tais medidas, ainda que questionáveis sob o ponto
de vista de sua conveniência política, são absolutamente irrepreensíveis sob a
perspectiva do princípio da igualdade, já que é evidente a correlação lógica entre o
tratamento desigual promovido e o critério de discriminação adotado.Entretanto, que
56
influência significativa o elemento ―raça‖ possui em disputas por vagas em
universidades públicas?Para se responder a essa questão, deve-se analisar
situações em que todas as variáveis externas ao estudante que comumente
influenciam no seu êxito ou fracasso no vestibular são constantes, colocando-se
como o único fator de diferenciação o fator ―raça‖.
Assim, a título de ilustração, imaginemos dois jovens brasileiros pobres,
moradores de uma mesma favela em uma grande cidade brasileira, ambos
provenientes de famílias desestruturadas e alunos de uma mesma escola pública
deteriorada, na qual frequentam a mesma classe, assistindo aulas com os mesmos
professores mal remunerados e tendo acesso ao mesmo material didático precário.
Possuem, portanto, condições sociais iguais,diferenciando-se apenas pela cor da
pele. Enquanto um possui pele branca, o outro tem pele preta. Seria plausível
estabelecer-se um tratamento desigual entre os dois, com base no critério da raça,
de modo a favorecer aquele indivíduo pobre de pele preta em detrimento do outro de
pele branca, somente pelo fato de possuírem tons de pele diferentes?Seria essa
discriminação compatível com o princípio da igualdade?Evidentemente que a
resposta só pode ser negativa.
A cor da pele desses jovens não os torna mais ou menos capazes de se
preparar para um vestibular. Eles possuem exatamente as mesmas precárias
oportunidades de
estudo,
de
modo
que
os
discriminar somente
criaria,
arbitrariamente, uma desigualdade onde originalmente predominava uma situação
de plena igualdade fática, o que não é de forma alguma admissível pelo Direito.
Nesse ponto, é relevante mencionar o caso das cotas raciais em estado puro, como
as que existem na Universidade de Brasília. Nesse caso, a incompatibilidade do
tratamento desigual estabelecido com o princípio isonômico é ainda mais clara. Isso
porque tal sistema admite que mesmo jovens negros oriundos de famílias prósperas
e que sempre puderam frequentar instituições privadas de ensino de excelente
qualidade sejam beneficiados pelas cotas em detrimento de pobres de todas as
demais cores. Privilegiam-se, assim, em nome de uma suposta justiça social,
inclusive, candidatos com todas as condições materiais para se preparar
adequadamente para o vestibular, prejudicando-se injustificadamente concorrentes
não negros mais desfavorecidos socialmente.
O argumento da inclusão social do negro como fundamento para cotas raciais
57
peca por tentar justificá-las por meio de bases excessivamente genéricas,
esquecendo-se que, concretamente, grandes injustiças podem ser cometidas com
brasileiros de todas as demais cores e que sofrem igualmente com os obstáculos ao
ingresso em universidades públicas que a pobreza lhes impõe.
A realidade brasileira nos revela que, se analisarmos a situação de grupos negros e
brancos que possuem a mesma situação social desfavorável, não é possível
constatar qualquer diferença significativa no acesso de ambos à educação.É
exatamente isso que prova um trabalho do estatístico Elmo Iório sobre a questão.
Com o objetivo de comparar a realidade de negros e brancos pobres na
sociedade brasileira, ele fez tabulações, com base em dados brutos da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE de 2004, da situação dos brasileiros
dessas duas ―raças‖,residentes em áreas urbanas, com um filho e rendimento
familiar total de até dois salários mínimos. A intenção, como se percebe, era reunir
brasileiros pobres brancos e negros em grupos comparáveis para se poder ter uma
real noção da influência que a cor da pele, em si, poderia ter sobre a condição de
uma pessoa na sociedade brasileira.
A pesquisa revela uma semelhança muito grande entre os dois grupos:
“72% dos brancos, 73% dos pretos e 69% dos pardos sabem ler e
escrever.A média de anos de estudo,para os brancos,pretos e pardos
é de 5 anos. 28% dos brancos, 28% dos pretos e 29% dos pardos
têm entre quatro e sete anos de estudo. 9% dos brancos, 9% dos
negros e 7% dos pardos estudaram entre 11 e 14 anos. Praticamente
nenhum branco,preto ou pardo estudou mais de 15 anos. O ensino
fundamental foi o curso mais elevado que 55% dos brancos, 56%
dos pretos e 62% dos pardos frequentaram. Já para 22% dos
brancos, 22% dos pretos e 19% dos pardos, o curso mais elevado
que já frequentaram foi o ensino médio.O número de brancos, pretos
e pardos que concluíram o ensino superior é desprezível.”
(KAMEL, p.83-84)
Os
resultados
dessa
pesquisa
deixam
claro
que,
tomando-se
em
consideração grupos equivalentes, o fator ―raça‖ em nada influencia nos indicadores
58
sociais de brancos e negros, não tendo, inclusive, qualquer relação com as suas
chances de chegar a uma universidade. Na verdade, o grande obstáculo que impede
brancos e negros pobres de ingressar em um curso superior é justamente a pobreza,
que condena ambos igualmente a um ensino público de péssima qualidade.Por
último, deve-se lembrar que as cotas raciais, onde quer que tenham sido
implantadas no mundo, não melhoraram a situação social daqueles que pretendiam
beneficiar.
Thomas Sowell, famoso economista americano, prova exatamente isso em
seu demolidor livro Affirmative Action Around the World.Analisando as cotas raciais
nos Estados Unidos da América, Sowell constatou que,antes do estabelecimento das
políticas de ação afirmativa fundadas no critério racial, a proporção de negros abaixo
da linha oficial de pobreza declinou de 87% em 1940 para 47% em 1960 e
finalmente para 30% em 1970. No entanto, durante a década de setenta, justamente
quando tais políticas foram fortemente implementadas, esse índice reduziu-se,
segundo ele, para apenas 29%, isto é, uma diferença de somente 1%.
O livro ainda nos revela que, em 1940, os negros americanos entre 25 e 29
anos possuíam aproximadamente quatro anos de estudo a menos que os brancos.
Em vinte anos, segundo o historiador, a diferença caiu para dois, e, em 1970, era de
menos de um ano, 12,1 contra 12,7. Isso demonstra que, antes do início das
políticas de cotas raciais nos Estados unidos, os negros americanos já tinham se
aproximados muito dos brancos na educação, sem precisar de qualquer
favorecimento racial por parte do Estado.A Índia é outro importante exemplo, dado
por Sowell, do fracasso do modelo de cotas raciais como instrumento de inclusão
social de grupos historicamente desfavorecidos.
A sociedade indiana é dividida em castas que, na verdade, possuem
significado muito próximo daquilo que se entende, no Brasil, por raça. Lá, as cotas
foram utilizadas, pela primeira vez na história mundial, para beneficiar os dalits
(também chamados de ―intocáveis‖),casta historicamente excluída e discriminada no
país. No entanto, ao longo dos anos, tal política se expandiu tanto que não menos de
52% da população do país foram incorporados na categoria de grupos
beneficiários.A despeito de tamanha força, as cotas raciais não reduziram as
desigualdades econômicas na Índia. A realidade, como nos ensina Thomas Sowell, é
que ―os benefícios reservados para os intocáveis se dirigem desproporcionalmente
59
para aqueles grupos de intocáveis que são mais prósperos‖ (SOWELL, p. 48). Por
isso, o ilustre economista americano conclui que ―a ação afirmativa na Índia produziu
benefícios mínimos para aqueles que mais precisam deles e máximo ressentimento
e hostilidade contra tais pessoas por parte de outros‖ (SOWELL, p. 49).
Outros exemplos poderiam ser dados, mas esses já são suficientes para
demonstrar que as cotas raciais, quando aplicadas na prática, não costumam
produzir inclusão social,nem têm o potencial de beneficiar verdadeiramente os seus
principais alvos.
Enfim, após todas as considerações aqui feitas, conclui-se que o argumento
da inclusão social não é suficiente para a permissibilidade de um tratamento
desigual entre candidatos negros e brancos a uma universidade pública brasileira.
Falta-lhe plausibilidade, já que discriminar pessoas igualmente capazes de competir
por uma vaga em um curso superior(vide exemplo dos dois jovens pobres acima
dado), em nome de uma suposta justiça social, que a experiência demonstra que
não promovem, outro coisa não é senão arbítrio.Esse quadro é ainda mais grave
quando as cotas raciais beneficiam indiscriminadamente negros ricos e pobres.
Nesse caso, como se demonstrou, a arbitrariedade do tratamento desigual é ainda
mais evidente.
Além disso, não é possível, através desse argumento, aferir qualquer
correlação lógica entre o tratamento desigual dispensado e o critério da raça. Afinal,
quando se compara, no Brasil, a situação de um negro e um branco pobres e iguais
sob os demais aspectos sócio econômicos, não é possível identificar entre eles
quaisquer diferenças substanciais de acesso à educação e de chances de se chegar
a uma universidade pública que pudessem ser atribuídas à diferença de cor, como
demonstra o já citado trabalho do estatístico Elmo Iório.
6 Direito Comparado
6.1 Sri Lanka
O Sri Lanka atingiu sua independência em 1948 deixando de ser uma colônia
Inglesa,sua população é formada pelos cingaleses e tâmeis.
60
O Sri Lanka iniciou uma guerra Civil depois da promulgação de sua primeira
Constituição.Para que os tâmeis pudessem conseguir sua total independência dos
cingaleses estes formaram um regime separatista.
Para apaziguar os conflitos a Constituição do Sri Lanka foi reformada para
eliminar os preceitos que garantiam direitos as minorias. Em 1972 foi instituído o
sistema distrital de cotas podendo permitir oportunidades de ingresso nas
universidades aos tâmeis
Porem as consequências da guerra civil foram agravadas pelo novo sistema
que inflamou as rixas entre cingaleses e tâmeis.O caso do Sri Lanka é uma boa
prova de que as cotas podem transformar paz em sangue.
6.2 Malásia
Na Malásia as cotas beneficiam os malaios, também chamados de filhos da
terra, desde 1968, localizada no sudeste do continente asiático. Segundo Jose Jorge
afirma que “Na Malásia os malaios não tinha praticamente acesso ao ensino
superior e ao serviço publico”.
Com objetivo de reestruturar a sociedade e erradicar a pobreza da população
excluída, foi em 1969 que criaram a denominada nova política econômica, a qual
adotaram as cotas para admissão nas instituições educacionais, nos empréstimos
bancários, nos cargos do governo, nos negócios comerciais, etc., devido ao fato dos
nativos e das tribos que sempre permaneceram em desvantagem econômicas em
relação às demais parcelas da população.
Somente partir dos anos 70 que foram introduzidos as cotas raciais.
6.3 Índia
Para beneficiar os Dalits e outras pequenas tribos em 1950 surgiu o sistema
de cotas.Os Dalits são considerados intocáveis ou impuros por não descenderem do
Deus Brahma (divindade máxima do hinduísmo)e pertencerem a uma casta que
representavam 24% da população do pais. Os intocáveis receberam o benefício
61
como reparação da discriminação da qual eram vítimas por parte daqueles que
pertenciam a uma Casta.
As cotas atribuídas aos intocáveis e as tribos foram adotadas pela
Constituição Federal da Índia (promulgada em 26 de janeiro de 1950) e concedendolhes, até os dias atuais, de 7,5% a 15% dos cargos na administração, nas
assembleias parlamentares e na educação; tais medidas se aplicam a três grupos:
as castas classificadas, as tribos classificadas e as classes atrasadas, uma vez que
os regimes coloniais excluíram esses grupos da estrutura do poder, fato que
acarretou uma grande pobreza entre seus membros.Entretanto, a repercussão das
ações não apresentou os resultados almejados, uma vez que o critério da auto
declaração
adotado,
deixa
margem
para
incorreções.
Ademais
há
uma
desproporcionalidade entre o número de beneficiários e a quantidade de recursos
disponibilizados pelo governo.
Atualmente a Índia anunciou que vai enviar para o Parlamento do país um
projeto de lei que dobra o número de vagas para minorias no sistema de cotas para
universidades federais. Segundo o projeto, quase metade das vagas nas faculdades
profissionalizantes públicas serão destinadas as castas mais baixas e a classes
chamadas de ―tradicionalmente desfavorecidas‖ deveriam vigorar apenas pelo
período de 10 anos, tempo considerado suficiente para haver o equilíbrio das
oportunidades para todos independentes de Casta ou tribos.
Após quase 60 anos de implantação do sistema, as cotas ainda estão em
vigor na Índia, graças a algumas brechas encontradas na legislação indiana, sendo
que mais de 52% da população é beneficiada por algum tipo de cota e 63% dos
Dalits continuam analfabetos.
Conforme o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU/20047 revela que
a Índia apresenta uma das mais longas histórias de persecução de ações
afirmativas.
6.4 África do Sul
Desde o século XIX, a África do Sul era governada por uma minoria branca
inglesa, os quais promoveram a independência política do país, rompendo com a
submissão à Inglaterra. Entretanto, o colonialismo interno permaneceu, sendo que
propuseram um regime de segregação racial denominado apartheid.
62
Atualmente o país conseguiu produzir uma classe média negra com as cotas, mas a
maioria dos negros permaneceu pobre e os brancos começaram a ser discriminados
no mercado de trabalho e se tornaram pobres também.
6.5 Outros países
Hoje cotas são usadas, por países como África do Sul, devido à antiga Apartheid e á
Índia devido ao sistema de castas e o Canadá, devido á questão d’Quebec, na
Austrália, para beneficiar os aborígenes, na Nova Zelândia e na Colômbia que
adoram as cotas para negros e índios nas universidades.
Alguns países anglo-saxões deixam a critério do município as políticas de
cotas, para que haja sensibilidade ás condições locais.
Outros países como Peru, Bolívia e Equador estão discutindo neste momento
o ensino superior indígena, o assunto é bastante polêmico e nada indica que um dia
deixará de ser. O Brasil tem atualmente a segunda maior população negra do
mundo (atrás apenas da Nigéria) e é inegável que o País tem uma divida histórica
com negros e indígenas. Por outro lado as cotas raciais já prejudicaram varias
pessoas que perderam vagas ou empregos para concorrentes com menor
pontuação ou qualificação.
7 Conclusão
Analisando o desempenho do grupo verifica-se que as politicas de cotas para
o acesso de afrodescendentes para as universidades, servem de medidas paliativas
para minorizar o abismo social e educacional. A primeira conclusão é que a
educação superior constitui um direito humano fundamentada pela Constituição
Federal, bem como está pautado na dignidade da pessoa humana.
63
A fim de efetivar este direito humano fundamental às minorias que não
o alcançam, o poder público, utilizando-se de políticas públicas, lança mão de ações
afirmativas.
No Brasil esse assuntou tomou proporção relevante para a sociedade já que
cotas
para
afrodescendentes
nas
universidades
deixou
claro
o
caráter
preconceituoso sucumbido pelos demais.
Uma vez que o preconceito se processa no imaginário coletivo, a prática
discriminatória é dirigida a quem parece pertencer à determinada raça/etnia, o
método de definição étnico-racial mais adequado para o sistema de cotas raciais é,
a cor da pele. Por fim, como o direito à educação superior constitui um direito social,
ele está intimamente ligado à igualdade. Portanto, o critério étnico-racial é adotado
por estes institutos para que as minorias étnicas gozem dos mesmos direitos e
benefícios sociais que os indivíduos das etnias majoritárias, diminuindo-lhes
efetivamente as desigualdades materiais.
Para que não ofenda o princípio da igualdade, o sistema de cotas raciais e
demais ações afirmativas devem respeitar determinados requisitos e pressupostos,
dentre eles, a imprescindibilidade e a temporariedade.
Tendo o grupo uma visão coletiva essas cotas raciais e sociais são uma
fachada do governo para esconder a sua falta de interesse em acabar com as
desigualdades já existentes na sociedade, e uma melhora educacional na base
fundamental a onde não se tem a preocupação com a cor da pele ou se aquele
bolso tem dinheiro.
8 Referência
BRASIL, Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana. Brasília: SECAD; SEPPIR, jun. 2009.
64
BRITO, QUEZIA MARINHO DE OLIVEIRA - B862 Diversidade étnico-racial no
ensino fundamental : um estudo de caso no Colégio Municipal Honorino Coutinho /
Quezia Marinho de Oliveira Brito, 2009. 135f. p.8
CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro,
2000.
GÓES, JOSÉ ROBERTO PINTO, Cf. Histórias mal contadas, p. 59-60
LUNA, F. V. E KLEIN, H, Cf. Evolução da Sociedade e Economia Escravagista de
São Paulo, de 1750 a 1850, p. 201-202.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
GOMES, JOAQUIM B. BARBOSA. Ação afirmativa & princípio constitucional da
igualdade. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001.
GOMES, NILMA LINO. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre
relações raciais no Brasil: uma breve discussão. Educação antirracista: caminhos
abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: MEC/SECAD, 2005. p. 39-62.
GOMES, JOAQUIM B. BARBOSA. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da
Igualdade. O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos
EUA. Renovar, Rio de Janeiro/São Paulo, 2001, p. 41.
Regents of the University of California v. Bakke (1978).
JENSEN, GEZIELA - Politicas de cotas raciais em universidades brasileiras, Entre a
legitimidade e a eficácia - Editora Jurua ano 2010
SOUZA NETO, CLÁUDIO PEREIRA DE; FERES JÚNIOR, João, Ação Afirmativa:
Normatividade e Constitucionalidade, p.346, 348.
SOWELL, Affirmative Action Around the World: an empirical study, p. 117-120.
www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&d
ocumento=2137074&hash=c3a21353e72f8c71a7c2e4e45707acc5 –
Acesso em:
25/10/2012
http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-p/cotas_estimulam_discriminacao_reversa.htm –
Acesso em 25/10/2012
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm – Acesso em 26/10/2012
65
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11096.htm – Acesso em
26/10/2012.
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3188&bd=1&pg=1&lg
–
Acesso
em
07/11/2012
http://blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/cotas-raciais-contra-e-afavor/?doing_wp_cron=1352586574 – acesso em 10/11/2012
http://blogbr.ecglobal.com/pesquisas/o-que-os-brasileiros-pensam-sobre-cotasraciais-nas-universidades-publicas/ – acesso em 10/11/2012
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2012/05/507475.shtml
–
Acesso
em
14/11/12
ANEXO
ANEXO A - Cotas estimulam discriminação reversa, diz procuradora
Roberta Kaufman*, cota impõe ônus para parcela da população que
66
não é culpada e afronta a Constituição com reserva de vagas
Procuradora de Justiça no Distrito Federal, Roberta diz que o modelo em discussão
não resolve o problema, é inconstitucional e pode deflagrar no país uma
―discriminação reversa‖.
―A adoção de cotas estimula uma discriminação reversa, em que um grupo de
pessoas, no caso, os estudantes que tentam ingressar nas universidades públicas,
sofre o ônus. Vivemos em uma sociedade onde o preconceito não é escancarado.
As pessoas que são racistas têm vergonha de dizer que o são. Conseguimos
superar a escravidão sem ter uma sociedade com ódio racial. Implementar raça
como fator de segregação pode acabar com esse frágil equilíbrio‖, considera.
Segundo ela, a adoção do sistema de cotas sob a perspectiva de reparação histórica
é um equívoco. ―Por que os brancos pobres de hoje devem pagar pela escravidão
que foi aplicada no Brasil?‖ Como alternativa, ela sugere a distribuição de bolsas de
estudos em cursinhos pré-vestibulares ou em faculdades para os estudantes mais
pobres.
Para a procuradora, falta um recorte social ao projeto de lei que estabelece a adoção
de cotas nas universidades. ―Essas cotas favorecem que negros ricos entrem na
universidade.‖
Veja a íntegra da entrevista concedida por Roberta Fragoso Kaufman ao Congresso
em Foco:
Congresso em Foco – O percentual de 50% das vagas nas universidades
reservadas no PL 73/1993 para alunos da rede pública de ensino é justo?
Roberta Fragoso Kaufman – Não. O modelo de cotas brasileiro é uma cópia do
modelo norte-americano. Nem nos Estados Unidos, país onde todo esse debate de
cotas raciais surgiu, as leis de reserva de vagas foram estendidas à educação.
Estamos importando um modelo para uma questão que jamais foi aplicada. E o
67
Brasil faz cópias sem as alterações necessárias. A reserva de vagas em seleções
públicas
é
inconstitucional,
pois
fere
os
princípios
da
igualdade
e
da
proporcionalidade.
Em sua opinião, que malefícios as cotas trazem para a sociedade?
A adoção de cotas estimula uma discriminação reversa, em que um grupo de
pessoas, no caso, os estudantes que tentam ingressar nas universidades públicas,
sofre o ônus. Vivemos em uma sociedade onde o preconceito não é escancarado.
As pessoas que são racistas têm vergonha de dizer que o são. Conseguimos
superar a escravidão sem ter uma sociedade com ódio racial. Implementar raça
como fator de segregação pode acabar com esse frágil equilíbrio.
Mas a cota não seria uma possível solução para resolver a histórica dívida
social e racial que o Brasil tem com os negros e indígenas?
A idéia básica das ações afirmativas não é buscar a reparação histórica. O principio
elementar da responsabilidade civil diz que só pode pagar pelo dano quem cometeu
o dano. Essa questão de dizer que vamos impor cotas porque é uma reparação
histórica é falsa. Por que os brancos pobres de hoje devem pagar pela escravidão
que foi aplicada no Brasil? O argumento da política compensatória agride a
responsabilidade civil. Como alguém que é contra a escravidão deve pagar por isso?
Pode-se até fazer ações afirmativas, mas não por cotas. Elas impõem o ônus para
parcela da população que não é culpada.
Mas, com mais remanescentes de escolas públicas nas universidades, o
quadro de exclusão social e racial não mudaria?
A política afirmativa de cotas no Brasil é muito simbólica. É feita para passar a
imagem de que o Poder Legislativo está preocupado com a questão. Mas essa
política não resolve o problema. Ela é uma política a custo zero, não há aumento de
vagas nas instituições públicas de ensino superior ou oferta de bolsas de estudo.
O ingresso de estudantes cotistas pode diminuir o nível acadêmico das
universidades?
O problema não é esse. O nível acadêmico termina se equivalendo, pois os
68
professores acabam exigindo, e os alunos têm que correr atrás. O problema não é a
universidade
ter
que
lidar
com
alunos
sem
base.
O
problema
é
a
inconstitucionalidade que se instaura no processo seletivo, no acesso à
universidade. O sistema de cotas é excessivo.
Qual a avaliação da senhora a respeito do critério da autodenominação para
definir a raça?
O fato de ser negro no Brasil é muito amplo, pois somos o país mais miscigenado do
mundo. Nos Estados Unidos, as ações afirmativas para negros conseguem ser
aplicadas porque há a regra de uma gota de sangue. No Brasil, é muito complicada
essa definição. Se fosse pelo critério norte-americano, seríamos 90% de negros.
Ainda assim, a autodenominação é muito falha. Leva a casos como o dos irmãos
gêmeos da Universidade de Brasília em que um foi escolhido para concorrer às
cotas e outro não. Instituir comissões para dizer se a pessoa é afrodescendente é
um retrocesso. Que legitimidade tem comissões como essas? Querer que uma
terceira pessoa diga a que raça eu pertenço é uma política nazista. Isso é um
absurdo num sistema que tenta dar uma identificação objetiva para um critério que
nunca foi objetivo.
Ainda que seja contra as cotas, a senhora acredita que se deve adotar o
critério de limite de renda em um sistema de reserva de vagas para escolas
públicas?
No Brasil, a idéia de raça e classe social tem que ser relacionada. Dar preferência a
negros de classe média em detrimento do branco pobre não justifica. Esses projetos
de lei de cotas não estipulam o recorte social, não especificam a renda. As escolas
militares, por exemplo, são escolas públicas. Tem muita gente rica que estuda em
colégio militar. Em Recife, Pernambuco, há vários colégios de aplicação, que são
escolas federais públicas, que funcionam dentro das universidades. Esses colégios
são excelentes. Aí lhe pergunto: o fato de ser 50% das vagas para alunos de escolas
públicas reflete o recorte social do país? Não. Essas cotas favorecem que negros
ricos entrem na universidade. Além disse, deve-se considerar que cursos como
Matemática, Música e Letras têm presença maciça de estudantes afrodescendentes.
Já cursos de Medicina e Odontologia há uma menor participação de negros, pois os
69
materiais para seguir o curso são caríssimos.
Em vez de criar cotas, o governo não deveria melhorar o ensino público?
Sem dúvida. Se quisessem mesmo resolver o problema, fariam investimentos
maciços na educação de base. Ou, até mesmo, ofereceriam bolsas atreladas a
políticas de auxílio para quem precisa.
Que outras ações afirmativas deveriam ser adotadas?
Políticas afirmativas de bolsas de estudos em cursinhos pré-vestibulares, ou bolsas
para permanência na universidade. Quando se faz uma ação afirmativa genérica,
diminui-se o ônus para um grupo específico.
* Renata Camargo – Autora do livro ―Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou
mito?‖, Roberta Fragoso Kaufman é uma crítica do sistema de cotas e signatária da
Carta dos 113, abaixo-assinado encabeçado por “anti-racistas contra as leis raciais”,
entregue aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No livro, ela faz um
estudo comparativo entre as políticas de cotas no Brasil e nos Estados Unidos.
ANEXO B - O que as cotas podem dar ao Brasil
Questionamentos à procuradora Roberta Fragoso Kaufman
Ao ler a entrevista da procuradora Roberta Fragoso Kaufman ao Congresso em
Foco, confesso ter sentido certo choque. Esse choque se deveu a alguns
pressupostos bastante agudos em seu pensamento e que, por assim dizer,
encontram-se submersos mas próximos à superfície, como os corais de Abrolhos.
Quem está habituado a navegar sobre a sinuosidade dos textos, talvez não tenha
como não alarmar-se com os riscos encobertos em suas palavras. Todo
pensamento, como insistia o filósofo Martin Heidegger, possui um certo impensado
sobre o qual se sustenta. Da minha parte, creio que alguns pensamentos são
translúcidos como córregos em que se pode ver nitidamente o fundo, outros exigem
que nos mantenhamos o mais alerta possível se não quisermos naufragar neles.
Decida o leitor, a que tipo pertencem os argumentos apresentados pela procuradora
em sua entrevista.
70
A palavra alemã para o verbo julgar é urteilen. Esta significa uma divisão originária,
pela qual se reparte e distingue entre o justo e o injusto. O que a história brasileira
apresenta hoje é a possibilidade de separar o joio do trigo. Ninguém se incomodava
com os negros quando eles eram culpados do atraso brasileiro. Ninguém via
problema quando se praticava o racismo dissimulado, aquele que não dá uma vaga
ou um cargo ao negro não porque ele seja negro, longe disso, mas porque não é
qualificado; aquele que o fazia vítima da violência policial não porque era negro, isso
nunca, mas porque parecia bandido. A procuradora Kaufman não se apercebe que,
em referendando o racismo dissimulado, é a essas práticas que ela se mostra
favorável:
"A adoção de cotas estimula uma discriminação reversa, em que um grupo de
pessoas, no caso, os estudantes que tentam ingressar nas universidades públicas,
sofre o ônus. Vivemos em uma sociedade onde o preconceito não é escancarado.
As pessoas que são racistas têm vergonha de dizer que o são. Conseguimos
superar a escravidão sem ter uma sociedade com ódio racial. Implementar raça
como fator de segregação pode acabar com esse frágil equilíbrio."
Roberta Kaufman acredita que se as pessoas têm vergonha de dizer que são
racistas, isso não é pior, mas sim melhor. Ora, se for assim, temos que admitir que
se fazem a exclusão sem dizer que estão excluindo; se maltratam sem dizer por que
estão maltratando; se punem sem dizer por que estão punindo, então está tudo
muito bem. O que não pode haver é ódio racial explícito. Se o preconceito existe,
mas não é escancarado, muito bem. Ótimo. Não é preciso vergonha de praticar o
racismo, mas sim vergonha de demonstrar racismo. Ou seja, em última instância, é
necessário que as vítimas do nosso racismo continuem sem saber que elas são
vítimas e que nós somos racistas. É preciso, como ela diz, sustentar essa situação
de "frágil equilíbrio".
Mas, vamos perguntar, por que esse equilíbrio é frágil assim? Seria porque milhões
de negros e mestiços são mantidos na condição de neoescravos? Seria porque
vivem em péssimas condições de educação, saúde, moradia, segurança,
alimentação, etc.? Seria porque, em vivendo assim, a qualquer momento, podem se
der conta da situação abjeta e nos brindarem com uma revolta de vastas
proporções?
71
O sistema de cotas seria inconstitucional? Argumentar contra as cotas com a
Constituição na mão é fácil, mas sabemos todos que a partir da Constituição é
possível argumentar na direção contrária, apontando os diversos direitos que não
são implementados, e cujos efeitos são mais danosos sobre os negros e mestiços,
por serem os mais destituídos em um país de 90% de destituídos. E aí se inclui a
educação básica de qualidade. Então, para ser coerente, é preciso que a
procuradora argumente que o Brasil, a sociedade brasileira, é um sistema
inconstitucional. Um país excessivo. Em sendo assim, porém, a exceção das cotas
pertence à regra, e, portanto, à nossa constituição.
Mas, para piorar ainda mais as coisas, a procuradora Roberta Kaufman cria um vilão
oportunista e aproveitador, o negro rico. Ela não se pergunta se ele existe ou pode
existir, ou seja, se para além dos delírios verbais, a situação sócio-econômica
brasileira criou verdadeiramente uma camada social que possa ser designada como
a dos negros ricos. Não se pergunta também se, em existindo, este grupo social
seria imoral ao ponto de se aproveitar das cotas. Ao invés de refletir sobre isso, ela
já nos convida a pensar que esta camada existe, e que está a espreita pronta para
se apropriar delas — ―Essas cotas favorecem que negros ricos entrem na
universidade‖. Veja-se por aí o absurdo a que está disposta a procuradora em sua
argumentação: as cotas se destinavam a amenizar precariamente a situação de
marginalidade dos negros que vivem na miséria, mas, como descobriu a
procuradora, servirá apenas para um grupo de malandros aproveitadores, os negros
ricos, se dar bem.
Mas ainda há algo pior. Este algo é a matriz de todo esse raciocínio da procuradora:
que os negros, mesmo ricos, não têm capacidade para entrar na universidade
pública por mérito próprio e, por isso, vão se aproveitar das Cotas. Isso, para o bom
entendedor, é dito em alto e bom som. E é fácil entender. Se existem negros ricos,
ou melhor, se existissem, por que não fariam estudos prévios sólidos capazes de
garantirem o acesso seguro à Universidade Pública? Por que precisariam
sorrateiramente valer-se da brecha das Cotas para entrarem na Universidade
Pública?
Assim, a procuradora cria uma categoria imaginária de negros que: 1) tem dinheiro
mas não quer gastá-lo com estudo; 2) tem chance de estudar mas não o faz (Por
72
preguiça? Por incapacidade para aprender? Por acomodação? Por imoralidade
congênita?); 3) não se vexa de, mesmo sabendo que as cotas se destinam aos
destituídos, se aproveitar da oportunidade de usufruir delituosamente delas; 4)
sequer possui qualquer solidariedade com os outros negros, sendo capazes de
tomar deles o que seria um direito.
Não é difícil tirar essas conclusões. Elas não revelam nada de sofisticado e sutil. Ao
contrário, o que desvelamos aqui são (pré)conceitos bastante toscos. Contudo, as
viseiras desses mesmos preconceitos impedem a procuradora de percebê-los.
Encabrestada pelos seus preconceitos, que pululam à tona do seu discurso, a
procuradora não realiza os passos prévios de reflexão e consideração intelectual da
matéria que sirvam para, com antecedência crítica, separar os argumentos dos
preconceitos. Por isso, não posso chamar o procedimento dela senão de cegueira,
uma cegueira que tem sido a tônica da argumentação da classe média no Brasil
contra as cotas. É ao ler argumentos como esses, cujo fundo é formado apenas pelo
lodo dos preconceitos, que concluo que mesmo com falhas a política de Cotas será,
no Brasil, mais frutífera que as soluções aparentemente mais inclusivas ou
democráticas dos que são contra elas. Aliás, já está sendo, nos fazendo ver como
pseudos argumentos se montam exclusivamente a partir de preconceitos raciais.
São esses os pressupostos ocultos em seu discurso, quando afirma que ―Essas
cotas favorecem
que
negros
ricos entrem
na universidade‖.
São
essas
conseqüências que formam o seu impensado, estando em seu centro este
personagem, espécie de vilão de novela, inventado para o uso ad hoc. De onde
provêm tudo isso? De algo muito nosso: do arquétipo constituído na sociedade
brasileira segundo o qual cada um deve estar no seu lugar. Cada macaco no seu
galho. O branco deve ficar na sua e se dar o respeito porque algo muito feio é o
―branco no samba‖; negros e mestiços devem respeitar seu lugar, aqueles das
pinturas de Portinari (e também das de Tarsila), corpo enorme e cabeça atrofiada,
porque se não fazem isso caem nas categorias do ―mulato pernóstico‖, do ―mulato
sabido‖ ou ―mulato frajola‖.
Do ponto de vista da lógica social, a idéia é que quando um inferior cobiça a posição
superior ele se torna mais inferior do que quando aceita sua inferioridade como
natural. A fantasia argumentativa de um grupo perverso de ―negros ricos‖ não diz
73
outra coisa. Quem, com a seriedade necessária, se detiver a refletir sobre os
impasses da sociedade brasileira, seu horror crônico à mudança, verá que esta
lógica — que incrimina aqueles que querem elevar-se na escala social — é a trava
que imobiliza uma sociedade muito armada contra a ascensão social. Ao desmontála, estaremos liberando energia para um possível devir histórico para além das
ignomínias atuais. É isso que querem os defensores das Cotas.
Ao fim, na verdade, a procuradora acaba mostrando, para quem tem olhos para ver,
um racismo que não é um ―racismo ao contrário‖, nem um ―racismo reverso‖, mas
um que sai da clandestinidade para mostrar um furor da imaginação que,
começando por ser contra as cotas, vai além, contra negros imaginários e imorais,
inventando por conta própria uma camada social completa que ninguém encontrará
empiricamente, nem o cientista social mais talentoso. Creio que a procuradora
Roberta Kaufman, ao fazer isso, contribui com pinceladas próprias para delinear um
retrato do negro carregado nas tintas do preconceito. A suposição implícita em suas
afirmações de que negros com dinheiro se aproveitariam das cotas é ofensiva e,
creio, deve ser objeto de um pedido de desculpas formal, claro e inequívoco aos
afrodescendentes.
Geralmente no Brasil quando somos surpreendidos no que ocultamos reagimos
como ofendidos, como se não os nossos argumentos mas a nossa honra tivesse
sido refutada. Assim, ao invés de estudar com atenção os que nos censuram e evitar
repetir os mesmos despautérios, tendemos a vir com quatro pedras nas mãos. É o
espírito do bate-boca ou da polêmica vazia que conhecemos muito bem. Estou
seguro de que, até por dever de ofício, não será essa a reação da procuradora.
A procuradora crê que os brancos pobres não podem pagar pelos efeitos da
escravidão porque não são culpados. De fato. A quem ocorreria pensar diferente?
Num país em que, como mostrou o IPEA há poucos dias, 10% da população
concentram 75% da renda, seria ignóbil pensar de outro jeito. Os brancos pobres
não podem pagar porque, afinal, eles são também vítimas. Contudo, encarando o
assunto com a seriedade que ele merece, faria sentido procurar por culpados,
apontá-los com o dedo e responsabilizá-los pela situação dos negros hoje?
Certamente que não. Supor que os defensores das cotas estão caçando culpados
para jogar sobre os ombros deles o ônus de séculos de infâmia, é absurdo. Contudo,
74
fica fácil levantar argumentos quando se enfrentam não os adversários reais mas as
caricaturas desses adversários. E me parece que, em cada um de seus argumentos,
a procuradora nada mais faz que rabiscar algumas mal-traçadas caricaturas, como o
nosso recém-comentado ―negro rico‖.
Em relação a um dos critérios de inclusão nas cotas, ela afirma: ―Que legitimidade
tem comissões como essas? Querer que uma terceira pessoa diga a que raça eu
pertenço é uma política nazista. Isso é um absurdo num sistema que tenta dar uma
identificação objetiva para um critério que nunca foi objetivo.‖ A acusação de nazista
mostra uma disposição da parte dela de raciocinar pelo paradoxo, afinal, os
defensores das cotas, que pretendem estar ao lado de um grupo inferiorizado
durante séculos, terminariam irmanando-se com os nazistas, para os quais a única
raça legítima era a ariana. Ao fazer essa aproximação violenta, se pode dizer que a
procuradora raciocina não apenas pelo paradoxo, mas também pelo paroxismo, visto
que ninguém foi mais extremadamente racista que os promotores do holocausto.
Muito bem.
Faz sentido essa identificação? Para revelar seu absurdo não temos mais que
refletir. Em primeiro lugar, é preciso considerar que toda ideologia nazista tinha por
fundo a distinção hierárquica bestial entre uma suposta raça superior e o que
entendiam por raças inferiores. Fazer essa acusação aos defensores das cotas,
seria um crime. O que pretendem é, muito pelo contrário, abrir caminhos de
promoção àqueles que, durante séculos, foram alijados pelos que os julgavam
inferiores. E aqui chegamos a um segundo ponto: quando os nazistas distinguiam
entre arianos, por um lado, e eslavos, judeus, ou ciganos, por outro, não era para
abrir espaços a estes últimos, e insistir na sua libertação social, mas sim para
encaminhá-los às câmaras de gás e aos fornos crematórios. Portanto, não só é
paradoxal e paroxista o argumento levantado pela procuradora mas é ainda,
sobretudo, disparatado. Ou, dito de outro modo, é leviano, uma vez que afirmar que
são nazistas os que atuam no sentido de combater as distinções de raça e classe é
agredir os conceitos e desrespeitar as distinções elementares das coisas.
Penso que, de modo geral, a questão das cotas sofre em suas mãos um
estreitamento que a desfigura, uma vez que o que ela entende por ―reparação
histórica‖ é algo como uma compensação mecânica. Como se se tratasse apenas de
75
tirar de uns para dar para outros. De, por exemplo, puxar o minúsculo e puído
cobertor dos brancos pobres para cobrir os negros, inclusive os ―negros ricos‖. Ela
estreita o raciocínio para uma ação de ressarcimento de danos, que perde de vista
totalmente a História. Esquece que não estamos num balcão da defensoria do
consumidor, nem num juizado de pequenas causas. Estamos no palco de um
julgamento muito mais complexo, e que, portanto, apresenta um arco bem mais
vasto e exige uma penetração muito particular. É ele que nos obriga a concluir que
cortar o nó górdio que imobiliza os negros na herança escravista é pôr em
movimento a roda da História no Brasil. Ninguém se iluda: a história não começou
no Brasil quando os prédios substituíram as casas-grandes. Nem, muito menos,
quando as favelas tomaram o lugar das senzalas. Esse é o ponto. E é em relação a
ele que o país inteiro tem a ganhar com as cotas.
* Bajonas Teixeira de Brito Junior é doutor em Filosofia, autor do ensaio, traduzido
pelo filósofo francês Michael Soubbotnik, Aspects historiques et logiques de la
classification raciale au Brésil (Cf. na Internet), e do livro Lógica do disparate.
ANEXO C - Após decisão do STF, Folha critica cotas raciais
247 - Após a decisão unânime (10 votos a zero) de que o sistema de cotas raciais
para o ingresso em universidades não viola a Constituição, manifestada pelo
Supremo Tribunal Federal na quinta-feira 26, o jornal Folha de S.Paulo publicou
editorial, nesta sexta-feira, para criticar a ação afirmativa de cunho racial como
método de ingresso para seleção de estudantes. "A decisão será saudada como um
avanço, mas nem por isso terá sido menos equivocada", diz a Folha no texto, que
segue abaixo:
Cotas raciais, um erro:
O Supremo Tribunal Federal declarou as políticas de cotas raciais em universidades
federais compatíveis com a Constituição. A decisão será saudada como um avanço,
mas nem por isso terá sido menos equivocada.
Ninguém duvida que a escravidão foi uma catástrofe social cujos efeitos perniciosos
76
ainda se propagam mais de um século após a Abolição. Descendentes de cativos de origem africana ou nativa, pois também houve escravização de índios- sofrem, na
maioria dos casos, uma desvantagem competitiva impingida desde o nascimento.
As políticas adotadas por universidades que reservam cotas ou garantem pontuação
extra a candidatos originários daquela ascendência procuram reparar essa
iniquidade histórica. A decisão do STF dará ensejo à disseminação de tais medidas
em outras instâncias (acesso a empregos públicos, por exemplo), o que ressalta a
relevância do julgamento.
São políticas corretivas que podem fazer sentido em países onde não houve
miscigenação e as etnias se mantêm segregadas, preservando sua identidade
aparente. Não é o caso do Brasil, cuja característica nacional foi a miscigenação
maciça, seguramente a maior do planeta. Aqui é duvidosa, quando não impraticável,
qualquer tentativa de estabelecer padrões de "pureza" racial.
Não se trata de negar a violência do processo demográfico ou o dissimulado racismo
à brasileira que dele resultou, mas de ter em mente que a ampla gradação nas
tonalidades de pele manteve esse sentimento destrutivo atrofiado, incapaz de se
articular de forma ideológica ou política. Com a mentalidade das cotas raciais,
importa-se dos Estados Unidos uma obsessão racial que nunca foi nossa.
No Brasil, a disparidade étnica se dissolve numa disparidade maior, que é social uma sobreposta à outra. A serem adotadas políticas compensatórias, o que parece
legítimo, deveriam pautar-se por um critério objetivo -alunos de escolas públicas, por
exemplo- em vez de depender do arbítrio de tribunais raciais cuja instalação tem
algo de sinistro.
A Constituição estipula que todos são iguais perante a lei. É um princípio abstrato;
inúmeras exceções são admitidas se forem válidos os critérios para abri-las. A
ninguém ocorreria impugnar, em nome daquele preceito constitucional, a dispensa
de pagar Imposto de Renda para os que detêm poucos recursos.
O cerne da questão, portanto, consiste em definir se há justiça em tratar
desigualmente as pessoas por causa do tom da pele ou se seria mais justo, no
empenho de corrigir a mesma injustiça, tratá-las desigualmente em decorrência do
77
conjunto de condições sociais que limitaram suas possibilidades de vida.
ANEXO D - Brasil e Estados Unidos compartilham experiências pela
Promoção da Igualdade Racial
Quinta e sexta-feira (1° e 02 de setembro), atividade reunirá representantes
governamentais, da sociedade civil, ativistas e especialistas dos dois países, em
Brasília, Distrito Federal, Brasil.
O Seminário integra o Japer - Plano de Ação Conjunto entre o Governo Brasileiro e o
Governo dos Estados Unidos da América para a Eliminação da Discriminação
Étnico-Racial e a Promoção da Igualdade. Através do Japer, Brasil e Estados Unidos
buscam a colaboração contínua pela eliminação do racismo e a promoção da
igualdade racial. A cooperação é coordenada em parceria pela Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o Ministério das Relações
Exteriores (MRE) e o Departamento de Estado dos Estados Unidos.
O objetivo do seminário Compartilhando Experiências pela Promoção da Igualdade
Racial no Brasil e nos Estados Unidos é proporcionar aos participantes a
oportunidade de análise dos desafios e estratégias para o enfrentamento do racismo
incidente sobre a parcela negra de suas respectivas populações.
Segundo Luís Barcelos, as discussões buscarão identificar a realidade brasileira e
estadunidense na perspectiva de assegurar os direitos da população negra,
particularmente, nas áreas de educação, saúde, acesso à justiça e segurança
pública, além de justiça ambiental. Barcelos é gerente de Projetos da Secretaria de
Ações Afirmativas da Seppir.
ANEXO E-O que os brasileiros pensam sobre as cotas raciais
Foi realizada uma pesquisa online com 1990 brasileiros, maiores de 18 anos, de
todo o país. O objetivo era descobrir o que os brasileiros pensam sobre o sistema de
78
cotas que vigora nas universidades públicas.Pouco mais que 57% dos entrevistados
afirmaram já conhecer a lei. Perguntamos se eles aprovavam a medida, 26%
aprovam completamente, 30% são totalmente contra e 37% acreditam que a medida
poderia melhorar.
Gráfico 4 – Melhorias na Lei
Fonte:Marilia Cotrim,2012
Dentro dos 37% que acreditam que a medida poderia melhorar, a maioria defende
as cotas sociais onde o que se deve levar em conta é a classe social do candidato.O
número de pessoas que acredita que a quantidade de vagas destinadas aos cotistas
deveria aumentar também é alto, 29%.
Gráfico 5 - Por que não concordam com a lei?
79
Fonte-Marilia Cotrim,2012
Dos 30% que são contra a medida, mais da metade afirma não concordar que os
direitos sejam decididos pela cor da pele.
Ao final da pesquisa, perguntamos aos entrevistados se eles acreditam que no Brasil
ainda existe preconceito racial.Quase 83% acreditam que sim, o preconceito ainda
existe.
80
Download

COTAS RACIAIS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO