Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO ETEC “JORGE STREET” COTAS RACIAIS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO São Caetano do Sul 2012 ANDRESSA TEIXEIRA N°.04 CAMILA BELO N°.05 GIOVANNI SANCHES N°.10 GRAZIELE ARAÚJO N°.12 IRANEIDE JARDIM N°.13 PRISCILA MONTEIRO N°.19 COTAS RACIAIS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO Orientador: Prof ªPaula Roberta Meloni Trubiani Trabalho apresentado a ETEC Jorge Street – Extensão Maria Trugilo Torlone , como parte dos requisitos necessários para conclusão da disciplina Trabalho de Conclusão do Curso do curso Técnico Jurídico. São Caetano Do Sul 2012 ANDRESSA TEIXEIRA CAMILA BELO GIOVANNI SANCHES GRAZIELE ARAÚJO IRANEIDE JARDIM PRISCILA MONTEIRO Cotas Raciais no ensino superior brasileiro. Trabalho de Conclusão de Curso – ETEC Jorge Street Comissão julgadora __________________________________ Professor Orientador _________________________________ Examinador (1) _____________________________________ Examinador (2) _____________________________________ Examinador (3) _____________________________________ Examinador (4) São Caetano Do Sul Data de aprovação AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar temos que agradecer a Deus, por ter nos dado força de vontade,paciência e inteligência para a conclusão desse trabalho. Gostaríamos de agradecer aos professores Waldir Magalhães,Alber Sena e Laura Sanches pelo apoio,as criticas e orientação durante a produção deste trabalho. Também não poderíamos deixar de agradecer nossos familiares, que nos apoiaram e compreenderam nossa angústia. “Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele”. Martin Luther King RESUMO As cotas raciais são atos classificados como ações afirmativas, que tendem amenizar desigualdades tanto econômicas quanto sociais. Foi utilizada primeiramente na década de 60 nos Estados Unidos da América, para tentar-se diminuir as desigualdades entre brancos e negros. No Brasil, o tema vem alcançando uma visibilidade maior na medida em que universidades adotam esse sistema de cotas e alunos questionam sua validade. Mas tem que se levar em conta que o país possui uma dívida histórica com a população negra, mas estas também já prejudicaram muitas pessoas que perderam vagas em universidades para concorrentes com uma classificação inferior. Esse sistema no estado do Rio de Janeiro é garantido pela lei 3.708 de 9 de novembro de 2001, proporcionando em até 40% das vagas para negros e pardos, gerando polêmica, pois o artigo 5° da Constituição Federal, diz que todos somos iguais sem distinção de cor, raça ou gênero, dando a entender que todos possuem os mesmos direitos e as mesmas obrigações perante o Estado. Palavras-chave :cota, negro, direito social, raça, universidade. LISTA DE GRÁFICOS 1. Afrodescendentes no ensino fundamental e médio............................................... 15 2. Quantidade de vagas no curso ............................................................................ 19 3. Divisão de raça e cor no Brasil ............................................................................ 30 4. Melhorias na lei .................................................................................................... 79 5. Porque não concordam com a lei? ..................................................................... 80 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11 2. AÇÃO AFIRMATIVA................................................................................................ 13 2.1 Ação afirmativa enquanto cota racial.................................................................. 15 2.1.1 Qual a razão dessas cotas terem sido aprovadas?................................. 16 2.2 Origem e evolução histórica .............................................................................. 19 2.2.1 Estados Unidos ........................................................................................ 19 2.2.1 Antecedentes ........................................................................................... 20 2.2.2 Programas e ações nos Estados Unidos ................................................. 23 2.2.3 Resultados ............................................................................................... 24 2.3 Brasil................................................................................................................... 26 3 RAÇA,COR,E AS DIVERSIDADES ETNICAS......................................................... 27 3.1 Raça ................................................................................................................. 27 3.1.1. Raça VS Etinia................................................................................. 28 3.2 Cor ..................................................................................................................... 29 3.3 Etnia .................................................................................................................. 30 3.4 Diversidades étnicas ......................................................................................... 32 4 ASPECTOS JURÍDICO............................................................................................ 35 4.1 Aspecto Constitucional das cotas ..................................................................... 4.2 Aspecto Social das cotas .................................................................................. 4.3 Aspectos legais ................................................................................................. 4.4 Legislação Infraconstitucional ........................................................................... 4.5 Jurisprudência ................................................................................................... 35 37 38 40 44 5 AS EFICIÊNCIAS E DEFICIÊNCIAS DAS COTAS RACIAIS ................................. 47 5.1 As cotas raciais na visão dos seus defensores e detratores ............................. 5.1.1 Considerações Finais................................................................................. 5.2 Argumentos prós ................................................................................................ 5.3 Argumentos contra ............................................................................................ 5.4 O argumento da reparação histórica ................................................................. 5.5 O argumento da inclusão social ........................................................................ 47 49 51 52 54 56 6 DIREITO COMPARADO ......................................................................................... 61 6.1 Sri Lanka .......................................................................................................... 6.2 Malásia ............................................................................................................. 6.3 Índia ................................................................................................................. 6.4 África do Sul .................................................................................................... 61 61 62 63 6.5 Outros países .................................................................................................. 63 7 CONCLUSÃO.......................................................................................................... 64 8 REFERÊNCIA......................................................................................................... 65 9 ANEXO ................................................................................................................... 67 10 1 Introdução A pesquisa tem como objetivo estudar a ação afirmativa e o sistema de cotas raciais como mecanismo de acesso às instituições de ensino superior, sob a ótica constitucional. Tendo como objetivo despertar a consciência crítica sobre a questão das cotas raciais no ensino superior brasileiro, sob o ponto de vista jurídico, que vem gerando grande polêmica na sociedade ao afirmar que somos diferentes perante a lei, apenas pela cor da pele, dando a entender que se está infringindo o artigo 5° da Constituição Federal, que diz que todos são iguais sem qualquer motivo de distinção entre as pessoas. Para isso, a pesquisa irá analisar as leis existentes e projetos de lei em tramitação no Legislativo, também com enfoque no Direito Comparado, os artigos, e os princípios da Carta Magna que possuem relevância ao tema. Através de pesquisa em livros, sites de pesquisa e pesquisa de campo esperase levar a sociedade à reflexão sobre o tema, gerando um maior conhecimento jurídico, e consequentemente tendo uma discussão mais fundamentada na qual espera-se resultados positivos, já que o sistema de cotas raciais tem por finalidade efetivar o direito fundamental à educação superior, garantindo o acesso às instituições de ensino superior aos grupos étnicos que têm este direito suprimido ou dificultado, em razão da discriminação racial, e para isso determinados pressupostos constitucionais devem ser respeitados, quais sejam a imprescindibilidade e a temporariedade desta ação afirmativa. 11 ABSTRACT The research aims to study affirmative action and racial quota system as a mechanism for access to higher education institutions from the perspective constitutional. Aiming to raise awareness about the critical issue of racial quotas in higher education in Brazil, under the legal point of view, which has generated great controversy in society by claiming that we are different under the law, only by skin color, implying that is contrary to Article 5th of the Federal Constitution, which says that everyone is equal no reason to distinguish between people. For this, the research will examine existing laws and bills pending in the Legislature, also focusing on Comparative Law, Articles, and principles of the Charter that have relevance to the theme. Through research in books, websites, research and field research is expected to lead society to reflect on the theme, creating greater legal knowledge, and therefore having a more reasoned discussion in which positive results were expected, since the system racial quota aims to accomplish the fundamental right to higher education, ensuring access to higher education to ethnic groups that have this right suppressed or hindered by reason of racial discrimination, and that certain constitutional assumptions must be respected, which are the indispensability of this temporariness and affirmative action. 12 2 Ação Afirmativa Joaquim Barbosa Gomes define o instituto: “Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e emprego.” As ações afirmativas surgiram como uma forma de promover a igualdade entre grupos historicamente preteridos ou discriminados em uma sociedade, sua finalidade é acabar com atos discriminatórios, gerando condições para que as conseqüências sociais concretas da discriminação, passada ou presente sejam progressivamente amenizadas, para que haja um alcance, maior na promoção da efetiva igualdade. Visando uma igualdade de condições e oportunidades de acesso à educação, e ao mercado de trabalho. Conforme Joaquim B. Barbosa Gomes, “políticas e mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito”. São políticas de ações e incentivos que visam integrar um grupo há uma sociedade preconceituosa através das ações afirmativas que favoreçam a igualdade de brancos e negros, ricos e pobres, heterossexuais e homossexuais, esse sistema busca reduzir a discriminação contra todos os ―diferentes‖ que retoma aos tempos de intolerância e que permanecem ate os dias atuais.Por exemplo, a implantação de adoção das cotas raciais nas universidades brasileiras visando aumentar as oportunidades para a população negra. 13 Sendo nesse contexto que a referida lei pode ser entendida como uma medida de ação afirmativa, através de ações afirmativas são políticas, projetos e práticas públicas e privadas que visam à superação de desigualdades que atingem historicamente determinados grupos sociais. Tais ações são passíveis de avaliação e têm caráter emergencial, sobretudo no momento em que entram em vigor. Podem ser realizadas por meio de cotas, projetos, leis, planos de ação, etc. “A expressão ação afirmativa, foi usada pela primeira vez numa ordem executiva federal norte americana pelo presidente John Kennedy no ano de 1961, e passou a significar, desde então, a exigência de favorecimento de algumas minorias socialmente inferiorizadas, vale dizer, juridicamente desigualadas, por preconceitos arraigados culturalmente e que precisavam ser superados para que atingisse a eficácia da igualdade preconizada e assegurada constitucionalmente na principiologia dos direitos fundamentais”. (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes, op.cit. P. 87) Tais ações tem como objetivo, a concretização de maior igualdade, a provação de alterações culturais, pedagógicas e sociais, a extinção da discriminação presente, a eliminação de efeitos persistentes de discriminações passadas, o favorecimento da diversidade e o aumento da representatividade de grupos desfavorecidos. Gráfico 1 – Afrodescendentes no Ensino Fundamental e Médio 14 Panoroma Educacional 51% de alunos negros não estão de acordo idade/ensino medio Analfabetismo entre negros 11% Analfabetismo entre brancos 5% Escolaridade entre negros de 18 e 24 anos no ensino fundamental é 27% 35% dos alunos brancos não estão de acordo idade ensino medio Escolaridade entre brancos no ensino fundamental 7% Fonte: Autores 2.1 Ação afirmativa enquanto cota racial O sistema de educação brasileira passou por algumas transições nesse novo governo, a onde ocorreram mudanças, de forma errônea, já que ela veio de cima para baixo, começando nas Universidades e não no ensino fundamental que é a base para uma boa e melhor educação, e qual foi o objetivo da criação das cotas, além de tentar promover o fim da desigualdade social?Tudo começou de maneira errada, afinal a reforma tem que acontecer de baixo para cima e não o contrário.Enfim, não é sobre educação de base que estamos abordando nessa pesquisa embora relevante, esta pesquisa foca as Cotas Raciais. O sistema de cotas raciais foi empregado para garantir vagas para os negros e índios e que almejam conseguir o seu lugar na sociedade através dos estudos e de uma profissão. A pesquisa não é contra a cota, entendemos que foi divulgada de forma equivocada gerando um preconceito da própria cota, já que a Constituição diz que todos são iguais perante a lei, este é o princípio da isonomia, havendo um equivoco, quando o mais esperado por parte do governo seria o princípio da 15 igualdade, que reza que se devem tratar desigualmente os desiguais para, enfim, alcançar a igualdade. Conforme a Constituição Federal “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. A pesquisa entende que de uma forma camuflada está havendo uma segregação dessas raças o que é absolutamente inaceitável por vários princípios constitucionais, estão violando de forma gritante os direitos fundamentais dos cidadãos. 2.1.1 Qual a razão dessas cotas terem sido aprovadas? Para que a população se esqueça dos diversos problemas que existem no país, achar que isso é uma resolução para a educação serve e cai bem no momento, então, que tipo de sistema é esse que não serve para diminuir as desigualdades, mas sim para que se aumente o preconceito existente em cada um de nós, já que alguém ingressa na faculdade pelo sistema de cotas , mesmo tendo feito menos pontos que outra pessoa, e não adianta falar da condição social, pois aí entraremos em outro debate, tornando os temas ainda mais longos e complicados. 16 Com certeza, esse sistema de cotas é uma subestimação á capacidade de intelectualidade dos negros. É vergonhoso essa contradição da Constituição brasileira. ―Direitos iguais para todos‖. Onde? As cotas, embora possa parecer, para alguns grupos, uma compensação justa, no fundo é uma ampliação do abismo que separam brancos e negros no Brasil, legitimando a segregação. “Ainda há muito que se discutir sobre este assunto Políticos oportunistas fazem questão de confundir a população com os critérios equivocados. A concepção da terminologia “raça” não dá qualquer respaldo científico que viabilize esse sistema absurdo. Nos debates e fundamentações de quem defende o sistema de cotas raciais,se percebe que fazem muita confusão com a chamada cota social. Tem muita gente que defende um sistema pensando se tratar do outro. Não há interesse da classe política em resolver o problema do ensino na origem – no ensino básico e fundamental – porque isso, certamente, levaria mais de 4 anos para apresentar resultados, prejudicando a reeleição. O caminho mais fácil é deteriorar o país com esse pseudo-privilégio nas universidades públicas, que já se estende aos concursos públicos e até à contratação de servidores em cargos de confiança, como ocorre na cidade do Rio de Janeiro.”. Se realmente o interesse fosse inclusão social, igualdade e diminuição das disparidades regionais estariamos discutindo uma revolução na educação de base, mas enquanto se gasta o dobro do valor do orçamento anual da educação de forma vergonhosa continuaram a usar o Pro uni, Pro jovem e cotas raciais, pois são medidas do tipo ―remendo‖ para querer cicatrizar essas feridas ainda abertas no seio de nossa sociedade. As cotas são uma maneira do Estado de discriminar mais os negros, pois se a Constituição diz que todos somos iguais, porque discriminar os negros com estas cotas?, já que o problema não resolve a demanda de vagas nas universidades e que o Brasil ―copiou‖ essas ideias de cotas dos Estados Unidos, porem o que acontece é que se investe muito na educação, já aqui no Brasil os políticos gastam o dinheiro publico com coisas insignificantes e se esquecem de que só melhoraremos este país através da inclusão social principalmente os negros que contribuíram muito com a 17 nossa cultura e seu modo de viver, enfim os negros merecem nosso respeito e gratidão. Segundo o Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012 “São considerados cotistas todos os candidatos que cursaram, com aprovação, as três séries do ensino médio em escolas públicas ou Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou tenham obtido certificado de conclusão do ensino médio pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Os estudantes com bolsa de estudo integral em colégios particulares não são beneficiados pela Lei”. Em agosto de 2012, a aprovação de uma lei polêmica alterou a forma de ingresso nos cursos superiores das instituições de ensino federais. A chamada Lei das Cotas (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012)determina que as universidades, institutos e centros federais a reserva para candidatos cotistas a metade das vagas oferecidas anualmente em seus cursos, essa determinação deve ser cumprida até 30 de agosto de 2016, mas já em 2013, as instituições devem separar 25% da reserva prevista, ou 12,5% do total de vagas para esses candidatos. A lei também define que, dentro do sistema de cotas, metade das vagas deverá ser preenchida por estudantes com renda familiar mensal (por pessoa) igual ou menor a 1,5 salário mínimo e a outra metade com renda maior que 1,5 salário mínimo. Há, ainda, vagas reservadas para pretos, pardos e índios, entre as vagas separadas pelo critério de renda.A distribuição das vagas da cota racial será feita de acordo com a proporção de índios, negros e pardos do Estado onde está situado o campus da universidade, centro ou instituto federal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa, por exemplo, que um Estado com um número maior de negros terá mais vagas destinadas a esse grupo racial. O único documento necessário para comprovar a raça é a auto declaração. Gráfico 2 - Quantidade de vagas no curso 18 Fonte: MEC 2.2 Origem e evolução histórica 2.2.1 Estados Unidos A expressão ação afirmativa foi usada pela primeira vez pelo presidente John Kennedy em 1961 no Decreto n.º 10.925. Desde então, muitas definições têm sido propostas, sendo a sugerida por Greenberg (1984: 286) bem esclarecedora: “[...] ação afirmativa é um mecanismo usado em diferentes tipos de sociedade: democráticas, socialistas, autoritárias, combinadas e pós coloniais, destinado a ajudar as minorias (ou, como no caso da Malásia, a maioria) anteriormente discriminadas para que possam superar as desvantagens em muitas áreas da vida econômica, social e política. Tem produzido mudanças para algumas pessoas, às vezes muitas, como se verifica na Malásia, Kosovo, Estados Unidos, Israel e Índia”. A compreensão de suas múltiplas facetas e de pormenores que envolvem a sua implementação podem-se depreender dos comentários adiante, relativos aos 19 antecedentes que motivaram a sua adoção e aos diversos programas desenvolvidos nos Estados Unidos. Esse país será o nosso ponto de referência. 2.2.2 Antecedentes Dois acontecimentos podem ser considerados como o marco inicial da chamada ―era dos direitos civis‖ naquele País: a célebre decisão Brown em 1954, da Suprema Corte, que tornou inconstitucional a segregação escolar; e o boicote aos ônibus em Montgomery, Alabama, liderado por Martin Luther King, Jr, em 1955. Na década de 1960, o mundo assistiu, perplexo, à explosão racial nos Estados Unidos. cidades queimadas, saques, distúrbios. No célebre distúrbio de Watts, Los Angeles, no dia 11 de agosto de 1965, morreram trinta e quatro pessoas, mil ficaram feridas, mais de oito mil prédios foram danificados e quatro mil pessoas presas. A decisão Brown não conseguia decolar nos estados do Sul. Nas cidades, o trabalho reservado ao negro seguia sendo o braçal não qualificado: estivadores, carregadores, faxineiros, varredores, operários, podiam também ser cantores, músicos, atletas. De pouco adiantava tentar se qualificar. Raros eram os casos de negros, mesmo no Norte, que conseguiam fugir a esse esquema e galgar melhores posições. A verdade é que aquela situação ficou insustentável, não dava mais para contar só com a força da polícia e da Guarda Nacional para reprimir as manifestações e manter os negros ―encurralados‖ em seus guetos. Já em 1963 o presidente John F. Kennedy , alertava o Congresso e a população em geral para o perigo que a discriminação racial representava, mencionando os distúrbios havidos naquele ano em Birmingham e outras localidades. Assinalou que, diante do descontentamento e do clamor por igualdade, nenhum setor poderia ficar indiferente. Conclamou o Congresso, o Judiciário e o empresariado a unirem-se ao Executivo no esforço nacional contra a discriminação no emprego, na educação e em lugares abertos ao público: “O Comitê Presidencial para a Igualdade de Oportunidades no Emprego, reconstituído por decreto no início de 1961, já deu, sob a liderança do Vice Presidente, passos significativos para eliminar a discriminação racial por parte daqueles que fazem negócios com o governo. Centenas de empresas, cobrindo setenta milhões de 20 empregos, concordaram com rígidas provisões, tornadas agora padrão em todos os contratos com o governo. Cento e quatro empreendimentos industriais, incluindo os maiores empregadores da nação, além disso assinaram acordos comprometendo-se em desencadear um ataque afirmativo contra a discriminação no emprego; e 117 sindicatos, representando cerca de 85 por cento dos membros da AFL-CIO, assinaram acordos semelhantes com o Comitê.” (p. 177) Quanto à discriminação em lugares abertos ao público, um parêntese se impõe. Para um brasileiro, no geral a ideia que se tem é de que estes foram, e continuam a ser problemas dos norte-americanos. Não nos esqueçamos, todavia, de que em 1951 foi preciso que uma artista norte-americana negra fosse barrada e humilhada num hotel em São Paulo para que o Congresso brasileiro, em vista da grande repercussão do fato, promulgasse uma lei, a Lei Afonso Arinos, condenando práticas parecidas e então corriqueiras entre nós: a discriminação em ―hotéis‖, ―restaurantes‖, ―estabelecimentos comerciais‖ etc. Voltando ao assunto,da forma como o conceito é entendido hoje naquele país, pode-se dizer que o seu grande marco foi a edição da Lei dos Direitos Civis de 1964, pois a referida Lei não só removeu as barreiras formais à plena cidadania dos negros e outras ―minorias‖ como também inaugurou mecanismos concretos para que se perseguisse a igualdade de fato. Impende adiantar que a política afirmativa e os programas dela decorrentes partem da aferição de um dado simples: a participação proporcional das populações ―em desvantagem social‖ na educação, trabalho e renda, e no poder. O ponto de partida foi, pois, uma simples questão de matemática, aqui no Brasil o quesito ―cor‖ já foi deliberadamente retirado dos censos, e ainda hoje não aparece nas estatísticas oficiais, das empresas, instituições educacionais, corporações etc., implicando a necessidade de grande empenho de todos para que este fator deixe de ser um tabu, um problema a mais. O grande impulso a essas ações deve-se ao presidente Lyndon Johnson. Como nos conta Eastland (1989:33), as normas do Ministério da Justiça que regulamentaram um decreto do presidente Johnson em 1965, no qual ele ordenava tais ações, diziam: “Um programa aceitável de ação afirmativa precisa incluir 21 uma análise das áreas dentro das quais o contratante é deficiente na utilização de grupos minoritários e mulheres e, além disso, das metas e dos cronogramas para os quais precisam ser dirigidos os esforços de boa fé do contratante para corrigir as deficiências e assim aumentar materialmente a utilização de minorias e mulheres em todos os níveis e em todos os segmentos de sua força de trabalho onde existam deficiências.” Depois a ação afirmativa ganha novos contornos, com a incorporação de metas numéricas, proporcionais à participação populacional dos grupos minoritários. Em 1971, a Suprema Corte, no caso Griggs versus Duke Power Co., endossou regulamentações rígidas da Comissão de Oportunidades de Emprego, restringindo os procedimentos de admissão e promoção que prejudicassem desproporcionalmente as minorias; em que os requisitos e testes não tivessem relação necessária com as tarefas a eles correspondentes. Por exemplo, um teste que exigisse educação formal quando o trabalho a executar não exigisse essa formação. Os programas de ações afirmativas despertaram muita controvérsia nos Estados Unidos, e tiveram grande impulso do início da década de 1960 até meados da década de 1970, tendo experimentado certo desaquecimento com a volta ao poder do Partido Republicano. Hoje, é possível computar os avanços substanciais dos primeiros anos, no auge das lutas pelos direitos civis, nos anos sessenta, e a relativa estagnação do período que se costumou chamar de ―pós-era dos direitos civis‖ (Smith, 1995), de meados dos anos setenta em diante. Em todo esse processo, uma pergunta sempre feita e nunca respondida: por quanto tempo e em que medida os programas de ações afirmativas terão cumprido a sua função compensatória? Cá entre nós, como afirmado acima, o tema é sempre reduzido à dimensão das cotas. Por esta razão será importante fazer um resumo dos principais programas de ações afirmativas desenvolvidas naquele país e os resultados mensuráveis da sua implementação. 22 2.2.3 Programas e ações nos Estados Unidos Os programas decorrentes da política de ações afirmativas, aliados a importantes decisões dos tribunais, contribuíram, e ainda continuam a contribuir, para compensar a discriminação passada. Em 1961, o presidente Kennedy baixou um decreto estabelecendo que as empresas que quisessem trabalhar com o governo federal teriam que desenvolver uma ―ação afirmativa‖ para que assegurassem oportunidades de emprego em todos os setores da empresa. Discriminação ―não intencional‖ no emprego Também chamada de ―discriminação indireta‖,se refere à proibição de adoção de requisitos e testes para contratação que, aparentemente neutros, e mesmo não visando explicitamente discriminar, não sejam necessários à execução das tarefas para as quais os candidatos se habilitam. Oportunidades de emprego no serviço público o governo federal se impôs, através de programas objetivamente mensuráveis, em todos os ministérios e em todos os níveis de gerência, as mesmas obrigações se estabeleceram para as empresas contratantes, a fim de assegurar maior participação de minorias e mulheres na força de trabalho governamental. Incentivo a empresas de minorias como parte do chamado ―capitalismo negro‖, em 1977 o Congresso norte-americano incluiu um dispositivo na Lei sobre Obras Públicas (Public Works Employment Act) estabelecendo que cada governo local e estadual, inexistindo uma isenção por parte do Ministério do Comércio, usasse dez por cento dos fundos federais destinados a obras públicas para agenciar serviços de empresas controladas por minorias. Suporte a programas educacionais O Ministério da Educação passou a exigir que as instituições que tivessem praticado a discriminação adotassem programas especiais para a admissão de minorias e mulheres, a fim de superar a discriminação passada. Esta passou a ser uma condição para que se habilitassem a ajuda federal. Quando a Universidade da Califórnia reservou 16 (dezesseis) das 100 (cem) vagas do curso de medicina para candidatos oriundos das minorias, Allan Bakke, um candidato branco, conseguiu na justiça ocupar uma das 16 dezesseis vagas, mas a maioria dos ministros reconheceu que o programa da universidade não era inconstitucional. Em todo esse processo afirmativo tem sido importante o suporte dado pelo 23 Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário dos Estados Unidos. Mais que tudo, o empenho do Executivo em mobilizar as forças vivas da nação para promover a igualdade. 2.2.4 Resultados A partir de meados da década de 1970, atravessando toda a década de 1980, observando o desaquecimento dos programas de ações afirmativas, coincidindo com os governos Nixon, Reagan e Bush, republicanos, muito embora o Partido Republicano tenha encorajado programas de financiamento de empresas de minorias, o chamado ―capitalismo negro‖. Alegou-se que estes programas, concebidos como negação das cotas, seriam ações afirmativas numa linha diferente, pois o financiamento está dentro das regras do capitalismo e aponta para a competência e a competitividade. O tema continua dividindo a opinião dos cidadãos norte-americanos, devendo-se registrar os argumentos dos seus opositores, a fim de que se tenha uma ideia da distância que separa teoria e prática. Nada diferente do que ocorre no Brasil. Múltiplos fatores podem explicar o progresso atingido pelos negros no período considerado, não necessariamente a ação afirmativa. De qualquer modo, há de se registrar a coincidência de os afro-americanos terem avançado substancialmente quando essa política teve maior força. Os dados abaixo, retirados de Sowell (1988) e de Edsall et al (1991) podem servir de um guia para a reflexão. De Sowell podem-se recolher os seguintes dados positivos: 1-Entre 1961 e 1971, a renda da família branca cresceu 31%, enquanto a da família negra subiu 55%; b) Entre 1965 e 1972, a proporção de negros matriculados nas universidades quase dobrou,no mesmo período, a proporção de negros e brancos, em conjunto, permaneceu a mesma; c) Entre 1960 e 1972, o número de brancos em ocupações de nível profissional aumentou cerca de um quinto, enquanto que o número de negros nessa faixa quase que dobrou; d) No mesmo período, o número de chefes de turma, artífices e policiais negros mais do que dobrou, e o número de 24 profissionais especializados em máquinas triplicou. E os seguintes dados tidos por negativos: 1-Entre 1950 e 1973, a proporção de famílias negras encabeçadas por uma mulher aumentou de 18% para 33%, isto é, do dobro da percentagem branca em 1950 para mais do triplo dessa porcentagem em 1973. (Esta não era uma tendência no passado); 2-A taxa de desemprego entre os negros havia crescido, em números relativos e reais, em comparação com os brancos; 3-O desemprego entre os adolescentes negros, em 1978, era cinco vezes maior do que tinha sido a trinta anos antes. Apesar de se posicionar criticamente em relação às cotas, extraímos a seguinte afirmação de Sowell :―Começando nos meados da década de 1960, no entanto, houve numerosas áreas em que os negros não somente ascenderam, mas o fizeram a um ritmo mais rápido do que os brancos.‖ De Edsall et al , podemos recolher os seguintes dados positivos: 1-Em 1940, apenas 187.520 negros trabalhavam em ocupações não-braçais, e mais de 100.000 dentre eles eram religiosos, professores primários ou proprietários de pequenos negócios de venda de gêneros nos guetos, com uma renda marginal,no final de 1990, mais de 1.900.000 negros ocupavam posições de gerência e empregos profissionais; 2-De 1950 a 1990 a população negra dobrou, mas o número de negros trabalhando em ocupações não braçais aumentou em cerca de 920%; 3-De 1963 a 1977/78, a diferença entre os salários de brancos e negros caiu de um patamar de 45% para 30%, uma queda de cerca de um ponto percentual por ano; 4-Em meados da década de 1970 a diferença entre os salários de jovens brancos e 25 negros de boa formação educacional praticamente tinha desaparecido. E podem-se recolher os seguintes dados negativos: 1-De 1976 a 1988 a percentagem de negros entre os dezoito e vinte e quatro anos de idade matriculados na Universidade caiu de 22,6% para 21,1%, enquanto a percentagem de brancos aumentou de 27,1% para 31,3%. Diminuiu a percentagem de negros nessa faixa que permaneciam na universidade e conseguiam se graduar; 2-Com o desaquecimento dos programas de integração escolar e a busca, por parte dos brancos, de escolas independentes, em 1986, 27,5% de todas as crianças negras na escola, e 30% das de origem latina estavam matriculadas nos vinte e cinco maiores distritos escolares das principais cidades. E apenas 3,3% de todos os alunos brancos. Ou seja, pela via da deterioração do ensino público, regrediu-se a um sistema de segregação escolar de fato. 3-Nas palavras desse autor, ―O processo racial correu para uma barricada: o crime, a proliferação de filhos ilegítimos, o abuso de drogas, e uma geração de homens e mulheres sem vontade nem para frequentar a escola nem para desempenhar trabalhos subalternos e domésticos.‖ 2.3 Brasil No Brasil, o tema surgiu em 2000, com a aprovação da lei estadual 3.524/00 de 28 de dezembro de 2000. Esta lei garante a reserva de 50% das vagas, nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, para estudantes das redes públicas municipal e estadual de ensino. Esta lei passou a ser aplicada no vestibular em 2004 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). A lei 3.708/01 de 9 de novembro de 2001, institui o sistema de cotas para estudantes denominados negros ou pardos, com percentual de 40% das vagas das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Esta lei passa a ser aplicada no vestibular de 2002 da UERJ e da UENF. Outras universidades, tais 26 como a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) também aderem a tal sistema, tendo como critérios os indicadores sócio-econômicos, ou a cor ou raça do indivíduo. Já no ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal ( STF ), afirmou que as Cotas Raciais são constitucionais. 3 Raça,Cor e As diversidades étnicas 3.1 Raça A origem da palavra "raça" é obscura, alguns estudiosos entendem que a sua etimologia provém da palavra latina "radix", que significa raiz ou tronco; enquanto outros acham que ela tem origem na palavra italiana "razza", que significa linhagem ou criação. Seja qual for a sua origem, ela foi introduzida na literatura científica há cerca de 200 anos e desde então tem aparecido em tantos diferentes contextos que até hoje a palavra "raça" não teve o seu significado exatamente claro, é usada para designar qualquer agregado de pessoas que podem ser identificados como pertencentes a um grupo. Por si mesmo, esta ampla definição talvez não seja de todo uma coisa má, contudo abre a porta para muitos e sérios desentendimentos sobre pessoas que a utilizam para caracterizar preconceito e discriminação. "Raça tem somente um significado científico e é biologicamente único. Referese a uma única subdivisão das espécies conhecidas, membros de uma herança física, a qual visa distinguir-se de outras populações da mesma espécie”. Apesar desta definição ser precisa tanto quanto possível, os cientistas entendem que não existem claras subdivisões na única espécie chamada homem, isto é, o homo sapiens. A maior parte das pessoas pertencem a categorias entre subdivisões do que propriamente àquela a qual pertencem, ou de que um mesmo indivíduo pode ter características que o colocam em diversas categorias simultaneamente. Os antropólogos tem, tradicionalmente, descrito várias raças colhendo um ou mais traços de evidência física , por meio do qual o homem pode ser classificado. Entre os mais comuns traços utilizados estão: forma da pálpebra, cor e forma do 27 cabelo, o formato do nariz, a forma da cabeça, a pele e a cor dos olhos e altura. A descrição de diferentes raças tem sido originada na medida de vários traços em comum por um grande número de tipos similares de pessoas. Não há, contudo, ninguém que possa calcular a média do ajuste como sendo a "ideal" de uma determinada raça, em face da existência de muitos pontos coincidentes,por exemplo, os indivíduos mais altos de uma raça de pessoas pequenas são maiores do que as pessoas mais baixas de uma raça de pessoas altas. As pessoas de pele muito escura, de uma raça de pele clara, pode, frequentemente, ser mais escura do que uma pessoa mais clara de uma raça de pele escura. Estes pontos coincidentes ocorrem com tanta extensão que se torna impossível estabelecer claramente subdivisões de tipos raciais. Portanto, quanto maior os traços usados como uma base para classificação, tanto maior um número de raças iremos encontrar. O número de raças declarado pelas autoridades varia entre duas e duzentas raças. 3.1.1.1 Raça vs Etnia Raça e etnia são dois conceitos relativos distintos. Raça refere-se ao âmbito biológico; referindo-se a seres humanos, é um termo que foi utilizado historicamente para identificar categorias humanas socialmente definidas, e mais comuns referemse à cor de pele, tipo de cabelo, portanto, a cor da pele, amplamente utilizada como característica racial, constitui apenas uma das características que compõem uma raça. Raça e etnia não são sinônimos, mas o conceito de raça é associado ao de etnia, que é uma comunidade humana definida por afinidades linguísticas e culturais. Entretanto, há um conceito crescente que a cor da pele não determina a ancestralidade, principalmente na população brasileira, altamente miscigenadas. Etnia refere-se a palavra que é derivada do grego ethnos, que significa povo. A diferença entre raça e etnia, é que etnia também compreende os fatores culturais, como a nacionalidade, religião, língua e as tradições, enquanto raça compreende apenas os fatores morfológicos, como cor de pele, constituição física, 28 estatura. A palavra etnia muitas vezes é usada erroneamente como um eufemismo para raça. Os grupos étnicos compartilham uma origem comum, e exibem uma continuidade no tempo, apresentam uma noção de história em comum e projetam um futuro como povo, isso se alcança através da transmissão de geração em geração de uma linguagem comum, de valores, e tradições. 3.2 Cor No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as chamadas raças. A cor da pele é determinada por uma combinação dos pigmentos produzidos na pele, denominada melanina.A produção de melanina é feita pelos melano blastos (tirosinase), células da camada basal da epiderme. O pigmento tem duas classes principais:melanina, de cor acastanhada ou preta, e feomelanina, de cor avermelhada ou amarelada. É responsável pela coloração da pele, mucosas, globo-ocular, retina, cabelos, neurônios, etc.O número de células produtoras de melanina é mais ou menos o mesmo em pessoas de pele clara ou escura, mas elas são mais ativas nas pessoas de pele escura. Desde o início, o ser humano se deu o direito de hierarquizar, isto é, de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças.O fizeram exigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim, os indivíduos da raça ―branca‖, foram decretados coletivamente superiores aos da raça ―negra‖ e ―amarela‖, em função de suas características físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, entre outros, deduziam e até afirmava-se o que os tornavam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras raças, principalmente a negra mais escura de todas e consequentemente considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos inteligente e, portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação. 29 O texto constitucional proíbe preconceito de origem, cor e raça e condena discriminação com base nesses fatores, um repúdio à brutalidade de tipo nazista que aniquilou milhares de pessoas e, consagra a condenação do Apartheid, por parte do povo mestiço, com razoável contingente de negros. Foi expresso também nas relações internacionais o repúdio ao racismo, conforme explicito no art. 4º, VIII . Gráfico 3 – Divisão de raça e cor no Brasil Fonte: Wagner Alves 3.3 Etnia Etnia vem também de origem grega, termo utilizado para denominar um determinado grupo que possui afinidades de idioma e cultura, independente do país em que elas estejam, por exemplo, na África existem vários conflitos de etnias. Etnia é utilizada também de forma pejorativa, que significa preconceito contra um determinado grupo racial, ou para mostrar pessoas excluídas, que são minoria, etnia traduz exatamente, um grupo de indivíduos que possuem fatores culturais, como religião, língua, roupas, iguais, e não apenas a cor da pele, por exemplo. O conteúdo da raça é morfo biológico e o da etnia é sócio cultural, histórico psicológico. Um conjunto populacional dito raça ―branca‖, ―negra‖ e ―amarela‖, pode 30 conter em seu seio diversas etnias. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que, historicamente ou mitologicamente, que possuam um ancestral em, uma língua uma mesma religião em comum; uma mesma cultura e que morem geograficamente num mesmo território. Assim é o caso de várias sociedades indígenas brasileiras, africanas, asiáticas, australianas. A maioria dos pesquisadores brasileiros que atuam na área das relações raciais e interétnicas recorre com mais frequências ao conceito de raça. Eles empregam ainda este conceito, não para afirmar sua realidade biológica, mas sim para explicar o racismo, na medida em que este fenômeno continua a se basear em crença na existência das raças hierarquizadas, raças fictícias ainda resistentes nas representações mentais e no imaginário coletivo de todos os povos e sociedades contemporâneas. Alguns fogem do conceito de raça e o substituem pelo conceito de etnia considerando mais cômodo ―fala politicamente correta‖. Essa substituição não muda nada à realidade do racismo, pois não destrói a relação hierarquizada entre culturas diferentes que é um dos componentes do racismo, ou seja, o racismo hoje praticado nas sociedades contemporâneas não precisa mais do conceito de raça ou da variante biológica, ou identidade cultural, as vítimas de hoje são as mesma de ontem e as raças de ontem são as etnias de hoje. O que mudou na realidade são os termos ou conceitos, mas o esquema ideológico que subentende a dominação e a exclusão ficou intato. É por isso que os conceitos de etnia, de identidade étnica ou cultural são de uso agradável para todos: racistas e anti racistas,constituem uma bandeira carregada para todos, embora cada um a manipule e a direcione de acordo com seus interesses. Olhando a distribuição geográfica do Brasil e sua realidade etnográfica, percebe-se que não existe uma única cultura branca e uma única cultura negra e que regionalmente podemos distinguir diversas culturas no Brasil. 3.4 Diversidades étnicas 31 Segundo Brito, Quesia Marinho de Oliveira, no atual contexto em que estão inseridas as políticas educacionais, pensar em diversidade étnico-racial significa somar avanços para o exercício da cidadania, numa sociedade formada por afrodescendentes, brancos e índios. Quem no Brasil pode dizer que não possui sangue negro? Que não possui uma descendência índia? Praticamente ninguém já que nosso país é uma grande mistura de raças é por isso que é dito que existem vários ―Brasis‖ dentro do Grande Brasil, ou seja, a diversidade faz parte de nossa herança e de nossa cultura! Segundo a Lei nº 10.639/03 que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio; o Parecer do CNE/CP 03/2004 que aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas; e a Resolução CNE/CP 01/2004, que detalha os direitos e as obrigações dos entes federados ante a implementação da lei compõem um conjunto de dispositivos legais considerados como indutores de uma política educacional voltada para a afirmação da diversidade cultural e da concretização de uma educação das relações étnico-raciais nas escolas, desencadeada a partir dos anos 2000. É nesse mesmo contexto que foi aprovado, em 2009, o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana . “A qualidade da educação é a busca de uma educação séria, rigorosa, democrática, em nada discriminadora nem dos renegados, nem dos favorecidos. Isto porém, não significa uma prática neutra, mas desveladora das verdades, desocultadora, iluminadora das tramas sociais e históricas (...). Educação e qualidade são sempre uma questão política”. ( FREIRE, 2005, p. 42- 43 ) As ações pedagógicas voltadas para o cumprimento da Lei nº 10.639/03 e suas formas de regulamentação se colocam nesse campo. A sanção de tal legislação significa uma mudança não só nas práticas e nas políticas, mas também no imaginário pedagógico e na sua relação com o diverso, aqui, neste caso, representado pelo segmento negro da população. 32 Considerando a dimensão, da Lei nº 10.639/03 podendo ser interpretada como uma medida de ação afirmativa, uma vez que tem como objetivo afirmar o direito à diversidade étnico-racial na educação escolar, romper com o silenciamento sobre a realidade africana e afro-brasileira nos currículos e práticas escolares e afirmar a história, a memória e a identidade de crianças, adolescentes, jovens e adultos negros na educação básica e de seus familiares. “ O mito da democracia racial teve embasamentos na ideologia de dominação racial que justifica a escravidão a partir das idéias de inferioridade do negro. Para o êxito da constituição do mito da democracia racial foi necessário apagar a história da resistência dos negros à escravidão, bem como a forma e os efeitos da integração do negro na sociedade organizada pelo trabalho livre. Talvez o mais perverso do mito tenha sido o fato da tentativa de negar ao negro brasileiro sua identidade como um povo portador de direitos. A negação da questão racial atua como a negação do próprio negro enquanto um dado da realidade brasileira. Assim, ainda hoje, um dos maiores desafios para o movimento social negro tem sido a dificuldade dos próprios negros de se auto-identificarem politicamente como negros.” (ROCHA, 2006, p. 25) Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 10.639/03 podendo garantir, que os defensores das ações afirmativas das políticas universais brasileiras incluam e garantam, de forma explícita, o direito à diferença.E sobre as relações étnico-raciais? Destacaremos alguns aspectos considerados principais. O primeiro deles se refere à concepção de raça presente nesta reflexão. Para aumentar a nossa compreensão quanto à importância da articulação da educação escolar e relações raciais, destacamos as palavras de Moura “Uma educação, profundamente vinculada as matrizes culturais diversificadas que fazem parte da formação da nossa identidade nacional, deve permitir aos alunos respeitar os valores positivos que emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando ao mesmo tempo desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que marca a visão discriminatória de grupos sociais, com base em sua origem étnica, suas crenças religiosas ou suas práticas culturais. Só assim a escola poderá, levando em consideração as diferenças étnicas de seus alunos, reconhecer de forma integral os valores culturais que carregam consigo para integrá-los à sua educação formal. Isso é essencial no caso de grupos que, por força da inércia da herança histórica ou pela 33 pura força do preconceito, são quase sempre considerados “inferiores” ou “naturalmente” subalternos. “ (MOURA, 2008, p.72, 73) A forma como a raça opera em nossa sociedade possibilita, o movimento negro e que um grupo de intelectuais não abandonem o conceito de raça para falar sobre a realidade do negro brasileiro, mas o adotem de maneira simplificada. Nesse sentido, rejeitam o sentido biológico de raça, já que todos sabem e concordam com os avanços da ciência de que não existem raças humanas. O conceito de raça é adotado, nessa perspectiva, com um significado político e indenitário construído com base na análise do tipo de racismo que existe no contexto brasileiro, as suas formas de superação e considerando as dimensões histórica e cultural a que esse processo complexo nos remete. Não podemos negar que, na construção das sociedades, na forma como os negros e os brancos são vistos e tratados no Brasil, a raça tem uma operacionalidade na cultura e na vida social. Se ela não tivesse esse peso, as particularidades e características físicas não seriam usadas por nós para classificar e identificar quem é negro e quem é branco no Brasil, e não para serem usadas como forma de discriminar e negar os direitos e as oportunidades dos negros em nosso país. Ficando clara que as diferenças, não são apenas dados e sim informações sociais, culturais, políticas e indenitárias. Aprendemos, desde criança, a olhar, identificar e reconhecer a diversidade cultural e humana, contudo, como estamos imersos em relações de poder e de dominação política e cultural, nem sempre percebemos que aprendemos a classificar não somente como uma forma de organizar a vida social, mas também como uma maneira de ver as diferenças e as semelhanças de forma hierarquizada, com perfeições e imperfeições, beleza e feiura, inferiores e superiores, esse olhar e essa forma de racionalidade precisam ser superados. A escola tem papel importante a cumprir nesse debate. E é nesse contexto que se insere a alteração a Lei nº 10.639/03, uma das formas de interferir pedagogicamente na construção da diversidade e garantir o direito à educação e saber mais sobre a história, a cultura africanas e as afro-brasileiras. Nesse 34 entendimento poderemos ajudar a superar opiniões preconceituosas sobre os negros, a África, e a denunciar o racismo e a discriminação geral, rompendo com o mito da democracia racial. 4 Aspectos jurídicos 4.1 Aspecto Constitucional das cotas A Constituição de 1988 concede a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, a igualdade perante a lei, e o direito de justiça, ou seja todos devem ter um tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades. Ações de inconstitucionalidade foram propostas por políticos e entidades civis, no Supremo Tribunal Federal (STF), duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), que são a 3330 e a 3197, ambas promovidas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Cofenen). Esta entidade entende que as cotas raciais contrariam os preceitos constitucionais, já que promove discriminações para estabelecer vagas nas universidades. Ela ainda reclama os direitos dos candidatos que obtiveram boas notas, consequência de seu bom desempenho no vestibular, contudo são preteridos em face de candidatos que obtiveram um desempenho inferior, na qual conseguem uma vaga, não pelo seu mérito, mas apenas pela cor de sua pele. Para melhor entendimento da questão, é importante ler os artigos 3°, 5°, 207°, e 208 da Constituição Federal. Art.3° “ Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, (...) IV - “ Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Art. 5° “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer 35 natureza.” Ou seja, isso mostra que todos os brasileiros, independentemente de serem brancos, negros, homens, mulheres, pobres ou ricos, possuem as mesmas obrigações e os mesmos direitos, e serão tratados de forma igual perante a lei e a sociedade. Art. 207° “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indisociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” A autonomia universitária consagra liberdade de ação, para que possa formar profissionais e cidadãos, conscientes e eficientes, aptos a ajudarem a sociedade e a nação na conquista do equilíbrio entre o saber e o viver. Alguns educadores, veem a lei das Cotas Raciais ( lei 180/08 ), com um certo receio, porque afirmam que o governo esta se intrometendo nos assuntos internos de cada universidade, e consequentemente interferindo na autonomia das universidades quanto à sua capacidade de sistematizar provas de seleção de estudantes, conforme prevista pela Constituição Federal. Para se discutir o acesso ao ensino superior, é necessário conhecer o artigo 208 da Constituição Federal. Art. 208° ( …) V – O acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa, e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. O dispositivo constitucional estabelece que o desempenho de cada um será levado em conta no processo seletivo das instituições superiores,ou seja o acesso as universidades se dará através do conhecimento cognitivo e intelectual que o aluno possui. Dessa maneira, a ação afirmativa não deve apenas promover integração no ensino superior, mas garantir o acesso da população negra, já nas primeiras etapas do ensino básico e fundamental. 36 4.2 Aspecto social das cotas Apesar da aprovação das Cotas Raciais pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal ( STF ), a discussão entre a sua legalidade ou não ainda divide opiniões, consequentemente gerando dois extremos de defesa. Umas das contradições junto ao sistema de cotas raciais, diz respeito a institucionalização do racismo, que segundo Yvonne Maggie, antropóloga na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a distinção de etnias por lei, agravaria ainda mais o racismo existente no Brasil, pois essa politica exige que o cidadão se defina perante o Estado segundo sua raça ou sua origem, e sabe-se que sempre que o Estado se ausenta em relação aos assuntos de identidade dos indivíduos, o resultado é a violência como o Apartheid na África do Sul, que dividiu o país em exatamente duas raças, os brancos e os negros, e também no Sri Lanka, que alguns apontam ser uma das causas da guerra civil do país. Para José Roberto Militão, militante histórico do movimento negro, advogado, membro da comissão de assuntos anti-discriminatórios – Conad – OAB/SP, e exsecretário geral do Conselho da Comunidade Negra do governo do estado de São Paulo (1987 à1995), entende que as cotas raciais são discriminatórias inconstitucionais, e que as ações afirmativas não fazem reparações do passado, mas atuam para que as discriminações históricas não persistam no presente, ou seja, os negros necessitam de politicas publicas de inclusão, que garantem a promoção da igualdade, e não de cotas da humilhação. Os que são a favor das cotas raciais afirmam , que é preciso diminuir a desigualdade existente entre os brancos e os negros, afirmando que com as cotas, a parcela da população negra a ingressar no ensino superior aumentaria drasticamente, também usam como argumentos, uma série de estatísticas fazendo uma comparação entre o nível de vida da pessoa branca e da negra, o grau de escolaridade de ambas, e também falam que é preciso que o Estado ―recompense‖ os negros, por toda atrocidades cometidas contra eles no passado. Mas para Roberta Fragoso, sabe-se que existe discriminação contra os homossexuais e os nordestinos no Brasil. Mas tal fato, isoladamente, constitui-se em uma barreira intransponível, a ponto de os nordestinos/homossexuais não conseguirem ascender socialmente? Não!, acredito que no Brasil a cor, isoladamente, não funciona como um critério 37 constitucionalmente válido para a concessão de ações afirmativas. Isto porque a cor da pele, aqui, jamais funcionou como barreira intransponível à ascensão social, de modo que diversos foram os negros que conseguiram superar o preconceito e a discriminação e atingiram cargos de prestígio, mesmo antes da abolição da escravatura. No Brasil, o problema da integração dos negros à sociedade decorre da perversa correlação entre pobreza e negritude, pela dificuldade inerente de romper o círculo de pobreza. Por outro lado, é necessário que existam critérios objetivos para determinar os verdadeiros beneficiados da medida afirmativa. Deste modo, a intensa miscigenação ocorrida no Brasil inviabiliza a aceitação do critério "cor" como um fator objetivo. Quem são os pardos no País? 4.3 Aspectos Legais Ao contrário do que se possa pensar, a espécie de ação afirmativa nomeada de cotas não teve origem no Brasil com a inauguração de reservas de vagas para determinados grupos nas universidades brasileiras. Seu precedente é na chamada Lei dos 2/3 ou Lei de Nacionalização do trabalho, que consistia a presença mínima de dois terços de brasileiros natos, entre todos os indivíduos, em empresas, companhias, firmas comerciais e associações que contratassem ou empreendessem quaisquer serviços ou obras do Governo Federal. A Lei nº 5.465, chamada "lei do boi", publicada em 1968, versava a respeito de reservas de vagas em escolas agrícolas para filhos de agricultores e candidatos. Em decorrência da promulgação da Constituição de 1988, foram criadas leis que visavam ampliar os espaços à mulher e aos deficientes. Em meados de 2000, para ser mais coerente no mês de Setembro, o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso criou o Comitê Nacional para a Preparação da participação brasileira na III Conferência. Lá se iniciou o debate sobre a situação dos negros existentes no país. Daí surgiram diversas discussões por meio da mídia, militantes de movimentos sociais, políticos e intelectuais a respeito do tema das cotas raciais. Tais discussões colocaram a tona distintas opiniões sobre o uso das ações afirmativas no Brasil como meio de inclusão do negro na sociedade. Maior celeuma ainda foi com a aprovação da Lei estadual no Rio de Janeiro onde 38 previa para indivíduos auto-declarado negro ou pardo a implantação de cotas em universidades. O estado do Rio de Janeiro foi pioneiro na aplicação da política de Ação afirmativa por meio de cotas raciais. A primeira turma de universidade estadual formada pelo sistema de Cotas no Brasil foi instituída no ano de 2003, através das Leis nº 3.524 e 3.708....A Lei 3.708/01 (RIO DE JANEIRO, 2001) reservou uma cota mínima de 40% para negros e pardos no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação da universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Estadual do Norte Fluminense. [...] Este era, portanto, o programa de ações afirmativas no Rio de Janeiro que causou uma grande polemica em todo o Brasil. Como era de se esperar, diversas ações, discutindo a constitucionalidade dessas leis foram ajuizadas perante o poder judiciário. Em 2008 foi elaborada a Lei 5.346, onde ficou criado um novo sistema de cotas para ingresso nas Universidades do Estado do Rio de Janeiro, permanecendo desta maneira: 5% das vagas reservadas para pessoas com deficiência e filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão de serviço, 20% para estudantes de escola publica, e por fim, 20% das vagas para negros e indígenas. A partir deste ato, diversas outras universidades tomaram posições análogas. A Universidade Estadual da Bahia estabeleceu uma cota mínima de 40% para afro descendentes, relativo a cursos de graduação e pós-graduação. Outras instituições brasileiras, diferentemente das supracitadas, adotaram um sistema diferente de cotas raciais. Trata-se do sistema de bônus, consistindo na adição de ponto ou percentuais nas notas dos alunos afro descendentes indígenas ou estudantes oriundos de escola pública. O referido programa foi instituído no ano de 2004, visando melhorar o desempenho médio dos estudantes por meio de uma política de inclusão social, criou o programa Ação afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), sendo a precursora deste programa a Universidade de Campinas. Em minas Gerais, foi aprovada a Lei 15.259/04, trazendo para o ensino superior das universidades publicas estaduais em Minas Gerais, UEMG e Unimontes, pois ela instituiu as ações afirmativas em prol dos afro descendentes, estudantes egressos de escola pública, ambos desde que carentes, e portadores de deficiência e indígenas. A porcentagem das cotas ficou dividida da seguinte maneira: 20% das vagas para negros, 20%para alunos provenientes de escolas públicas e finalmente, 39 5% para deficientes e indígenas, totalizando 45% no mínimo o total de vagas para cada universidade. Entretanto, as referidas cotas foram vetadas pelo então Governador de Minas Gerais Aécio Neves, justificando-se que a fixação destes critérios não embarcavam as condições diferenciais das diversas regiões do Estado de Minas e poderia até mesmo impedir o melhor empenho de políticas positivas. Neste ano de 2012 foi aprovada pelo Congresso Nacional e pela Presidente Dilma Rousseff, a PLC nº 180/2008, de autoria da Deputada Federal Nice Lobão, que prevê a reserva de 50% de vagas das Universidades Federais e nos institutos federais para os alunos cotistas, sendo que 25%, será por cota racial, e os outros 25%, por cota social, na qual o ingresso se dará a partir da nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). 4.4 Legislação infraconstitucional Com observância ao princípio da isonomia disposto no art. 5º, caput: ‖Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...‖ pode-se perceber a legalidade das ―cotas‖ para as classes minoritárias e em se tratando especificamente das ―cotas‖ para afro descendentes como trata o art. 4º, inciso VIII da Carta Magna, que diz que a nossa República Federativa, regida por princípios repudia o racismo, ou seja, atos discriminatórios contra afro descendentes que fere os princípios instituídos por nossa Lei maior. Além disso, as instituições de ensino superior possuem autonomia no que diz respeito as suas políticas administrativas, de acordo com o art. 207 da Constituição Federal de 1988: “As universidades gozam de autonomia didáticocientífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Dessa forma, a adoção do sistema de ―cotas‖ pela universidade, para afro descendentes não fere os princípios e as garantias fundamentais. 40 É nesse sentido que as cotas raciais são medidas que buscam a efetivação da igualdade, procurando diminuir as consequências dos atos discriminatórios ocorridos no passado, sendo assim, percebe-se que o sistema propõe salvaguardar a igualdade material. Essa igualdade material envolve a igualdade formal no sentido de que além de perceber que o princípio da igualdade material absorve e estende o da igualdade formal, pois além de proibir a discriminação, proporciona políticas públicas que buscam extinguir as desigualdades sociais. Assim diz Afonso da Silva (2010; p. 215): ―A Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei... acrescenta vedações a distinção de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação.‖ O art. 1º da Lei Federal 10.558 de 2002 afirma que: “Fica criado o Programa Diversidade na Universidade, no âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente dos afro descendentes e dos indígenas brasileiros.” Notadamente, essa legislação surgiu afim de saldar o débito existente em nossa sociedade com os afro descendentes, com base nos seus longos anos de lutas por um espaço no meio social, bem como galgar posições igualitárias no plano de ensino, saber e conhecimento, especificamente como propõe este trabalho. Além disso, as ações afirmativas propostas pelo nosso governo, buscam extinguir as discrepâncias entre as elites, os pobres, os afro descendentes, as mulheres, os analfabetos, entre outros, com formas de inserção das classes minoritárias no plano geral de sociedade passível de direitos e deveres como a Lei maior nos assegura. Sobre a égide da competência no caso da demanda, notadamente se observa uma incompetência territorial, tendo em vista que uma ação de natureza cível foi iniciada em outro estado diferente do estado do réu, vejamos o que Cintra, Grinover e Dinamarco (2006; p. 254) diz: “A competência de foro (ou territorial) é a que mais pormenorizadamente vem disciplina nas leis processuais, principalmente no Código de Processo Penal e no Código de 41 Processo Civil. Desprezando os casos excepcionais (foros especiais),podemos indicar as regras básicas, ou seja, aquelas que constituem o chamado foro comum: a) no processo civil, prevalece o foro do domicílio do réu (CPC, art. 94); b) no processo penal, o foro da consumação do delito (CPP, art. 70); c) no processo trabalhista, o foro da prestação do serviço ao empregador (CLT, art. 651).” Entende-se, portanto, que a ação que dispor sobre direito pessoal ou bens móveis em regra são propostas no domicílio do réu. Mas não para por ai, por tamanha discussão que o tema tem trazido no âmbito jurídico, essas questões estão sendo mais solucionadas por resolução normativa do que pela própria lei, visto que o sistema de cotas para afro descendentes é regulamentado por lei complementar mediante intervenção estatal, ou seja, cada estado tem sua lei que regulamenta esse sistema, por esta razão não cabe o autor da ação demandada ingressar com a querela em seu estado de origem já que este não adotou o sistema de cotas como assim fez a determinada universidade federal de um estado distinto. Em referência a lei 10.678 de 2003, esta surge para criar uma secretaria de controle das políticas de igualdade racial, com função de coordenar os trabalhos objetivados nesta lei, junto a Presidência da República tendo um controle nacional sobre os trabalhos propostos nesta legislação a nível nacional e setoriais. Nesta linha de raciocínio, passar a existir as Políticas de Ações Afirmativas no âmbito da Administração Pública Federal, sob coordenação e controle da referida secretaria, dispondo de ―cotas‖ para afro-descendentes em universidades, como por exemplo, algumas Universidades brasileiras, a saber: Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade do Estado da Bahia (Uneb), a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal do Paraná (UFPR), sendo estas pioneiras, e outras aderindo ao programa. Complementando o entendimento arrazoado neste trabalho, segue abaixo duas decisões jurisprudenciais: “A argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186-2 proposta pelo partido político DEMOCRATAS (DEM), contra atos 42 administrativos da Universidade de Brasília que instituíram o programa de cotas raciais para ingresso naquela universidade. Alega-se ofensa aos artigos 1º, caput e inciso III; 3º, inciso IV; 4º, inciso VIII; 5º, incisos I, II, XXXIII, XLII, LIV; 37, caput; 205; 207, caput; e 208, inciso V, da Constituição Federal de 1988. [...] Embora a importância dos temas em debate mereça a apreciação célere desta Suprema Corte, neste momento não há urgência a justificar a concessão da medida liminar. O sistema de cotas raciais da UnB tem sido adotado desde o vestibular de 2004, renovando-se a cada semestre. A interposição da presente argüição ocorreu após a divulgação do resultado final do vestibular 2/2009, quando já encerrados os trabalhos da comissão avaliadora do sistema de cotas. Assim, por ora, não vislumbro qualquer razão para a medida cautelar de suspensão do registro (matrícula) dos alunos que foram aprovados no último vestibular da UnB ou para qualquer interferência no andamento dos trabalhos na universidade. Com essas breves considerações sobre o tema, indefiro o pedido de medida cautelar, ad referendum do Plenário.” (ADPF 186-2. STF. Ministro Ricardo Lewandowski). 4.5 Jurisprudência O Tribunal Regional Federal da 4ª região reconhece a constitucionalidade do sistema de cotas: ―DIREITO CONSTITUCIONAL. UNIVERSIDADES. AUTONOMIA CRITÉRIO UNIVERSITÁRIA. AÇÕES AFIRMATIVAS. "COTAS" RACIAL. DISCRIMINAÇÃO. MÉRITO UNIVERSITÁRIO. NAS ISONOMIA. 1.POLÍTICAS AFIRMATIVAS. Conjunto de políticas públicas e privadas, tanto compulsórias, quanto facultativas ou voluntárias, com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e outras intolerâncias correlatas. Técnicas que não se subsumem ao sistema de cotas, ainda que com elas sempre relacionadas. 2.INEXISTÊNCIA DE BASE 43 LEGAL. Previsão expressa no Plano Nacional de Direitos Humanos, no Plano Nacional de Educação e nas Leis nº 10.558/2002, que criou o programa "Diversidade na Universidade" e Lei nº 10.678/2003, que criou Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Autorização, por via legal, para implementação, pelo Poder Executivo, de políticas afirmativas. Previsão em tratados internacionais. 3. CONSTITUIÇÃO. Previsão expressa no tocante à mulher ( art. 7º, XX) e a portadores de necessidades especiais ( art. 37, VIII), a sinalizar baliza fundamental para aplicação do princípio da igualdade jurídica. Legislação infraconstitucional que estabeleceu cotas para candidaturas de mulheres, para portadores de necessidades especiais em concursos públicos e dispensa de licitação. 4. TRATADOS INTERNACIONAIS. Reconhecimento pelo Brasil da competência do Comitê Internacional para eliminação da discriminação racial. Internalização da Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação racial. Recepção dos tratados internacionais anteriores à EC 45/2002, com status supralegal ou de materialmente constitucionais, jurisprudência ainda não definida no STF, mas a indicar a possibilidade de constituírem "bloco de constitucionalidade", a ampliar núcleo mínimo de direitos e o próprio parâmetro de controle de constitucionalidade. 5. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. Revisão dos parâmetros clássicos, de forma a reconhecer sua dupla faceta: a) proibição de diferenciação, em que "tratamento como igual significa direito a um tratamento igual"; b) obrigação de diferenciação, em que tratamento como igual significa "direito a um tratamento especial". Rompimento com a visão clássica, de forma que a igualação jurídica se faça, constitucionalmente, como conceito positivo de condutas promotoras desta igualação. 6. DISCRIMINAÇÃO. Conceito internalizado pelo Decreto nº 65.810/69, reconhecendo diferenciações legítimas e afastando propósitos e efeitos de anular reconhecimento de direitos em pé de igualdade em razão de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica. Quadro cultural brasileiro complexo no que diz respeito ao reconhecimento da existência do próprio racismo, com a ideologia do "branqueamento" e o "mito da democracia racial". Informes internacionais questionando a dificuldade do aparelho estatal em reconhecer e 44 promover atitudes antidiscriminatórias. Reconhecimento, por outro lado, de que a regra aparentemente neutra pode produzir discriminação, que a Constituição proíbe. 7. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. Art. 207, V, CF. Previsão constitucional regulamentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, tendo como norte "as normas gerais da União" e do "respectivo sistema de ensino", podendo ser ampliadas ou reduzidas as vagas ofertadas. 8. SISTEMA MERITÓRIO. A previsão constante no art. 208, V da Constituição não estabeleceu o "mérito" como critério único e decisivo para acesso ao ensino superior, nem constitucionalizou o sistema do Vestibular. Existência de "nota de corte", a demonstrar que o mérito é conjugado com outros critérios de índole social e racial. Inexistência de "mérito" em abstrato. 9. AUTODECLARAÇÃO. Critério que não é ofensivo nem discriminatório em relação aos "negros", porque: a) já é adotado para fins de censo populacional, sem objeções; b) utilizado amplamente no direito internacional; c) guarda consonância com os diplomas legais existentes; d) constitui reivindicação dos próprios movimentos sociais antidiscriminação. 10. DISCRÍMEN RAÇA. Possibilidade admitida quando agir "não para humilhar ou insultar um grupo racial, mas para compensar desvantagens impostas contra minorias". Congruência com os ditames constitucionais de vedação ao racismo, na ordem interna e externa, de modo a indicar: a) no aspecto negativo, a necessidade de impedir qualquer conduta, prática ou atitude que incentive, prolifere ou constitua racismo; b) no aspecto positivo, um mandamento de otimização de medidas cabíveis e possíveis para erradicação de tal prática. Inexistência de "raças" a indicar, contudo, a necessidade de censura ao "racismo". Inteligência da decisão do STF no HC 82.424/RS. Preconceito, no Brasil, de fundo distinto daquele praticado nos EUA e África do Sul ("preconceito de marca" ao invés de "preconceito de origem"), a indicar a inaplicabilidade, aqui, das discussões sobre percentuais de genes africanos, europeus ou indígenas. 11. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. Aplicação aos atos de todos os poderes públicos, vinculando legislador, julgador e administrador, mas com extensão e intensidade distintas conforme se trate de atos legislativos, da administração ou da 45 jurisdição. Limites de "conformação" do administrador e do legislador a reduzir a análise de todas as possibilidades de escolhas postas à disposição. Verificação de: a) adequação, que não constitui o dever de escolher o meio mais intenso, melhor e mais seguro, mas sim a anular o ato somente quando a inadequação for evidente e não for, de qualquer modo, justificável; b) necessidade, em relação ao meio eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos; c) proporcionalidade em sentido estrito, comparando a importância da realização do fim e a intensidade da restrição de direitos fundamentais. Metas fixadas para educação nacional pelo Legislativo com duração de dez anos, passíveis de revisão. Não-comprovação de que as premissas para instituição de critérios de "inclusão social"- ampliação do acesso para estudos de ensino público e auto declarados negros, promoção da diversidade étnico-racial no ambiente universitário, educação de relações étnico-raciais - não são critérios adequados, necessários e proporcionais para os fins constitucionais de repúdio ao racismo, redução das desigualdades sociais, pluralismo de idéias, garantia de padrão de qualidade do ensino, defesa e valorização da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, valorização da diversidade étnica e cultural e promoção do bem de todos, "sem preconceitos de raça e cor e quaisquer outras formas de discriminação". Percentuais de cotas que não constituem patamar elevado,seja porque 87% da oferta de vagas vem do ensino público médio e fundamental, seja porque a população negra brasileira é superior ao percentual estabelecido nas cotas. Reconhecimento de que os programas deixam sempre à disputa livre da maioria "a maior parcela de vagas", como forma de "garantia democrática do exercício de liberdade pessoal e realização do princípio da nãodiscriminação" (Carmen Lucia Antunes). (TRF4, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2005.70.00.008336-7, 3ª Turma, Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, POR UNANIMIDADE, D.E. 24/04/2008) Então, conforme as jurisprudências citadas acima percebe-se que a matéria vem sido debatida de forma complexa, tendo entendimentos divergentes, mas que deve-se atentar para a necessidade de solucionar um problema que a muito tempo já esta posto. Complementando essa linha de raciocínio Lucília Lopes Silva (2009) fala sobre o sistema de cotas e a intervenção estatal: 46 “...o sistema de cotas deve ser entendido apenas como o primeiro passo no caminho para a eliminação da discriminação racial no ensino. Enquanto as medidas de caráter especial e temporário estiverem vigentes (e, no caso das cotas, o tempo previsto é de dez anos), cumpre ao mesmo Estado que implementa essas medidas, concomitantemente pôr em prática por meio de providências concretas, outras de caráter geral e permanente, que erradiquem as causas que motivam a adoção do sistema de cotas”. Finalizando no dia 15 de dezembro de 2010, o Ministro da Educação Fernando Haddad, entregou ao Presidente da República o projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação (PNE) e a meta 8 objetiva igualar a escolaridade entre negros e não-negros, com vistas à redução da desigualdade educacional. (Diário da Borborema, Campina Grande, quinta-feira, 16 de dezembro de 2010). 5 As eficiências e deficiências das Cotas Raciais 5.1 As Cotas Raciais na visão dos seus defensores e detratores A atual discussão que se instituiu no Brasil em torno da proposta do governo de estabelecer políticas públicas de inserção social dos negros por cotas raciais no ensino superior do país, acabou por se transformar em apenas um ponto de partida para as discussões mais profundas, centradas no questionamento da sociedade brasileira ser ou não ser racista. De um lado, os que são favoráveis ás cotas, justificam a sua necessidade a partir da seguinte concepção:”a desigualdade entre negros e brancos é causada pelo racismo”(KAMEL,2006,p.140) Para tal concepção, a sociedade brasileira esta dividida entre dois grupos raciais, ou seja, “uma nação bicolor, apenas negros e brancos”(MAGGIE In KAMEL,2006, p.11), e mais do que isto, com duas raças ligadas a partir de uma relação, “com os brancos oprimindo os negros”(p.11) do que decorreria uma divida de caráter histórico a ser indenizada no presente, pela adoção de políticas publicas 47 em prol dos negros.Demétrio Magnoli, critico de visão dos cotistas, assim sintetiza o pensamento do grupo: “os negros são pobres porque são negros”(MAGNOLI,2006). Aqueles que são contrários ás cotas essencialmente discordam de que seja o racismo o causador da desigualdade social entre brancos e negros.Concordam, sim, que ―o racismo existe aqui como em todo lugar, mas não é, nem de longe, uma marca da nossa identidade nacional‖(KAMEL,2006,P.103). Para esta vertente, trata-se de um engano fundamental constituir as políticas públicas a partir de critérios raciais, o que implicaria aceitar que a sociedade brasileira é constitutivamente racista...(KAMEL,2006) avalia que após a abolição “jamais existiriam barreiras institucionais contra a ascensão social do negro num país em que os acessos a empregos públicos e ás vagas em instituições de ensino público são assegurados apenas por mérito”, para concluir que “as chamadas ações afirmativas são uma resposta irracional para um problema fictício- o racismo institucional, que não vigora no Brasil”(pp.39-40). Para tal linha de pensamento, a origem do problema, no Brasil, está ligada á sua histórica má distribuição de renda, sua alta concentração que dificulta a mobilidade social dos mais pobres, e á ausência de efetivas políticas públicas de inclusão social do cidadão brasileiro que atinja a todos, mas em especial á camada mais pobre da população. Tal argumentação se fundamenta na informação de que: “cerca de um terço dos brasileiros estão abaixo da linha da pobreza por ter renda per capita inferior a meio salário mínimo ; dois terços têm renda per capita de apenas um mínimo: entre um extremo e outro, uma multidão com a renda variando entre meio e um salário mínimo” (p.105); Conclui: que “se o problema brasileiro é a pobreza e não o racismo, dimensiona- la é um pré-requisito básico a qualquer política publica que vise a erradica-la,ou sendo mais realista,ameniza-la”(p.105). Em comum, cotistas e não cotistas identificam as questões a serem enfrentadas com políticas publicas:a distribuição de renda e a educação, porém divergem quanto á forma a ser adotada.Os primeiros visam a cotas raciais para o ensino superior, enquanto os outros entendem que o investimento no ensino médio e fundamental seria um meio de promover a equalização de oportunidades. O tema divide opiniões inclusive entre a parcela negra da população.Neste 48 sentido, o representante do ― Movimento Negro Socialista, José Carlos de Miranda,é contrario ás cotas;defende a adoção de políticas voltadas á população pobre.No Brasil, branco pobre também é preto.Por outro lado,Marcos Santos da Silva,coordenador do Movimento Negro Unificado,defende:”as cotas e ações afirmativas representam uma tática imediata, não podemos esperar a reforma da educação”(CONSTANTINO,2006). A discussão vem se ampliando,recebendo acréscimo do ingrediente emocional,conforme nos informa a narrativa da antropóloga Yvonne Maggie no prefacio do livro Não Somos Racistas ,de Ali Kamel: ”O debate foi tão emocional como todos os que seguiram com diferentes personagens e em diferentes cenários.Sua estrutura mudou pouco nos últimos anos.Posições contra e a favor das cotas na mesa e na plateia;um grupo ruidoso que clama pelas cotas raciais e acusa de racistas os que criticam a política”(MAGGIE In KAMEL,2006). Aqui a hipótese de sustentação é de que a sociedade brasileira é formada pela raça negra, no papel de vitima explorada, impedida de evoluir na escala social em razão do racismo da raça branca, atuando historicamente como algoz.Nesta linha de pensamento, a discussão do conceito de raça acaba posicionada como principal subsidio á discussão central.E, a partir de uma ação presente se objetiva solucionar o suposto desvio incutido no passado.É neste contexto que se acaba por desenvolver o chamado Estatuto da Igualdade Racial como instrumento institucional capaz de produzir uma indenização de cunho histórico. 5.1.1 Considerações Finais Ao observar o confronto dos pós e contras, fica a percepção de um aspecto produtivo no que se refere á exposição de temáticas sociais como a questão racial, inclusão social e distribuição de renda, nem sempre temáticas preferenciais da grande imprensa.No que tange especificamente á questão racial e á proposta das cotas como solução, parece haver uma convergência em favor da inclusão, porem divergência quanto á forma e á estruturação que se propôs para sua solução. Embora a ideia, que a principio fomenta o Estatuto pareça ser a da igualdade, 49 ao observar as suas medidas, esta não se mostra adequada aos seus objetivos de claro caráter reparador, e mais do que isto ,indenizatório.Portanto, não há como não estipular na sua estruturação um ato criminoso, um pecado original que gere um culpado.Por decorrência,se teria um criminoso ou pecador, o que pediria um código penal, um tribunal, um juiz, a promotoria, a defensoria e então um julgamento isento. Chega a causar surpresa quando se fala abertamente num discriminação positiva, onde os descendentes da raça conceito de vitimizada pudessem,institucionalmente, discriminar os descentes dos algozes.A ligação entre o conceito de negro e pobreza, passa uma borracha na imensa população branca que também é pobre, como se estes fossem um mero estorvo ao pensamento que já se constitui em juízo definitivo, onde o sentimento de indignação acaba se deixando levar pela intolerância.A ideia de discriminação positiva acaba por justificar a perseguição positiva, o assassinato positivo;enfim, dá o adjetivo positivo a comportamentos humanos dignos de amplo repudio da cidadania constituída em bases universais e humanitárias.O brasileiro ainda não conquistou a plenitude de sua cidadania, é em um pais mestiço, onde valorizar a diferença racial pode ser um meio de se promover um eterno confronto civil, que pode ser franco ou dissimulado.Elevar uma raça e produzir reconhecimento não é sinônimo de humilhar e atribuir crimes aos descendentes de outra. A escravidão é um crime produzido pela humanidade;brancos escravizaram brancos,negros escravizaram negros,brancos escravizaram negros e,se tivesse oportunidade,o negro escravizaria o branco.Escravidão é ação ultima da discriminação,e ofende a dignidade de quem não praticou tal crime hediondo pagar por ele,mas isto parece ser algo secundário. 5.2 Argumentos prós Legalidade não implica necessariamente em legitimidade, sendo essa a ser construída (ou não) por um debate público mais amplo do que o que se dá nos espaços formais do Estado. Nesta linha de pensamento,elas podem ser sintetizadas em três princípios básicos de um Estado democrático de direito na contemporaneidade: redistribuição das riquezas e bens produzidos em uma sociedade; reconhecimento à diversidade cultural dos povos; 50 reparação do Estado brasileiro em relação aos malefícios perpetrados contra a população negra ao longo da história de nossa nação. 1-O Estado brasileiro promoveu e ajudou a promover a escravidão de negros no país por quatrocentos anos.O Brasil não foi apenas o último país do mundo a abolir a escravidão,mas também o pais que mais teve escravos na história; 2-A abolição da escravidão não foi acompanhada de nenhuma iniciativa do Estado em reparar o dano causado a esta população. Os negros brasileiros conhecem principalmente a face repressora do Estado que promoveu a perseguição de suas manifestações culturais e religiosas (samba,capoeira,candomblé,etc.) 3-A discriminação racial é atestada ano após ano pelas estatísticas que comparam a vida de brancos e negros (pretos e pardos) no país: índice de mortalidade, analfabetismo, anos de educação escolar, salários, expectativa de vida, população carcerária, etc.Em todos esses indicadores sociais, negros aparecem em situação de desvantagem em relação aos brancos. 4-Não é a primeira vez que o país adota medidas de discriminação positiva, compatíveis com a Constituição de 1988, por exemplo: reservas de cargos para portadores de deficiência física, proteção do mercado de trabalho da mulher, reserva de vagas para mulheres nas candidaturas partidárias, a Lei 5.465, a "Lei do Boi" que reservava vagas para agricultores e seus filhos no ensino agrícola, além da lei que estabelece o ingresso diferenciado de estudantes africanos nas universidades brasileiras sem passarem pelo crivo do vestibular. 5-A educação apresenta-se como uma variável determinante na desigualdade de renda entre negros e brancos. Em países como o Brasil, em que o diploma de ensino superior funciona como critério de exclusão social, não ter acesso às universidades, é estar impedido de ocupar os postos sociais mais importantes da nação. 51 6- Contra aqueles que acreditam que as cotas sociais resolvem o problema com um ônus menor, alguns dados revelam que alunos negros comparados a alunos brancos de mesmo nível socioeconômico, do ensino público e privado, têm proficiência menor do que os alunos brancos. Assim, políticas sociais não terão o mesmo impacto que as raciais. 7-Qualquer critério de escolha de quem deve ou não ingressar numa universidade é questionável: por que devemos saber determinados conteúdos de química e matemática, mais do que de arte, se optamos, por exemplo, por um curso na área de ciências humanas? O fato de ser contestável não implica na impossibilidade de se formular critérios adequados a cada região do país e passíveis de modificações à luz da experiência das cotas, regularmente aferida. 8- Raça não existe?Se, de fato, o conceito de raça é contestado pela medicina, biologia e pela genética (embora, curiosamente, essas ciências tenham no passado ajudado a legitimar a ideia da superioridade branca), o conceito de raça como categoria política e social é plenamente legítimo. 5.3 Argumentos contra Essa segregação de direitos, apelidada de cotas raciais, encontra-se vedada pela consciência nacional ,são cláusulas imperativas, que asseguram a igualdade de direitos, base fundamental da dignidade humana. Os defensores da segregação de direitos raciais desprezam a igualdade humana trazida pelo iluminismo –Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, deferida por Immanuel Kant – e sustentam a tese da desigualdade natural de Aristóteles: “Se os homens não são iguais, não devem receber coisas iguais”. Vivemos, enquanto colônia de Portugal, com leis que faziam discriminações pela cor, origem, religião e cultura. Porém, sob a influência iluminista do século 18, desde a primeira Constituição do Brasil, de 1824, a igualdade tem sido declarada e reiterada nas cartas. A de 1988 reafirma o primado da igualdade humana sem a 52 hipótese da classificação racial para o exercício de direitos. É a expressão de nossa índole. Em 1953, após a tragédia do nazismo, o sociólogo Oracy Nogueira, da USP, publicava tese de doutorado, um clássico da sociologia, Tanto Preto, Quanto Branco, com pesquisas que revelavam que para o norte americano o que importava era a raça (origem), enquanto para o brasileiro era a cor (marca), razão pela qual não tivemos ódios raciais, embora tenhamos as discriminações de cor. Em 2009, a pesquisadora Francisca Cordélia, da UnB, chegava à mesma conclusão, lamentando: ―Os brasileiros não reconhecem sua identidade racial‖. Pesquisa divulgada no Rio de Janeiro, em 2008, atestava: 63% dos afro brasileiros são contra a segregação de direitos raciais. Política racial, mesmo de boa-fé, é terapia estatal para uma doença inexistente: não temos identidade racial. A questão em julgamento não são as políticas públicas de inclusão de afro brasileiros nas universidades públicas, o que poderá ser contemplado pelo critério de cotas sociais ampliando as oportunidades aos mais pobres, dos quais 70% são pretos e pardos. O que se disputa é a possibilidade da segregação de direitos raciais pelo Estado. Os defensores falam em diversidade racial. Nós contrapomos o império do pensamento da diversidade humana. A diversidade racial significa o Estado conferindo validade à tese racista da classificação racial, que nós repudiamos. O que está sob julgamento é se a Carta Cidadã permite a discriminação estatal com base em direitos raciais segregados. É disso que tratamos nesse julgamento histórico e cuja deliberação influenciará a harmonia social de futuras gerações. Ortega y Gasset, o filósofo espanhol, nos diz da responsabilidade da atual geração entregar à futura um ambiente social melhor do que a recebido. A nossa geração recebeu uma sociedade sem direitos e sem ódios raciais. Como vamos entregá-la? 5.4 O argumento da reparação histórica A primeira vez que tal argumento foi usado para justificar políticas de ação afirmativa foi na Índia, o primeiro país do mundo a adotar tais políticas. Naquele contexto, um de seus principais objetivos era justamente o de compensar um 53 determinado grupo social (os dalits ou ―intocáveis‖) por injustiças cometidas no passado.Posteriormente, o mesmo argumento veio a ser novamente utilizado nos Estados Unidos, primeiro pelo Civil Rights Movement, chegando depois a ser incorporado até como fundamento de decisões da Suprema Corte americana. O presidente americano Lyndon B. Johnson, precursor das medidas de ação afirmativa nos Estados Unidos, em um discurso aos formandos da turma de 1965 da Howard University, se valeu exatamente do argumento da reparação histórica para justificar as políticas de favorecimento dos negros: “A liberdade, per se, não é suficiente. Não se apaga de repente cicatrizes de séculos proferindo simplesmente: agora vocês estão livres para ir onde quiserem e escolher os líderes que lhe aprouverem. [...] Não se pode pegar um homem que ficou acorrentado por anos, libertá-lo das cadeias, conduzi-lo, logo em seguida, à linha de largada de uma corrida, dizer “você é livre para competir com os outros”, e assim pensar que se age com justiça”. Enfim, percebe-se que, através do argumento da reparação histórica, tenta-se atualmente,no Brasil, justificar o tratamento desigual entre candidatos a universidades públicas brancos e negros, com base no critério da raça. Para tanto, defende-se que, como no passado a ―raça branca‖ teria escravizado a ―raça negra‖,hoje essa mesma ―raça negra‖ mereceria uma reparação história, que poderia ser perfeitamente realizada em detrimento da ―raça branca‖, já que esta teria sido a agressora no passado e, portanto, poderia sofrer as consequência dessa compensação no presente.Há uma quantidade imensa de equívocos e inexatidões históricas e lógicas nesse raciocínio. Em primeiro lugar, ele parte do pressuposto histórico falso de que a escravidão foi um fato racial, em que uma raça (a branca) teria escravizado outra raça (a negra).Na verdade, a escravidão foi um fato econômico que não seria possível sem que reais interesses comerciais relacionados ao tráfico transatlântico existissem em ambas as margens do oceano. De fato, é dado histórico inegável que os negros eram escravizados primeiramente por tribos rivais do mesmo continente e só depois vendidos aos europeus.Além disso, no Brasil, os negros não eram somente escravos, mas também tiveram participação expressiva como proprietários de escravos. O historiador José Roberto Pinto Góes nos informa que, por volta de 1830, em Sabará, Minas Gerais, quase 54 metade da população livre de cor tinha escravos. Já, na região de Campos, ainda de acordo com Pinto Góes, um terço da classe senhorial era de descendentes de escravos.Outro ponto que se deve ressaltar aqui são as informações que o estudo da genética nos traz. Por meio de tal ciência já foi possível concluir que, no Brasil, em decorrência do elevado grau de miscigenação, não é possível aferir a ancestralidade de um indivíduo através da mera análise de características fenotípicas como a cor da pele. Sobre essa questão,afirma o médico geneticista Sérgio Pena que: No Brasil, a cor, avaliada fenotipicamente, tem uma correlação muito fraca com o grau de ancestralidade africana. No nível individual qualquer tentativa de previsão torna-se impossível, ou seja, pela inspeção da aparência física de um brasileiro não podemos chegar a nenhuma conclusão confiável sobre seu grau de ancestralidade africana. (PENA,Sérgio, Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira, p. 336) Desse modo, é totalmente descabido considerar que um candidato a uma universidade pública de cor preta possa ser privilegiado em detrimento de seu concorrente de pele mais clara, com base na presunção de que o primeiro seria necessariamente descendente de escravos e, por isso, merecedor de reparação, enquanto o segundo seria necessariamente descendente de donos de escravos, podendo, assim, sofrer as consequências dessa compensação histórica.. Na verdade, nada impede que aquele estudante de pele mais escura seja, por exemplo,descendente de um ex escravo que se tornou depois proprietário de escravos, ou ainda que sua ancestralidade seja mais européia do que africana. Do mesmo modo, é perfeitamente possível que o estudante de pele mais clara possua, entre seus ascendentes,africanos escravizados, sendo, portanto, pelo raciocínio da reparação histórica, legítimo detentor do direito de compensação. Assim é preciso se perguntar:o argumento da reparação histórica é plausível? É suficiente para justificar um tratamento desigual entre candidatos brancos e negros a uma vaga em uma universidade pública brasileira? A resposta só pode ser negativa, seja pela falta de consistência histórica de tal argumento,seja por contrariar postulados básicos da Genética, como acaba de ser demonstrado. 55 5.5 O argumento da inclusão social Enquanto o argumento da reparação histórica volta-se para o passado, o da inclusão social procura analisar tão somente a situação do indivíduo considerado negro na sociedade brasileira do presente. Segundo tal argumento, os negros se encontrariam hoje em uma situação de inferioridade na disputa por vagas em universidades públicas, porque seriam socialmente excluídos em função do racismo que sofreriam. Desse modo, as cotas raciais seriam legítimas, porque, ao funcionar como um instrumento de inclusão social dos negros,elas os trariam para uma situação fática maior em relação aos brancos no processo de seleção para ingresso em cursos superiores. Para se avaliar a plausibilidade desse argumento, deve-se primeiro investigar quais são os fatores objetivos que influenciam na competição por vagas em uma universidade pública. De modo geral, pode-se afirmar que os candidatos aprovados em um vestibular serão aqueles mais bem preparados para o exame, isto é, os que estudaram mais, frequentaram melhores escolas e contaram com uma estrutura melhor para aprender aquilo que lhes é cobrado nas provas de conhecimento colocadas como instrumento de seleção pelas universidades.Ocorre que nem todos os candidatos tiveram acesso às mesmas oportunidades de estudo e de se preparar adequadamente para o vestibular. Notadamente, os filhos de famílias ricas e de classe média possuem condições muito maiores de realizar de forma apropriada tal preparação do que aqueles oriundos de famílias pobres. Enquanto os primeiros têm a oportunidade de frequentar colégios particulares de nível elevado e contam ainda, via de regra, com um ambiente familiar mais estável, os segundos se veêm sem outra escolha que não a de serem abarcados por um sistema público de educação de péssima qualidade, tendo de suportar ainda as instabilidades familiares que a falta de recursos financeiros normalmente traz. Por esse motivo, muitas universidades públicas adotam as chamadas cotas sociais,que beneficiam alunos oriundos de escolas públicas, com o objetivo de corrigir essas distorções sociais. Tais medidas, ainda que questionáveis sob o ponto de vista de sua conveniência política, são absolutamente irrepreensíveis sob a perspectiva do princípio da igualdade, já que é evidente a correlação lógica entre o tratamento desigual promovido e o critério de discriminação adotado.Entretanto, que 56 influência significativa o elemento ―raça‖ possui em disputas por vagas em universidades públicas?Para se responder a essa questão, deve-se analisar situações em que todas as variáveis externas ao estudante que comumente influenciam no seu êxito ou fracasso no vestibular são constantes, colocando-se como o único fator de diferenciação o fator ―raça‖. Assim, a título de ilustração, imaginemos dois jovens brasileiros pobres, moradores de uma mesma favela em uma grande cidade brasileira, ambos provenientes de famílias desestruturadas e alunos de uma mesma escola pública deteriorada, na qual frequentam a mesma classe, assistindo aulas com os mesmos professores mal remunerados e tendo acesso ao mesmo material didático precário. Possuem, portanto, condições sociais iguais,diferenciando-se apenas pela cor da pele. Enquanto um possui pele branca, o outro tem pele preta. Seria plausível estabelecer-se um tratamento desigual entre os dois, com base no critério da raça, de modo a favorecer aquele indivíduo pobre de pele preta em detrimento do outro de pele branca, somente pelo fato de possuírem tons de pele diferentes?Seria essa discriminação compatível com o princípio da igualdade?Evidentemente que a resposta só pode ser negativa. A cor da pele desses jovens não os torna mais ou menos capazes de se preparar para um vestibular. Eles possuem exatamente as mesmas precárias oportunidades de estudo, de modo que os discriminar somente criaria, arbitrariamente, uma desigualdade onde originalmente predominava uma situação de plena igualdade fática, o que não é de forma alguma admissível pelo Direito. Nesse ponto, é relevante mencionar o caso das cotas raciais em estado puro, como as que existem na Universidade de Brasília. Nesse caso, a incompatibilidade do tratamento desigual estabelecido com o princípio isonômico é ainda mais clara. Isso porque tal sistema admite que mesmo jovens negros oriundos de famílias prósperas e que sempre puderam frequentar instituições privadas de ensino de excelente qualidade sejam beneficiados pelas cotas em detrimento de pobres de todas as demais cores. Privilegiam-se, assim, em nome de uma suposta justiça social, inclusive, candidatos com todas as condições materiais para se preparar adequadamente para o vestibular, prejudicando-se injustificadamente concorrentes não negros mais desfavorecidos socialmente. O argumento da inclusão social do negro como fundamento para cotas raciais 57 peca por tentar justificá-las por meio de bases excessivamente genéricas, esquecendo-se que, concretamente, grandes injustiças podem ser cometidas com brasileiros de todas as demais cores e que sofrem igualmente com os obstáculos ao ingresso em universidades públicas que a pobreza lhes impõe. A realidade brasileira nos revela que, se analisarmos a situação de grupos negros e brancos que possuem a mesma situação social desfavorável, não é possível constatar qualquer diferença significativa no acesso de ambos à educação.É exatamente isso que prova um trabalho do estatístico Elmo Iório sobre a questão. Com o objetivo de comparar a realidade de negros e brancos pobres na sociedade brasileira, ele fez tabulações, com base em dados brutos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE de 2004, da situação dos brasileiros dessas duas ―raças‖,residentes em áreas urbanas, com um filho e rendimento familiar total de até dois salários mínimos. A intenção, como se percebe, era reunir brasileiros pobres brancos e negros em grupos comparáveis para se poder ter uma real noção da influência que a cor da pele, em si, poderia ter sobre a condição de uma pessoa na sociedade brasileira. A pesquisa revela uma semelhança muito grande entre os dois grupos: “72% dos brancos, 73% dos pretos e 69% dos pardos sabem ler e escrever.A média de anos de estudo,para os brancos,pretos e pardos é de 5 anos. 28% dos brancos, 28% dos pretos e 29% dos pardos têm entre quatro e sete anos de estudo. 9% dos brancos, 9% dos negros e 7% dos pardos estudaram entre 11 e 14 anos. Praticamente nenhum branco,preto ou pardo estudou mais de 15 anos. O ensino fundamental foi o curso mais elevado que 55% dos brancos, 56% dos pretos e 62% dos pardos frequentaram. Já para 22% dos brancos, 22% dos pretos e 19% dos pardos, o curso mais elevado que já frequentaram foi o ensino médio.O número de brancos, pretos e pardos que concluíram o ensino superior é desprezível.” (KAMEL, p.83-84) Os resultados dessa pesquisa deixam claro que, tomando-se em consideração grupos equivalentes, o fator ―raça‖ em nada influencia nos indicadores 58 sociais de brancos e negros, não tendo, inclusive, qualquer relação com as suas chances de chegar a uma universidade. Na verdade, o grande obstáculo que impede brancos e negros pobres de ingressar em um curso superior é justamente a pobreza, que condena ambos igualmente a um ensino público de péssima qualidade.Por último, deve-se lembrar que as cotas raciais, onde quer que tenham sido implantadas no mundo, não melhoraram a situação social daqueles que pretendiam beneficiar. Thomas Sowell, famoso economista americano, prova exatamente isso em seu demolidor livro Affirmative Action Around the World.Analisando as cotas raciais nos Estados Unidos da América, Sowell constatou que,antes do estabelecimento das políticas de ação afirmativa fundadas no critério racial, a proporção de negros abaixo da linha oficial de pobreza declinou de 87% em 1940 para 47% em 1960 e finalmente para 30% em 1970. No entanto, durante a década de setenta, justamente quando tais políticas foram fortemente implementadas, esse índice reduziu-se, segundo ele, para apenas 29%, isto é, uma diferença de somente 1%. O livro ainda nos revela que, em 1940, os negros americanos entre 25 e 29 anos possuíam aproximadamente quatro anos de estudo a menos que os brancos. Em vinte anos, segundo o historiador, a diferença caiu para dois, e, em 1970, era de menos de um ano, 12,1 contra 12,7. Isso demonstra que, antes do início das políticas de cotas raciais nos Estados unidos, os negros americanos já tinham se aproximados muito dos brancos na educação, sem precisar de qualquer favorecimento racial por parte do Estado.A Índia é outro importante exemplo, dado por Sowell, do fracasso do modelo de cotas raciais como instrumento de inclusão social de grupos historicamente desfavorecidos. A sociedade indiana é dividida em castas que, na verdade, possuem significado muito próximo daquilo que se entende, no Brasil, por raça. Lá, as cotas foram utilizadas, pela primeira vez na história mundial, para beneficiar os dalits (também chamados de ―intocáveis‖),casta historicamente excluída e discriminada no país. No entanto, ao longo dos anos, tal política se expandiu tanto que não menos de 52% da população do país foram incorporados na categoria de grupos beneficiários.A despeito de tamanha força, as cotas raciais não reduziram as desigualdades econômicas na Índia. A realidade, como nos ensina Thomas Sowell, é que ―os benefícios reservados para os intocáveis se dirigem desproporcionalmente 59 para aqueles grupos de intocáveis que são mais prósperos‖ (SOWELL, p. 48). Por isso, o ilustre economista americano conclui que ―a ação afirmativa na Índia produziu benefícios mínimos para aqueles que mais precisam deles e máximo ressentimento e hostilidade contra tais pessoas por parte de outros‖ (SOWELL, p. 49). Outros exemplos poderiam ser dados, mas esses já são suficientes para demonstrar que as cotas raciais, quando aplicadas na prática, não costumam produzir inclusão social,nem têm o potencial de beneficiar verdadeiramente os seus principais alvos. Enfim, após todas as considerações aqui feitas, conclui-se que o argumento da inclusão social não é suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual entre candidatos negros e brancos a uma universidade pública brasileira. Falta-lhe plausibilidade, já que discriminar pessoas igualmente capazes de competir por uma vaga em um curso superior(vide exemplo dos dois jovens pobres acima dado), em nome de uma suposta justiça social, que a experiência demonstra que não promovem, outro coisa não é senão arbítrio.Esse quadro é ainda mais grave quando as cotas raciais beneficiam indiscriminadamente negros ricos e pobres. Nesse caso, como se demonstrou, a arbitrariedade do tratamento desigual é ainda mais evidente. Além disso, não é possível, através desse argumento, aferir qualquer correlação lógica entre o tratamento desigual dispensado e o critério da raça. Afinal, quando se compara, no Brasil, a situação de um negro e um branco pobres e iguais sob os demais aspectos sócio econômicos, não é possível identificar entre eles quaisquer diferenças substanciais de acesso à educação e de chances de se chegar a uma universidade pública que pudessem ser atribuídas à diferença de cor, como demonstra o já citado trabalho do estatístico Elmo Iório. 6 Direito Comparado 6.1 Sri Lanka O Sri Lanka atingiu sua independência em 1948 deixando de ser uma colônia Inglesa,sua população é formada pelos cingaleses e tâmeis. 60 O Sri Lanka iniciou uma guerra Civil depois da promulgação de sua primeira Constituição.Para que os tâmeis pudessem conseguir sua total independência dos cingaleses estes formaram um regime separatista. Para apaziguar os conflitos a Constituição do Sri Lanka foi reformada para eliminar os preceitos que garantiam direitos as minorias. Em 1972 foi instituído o sistema distrital de cotas podendo permitir oportunidades de ingresso nas universidades aos tâmeis Porem as consequências da guerra civil foram agravadas pelo novo sistema que inflamou as rixas entre cingaleses e tâmeis.O caso do Sri Lanka é uma boa prova de que as cotas podem transformar paz em sangue. 6.2 Malásia Na Malásia as cotas beneficiam os malaios, também chamados de filhos da terra, desde 1968, localizada no sudeste do continente asiático. Segundo Jose Jorge afirma que “Na Malásia os malaios não tinha praticamente acesso ao ensino superior e ao serviço publico”. Com objetivo de reestruturar a sociedade e erradicar a pobreza da população excluída, foi em 1969 que criaram a denominada nova política econômica, a qual adotaram as cotas para admissão nas instituições educacionais, nos empréstimos bancários, nos cargos do governo, nos negócios comerciais, etc., devido ao fato dos nativos e das tribos que sempre permaneceram em desvantagem econômicas em relação às demais parcelas da população. Somente partir dos anos 70 que foram introduzidos as cotas raciais. 6.3 Índia Para beneficiar os Dalits e outras pequenas tribos em 1950 surgiu o sistema de cotas.Os Dalits são considerados intocáveis ou impuros por não descenderem do Deus Brahma (divindade máxima do hinduísmo)e pertencerem a uma casta que representavam 24% da população do pais. Os intocáveis receberam o benefício 61 como reparação da discriminação da qual eram vítimas por parte daqueles que pertenciam a uma Casta. As cotas atribuídas aos intocáveis e as tribos foram adotadas pela Constituição Federal da Índia (promulgada em 26 de janeiro de 1950) e concedendolhes, até os dias atuais, de 7,5% a 15% dos cargos na administração, nas assembleias parlamentares e na educação; tais medidas se aplicam a três grupos: as castas classificadas, as tribos classificadas e as classes atrasadas, uma vez que os regimes coloniais excluíram esses grupos da estrutura do poder, fato que acarretou uma grande pobreza entre seus membros.Entretanto, a repercussão das ações não apresentou os resultados almejados, uma vez que o critério da auto declaração adotado, deixa margem para incorreções. Ademais há uma desproporcionalidade entre o número de beneficiários e a quantidade de recursos disponibilizados pelo governo. Atualmente a Índia anunciou que vai enviar para o Parlamento do país um projeto de lei que dobra o número de vagas para minorias no sistema de cotas para universidades federais. Segundo o projeto, quase metade das vagas nas faculdades profissionalizantes públicas serão destinadas as castas mais baixas e a classes chamadas de ―tradicionalmente desfavorecidas‖ deveriam vigorar apenas pelo período de 10 anos, tempo considerado suficiente para haver o equilíbrio das oportunidades para todos independentes de Casta ou tribos. Após quase 60 anos de implantação do sistema, as cotas ainda estão em vigor na Índia, graças a algumas brechas encontradas na legislação indiana, sendo que mais de 52% da população é beneficiada por algum tipo de cota e 63% dos Dalits continuam analfabetos. Conforme o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU/20047 revela que a Índia apresenta uma das mais longas histórias de persecução de ações afirmativas. 6.4 África do Sul Desde o século XIX, a África do Sul era governada por uma minoria branca inglesa, os quais promoveram a independência política do país, rompendo com a submissão à Inglaterra. Entretanto, o colonialismo interno permaneceu, sendo que propuseram um regime de segregação racial denominado apartheid. 62 Atualmente o país conseguiu produzir uma classe média negra com as cotas, mas a maioria dos negros permaneceu pobre e os brancos começaram a ser discriminados no mercado de trabalho e se tornaram pobres também. 6.5 Outros países Hoje cotas são usadas, por países como África do Sul, devido à antiga Apartheid e á Índia devido ao sistema de castas e o Canadá, devido á questão d’Quebec, na Austrália, para beneficiar os aborígenes, na Nova Zelândia e na Colômbia que adoram as cotas para negros e índios nas universidades. Alguns países anglo-saxões deixam a critério do município as políticas de cotas, para que haja sensibilidade ás condições locais. Outros países como Peru, Bolívia e Equador estão discutindo neste momento o ensino superior indígena, o assunto é bastante polêmico e nada indica que um dia deixará de ser. O Brasil tem atualmente a segunda maior população negra do mundo (atrás apenas da Nigéria) e é inegável que o País tem uma divida histórica com negros e indígenas. Por outro lado as cotas raciais já prejudicaram varias pessoas que perderam vagas ou empregos para concorrentes com menor pontuação ou qualificação. 7 Conclusão Analisando o desempenho do grupo verifica-se que as politicas de cotas para o acesso de afrodescendentes para as universidades, servem de medidas paliativas para minorizar o abismo social e educacional. A primeira conclusão é que a educação superior constitui um direito humano fundamentada pela Constituição Federal, bem como está pautado na dignidade da pessoa humana. 63 A fim de efetivar este direito humano fundamental às minorias que não o alcançam, o poder público, utilizando-se de políticas públicas, lança mão de ações afirmativas. No Brasil esse assuntou tomou proporção relevante para a sociedade já que cotas para afrodescendentes nas universidades deixou claro o caráter preconceituoso sucumbido pelos demais. Uma vez que o preconceito se processa no imaginário coletivo, a prática discriminatória é dirigida a quem parece pertencer à determinada raça/etnia, o método de definição étnico-racial mais adequado para o sistema de cotas raciais é, a cor da pele. Por fim, como o direito à educação superior constitui um direito social, ele está intimamente ligado à igualdade. Portanto, o critério étnico-racial é adotado por estes institutos para que as minorias étnicas gozem dos mesmos direitos e benefícios sociais que os indivíduos das etnias majoritárias, diminuindo-lhes efetivamente as desigualdades materiais. Para que não ofenda o princípio da igualdade, o sistema de cotas raciais e demais ações afirmativas devem respeitar determinados requisitos e pressupostos, dentre eles, a imprescindibilidade e a temporariedade. Tendo o grupo uma visão coletiva essas cotas raciais e sociais são uma fachada do governo para esconder a sua falta de interesse em acabar com as desigualdades já existentes na sociedade, e uma melhora educacional na base fundamental a onde não se tem a preocupação com a cor da pele ou se aquele bolso tem dinheiro. 8 Referência BRASIL, Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: SECAD; SEPPIR, jun. 2009. 64 BRITO, QUEZIA MARINHO DE OLIVEIRA - B862 Diversidade étnico-racial no ensino fundamental : um estudo de caso no Colégio Municipal Honorino Coutinho / Quezia Marinho de Oliveira Brito, 2009. 135f. p.8 CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000. GÓES, JOSÉ ROBERTO PINTO, Cf. Histórias mal contadas, p. 59-60 LUNA, F. V. E KLEIN, H, Cf. Evolução da Sociedade e Economia Escravagista de São Paulo, de 1750 a 1850, p. 201-202. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. GOMES, JOAQUIM B. BARBOSA. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001. GOMES, NILMA LINO. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: MEC/SECAD, 2005. p. 39-62. GOMES, JOAQUIM B. BARBOSA. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA. Renovar, Rio de Janeiro/São Paulo, 2001, p. 41. Regents of the University of California v. Bakke (1978). JENSEN, GEZIELA - Politicas de cotas raciais em universidades brasileiras, Entre a legitimidade e a eficácia - Editora Jurua ano 2010 SOUZA NETO, CLÁUDIO PEREIRA DE; FERES JÚNIOR, João, Ação Afirmativa: Normatividade e Constitucionalidade, p.346, 348. SOWELL, Affirmative Action Around the World: an empirical study, p. 117-120. www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&d ocumento=2137074&hash=c3a21353e72f8c71a7c2e4e45707acc5 – Acesso em: 25/10/2012 http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-p/cotas_estimulam_discriminacao_reversa.htm – Acesso em 25/10/2012 www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm – Acesso em 26/10/2012 65 www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11096.htm – Acesso em 26/10/2012. http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3188&bd=1&pg=1&lg – Acesso em 07/11/2012 http://blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/cotas-raciais-contra-e-afavor/?doing_wp_cron=1352586574 – acesso em 10/11/2012 http://blogbr.ecglobal.com/pesquisas/o-que-os-brasileiros-pensam-sobre-cotasraciais-nas-universidades-publicas/ – acesso em 10/11/2012 http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2012/05/507475.shtml – Acesso em 14/11/12 ANEXO ANEXO A - Cotas estimulam discriminação reversa, diz procuradora Roberta Kaufman*, cota impõe ônus para parcela da população que 66 não é culpada e afronta a Constituição com reserva de vagas Procuradora de Justiça no Distrito Federal, Roberta diz que o modelo em discussão não resolve o problema, é inconstitucional e pode deflagrar no país uma ―discriminação reversa‖. ―A adoção de cotas estimula uma discriminação reversa, em que um grupo de pessoas, no caso, os estudantes que tentam ingressar nas universidades públicas, sofre o ônus. Vivemos em uma sociedade onde o preconceito não é escancarado. As pessoas que são racistas têm vergonha de dizer que o são. Conseguimos superar a escravidão sem ter uma sociedade com ódio racial. Implementar raça como fator de segregação pode acabar com esse frágil equilíbrio‖, considera. Segundo ela, a adoção do sistema de cotas sob a perspectiva de reparação histórica é um equívoco. ―Por que os brancos pobres de hoje devem pagar pela escravidão que foi aplicada no Brasil?‖ Como alternativa, ela sugere a distribuição de bolsas de estudos em cursinhos pré-vestibulares ou em faculdades para os estudantes mais pobres. Para a procuradora, falta um recorte social ao projeto de lei que estabelece a adoção de cotas nas universidades. ―Essas cotas favorecem que negros ricos entrem na universidade.‖ Veja a íntegra da entrevista concedida por Roberta Fragoso Kaufman ao Congresso em Foco: Congresso em Foco – O percentual de 50% das vagas nas universidades reservadas no PL 73/1993 para alunos da rede pública de ensino é justo? Roberta Fragoso Kaufman – Não. O modelo de cotas brasileiro é uma cópia do modelo norte-americano. Nem nos Estados Unidos, país onde todo esse debate de cotas raciais surgiu, as leis de reserva de vagas foram estendidas à educação. Estamos importando um modelo para uma questão que jamais foi aplicada. E o 67 Brasil faz cópias sem as alterações necessárias. A reserva de vagas em seleções públicas é inconstitucional, pois fere os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Em sua opinião, que malefícios as cotas trazem para a sociedade? A adoção de cotas estimula uma discriminação reversa, em que um grupo de pessoas, no caso, os estudantes que tentam ingressar nas universidades públicas, sofre o ônus. Vivemos em uma sociedade onde o preconceito não é escancarado. As pessoas que são racistas têm vergonha de dizer que o são. Conseguimos superar a escravidão sem ter uma sociedade com ódio racial. Implementar raça como fator de segregação pode acabar com esse frágil equilíbrio. Mas a cota não seria uma possível solução para resolver a histórica dívida social e racial que o Brasil tem com os negros e indígenas? A idéia básica das ações afirmativas não é buscar a reparação histórica. O principio elementar da responsabilidade civil diz que só pode pagar pelo dano quem cometeu o dano. Essa questão de dizer que vamos impor cotas porque é uma reparação histórica é falsa. Por que os brancos pobres de hoje devem pagar pela escravidão que foi aplicada no Brasil? O argumento da política compensatória agride a responsabilidade civil. Como alguém que é contra a escravidão deve pagar por isso? Pode-se até fazer ações afirmativas, mas não por cotas. Elas impõem o ônus para parcela da população que não é culpada. Mas, com mais remanescentes de escolas públicas nas universidades, o quadro de exclusão social e racial não mudaria? A política afirmativa de cotas no Brasil é muito simbólica. É feita para passar a imagem de que o Poder Legislativo está preocupado com a questão. Mas essa política não resolve o problema. Ela é uma política a custo zero, não há aumento de vagas nas instituições públicas de ensino superior ou oferta de bolsas de estudo. O ingresso de estudantes cotistas pode diminuir o nível acadêmico das universidades? O problema não é esse. O nível acadêmico termina se equivalendo, pois os 68 professores acabam exigindo, e os alunos têm que correr atrás. O problema não é a universidade ter que lidar com alunos sem base. O problema é a inconstitucionalidade que se instaura no processo seletivo, no acesso à universidade. O sistema de cotas é excessivo. Qual a avaliação da senhora a respeito do critério da autodenominação para definir a raça? O fato de ser negro no Brasil é muito amplo, pois somos o país mais miscigenado do mundo. Nos Estados Unidos, as ações afirmativas para negros conseguem ser aplicadas porque há a regra de uma gota de sangue. No Brasil, é muito complicada essa definição. Se fosse pelo critério norte-americano, seríamos 90% de negros. Ainda assim, a autodenominação é muito falha. Leva a casos como o dos irmãos gêmeos da Universidade de Brasília em que um foi escolhido para concorrer às cotas e outro não. Instituir comissões para dizer se a pessoa é afrodescendente é um retrocesso. Que legitimidade tem comissões como essas? Querer que uma terceira pessoa diga a que raça eu pertenço é uma política nazista. Isso é um absurdo num sistema que tenta dar uma identificação objetiva para um critério que nunca foi objetivo. Ainda que seja contra as cotas, a senhora acredita que se deve adotar o critério de limite de renda em um sistema de reserva de vagas para escolas públicas? No Brasil, a idéia de raça e classe social tem que ser relacionada. Dar preferência a negros de classe média em detrimento do branco pobre não justifica. Esses projetos de lei de cotas não estipulam o recorte social, não especificam a renda. As escolas militares, por exemplo, são escolas públicas. Tem muita gente rica que estuda em colégio militar. Em Recife, Pernambuco, há vários colégios de aplicação, que são escolas federais públicas, que funcionam dentro das universidades. Esses colégios são excelentes. Aí lhe pergunto: o fato de ser 50% das vagas para alunos de escolas públicas reflete o recorte social do país? Não. Essas cotas favorecem que negros ricos entrem na universidade. Além disse, deve-se considerar que cursos como Matemática, Música e Letras têm presença maciça de estudantes afrodescendentes. Já cursos de Medicina e Odontologia há uma menor participação de negros, pois os 69 materiais para seguir o curso são caríssimos. Em vez de criar cotas, o governo não deveria melhorar o ensino público? Sem dúvida. Se quisessem mesmo resolver o problema, fariam investimentos maciços na educação de base. Ou, até mesmo, ofereceriam bolsas atreladas a políticas de auxílio para quem precisa. Que outras ações afirmativas deveriam ser adotadas? Políticas afirmativas de bolsas de estudos em cursinhos pré-vestibulares, ou bolsas para permanência na universidade. Quando se faz uma ação afirmativa genérica, diminui-se o ônus para um grupo específico. * Renata Camargo – Autora do livro ―Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito?‖, Roberta Fragoso Kaufman é uma crítica do sistema de cotas e signatária da Carta dos 113, abaixo-assinado encabeçado por “anti-racistas contra as leis raciais”, entregue aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No livro, ela faz um estudo comparativo entre as políticas de cotas no Brasil e nos Estados Unidos. ANEXO B - O que as cotas podem dar ao Brasil Questionamentos à procuradora Roberta Fragoso Kaufman Ao ler a entrevista da procuradora Roberta Fragoso Kaufman ao Congresso em Foco, confesso ter sentido certo choque. Esse choque se deveu a alguns pressupostos bastante agudos em seu pensamento e que, por assim dizer, encontram-se submersos mas próximos à superfície, como os corais de Abrolhos. Quem está habituado a navegar sobre a sinuosidade dos textos, talvez não tenha como não alarmar-se com os riscos encobertos em suas palavras. Todo pensamento, como insistia o filósofo Martin Heidegger, possui um certo impensado sobre o qual se sustenta. Da minha parte, creio que alguns pensamentos são translúcidos como córregos em que se pode ver nitidamente o fundo, outros exigem que nos mantenhamos o mais alerta possível se não quisermos naufragar neles. Decida o leitor, a que tipo pertencem os argumentos apresentados pela procuradora em sua entrevista. 70 A palavra alemã para o verbo julgar é urteilen. Esta significa uma divisão originária, pela qual se reparte e distingue entre o justo e o injusto. O que a história brasileira apresenta hoje é a possibilidade de separar o joio do trigo. Ninguém se incomodava com os negros quando eles eram culpados do atraso brasileiro. Ninguém via problema quando se praticava o racismo dissimulado, aquele que não dá uma vaga ou um cargo ao negro não porque ele seja negro, longe disso, mas porque não é qualificado; aquele que o fazia vítima da violência policial não porque era negro, isso nunca, mas porque parecia bandido. A procuradora Kaufman não se apercebe que, em referendando o racismo dissimulado, é a essas práticas que ela se mostra favorável: "A adoção de cotas estimula uma discriminação reversa, em que um grupo de pessoas, no caso, os estudantes que tentam ingressar nas universidades públicas, sofre o ônus. Vivemos em uma sociedade onde o preconceito não é escancarado. As pessoas que são racistas têm vergonha de dizer que o são. Conseguimos superar a escravidão sem ter uma sociedade com ódio racial. Implementar raça como fator de segregação pode acabar com esse frágil equilíbrio." Roberta Kaufman acredita que se as pessoas têm vergonha de dizer que são racistas, isso não é pior, mas sim melhor. Ora, se for assim, temos que admitir que se fazem a exclusão sem dizer que estão excluindo; se maltratam sem dizer por que estão maltratando; se punem sem dizer por que estão punindo, então está tudo muito bem. O que não pode haver é ódio racial explícito. Se o preconceito existe, mas não é escancarado, muito bem. Ótimo. Não é preciso vergonha de praticar o racismo, mas sim vergonha de demonstrar racismo. Ou seja, em última instância, é necessário que as vítimas do nosso racismo continuem sem saber que elas são vítimas e que nós somos racistas. É preciso, como ela diz, sustentar essa situação de "frágil equilíbrio". Mas, vamos perguntar, por que esse equilíbrio é frágil assim? Seria porque milhões de negros e mestiços são mantidos na condição de neoescravos? Seria porque vivem em péssimas condições de educação, saúde, moradia, segurança, alimentação, etc.? Seria porque, em vivendo assim, a qualquer momento, podem se der conta da situação abjeta e nos brindarem com uma revolta de vastas proporções? 71 O sistema de cotas seria inconstitucional? Argumentar contra as cotas com a Constituição na mão é fácil, mas sabemos todos que a partir da Constituição é possível argumentar na direção contrária, apontando os diversos direitos que não são implementados, e cujos efeitos são mais danosos sobre os negros e mestiços, por serem os mais destituídos em um país de 90% de destituídos. E aí se inclui a educação básica de qualidade. Então, para ser coerente, é preciso que a procuradora argumente que o Brasil, a sociedade brasileira, é um sistema inconstitucional. Um país excessivo. Em sendo assim, porém, a exceção das cotas pertence à regra, e, portanto, à nossa constituição. Mas, para piorar ainda mais as coisas, a procuradora Roberta Kaufman cria um vilão oportunista e aproveitador, o negro rico. Ela não se pergunta se ele existe ou pode existir, ou seja, se para além dos delírios verbais, a situação sócio-econômica brasileira criou verdadeiramente uma camada social que possa ser designada como a dos negros ricos. Não se pergunta também se, em existindo, este grupo social seria imoral ao ponto de se aproveitar das cotas. Ao invés de refletir sobre isso, ela já nos convida a pensar que esta camada existe, e que está a espreita pronta para se apropriar delas — ―Essas cotas favorecem que negros ricos entrem na universidade‖. Veja-se por aí o absurdo a que está disposta a procuradora em sua argumentação: as cotas se destinavam a amenizar precariamente a situação de marginalidade dos negros que vivem na miséria, mas, como descobriu a procuradora, servirá apenas para um grupo de malandros aproveitadores, os negros ricos, se dar bem. Mas ainda há algo pior. Este algo é a matriz de todo esse raciocínio da procuradora: que os negros, mesmo ricos, não têm capacidade para entrar na universidade pública por mérito próprio e, por isso, vão se aproveitar das Cotas. Isso, para o bom entendedor, é dito em alto e bom som. E é fácil entender. Se existem negros ricos, ou melhor, se existissem, por que não fariam estudos prévios sólidos capazes de garantirem o acesso seguro à Universidade Pública? Por que precisariam sorrateiramente valer-se da brecha das Cotas para entrarem na Universidade Pública? Assim, a procuradora cria uma categoria imaginária de negros que: 1) tem dinheiro mas não quer gastá-lo com estudo; 2) tem chance de estudar mas não o faz (Por 72 preguiça? Por incapacidade para aprender? Por acomodação? Por imoralidade congênita?); 3) não se vexa de, mesmo sabendo que as cotas se destinam aos destituídos, se aproveitar da oportunidade de usufruir delituosamente delas; 4) sequer possui qualquer solidariedade com os outros negros, sendo capazes de tomar deles o que seria um direito. Não é difícil tirar essas conclusões. Elas não revelam nada de sofisticado e sutil. Ao contrário, o que desvelamos aqui são (pré)conceitos bastante toscos. Contudo, as viseiras desses mesmos preconceitos impedem a procuradora de percebê-los. Encabrestada pelos seus preconceitos, que pululam à tona do seu discurso, a procuradora não realiza os passos prévios de reflexão e consideração intelectual da matéria que sirvam para, com antecedência crítica, separar os argumentos dos preconceitos. Por isso, não posso chamar o procedimento dela senão de cegueira, uma cegueira que tem sido a tônica da argumentação da classe média no Brasil contra as cotas. É ao ler argumentos como esses, cujo fundo é formado apenas pelo lodo dos preconceitos, que concluo que mesmo com falhas a política de Cotas será, no Brasil, mais frutífera que as soluções aparentemente mais inclusivas ou democráticas dos que são contra elas. Aliás, já está sendo, nos fazendo ver como pseudos argumentos se montam exclusivamente a partir de preconceitos raciais. São esses os pressupostos ocultos em seu discurso, quando afirma que ―Essas cotas favorecem que negros ricos entrem na universidade‖. São essas conseqüências que formam o seu impensado, estando em seu centro este personagem, espécie de vilão de novela, inventado para o uso ad hoc. De onde provêm tudo isso? De algo muito nosso: do arquétipo constituído na sociedade brasileira segundo o qual cada um deve estar no seu lugar. Cada macaco no seu galho. O branco deve ficar na sua e se dar o respeito porque algo muito feio é o ―branco no samba‖; negros e mestiços devem respeitar seu lugar, aqueles das pinturas de Portinari (e também das de Tarsila), corpo enorme e cabeça atrofiada, porque se não fazem isso caem nas categorias do ―mulato pernóstico‖, do ―mulato sabido‖ ou ―mulato frajola‖. Do ponto de vista da lógica social, a idéia é que quando um inferior cobiça a posição superior ele se torna mais inferior do que quando aceita sua inferioridade como natural. A fantasia argumentativa de um grupo perverso de ―negros ricos‖ não diz 73 outra coisa. Quem, com a seriedade necessária, se detiver a refletir sobre os impasses da sociedade brasileira, seu horror crônico à mudança, verá que esta lógica — que incrimina aqueles que querem elevar-se na escala social — é a trava que imobiliza uma sociedade muito armada contra a ascensão social. Ao desmontála, estaremos liberando energia para um possível devir histórico para além das ignomínias atuais. É isso que querem os defensores das Cotas. Ao fim, na verdade, a procuradora acaba mostrando, para quem tem olhos para ver, um racismo que não é um ―racismo ao contrário‖, nem um ―racismo reverso‖, mas um que sai da clandestinidade para mostrar um furor da imaginação que, começando por ser contra as cotas, vai além, contra negros imaginários e imorais, inventando por conta própria uma camada social completa que ninguém encontrará empiricamente, nem o cientista social mais talentoso. Creio que a procuradora Roberta Kaufman, ao fazer isso, contribui com pinceladas próprias para delinear um retrato do negro carregado nas tintas do preconceito. A suposição implícita em suas afirmações de que negros com dinheiro se aproveitariam das cotas é ofensiva e, creio, deve ser objeto de um pedido de desculpas formal, claro e inequívoco aos afrodescendentes. Geralmente no Brasil quando somos surpreendidos no que ocultamos reagimos como ofendidos, como se não os nossos argumentos mas a nossa honra tivesse sido refutada. Assim, ao invés de estudar com atenção os que nos censuram e evitar repetir os mesmos despautérios, tendemos a vir com quatro pedras nas mãos. É o espírito do bate-boca ou da polêmica vazia que conhecemos muito bem. Estou seguro de que, até por dever de ofício, não será essa a reação da procuradora. A procuradora crê que os brancos pobres não podem pagar pelos efeitos da escravidão porque não são culpados. De fato. A quem ocorreria pensar diferente? Num país em que, como mostrou o IPEA há poucos dias, 10% da população concentram 75% da renda, seria ignóbil pensar de outro jeito. Os brancos pobres não podem pagar porque, afinal, eles são também vítimas. Contudo, encarando o assunto com a seriedade que ele merece, faria sentido procurar por culpados, apontá-los com o dedo e responsabilizá-los pela situação dos negros hoje? Certamente que não. Supor que os defensores das cotas estão caçando culpados para jogar sobre os ombros deles o ônus de séculos de infâmia, é absurdo. Contudo, 74 fica fácil levantar argumentos quando se enfrentam não os adversários reais mas as caricaturas desses adversários. E me parece que, em cada um de seus argumentos, a procuradora nada mais faz que rabiscar algumas mal-traçadas caricaturas, como o nosso recém-comentado ―negro rico‖. Em relação a um dos critérios de inclusão nas cotas, ela afirma: ―Que legitimidade tem comissões como essas? Querer que uma terceira pessoa diga a que raça eu pertenço é uma política nazista. Isso é um absurdo num sistema que tenta dar uma identificação objetiva para um critério que nunca foi objetivo.‖ A acusação de nazista mostra uma disposição da parte dela de raciocinar pelo paradoxo, afinal, os defensores das cotas, que pretendem estar ao lado de um grupo inferiorizado durante séculos, terminariam irmanando-se com os nazistas, para os quais a única raça legítima era a ariana. Ao fazer essa aproximação violenta, se pode dizer que a procuradora raciocina não apenas pelo paradoxo, mas também pelo paroxismo, visto que ninguém foi mais extremadamente racista que os promotores do holocausto. Muito bem. Faz sentido essa identificação? Para revelar seu absurdo não temos mais que refletir. Em primeiro lugar, é preciso considerar que toda ideologia nazista tinha por fundo a distinção hierárquica bestial entre uma suposta raça superior e o que entendiam por raças inferiores. Fazer essa acusação aos defensores das cotas, seria um crime. O que pretendem é, muito pelo contrário, abrir caminhos de promoção àqueles que, durante séculos, foram alijados pelos que os julgavam inferiores. E aqui chegamos a um segundo ponto: quando os nazistas distinguiam entre arianos, por um lado, e eslavos, judeus, ou ciganos, por outro, não era para abrir espaços a estes últimos, e insistir na sua libertação social, mas sim para encaminhá-los às câmaras de gás e aos fornos crematórios. Portanto, não só é paradoxal e paroxista o argumento levantado pela procuradora mas é ainda, sobretudo, disparatado. Ou, dito de outro modo, é leviano, uma vez que afirmar que são nazistas os que atuam no sentido de combater as distinções de raça e classe é agredir os conceitos e desrespeitar as distinções elementares das coisas. Penso que, de modo geral, a questão das cotas sofre em suas mãos um estreitamento que a desfigura, uma vez que o que ela entende por ―reparação histórica‖ é algo como uma compensação mecânica. Como se se tratasse apenas de 75 tirar de uns para dar para outros. De, por exemplo, puxar o minúsculo e puído cobertor dos brancos pobres para cobrir os negros, inclusive os ―negros ricos‖. Ela estreita o raciocínio para uma ação de ressarcimento de danos, que perde de vista totalmente a História. Esquece que não estamos num balcão da defensoria do consumidor, nem num juizado de pequenas causas. Estamos no palco de um julgamento muito mais complexo, e que, portanto, apresenta um arco bem mais vasto e exige uma penetração muito particular. É ele que nos obriga a concluir que cortar o nó górdio que imobiliza os negros na herança escravista é pôr em movimento a roda da História no Brasil. Ninguém se iluda: a história não começou no Brasil quando os prédios substituíram as casas-grandes. Nem, muito menos, quando as favelas tomaram o lugar das senzalas. Esse é o ponto. E é em relação a ele que o país inteiro tem a ganhar com as cotas. * Bajonas Teixeira de Brito Junior é doutor em Filosofia, autor do ensaio, traduzido pelo filósofo francês Michael Soubbotnik, Aspects historiques et logiques de la classification raciale au Brésil (Cf. na Internet), e do livro Lógica do disparate. ANEXO C - Após decisão do STF, Folha critica cotas raciais 247 - Após a decisão unânime (10 votos a zero) de que o sistema de cotas raciais para o ingresso em universidades não viola a Constituição, manifestada pelo Supremo Tribunal Federal na quinta-feira 26, o jornal Folha de S.Paulo publicou editorial, nesta sexta-feira, para criticar a ação afirmativa de cunho racial como método de ingresso para seleção de estudantes. "A decisão será saudada como um avanço, mas nem por isso terá sido menos equivocada", diz a Folha no texto, que segue abaixo: Cotas raciais, um erro: O Supremo Tribunal Federal declarou as políticas de cotas raciais em universidades federais compatíveis com a Constituição. A decisão será saudada como um avanço, mas nem por isso terá sido menos equivocada. Ninguém duvida que a escravidão foi uma catástrofe social cujos efeitos perniciosos 76 ainda se propagam mais de um século após a Abolição. Descendentes de cativos de origem africana ou nativa, pois também houve escravização de índios- sofrem, na maioria dos casos, uma desvantagem competitiva impingida desde o nascimento. As políticas adotadas por universidades que reservam cotas ou garantem pontuação extra a candidatos originários daquela ascendência procuram reparar essa iniquidade histórica. A decisão do STF dará ensejo à disseminação de tais medidas em outras instâncias (acesso a empregos públicos, por exemplo), o que ressalta a relevância do julgamento. São políticas corretivas que podem fazer sentido em países onde não houve miscigenação e as etnias se mantêm segregadas, preservando sua identidade aparente. Não é o caso do Brasil, cuja característica nacional foi a miscigenação maciça, seguramente a maior do planeta. Aqui é duvidosa, quando não impraticável, qualquer tentativa de estabelecer padrões de "pureza" racial. Não se trata de negar a violência do processo demográfico ou o dissimulado racismo à brasileira que dele resultou, mas de ter em mente que a ampla gradação nas tonalidades de pele manteve esse sentimento destrutivo atrofiado, incapaz de se articular de forma ideológica ou política. Com a mentalidade das cotas raciais, importa-se dos Estados Unidos uma obsessão racial que nunca foi nossa. No Brasil, a disparidade étnica se dissolve numa disparidade maior, que é social uma sobreposta à outra. A serem adotadas políticas compensatórias, o que parece legítimo, deveriam pautar-se por um critério objetivo -alunos de escolas públicas, por exemplo- em vez de depender do arbítrio de tribunais raciais cuja instalação tem algo de sinistro. A Constituição estipula que todos são iguais perante a lei. É um princípio abstrato; inúmeras exceções são admitidas se forem válidos os critérios para abri-las. A ninguém ocorreria impugnar, em nome daquele preceito constitucional, a dispensa de pagar Imposto de Renda para os que detêm poucos recursos. O cerne da questão, portanto, consiste em definir se há justiça em tratar desigualmente as pessoas por causa do tom da pele ou se seria mais justo, no empenho de corrigir a mesma injustiça, tratá-las desigualmente em decorrência do 77 conjunto de condições sociais que limitaram suas possibilidades de vida. ANEXO D - Brasil e Estados Unidos compartilham experiências pela Promoção da Igualdade Racial Quinta e sexta-feira (1° e 02 de setembro), atividade reunirá representantes governamentais, da sociedade civil, ativistas e especialistas dos dois países, em Brasília, Distrito Federal, Brasil. O Seminário integra o Japer - Plano de Ação Conjunto entre o Governo Brasileiro e o Governo dos Estados Unidos da América para a Eliminação da Discriminação Étnico-Racial e a Promoção da Igualdade. Através do Japer, Brasil e Estados Unidos buscam a colaboração contínua pela eliminação do racismo e a promoção da igualdade racial. A cooperação é coordenada em parceria pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Departamento de Estado dos Estados Unidos. O objetivo do seminário Compartilhando Experiências pela Promoção da Igualdade Racial no Brasil e nos Estados Unidos é proporcionar aos participantes a oportunidade de análise dos desafios e estratégias para o enfrentamento do racismo incidente sobre a parcela negra de suas respectivas populações. Segundo Luís Barcelos, as discussões buscarão identificar a realidade brasileira e estadunidense na perspectiva de assegurar os direitos da população negra, particularmente, nas áreas de educação, saúde, acesso à justiça e segurança pública, além de justiça ambiental. Barcelos é gerente de Projetos da Secretaria de Ações Afirmativas da Seppir. ANEXO E-O que os brasileiros pensam sobre as cotas raciais Foi realizada uma pesquisa online com 1990 brasileiros, maiores de 18 anos, de todo o país. O objetivo era descobrir o que os brasileiros pensam sobre o sistema de 78 cotas que vigora nas universidades públicas.Pouco mais que 57% dos entrevistados afirmaram já conhecer a lei. Perguntamos se eles aprovavam a medida, 26% aprovam completamente, 30% são totalmente contra e 37% acreditam que a medida poderia melhorar. Gráfico 4 – Melhorias na Lei Fonte:Marilia Cotrim,2012 Dentro dos 37% que acreditam que a medida poderia melhorar, a maioria defende as cotas sociais onde o que se deve levar em conta é a classe social do candidato.O número de pessoas que acredita que a quantidade de vagas destinadas aos cotistas deveria aumentar também é alto, 29%. Gráfico 5 - Por que não concordam com a lei? 79 Fonte-Marilia Cotrim,2012 Dos 30% que são contra a medida, mais da metade afirma não concordar que os direitos sejam decididos pela cor da pele. Ao final da pesquisa, perguntamos aos entrevistados se eles acreditam que no Brasil ainda existe preconceito racial.Quase 83% acreditam que sim, o preconceito ainda existe. 80