1 Textos de Iniciação Científica Curso de Direito Faculdade Batista de Minas Gerais 2 A QUESTÃO DAS COTAS RACIAIS NO BRASIL Rener Tobias Júnior Orientador: Alexandre Gustavo M. Franco Bahia RESUMO O presente estudo objetiva a desenvolver uma análise crítica a respeito da questão das ações afirmativas, instituídas através das cotas raciais nas universidades brasileiras. O estudo revela os conceitos de igualdade no decorrer dos séculos, a falsa libertação dos escravos diante da Lei Áurea e o mito da diferenciação de raças no Brasil. Ademais, expõem a formação das Ações afirmativas nos Estados Unidos da América, diante da segregação racial ocorrida até na metade do século XX. A análise deste trabalho se concentra que diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil não vive uma desleal forma de racismo. O verdadeiro problema surge-se na extrema desigualdade social da população brasileira e na falta de investimentos no setor educacional. PALAVRAS-CHAVE Igualdade; Cotas raciais; Ações Afirmativas; Raças; Escravidão; Segregação racial. 1 INTRODUÇÃO O presente estudo tratará do polêmico tema das cotas raciais. Objetiva-se estudar a sua aplicação através das ações afirmativas, que são políticas públicas, com o intuito de promover a redução da discriminação, e se possuem critérios válidos para serem aceitos, como regra, nos vestibulares das universidades brasileiras, públicas ou privadas. Através do método bibliográfico, bem como pela pesquisa em sítios na internet, estudaremos primeiramente sobre o princípio da igualdade e sua evolução, veremos quão árdua foi a luta para conquistar um Estado Democrático de Direito e, por fim, chegaremos ao conceito de Cotas Raciais e o seu pioneirismo nas universidades brasileiras. Num segundo capítulo, averiguaremos os conceitos de raça, etnia e miscigenação, tentando descobrir se há as diferenças raciais, étnicas. Estudaremos ainda a formação dos primeiros habitantes, e como se constituiu o povo brasileiro. Quem são os negros, os pardos, os mamelucos. Como é formada a cultura do Brasil. Quem são os brasileiros. O terceiro capítulo trata da escravatura. Como iniciou-se a escravização do povo africano, o questionamento da permanência de escravos no Brasil, o tráfico negreiro, consequências existentes. Analisaremos como ocorreu a abolição e compreenderemos a exclusão do negro 3 após a sua libertação. Neste mesmo capítulo, veremos o surgimento das Ações afirmativas nos Estados Unidos, e forma de inclusão social lá ocorrida. Por ultimo, entenderemos as Cotas Raciais e seu debate no Direito Brasileiro. Veremos que o surgimento das ações afirmativas no Brasil se deu muito antes do seu debate no Congresso sobre a inclusão de Negros nas universidades através das Cotas. Observaremos os argumentos contrários e os a favoráveis. Incontestavelmente, o Brasil possui uma população totalmente peculiar, uma vez no decorrer de sua história a sua sociedade plasmou-se inter-biologicamente, diante da sua colonização pelos europeus, os já habitantes índios, os escravos negros, e por fim os orientais, formando assim a nação brasileira. Desta forma, as cotas raciais não são cabíveis da mesma forma que ocorreu nos Estados Unidos. Uma suposta saída para a desigualdade no Brasil, no quesito universidades de ensino superior para todos, seria as Cotas Sociais, uma vez que atingiria todas as camadas do povo brasileiro, quer brancos, quer negros, quer indígenas, quer pardos. 4 2 QUESTÕES DAS COTAS RACIAIS: DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE AO SISTEMA DE COTAS 2.1 A Igualdade na Grécia Antiga. Inicialmente, para abordamos o conceito de Cota racial, necessário é que abordemos a definição do princípio da Igualdade no decorrer dos tempos, afim de que possamos explanar o verdadeiro sentido de Cotas. O Princípio da Igualdade é uma das bases do Estado Democrático de Direito. Sendo fundamental para o desenvolvimento da sociedade em si. A igualdade entre os cidadãos gera a verdadeira e a almejada democracia. Do grego ―Ισότητα‖, possuindo a pronúncia Isótita, a igualdade é fruto de constantes evoluções dos povos, criando, portanto, distintos significados. Na Grécia antiga, não existia uma verdadeira igualdade entre os habitantes da Polis. Na cidade de Atenas, somente poderiam ter participação na vida política apenas aqueles que eram considerados cidadãos, quais sejam os homens maiores de vinte anos, livres. Restavam excluídos os escravos, mulheres e menores de vinte anos. O que mais importava para os seus cidadãos era a vida política e em comunidade. O homem somente existia se fosse livre e participasse das decisões políticas que ocorriam na época. Para os atenienses, o público superava o privado. A igualdade para Platão, embora existisse a escravidão em seus textos, para ele homens e mulheres eram iguais e deviam inclusive receber total atenção do Estado, no que diz a respeito à educação. ―uma cidade tem a sua origem, segundo creio, no fato de cada um de nós não ser auto-suficiente, mas sim necessitado de muita coisa‖ (PLATÃO, 2004, p. 55-56). Lado outro, Aristóteles retratou muito bem a igualdade na Polis. Foram utilizadas duas formas: A Igualdade Geométrica e a Igualdade Aritmética. Vejamos: A primeira é aquela igualdade em que a virtude é distribuída para cada ser de acordo com o seu valor, seu mérito. O princípio subjacente é este: "Uma distribuição é justa quando iguais recebem partes iguais e 5 desiguais partes desiguais‖. É a conferência de diferentes valores e direito às pessoas, tratando-as de maneira diversificada. A segunda era aquela menos importante em Atenas. A igualdade Aritmética formava a igualdade entre os desiguais na polis. ―a justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo‖ (ARISTÓTELES, 2003, p. 103). 2.2 Em Roma. A civilização romana constitui um dos alicerces do sistema jurídico ocidental, tendo em vista que diversos institutos jurídicos foram criados pelos romanos, os quais até mesmo nos dias de hoje influenciam as nossas vidas. A igualdade em Roma não era muito diferente da Grécia, pois não existia a igualdade entre todos os seres. Roma possuía a base da sociedade formada por família, sendo esta uma entidade política, na qual o poder era exercido unicamente pelo pater famílias (o mais elevado grau familiar, sempre sendo uma posição masculina). O termo em latim significa, literalmente, pai de família. A escravidão e a desigualdade eram fortes características da sociedade romana. A igualdade era distribuída diferentemente entre plebeus e patrícios. Cerca de 15 a 20% da sociedade romana era formado por escravos. A maioria prisioneiros de guerra. Eles trabalhavam todos os dias salvo durante as festividades das saturnais de dezembro e os compitalia de janeiro. ―A desigualdade e a escravidão eram um dos fundamentos da Roma Antiga. Os direitos existentes na sociedade eram distribuídos de forma diferenciada entre os patrícios e plebeus.‖ (RODRIGUES, 2010, p.34) Os patrícios constituíam a elite da época, possuindo o poder político e econômico. Detinham mais direitos e privilégios que os plebeus. Entretanto, ao longo da história a situação foi se mudando e os direitos foram estendidos aos outros, inclusive aos povos dominados. Contudo, 6 mesmo depois da manumissão ("manumissio"), um escravo liberto não possuía todos os direitos e privilégios dos cidadãos romanos. Todavia, esta situação desigual sofreria mudanças no ano de 212 com o Edito de Caracala, que teve um caráter universalizante ao conceder a cidadania a todos os habitantes do Império Romano, afirmando a igualdade e a liberdade entre os dominantes e dominados, no que diz respeito aos habitantes civis. Outra influência exercida sobre romanos foi a do Cristianismo. A mensagem de Cristo, segundo as suas liturgias, prega a igualdade entre os homens diante de Deus, considerando todas as pessoas iguais diante de Deus. Podemos compreender esse entendimento analisando o seguinte trecho da bíblia: ―E, abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas; Atos 10:34 (Bíblia, 2010). Com o Edito de Milão, houve a proclamaçao de liberdade de culto em Roma, ou seja, ficou estabelecido a igualdade ao acabar com as diferenças entre as religiões. 2.3 Princípio da Igualdade na Idade Média Um dos momentos mais controvertidos da história da humanidade foi constituido, com toda certeza na Idade Média. Foi uma fase marcada pela existencia de uma pluralidade de ordens normativas, além de permanecer em uma grande instabilidade politica e social. O fim do Império Romano do Ocidente em 476, após as invasões dos povos bárbaros como os visigodos, os vândalos, os bungúndios, os suevos, os saxões, os ostrogodos e os hunos, logo após a invasão dos povos bárbaros foi o marco inicial de sua existência, coincide facilmente com o início do feudalismo. A sociedade estamental feudal que era rigorosamente dividida entre nobres, clérigos e servos, era marcada pela desigualdade, a imobilidade social, laços de escravidão. Conforme a Grécia Antiga, a sociedade medieval valorizava o coletivo ao invés de focar-se no sujeito, colocando em prática a igualdade geométrica, tendo em vista que pessoas de diferentes classes recebiam valores diferentes. 7 O cristianismo foi uma forte inspiração de mudanças, uma vez que houve uma profunda valorização do ser humano, que naquele tempo, era visto como uma obra perfeita do criador, ou seja, de Deus. Contudo, não chegaram a ser solidificados os princípios cristãos em si, uma vez que tanto a nobreza, quanto o próprio clero produzia injustiças, desigualdades e maldades sobre os servos. Nesse mesmo período, a Igreja Cristã se fortaleceu de tal modo, que tornou-se a instituição mais poderosa de todo o mundo, exercendo assim, forte influência em toda a sociedade feudal. Nessa época surgem grandes pensadores e filósofos cristãos como Agostinho, Tomas de Aquino, entre outros. Nesse sentindo, vale a pena colacionarmos os ensinamentos de Eder Bonfim Rodrigues: O ser humano é um dado importante em Agostinho. O homem é um ser criado à imagem e a semelhança de Deus, tendo um valor especial por isso [...] a liberdade é uma característica da filosofia e teologia agostiniana marcada pelo livre-arbitrio do ser humano na escolha pela vida eterna na Cidade de Deus ou pela condenação no juízo final. (RODRIGUES, 2010, p. 37) Percebe-se então, que o homem possuía diante de Deus o livre arbítrio para fazer suas escolhas terrenas, e que todos eram iguais perante Deus, pois todos são a sua imagem e semelhança. Entretanto, as referidas escolhas acarretariam conseqüência também na sua vida espiritual, podendo-o levar ao paraíso ou passar pela condenação final. O ser humano possuía liberdade, sendo esta uma das características da filosofia e teologia agostiniana. Por fim, em causa retomada do ressurgimento do comércio, pela imigração do homem para as cidades, pela queda do império romano do oriente, e os impulsos para as grandes navegações, é marcado o fim da Idade média, propiciado-se, portanto, a derrocada do feudalismo, enfraquecimento da igreja católica, a formação dos Estados Nacionais na Europa Ocidental, e surgimento de um novo conceito de igualdade, invalidando por completo os valores feudais, vez que os estigmas realizados na sociedade nesta época não condizia mais com a realidade vivida pelos cidadãos. 2.4 A Idade Moderna 8 A idade moderna foi um período de grandes transformações culturais, políticas e religiosas e na ordem jurídica. Essas transformações foram fundamentais para o desenvolvimento de uma nova fase da igualdade. Considera-se que também foi a fase de transição do feudalismo para o capitalismo. Nessa época ressurge-se o comércio marítimo, a formação dos estados nacionais e a Revolução científica. Todos esses movimentos foram essenciais para o início de um novo conceito de igualdade. Os valores individuais foram determinantes na modernidade. Foi adquirido pelo sujeito importância no meio social, totalmente diferente do que ocorreu na idade média. Na idade Moderna, o privado superava o público. Durante o período da Idade média, e diante do surgimento de diversos filósofos, destacamos Emmanuel Kant. Através dele, foi instituída a noção de igualdade. Para ele, a fonte de toda autonomia era a moral, e a liberdade era o fundamento do Direito. ―O ser livre é aquele que age autonomamente, ou seja, segundo as normas morais que sua Razão se lhe representa. A razão é autônoma uma vez que é autora de suas próprias leis morais‖ (GALLUPO, 2002, p.80.) Entretanto, mesmo diante de mudanças significativas ocorridas na época, não foi possível findar-se por completo o privilegio, as desigualdades e as injustiças, como marcas na Idade Moderna. 2.5 A igualdade no Estado Democrático de Direito Estado democrático de direito possui um significado que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. As próprias autoridades políticas estão sujeitas às próprias regras de direito. Cuida-se de um conceito muito complexo que define certos aspectos do funcionamento de um ente político soberano, o Estado. 9 O termo "estado democrático de direito" conjuga dois conceitos distintos que, juntos, definem a forma de funcionamento tipicamente assumido pelo Estado de inspiração ocidental. Cada um destes termos possui sua própria definição técnica, mas, neste contexto, referem-se especificamente a parâmetros de funcionamento do Estado ocidental moderno. Ao longo da história as mais graves formas de violência aos direitos humanos foram embasadas no egoísmo e vaidade, onde aquele que era diferente deveria ser aniquilado e ter seus direitos desconsiderados. Vale frisar, que a diferença era existente para conceber o outro como um ser menor em dignidade e direitos, ou até mesmo um ser descartável, supérfluo. Nesse sentido, merecem totais destaques as violações da escravidão, do nazismo, do sexismo, racismo, homofobia entre outras práticas de intolerância. E em 1948, buscando responder as atrocidades e horrores da II Grande Guerra, foi introduzida a concepção de direitos humanos tematizada na Declaração Universal. Vejamos os ensinamentos de Flávia Piovesan: A primeira fase de proteção dos direitos humanos foi marcada pela tônica da proteção geral, que expressava o temor da diferença (que o nazismo havia sido orientada para o extermínio) com base na igualdade formal. A título de exemplo, basta avaliar quem é o destinatário da Declaração de 1948, bem como atentar para a convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, também em 1948, que pune a lógica da intolerância pautada na destruição do ―outro‖ em razão de sua nacionalidade, etnia, raça ou religião .(PIOVESAN, 2004) A declaração Universal de 1948, em seu art. 1º, aduz que ―todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São todas dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com o espírito de fraternidade. Portanto, a luz almejada pela Declaração de Direitos Humanos, era o fim da diferença, o que foi, em parte, conquistado mediante inúmeros tratados internacionais, voltados para a proteção dos direitos fundamentais, devendo neles serem especificados as proteções especiais e particularizadas de determinados grupos Nesse cenário, o Brasil passaria por mudanças significativas no plano do Direito. Viveria sob o pálio da ditadura militar, até a almejada volta do Estado Democrático de Direito, marcado pela publicação da Constituição da República de 1988. 10 O principio da Igualdade, instituído na Constituição da República de 1988, inicia-se juntamente com o capítulo dos direitos individuais, com o princípio que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput). Neste mesmo artigo, é declarado que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Depois, no art. 7º, XXX e XXXI, vêm preceitos de igualdade material, regras que proíbem distinções fundadas em certos fatores, ao vedarem diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade cor, estado civil ou posse de deficiência. Além da base geral em que se convenciona com o principio da igualdade perante a lei, consiste no tratamento igual a situações iguais e tratamento desigual a situações desiguais. A propósito do referido princípio, vale a pena trazer a colação dos ensinamentos do professor Alexandre de Morais: A constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. (MORAIS, 2004). A Constituição proíbe distinção de qualquer natureza. As constituições anteriores enumeravam as razões impeditivas de descrime. Tais fatores continuam sendo fontes de discriminações odiosas e, por isso, desde logo proibidas expressamente, conforme art. 3º, IV, onde dispõem os objetivos da República Federativa do Brasil ―promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo idade, cor, estado civil...‖ (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, 2010) O texto constitucional que proíbe preconceito de origem, cor e raça e condena discriminação com base nesses fatores, consubstancia um repúdio à brutalidade de tipo nazista que aniquilou milhares de pessoas e, consagra a condenação do apartheid, por parte do povo mestiço, com razoável contingente de negros. Foi expressamente também nas relações internacionais o repúdio ao racismo, conforme explicita o art. 4º, VIII. É reconhecida igualmente neste artigo, a existência de preconceito de origem, raça e cor especialmente contra negros na sociedade brasileira. De forma disfarçada ou até mesmo de 11 forma ostensiva, pessoas negras sofrem discriminação até mesmo nas relações com entidades públicas. Por fim, insere-se neste mesmo contexto, que na ordem penal devem-se ter regras jurídicas taxativas, para que não possam ficar impunes os que cometem tais atos. A constituição de 1988 é mais abrangente do que as anteriores. Proíbe preconceito e discriminação com base na origem, raça e cor. Utilizava-se raça que não é suficientemente claro, porque com miscigenação vai perdendo sentido. Não era componente bastante a cor, porque a cor se dirigia aos de pele negra. Da mesma forma enquadrava-se a raça, que não abrangia certas formas de discriminação com base na origem, por exemplo, os nordestinos e os de origem social humilde. 2.6 O Sistema de Cotas O sistema de cotas, mais conhecido como cotas raciais, entende-se por uma medida governamental com o intuito de criar vagas em instituições de ensino público ou privado para negros e ou índios, entre outros. O maior desejo de toda sociedade democraticamente correta é a busca do fim das disparidades entre os cidadãos. As superações das desigualdades socioeconômicas tornam-se metas dos governamentais. E nesse modelo de busca do fim da desigualdade, é proposto o sistema de cotas raciais, uma vez que o referido sistema visa acelerar um processo de inclusão social\racial de determinados grupos a beira da sociedade. O conceito de cotas raciais aplica-se necessariamente a uma parcela da população, geralmente por tempo determinado. Subdividem-se nesta parcela da população os grupos étnicos e raciais, classes sociais, imigrantes, deficientes físicos, idosos, e até mesmo mulheres. A criação dos sistemas de cotas se deve ao fato de que, certos grupos específicos em razão de algum processo depreciativo de sua história, possuiriam uma maior dificuldade de aproveitarem as oportunidades existentes no mercado de trabalho, bem como seriam vitimas de uma sociedade preconceituosa. Ademais, observe-se o que diz a Constituição Brasileira de 1988: 12 Artigo 37: “VIII- a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. (BRASIL, 1988) Como podemos analisar a referida letra da lei, vemos a preocupação do legislador em estabelecer reservas de vagas para o deficiente físico, o que corriqueiramente passou a ser adotado em concursos públicos, com ressalva de que o emprego ou cargo não exija plena aptidao física. Isto é um grande marco no Brasil, uma vez que supera o preconceito ao deficiente. Com o passar do tempo, grupos sociais e raciais começaram a pleitear a cotização de vagas para garantirem uma participação maior em certos setores da sociedade e de universidades públicas, ajuizando ações em busca do direito pleiteado nos tribunais dos Estados brasileiros. O pioneirismo dessas ações partiu do Estado do Rio de Janeiro, na esfera de duas universidades estaduais: a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Contudo, o referido tema tem sido questão de grande celeuma no mundo jurídico e diante da sociedade, tornando-se um debate de ares acalorados, uma vez que ampla parcela da sociedade discorda da aplicação dos sistemas de cotas por ter sua definição a partir da cor dos indivíduos diretamente interessados. As cotas e reservas de vagas, em instituição de ensino superior público e ou privado para estudantes afrodescendente, oriundos do ensino público compreendem no conceito de ações afirmativas, que será tratado no terceiro capítulo deste trabalho. 13 3 CONCEITOS DE RAÇA, ETNIA E A MISCIGENAÇÃO Imperioso se faz que seja posicionado o assunto de que se tratará neste trabalho. Por isso a necessidade de apresentar comentários a respeito dos conceitos de raça, etnia e miscigenação no Brasil. A partir do século XVIII estudiosos como, por exemplo, o naturalista sueco Linneu, o alemão Blumenbach e Vallois (MARCONI, 2001) começaram a se preocupar com o estudo das raças. Porém, tais esforços não foram capazes de se chegar a uma consonância do que seja raça, em virtude da relatividade de tempo, extrema diversidade das características físicas e da distribuição espacial do homem. Inicialmente, devemos entender que o ramo que estuda a variedade das raças humanas é um ramo da Zoologia, que também é um dos campos da Antropologia física, conforme os ensinamentos Ralph Linton: O estudo das variedades humanas, isto é, das raças, é na verdade um ramo da zoologia. O homem está sujeito exatamente às mesmas leis biológicas que os outros mamíferos e deve suas variações atuais aos mesmos processos evolutivos. Para compreender as origens das raças e avaliar acertadamente a importância das diferenças raciais, devemos procurar esquecer que estamos tratando do homem e estudar nossa própria espécie tão objetivamente quanto estudaríamos qualquer outra. (LINTON, 1981, p. 31). O ser humano, sujeito às mesmas condições de normas biológicas que qualquer outro ser vivente mamífero, durante séculos praticou severamente as desigualdades, desde no sentido físico, social, moral até mesmo no espiritual. Acreditava-se que havia superioridade de raças, como por exemplo, os europeus que invadiram e dominaram diversos povos, conforme fizeram os espanhóis liderados por Hernán Cortez na conquista do México, onde praticavam jogos, no qual, o soldado que conseguisse partir um nativo ao meio com apenas um golpe, ganharia moedas de ouro. Nesse sentido: 14 Mesmo sem o teste de hibridação, é esmagadoramente evidente que todos os seres humanos pertencem a uma única espécie. As diferenças físicas entre as diversas variedades humanas parecem-nos grandes porque estamos muito próximo delas, exatamente da mesma maneira por que as diferenças físicas entre indivíduos nossos conhecidos parecem muito mais pronunciadas que as existentes entre os que nos são estranhos. Na realidade, as diferenças existentes mesmo entre as variedades humanas não são muito grandes e todas elas repousam em características secundárias. Como muitas outras espécies mamíferas, o homem tem seus aspectos em relação a cor, suas variedades grandes e pequenas, e uma distribuição de variações menos importantes em relação a traços como contextura do cabelo, contorno do crânio, proporção de membros. A estrutura do esqueleto, porém, os órgãos e musculatura, são praticamente os mesmos em todas as variedades, e as diferenças e existentes são tão leves que só os entendidos podem descobri-las. (LINTON, 1981, p 33) ( grifo nosso).‖ Como dito alhures, só há uma espécie de ser humano, entretanto, como se vê em outras espécies de seres, há diferenciação de cor, tipos de cabelo, estatura, contorno do crânio, entre outras coisas. Essa é a única diferenciação existente entre homens. Ademais, como alega o autor, a base do homem, ou seja, o esqueleto, músculos e órgãos, são praticamente os mesmos, tanto de europeus, latinos, negros e asiáticos. Somos uma só raça, um ser, somos todos iguais sem distinção entre homens e mulheres. Outro ponto comum: todos os cientistas concordam em que o homem pertence ao mesmo gênero, Homo, e a espécie, sapiens. No passado houve um tronco comum, mas ninguém sabe quando e nem como começou a diversidade. Passadas as reflexões iniciais a respeito de raça, ingressaremos na sua conceituação, sob a perspectiva que mais diretamente se vincula ao propósito inicial do presente trabalho. Atualmente, os cientistas antropólogos aquiescem com a seguinte definição de raça: ―são agrupamentos naturais de homens, que apresentam um conjunto de caracteres físicos hereditários comums, quaiquer que sejam suas línguas, costumes e nacionalidade (Vallois, 1966:8 – apud Marina de Andrad Marconi, 2001, p. 87). Os antropólogos acolhem a categorização das raças principais: caucasóide (branca), mongolóide (asiática) e negróide (africana). As diferenças surgem quando se referem às raças secundárias ou sub-raças (grupos étnicos). 15 São facilmente explicáveis pela atuação de fatores determinantes da mudança evolutiva as diferenças existentes entre os grupos isolados. Através da seleção natural, ocorre a preservação e melhoria das variáveis de um organismo em função das variações do meio ambiente. O mais forte sobrevive. No que diz respeito a pigmentação da pele, julga-se por ser de caráter adaptativo, como por exemplo a pele negra onde localiza-se em regiões de temperaturas muito quentes e úmidas, ao contrário das levemente pigmentadas. Lado outro, a mutação gera fatores de diferenciação, uma vez que sem a ela não há mudança evolutiva significativa. ―a cor preta da pele dos negros, se for aceita a coloração branca como original no homem, pode ter surgido de genes mutantes‖ (MARCONI, 2001, p. 88). Outro fator que define a diferenciação é o isolamento. É o que ocorre quando há a separação de indivíduos dos outros grupos da mesma espécie, com cruzamentos entre si. Em outra modalidade de diferenciação surge-se a Hibridação, que constitui ―a união de indivíduos que diferem em um ou mais genes‖ (MARCONI, 2001, p. 89), e se divide em duas espécies: 1º- entre indivíduos e 2º - entre populações. São de extrema importância os supracitados tipos de hibridação na evolução humana, uma vez que ocorrem trocas de características biológicas, um equilibrando a deficiência do outro. Ela produz alterações na estrutura e funcionais, adaptando mais ainda os indivíduos. E por fim, ocorre a diferenciação pelo fator seleção social, no qual há a regulamentação dos cruzamentos. ―esse procedimento leva a diferença distintas nos segmentos da população o queixo dos Habsburgos, da família real espanhola, é um exemplo. No passado, a seleção social deve ter influenciado na diferenciação de populações e dos grupos da mesma.‖ (MARCONI, 2001, p. 89). Considerando-se as assertivas expostas, não há que se falar em superioridade ou inferioridade de raças. Podemos certamente afirmar que existe diferenciação, entretanto, tais diferenciações foram facilmente explicadas e entendidas. 16 3.1 – Conceitos de etnia Após o estudo e conceitos de raça, necessário é que seja esclarecido o conceito de etnia, tendo em vista a suma importância para o entendimento final deste presente trabalho. Inicialmente, cumpre esclarecer que o ramo que estuda a etnia é a Etnologia, conforme a doutrina de Marina de Andrade Marconde, senão vejamos: A Etnologia (éthnos, povo; logos, estudo), é outro ramo da ciência da cultura, cujos pesquisadores utilizam os dados coletados e oferecidos pelo etnógrafo. Eminentemente comparativa preocupa-se com a análise, e interpretação e a comparação entre as mais variadas culturas existentes, considerando suas semelhanças e diferenças. Enfatiza as inter-relações de homem e meio ambiente, individuo e cultura, na tentativa de compreender a operosidade e mudanças das mesmas. (MARCONI, 2001, p. 28). Portanto, a Etnologia é aquele ramo que busca compreender através de dados e estudos as diferenças culturais existentes, entre as sociedades culturais Como, por exemplo, a diferença cultural (folclore, linguagem, entre outros) entre nós brasileiros e os chineses. Sigamos para o conceito de etnia. Etnia ou um grupo étnico, nada mais é do que, no sentido expansivo, um grupo de pessoas definidos por agnação lingüística e cultural e semelhanças genéticas. Estas sociedades por si só instituem-se em uma estrutura político-social e possuem um território geográfico estabelecido. A língua e a cultura são marcas definitivas de um povo, que os transforma necessariamente em uma etnia. A história bíblica nos diz que havia somente um único tipo de linguagem em toda a Terra. Entretanto, pelo fato dos homens desagradarem a Deus, este determinou que existisse diversidade de dialetos e línguas e os distribuísse pelo planeta. A propósito, vale à pena conferir. Naquele tempo todos os povos falavam uma língua só, todos usavam as mesmas palavras. Alguns partiram do Oriente e chegaram a uma planície em Sinar, onde ficaram morando. Um dia disseram uns aos outros: —Vamos, pessoal! Vamos fazer tijolos queimados! Assim, eles tinham tijolos para construir, em vez de pedras, e usavam piche, em vez de massa de pedreiro. Aí disseram: —Agora vamos construir uma cidade que tenha uma torre que chegue até o céu. Assim ficaremos famosos e não seremos espalhados pelo mundo inteiro. 17 Então o SENHOR desceu para ver a cidade e a torre que aquela gente estava construindo. O SENHOR disse assim: —Essa gente é um povo só, e todos falam uma só língua. Isso que eles estão fazendo é apenas o começo. Logo serão capazes de fazer o que quiserem. Vamos descer e atrapalhar a língua que eles falam, a fim de que um não entenda o que o outro está dizendo: Assim, o SENHOR os espalhou pelo mundo inteiro, e eles pararam de construir a cidade. A cidade recebeu o nome de Babel, pois ali o SENHOR atrapalhou a língua falada por todos os moradores da terra e dali os espalhou pelo mundo inteiro. (Gn. 11: 1-9). Concluímos, então, que esta história da Bíblia é uma das teorias das formações das etnias existentes no mundo. Sabe-se que cientificamente não é uma história válida, portanto vejamos outras narrativas similares como a formação da civilização mesopotâmica da Suméria, que seria a primeira civilização organizada. No decorrer da história mesopotâmica, os sumérios são considerados como a primeira civilização a ocupar os territórios entre os rios Tigre e Eufrates. No quarto milênio antes de Cristo, as primeiras populações sumerianas teriam se deslocado do planalto do Irã até se fixarem na região da Caldeia, que compreende a Baixa e a Média Mesopotâmia. Provavelmente, Quish foi a primeira cidade fundada e logo foi seguida pelo surgimento de cidades como Eridu, Nipur, Ur, Uruk e Lagash. Do ponto de vista político, as cidades sumerianas eram completamente independentes entre si. Em cada uma delas, um sacerdote contava com o auxilio de um grupo de anciãos para que as principais decisões políticas fossem afixadas. Contudo, em certo momento, vemos que essa configuração passa a ser substituída por um modelo mais centralizador. O patesi assume a condição de monarca da cidade-Estado e transmite os poderes de seu cargo para um herdeiro, formando uma dinastia. Uma das mais significativas contribuições dos sumerianos está ligada ao desenvolvimento da chamada escrita cuneiforme. Neste sistema, observamos a impressão dos caracteres sobre uma base de argila que era exposta ao sol e, logo depois, endurecida com sua exposição ao fogo. De fato, essa civilização mesopotâmica produziu uma extensa atividade literária que contou com a criação de poemas, códigos de leis, fábulas, mitos e outras narrativas. A ausência de união política entre os sumerianos pode ser percebida na existência de vários conflitos entre as cidades que ocupavam o território. Aproveitando das constantes guerras entre as cidades de Lagash e Ur, os semitas se instalaram na Mesopotâmia e organizaram uma robusta civilização em torno da cidade de Acad. Por volta de 2350 a.C., os acadianos conquistam as regiões sumerianas e, assim, constituíram o Império Acádio, o primeiro grande Estado mesopotâmico. (HISTÓRIA DO MUNDO, 2010) Frise-se ainda, que em alguns manuscritos da Suméria estão escondidas muitas tradições desta civilização. A Torre de Babel, terá sido, um dos grandes montes ou zigurates que teriam construído para a edificação dos templos. Conclui-se que a Suméria constituiu numa grande e sofisticada civilização, entretanto, foram absorvidas ao longo do tempo pelos povos semitas que vieram da Arábia e fundaram os poderosos impérios da Assíria e Babilônia. 18 3.2 Miscigenação No Brasil, durante séculos ininterruptos, constata-se que houve contatos inter-raciais, muita das vezes de forma imposta sobre o escravo e indígenas, resultando-se a mistura de 03 (três) etnias e culturas diferentes, quais sejam os escravos, os europeus e os índios. Através de mistura e cruzamentos biológicos, trocas culturais e por causa das correntes imigratórias euroorientais a sociedade brasileira plasmou-se de forma evidentemente intensa, contribuindo, assim, para uma nova cultura. Daí vem o significado de miscigenação, cruzamento de etnias, raças, espécies diferentes (AURÉLIO, 2002, p. 458, 465). Justifica-se, portanto, a alegação de que o povo brasileiro é mestiço e ainda está em processo de miscigenação e aculturação. A população brasileira é sem dúvida alguma, uma etnia peculiar. Verifica-se que ela é racialmente heterogênea, e em pleno processo de composição, contudo, pela unidade do idioma português brasileiro, pelas formas de organização social, por causa das crenças e da visão mundial, possui a cultura conexa. Destarte, três etnias constituem-se o tronco básico do povo brasileiro, ao longo de sua história. Veremos concentradamente. 1º - Os lusitanos, ou seja, portugueses, de origem européia, descobriram o Brasil em 1500. Entretanto, os primeiros portugueses a desembarcar no Brasil vieram de distintas regiões. Uns vinham da metrópole, outros de ilhas, como Açores, e Madeira, tornando-se um grupo sem uniformidade étnica. Inicialmente, vinham sozinhas e após mais tarde organizados em caravanas com suas famílias, contribuindo para o povoamento da região. Necessário é afirmar, que a coroa portuguesa incluiu no povoamento de sua mais nova colônia, criminosos, aristocratas, degredados, lavradores, artesãos, entre outros. Sua língua, cultura e até mesmo na área religiosa foram impostas aos nativos. ―Fundamental, pois se constituiu para a formação brasileira a contribuição lusitana. Além da língua e da organização social, a religião, a arte, a vida de família, o espírito tradicionalista, enfim o ―ethos‖ do brasileiro‖ (JÚNIOR, 1980, p. 88-89). 19 2º - Na época do descobrimento do Brasil, os índios povoavam o país. A maioria concentravase na área litorânea, existindo diversas comunidades nativas. Eram caçadores, pescadores e desenvolviam a horticultura. Suas bases culturais predominantemente eram Tupis. Os primeiros índios a ter contato diretamente com os brancos, foram os Tupis-guaranis, que se dividem em Tupinambá, Tamoio, Tupiniquim, e muitos outros. Eram extremamente adaptados a natureza tropical, falavam a mesma língua e possuíam padrões de cultura semelhantes. Impressionantemente, não se pode negar a alentada e intensa contribuição cultural indígena. Possível é compreender e observar à vasta e significativa expressão cultural indígena como um todo nas regiões brasileiras. Mesmo violentados pela escravidão, foram essenciais como etnia para os cruzamentos interraciais na constituição do povo brasileiro. 3º - Os negros africanos vieram para o Brasil em decorrência da derrocada forma de escravidão indígena. Sua presença influenciou totalmente a formação do povo brasileiro, carreando nela descrição física, através da miscigenação. Alguns negros eram altíssimos, magros, dentuços e ossudos. Outros possuíam a cor negra carregada. Seus caracteres raciais eram bem definidos. Outros destacavam-se pelos cabelos grossos e mais firmes, barba rala, rosto chato e lábios grossos. Diante das diversidades étnicas existentes no território brasileiro, os cruzamentos determinaram o surgimento dos mestiços, mulato, mameluco, cafuzo, cabra, caboclo e pardo. A mistura entre índios e brancos forma-se o mameluco. Herda mais características indígenas do que européia. Falava a língua materna e geograficamente ocupava o interior do Nordeste e o Extremo-norte. Já o mulato, resultado da mestiçagem entre o negro e o branco, surge-se na região açucareira do Nordeste, Recôncavo baiano entre outros estados. Vejamos os ensinamentos Zélia Maria Neves Presotto: 20 O mulato e o mameluco representaram os tipos mestiços de maior expressão, mas não os únicos. Contatos entre as etnias fundamentais e aquelas que resultaram dos cruzamentos já realizados determinaram a existência de outros mestiços que podem ser sistematizados de acordo com a sua procedência étnica: Mulato – branco x negro Mameluco – branco x índio Crioulo – negro x negro Cafuzo, curiboca ou caboré – negro x índio Cabra – negro x mulato Caboclo – índio x índio Pardo – mulato x mulato; crioulo x crioulo; mulato x mameluco. (MARCONI, 2001, p.290). Conseqüentemente, o Brasil é um país de misturas de culturas, etnias e pessoas, entretanto, possui uma configuração étnica única, uma vez que predomina em todo território uma mesma língua, e praticam-se os mesmos moldes, sem grandes diferenças que poderiam colocar em risco a integridade nacional. 21 4 DA ESCRAVATURA ÀS AÇÕES AFIRMATIVAS No século XIV, assim como ocorreu no restante da Europa, Portugal sofreu uma grave crise econômica e uma enorme devastação causada pela Peste Negra – escassez de trabalhadores rurais, fome e falta de moedas. Esse quadro caótico abriu um caminho para difíceis crises políticas, disputadas por causa do poder e da guerra com os vizinhos espanhóis que queriam de qualquer forma anexar o Reino Português. Após muitas disputas violentas, o reino de Portugal saiu-se vitorioso consolidando-se como uma poderosa nação. Nesse momento, coube aos portugueses a estabelecer fronteiras seguras e, consequentemente, fortaleceu firmemente o poder estatal. Ao mesmo tempo, a nação seria o primeiro país da Europa a realizar viagens marítimas, movidos por dois objetivos básicos: converter os povos infiéis ao catolicismo e acumular riquezas. Impulsionados, financiados e administrados pela Ordem de Cristo, sucessora da Ordem dos templários, as expedições marítimas portuguesas eram vinculadas a difundir a fé cristã em todas as terras conquistadas em nome da Igreja e de Deus. Naquele período, como sabemos a Igreja e o Estado praticamente confundiam-se. Os portugueses chegaram ao Brasil em 1500, concretizando-se um longo período de desenvolvimento expansionista. À primeira vista, os principais interesses dos colonizadores foram as extrações da primeira riqueza deparada, o pau-brasil e a mão de obra indígena, os quais eram facilmente convencidos a fazer a derrubada da supramencionada árvore, através de escambo, ou seja recebiam espelhos, roupas, canivetes, entre outros objetos Contudo, quando se iniciou uma eficaz colonização, com a agricultura de exportação, agropecuária , começou a haver a necessidade do aumento da mão de obra, para a derrubada das matas, preparo do terreno e transporte de produtos. Deste modo, os portugueses encetaram-se a escravizar os índios conquistados após guerras contra as tribos. Durante o século XVI, o uso intensivo do trabalho escravo indígena contribuiu para dizimar cerca de 600 mil nativos que viviam no litoral e muitos fugiram par ao interior ou passaram a viver em reduções, aldeias comandadas por padres jesuítas. Em 1560, quando já faltavam nativos na costa, os traficantes passaram a buscá-los no Sertão e a vendê-los aos engenhos do litoral (dados indicam que cerca de 300 mil 22 indígenas foram presos). Tantas mortes e fugas para o interior provocaram de novo uma grande escassez de mão-de-obra, já em meados do século XVI, e a solução foi importar escravos africanos por meio do tráfico negreiro. (RIBEIRO, 2006, p. 163). Aproximadamente, a data do inicio da escravidão africana no Brasil se deu ano de 1532. Porém, o rico comércio do tráfico negreiro desenvolveu-se no ano de 1755, ano em a Coroa Portuguesa proibiu toda e qualquer escravidão de indígenas, uma vez que não dava nenhum lucro para a Coroa e muito menos para os comerciantes. Enquanto regiões mais prósperas utilizavam a mão de obra do escravo africano, outras mais pobres como, por exemplo, Maranhão e Pará, continuavam a escravizar os índios. Contudo, as autoridades e comerciantes portugueses alegavam que os nativos eram preguiçosos, rebeldes e que o africano era mais forte, preparado para o trabalho e muito mais obediente, como forma de convencimento para que os colonos promovessem a substituição de escravos. De fato, uma inerme argumentação utilizada pelos colonos, uma vez que os negros praticavam atos de rebelião por causa do sistema violento de castigos físicos, conforme os quilombos por eles criados. O tráfico de escravos era extremamente rentável. Os traficantes embarcavam os escravos acorrentados para evitar fugas, em navios apelidados de tumbeiros. Nele recebiam marcas a ferro no peito, coxa e ombro e ainda eram batizados e ganhavam nomes cristãos. Os referidos navios, em média, transportavam cerca de 700 escravos, sem nenhuma condição de viagem, onde não tinham conforto e muito menos higiene. Através destes fatos, comum era que os escravos se adoentassem com escorbuto, diarréia. Estes adoentados, costumavam-se a ser envenenados e a jogados no mar. Calcula-se que cerca de 30% dos africanos que embarcaram nos navios vieram a falecer. A inclusão dos negros à sociedade brasileira foi de fato um processo violento e grave, sendo produzido através da opressão e do desrespeito à dignidade humana. Foram obrigados a aprender outro idioma, a separarem-se da sua família. ―os escravos que foram trazidos para o Brasil pertenciam a diferentes nações africanas. É muito difícil identificar com precisão seus descendentes, pois eles vinham com nomes que não identificavam sua etnia.‖ (RIBEIRO,2006, p 166). 23 O negro constituía-se numa grande máquina produtiva para a sociedade. Trabalhava de 15 a 18 horas por dia, em atividades que se repetiam e cansavam ao extremo, sempre sob a vigilância do feitor. Caso parassem para descansar ou fizessem algo que o desagradasse, eram-lhes aplicados castigos severos e violentos. Poucos sobreviviam mais de 10 anos neste estado. Desta forma, assevera Joaquim Nabuco: As disposições do Código negro são muito poucas. A escravidão não é um contrato de locação de serviços que imponha ao que se obrigou certo número de deveres definidos para com o locatário. É a posse, o domínio, o seqüestro de um homem – corpo, inteligência, forças, movimentos, atividade – e só acaba com a morte. Como se há definir juridicamente o que o senhor pode sobre o escravo, ou o que não pode, contra o senhor? Em regra o senhor pode tudo. Se quiser ter o escravo fechado perpetuamente dentro da casa, pode fazê-lo. Se quiser privá-lo de formar família, pode fazê-lo; se, tendo ele mulher e filhos, quiser que eles não se vejam e não se falem, se quiser mandar que o filho açoite sua mãe, apropriar-se da filha para fins imorais, pode fazê-lo. Imaginem-se todas as mais extraordinárias perseguições que um homem pode exercer contra outro, sem o matar, sem o separá-lo por venda de sua mulher e filhos menores de quinze anos – e ter-se-á o que legalmente é a escravidão. (NABUCO, 2000, p. 90). A escravidão proporcionou não só a separação e a incompatibilidade social entre brancos e negros através do racismo e da discriminação social, mas como realizou a intensa busca por riquezas e a exploração da terra. Estas situações peculiares foram determinantes para a coroa portuguesa. Os escravos jamais aceitaram pacificamente sua situação, portanto, episódios de lutas e resistências foram constantes. Variadas foram às formas de resistência como, por exemplo, fugas individuais ou coletivas, tentativas de assassinar feitores e senhores e até mesmo o suicídio, como uma forma extrema de buscar libertação. A revolta dos escravos era tanta, que muitos deles cometiam atentados contra feitores e senhores. O império foi obrigado a legislar nesse sentindo, afim de que promovesse temor entre os escravos. A Regencia Permanente em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro Segundo Faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral Legislativa Decretou, e Ella Sanccionou a Lei seguinte: Art. 1º Serão punidos com a pena de morte os escravos ou escravas, que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra qualquer grave offensa physica a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou 24 ascendentes, que em sua companhia morarem, a administrador, feitor e ás suas mulheres, que com elles viverem. Se o ferimento, ou offensa physica forem leves, a pena será de açoutes a proporção das circumstancias mais ou menos aggravantes. Art. 2º Acontecendo algum dos delictos mencionados no art. 1º, o de insurreição, e qualquer outro commettido por pessoas escravas, em que caiba a pena de morte, haverá reunião extraordinaria do Jury do Termo (caso não esteja em exercicio) convocada pelo Juiz de Direito, a quem taes acontecimentos serão immediatamente communicados... (BRASIL,1886). Os quilombos foram importantes formas de luta dos escravos contra a opressão dos brancos, sendo que centenas de quilombos foram formados durante o período colonial. O mais importante da história foi o de Palmares, constituído por volta de 1630. Ocupava uma área de 60 léguas, e possuía uma população de 30 mil pessoas, entre escravos fugidos, indígenas, mulatos e até mesmo brancos foragidos da polícia. Com o passar do tempo, devido às pressões internacionais como da Inglaterra pelo fim da escravidão, o Brasil firmaria diversos acordos e criaria leis no sentido de reduzir a escravidão e o trafico negreiro. A lei 581/1850, mais conhecida como Lei Eusébio de Queiroz, foi um avanço no que diz respeito à legislação abolicionista. A referida Lei representou a extinção do tráfico negreiro no país. Esta legislação dispunha que as embarcações tumbeiras seriam apreendidas e que os que cometessem a conduta do tráfico seriam presos. Em 1871 foi aprovada a Lei do ventre livre, onde declarava a liberdade dos filhos das escravas que nascessem a partir da data da lei, bem como sobre a libertação anual dos escravos. E por fim, a Lei 3.353/1988, que caminhou rumo à liberdade dos escravos, sancionada pela Princesa Isabel. Notemos: A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário. 25 Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém. O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comercio e Obras Publicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e do Império. Princeza Imperial Regente. Rodrigo Augusto da Silva Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembléia Geral, que houve por bem sanccionar, declarando extincta a escravidão no Brazil, como nella se declara. (BRASIL, 1988). Destarte, como se pode ver, verifica-se que a Lei Áurea foi instrumento normativo para possibilitar a liberdade dos negros. Entretanto, ela não cominou condições de democracia ao negro para que este fosse incluído nos moldes social da sociedade. Os negros foram libertos das Senzalas, entretanto iniciou-se mais uma nova batalha: a busca da aceitação, da dignidade, da igualdade. Os ex-escravos foram jogados diretamente para as periferias das cidades, vivendo na máxima da pobreza e na forma de mendigos. Muitos aceitavam regimes de servidão e estavam sujeitos a toda forma de violência pelos aristocratas rurais. Para piorar a situação ainda, os negros tiveram que disputar o lugar no mercado junto aos imigrantes europeus, bem como a política de branqueamento da população nacional. A entrada destes imigrantes europeus foi vista pelo governo como um instrumento de civilização e de desenvolvimento para o país. Assim sendo, o imigrante europeu era concorrente direto de empregos com os negros. A sequela destas práticas de exclusão foi a marginalização dos negros que era visto como um ser extremamente inferior ao branco e totalmente diferente. Deste modo, vivenciando o Estado Democrático de Direito, os negros finalmente conquistaram seu espaço na a sociedade. Entretanto, como dito alhures, implicações foram deixadas na sociedade negra. A maioria destes encontra-se em vilas, periferias, em situação de pobreza. Entretanto, não estão somente os negros nesta situação, porque afinal de contas, no 26 Brasil devido às enormes diferenças sociais em pleno século XXI, incluem-se brancos, mulatos, descendentes de índios, e muitos outros. 4.1 – As ações afirmativas As Ações Afirmativas, também chamadas de ação positiva e ou discriminação positiva, são políticas públicas, normalmente temporárias, que visa a redução da discriminação contra grupos tradicionalmente excluídos da sociedade por motivos de raça, gênero, idade, origem nacional e compleição física. Portanto, as ações afirmativas se destinam à busca da isonomia efetivamente entre grupos tradicionalmente excluídos, tais como idosos, negros, índios, mulheres e deficiente físicos. Procura a igualdade de oportunidades, incluindo-se a transformação cultural, pedagógica e psicológica. Existem duas correntes, no que diz respeito à natureza das Ações Afirmativas: uma corrente com caráter compensatório e outra com caráter distributivo. A primeira prega a necessidade de ressarcimentos pelos prejuízos causados no passado a determinados grupos, enquanto a outra constitui-se pela distribuição de direitos e vantagens às minorias. Violentas são as criticas com relação à teoria compensatória, uma vez que há problema de se caracterizar as vítimas e a quem impor a reparação reivindicada, uma vez que poderia ser o Estado, toda a sociedade ou alguém em particular, e também a complexidade de distinguir os verdadeiros partícipes O surgimento das Ações afirmativas nos Estados Unidos está intimamente ligado aos problemas raciais lá existentes e a falta de medidas aos negros para a inclusão moral e social dos mesmos. Diferentemente do Brasil, a segregação racial é uma característica peculiar no sistema de raças nos Estados Unido, pois no ―sistema brasileiro encontra-se na miscigenação e na democracia racial os elementos de manutenção das desigualdades e injustiças entre brancos e negros‖ (RODRIGUES, p. 74). 27 Os Estados Unidos classificavam a discriminação dos negros mediante o foco da ancestralidade. Aqueles que com 1/8 de sangue de origem africana era considerado negro. Assim, enquanto no Brasil uma pessoa de pele branca e traços europeus, mas que possuísse avô negro seria considerada branca, nos Estados Unidos a mesma pessoa seria considerada negra por causa do fator ancestralidade. Em 1866, foi aprovado o Civil Rights Act pelo Congresso norte-americano. Nele foram expressos a cidadania universal, a igualdade de direitos e o sufrágio universal, sendo constituídos pela Décima quarta e décima quinta emenda constitucional. A igualdade e o devido processo legal foram concedidos a todas as pessoas que nasceram nos Estados Unidos, conforme dispõe a décima quarta emenda. A décima quinta aduziu que não poderia ser negado o direito de igualdade e de voto pelos motivos de raça, cor. Mesmo diante de direitos proclamados, os negros americanos eram fortemente discriminados. Existia a doutrina ―separados mas iguais‖, em que consistia a igualdade dos americanos, entretanto, um negro não poderia, por exemplo, viajar num mesmo vagão de um trem onde estivesse um branco. Desde a abolição da escravidão dos negros norte-americanos em 01/01/1863, proclamada por Abrahan Lincoln, até o início dos movimentos dos direitos civis no século XX, o racismo e a discriminação eram fortemente presentes. Em 1954, o presidente da Suprema Corte americana, o Chief Justice Warren, pôs fim à doutrina ―separados mas iguais‖ ao deferir que crianças negras, impedidas de se matricular numa escola exclusiva para brancos, pudessem dar continuidade aos estudos. O governo de Orval Faubus em Little Rock, Arkansas era extremamente hostil e racista. Como forma de garantia de que a doutrina ―separados mas iguais‖ não mais prevalecesse no referido Estado, o presidente Eisenhower chegou enviar tropas do Exercito. Ele foi infatigável na campanha de extinção da segregação racial. Para se ter uma idéia de tanta discriminação existente nos Estados Unidos da América, o Estado da Virginia proibia casamentos inter-raciais, tal lei chamava-se Racial Integrity Act 1924. Contudo, a Suprema Corte americana a decretou como inconstitucional em 1967. 28 O surgimento das ações afirmativas na América, por óbvio, está profundamente vinculada aos problemas de ordem racial e pela falta de oportunidades em todos os campos sociais, seja para com os negros ou com as minorias na sociedade civil. As ações afirmativas foram saídas para que ocorresse a tão sonhada inclusão social dos negros nos Estados Unidos. O poder executivo federal teve um importante papel para o cumprimento da igualdade entre brancos e negros na sociedade. No governo dos presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson, na década de 60, que as ações afirmativas realmente se consolidaram e expandiram. A expressão ação afirmativa surgiu no Executive Order 10.925, de 06/03/1961, de iniciativa do presidente John Kennedy. Esta executive Order, além de instituir um Committee on Equal Employment Opportunity, o qual foi criado para estudar as relações de trabalho no governo e promover a diversidade racial, consagrou pela primeira vez, num texto legal, a expressão affirmative action. (RODRIGUES, p. 100, 2010). Percebe-se ainda como foi efetivo o esforço realizado por ativistas negros como Martin Luther King e Malcon X, na luta contra a discriminação, preconceito e contra o racismo na sociedade norte americana. Martin Luther King fez trabalhos de grandes destaques em toda a América contra a exclusão do negro. Baseado na filosofia de Mahatma Ghandi, Martin realizava grandes resistências pacificas, marchas e protestos em todo o país. A marcha mais importante organizada foi realizada em 1963, onde reuniu cerca de 200 mil pessoas, proclamando a igualdade e liberdade entre negros e brancos. As ações afirmativas foram fundamentais para a inclusão social e para a superação da discriminação racial e na construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária, uma vez que a larga utilização das ações positivas nos EUA fez com que os segregados pelo sistema jurídico, finalmente, começassem a ter sua ascensão social. Além de provocar uma maior participação dos negros no sistema educacional, foi proporcionado ao negro americano uma grande melhoria em outros fatores sociais, como por exemplo, uma maior participação no Congresso Americano. 29 5 DA QUESTÃO DAS COTAS RACIAIS E O SEU DEBATE NO DIREITO BRASILEIRO Ao contrário do que se possa pensar, a espécie de ação afirmativa nomeada de cotas não teve origem no Brasil com a inauguração de reservas de vagas para determinados grupos nas universidades brasileiras. Seu precedente é na chamada Lei dos 2/3 ou Lei de Nacionalização do trabalho, que consistia a presença mínima de dois terços de brasileiros natos, entre todos os indivíduos, em empresas, companhias, firmas comerciais e associações que contratassem ou empreendessem quaisquer serviços ou obras do Governo Federal. A Lei nº 5.465, chamada ―lei do boi‖, publicada em 1968, versava a respeito de reservas de vagas em escolas agrícolas para filhos de agricultores e candidatos. Em decorrência da promulgação da Constituição de 1988, foram criadas leis que visavam ampliar os espaços à mulher e aos deficientes. Em meados de 2000, para ser mais coerente no mês de Setembro, o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso criou o Comitê Nacional para a Preparação da participação brasileira na III Conferência. Lá se iniciou o debate sobre a situação dos negros existentes no país. Daí surgiram diversas discussões por meio da mídia, militantes de movimentos sociais, políticos e intelectuais a respeito do tema das cotas raciais. Tais discussões colocaram a tona distintas opiniões sobre o uso das ações afirmativas no Brasil como meio de inclusão do negro na sociedade. Maior celeuma ainda foi com a aprovação da Lei estadual no Rio de Janeiro onde previa para indivíduos auto-declarado negro ou pardo a implantação de cotas em universidades. O estado do Rio de Janeiro foi pioneiro na aplicação da política de Ação afirmativa por meio de cotas raciais. A primeira turma de universidade estadual formada pelo sistema de Cotas no Brasil foi instituída no ano de 2003, através das Leis nº 3.524 e 3.708. ...A Lei 3.708/01 (RIO DE JANEIRO, 2001) reservou uma cota mínima de 40% para negros e pardos no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação da universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Estadual do Norte 30 Fluminense. [...] Este era, portanto, o programa de ações afirmativas no Rio de Janeiro que causou uma grande polemica em todo o Brasil. Como era de se esperar, diversas ações, discutindo a constitucionalidade dessas leis foram ajuizadas perante o poder judiciário. (RODRIGUES, p. 189, 2010). Em 2008 foi elaborada a Lei 5.346, onde ficou criado um novo sistema de cotas para ingresso nas Universidades do Estado do Rio de Janeiro, permanecendo desta maneira: 5% das vagas reservadas para pessoas com deficiência e filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão de serviço, 20% para estudantes de escola publica, e por fim, 20% das vagas para negros e indígenas. A partir deste ato, diversas outras universidades tomaram posições análogas. A Universidade Estadual da Bahia estabeleceu uma cota mínima de 40% para afrodescendentes, relativo a cursos de graduação e pós-graduação Outras instituições brasileiras, diferentemente das supracitadas, adotaram um sistema diferente de cotas raciais. Trata-se do sistema de bônus, consistindo na adição de ponto ou percentuais nas notas dos alunos afrodescendentes indígenas ou estudantes oriundos de escola pública. O referido programa foi instituído no ano de 2004, visando melhorar o desempenho médio dos estudantes por meio de uma política de inclusão social, criou o programa Ação afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), sendo a precursora deste programa a Universidade de Campinas. No Brasil, tramitam diversos projetos no Congresso Nacional acerca de reservas de vagas nas instituições públicas de ensino superior, tais como a PLS nº 344/2008 e 215/2008. Contudo, a PLC nº 180/2008, de autoria da Deputada Federal Nice Lobão, que prevê a reserva de 50% de vagas das Universidades Federais, tem gerado bastante polêmica e diversas discussões na mídia. Em minas Gerais, foi aprovada a Lei 15.259/04, trazendo para o ensino superior das universidades publicas estaduais em Minas Gerais, UEMG e Unimontes, pois ela instituiu as ações afirmativas em prol dos afrodescendentes, estudantes egressos de escola pública, ambos desde que carentes, e portadores de deficiência e indígenas. 31 A porcentagem das cotas ficou dividida da seguinte maneira: 20% das vagas para negros, 20%para alunos provenientes de escolas públicas e finalmente, 5% para deficientes e indígenas, totalizando 45% no mínimo o total de vagas para cada universidade. Entretanto, as referidas cotas foram vetadas pelo então Governador de Minas Gerais Aécio Neves, justificando-se que a fixação destes critérios não embarcavam as condições diferenciais das diversas regiões do Estado de Minas e poderia até mesmo impedir o melhor empenho de políticas positivas. A propósito: A UNEB - universidade Estadual da Bahia aprovou em 18/07/2002, através do seu conselho universitário, a instituição de cota de 40% para estudantes negros oriundos de escolas públicas, ou seja, que tenham estudado todo o ensino médio em escola da rede pública de ensino. [...] Na Bahia, além da UNEB, outras universidades também adotam a modalidade de cotas para as ações afirmativas. Assim, é com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) que reservou 43% de suas vagas para grupos minoritários... (RODRIGUES, 2010, p. 198 e 199). A primeira universidade federal a implantar o sistema de cotas no Brasil foi a Universidade de Brasília, em junho de 2004, com a adoção do Plano de Metas para integração social, Étnica e Racial, reservando 20% de suas vagas para negros, conforme dispõem Resolução nº 196/2002. Além da reserva de 20% destinadas aos negros, o sistema da UnB prevê também o acesso de indígenas, entretanto, estes através de uma seleção diferenciada e em parceria com a Fundação Nacional do Índio. Porém, o programa da UnB apresentou falhas no que se refere aos procedimentos de inclusão democrática dos negros na universidade. Em 2007, dois estudantes gêmeos univitelinos de pai negro e mãe branca, foram classificados de modos distintos pela comissão de homologação. Frise-se mesmo sendo gêmeos idênticos, um era ―branco‖ e o outro ―negro‖. 5.1 Argumentos contrários às Cotas Raciais 32 Muitos são contrários ao sistema de Cotas no Brasil. Desde intelectuais, partidos políticos, pessoas da sociedade civil, a mídia, são desfavoráveis ao sistema cotista nas universidades brasileiras. Para entendermos melhor, veremos alguns pontos: Há o enorme entendimento de que o fator principal de exclusão do negro hoje das universidades, seria a pobreza e as péssimas condições das escolas públicas brasileiras. Sem um mínimo de investimento governamental, impossível é que qualquer brasileiro pobre ou de classe média baixa, freqüente alguma universidade. O racismo sempre é de pessoas sobre pessoas, e ele existe aqui como todas as partes do mundo. Mas não é um traço dominante de nossa cultura. Por outro lado, nossas instituições são completamente abetas a pessoa de todas as cores, nosso arcabouço jurídico institucional é todo ele ―a-racial‖. Toda forma de discriminação racial é combatida em lei. Os mecanismos sociais de exclusão têm como vitimas os pobres, sejam brancos, pardos, amarelos ou índios. E o principal mecanismo de reprodução da pobreza é a educação pública de baixa qualidade. (KAMEL, 2006, p. 66). Portanto, um dos argumentos contrários como se pode perceber é que a discriminação racial é facilmente combatida através de lei, e que os socialmente excluídos são vitimados pela pobreza e pela péssima qualidade de ensino infantil até chegar ao ensino superior. Outro crítico das políticas inclusivas para negros, como as ações afirmativas, foi o partido político ―DEMOCRATAS‖, que ajuizou a Arguiçao de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186, no ano de 2009, perante o Supremo Tribunal Federal em desfavor da Universidade nacional de Brasília, pelos atos ilícitos realizados. Foi defendido na Arguição, que no Brasil, ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro, diferentemente do que aconteceu em outros países, como nos Estados Unidos ou na África do Sul, pois no Brasil a dificuldade de acesso à educação e a posições elevadas decorre por causa da precária situação econômica que fortemente influencia em uma qualificação profissional deficiente, independente da cor da pele. Desta forma, as cotas para negros nas universidades não resolvem o problema. Alegaram ainda, que a Universidade nacional Brasília estava promovendo um verdadeiro morticínio ao principio da igualdade no edital do vestibular, uma vez que realizava diferenciação de raças diante dos estudantes vestibulandos. 33 Além disso, a corrente contrária ao sistema de cotas alega que ao invés de beneficiar pessoas carentes, muitas vezes, erroneamente, pessoas com excelentes condições financeiras têm sido beneficiadas. 5.2 – Argumentos favoráveis Da mesma forma que muitos são contrários às contas raciais, muitos outros são favoráveis. Muitos políticos adotaram as ações afirmativas como uma excelente saída para o fim das desigualdades sociais. No poder legislativo, por exemplo, os empenhos de alguns políticos estão sendo essenciais para a fortificação das ações afirmativas no país. Vê-se que, historicamente, leis que combatem o racismo no país tem um viés exclusivamente criminal, não havendo uma proporção efetiva com a igualdade, a inclusão e com a participação democrática dos negros na sociedade brasileira. Nem mesmo os apelos do Dep. Carlos Alberto Caó e os debates na Assembléia Constituinte proporcionaram um melhor tratamento e entendimento para a questão do racismo e das desigualdades entre brancos que persistem no país. (RODRIGUES, 2010, p. 156). Entretanto a situação começou a mudar, uma vez que surgiu-se no Congresso Nacional projetos de lei para amenizar as questão das desigualdades. Senão vejamos: PL 6.912/02 do Senador José Sarney (PMBD/AP) estabelece ações afirmativas, pelo prazo de 50 anos, para negros com cota de 20% no preenchimento de cargos e empregos públicos, no acesso às vagas de universidades públicas e privadas e nos contratos do FIES, além de estabelecer que os partidos políticos e as coligações partidárias terão que incentivar a candidatura dos negros aos cargos eletivos. PL 6.213/02 e PL 6.214/02 do Dep. Pompeo de Mattos (PDT/RS). O primeiro constitui estímulo para que os estudantes negros alcancem a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio nas escolas públicas. Já o segundo institui cota mínima de 20% das vagas para negros e índios nas universidades estaduais e federais. PL 5882/05 do Dep. Vicentinho (PT/SP) que estabelecem ações afirmativas no mercado de trabalho às empresas que deverão contratar negros na extensão da região onde estiverem localizadas; PL 3.198/00 do Senador Paulo Paim (PT/RS) que conquistou o Estatuto da Igualdade Racial no Brasil 34 PL 4.370/98 também do senador Paulo Paim que dispõem sobre a representação racial e étnica nos filmes e peças publicitárias veiculados pelas emissoras de televisão. Insta salientar que o Senador Paulo Paim é um dos grandes nomes que defendem o uso das cotas raciais por meio das ações afirmativas. Ele é o primeiro senador negro do Brasil, e vem desempenhando um papel de lutas e uma forma de proporcionar a inclusão e a igualdade. Porém, a maioria destes projetos não foi aprovado pelo Congresso Nacional, ficando sujeito ao tempo de espera pela votação dos mesmos. A maior indagação, portanto, daqueles que são favoráveis ao sistema de Cotas raciais é promover democraticamente em todos os setores da sociedade, através das ações afirmativas na educação, nas relações de emprego e trabalho, na família, a inclusão dos negros, manifestando-se que a única maneira de alcançar estas promoções é através das ações positivas. 35 6 CONCLUSÃO No decorrer de toda a história, percebemos que a igualdade teve diversos parâmetros de mudanças, desde a Grécia antiga até os dias de hoje, constituindo-se, portanto, dessemelhantes modos de inclusão e exclusão do ser humano na sociedade. Conforme dito alhures, os Estados Unidos contribuíram de forma evidente para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, uma vez que implantaram, após calorosas discussões, as ações afirmativas como forma de inclusão do negro nas diversas áreas da sociedade. Os negros americanos, como se pôde averiguar, foram discriminados descaradamente pelo próprio Estado até na metade do século XX, mesmo estando em vigência a Décima Quarta Emenda à Constituição de 1868. Deste modo, verificamos que o princípio da igualdade pouco foi respeitado pelos norte americanos, principalmente quanto aos afro-descendentes. A segregação racial existente no referido país, era extremamente violenta. A população branca acreditava ser superior à negra, exigindo que o Estado promovesse a distinção de forma eficaz, criando escolas distintas para negros e brancos, por exemplo. Nesse sentindo, havia ainda grupos de extermínio que perseguiam os negros. Entretanto, a história começou a mudar aos poucos em 1954, quando o Presidente da Suprema Corte pôs fim à doutrina ―Separados mas iguais‖, acabando com a segregação racial e possibilitando, através de diversas decisões da Corte, que as práticas do racismo não fossem mais colocadas em prática. Mas essas mudanças não foram suficientes para a promoção do negro dentro da sociedade, uma vez que a igualdade formal não modificou suficientemente as condições desiguais dos estadunidenses. Como foi analisado, compreende-se que a solução para este problema e o da ordem racial se deu com as políticas de ações afirmativas, sobretudo na área da educação. 36 Foi proporcionada através das ações afirmativas, a inclusão social do negro na sociedade norte-americana, de forma rápida e eficaz, sendo que os afrodescendentes passaram até mesmo a ocupar cargos jamais previstos por eles. No Brasil, a abolição da escravatura ocorreu em 1888, através da chamada Lei Áurea. Esta trouxe a efetiva liberdade aos escravos negros, entretanto, não foi capaz de alterar o quadro social do país, não resolvendo o déficit da cidadania e a inclusão dos negros na sociedade. Isso fez com que os negros se tornassem uma vasta camada pobre da população. Deve-se ser analisado que a chegada dos imigrantes europeus influenciou a situação do negro, porém, muitos deles viviam de forma muito parecida com os negros, eram extremamente pobres. Os índios brasileiros, os europeus e mais os negros iniciaram intercruzamentos biológicos, desencadeando em decorrência destas, uma mistura plasmática. Estes cruzamentos interraciais produziram o surgimento dos mestiços, tipos humanos novos, caracteristicamente brasileiros. Deste modo, podemos averiguar a enorme disparidade entre o Brasil e os Estados Unidos da América. Não houve na América essa contundente mistura. Ao contrário, havia uma abissal separação entre a sociedade branca, negra e indígena, até o século XX. Portanto, constata-se a peculiaridade da população brasileira. Como dizer que deve haver cotas raciais nas universidades brasileiras, sendo que na sociedade nacional há uma mistura heterogênica? Quem são os negros, brancos, pardos e amarelos? Quem são os brasileiros? Há que se refletir que hoje no Brasil, há negros com descendência européia e brancos com descendência africana, sendo assim, é impossível indicar qual destinatário mais coerente à vaga nas universidades, através das cotas raciais. Se a condição financeira dos negros está assustadoramente enfraquecida, não é a cor da pele que os impede de entrar na universidade. Mas sim a péssima qualidade de ensino, a baixa renda e a lastimável qualidade das escolas que os pobres brasileiros, sejam brancos, negros ou pardos podem freqüentar. 37 Portanto, nosso problema principal é a desigualdade social e não a desigualdade racial. Se optássemos por uma política social e não racial, atingiríamos níveis da sociedade, os quais alcançariam os menos favorecidos para que adentrassem nas universidades. Logo, atingiríamos não apenas uma classe racial, mas os brasileiros como um todo. Além disso, não há cabimento no Brasil de Ação Afirmativa de caráter compensatório, uma vez que não se pode imputar à quem quer que seja os erros dos antepassados. Se esse tipo de ação positiva entrasse em ação no Brasil, provavelmente os considerados brancos, descendentes de negros, pagariam por essa dívida. Seria uma medida completamente injusta Uma suposta saída, portanto, é aumentar o investimento na educação infantil, nas escolas de ensino fundamental e médio para que seja proporcionado ao estudante pobre (isso engloba inclusive os negros, índios) uma inclusão direta à educação, bem como um incentivo maciço através das Ações Afirmativas em Cotas Sociais pelo poder público. 38 REFERÊNCIA ADPF186:- PETIÇÃO INICIAL http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=400108&tipo=TP&descricao=ADP F%2F186. Acesso em 22/10/210 BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; NUNES, Dierle José Coelho. 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