UFAL
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA
A ESTRUTURA INTERNA DOS PRONOMES PESSOAIS EM
PORTUGUÊS BRASILEIRO
Danniel da Silva Carvalho
Universidade Federal de Alagoas
Campus Aristótelis Calazans Simões
Tabuleiro do Martins
57072-970 – Maceió – Alagoas
fone: (082) 3214 1640/ 3214 1463
Danniel da Silva Carvalho
A ESTRUTURA INTERNA DOS PRONOMES PESSOAIS EM PORTUGUÊS
BRASILEIRO
Danniel da Silva Carvalho
Tese
apresentada
como
requisito parcial à obtenção
do grau de Doutor em
Lingüística do Programa de
Pós-Graduação em Letras e
Lingüística, da Faculdade de
Letras
da
Universidade
Federal de Alagoas
Orientadora: Profa.
Maria Denilda Moura
Co-orientador:
David Adger
MACEIÓ
2008
Prof.
Dra.
Dr.
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
C331e
Carvalho, Danniel da Silva.
A estrutura interna dos pronomes pessoais em português brasileiro / Danniel
da Silva Carvalho. – Maceió, 2008.
154 f.
Orientadora: Maria Denilda Moura.
Tese (doutorado em Letras e Lingüística: Lingüística) – Universidade
Federal de Alagoas. Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em
Letras e Lingüística. Maceió, 2008.
Bibliografia: f. 147-154.
1. Lingüística. 2. Língua portuguesa – Concordância. 3. Língua portuguesa –
Sintaxe. 4. Lingüística – Teoria do caso. 5. Traços-phi – Subespecificação. I. Título.
CDU: 806.90-563/-564
DANNIEL DA SILVA CARVALHO
A ESTRUTURA INTERNA DOS PRONOMES PESSOAIS EM PORTUGUÊS
BRASILEIRO
Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em
Lingüística do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística, da
Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas, pela seguinte banca
examinadora:
Orientadora: ____________________________________________
Profa. Dra. Maria Denilda Moura
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, UFAL
____________________________________________
Profa. Dra. Ilza Maria de Oliveira Ribeiro
Departamento de Fundamentos para os Estudos das Letras, UFBA
____________________________________________
Profa. Dra. Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante
Centro de Educação, UFAL
____________________________________________
Prof. Dr. Aldir Santos de Paula
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, UFAL
___________________________________________
Profa. Dra. Núbia Rabelo Bakker Faria
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, UFAL
Maceió, 24 de novembro de 2008
ii
Esta pesquisa foi parcialmente
financiada por uma bolsa CAPES.
iii
Para o André,
que me ajudou a reescrever
a palma da minha mão
iv
Agradecimentos
No percurso feito para o desenvolvimento deste trabalho, tive muita sorte de
poder contar com pessoas sem as quais nada disso teria sido possível. Quero começar
pelos agradecimentos “lingüísticos”.
Meu maior débito acadêmico é para com minha orientadora, Professora Maria
Denilda Moura. Sempre pronta a me ouvir e sempre disposta a me ajudar
independentemente do problema que surgisse, Denilda sempre foi uma fonte de
inspiração e encorajamento. Muitas das idéias apresentadas aqui são fruto de inúmeras
discussões em sua sala, na Universidade Federal de Alagoas, ou em sua casa, onde
sempre me recebe incondicionalmente e que muitas vezes serviu como “biblioteca” para
minha pesquisa bibliográfica. Além da generosidade acadêmica, que sem medo, posso
afirmar que é raríssima, houve (e há, sempre) a generosidade como pessoa, a amizade,
que surgiu ainda no meu engatinhar no PET letras da UFAL. Por tudo isso e muito
mais, meu muitíssimo obrigado.
Também sou infinitamente grato ao Professor David Adger, que me acolheu na
Queen Mary, University of London durante meu estágio de doutoramento nesta
instituição. David aceitou a dura missão de converter um brasileiro que só tinha dúvidas
a oferecer num doutor em Lingüística. Não foi nada fácil. Para ambos! Minhas
limitações lingüísticas (em todos os sentidos) desafiaram sua paciência. Mas, acredito
que as duras sessões de orientação e as apresentações que me submeti no LingLab da
Queen Mary resultaram num amadurecimento acadêmico que só foi possível por causa
de tais circunstâncias. Isso também é devido as suas críticas de fato contrutivas, sempre
com um sorriso no rosto e palavras de coragem.
Sou imensamente grato também a minha amiga e companheira de percurso
(acadêmico e de vida), Dorothy Brito. Sem Dorothy não teria sobrevivido nem ao
primeiro ano da graduação. Sempre disposta e fiel, enfrentamos tudo lado a lado, e,
claro, rindo de todos os problemas. Pelas noites em claro estudando, revisando as
inúmeras versões de tudo que fazíamos, conversando bobagem, pela fé em mim
depositada, por toda a ajuda, por tudo, ameca, te dedico.
Ao Jair. Jair não, Professor Doutor Jair Gomes de Farias, em quem muito me
inspirei para chegar até aqui. Desde meu ingresso no PET Letras e seu ingresso no curso
v
de mestrado, somos inseparáveis amigos para toda hora. Pelas leituras severas dos meus
textos e pelas comemorações homéricas de qualquer coisa, obrigado menino.
À Professora Ilza Ribeiro, pelos textos enviados, pelas leituras dos meus textos e
sugestões dadas, tanto na minha banca de qualificação quanto em encontros extraoficiais, seja em Maceió ou em Salvador.
À Claudinha e à Miriam, pelas conversas intermináveis e divertidíssimas sobre
tudo, inclusive sobre a tese.
À Anja, à Ruth, ao Olie e à Chiara, da Queen Mary, em Londres, pelo apoio e
pelas discussões teóricas, além, claro, da amizade que surgiu dessa convivência.
Aos Professores Paul Elbourne, Daniel Harbour e Justin Fitzpatrick, por me
esinarem como uma discussão acalorada pode ter resultados incríveis.
Ao Adeilson, ao Marcelo, ao Rafa e à Manu, meu muito obrigado pelo
companheirismo e pela cumplicidade nesses anos de UFAL.
À Telma Magalhães, em quem vi uma grande amiga.
Ao Professor João Costa, que me deu o encorajamento que faltava para a
conclusão deste trabalho.
Aos professores da Pós-Graduação em Letras e Lingüística da UFAL que me
ajudaram no decorrer deste trabalho, em especial à Núbia e ao Aldir, por também
aceitarem fazer parte da banca examinadora em diversas etapas deste trabalho.
À Profa. Dra. Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante pelas contribuições que
deu em todas as suas participações nas bancas examinadoras de meus trabalhos.
À CAPES, pelo apoio que vem desde o mestrado e culminou com a bolsa PDEE,
que possibilitou meu amadurecimento acadêmico em meu estágio em Londres.
A todos os meus colegas do curso de Pós-Graduação.
Ao Judson, da Biblioteca da Pós, por ele existir.
À Inês, secretária eficientíssima da Pós-Graduação em Letras e Lingüística da
UFAL.
Ao Erivaldo, que me mostrou que computadores podem ser amigos.
Também tenho um enorme débito “extra-lingüístico”.
Agradeço primeiramente ao André, que durante todos esses anos me deu apoio
incondicional em tudo, tudo mesmo. Bem, não é à toa que dedico a ele esta tese...
À Ana, minha Ana, sem a qual estaria faminto e mulambento.
vi
Não poderia deixar de lado minha família. A minha mãe, Goretti, que, de um
jeito que é só dela, me deu apoio e amor. Ao meu pai, Marinaldo, que tanto quis um
filho doutor. À toda minha família e em especial à vó Ritta que me apoiou como só uma
avó coruja apóia. Ao Petrúcio (in memoriam), à Telma, à Anne, à Maria Luiza, enfim, a
toda família Rebelo, pela amizade e carinho.
Ao Norbert, ao Beto, ao Marcelo, ao Doug e ao Michel que me deram uma ajuda
imprescindível quando eu mais precisei.
Ao Stevie que foi quase um “livro de auto ajuda” enquanto eu estava só em
Londres.
Enfim, a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram para que
este trabalho pudesse ser realizado, meu muito obrigado.
vii
forma deforma
não há liberdade sem mudança
AR
viii
Resumo
Nesta tese, desenvolvo um estudo lexico-sintático sobre a estrutura interna dos
pronomes pessoais em Português Brasileiro (doravante PB), visando investigar quais
são os traços formativos do pronome em PB e sua relação com o fenômeno do
sincretismo. Empiricamente, apresento uma descrição da estrutura interna dos pronomes
pessoais em PB, mostrando que os tradicionais traços φ (pessoa, número e gênero)
componentes destes pronomes são na verdade elementos categoriais que comportam
traços mais elementares os quais definem tanto o conteúdo quanto a forma do pronome.
Estruturas componentes mais atômicas das categorias pessoa, número e gênero são
capazes de descrever satisfatóriamente o paradigma pronominal em PB. Assim, os
diferentes pronomes (e os papéis que eles desempenham na sintaxe) podem ser descritos
através de sua composição interna, compreendendo alguns traços, como [SPECIFIC], por
exemplo, outrora considerados externos ao conjunto de traços φ. Teoricamente, defino
quais são estes traços formativos mais elementares que compõem o pronome, como esta
composição é feita e quais são seus reflexos sintáticos. Para tal, adoto uma geometria de
traços desenvolvida com bases nas propostas de Harley & Ritter (2002) e Béjar (2003).
Assumo, portanto, que os traços formativos do pronome seguem uma hierarquia e esta
se dá com bases na subespecificação. A proposta de uma teoria φ, de Béjar (2003;
2008), suporta adequadamente a composicionalidade pronominal desenvolvida para o
PB. Da mesma maneira, uma decomposição das categorias de Caso é feita como uma
solução ótima para a configuração de Caso, levando em conta principalmente evidências
de línguas como o inglês e o PB, que apresentam diferenças Casuias apenas em seus
pronomes pessoais. Caso, portanto, é tratado a partir de uma geometria de traços,
análoga àquela proposta para os trços φ. Assim, as categorias de Caso para o PB
obedecem a geometria [C[OBL[GEN][ABL]]]. Um mecanismo de valoração destes traços
é proposto também análogo àquele proposto para os traços φ.
Palavras-chave: Concordância; Sintaxe;Teoria do Caso; Traços-φ; Subespecificação.
ix
Abstract
In this thesis, I develop a lexicon-syntactic study about the internal structure of the
personal pronouns in Brazilian Portuguese (henceforth BP), aiming the investigation of
which the formative features of a pronoun in BP are and their relationship with the
syncretism phenomenon. Empirically, I show a description of the internal structure of
the personal pronouns in BP, showing that the traditional φ-features which build a
pronoun (person, number and gender) are actually categories which bare more
elemental features which define the content and the shape of a pronoun. More
elementary component structures of the categories person, number and gender are able
to describe satisfactorily the pronoun paradigm in BP. Therefore, the different pronouns
(and their syntactic roles) can be described through their inner composition, holding
some features, such as [SPECIFIC], once considered out of their structure. Theoretically, I
define which elementary formative features that form a pronoun are, how this
composition is made and which its syntactic consequences are. To do so, I adopt a
feature geometry developed based on Harley & Ritter (2002) and Béjar (2003)`s
proposals. I assume, then, that the pronoun formative features obey a hierarchy which is
based on underspecification. The φ-theory proposed by Béjar (2003; 2008) supports
adequately the pronoun compositionality developed for BP. Likewise, decomposition
for Case categories is made as an optimal solution for Case configuration, which takes
into account evidence from languages like English and BP, which present Case
differences only in their personal pronouns. Case, then, is treated geometrically,
analogue to that proposed to φ-features. As a result, Case categories in BP obey the
geometry [C[OBL[GEN][ABL]]]. A value mechanism for these features is proposed also
analogue to the one for φ-features.
Key-words: Agreement; Syntax; Case Theory; φ-features; Underspecification.
x
Résumé
Dans cette thèse je réalise une étude lexico-syntaxique sur la structure interne des
pronoms personnels en Portugais Brésilien (dorénavant PB), en envisageant faire des
recherches sur quels sont les traits formatifs du pronom en PB et son rapport aux
phénomènes du syncrétisme. Empiriquement, j’ai presenté une description de la
structure interne des pronoms personnels en PB, et j’ai pu montrer que les traditionnels
traits φ qui composent ces pronoms (personne, nombre et genre) sont à la vérité des
éléments catégoriels qui comportent des traits plus élémentaires, lesquels définissent
aussi le contenu que la forme des pronoms. Ces structures composantes plus atomiques
des catégories personne, nombre et genre sont capables de décrire de façon très
satisfaisante le paradigme pronominal en PB. Ainsi, les différents pronoms (et les rôles
qu’ils représentent dans la syntaxe) peuvent être décrits à travers sa composition interne,
qui comprend quelques traits, comme [SPÉCIFIQUE], par exemple, qui était autrefois
considéré externe à l’ensemble des traits φ. Théoriquement, j’ai defini quels sont les
traits formatifs plus élémentaires qui composent le pronom, comme cette composition
est faite et quels sont ses réflexes dans la syntaxe. Pour cela, j’adopte une géométrie de
traits développée selon les modèles proposés par Harley & Ritter (2002) et Béjar
(2003). J’assume, pourtat, que les traits formatifs du pronom suivent une hiérarchie et
celle-là s’est faite selon la sous-spécification. La proposition d’une théorie-φ, de Béjar
(2003; 2008) donne le support convenable à la composition pronominal dévelopée pour
le PB. De même, une décomposition des catégories de Cas, étant donné principalement
les évidences des langues comme l’anglais et le portugais brésilien, lesquelles
présentent des différences Casuellles à peine dans leurs pronoms personnels. Pourtant,
le Cas peut être traité à partir d’une géométrie de traits, analogue à celle qui est
proposée pour les traits φ. Ainsi, les catégories de Cas pour le PB obéissent à la
géométrie [C[OBL[GEN][ABL]]]. Un mécanisme de validation de ces traits est
analogue à celui qui a été proposé pour les traits φ.
Mots-Clefs: Accord; Syntaxe; Théorie du Cas; Traits φ; Sous-spécification.
xi
LISTA DE ABREVIATURAS
φ
Phi
π
#
#P
ABL
AC
AGR
ADDR
C
Pi
Number
Number Phrase
Ablative
Accusative
Agreement
Addressee
Traços gramaticais de pessoa, número e
gênero
Categoria pessoa
Categoria número
Grupo de Número
Ablativo
Acusativo
Concordância
Destinatário/Ouvinte
Complementizer
Complementizador
CP
Complementizer Phrase
Grupo de Complementizador
Determiner
Determinante
DAT
Dative
Dativo
DEFIN
Definite
Definido
DP
Determiner Phrase
Grupo de Determinante
D ou
DET
EPP
Extended Projection
Princípio de Projeção Alargado
Principle
ECM
Exceptional Case Marking
Marcação Excepcional de Caso
GEN
Genitive
Genitivo
I ou INFL
Inflection
Flexão
INDV
Individuation
Individuação
LF
Logical Form
Forma Lógica
LI
Lexical Item
Ítem Lexical
Nom
Nominative
Nominativo
NP
Noun Phrase
Grupo Nominal
Num
OBL
Número
Oblique
Oblíquo
OD
Objeto Direto
P
Preposition
Preposição
PART
Participant
Participante
Pes
Pessoa
xii
PF
Phonetic Form
Forma Fonética
POSS
Possessive
Possessivo
PP
Prepositional Phrase
Grupo Preposicional
R ou RE
Referring Expression
Expressão Referencial
SPKR
Speaker
Falante
Spec
Specifier
Especificador
SPECIF
Specific
Específico
Suj
Sujeito
T
Tense
Tempo
TP
Tense Phrase
Grupo Temporal
V
Verb
Verbo
v ou v*
Light Verb
Verbo Leve
vP ou v*P
Light Verb Phrase
Grupo de Verbo Leve
VP
Verb Phrase
Grupo Verbal
Animate
Animado
Augmented
Aumentado
Class
Classe
Feminine
Feminino
Deictic
Dêitico
Distal
Distante
Dual
Grupo de Dois Indivíduos
Goal
Alvo
Group
Grupo
Inanimate
Inanimado
Masculine
Masculino
match
Combinação
Minimal
Mínimo
Neuter
Neutro
Output
Saída/Resultado
Probe
Sonda
value
Valoração
xiii
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO ..........................................................................................16
1.1 APRESENTAÇÃO.............................................................................................................16
1.2 OBJETIVOS E PROPOSTA DO TRABALHO ................................................................18
1.3 QUADRO TEÓRICO.........................................................................................................19
1.3.1 Quadro Geral ...................................................................................................................20
1.3.2 Traços e Léxico ...............................................................................................................20
1.3.3 Categorias Funcionais......................................................................................................21
1.3.4 As Operações Sintáticas ..................................................................................................22
1.3.5 Concordância e Caso .......................................................................................................23
1.4 ESTRUTURAÇÃO DA TESE...........................................................................................24
CAPÍTULO 2 – PRONOMES PESSOAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO................26
2.1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................26
2.2 DISTRIBUIÇÃO DOS PRONOMES PESSOAIS EM PB................................................27
2.3 RESTRIÇÕES SINTÁTICAS NA ALTERNÂNCIA DOS PRONOMES DE
PRIMEIRA PESSOA DO SINGULAR .......................................................................36
2.4 O SUJEITO PRONOMINAL EM ORAÇÕES INFINITIVAS ENCAIXADAS NO
PB .................................................................................................................................40
2.4.1 Botelho-Pereira & Roncaratti (1993) ..............................................................................40
2.4.2 Salles (2000) ....................................................................................................................45
2.5 SUMÁRIO..........................................................................................................................49
CAPÍTULO 3 – UMA GEOMETRIA DE TRAÇOS PARA OS PRONOMES EM
PB .................................................................................................................................50
3.1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................50
3.2 TRAÇOS E COMPOSIÇÃO PRONOMINAL ..................................................................52
3.2.1 O que determina a distribuição de um pronome? ............................................................52
3.2.2 Pronomes enriquecidos....................................................................................................54
3.3 SOBRE A COMPOSICIONALIDADE DOS PRONOMES .............................................59
3.3.1 Cardinaletti & Starke (1999) ...........................................................................................59
3.3.2 Déchaine & Wiltschko (2002).........................................................................................61
3.3.3 Rullmann (2004)..............................................................................................................69
3.3.4 Harley & Ritter (2002) ....................................................................................................71
3.3.5 Bejar (2003).....................................................................................................................76
xiv
3.4 NOTAÇÃO DE TRAÇOS ENRIQUECIDOS: AMPLIANDO-SE UMA TEORIA-Φ.....76
3.4.1 Composicionalidade de traços: pessoa ............................................................................78
3.4.1.1 Uma geometria para os pronomes pessoais em PB ......................................................83
3.4.2 Composicionalidade de traços: número...........................................................................86
3.4.3 Composicionalidade de traços: gênero............................................................................90
3.5 SUMÁRIO..........................................................................................................................93
CAPÍTULO 4 – TEORIA-Φ E CONDIÇÕES PARA CONCORDÂNCIA: UMA
PROPOSTA DE ANÁLISE DO PRONOME ..........................................................95
4.1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................95
4.2 CONJUNTO Φ ENRIQUECIDO E CONDIÇÕES PARA CONCORDÂNCIA ..............95
4.2.1 Condições para concordância via subespecificação de traços.........................................95
4.2.2 Condições para match......................................................................................................96
4.2.3 Condições para value.......................................................................................................98
4.3 SUMÁRIO........................................................................................................................102
CAPÍTULO 5 – CASO, SUBESPECIFICAÇÃO E CONDIÇÕES DE
CHECAGEM ............................................................................................................104
5.1 INTRODUÇÃO................................................................................................................104
5.2 DECOMPONDO CASO .................................................................................................106
5.2.1 Sistema de Caso, sintaxe e morfologia..........................................................................106
5.2.2 Caso em PB ...................................................................................................................112
5.3 SUBESPECIFICAÇÃO DE CASO .................................................................................114
5.3.1 McFadden (2007) ..........................................................................................................114
5.4 UMA TEORIA DE SUBESPECIFICAÇÃO DE CASO .................................................122
5.4.1 Deficiência e subespecificação......................................................................................122
5.4.2 Uma geometria para Caso .............................................................................................126
5.4.3 Condições para valoração dos traços de Caso ...............................................................130
5.4.4 Da valoração à realização do Caso ................................................................................133
5.4.4.1 Caso e o domínio do DP .............................................................................................136
5.5 SOBRE O CASO NAS ORAÇÕES INFINITIVAS ENCAIXADAS EM PB ................140
5.6 SUMÁRIO........................................................................................................................142
CAPÍTULO 6 – CONIDERAÇÕES FINAIS....................................................................144
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................147
xv
1
Introdução
1.1 Apresentação
O propósito deste capítulo é apresentar um breve panorama do fenômeno do
sincretismo pronominal encontrado em Português Brasileiro (doravante PB) e os
objetivos deste trabalho. O quadro teórico aqui adotado é o da Teoria Gerativa em seu
modelo Minimalista como desenvolvido por Chomsky (1995; 1998; 1999a) e por outros
autores. Farei apenas uma breve exposição deste quadro teórico neste capítulo, uma vez
que este será discutido quando necessário no decorrer do texto.
O paradigma pronominal no PB tem levantado um considerável número de
problemas para diversos módulos da Gramática, tais como concordância e Caso1. Nas
últimas décadas, alguns pronomes foram praticamente extintos (e.g. vós), outros
assumiram um papel diferente daquele que originalmente desempenhavam (e.g.
você(s)), alguns ainda são usados em algumas variedades do PB, adotando-se, em
alguns dialetos, um padrão de concordância diferente (e.g. tu), e outros surgiram a partir
da gramaticalização de nomes (a.g. a gente). Na verdade, todas essas mudanças têm
ocorrido juntamente a um ajuste na sintaxe: o surgimento de todas essas novidades
acompanha uma sistemática redução dos padrões de concordância em PB. Os padrões
de concordância para a segunda pessoa praticamente não são mais encontrados, pelo
menos no PB corrente, e foram substituídos pelos padrões de concordância para a
terceira pessoa. Mesmo a primeira pessoa do plural pode apresentar concordância de
terceira pessoa, e, neste caso em particular, do singular. Ribeiro (2008), com base em
dados de informantes afro-descendentes do PB rural falado no estado da Bahia, mostra
1
Caso com inicial maiúscula representa o Caso abstrato, enquanto caso, com inicial minúscula representa
tanto caso morfológico como outras instâncias da palavra caso.
16
que há até a possibilidade de a primeira pessoa do singular apresentar o padrão de
concordância da terceira pessoa do singular.
(1)
a. Eu ficô assim… oiano!
(RIBEIRO, 2008:6)
Aparentemente, uma outra sorte de variação atinge as formas pronominais de
primeira pessoa do singular: o sincretismo para as diferentes formas Casuais2. A
tradicional forma nominativa do pronome de primeira pessoa (eu) pode ser encontrada
em todas as posições argumentais em algumas variedades do PB (cf. (2)). Ainda, a
forma oblíqua (mim) pode ser encontrada como sujeito encaixado em orações infinitivas
preposicionadas (cf. (3))3.
(2) a. Minha mãe (me) mandou (eu) pra escola.
b. Maria deu um presente pra eu/pra mim.
c. Ela nunca falou com eu/comigo.
d. Ela puxou na (minha) cabeça (deu/de mim).
(3) a. Ela deu o livro para eu ler.
b. Ela deu o livro para mim ler.
O sincretismo nas outras pessoas pronominais é um fenômeno aparentemente
mais estabilizado em PB. Nesta língua, por exemplo, as formas “nominativas” dos
pronomes pessoais restantes (você, ele, ela, nós, a gente, vocês, eles, elas) são também
os representantes dativos oblíquos, sem nenhuma marginalidade em sua aceitação.
2
Tradicionalmente, assume-se que cada Caso (nominativo, acusativo etc.) atribuído tenha como
equivalente morfológico uma única forma, como um morfema em línguas com um sistema Casual rico,
ou os pronomes que são a única evidência de Caso em línguas com um sistema Casual pobre.
3
Salles (2000) afirma que este fenômeno também ocorre, em alguns dialetos do PB, com a segunda
pessoa do singular (tu/ti), como ilustrado em (i) abaixo:
(i) a. Ela deu o livro pra ti ler
b. Ela deu o livro pra tu leres.
Como será visto nos capítulos seguintes, a análise adotada para explicar o fenômeno em (3) pode ser
coerentemente aplicada ao fenômeno em (i).
17
(4) Maria deu o livro para você/ele/ela/nós/a gente/vocês/eles/elas
Tais formas pronominais também são encontradas nos mesmos contextos das
sentenças em (2) acima, como pode ser visto em (5).
(5) a. Minha mãe mandou você/ele/ela/nós/a gente/vocês/eles/elas pra escola.
b. Maria deu um presente pra você/ele/ela/nós/a gente/vocês/eles/elas.
c. Ela nunca falou com você/ele/ela/nós/a gente/vocês/eles/elas.
d. Ela puxou na cabeça de ?você/dele/dela/de nós/da gente/
de vocês/deles/delas.
A observação de uma reorganização nos padrões de concordância para todas as
pessoas pronominais, por um lado, e o sincretismo pronominal encontrado em PB, por
outro, parecem de alguma forma fenômenos conectados. O primeiro fato é
provavelmente causado pela substituição de alguns pronomes e a conseqüente redução
do paradigma verbal (cf. DUARTE, 1993; GALVES, 1993; SOTO, 2001, entre muitos
outros). O segundo fato, apesar de não trazer uma alteração aparente nos padrões de
concordância, resulta de uma similar reorganização no paradigma, uma vez que não há
correspondência unívoca entre uma forma pronominal e uma única função Casual, como
esperado.
1.2 Objetivos e proposta do trabalho
O principal objetivo desta tese é oferecer uma análise unificada para o
sincretismo das formas pronominais em PB, em especial as de primeira pessoa do
singular, levando em conta a composicionalidade e o mecanismo de checagem de seus
traços. Empiricamente, pretendo descrever a estrutura interna dos pronomes pessoais em
PB visando justificar a distribuição de tais pronomes, uma vez que as atuais propostas
não abarcam satisfatoriamente dados de algumas variantes do PB, quando não as
ignoram por completo. Assim, uma descrição pronominal deste cunho é motivada pelo
fato de a visão tradicional acerca dos pronomes falhar ao explicar tal abrangência
18
distributiva. Teoricamente, esta tese objetiva investigar que traços entram na
composição dos pronomes em PB, como esta composição se dá e quais seus reflexos
sintáticos.
O interesse pela descrição da estrutura interna dos pronomes aparece também
em Cardinaletti e Starke (1999), que propõem a noção de “deficiência” para o sistema
pronominal das línguas. Esta noção é interpretada aqui como subespecificação e é uma
das idéias centrais desta tese. Outra idéia seguida aqui é a de que o conjunto tradicional
de traços φ (pessoa, número e gênero como sendo traços atômicos) não é capaz de dar
suporte ao mecanismo distribucional dos pronomes pessoais em PB (e também em
outras línguas), sendo, desta maneira, assumido que tais traços são categorias mais
gerais compostas por traços mais elementares, como, por exemplo, speaker e addressee
em vez do rótulo pessoa, de acordo com Harley e Ritter (2002). Entretanto, a
decomposição oferecida por estas autoras ainda não é suficiente para capturar certas
características de alguns pronomes, como as leituras arbitrária e definida de uma mesma
forma pronominal .
1.3 Quadro Teórico
Como já dito no início deste capítulo, faço uso do quadro teórico de Princípios e
Parâmetros no seu modelo minimalista (CHOMSKY, 1995; 1998; 1999a) para a
estrutura oracional e mecanismo de licenciamento, com uma diferença: traços não são
valorados e deletados mas, ao invés disso, permanecem inertes após sua valoração até
que alcance as interfaces (FRAMPTON & GUTMANN, 2000). Nesta seção, pretendo
resumir as principais idéias do Programa Minimalista como um passo para a
compreensão das propostas apresentadas nas próximas seções4.
4
Para uma iniciação ao quadro teórico ao qual lanço mão, cf. Raposo (1992) e Chomsky (1995; 1999b).
19
1.3.1 Quadro Geral
Nesta tese, adoto o quadro geral do Programa Minimalista, traçado em Chomsky
(1995; 1998; 1999a), em que se assume que a componente sintática da faculdade da
linguagem é programada para ser um sistema gerativo derivacional que faz interface
com duas componentes externas (interpretativas): a articulatória-perceptual e a
conceitual-intencional. Isto se dá através de dois níveis de representação: a forma
fonética (PF, do inglês Phonetic Form) e a forma lógica (LF, do inglês Logical Form).
Nestes níveis, apenas traços que são legíveis pelos sistemas devem estar presentes
(Princípio da Interpretação Plena). Se uma dada derivação satisfaz o Princípio da
Interpretação Plena, ela converge. Caso contrário, ela fracassa.
Ainda, adoto o Princípio da Uniformidade, apresentado em (6):
(6) In the absence of compelling evidence to the contrary, assume languages to be
uniform, with variety restricted to easily detectable properties of utterances5.
(CHOMSKY, 1999a:2)
Assim, a variação sintática entre as línguas se deve à variação nas propriedades
dos ítens lexicais específicos, codificados como traços formais. Uma vez que o sistema
computacional é sensível à composição de traços dos ítens lexicais que entram na
derivação, a variação intra e inter-linguística é permitida, mesmo diante de um sistema
computacional inflexível (cf. CHOMSKY, 1997:61).
1.3.2 Traços e Léxico
O léxico é a lista de ítens lexicais (e suas propriedades idiossincráticas) que uma
dada língua possui. De acordo com Chomsky (1995), um ítem lexical é formado por
traços semânticos, fonológicos e formais. Traços semânticos são relevantes para a
interface com o sistema conceitual-intencional, sendo inacessíveis no decorrer da
derivação. Os traços fonológicos são relevantes para o sistema articulatório-perceptual,
5
Tradução aproximada: “Na ausência de evidência convincente do contrário, assumir que as línguas são
uniformes, com variedade restrita a propriedades de expressões facilmente detectáveis”.
20
e só são acessíveis depois de Spell-out. Os traços formais são acessíveis ao sistema
computacional e mostram diferenças cruciais que são refletidas na derivação.
Primeiramente, estes traços têm de ser legíveis, sendo interpretáveis na interface
conceitual-intencional, tais como o traço φ em N, e ilegíveis, não interpretáveis na
interface, como Caso. Esta assunção é adotada aqui também com uma diferença crucial:
apenas traços semânticos e formais entram na computação.
O Princípio da Interpretação Plena (Principle of Full Interpretation) exige que
nenhum traço semântico ou formal esteja presente em PF, e traços fonológicos e
ilegíveis não estejam presentes em LF para que a derivação convirja. Isto é facilmente
satisfeito pela assunção acima de que traços fonológicos são instâncias de PF apenas e
não participam da derivação. A eliminação de traços formais ilegíveis é devida a
operações no sistema computacional, as quais envolvem categorias lexicais e
funcionais.
1.3.3 Categorias Funcionais
De acordo com o Programa Minimalista (CHOMSKY, 1995), apenas categorias
funcionais que possuem traços legíveis pelas interfaces são permitidas. Este não é o
caso de AGR, e assim, este deve ser eliminado (cf. CHOMSKY,op.cit). Portanto, C, T e
D são considerados categorias funcionais legítimas, ao lado de v, o verbo leve, o qual é
responsável pela estrutura argumental (v seleciona VP e sua posição de especificador
recebe o argumento externo durante a derivação, enquanto os argumentos internos são
inseridos nas posições de complemento de V). Assim, uma dada oração tem a seguinte
configuração:
(7)
CP
3
....
3
....
TP
vP
3
....
VP
3
V
....
21
Chomsky (1998) associa um traço comum que é compartilhado por C, T e D: o
traço EPP (ou, simplesmente, traço D). Este traço tem a tarefa de atrair uma expressão
nominal ao núcleo que contém este traço, que deve estar na posição de especificador de
seu núcleo ou adjungido a ele.
1.3.4 As operações sintáticas
De acordo com o Programa Minimalista (CHOMSKY, 1995), toda derivação
começa com uma Numeração, que corresponde ao conjunto de pares (LI,i), onde LI é
um item lexical e i indica o número de vezes que este item está disponível para a
computação. O sistema computacional acessa a Numeração através da operação
Seleção. Uma vez que Seleção coleta um elemento da Numeração, seu índice é reduzido
em 1. Para legitimizar a derivação, sua Numeração deve ser reduzida a zero. A
Numeração será levada em conta nesta tese como uma operação que lida com traços
formais apenas, no sentido de não serem elementos lexicais plenamente formados.
Não há níveis intermediários entre o léxico e as interfaces (estrutura D e S, nos
termos de CHOMSKY, 1981). Portanto, a estrutura de uma dada expressão deve ser
construída durante a derivação. A operação Concatenar (Merge) é responsável pela
união dos itens lexicais e elementos mais complexos formados por estes, e também pela
sua rotulação. Este mecanismo é ilustrado em (8) abaixo:
(8) α,
→
α
3
α
O sistema computacional faz uso de operações responsáveis pela eliminação de
traços ilegíveis. Como caracterizado em Chomsky (1999a), traços não interpretáveis em
um núcleo entram na derivação não valorados. Assim, um núcleo funcional que atribui
Caso estrutural, por exemplo, terá traços φ não valorados e um nominal terá um traço de
Caso não valorado. A operação Agree incorpora mecanismos para valorar tais traços
não valorados sob certas condições: havendo correspondência (match) entre os traços da
sonda (probe) e do alvo (goal), os traços formais não valorados são finalmente
valorados e deletados (de acordo com a proposta de CHOMSKY, 1999a) antes de a
derivação alcançar Spell-out. Como dito acima, assumo com Framptom & Gutmann
22
(2000) que não há deleção de traços mas inércia daqueles que foram valorados até que
estes alcancem as interfaces (cf. 4.2.3).
A operação Mover (Move) para um DP, por exemplo, é acessada quando EPP
(ou simplesmente traço D) está presente na sonda. Assim, o alvo (neste caso, o DP)
move-se na direção da posição de especificador da sonda para que esta tenha este traço
valorado. Mover é uma operação complexa que envolve Agree, Copiar (Copy) e
Concatenar, uma vez que, após a concordância, o alvo é copiado e inserido na sonda. O
escopo da sonda é determindo por c-comando, como definido abaixo:
(9) α c-comanda
sse (i) α é uma irmã de
ou (ii) α é irmã de γ e γ domina
.
Concatenar e Mover também dependem da condição de Último Recurso, que é
um princípio local de economia derivacional que bloqueia passos desnecessários
durante a derivação. Além disso, comparando-se Concatenar e Mover, a primeira
operação parece ser bem mais econômica do que a segunda, devendo ser escolhida
Concatenar em detrimento de Mover quando possível.
Assumirei também com Chomsky (1995) que o que torna um elemento ativo
para o sistema computacional são seus traços não-interpretáveis.
1.3.5 Concordância e Caso
Chomsky (1999a) assume que o núcleo que hospeda T é o locus do Caso
nominativo. Para o acusativo, ele considera duas possibilidades, v* e V.
(10)
CP
3
C
TP
3
T
v*P
3
Nom
v*’
3
v*
VP
3
V --> Ac
Se o traço D de T está presente, assumindo-se que ele é opcional na GU, T
projeta uma posição de especificador para a qual o “nominativo” pode se mover. T é
23
selecionado por C e V é selecionado por v*, e, uma vez que ambos C e v* têm um
conjunto completo de traços φ, ambas as sondas devem ter também um conjunto
completo de traços φ (Tcomp, Vcomp) e, assim, entrar numa relação de concordância e de
Caso com o “nominativo” e o “acusativo”, respectivamente (sendo o mecanismo de
sondagem condicionado por c-comando mínimo). Caso é não interpretável, da mesma
forma que o são os traços φ da sonda, enquanto os traços φ dos argumentos (alvos) são
interpretáveis. Como visto acima, correspondência de traços da sonda e do alvo
induzem Agree, eliminando-se os traços não interpretáveis que os ativam (CHOMSKY,
1999a:4). Ainda de acordo com Chomsky (1999a), a correspondência bem-sucedida dos
traços de Caso e φ é um pré-requisito para a convergência da estrutura sintática. Por
fim, “the extent to which agreement (and case) is actually morphologically visible is
dependent on ‘language-variant PF-manifestation’”6 (CHOMSKY, 1999a:3).
1.4 Estruturação da tese
Os próximos capítulos são organizados da seguinte maneira: o capítulo 2 mostra
os dados relevantes usados como evidência para a análise desenvolvida nos capítulos
seguintes, análise esta que se baseia na composicionalidade de traços e seu efeito nas
relações de concordância, conectando sincronicamente fenômenos que ocorrem no
paradigma pronominal pessoal do PB. Ainda, é feita uma revisão dos trabalhos mais
relevantes acerca da variação entre os pronomes eu e mim em estruturas como em (3)
acima, mostrando como tais propostas não dão conta desta alternância em contextos
como em (2)7. Esta revisão serve como justificativa para a proposta alternativa que
desenvolvo nos capítulos seguintes.
No capítulo 3, desenvolvo uma argumentação em favor da composicionalidade
de traços φ, que seria responsável pela distribuição dos pronomes pessoais, hipótese esta
sustentada por alguns estudos recentes (CARDINALLETI e STARKE, 1999;
DÉCHAINE e WILTSCHKO, 2002; RULLMANN, 2004; HARLEY e RITTER, 2002)
os quais são mais coerentes com os últimos desenvolvimentos da teoria gerativa.
6
Tradução aproximada: “o ponto em que concordância (e caso) é de fato morfologicamente visível é
dependente de ‘diferenças da língua manifestadas em PF’”.
7
Não encontramos estudos significativos com base na teoria gerativa sobre os fenômenos em (2).
24
Assumo que as categorias φ são rótulos representativos de traços mais elementares que,
combinados, compõem um elemento pronominal. Esta composição é capaz de descrever
a distribuição dos pronomes internamente, sem necessidade de se recorrer a sua
morfologia.
No capítulo 4, apresento uma teoria de concordância capaz de lidar com a
abordagem de traços desenvolvida para os pronomes no capítulo 3. Demonstro como
tal teoria de concordância, com base na proposta de Béjar (2003), pode resolver o
fenômeno de não-correspondência de traços (feature mismatch – ausência de identidade
de traços entre a sonda e o alvo) no processo de concordância, observando
particularmente os dados do PB.
No capítulo 5, é proposta uma teoria de traços de Caso análoga àquela para os
traços φ, nos capítulos 3 e 4. Um mecanismo de checagem de traços de Caso é proposto,
também com base na subespecificação de traços. Este mecanismo nos permite lidar com
o sincretismo encontrado com os pronomes de primeira pessoa do singular em PB.
O capítulo 6 conclui esta tese.
2
25
Pronomes pessoais no Português Brasileiro
2.1 Introdução
Neste capítulo, exporei os dados relevantes usados como evidência para a
elaboração da análise desenvolvida nos capítulos seguintes, análise esta que se baseia na
composicionalidade de traços e seu efeito nas relações de concordância. Assim, o
principal objetivo deste capítulo é conectar sincronicamente os fenômenos mostrados
em (1) e (2) abaixo a outros fenômenos que ocorrem no sistema pronominal do PB,
incluindo essas alternâncias em um quadro mais amplo de mudanças que estão
ocorrendo no paradigma pronominal desta língua, e que vêm sendo objeto de estudo de
diversos trabalhos no campo da lingüística (gerativa ou não) (cf. KATO, 1993, 1999,
2002; CERQUEIRA, 1996; CYRINO, 1996; DUARTE, 1996; GALVES, 1996;
NUNES, 1996; MENUZZI, 2000; MOURA, 2006, 2007a; NASCIMENTO, 2001;
SOTO, 2001; KATO e DUARTE, 2005, entre outros).
(1) a. Minha mãe (me) mandou (eu) para escola.
b. Maria deu um presente para eu/para mim.
c. Ela nunca falou com eu/comigo.
d. Ela puxou na (minha) cabeça (deu/de mim).
(2) a. Ela deu o livro para eu ler.
b. Ela deu o livro para mim ler.
Assumo que esta alternância é resultado de uma simplificação morfológica do
sistema pronominal do PB, que se encontra em um processo de reorganização (cf.
GALVES, 2001). Mostrarei evidências de que esta reorganização é internamente
motivada e isso é refletido dentro da sentença através dos efeitos de concordância. A
26
idéia central a ser discutida é a de que pronome não é um item lexical atômico, mas
deve ser construído por diferentes tipos de traços que o caracterizam de acordo com sua
função gramatical.
O capítulo está organizado da seguinte maneira: em 2.2, descreverei o
paradigma pronominal do PB a partir dos dados apresentados nesta seção, mostrando
que um paradigma pronominal baseado em suas formas Casuais é inviável nesta língua;
em 2.3, mostrarei que, ao contrário dos outros pronomes, a primeira pessoa do singular
mostra algumas restrições quanto a sua distribuição, o que indica que as alternâncias em
(1) e (2) acima não são um fenômeno superficial, i.e. apenas uma questão dialetal, o que
demanda uma explicação alicerçada na derivação em si; esse comportamento é
observado em outras línguas, como o inglês por exemplo, cujos dados apresentados
demonstram restrições similares, o que dá suporte à hipótese de motivação interna para
o fenômeno; em 2.4, sumarizarei os trabalhos mais relevantes acerca da alternância
entre as formas pronominais de primeira pessoa do singular eu e mim na posição sujeito
de orações encaixadas infinitivas, como mostram os exemplos em (2) (BOTELHO
PEREIRA e RONCARATTI, 1993; SALLES, 2000), todos baseados no chamado Filtro
de Caso (cf. VERGNAUD, 1977; ROUVERET e VERGNAUD, 1980; CHOMSKY,
1981; 1986), mostrando que tais propostas não conseguem lidar consistentemente com
as alternâncias em (1) e (2); 2.5 conclui o capítulo.
2.2 Distribuição dos pronomes pessoais em PB
É tradicionalmente assumido que os chamados pronomes pessoais no PB têm
uma distribuição unívoca de acordo com seu reflexo morfológico de caso. Como pode
ser observado em (3), os casos nominativo, acusativo, dativo, ablativo e genitivo
(possessivo) são tradicionalmente refletidos nas diferentes formas pronominais8.
(3) a. Nós(nom) nos(ac) presenteamos com uma viagem.
b. Eu(nom) dei o livro a você(dat).
8
Os contrastes apresentados aqui são baseados na noção de Caso apresentada na Teoria do Caso (cf.
ROUVERET e VERGNAUD, 1980; CHOMSKY, 1981): um DP deve satisfazer o Filtro de Caso – um
DP deve receber Caso para ser legível nas interfaces, satisfazer a Condição de Visibilidade em LF e ser
realizado foneticamente de forma adequada (HORNSTEIN et al., 2005:111).
27
c. Elas(nom) lhe(dat) falaram a verdade.
d. Eu(nom) deixei meu(gen) livro contigo(abl).
Em (3a), Nós é a forma nominativa de primeira pessoa do plural enquanto nos
representa o clítico acusativo para esta pessoa; em (3b), eu é a forma nominativa de
primeira pessoa do singular e você a forma oblíqua dativa da segunda pessoa do
singular9; em (3c) elas é a forma para o nominativo da terceira pessoa do plural
feminina, enquanto o lhe é a forma clítica dativa de terceira pessoa do singular; e em
(3d), eu representa o nominativo da primeira pessoa do singular (como em (3b)), meu a
forma possessiva para esta pessoa, e contigo, o que chamo de ablativo da segunda
pessoa do singular10.
Em vários dialetos do PB, entretanto, a relação acima entre formas pronominais
e caso não é atestada. Por exemplo, lhe, o clítico dativo de terceira pessoa, tem sido
usado também como o acusativo de segunda pessoa (cf. NASCIMENTO, 2001), como
ilustrado em (4).
(4) a. Eu lhe(ac) vi ontem.
Em PB, algumas formas “nominativas” já substituíram outras formas casuais.
Coutinho (1976) lembra-nos que as terceiras pessoas do singular, ele/ela, evoluíram
diretamente das formas do Latim ĭlle/ĭlla, respectivamente, e que atualmente, podem
assumir todas as funções gramaticais (i.e. posições argumentais); você, por outro lado,
evoluiu da forma de tratamento vossa mercê, assumindo mais tarde o papel de
nominativo ao lado do pronome tu, mas, similarmente à terceira pessoa, também é
encontrado desempenhando o papel de pronome acusativo e dativo, paralelamente a te e
ti, respectivamente.
9
Considero você como o pronome standard de segunda pessoa do singular em PB. Não obstante,
reconheço o uso de tu como pronome de segunda pessoa do singular em alguns dialetos do PB, mas,
geralmente, desencadeando concordância de terceira pessoa do singular, seguindo os padrões de
concordância de você.
10
Ablativo aqui é entendido como o pronome oblíquo ligado à preposição com. Migo, tigo, sigo, nosco,
vosco são o resultado da forma pronominal ablativa (me, te, se, nos, vos) mais a preposição cum (com) em
Latim. No processo de evolução do Latim para o Português, houve a adição de cum à forma já composta
do ablativo, resultando as formas pronominais comigo, contigo, consigo, conosco, convosco (cf.
COUTINHO, 1976). Em PB, com todas as formas pronominais, o ablativo pode ser formado
simplesmente adicionando a preposição com, herdeiro de cum, às chamadas formas nominativas. Todas
essas possibilidades serão chamadas ablativo nesta tese. Adicionalmente, na ausência de um “rótulo”
mais adequado, também classificarei como genitivo o Caso das formas possessivas.
28
(5) a. Eu (te) vi (você(ac)) no trabalho.
b. Ele deu o livro para você(dat)/ti.
c. Ela comprou o livro com vocês/eles(abl)/contigo.
Em vários dialetos do PB, a generalização da forma nominativa não é limitada às
pessoas acima, incluindo também as primeiras pessoas do singular e plural, como
mostrado em (6).
(6) a. Minha mãe mandou nós/a gente/eu(ac) pra escola.
b. Maria deu um presente pra nós/a gente/eu(dat).
c. Ela nunca falou com nós/a gente/eu(abl).
d. Ela puxou na cabeca de nós/da gente/deu(gen).
A generalização mostrada nos dados acima nos permite construir o seguinte
paradigma para os pronomes em PB.
(7) Paradigma pronominal em PB11
11
As formas pronominais em parênteses são as formas pronominais femininas dos pronomes; o –s em
colchetes é o sufixo pluralizante (alguns pronomes possessivos concordam em número e pessoa em PB);
29
Nom
1sg Eu
Ac
Dat
Abl12
Gen
Me/eu
Me/mim14/eu
Comigo/eu
Meu[s](minha[s])
/deu/de mim
2sg Você/tu
Você/tu/te/lhe Lhe/você/te/ti
Contigo/você Seu[s](sua[s])
/teu[s](tua[s])
3sg Ele(ela)
Ele(ela)/se13
Ele(ela)/lhe
Ele(ela)
Dele(dela)
1pl
Nós
Nos/nós
Nos/nós
Conosco/nós
De nós
/a gente
/a gente
/a gente
/a gente
/da gente
2pl
Vocês
Vocês
Vocês
Vocês
De vocês
3pl
Eles(elas) Eles(elas)/se
Eles(elas)/lhe Eles(elas)
Deles(delas)
O quadro acima mostra que, em PB, a forma “nominativa” tem um amplo
alcance em relação ao seu uso uma vez que emerge em todas as posições Casuais. Isso
evidencia que a hipótese de Caso como determinate da realização pronominal em PB
não é absoluta. E isto não ocorre apenas nesta língua. Sigurđsson (2003), por exemplo,
afirma que Caso é conceitualmente insuficiente para dar conta da distribuição do dativo
em islandês. McFadden (2002:3) mostra que “in languages like Icelandic, Japanese and
Hindi, although the normal subject case is nominative, some structural subjects are
dative. Furthermore, nominative case can mark certain structural objects”15. McFadden
(2004) tem um ponto de vista mais radical acerca de Caso, afirmando ser este um
módulo supérfluo na Gramática Universal. Como veremos adiante, assumo com
Sigurđsson que Caso, como definido na literatura, é insuficiente para determinar tanto a
realização quanto a distribuição dos DPs pronominais. Ainda, outros elementos que
considero constituintes dos pronomes, como alguns traços gramaticais, são também
responsáveis pela distribuição dos pronomes pessoais.
a gente é uma forma gramaticalizada de primeira pessoa do plural e co-ocorre com nós. Para uma
discussão mais aprofundada destes últimos e suas consequências sintáticas em PB e em Português
Europeu, cf. Moura (2006) e Pereira (2003), respectivamente.
12
Cf. nota de rodapé 10.
13
O clítico de terceira pessoa se é usado somente em contextos reflexivos. Brito (2006) aponta o fato de
se poder ser usado como a forma reflexiva para todas as pessoas em PB.
14
Me é forma clítica do dativo, e mim, a forma do dativo dependente de preposição.
15
Tradução aproximada: “em línguas como o islandês, o japonês e o hindu, apesar de o sujeito normal ser
nominativo, alguns sujeitos estruturais são dativos”.
30
Como apontado anteriormente, inversamente ao que é observado com as outras
pessoas pronominais, na posição sujeito de orações infinitivas encaixadas há uma
alternância encontrada com a primeira pessoa do singular, entre eu (a forma nominativa)
e mim (a forma oblíqua)16, repetida em (8).
(8) a. Ela deu o livro para eu ler.
b. Ela deu o livro para mim ler.
Esta alternância diferencia a primeira pessoa do singular das outras pessoas que
não mostram nenhuma alternância do tipo, uma vez que estas apresentam apenas uma
forma tanto para as formas pronominais preposicionadas quanto para as que tem a
função de sujeito. Esta alternância, por sua vez, é tradicionalmente ligada à atribuição
de Caso abstrato (cf. BOTELHO-PEREIRA e RONCARATTI, 1993; SALLES, 2000,
2001). Porém, a idéia de que Caso deve refletir uma relação um-para-um entre Caso e o
DP (pronominal) é, desde suas origens (VERGNAUD, 1977; ROUVERET e
VERGNAUD, 1980), controversa (cf. SIGURĐSSON, 2002; MCFADDEN, 2004). A
idéia base de Principios e Parâmetros sobre Caso como um módulo é que
Case Theory should apply at S[urface] S[tructure] […] based on (i) the empirical fact that
DPs may have different phonetic shapes depending on the type of Case they bear […]; and
(iii) the technical assumption that DPs are not inherently specified with respect to Case at
17,18
D[eep] S[tructure]
.
(HORNSTEIN et al., 2005:11)
Em uma perspectiva minimalista (CHOMSKY, 1999a), com a dissolução de SS
(Estrutura Superficial) e DS (Estrutura Profunda), a Teoria do Caso é desenhada de
forma que os itens lexicais entrem na derivação com seus traços de Caso (e também
16
Cf. Botelho-Pereira & Roncaratti (1993), para a atestação do fenômeno no dialeto falado no Rio de
Janeiro (sudeste do Brasil); Figueiredo Silva (1996), para o dialeto de Santa Catarina (sul); Monteiro
(1996), para os dialetos encontrados em diversas regiões do Brasil – Recife e Salvador (nordeste), Rio de
Janeiro e Sao Paulo (sudeste) e Porto Alegre (sul); Carvalho (2004) e Albuquerque (2006), para o dialeto
de Alagoas (nordeste); Rossato (2005), para o dialeto do Mato Grosso do Sul (centro-oeste). Para a
possibilidade deste fenômeno com a segunda pessoa do singular, cf. nota de rodapé 3 acima.
17
Tradução possível: “Teoria do Caso pode ser aplicada na Estrutura de Superfície [...] baseada em (i) o
fato empírico de que DPs podem ter formas fonéticas diferentes dependendo do tipo de Caso que eles
carregam [...]; e (iii) a assunção técnica de que DPs não são inerentemente especificados com respeito a
Caso em Estrutura Profunda”.
18
Deixarei de lado as consequências da Teoria do Caso para as formas pronominais nulas (pro e PRO)
uma vez que isso vai além dos propósitos desta tese.
31
seus traços φ) já especificados e o sistema determine se uma expressão é permitida em
uma dada derivação valorando os traços da mencionada expressão contra os traços de
um núcleo apropriado. Isto quer dizer que, por exemplo, eu deve entrar na derivação já
carregando seu traço de Caso nominativo não valorado (especificado por sua forma) e
ter este traço valorado por T (ou I) (cf. HORNSTEIN et al., 2005). Tal
perspectiva,
entretanto, falha por não explicar consistentemente a distribuição dos pronomes
pessoais em PB já que, empiricamente, não é claro que o DP pronominal entre na
derivação já definido para um tipo específico de Caso somente por sua forma. A partir
dos dados do PB, sou intuitivamente levado a acreditar que a inserção do pronome na
derivação não funciona dessa maneira, mas, em vez disso, seria necessário incluir outro
(ou pelo menos aprimorar o já existente) mecanismo para identificar as formas
pronominais no decorrer da derivação e, conseqüentemente, definir suas posições.
Os exemplos de PB nos guiam para um paradigma pronominal mais simples,
baseado somente no reflexo de seus traços φ (pessoa, número e gênero), já que Caso
aparentemente não seria suficiente para fazer tal diferenciação entre as formas
pronominais19.
(9) Pronomes disponíveis em PB20
19
O paradigma em (9) também suscita uma discussão acerca da argumentatividade e distribuição dos
pronomes, já que clíticos em PB sempre ocupam a posição de objeto e as formas não-clíticas, tanto a de
objeto quanto a de sujeito. Interessante notar que, apesar de PB ser uma língua proclítica, ênclise é ainda
uma possibilidade nesta língua. Os não-clíticos, entretanto, mostram uma distribuição mais restrita, uma
vez que sempre que aparecem pré-verbais, estão ocupando a posição de sujeito, e, sempre que aparecem
pós-verbais, estão na posição de objeto.
(i)
(ii)
Ela me viu na rua /Ela viu-me na rua (ok PB)
Eu (*ela) mandei (ela) comprar pão
Ainda, os clíticos obedecem certa adjacência ao verbo (cf. (iii)), enquanto os não-clíticos, quando em
posição de objeto, não (cf. (iv)).
(iii)
*Ela me sempre vê na rua
(iv)
Ela vê sempre eu na rua
20
Migo, tigo e nosco são formas oblíquas encontradas em PB mas que são inteiramente dependentes da
preposição com. Isso a caracteriza, de certa forma, como um elemento clítico, ou, pelo menos, deficiente,
nos termos de Cardinaletti & Starke (1999). Ignorarei, por hora, sua posição no quadro (9) uma vez que
isso não interfere na discussão deste.
32
clíticos
Não-clíticos
1sg
Me
Eu/mim
2sg
Te/lhe
Você/tu
3sg
Se/lhe
Ele(ela)
1pl
Nos
Nós/(a gente)
2pl
-
Vocês
3pl
-
Eles (elas)
Apesar de haver duas formas não-clíticas para a primeira pessoa do plural (nós/a
gente), não há restrições quanto ao seu uso, já que aparentemente estão em livre
variação em PB, como pode ser visto em (10) e (11).
(10) a. Ela falou da gente/de nós – com a gente/com nós – pra gente/para nós
b. Ela viu a gente/nós
(11) a. A gente é brasileiro
b. A gente somos brasileiro(s)
c. Nós somos brasileiro(s)
d. Nós é brasileiro
Apesar de os traços φ serem considerados responsáveis por desencadear
concordância
(cf.
CHOMSKY,
1995;
1999a),
eles
parecem
não
resolver
satisfatoriamente a questão da codificação dos pronomes na sintaxe: as duas formas
pronominais em (11), por exemplo, podem engatilhar diferentes marcas de concordância
no verbo (nós, concordância na primeira pessoa do plural e a gente, terceira pessoa do
singular), mas ainda podem mostrar ausência destas marcas, sem prejuízo para a
derivação.
Ainda, os requerimentos de ligação de a gente não seguem sua definição
gramatical uma vez que esta forma pronominal pode ter como sua forma anafórica tanto
um clítico de terceira pessoa como um de primeira, restrita por questões de localidade:
33
(12) a. A gentei já sei /*nosi viu na TV.
b. A gentei soube que o Paulo *sei/nosi viu no Giovannetti ontem.
(MENUZZI, 2004:109)
Aparentemente, primeira e segunda pessoas parecem carecer do traço gênero já
que este não é refletido em suas formas pronominais. Entretanto, em sentenças
copulativas, gênero é refletido no predicativo, como mostrado em (13) (cf. MOURA,
2006; 2007a).
(13) a. Eu sou bonito/bonita.
b. Tu/Você é bonito/bonita.
O mesmo ocorre com a gente, semanticamente primeira pessoa do plural que,
gramaticalmente, requer geralmente concordância de terceira pessoa do singular.
(14) A gente está cansada/cansado.
A gente aparentemente não apresenta um conjunto completo de traços φ para a
terceira pessoa (aparente ausência de gênero), mas é capaz de engatilhar marca de
flexão de gênero no predicativo. No Português Europeu (doravante PE), a mesma forma
pronominal também engatilha concordância no plural, como mostrado em (15), extraído
de Pereira (2003).
(15) A gente está cansadas/cansados.
De acordo com Everett (1996) e D’Alessandro (2006), uma solução para o que
acontece nos exemplos (13), (14) e (15) pode ser a de que um dado traço φ, como
gênero, possa ser desprendido do complexo de traços φ, não entrando na derivação
amalgamado desde o léxico. Entretanto, tal solução parece empiricamente controversa
pois não haveria motivação para que apenas este traço, e não outro, seja
“desmembrado” do conjunto de traços φ.
34
Outra evidência de que a assunção tradicional de traços φ é incapaz de codificar
a sintaxe dos pronomes é que a não-especificação de traços, como vista na forma
(gramaticalmente) impessoal a gente com o traço gênero, também pode ser vista com
outros traços e em outros pronomes. Você, segunda pessoa do singular em PB, também
acumula uma leitura arbitrária.
(16) Você pensa que tá fazendo a coisa certa, mas no fim você não está
“Alguém pensa estar fazendo a coisa certa mas no fim esse alguém não está”
“Você pensa estar fazendo a coisa certa mas no fim você não está”
As duas leituras de você em (16) mostram que o pronome de segunda pessoa do
singular aparentemente pode vir não especificado para o traço de pessoa, permitindo
uma leitura arbitrária.
Em suma, mesmo em uma mesma forma pronominal, os traços φ parecem não se
comportar uniformemente. Em (11), (14)-(16), o traço pessoa de a gente e você não
parecem suficientes para diferenciação referencial, enquanto em (12), este traço parece
crucial para ligação.
Os exemplos acima ilustram algumas restrições à variação pronominal em PB. O
estudo destas restrições pode revelar os mecanismos e regularidades desta variação, o
que é um dos objetivos desta tese.
2.3 Restrições sintáticas na alternância dos pronomes de
primeira pessoa do singular
35
De volta à primeira pessoa do singular, eu/mim e migo encontram restrições
quanto a sua distribuição. Migo somente aparece depois da preposição com, que pode
ser considerada o atribuidor do Caso ablativo em PB (cf. (17)).
(17)
Maria e Pedro saíram comigo (com + migo)/*com mim
Mim só é permitido depois de preposição, exceto com (cf. (17)). Comparando-se
os exemplos (17) e (18), parece haver distribuição complementar entre migo e mim,
aparentemente controlada pelas exigências de seleção da preposição. Essa
complementaridade, entretanto, não parece afetar a forma eu, uma vez que este pronome
pode ocorrer depois de qualquer preposição em PB21:
(18) a. Ela bateu em mim/neu
b. Pedro falou de mim/deu
Mim não é permitido na posição sujeito de orações finitas (cf.(19a)), nem com
duplo sujeito preverbal (cf.(19b)).
(19) a. Eu/*mim comi.
b. Eu/*mim, uma vez eu/*mim convidei ela.
Mim exige a presença de preposição em coordenação e em construções
benefactivas, as quais requerem a preposição para em PB (cf.(20a)). Mas, com verbos
psicológicos, tais como gostar, a preposição é exigida em ambos os conjuntos mesmo
quando eu é usado (cf.(20b)).
(20) a. Maria deu um livro para ele e ?eu/*mim/para mim/eu.
b. Maria gosta dele e de mim/deu/*eu.
21
Testes simples com falantes nativos do PB mostraram que depois de preposições como entre, até e
sobre, eu era a forma preferida apesar de alguns informantes conscientemente mencionarem a prescrição
dos gramáticos da forma mim depois de preposições. Os testes consistiram em, dadas as duas formas
pronominais, o falante escolher qual “melhor se encaixa” após tais preposições.
36
Em orações preposicionadas infinitivas, a inserção de um elemento (e.g. alguns
advérbios) entre a preposição e o sujeito pronominal encaixado causa agramaticalidade
quando mim ocupa tal posição, enquanto eu pode ocorrer sem nenhum dano gramatical.
(21) a. *Maria pediu para amanhã mim sair.
b. Maria pediu para amanhã eu sair.
Esta restrição é tradicionalmente assumida como sendo causada por uma relação
de concordância entre o verbo infinitivo e o suposto sujeito (eu), uma vez que em PB,
como também em PE, verbos infinitivos podem ser flexionados para número e pessoa
(cf. RAPOSO, 1987; FIGUEIREDO SILVA, 1996; MENSCHING, 2000; SITARIDOU,
2002). Entretanto, evidência interlingüística de que a presença de um DP na posição
sujeito de orações encaixadas infinitivas não está necessariamente ligada à concordância
vem do espanhol. Esta língua permite a forma nominativa do sujeito pré- e pós-verbal
mas sem marca de concordância entre eles (cf. SITARIDOU, 2002; PÖLL, 2007):
(22) Sin saberlo
yo/yo saberlo
Pedro se compró un coche
Sem saber.Cl.3.sg eu/eu saber.Cl.3.sg Pedro se comprou um carro
(PÖLL, 2007:95)
A quase irrestrita distribuição de eu, por um lado, e as restrições na distribuição
de mim/migo, por outro, indicam que, apesar de haver alternância entre eles sem
prejuízo no significado, tais pronomes são controlados por limitações estruturais. Em
outras palavras, eu parece ser a forma menos especificada, tendo, conseqüentemente,
menos restrições distributivas. Adicionalmente, apenas a primeira pessoa (singular e
plural) e a segunda pessoa do singular preservam formas específicas para o possessivo,
mas apenas a primeira do singular permite alternância com a forma nominativa e
oblíqua precedidas da preposição de, em concordância com o restante das pessoas (cf.
paradigma em (7) e exemplos em (23)).
(23) a. Ela bateu na (minha) cabeça (deu/de mim)
b. Ela bateu na (sua) cabeça (?de você)
37
c. Ela bateu na(s) (*suas) cabeça(s) (de vocês)
Algumas das formas variantes acima podem ser encontradas em outras línguas
além do PB, como o inglês. No inglês, o ablativo é marcado pela preposição with (com).
(24)
They spoke with me/you/us…
O genitivo é, apesar das formas pronominais específicas, também marcado com
a preposição of (de) em inglês.
(25)
Your friends/friends of yours.
E, em orações infinitivas encaixadas, o inglês permite somente a forma acusativa
do pronome como sujeito encaixado (ECM – Exceptional Case Marking – Marcação
Excepcional de Caso), não permitindo a forma nominativa22.
(26)
For me/*I to play.
Tais semelhanças entre essas duas diferentes línguas (PB é um exemplo de
língua românica enquanto inglês, de uma língua germânica) indica que o que acontece
com os pronomes em PB não pode ser assumido como idiossincrasia.
Os dados até agora mostrados levantam um problema adicional para explicar
como os traços que compõem o pronome são determinados sintaticamente. Os exemplos
acima tornam evidente que não se pode adotar como verdadeira a assunção tradicional
de que pronomes são primitivos no sentido de que eles não podem ser decompostos em
elementos menores. Tampouco pode-se levar em conta somente uma distinção baseada
na forma Casual dos pronomes pessoais em PB para descrever os padrões gramaticais
da distribuição dos pronomes. Da mesma maneira, um conjunto simplificado de traços
inserido na sintaxe não parece ser uma possibilidade plausível, visto que um único
pronome pode apresentar um traço em um contexto e pode não o apresentar em outro
22
Inversamente ao que acontece em PB, entretanto, a forma acusativa/dativa dos pronomes também é a
única permitida na posição mais alta em contextos de duplo sujeito pré-verbal no inglês (cf.(20b), para o
PB):
(i) *I /Me, I love Paris in the springtime.
Eu/Mim, eu amo Paris em a primavera
38
(algo como o traço pessoa em a gente e em você, por exemplo). Alternativamente,
pode-se
assumir
que
eles
sejam
internamente
estruturados
e
enriquecidos
(CARDINALETTI e STARKE, 1999; HARLEY e RITTER, 2002; DÉCHAINE e
WILTSCHKO, 2002).
Essa visão bifurcada do fenômeno acima – i.e. uma visão interna ao pronome e
suas conseqüentes relações sintáticas – traz algumas conseqüências teóricas.
Primeiramente, como já mencionado, os dados acima levantam alguns problemas para a
Teoria do Caso. Assumindo o ponto de vista de Princípios e Parâmetros no modelo de
Regência e Ligação (CHOMSKY, 1981;1986a), o sistema pronominal de uma língua de
caso pobre (case-poor language, de acordo com SIGURĐSSON, 2003) reflete seu
sistema Casual. Entretanto, por um lado, os dados acima mostram que esta simetria não
é obedecida em PB, onde a distribuição dos pronomes raramente “olha” para Caso para
ocorrer23. Por outro lado, algumas formas alternativas (ablativo, possessivo nãocanônico (preposicionado) e todos os contextos em que mim ocorre) exigem uma
preposição como um suporte casual externo.
Em segundo lugar, assumindo-se um ponto de vista Minimalista, a afirmação
tradicional de eu como o autêntico sujeito de orações infinitivas encaixadas levanta um
problema para o mecanismo de licenciamento do Caso nominativo já que, de acordo
com esse modelo teórico, apenas um conjunto completo de traços φ em T pode licenciar
o Caso nominativo (cf. CHOMSKY, 1999a; SITARIDOU, 2002), contrariamente ao
que algumas análises prévias propõem (cf. BOTELHO PEREIRA e RONCARATTI,
1993; SALLES, 2000).
2.4 O sujeito pronominal em orações infinitivas encaixadas
Como tem sido demonstrado até agora, a tradicional explicação para a
distribuição Casual dos pronomes pessoais em PB parece pouco convincente, uma vez
23
Pode-se pensar que a restrição na posição sujeito de orações finitas – somente eu pode assumir essa
posição – é devida a exigências casuais. Como será mostrado adiante, isso pode simplesmente ser
explicado por meio das relações de concordância.
39
que não parece haver uma relação um-para-um entre pronomes e Caso. Até onde tenho
conhecimento, os trabalhos desenvolvidos sobre pronomes em PB mostram a variação
pronominal como conseqüência de uma possível mudança no mecanismo de
concordância (cf. CERQUEIRA, 1996; GALVES, 1996; RODRIGUES, 2002;
MOURA, 2006, 2007a, 2007b, entre outros), nunca sendo suscitada a possibilidade do
oposto, uma possível motivação interna como locus da variação dos pronomes. A partir
dos dados acima, apenas a variação que ocorre com o pronome de primeira pessoa do
singular na posição de sujeito encaixado de orações infinitivas tem sido, de certa forma,
vista internamente, mas apenas no que diz respeito à atribuição de Caso. Os outros
dados aqui mostrados têm sido ignorados24. Nesta seção, discutirei algumas das
perspectivas que se baseiam na Teoria do Caso para explicar o fenômeno da variação
das formas pronominais de primeira pessoa do singular em PB, apontando onde tais
propostas podem ser complementadas ou reformuladas.
2.4.1 Botelho Pereira & Roncaratti (1993)
Botelho Pereira & Roncaratti (1993) (doravante BP&R) propõem uma análise
com base no quadro teórico de Regência e Ligação (CHOMSKY, 1981, 1986b) para a
alternância entre eu e mim na posição sujeito em orações infinitivas preposicionadas,
como ilustrado em (27) 25.
(27) a. Isto é para eu fazer
b. Isto é para mim fazer
(BP&R, 1993:15)
24
A maior parte dos estudos em teoria gerativa sobre o PB leva em conta apenas o PB standard,
considerando extremamente marginal ou mesmo agramatical alguns dados mostrados nesta tese.
Entretanto, tais dados são largamente aceitos como gramaticais por uma grande parcela de falantes do PB.
Ainda, alguns dados aqui apresentados são emprestados de estudos quantitativos sobre dialetos do PB, o
que mostra a produtividade de tais usos (cf. NASCIMENTO, 2001; ALBUQUERQUE, 2006).
25
BP&R extraem seus exemplos de intuição, para representar o Português Brasileiro standard, e de
corpora do projeto “Competências Básicas do Português” (LEMLE & NARO, 1977) e da “Amostra
Censo” (UERJ, 1980), com informantes de diferentes níveis de escolarização. BP&R notam o uso
massivo de mim nos contextos estudados, mesmo por falantes com alto nível escolar (cf. BP&R,
1993:16).
40
Em sua análise, as autoras sugerem haver duas configurações sintáticas distintas
para a alternância, dependendo do Caso que os pronomes carregam:
[…] [27b] é uma construção onde o sujeito recebe caso oblíquo por
atribuição excepcional de caso da preposição para, decorrente de uma
reanálise de para como complementizador, mas guardando suas propriedades
atribuidoras de caso [...]. Em [27a] a oração infinitiva está contida em um
sintagma preposicional encabeçado pela preposição para; [CONC] está
presente no núcleo de FLEX, concordando com [+CONC] em COMP. O
sujeito da oração infinitiva recebe o caso nominativo devido à regência por
FLEX, que é seu regente mais próximo. A preposição para não pode reger
dentro da oração pelo princípio da minimalidade.
(BP&R, 1993:16-20)
A configuração sintática gerada a partir da análise de (27a) é mostrada em (28).
(28)
PP
3
para
CP
3
[+AGR]
IP
3
eu
I’
3
[+AGR]
[-T]
VP
3
fazer
[e]
BP&R apelam para um infinitivo que projeta [AGR], baseadas na proposta de
Raposo (1987) de que infinitivos projetam I (ou AGR), proposta esta baseada nos
infinitivos flexionados do PE. Assim, AGR infinitivo atribui Caso nominativo a eu uma
vez que a preposição para encontra uma barreira (CP) e não pode atribuir o Caso
oblíquo (cf. CHOMSKY, 1986b)26.
Por outro lado, mim aparece na seguinte configuração:
(29)
CP
3
para
IP
26
Na teoria de Regência e Ligação, Caso é tradicionalmente atribuído via regência (CHOMSKY, 1981).
Para a definição de CP como barreira, cf. Chomsky (1986b:15-16).
41
[-AGR] 3
mim
I’
3
[-AGR]
VP
[-T] 3
fazer
[e]
BP&R sugerem que o Caso oblíquo é atribuído sob ECM pela preposição para,
que seria reanalisada como complementizador, satisfazendo as seguintes condições: (a)
C herda as propriedades lexicais da preposição, tais como atribuição de Caso,
diferenciando-se de outros complementizadores, como que ou se, que não atribuem
Caso; (b) C seria o regente estrutural do sujeito, já que INFL não pode ser considerado
um regente atribuidor de Caso (cf. BP&R, 1993:22).
As autoras ilustram sua análise com alguns contextos sintáticos em que para
preenche a mesma posição que outros complementizadores, estando em distribuição
complementar com estes (cf. SALLES, 2001):
(30) a. Quando minha mãe estava esperando [C para[IP mim[I’[VP nascer]]]]
b. Quando minha mãe estava esperando [C Ø [IP eu [VP nascer]]]
c. Quando minha mãe estava esperando [C que [IP eu/*mim [VP nascesse]]]
Em (30), as três sentenças são tidas como parafrásticas. Em (30a), a preposição
para, mesmo ocupando C, mantém suas propriedades preposicionais, licenciando a
forma oblíqua, diferentemente do C nulo, em (30b), e do que, em (30c).
Finalmente, BP&R sugerem uma ambigüidade sintática causada por uma
possível leitura benefactiva que o dativo permite em sentenças como as de (31):
(31) a. Não dá mais pra mim [e jogar]
b. Não dá mais e [pra [mim jogar]]
Em (31a), um elemento vazio (e) está preenchendo a posição sujeito do
infinitivo, permitindo que mim seja interpretado como objeto benefactivo da preposição;
(31b) sugere que a categoria vazia é substituída pelo objeto benefactivo, permitindo que
mim apareça na posição sujeito do infinitivo.
42
BP&R descartam a possibilidade de haver controle do objeto na estrutura,
baseadas em seu julgamento de (32), descrito abaixo:
(32) a. Ela não dá papel pra mimi [ei escrever]
b. *pra mimi ela não dá papel ei [ei escrever]
c. pra mimi ela não dá papel ei [pra ei escrever]
De acordo com a análise de BP&R das estruturas de (32), o exemplo em (32a)
não pode envolver controle do objeto porque este mecanismo é “em geral incompatível
com topicalização” (BP&R, 1993:28): a topicalização de para mim gera
agramaticalidade em (32b), e, portanto, este não deve ser um caso de controle do objeto.
(32c) é apresentado como evidência de que há um objeto benefactivo nulo já que para é
exigido (e, portanto, duplicado) quando há o deslocamento de para mim. Assim, as
autoras descartam a estrutura em (31a), afirmando ser (31b) a configuração legítima de
para mim, i.e. considerando a ambigüidade gerada pela leitura benefactiva de para mim
e a ilegitimidade do controle do objeto, neste caso, justificado por (32), um objeto
benefactivo nulo se faz presente e a preposição para é reanalisada como
complementizador, como (33) ilustra. Entretanto, o processo no qual o objeto
benefactivo nulo é apagado para permitir a análise acima não é desenvolvido por
BP&R.
(33)
Não dá mais e [CP pra[IP mim[-AGR] jogar]]
Na realidade, a mesma ambigüidade é encontrada quando eu está presente, já
que este pronome pode também aparecer depois da preposição para com uma leitura
benefactiva em PB:
(34) a.Ela deu o livro pra eu.
b.Ela deu o livro pra eu ler.
A análise proposta por BP&R para a possibilidade da presença de eu claramente
não dá conta de (34a), já que não existe nenhum [AGR] envolvido. Além disso, o
43
mesmo fenômeno ocorre com outras preposições, em oposição ao que as autoras
afirmam:
(35) a. Ela gostou de mim/eu ter saído.
b. Pedro pensou nim27 mim/neu namorar ele.
Na verdade, a afirmação de que há um [AGR] projetado pelo infinitivo é algo
controverso (cf. AOUN, 1986; GALVES, 2001; PIRES, 2001)28. No entanto, a noção
de atribuição de Caso via regência, idéia central na análise de BP&R, não é mais bem
quista dentro do empreendimento gerativista, uma vez que o conceito de regência traz
algumas contra-evidências empíricas que, conseqüentemente, levaram a assunção de
que Caso (estrutural) seria atribuído recorrendo-se à relação spec-head (cf. CHOMSKY,
1995; HORNSTEIN et al., 2005)29.
Por fim, as perspectivas minimalistas mais recentes sugerem que C (mais
específicamente, o traço D em C) seja o responsável pelo licenciamento do sujeito, tanto
em sentenças finitas quanto em não-finitas (cf. CHOMSKY, 1999a; CARVALHO,
2007; ROUSSOU, 2007; URIAGEREKA e GALLEGO, 2007), desabilitando as
exigências Casuais como motivação, pelo menos, para a posição sujeito.
2.4.2 Salles (2000)
Salles (2000) busca respostas para as seguintes questões, baseadas nos dados em
(36) e (37): (a) por que (36a) é encontrado em PB, mas não em PE (nem em outras
línguas românicas)?; (b) dado que (36b) é encontrado em PB (e em PE), há correlação
entre o surgimento de (36a) e a ocorrência de (36b)?; (c) há correlação entre (36a) em
PB e (37) em inglês?
27
Em PB, a preposição em é muitas vezes pronunciada como nim (/nĩ/) quando precede mim,
provavelmente devido a algum processo fonológico (a cópia do traço nasal de mim). Há ainda a
possibilidade da forma ni (/ni/), com o apagamento da nasal final.
28
Lightfoot (1991), entretanto, assume uma proposta semelhante a de Raposo (1987), afirmando haver
uma pista de aquisição para um parâmetro presença/ausência de [INFL] abstrato em infinitivos.
29
Entretanto, para alguns teóricos, a relação sonda-alvo nada mais é do que a própria relação de regência.
44
(36) a. Maria comprou um livro para mim/ti ler30
b. Maria comprou um livro para eu/tu ler/leres
(37) Mary bought a book for me/you to read
A autora propõe que há uma correlação entre os fenômenos em (36) e (37) no
que diz respeito às condições de licenciamento. Para dar suporte a esta hipótese, Salles
compara o desenvolvimento do Inglês Médio, período no qual a estrutura em (37) surge,
ao desenvolvimento do PB, mostrando que há semelhanças no que diz respeito ao
comportamento e à sintaxe dos pronomes.
Seguindo Lightfoot (1991), Salles propõe uma reanálise das estruturas em (38),
o que geraria a sentença em (36a) acima:
(38) a. Maria disse (para mim/eles) para eu/eles sair(em)
b. Maria disse (para mim/eles) para mim/eles sair
Em (38), as sentenças mostram que haveria um PP na posição de complemento
de disse, denominado verbo ponte – como pedir, dizer, aconselhar, implorar – e um
segundo para e uma oração infinitiva com um sujeito realizado. A análise de Lightfoot
leva em conta a assunção de Raposo (1987) de que o sujeito nominativo em orações
infinitivas é licenciado pelo movimento do verbo infinitivo para uma categoria
funcional/flexional abstrata (AGR) dentro da oração encaixada, em que o Caso
nominativo seria atribuído ao sujeito (SALLES, 2000:1062). Esta análise é também
assumida por Botelho Pereira e Roncaratti (1993), como já mostrado anteriormente31.
Para a estrutura em (38b), Lightfoot sugere que, na ausência de morfologia
flexional no infinitivo, a categoria abstrata AGR esteja ausente e, conseqüentemente, o
Caso nominativo não possa ser atribuído, sendo a atribuíção de Caso responsabilidade
da preposição, o que explica a forma oblíqua do pronome (mim). O autor ainda sugere
que, em (38b), a preposição para deva ser reanalisada como um complementizador,
estando localizada no C encaixado (o mesmo que assumem BOTELHO PEREIRA e
RONCARATTI, 1993).
30
Sobre a possibilidade da ocorrência do fenômeno com a segunda pessoa do singular, cf. nota de rodapé
3.
31
Cf. (28) em 2.4.1.
45
Salles salienta que esta noção de reanálise foi originalmente proposta para
sentenças como (39), em que, semelhantemente a (40), há uma dupla ocorrência da
preposição (for).
(39)
It is pleasant [for the rich] [for the poor] to do the hard work
A reanálise diacrônica de for em C em sentenças como (37) e (39) ocorreu no
Inglês Médio tardio, e foi precedida pela reanálise da estrutura [DP to VP] (eg. Mary
expects John to win – “Maria espera que John vença”), em que o objeto do V matriz é
interpretado como argumento do infinitivo, constituindo um contexto ECM (cf.
JARAD, 1997). Isto seria o resultado de algumas mudanças nessa língua, tais como (a)
perda gradual da flexão verbal, (b) rigidez da ordem de palavras e (c) mudança da
ordem SOV para SVO. Também, a preposição for ocorre para substituir caso
morfológico que marcaria o benefactivo dativo32.
Jarad (1997) mostra que quando for aparece como um objeto preposicional, ele
pode ser questionado, relativizado ou passivizado, o que não é possível com for em
contextos infinitivos. Salles mostra que este comportamento é também encontrado em
PB:
(40) a. Maria pediu para o João sair.
b. *Para quem Maria pediu sair?
c. *A pessoa para quem Maria pediu sair.
Assim, Salles adota a hipótese de que a ocorrência de sujeito realizado em
orações infinitivas com verbos ponte se deve ao processo de reanálise envolvendo a
preposição para que introduz o objeto preposicionado na oração principal e um segundo
para, que introduz a oração encaixada, afirmando que este processo desfaz a
ambigüidade na configuração em (41):
(41)
…DP [CP para…]
32
Este fato é também relacionado à perda dos pronomes clíticos no início do Inglês Médio (ver VAN
KEMENADE, 1987).
46
Salles questiona-se por que a estrutura em (41) ocorre em PB mas não em PE.
Sua resposta para esta questão é baseada no fato de objetos indiretos em PB serem
encabeçados pela preposição para, enquanto em PE, esta posição é ocupada por um
clítico, que controla a posição sujeito do infinitivo encaixado:
(42) a. Disse-me para sair
b. Disse para eu/mim sair
(PE)
(PB)
De acordo com Salles, isso permite o seguinte paralelo: (a) a perda do pronome
clítico em PB e (b) o desenvolvimento de sentenças de tipo [DP to VP] em inglês, o que
está associado à perda de caso morfológico. A autora associa este paralelo à proposta de
Madeira (1995) para infinitivos flexionados em PE. A análise de Madeira se baseia em
dois pressupostos: (a) toda oração infinitiva é um CP e (b) traços de Caso e T infinitivo,
cujo spell-out é a morfologia flexional propriamente dita, somente podem ser
licenciados por C. Então, em predicados epistêmico-declarativos, o resultado disso é a
ordem VS, a qual é obrigatória em PE, como pode ser visto em (43).
(43) a. Afirmou terem eles saído
b. *Afirmou eles terem saído
Entretanto, (43a) sugere que em tal estrutura não haja mecanismo de
concordância dentro do infinitivo, como AGR, o que permite controle, uma vez que
para não é reanalisado como um complementizador (cf. BP&R, 1993). Assim, a
proposta de Madeira não seria adequada para dar suporte à análise de Salles, o que é
reforçado por (44), possível em PE e PB, em que mesmo a presença do clítico de
primeira pessoa do plural não engatilha flexão no infinitivo:
(44)
Disse-nos para sair/*saírmos
De acordo com Salles, no predicado em (45) abaixo, C é semanticamente vazio
mas pode ser preenchido, engatilhando movimento de T para C (SALLES, 2000:1066).
Assim, a autora assume que a perda de movimento de T para C em (36a) é justificada
pela impossibilidade de (43) em PB (também de acordo com FIGUEIREDO SILVA,
47
1996), uma vez que (36a) seria a alternativa que esta língua teria para licenciar o sujeito
realizado de orações infinitivas.
Ainda, Salles nota que para aparece em contextos onde C apresenta um traço
modal [+irrealis], sugerindo também que sentenças como (36) estejam em distribuição
complementar com o subjuntivo em PB (cf. SALLES, 2001). No entanto, a contraparte
subjuntiva de (36b), repetido abaixo em (45a), é (45b):
(45) a) Maria comprou um livro para eu/tu ler/leres
b) Maria comprou um livro *(para) que eu/tu leia/leias
Em (45b), a ausência de para gera agramaticalidade, o que mostra que para
nesta sentença não ocupa a mesma posição que que. Salles (2000) ainda aponta que a
perda da flexão verbal também é refletida no subjuntivo, sendo substituída pela forma
indicativa. Carvalho (2007) sugere que nestes contextos o traço D do sujeito é checado
em C, e não em T (CHOMSKY, 1999a; URIAGEREKA e GALLEGO, 2007), o que
permite uma redução (ou simplificação) ainda maior da forma verbal em construções
subjuntivas com o complementizador se, como pode ser observado em (46):
(46)
Ela me mata se nós falar a verdade
Uma vez que a proposta de Salles se baseia nas mesmas pressuposições da
proposta de BP&R, aquela encontra os mesmos problemas que aponto para esta, na
seção anterior.
2.5 Sumário
Este capítulo procurou sintetizar a distribuição dos pronomes pessoais em PB,
baseado em dados empíricos, com a intenção de prover evidências para o
desenvolvimento da análise nos capítulos seguintes. Levei em conta alguns dados do PB
que enfraquecem o conceito tradicional de distribuição do pronome baseado apenas em
Caso, conceito que fundamenta as análises mostradas acima, as quais não oferecem uma
proposta satisfatória para lidar com os fenômenos expostos. Assim, uma análise que
48
leve em conta apenas a realização do pronome como evidência não será suficiente para
explicar sua distribuição. Portanto, proponho que em vez de ser inserido na derivação
como um elemento simples e inexorável, um pronome deve ser construído, i.e. ele deve
ser o resultado da combinação de alguns elementos atômicos. Esta hipótese tem
massivas consequências para a análise do comportamento sintático dos pronomes
pessoais, especialmente no que diz respeito ao seu mecanismo de concordância. Esta
hipótese e as consequências de tal (de)composição serão desenvolvidas no próximo
capítulo.
3
Uma geometria de traços para os pronomes em
PB
49
3.1 Introdução
O propósito deste capítulo é demonstrar como uma proposta fundamentada em
traços pode lidar com os dados mostrados no capítulo anterior e com fenômenos que
considero inter-relacionados, como a não-correspondência de traços na concordância
(i.e. incompatibilidade entre os traços da sonda e do alvo) e o sincretismo no sistema
pronominal em PB. Alternativamente, defendo que a composicionalidade de traços é a
responsável pela distribuição dos pronomes pessoais, hipótese esta sustentada por
alguns estudos recentes (CARDINALLETI e STARKE, 1999; DÉCHAINE e
WILTSCHKO, 2002; HARLEY e RITTER, 2002) os quais são mais coerentes com os
últimos desenvolvimentos da teoria gerativa (i.e. bare phrase structures, CHOMSKY,
1986a; 1995; 1998; 1999a). Esta abordagem é preferível pois abrange uma variedade
maior de fenômenos envolvendo variação de pronomes em PB (confira dados do
capítulo anterior). Ainda, o presente capítulo é desenvolvido com o intuíto de apresentar
uma importante noção que será essencial no decorrer desta tese, a de subespecificação
de traços.
Como foi mostrado no capítulo anterior, o conceito de pronome como um
primitivo é inadequado pois sua forma não é capaz de definir sua função gramatical,
como mostram os dados em (1) abaixo. As formas pronominais você, elas e eles são
formas nominativas cuja função original era a de sujeito (cf. Coutinho, 1976), mas que
podem desempenhar qualquer outra função gramatical, como as de complemento
simples (1a) e preposicionado (1b,c).
(1) a. Eu vi você no trabalho.
b. Ele deu o livro para elas.
c. Ela comprou o livro com vocês/eles
Como os dados do capítulo anterior evidenciam, algumas informações devem
ser incorporadas ao pronome com o intuito de explicar alguns fenômenos observados na
sintaxe, como, por exemplo, a presença da marca de gênero no predicativo com um
pronome que não apresenta nenhuma morfologia visível para este traço, ou a diferença
entre um pronome pessoal com referência definida e um com referência arbitrária que
50
possuam uma mesma forma pronominal. Uma alternativa parece ser desvelar o
invólucro pronominal, decompondo-o em elementos atômicos a fim de apresentar uma
solução aos problemas gerados pela adoção de um paradigma pronominal baseado nas
formas Casuais.
Na verdade, esta hipótese não é uma novidade. Harley e Ritter (2002) já
defendem uma proposta em que pronomes são compostos por traços mais elementares,
i.e. um pronome é o resultado de uma geometria de traços que permite gerar todo tipo
de pronome em qualquer língua natural através das suas relações gramaticais. Esta visão
de pronome é justificada pois desta forma uma língua seria capaz de gerar todo tipo de
elementos pronominais a partir de uma fonte limitada de elementos disponíveis no
léxico, em consonância com a noção de recursividade. Ainda, considerar um pronome
como sendo uma árvore composta por traços parece ser uma maneira mais simplificada
de se lidar com concordância visto que, assim, não haveria necessidade de se apelar à
morfologia flexional durante a derivação (cf. BÉJAR, 2003; 2008). A adoção de tal
perspectiva acerca dos pronomes torna claro que o atual mecanismo de concordância
(CHOMSKY, 1999a) precisaria ser repensado em termos de aplicabilidade.
Com a finalidade de analisar de que forma um pronome é composto e que
conseqüências isso acarreta, este capítulo é organizado da seguinte maneira: na próxima
seção, mostrarei que pronomes compreendem mais do que os tradicionais traços φ –
mais traços formais estão por trás de uma forma pronominal, além dos de pessoa,
número e gênero, e tais traços obedecem a uma hierarquia; então, em 3.3, revisarei a
literatura que subsidiará esta proposta (CARDINALETTI e STARKE, 1999;
DÉCHAINE e WILTSCHKO, 2002; RULLMANN. 2004; HARLEY e RITTER, 2002;
BÉJAR, 2003); na seção seguinte, desenvolverei uma notação para cada traço φ
tradicional – pessoa, número e gênero – apontando que cada um é, na verdade, uma
categoria composta por elementos mais atômicos e a combinação destes elementos é
capaz de gerar os possíveis pronomes em PB, de acordo com a proposta de Harley e
Ritter (2002), mostrando também que esta notação pode ser vista como uma
representação
interna
ao
pronome
do
conceito
de
deficiência
estrutural
(CARDINALETTI e STARKE, 1999; DÉCHAINE e WILTSCHKO, 2002); 3.6 conclui
o capítulo.
51
3.2 Traços e composição pronominal
3.2.1 O que determina a distribuição de um pronome?
É tradicionalmente assumido que a distribuição de um pronome é determinada
por sua forma, historicamente tida como sendo definida por Caso33. Apesar de um
pronome carregar uma série de diferentes traços, como gênero e número, os quais
também são determinantes de sua forma, Caso é geralmente assumido como o que
define sua forma final e a sua posição na sentença. Em inglês, por exemplo, o pronome
he (terceira pessoa do singular, masculino, nominativo) tem esta forma pois é
geralmente o pronome que assume a posição sujeito, enquanto him (terceira pessoa
singular, masculino, acusativo) é assim pronunciado pois ocupa normalmente a posição
objeto. A partir desta visão tradicional, os pronomes são organizados através das
línguas, pelo menos nas mais conhecidas34. Como freqüentemente é visto nestas
mesmas línguas, esta “regra” para definir um pronome não pode ser uma generalização.
Os mesmos pronomes mencionados acima (he e him), no inglês, podem assumir
diferentes posições sintáticas. Em (2), he pode aparecer como objeto com leitura
reflexiva, enquanto him35, em (3), pode (e, neste contexto, deve) estar na posição
sujeito em coordenações:
(2) [Michael Jackson] gave his sister vodka, and he and his brother wine.
[Michael Jackson] deu sua irmã vodka, e
ele e
seu irmão vinho
“[Michael Jackson] deu vodka a sua irmã, vinho a ele mesmo e seu irmão”
(3) …because Dennis Rader and him
porque Dennis Rader e
couldn’t
share the same
ele.ac podem.neg dividir as mesmas
33
A noção de Caso como adotada aqui só será discutida mais detalhadamente no capítulo 5. Por
enquanto, é suficiente saber que o que estou denominando Caso é o tradicional Caso abstrato sem uma
distinção entre estrutural e inerente, uma vez que isso não se faz necessário no momento.
34
Como será mostrado, em algumas línguas, como o PB, os pronomes precisam ser definidos pela
combinação de outros elementos além de Caso.
35
Não existe uma forma acusativa para o inglês. Na verdade, como será defendido mais adiante, nem
para o PB. Os pronomes realizados nesta posição em inglês têm a mesma forma que os que aparecem
num contexto dativo ou mesmo ablativo.
(i)
(ii)
She gave it to him(dat)
She came with him(abl)
52
facilities
instalações
“...porque Dennis Rader e ele não conseguem dividir as mesmas instalações”
(PARROT, 2006:7-8)
Outros exemplos de exceção às generalizações são ilustrados por construções
ECM, como observado em (4).
(4) It
is time for him
/*he
to visit me.
Pron.3sg.neutro é tempo para ele.obl/ele.nom visitar me.ac
“Está na hora de ele me visitar”
Em (4), a forma oblíqua do pronome se justifica pela presença do
complementizador for (para) que autoriza um oblíquo ser interpretado como um
nominativo (cf. seção 2.4.2 do capítulo 2). Entretanto, outros complementizadores não
possuem essa mesma capacidade e podem apenas licenciar o nominativo.
(5) The book that he
O
/*him lent
me.
livro que ele.nom/ele.obl emprestou me.ac
“O livro que ele me emprestou”
Como fora mencionado acima, outras línguas apresentam a mesma possibilidade
em seus paradigmas pronominais (como o islandês, japonês, hindu, por exemplo – cf.
SIGURĐSSON, 2003; MCFADDEN, 2004). Em PB, esta desobediência por parte dos
pronomes é bem mais abrangente do que a vista em inglês, como pôde ser observado no
capítulo 2. Nessa língua, quase todos os pronomes pessoais não têm uma posição fixa
em seu paradigma Casual36. O PB permite a forma “nominativa” em praticamente todas
36
Denomino paradigma Casual aqui a apresentação normativa dos pronomes pessoais. O paradigma em
(i) é tido como o atual em PB, em que as formas pronominais de segunda pessoa do singular e do plural,
tu e vós, respectivamente, podem ainda ser encontradas apenas na modalidade escrita da língua (cf.
BECHARA, 1999).
53
as posições sintáticas, como fora mostrado no capítulo anterior. Os dados ilustram uma
não-correspondência entre o tradicional paradigma pronominal baseado em sua forma
Casual para determinar a distribuição dos pronomes e as reais exigências para tal
distribuição.
3.2.2 Pronomes enriquecidos
Um pronome, como já foi dito, é um reflexo de diferentes tipos de traços, os
quais determinam suas características e, conseqüentemente, devem definir seu
comportamento sintático. Canonicamente, esses são traços morfossintáticos (φ), e
codificam informação de pessoa, número e gênero. Todos estes traços são considerados
como sendo formativos do pronome. Justamente por comporem um pronome, estes
traços participam do mecanismo sintático de concordância. Entretanto, apesar de seu
conteúdo – todos são traços que codificam informações discursivas já gramaticalizadas
pela língua –, alguns traços φ não se mostram eficientes para capturar todas as
informações que um pronome carrega. Na seção 2.2 do capítulo anterior, levanto
evidências disso. Em (6) abaixo, por exemplo, o traço pessoa é incapaz por si só de
determinar a interpretação (ou referencialidade) do pronome: você é a forma canônica
para a segunda pessoa do singular em PB, mas pode também ter uma interpretação
arbitrária numa mesma sentença.
(6) Você pensa que tá fazendo a coisa certa, mas no fim você não está
“Alguém pensa estar fazendo a coisa certa mas no fim esse alguém não está”
“Você pensa estar fazendo a coisa certa mas no fim você não está”
(i)
NOMINATIVO
ACUSATIVO
DATIVO
OBLÍQUO
SINGULAR 1.eu
2. tu/você
3.ele/ela
me
te/você
o/a
me
lhe
si
mim
ti/você
ele/ela
PLURAL
nos/a gente
vos/vocês
eles(elas)/os(as)
nos/a gente
a vocês
a eles(elas)
nós/a gente
vocês
eles/elas
1.nós/a gente
2. vós/vocês
3.eles/elas
Porém, como demonstrado no capítulo anterior, este paradigma omite diversas ocorrências dos pronomes
em PB (cf. figura 7, Cap. 2). Mesmo na modalidade escrita atual da língua, as formas pronominais acimas
mencionadas (tu e vós) são pouco encontradas, o que indica que mesmo em um registro tão conservador
quanto o escrito, um paradigma Casual não pode ser assumido como sendo a real representação para os
pronomes.
54
Você, em (6), pode ser analisado através de pelo menos duas perspectivas: (i) há
duas entradas lexicais diferentes para esta mesma forma pronominal, uma para a
segunda pessoa com referência definida e outra para a referência arbitrária; e (ii) há
apenas uma única entrada lexical para você e o traço pessoa é, na verdade, um traço
complexo que, dependendo de seu conteúdo, gera diferentes interpretações para uma
única forma pronominal, neste caso. A segunda perspectiva parece mais atraente visto
que, mesmo se houvesse duas entradas lexicais diferentes para uma mesma forma
pronominal, poder-se-ia compô-las usando-se um traço único complexo, o que é
coerente com a noção de recursividade e economia (cf. CHOMSKY, 1995; 2001;
URIAGEREKA, 2000).
Da mesma forma que em (6), em (7) a gente apresenta variação na interpretação
do traço pessoa: com um clítico anafórico, a gente permite os de primeira ou terceira
pessoas, dependendo da localidade37.
(7) a. A gentei já sei /*nosi viu na TV.
b. A gentei soube que o Paulo *sei /nosi viu no Giovannetti ontem.
(MENUZZI, 2004:109)
Esta variação também leva em conta o traço número, uma vez que a gente
possibilita, no verbo, tanto marca morfológica de terceira pessoa do singular quanto de
primeira do plural. O mesmo ocorre com nós, a forma pronominal canônica de primeira
pessoa do plural, que pode estabelecer concordância com a terceira pessoa do singular,
em PB. Com número, a hipótese de traço complexo pode ser aplicada da mesma forma
que para pessoa. Devem haver, portanto, elementos que estabeleçam concordância
sintaticamente em (8), onde todas as combinações entre pronomes e morfologias verbais
são gramaticais.
37
Menuzzi (2004) propõe que a gente é semanticamente uma forma pronominal de primeira pessoa do
plural, equivalente a nós, e gramaticalmente, de terceira pessoa do singular, o que justificaria a
concordância sintática. Entretanto, essa análise não explica o exemplo em (i), em que, mesmo localmente,
os traços do possessivo devem ser apenas de primeira pessoa do plural, sendo agramatical a concordância
gramatical entre este elemento e o a gente.
(i) A gente leu nosso/*seu próprio livro.
55
(8) a. A gente é brasileiro
b. A gente somos brasileiro(s)
c. Nós somos brasileiro(s)
d. Nós é brasileiro
Como visto acima, seguindo a perspectiva minimalista mais recente
(CHOMSKY, 1998; 1999a), numa dada derivação, uma sonda contendo mais traços do
que um alvo, ou com traços diferentes dos do alvo, não representa condição para
concordância, e, conseqüentemente, a derivação não converge.
Gênero também levanta problemas para definição de um pronome. Não apenas
pronomes que apresentam gênero morfologicamente expresso em suas formas carregam
tal traço; pronomes que não exibem marca de gênero parecem carregá-lo da mesma
forma. Em (9), a primeira e a segunda pessoas do singular desencadeiam marca
morfológica de gênero no predicativo.
(9) a. Eu sou bonito/bonita.
b. Você é bonito/bonita.
Aqui, a gramaticalidade de (9) demonstra que gênero não pode ser determinado
apenas quando o pronome o exibe morfologicamente38.
Adicionalmente, um pronome não parece ser configurado apenas pelos traços
acima mencionados. Em (6) acima, a arbitrariedade referencial de você não pode ser
capturada por sua forma, visto que pessoa caracteriza esta forma pronominal (2ª
pessoa), ou simplesmente pelos já conhecidos traços φ. Como mencionado acima,
pessoa não é suficiente para definir você dentro de um paradigma, i.e. não é o único
traço por isso responsável, mas, indiscutivelmente, este traço é indispensável para a
interpretação e identificação deste pronome. Isto quer dizer que deve haver algo mais
que permita as duas interpretações. Como será argumentado mais adiante, informações
como especificidade ou definitude devem ser incluídas na composição pronominal a fim
de fazer tal diferenciação.
38
Na verdade, nem mesmo nomes sempre exibem gênero em sua morfologia (cf. MOURA, 2007a).
56
Isso nos faz acreditar que esta informação deve ser trazida para dentro da
derivação, o que não é nenhuma novidade (cf. D’ALESSANDRO, 2006; SPEAS,
2004). Mas, mais especificamente, essas informações “extra” deveriam ser
concatenadas com os traços básicos que compõem um pronome. Isto se dá pois,
algumas vezes, elas são necessariamente exigidas por questões de concordância (cf.
COWPER e HALL, 2002). Em outras palavras, estes traços extra são sintaticamente
exigidos e devem estar presentes na derivação.
A introdução de tais informações pode acarretar problemas como: (a) como lidar
com tanta informação dentro de um único elemento?; (b) como controlar tais traços?;
(c) é possível conciliar este pronome enriquecido e um mecanismo minimalista de
concordância?
O fato de considerar que mais traços integram um pronome não quer dizer que
todos estes traços devem necessariamente ser legíveis ou mesmo presentes no curso da
derivação. A solução para estes problemas começa ao se assumir uma hierarquia para
tais traços estabelecida ainda no léxico. Esta hieraquia deve ser fundamentada nos
princípios da subespecificação. Isto se dá já que, como visto acima, alguns traços são
interdependentes: a interpretação de um traço depende da presença ou ausência de
outro. Este comportamento coloca outro desideratum: traços devem obedecer
acarretamento. Acarretamento aqui é concebido estruturalmente como definido abaixo:
(10) Acarretamento
Dados dois elementos A e B repectivamente numa ordem hierárquica, a
presença de B requer a presença do outro elemento A.
Esta noção é capturada da proposta de Harley & Ritter (2002). As autoras
propõem uma geometria que permite a geração de pronomes entre as línguas a partir de
um número limitado de traços semânticos. Adotarei esta proposta com uma diferença:
algumas informações outrora extra-sintáticas, tais como especificidade e definitude,
também são incluídas nesta geometria, uma vez que tais informações parecem, a partir
das evidência acima expostas, ter-se gramaticalizado e fazer parte do arsenal
informacional componente dos pronomes no léxico. Assumirei sem pormenores que tais
informações foram de fato gramaticalizadas e são parte integrante do conjunto de traços
formais dos elementos pronominais.
57
Adoto uma visão hierárquica para os traços dos pronomes ao invés de uma
perspectiva binária (cf. NOYER, 1992; HARBOUR, 2006). Antes de revisar a literatura
que baseará as análises desenvolvidas nesta tese, algumas palavras devem ser tecidas
para justificar a adoção de uma teoria geométrica para pronomes.
Uma teoria geométrica para os pronomes é preferível a uma teoria binária, uma
vez que a última se mostra limitada em alguns contextos: embora pareça mais elegante
por envolver menos traços, uma visão binária não prevê, por exemplo, a gradação de um
mesmo traço39. Outro exemplo que justifica a adoção de geometria vem do fato de um
sistema binário, que possua os traços falante e ouvinte, ou destinatário40, poder predizer
a distinção entre primeira pessoa do plural definida e arbitrária, apenas pelos valores
(positivo ou negativo) de seus traços (primeira pessoa do plural inclusiva terá o traço
[+falante,+destinatário] enquanto a forma arbitrária, [-falante,-destinatário]), mas não
dar conta da distinção entre as formas nós e a gente, ambas formas pronominais de
primeira pessoa do plural, ou entre a gente, você e se, todas formas pronominais
arbitrárias. Uma solução seria a inclusão de um traço adicional (e.g. ± inclusivo) apenas
para estes pronomes, o que parece um tanto quanto dispendioso e arbitrário. Além disso,
uma teoria geométrica é lexical por natureza e, portanto, anterior à realização sintática,
o que é condizente com a proposta aqui adotada.
3.3 Sobre a composicionalidade do pronome
Tendo-se mostrado que a assunção de pronomes como um primitivo falha em
explicar seu comportamento morfo-sintático-semântico, e que mesmo a visão
tradicional de traços φ para tais pronomes também não é suficiente para tal, descreverei
como uma perspectiva enriquecida dos pronomes nos permite determinar seu
comportamento morfossintático. Pretendo demonstrar como uma abordagem de traços
pode lidar com os dados mostrados acima, uma vez que as visões tradicionais de Caso e
39
Farias (2005) argumenta contra a concepção binária de traços, a partir de Chomsky (1974; 1981; 1986)
e Abney (1987). De acordo com Farias, uma categoria como preposição, por exemplo, não pode
simplesmente ser definida como [-N,-V] (CHOMSKY, 1981;1986) nem como [-F,-N] (ABNEY, 1987),
uma vez que, em algumas línguas (eg. PB) algumas preposições mostram uma gradação categorial entre
funcional e lexical.
40
Do inglês speaker, hearer e addressee.
58
de traços φ não são suficientes para explicar a distribuição dos pronomes pessoais no
PB. Como dito acima, proponho uma composicionalidade de traços baseada em
algumas abordagens recentes (CARDINALLETI e STARKE, 1999; DÉCHAINE e
WILTSCHKO, 2002; RULLMANN, 2004; HARLEY e RITTER, 2002) para a
distribuição dos pronomes.
3.3.1 Cardinaleti & Starke (1999)
A idéia central da proposta de Cardinaletti & Starke (1999) é a tripartição da
classe de pronomes em elementos clíticos, fracos e fortes. Ambos os elementos fracos e
fortes ocupam posições de XP, enquanto clíticos ocupam posições X0. Ao mesmo
tempo, elementos fracos e clíticos são deficientes, sendo restringidos com respeito a sua
distribuição, e.g. nenhum deles é coordenável, enquanto elementos fortes o são.
(11)
a. Loro [forte] e quelle accanto sono troppo alte
b.*Esse [fraco] e quelle accanto sono troppo alte
De acordo com Cardinaletti & Starke (doravante, C&S), há uma assimetria
morfológica entre as três classes (uma classe é um subconjunto morfossintático da
outra), como pode ser visto em (12); elementos deficientes são reduzidos
sistematicamente com respeito aos elementos fortes e, conseqüentemente, projetam
menos estruturas sintáticas.
(12)
clítico ≤ fraco ≤ forte
Enquanto pronomes fortes são projeções nominais completas (cf. (13a)),
pronomes fracos carecem da camada funcional mais alta (cf. (13b)), e pronomes clíticos
não projetam ambas as camadas funcionais mais altas (cf. 13c)).
(13)
a. Pronomes fortes41
CLP
41
L= qualquer categoria lexical e Σ0= o locus de traços de L0 relacionados à prosódia.
59
3
CL0
ΣLP
3
ΣL0
3
IL0
ILP
LP
6
b. Pronomes fracos
ΣLP
3
ΣL0
3
IL0
ILP
LP
6
c. Pronomes clíticos
ILP
3
IL0
LP
6
A tipologia de C&S demonstra que quanto menos traços/projeções um elemento
tem, mais deficiente ele é. Esta deficiência estrutural seria traduzida como a falta de um
conjunto de núcleos funcionais, os quais contêm traços φ e traços referenciais (de modo
similar às projeções funcionais mais altas associadas ao verbo). A ausência de alguns
desses núcleos funcionais seria o gatilho para as assimetrias sintáticas, semânticas e
prosódicas.
Neste ponto, é necessário pontuar que a tipologia de C&S é baseada na teoria de
Regência e Ligação (CHOMSKY, 1981). Um olhar minimalista sobre esta proposta
mostra que esta deficiência pode ser traduzida num ponto de vista mais simples,
baseado em traços (cf. DÉCHAINE & WILTSCHKO, 2002). Na verdade, a idéia
central de C&S é capturada pela teoria baseada em traços delineada a seguir, que segue
o conceito de subespecificação. A diferença, entretanto, está no locus de tal
subespecificação.
60
3.3.2 Déchaine & Wiltschko (2002)
Déchaine & Wiltschko (2002) (doravante D&W) defendem que os tipos de
pronomes são definidos morfossintaticamente e seu status morfossintático determina
suas propriedades de ligação. As autoras propõem uma análise em que os pronomes são
divididos em três tipos de acordo com seu status categorial: pro-DPs, pro-φPs e proNPs. Um pro-DP funciona como expressões-R, ou seja, ele atua como uma expressão
livre referencialmente. Estruturalmente, pro-DPs incluem pro-φPs e/ou pro-NPs. Assim,
os últimos seriam subconstituintes do primeiro, similarmente à deficiência estrutural
postulada por C&S, então, sendo pro-φP uma projeção intermediária entre D e N que
codifica traços φ.
(14)
a.
3
D
DP
φP
3
φ
NP
#
N
b.
φP
3
φ
c.
NP
#
N
NP
#
N
A partir desta distribuição, D&W definem a distribuição das pro-formas de
acordo com seu tipo: pro-DPs podem somente ser argumentos, pro-φPs podem ser tanto
argumentos
quanto
predicados,
e
pro-NPs
podem
ser
apenas
predicados.
Morfologicamente, pro-DPs têm a sintaxe (complexa) de um D, pro-φPs não têm
sintaxe nem de D nem de N, e pro-NPs têm a sintaxe de um N. E, finalmente, de acordo
61
com suas propriedades de ligação, pro-DPs são expressões-R, pro-φPs são variáveis, e
pro-NPs, nenhuma das duas. Esta distinção pode ser melhor visualizada no paradigma
em (15) abaixo:
(15)
Tipologia das Pro-formas Nominais (D&W, 2002:410)
Sintaxe interna
Pro-DP
Sintaxe de D,
morfologicamente complexa
Pro-NP
Sintaxe de
N
definida
Pro-φP
Não possui sintaxe de
D nem de N
argumento ou
predicado
―
Distribuição
argumento
Semântica
Status quanto à
ligação
Expressão R
variável
―
predicado
constante
D&W ilustram sua tipologia com pronomes (enfáticos) independentes em
halkomelem, língua indígena norte-americana, agrupados no paradigma em (16), como
um exemplo de pro-DPs, como mostra a configuração em (17):
(16)
1
Pronomes independentes em halkomelem (D&W, 2002:412)
Singular
Plural
te-‘élthe (det-1sg)
te-lhlímelh (det-1pl)
te-á’elthe(det-1sg.emph)
2 te-léwe (det-2sg)
te-lhwélep (det-2pl)
tu-tl’ó:lem (det-3pl)
3 tú-tl’ò (det-3sg)
thu-tl’ ó:lem (det.fem-3pl)
thú-tl’ò (det.fem-3sg)
(17)
yu-tl’ó:lem (det.pl-3pl)
Estrutura Pro-DP
DP
3
D
tú
φP
3
62
φ
#
tl’ò
NP
#
ø
O mesmo tipo de pronomes em shuswap, outra língua indígena norte-americana,
é, por outro lado, um exemplo da categoria pro-φP. Os pronomes enfáticos estão
agrupados em (18) e sua possível configuração, em (19):
(18)
Pronomes independentes em shuswap (D&W, 2002:414)
Singular
1
Plural
n-tsets-we7 (1sg-emph-deic) wll-enwi7-kt (pl-emph-1pl)
te-á’elthe(det-1sg.emph)
wll-enwi7-s-kucw (pl-emph-3-2-excl)
2 7-enwi7 (2sg-emph)
wll-enwi7-mp (pl-emph-2pl)
3 Newi7-s (emph-3)
wll-enwi7-s (pl-emph-3)
(19)
Estrutura Pro-φP
φP
3
φ
NP
#
ntsetswe7
ø
#
Finalmente, a forma pronominal kare, do japonês, fornece um exemplo de proNP:
(20)
Estrutura Pro-NP
NP
#
N
#
kare
63
D&W argumentam que, apesar de halkomelem e shuswap parecerem similares
(ambas são línguas de núcleo marcado, de predicado inicial e usam afixos e clíticos
pronominais), elas distinguem-se uma da outra no que diz respeito à constituição de
seus pronomes enfáticos. Os pronomes independentes em halkomelem exibem todas as
propriedades de um DP (cf.(21)):
(21)
a. [Lám]PRED [tú-tl’ò]ARG
ir
det-3sg
“Ele vai”
b. *[Tú-tl’ò]PRED –cha te
det-3sg-fut
Bill kw’e
may-th-óme
det Bill comp
ajuda-trans-2sg.obj
“Será o Bill que ajudará você”
(D&W:413)
Em (21), o pronome independente (tú-tl’ò) é restringido à posição de argumento
(21a), sendo agramatical sua ocorrência como predicado (21b).
Os pronomes enfáticos em shuswap mostram, por outro lado, o conjunto de
propriedades dos φPs:
(22) a. Yirí7
deic
te
[sqélemcw]N
l
wí.w.k-t-sem-s
obl
man
comp
see(redup)-trans-1sg.obj-3sg.subj
“Aquele é o homem que me viu”
b. *Yirí7 te
deic
obl
[newí7-s] wí.w.k-t-sem-s
emph-3
see(redup)-trans-1sg.obj-3sg.subj
“Foi ELE que me viu”
c. [Wí.w.k-t-ø-en]PRED
see (redp)-trans-3sg.obj.1sg.subj
[re
n-tséts-we7]ARG
det 1sg-emph-deic
“Eu vi ele”
64
d. [Wík-t-ø-s]PRED
[re
see-trans-3sg.obj-3sg.subj
det
John] ARG
John
“Ela/ele viu o John”
e. [Newí7-s]PRED
emph-3
[re
wík-t-m-es]ARG
det
see-trans-3sg.obj-past-3sg.conj
“Foi ELE que viu ele/ela”
(D&W:415-6)
Em (22a,b), há um paralelo contrastivo que mostra que um pronome
independente em shuswap (newí7-s) não pode aparecer no lugar de um verdadeiro NP
(sqélemcw). Também, como ilustrado em (22c,d), pronomes em shuswap não têm uma
sintaxe como a de um DP, uma vez que podem ser precedidos pelo mesmo determinante
de um NP completo (re), e, como mostrado em (22e), eles funcionam como um
predicado, posição da qual DPs são excluídos.
Finalmente, pro-NPs têm a mesma sintaxe de um nome, uma vez que podem ser
precedidos por um adjetivo (cf. (34a)), um possessivo (cf. (23b)), ou um demonstrativo
(cf. (23c)).
(23)
a. tiisai kare
small he
“ele que é pequeno”
b. watasi-no kare
I-gen
he
“meu namorado”
c. kono kare
this he
“esse cara aqui”
(D&W:417)
65
Além disso, pro-NPs são inerentemente constantes e não podem funcionar como
variáveis ligadas, como kare (e sua correspondente feminina kanozyo) em (24):
(24)
a. *Daremo1-ga
kare1-no
hahaoya-o
Todo mundo-nom ele-gen
mãe-ac
aisite-iru
ama-pres
“Todo mundo ama sua mãe”
≠
x, x ama a mãe de x
b. *Dono zyoseii-mo
[kanozyoi-ga tensai-da
Toda mulher-tamnbém ela.nom
to]
gênio.cópula comp
omotte-iru.
pensa.pres
“Toda mulher pensa que ela é um gênio”
≠
x, mulher(x), x acha que x é um gênio
Observando línguas mais bem conhecidas, D&W mostram evidências de que os
pronomes pessoais do inglês não são um grupo sintaticamente homogêneo (cf. RITTER,
1995): eles podem ser distribuidos dentro dos três tipos de pronomes. Por exemplo, one
é considerado uma instância de pro-NP, uma vez que tem a sintaxe de um nome
(analogamente a kare) e pode seguir um determinante (the one), um quantificador
(someone), ou um modificador (the real one). A primeira e a segunda pessoas do plural
comportam-se como pro-DPs já que aparecem ocupando a posição de determinante (we
linguists, you linguists). Os pronomes de terceira pessoa, por sua vez, são analisados
como pro-φPs, já que não são capazes de suportar a sintaxe de um D (*they linguists).
Os pronomes pessoais em PB aparentemente poderiam atuar como os pro-DPs
do inglês: os pronomes de primeira e segunda pessoas do plural funcionam como
determinantes, mas as formas do singular e a terceira pessoa do plural, não:
(25) a. Nós lingüistas estamos na sala 3.
b. Vocês lingüistas são feios.
c. *Eu lingüista gosto de surfar.
d. *Eles lingüistas bebem coca-cola
66
Este argumento é considerado pelas autoras como uma evidência de que a
terceira pessoa é, em inglês, um pro-φP, enquanto primeira e segunda pessoas, como os
demonstrativos “nus” em inglês, são pro-DPs. Entretanto, os mesmos pronomes acima
também atuam como argumentos e predicados, como o fazem pro-φPs42:
(26)
a. Essa é ela.
b. Ela é essa.
c. Eu sou esse/essa.
d. Esse/essa sou eu.
e. Esses/essas somos/é nós.
f. Nós somos/é esses/essas.
Interessante notar que, em (26), o demonstrativo em PB mostra flexão
obrigatória de concordância e pode funcionar como um predicado real, diferentemente
dos demonstrativos em inglês em (27)43, que parecem ser DPs reais.
(27)
a. That’s her
b. *She’s/*her is that
Entretanto, observando mais cuidadosamente o inglês, pode-se encontrar um uso
predicativo para that, como visto em (28):
42
As autoras admitem não terem argumentos para a impossibilidade de combinar um pronome singular
com um nome (cf. D&W, 2002, nota de rodapé 12:421):
(i) *I/*you/*him linguist
Elas justificam isso assumindo que, em princípio, nada impede uma língua de ter um pro-DP ou um proφP realizado na mesma “pessoa”, com as correspondentes diferenças sintáticas e semânticas.
43
Dados colhidos de falantes nativos do inglês.
67
(28)
a. It’s that
b. That’s it
c. That’s that
O contraste entre (27) e (28) vai na direção da idéia de que traços φ podem ter
papéis gramaticais independentes, em vez de sempre serem vistos como um todo. Além
disso, (27) sugere que a assunção tradicional de traços φ somente como pessoa, número
e gênero não responde pela distribuição pronominal, pelo menos em inglês. Antes,
traços de um tipo diferente (como humano ou talvez animacidade) devam ser levados
em conta. Isto indica que há mais do que o tradicional feixe de traços φ na composição
destes pronomes44.
3.3.3 Rullmann (2004)
Rullmann (2004) vai de encontro a algumas evidências dadas por D&W
mostrando, como um contra-argumento, que primeira e segunda pessoas também podem
ter uma leitura de variável ligada em inglês. Rullmann traz dois conjuntos de casos em
que os traços têm um papel importante. Em (29), pessoa e número não têm nenhum
papel semântico, envolvendo puramente concordância sintática (gramatical).
(29)
a. We all
think
we’re
smart.
Nós todos achamos nós.somos espertos
“Nós todos nos achamos espertos”
b. We each/all
think
we’re
the smartest
Nós cada/todos achamos nós.somos a
person
mais.esperta pessoa
in the world.
em o mundo
44
Veja D’Alessandro (2006) para um conjunto de traços pragmáticos (sigma-set) responsável pela
concordância pragmática na derivação.
68
“Cada um de nós/nós todos nos achamos as pessoas mais espertas no
mundo”
c. #We’re
the smartest
Nós.somos a
person in the world.
mais.esperta pessoa em o
mundo
“Nós somos a pessoa mais esperta no mundo”
d. Al and I both
Al e
believed
we were
going to be elected.
eu ambos acreditamos nós estávamos indo ser
eleitos
“Al e eu acreditávamos que estávamos sendo eleitos”
e. #We were
going to be elected president.
Nós estávamos indo ser eleitos presidente
“Nós íamos ser eleitos presidentes”
Por outro lado, (30) mostra que os mesmos pronomes são semanticamente
guiados:
(30)
a. I
told my
wife
we were
late.
Eu falei minha esposa nós estávamos atrasado
“Eu disse a minha esposa que nós estávamos atrasados”
b. You told him that you (guys) were
late.
Você disse ele que vocês (caras) estavam atrasado
“Você disse a ele que vocês estavam atrasados”
c. The woman I am dating
A
wants us
to get married.
mulher eu estou namorando quer nos.ac casar
“A mulher com quem estou namorando quer que nos casemos”
d. Whenever I share an apartment
with a
woman we
Toda.vez eu divide um apartamento com uma mulher nós
69
end up
arguing
about housework.
acabamos discutindo sobre tarefa.domestica
“Sempre que divido um apartamento com uma mulher nós acabamos
discutindo sobre as tarefas domésticas”
A partir disso, Rullmann sugere uma decomposição, adicionando os traços
[destinatário] e [falante] ao conjunto de traços φ dos pronomes em inglês, em vez de
[pessoa] cristalizado dentro do conjunto de traços φ que compõe φP.
Adicionalmente, a característica mais distintiva de um pro-φP é que ele age
como uma variável ligada. Apesar de esta ser uma característica dos clíticos, também
pode ser estendida aos pronomes do PB já que eles agem de forma semelhante.
(31)
a. Você viu você no espelho, não uma assombração.
a’. Você se viu no espelho, não uma assombração.
b. Eu vi eu na televisão hoje.
b’. Eu me vi na televisão hoje.
O pronome você e eu podem assumir tanto a leitura de pronome referencial
como a de reflexivo em PB, como pode ser visto nos contrastes em (31a,a’) e (31b,b’).
Na verdade, como Rullmann aponta, algumas características sintáticas do
pronome pode escapar da proposta de D&W. Isto pode ser resolvido, entretanto, se
considerarmos um conjunto de traços enriquecido para os pronomes, como já sugere
Rullmann, em acordo com Harley & Ritter (2002). Então, assumo que a categorização
pronominal de D&W deve ser expandida para capturar algumas características internas
ao pronome que têm consequências para a sintaxe dos pronomes proposta pelas autoras.
Examinaremos, agora, o que está por trás do rótulo φ para um pronome.
3.3.4 Harley e Ritter (2002)
Harley e Ritter (2002) (doravante H&R) defendem uma geometria de traços
morfossintáticos para o sistema pronominal nas línguas. As autoras assumem que esta
geometria é o resultado da gramaticalização de certas categorias cognitivas (tais como
referência e pluralidade) e é motivada por um extenso conjunto de línguas
geneticamente distintas. A idéia principal em sua argumentação é que um modelo
70
baseado em um conjunto cristalizado de traços é improvável, o que é mostrado,
conseqüentemente, nos padrões de aquisição criados pelas autoras (cf. (35) abaixo).
A fonte inspiradora para a geometria morfossintática de H&R é a geometria de
traços de Clements (1985), proposta para a fonologia, que torna possível, por exemplo,
definir classes naturais de traços para regras fonológicas e suas relações de dependência
que codificariam contraste.
Similarmente, H&R mostram que uma geometria morfológica nos termos de
Harley (1994) poderia alcançar os mesmos resultados da geometria de traços
fonológicos. Portanto, H&R analogamente propõem sua geometria baseada no que as
autoras chamam de “razões externas para o grupamento natural” (H&R:489).
A visão de H&R dos traços é o mesmo de Harley (op.cit): traços são
monovalentes e somente aparecem se têm valor positivo. Também, uma dependência
traçual é proposta, i.e. se uma dado traço Y aparece após um dado traço X, significa
dizer que Y é dependente de X e se X é eliminado, Y também o é. Praticamente, um
traço como destinatário só existe se há um traço tal como participante.
Assim, H&R apresentam a geometria em (32)45, a qual é assumida como sendo
fornecida pela Gramática Universal.
(32)
Referring Expression = Pronoun46
3
45
Duarte et al. (2002) propõem uma geometria de traços similar para o português, levando em conta,
porém, traços binários, o que não parece ser o mais viável para o que intento desenvolver nesta tese.
Portanto, adotarei a proposta original de H&R (2002) que tem com fundamento subespecificação e
acarretamento de traços, e que não leva em conta traços com valores negativamente marcados. Ainda,
manterei a terminologia dos traços de H&R na língua original (inglês) no corpo do texto por questões de
praticidade na exposição. Uma tentativa de tradução dos traços de H&R pode ser vista na nota 45 a
seguir.
46
Possível tradução para o português:
(i)
Expressão Referencial = Pronome
3
Participante
9
3
Individuação
Falante
Feminino
Destinatário Grupo Minímo Classe
#
3
Aumentado Animado Inanimado/Neutro
3
Masculino….
71
Participant
Individuation
9
3
Speaker
Addressee Group Minimal
Class
#
3
Augmented Animate Inanimate/Neuter
3
Feminine Masculine….
(H&R, 2002:491)
As autoras dividem os tradicionais traços φ em três grandes grupos ou
categorias: Participant, Individuation e Class. Participant inclui os traços Speaker
([falante]) e Addressee ([destinatário]), usados para representar pessoa (primeira e
segunda, uma vez que a terceira seria a forma não-marcada); Individuation, incluindo
Group, Minimal e Augmented, representa a categoria número; e Class, e seus
subgrupos, codifica gênero e outras classes informacionais. As autoras, entretanto,
focam sua atenção nos nós Participant e Individuation para desenvolver sua
argumentação, mostrando uma interação entre as categorias pessoa e número.
H&R justificam essa distinção entre primeira e segunda pessoas mostrando que
tradicionalmente a terceira pessoa é considerada a não-pessoa (seguindo as clássicas
idéias de BENVENISTE (1976) e FORCHHEIMER (1953)) e sua referência é fixa,
enquanto a de primeira e segunda pessoas depende dos papéis discursivos. Esta
dependência discursiva se mostra nas relações de ligação, como pode ser visto em (33),
do inglês:
(33)
a. I
love myself.
Eu amo me.reflex
“Eu me amo”
b. ??I
love me
Eu amo me.ac
“Eu me amo”
c. Hei loves himself /*himi/himj
Ele ama ele.reflex/ele /ele
72
A substituição do reflexivo pelos pronomes objeto com a primeira e segunda
pessoas resulta marginalidade (cf. (33b)), mas sua substituição pela terceira pessoa gera
agramaticalidade se o objeto é co-referencial e gramaticalidade se não o é (cf. (33c)).
H&R ilustram sua geometria morfossintática com um grande número de línguas,
na sua maioria línguas não muito conhecidas. (34) é um exemplo de como a geometria
funciona em kalinha, uma língua caribenha falada na Guiana Francesa, Guiana,
Suriname e Venezuela (cf. HOLF, 1968), que tem quatro pessoas e dois números no
paradigma dos pronomes enfáticos.
(34)
Geometria em Kalihna
1ª exclusiva
singular
RE
3
Part
Indv
#
plural
RE
3
Part
Indv
#
#
#
Speaker
Min
au
1ª inclusiva
Speaker
Group
a?na
RE
RE
3
Part
3
Indv
3
#
Speaker Addressee Min
Part
Indv
3
#
Speaker Addressee Group
kïxko
2ª
kïxka:ro
RE
3
Part
#
Addressee
Indv
#
#
Min
RE
3
Part
Addressee
Indv
#
Group
73
amo:ro
3ª
amïiyaro
RE
RE
#
#
Indv
Indv
#
#
Min
moxko
Group
moxka:ro
Conseqüentemente, H&R reforçam sua teoria demonstrando uma hierarquia na
aquisição da geometria de traços, seguindo os padrões em (35)47:
(35)
RE
#
Part
RE
#
Part
#
Addr
RE
RE
#
1st>>2nd
RE
#
Indv
Indv
sing>>plural
#
Group
De acordo com H&R,
because both Participant and Individuation are immediate dependents of root
RE node, 1st and 3rd person are equally likely to appear as the first pronoun.
Likewise, since Addressee, Group and Class are all equally embedded in the
47
H&R seguem Rice e Avery (1995) e Brown (1997) na formulação dos padrões de aquisição, com base
na uniformidade global e variabilidade local. Os padrões discerníveis capturados, segundo as autoras,
estão sumarizados abaixo (H&R:509):
a. uniformidade: (i) inicialmente 1ª pessoa do singular ou 3ª do singular neutra/inanimada
(ii) 2ª pessoa depois da 1ª pessoa
(iii) singular antes do plural
b. variabilidade: (i) 2ª pessoa relativa à 3ª pessoa animada
(ii) 2ª pessoa relativa ao plural
74
geometry it is also predicted that they should be acquired later and that the
relative order among them should vary […]48.
(H&R, 2002:510)
Apesar de não me deter em aspectos da aquisição neste tese, reconheço que os
padrões estabelecidos por H&R para aquisição nos dão uma pista a mais para o caminho
da não-confiabilidade de um modelo de traços cristalizado.
Assumo com H&R, e em acordo com Béjar (2003) que, em vez de pessoa,
número e gênero serem considerados os componentes atômicos de um pronome, traços
φ devam ser decompostos em traços mais atômicos, que capturem categoricamente as
informações cruciais que um pronome carrega, sendo as relações intrínsecas de
acarretamento entre eles responsáveis pela sua distribuição e diferentes formas
assumidas em PF49.
3.3.5 Béjar (2003)
Béjar (2003) propõe uma teoria de traços para concordância com bases
minimalistas, preenchendo uma lacuna na empreitada gerativista. Baseada em restrições
locais no sistema de concordância do georgiano e de línguas algonquianas, língua
oficial da Geórgia e família de línguas indígenas norte-americanas, respectivamente, a
autora desenvolve uma teoria na qual concordância se dá através das relações entre
traços formais (match e value, no sentido de CHOMSKY (1998;1999)). A análise se
baseia em uma perspectiva para traços formais onde φ codifica as propriedades
nominais que tipicamente entram no processo de concordância: pessoa, número e
gênero. Entretanto, tais propriedades não são suficientes para capturar exigências
sintáticas de tal teoria de concordância baseada apenas em traços50. Assim, a autora
assume com H&R que pronomes obedecem a uma hierarquia interna (uma geometria),
que é responsável por sua sistematização. As tradicionais categorias pessoa
48
Tradução aproximada: “porque ambos Participante e Individuação são imediatamente dependentes do
nó raiz RE, 1ª e 3ª pessoas são igualmente possíveis de aparecer como o primeiro pronome. Da mesma
forma, uma vez que Destinatário, Grupo e Classe são todos igualmente encaixados na geometria, é
também previsto que eles devam ser adquiridos tardiamente e que a ordem relativa entre eles deva variar
[...]”.
49
Béjar (2003) afirma que estas relações de traços não são apenas úteis para restringir forma, mas, antes,
a computação sintática é sensível a tais relações.
50
É a esta mesma conclusão que as evidências anteriormente expostas nos levam.
75
([PARTICIPANT]) e número ([INDIVIDUATION]) são também centrais na teoria
desenvolvida por Béjar. Também, as relações de concordância estabelecidas pela autora
são úteis à descrição de algumas relações sintáticas encontradas em PB. A proposta de
Béjar será pontuadamente mostrada na seção a seguir.
3.4 Notação de traços enriquecidos: ampliando uma teoria φ
Até agora, tenho argumentado a favor de uma composição pronominal por
elementos menores (atômicos). A abreviação tradicional de traços φ como um conjunto
cristalizado de traços que compõem um elemento R(eferencial) é também inviável uma
vez que não captura as relações que um elemento R pode ter no sistema computacional,
sendo alguns desses traços ausentes por razões independentes. (cf. ex. (6), (7) e (8),
repetidos abaixo em (36), (37) e (38)).
(36) Você pensa que tá fazendo a coisa certa, mas no fim você não está
“Alguém pensa estar fazendo a coisa certa mas no fim esse alguém não está”
“Você pensa estar fazendo a coisa certa mas no fim você não está”
(37) a. A gentei já sei /*nosi viu na TV.
b. A gentei soube que o Paulo *sei /nosi viu no Giovannetti ontem.
(38) a. A gente é brasileiro
b. A gente somos brasileiro(s)
c. Nós somos brasileiro(s)
d. Nós é brasileiro
Algumas propostas revisadas na seção anterior mostram uma visão mais acurada
acerca dos pronomes, mas ainda capturando pronome como sendo um feixe dos traços
pessoa, número e gênero. H&R, por outro lado, vão além, propondo uma decomposição
dos tradicionais traços φ, a qual é consistente com a variabilidade encontrada interlingüisticamente. Uma teoria nas premissas de H&R implica subespecificação no
76
sentido de que um dado elemento R pode não apresentar todos os traços apesar de têlos disponíveis em seu inventário. Isto, na verdade, é similar à proposta de C&S no
sentido de que deficiência (ausência de um dado traço por acarretamento) é responsável
pela distribucionalidade do pronome. Aqui, defenderei um modelo fundido de
deficiência, como definido em (39):
(39) Um pronome é deficiente se carece pelo menos de um traço.
Os reflexos de tal deficiência são sentidos sintaticamente, ou seja, têm
implicações em como o mecanismo de concordância funcionará uma vez que um
pronome deficiente pode exitosamente entrar em uma relação de concordância, i.e. a
derivação envolvendo um pronome deficiente e, ao mesmo tempo, um verbo totalmente
especificado, converge, mesmo não satisfazendo certas condições para concordância
(match nos termos de CHOMSKY (1999a), por exemplo).
De acordo com H&R, a forma de um dado pronome (e suas características) é
capturada como o resultado de sua composicionalidade de traços e suas relações
sintáticas51. Assumirei, portanto, que esta composicionalidade interna é suficiente para
codificar
algumas
características
“externas”,
tais
como
referencialidade.
Adicionalmente, algumas categorias externas ao nó PARTICIPANT (a saber, CLASS) serão
assumidas inter-relacionadas a ele, tornando-se este nó crucial, ao lado de
INDIVIDUATION, na variabilidade encontrada no sistema pronominal em PB. Tal
configuração, conseqüentemente, traz alguns problemas para o mecanismo de
concordância tal qual o adotado aqui, uma vez que match, uma operação essencial para
que concordância ocorra, é condicionada pela correspondência de traços.
3.4.1 Composicionalidade de traços: pessoa
De acordo com Béjar (2003), há um número de possibilidades para codificar o
traço pessoa. A codificação abaixo, extraída da autora (op.cit:42), apesar de não ser
exaustiva, ilustra algumas diferenças cruciais entre possíveis sistemas:
51
Chomsky (1965) já propõe uma distribuição semelhante dos traços sintáticos usando um conjunto de
traços (regras transformacionais).
77
(40)
1ª pessoa
2ª pessoa
3ª pessoa
Sistema A [PERSON[PART[SPKR]]] [PERSON[PART]] [PERSON]
[PERSON[2]]
[PERSON[3]] ou [PERSON[0]]
Sistema B [PERSON[1]]
[+1]
[-1]
[+2]
Sistema C [-2]
[PARTICIPANT]
Sistema D [SPEAKER]
Sistema E [1]
[-1]
[-2]
[PARTICIPANT]
[2]
Béjar aponta o fato de estes sistemas serem de certa forma variantes notacionais
uns dos outros. Na verdade, eles são construídos com base em diferenças: eles diferem
na substância de seus valores, com respeito à quantidade de estruturas requeridas para
expressar um valor, ao acarretamento expresso, e à implementação de subespecificação.
Entretanto, quase todos os sistemas são, de alguma forma, inadequados para
uma teoria de traços baseada em acarretamento e subespecificação: os sistemas (B) e
(C) carecem de adequação na codificação da subespecificação; o sistema (D) é
internamente inoperante (o traço [SPEAKER] nunca ocorre na ausência do traço
[PARTICIPANT] num modelo de acarretamento); finalmente, comparando os sistemas
(A) e (E), o último não dá conta de uma teoria de acarretamento de traços, sendo o
primeiro a representação mais forte para tal modelo teórico. Béjar, finalmente, adota um
sistema semelhante a (A), lançando mão da terminologia proposta por H&R (2002) (cf.
3.3.4. acima).
A geometria de H&R permite a possibilidade de subespecificação (parcial e/ou
total). Sistematicamente, subespecificação codifica contraste: uma subespecificação
total quando da ausência do nó [PARTICIPANT], por exemplo, resulta na terceira pessoa,
enquanto subespecificação relativa pode resultar na segunda pessoa quando o nó
[PARTICIPANT] tem uma interpretação default na ausência de mais dependentes.
Conseqüentemente, o traço [SPEAKER] é normalmente dependente do traço
[PARTICIPANT], resultando na primeira pessoa52.
Além disso, Béjar introduz um novo traço à geometria, a saber, [π]. π seria um
nó intermediário entre a raiz do elemento referencial e o nó [PARTICIPANT]. Este é
também um rótulo para a categoria pessoa. Segundo a autora, π é empiricamente
necessário.
Por
exemplo,
sem
ele,
não-participantes
são
obrigatoriamente
52
Béjar nota que, em algumas línguas, a primeira pessoa é a default, sendo representada por
[PARTICIPANT[ADDRESSEE]].
78
subespecificados exceto pelo traço [INDIVIDUATION], e, talvez, pelo traço raiz R53. A
introdução deste traço (que, como já mencionado, codifica abstratamente a cateogria
pessoa) é também motivada pelo fato de a subespecificação de traços para terceira
pessoa poder ser o ponto de variação, uma vez que, apesar de alguns pronomes de
terceira pessoa serem totalmente subespecificados, há pronomes de terceira pessoa com
subespecificação parcial, os quais podem atuar como interventores54. Béjar afirma que a
inserção do traço π é necessária como uma camada representativa, já que alguns traços
categoriais devem ser incluídos dentro do nó PARTICIPANT.
Evidência de que em algumas línguas certas categorias devem ser incluídas na
categoria pessoa vem de Cawper e Hall (2002). Os autores propõem uma geometria de
traços para a flexão nominal do inglês, mostrada em (41), em que categorias
pragmáticas gramaticalizadas são levadas em conta para definir geometricamente tais
morfemas de flexão nominais55.
(41)
D
#
SPECIFIC
#
DEFINITE
3
DEICTIC DISTAL
Esta geometria dá conta de certas restrições no mapeamento entre os itens
lexicais que codificam a flexão nominal, e os contextos sintáticos em que eles ocorrem,
como ilustrado nos exemplos (42) abaixo, cujas configurações são dadas em (43).
(42)
a. THIS coffee over here is stale
ESTE café sobre aqui está velho
“Este café aqui está velho”
53
Assumo R como uma representação para pronome por este ser o ponto chave desta tese. Assim, R pode
substituir um pronome variável.
54
Béjar propõe uma teoria enriquecida de traços para lidar com certas condições de concordância
sensíveis ao contexto, quando um alvo que não é o potencial (ou seja, um interventor) pode entrar numa
relação sonda-alvo. Por exemplo, em georgiano, “a verb cross-references the person feature of its object,
unless the object is 3rd person, in which case the person feature of the subject is cross-referenced”
(Tradução aproximada: “um verbo remete ao traço pessoa de seu objeto, a não ser que o objeto é de
terceira pessoa, caso em que o traço pessoa do sujeito é remetido” (BÉJAR, 2003:4).
55
Na verdade, a proposta de Cawper e Hall (2002) lança mão da teoria da Morfologia Distribuída
(HALLE & MARANTZ, 1993), o que não é nosso interesse nesta tese. Entretanto, suas evidências são
facilmente convertidas para ilustrar uma proposta puramente lexico-sintática, como a presente, visto que
seus traços podem ser considerados itens lexicais formativos, como descrito na seção 1.3.2 do capítulo 1.
79
b. THAT
coffee is stale
AQUELE café está velho
(43)
a. THIS
DP
3
D
#P
#
SPECIFIC
#
#
DEFINITE (GROUP)
#
DEICTIC
b. THAT
3
NP
#
4
DP
3
D
#P
#
SPECIFIC
#
#
DEFINITE (GROUP)
3
DEICTIC DISTAL
3
NP
#
4
(COWPER & HALL, 2002:62)
Segundo os autores, a diferença entre os pronomes definidos em (42) é feita
através da presença/ausência do traço [DISTAL] no nó que representa pessoa. Este traço
determina a noção de distância no discurso.
Como Béjar aponta, em algumas línguas esta decomposição de pessoa como
proposta por H&R não é suficiente para codificar alguns traços que são necessários para
definir certos nominais (como os de COWPER e HALL). Por exemplo, [DEFINITE] e
[ANIMATE] são acarretados por [PARTICIPANT] em línguas como húngaro e
algonquiano, respectivamente (cf. BÉJAR, 2003). Estas categorias, alternativamente,
podem ser requeridas pelo nó [PARTICIPANT]. Portanto, π rotularia os traços que podem
ser capturados entre R e [PARTICIPANT], assumindo a representação em (44).
(44)
SPEAKER>PARTICIPANT>{DEICTIC>DEFINITE>SPECIFIC>…>D= π}>R
Entretanto, gostaria de sugerir que π, como será visto abaixo, não codifica, mas,
antes, deve dominar tais traços. Isto se dá porque alguns traços assumidos por Béjar
80
como sendo codificados por π, como demonstrado acima, podem ou não estar presentes
na configuração. Se eles fossem concebidos dentro de π, isso feriria as condições de
acarretamento. Portanto, se traços como [DEFINITE] ou [SPECIFIC] estivessem
localizados dentro de π, isto é, codificados por π, seria impossível ter estes traços como
distintivos em (6) acima, repetido em (45) abaixo.
(45) Você pensa que tá fazendo a coisa certa, mas no fim você não está
“Alguém pensa estar fazendo a coisa certa mas no fim esse alguém não está”
“Você pensa estar fazendo a coisa certa mas no fim você não está”
Aqui, o acarretamento de traços abaixo de D é responsável pela leitura arbitrária:
na ausência de traços como [DEFINITE], você carece de uma leitura definida, que requer
dêixis. Desse modo, pessoa, como uma categoria, permanece intacta enquanto traços
como [SPECIFIC] ou [DEFINITE] desempenham o papel da arbitrariedade referencial.
Assim, assumo com Béjar que o nó π é uma variável que codifica outros elementos que
podem ser necessários para contraste de pessoa.
Por isso, assumirei a estrutura em (46) como sendo a possível configuração para
R. (46) é a entrada lexical da categoria pessoa de um dado pronome que entra na
derivação, engatilhando todos os mecanismos sintáticos necessários para que ele
alcance PF.
(46)
R
#
π
3
PART
D
3
SPKR
….
ADDR
Adicionalmente, esta estrutura é compatível com a de D&W, diferindo no que
diz respeito à localização de D. D é o traço que codifica as informações nominais de um
pronome, podendo ou não, teoricamente, estar presente na configuração. Uma vez
presente, o pronome se comporta como um pro-DP, na notação de D&W, uma projeção
extra em R (ou φ, na terminologia de D&W), não sendo necessário capturar tal
informação. Conseqüentemente, assumo que a configuração do nó pessoa para
representar os pronomes pessoais em PB, de acordo com aquela em (46) acima, é como
segue:
81
(47)
R
#
π
3
PART
D
3
3
SPKR ADDR SPECIFIC DEFINITE
Portanto, o acarretamento de traços sob π permite que o paradigma pronominal
prediga uma forma com referência arbitrária mesmo que esta compartilhe a mesma
forma de um outro definido (cf. você no exemplo (45) acima).
3.4.1.1 Uma geometria para os pronomes pessoais em PB
Na geometria proposta acima, o traço π é um traço com conteúdo semântico,
correspondente à categoria pessoa. A informação semântica de cada traço dominado
pelo traço π é dada genericamente abaixo:
a) [PARTICIPANT]: este traço caracteriza os participantes do processo
discursivo (1ª e 2ª pessoas). A ausência deste traço e, conseqüentemente, dos
traços por ele dominados, caracteriza a 3ª pessoa, nos termos de Benveniste, a
não-pessoa.
b) [SPEAKER]: a presença do traço [SPEAKER] imediatamente dominado pelo
traço [PARTICIPANT] define o pronome como sendo o falante no processo
discursivo (1ª pessoa). A possibilidade de se ter uma 1ª pessoa arbitrária (cf. ex.
(48)) vai se dar da combinação deste nó com o nó D subespecificado para os
traços [SPECIFIC] e [DEFINITE]:
(48) Eu começo a fumar um cigarro hoje, amanhã eu experimento x.
(Contexto: um agente de controle de drogas entorpecentes sendo entrevistado
por um apresentador de TV)
82
Em (48), eu tem uma leitura arbitrária, podendo ser substituído por outra forma
arbitrária:
(49) Você/a gente/alguém começa a fumar um cigarro hoje, amanhã Você/a
gente/alguém experimenta x.
c) [ADDRESSEE]: este traço caracteriza o ouvinte no processo discursivo. A
possibilidade de se ter uma 2ª pessoa arbitrária segue as mesmas condições
apontadas para uma 1ª pessoa arbitrária.
d) [D]: este traço corresponde ao traço [N] e caracteriza nominais. A presença
deste traço caracteriza o nominal como sendo um argumento, como defendem
alguns autores (cf. D&W). Este traço também domina a projeção que
compreende traços como [DEFINITE] e [SPECIFIC].
e) [SPECIFIC]: denota um indivíduo particular (ou grupo de indivíduos). Um DP
que apresenta o traço [SPECIFIC] é interpretado como “um indivíduo que é
conhecido pelo falante”.
f) [DEFINITE]: o traço [DEFINITE] define quando um DP se refere a algo presente
no universo discursivo.
Assim, a representação dos pronomes em PB de acordo com sua
composicionalidade de traços gera o seguinte resultado: π é responsável sozinho pela
diferenciação das primeira, segunda e terceira pessoas, como esperado. Portanto, a
especificação de traços relevantes para os pronomes aqui é a seguinte:
1ª pessoa:
(50)
a. Definido:
R
#
π
3
PART
#
D
3
83
SPEAKER SPECIFIC DEFINITE
b. Arbitrário:
R
#
π
3
PART
#
SPEAKER
D
2ª pessoa:
(51)
a. Definido:
R
#
π
3
PART
D
#
3
ADDR SPECIFIC DEFINITE
b. Arbitrário:
R
#
π
3
PART
D
#
ADDRESSEE
(52)
3ª pessoa56:
R
#
π
#
D
...
56
As reticências abaixo do traço [D] para a terceira pessoa em (52) indica que os traços dominados por
[D] podem ou não estar presentes na composição, dependendo de sua interpretação.
84
3.4.2 Composicionalidade de traços: número
O mesmo mecanismo adotado para pessoa pode ser estendido a número. De
acordo com H&R (2002), [INDIVIDUATION]57 é o nó representacional para categorias de
número, grau e classe. O traço [INDIVIDUATION] é caracterizado abaixo:
a) [INDIVIDUATION]: representa a distribuição de entidades no mundo de
acordo com suas propriedades discursivas independentes, tais como classe e
quantificação.
Para número, as autoras adotam o traço [GROUP] como sendo o responsável pela
leitura de plural dos pronomes. Entretanto, em algumas línguas, apenas a adoção do
traço [GROUP] imediatamente dominado pelo traço [INDIVIDUATION] não é suficiente
para caracterizar a categoria número, visto que nessas línguas existe distinção entre um
grupo formado por dois indivíduos e outro por mais de dois indivíduos. Por exemplo, os
pronomes both e ambos58, em inglês e em português, respectivamente, marcam
exclusivamente a existência de apenas dois indivíduos num contexto qualquer.
(53)
a. Vi ambos os meninos na praia
b. I
saw both boys
on the beach
Eu vi ambos garotos em a praia
Assim, um traço como [DUAL], que caracteriza uma quantidade mínima
diferente de singular, ou seja, um conjunto representado por dois indivíduos, deve ser
levado em conta na composição de uma geometria para a categoria número para
pronomes. Portanto, uma categoria dominante, analogamente àquela para pessoa, deve
57
O termo INDIVIDUATION é adotado para representar as particularidades de um ente. Daí o nó
[INDIVIDUATION] representar configuracionalmente as categorias número, grau e classe.
58
O pronome indefinido ambos, da mesma forma diversos, algum, nenhum, entre outros, possui flexão de
gênero em português, uma característica da 3ª pessoa nesta língua. Assim, aparentemente, as mesmas
condições que operam sobre a 3ª pessoa também valem para outros pronomes em português, como os
indefinidos e os demonstrativos.
85
ser proposta. Adoto um nó representacional [#] que domina os traços relevantes para a
composição da categoria número. [#], da mesma forma que [π], é empiricamente
necessário. Sem este nó, a caracterização de singular deveria ser feita apenas pela
presença do nó [INDIVIDUATION], que também domina outras categorias, como
mencionado acima. Portanto, se houver subespecificação para grau, por exemplo,
haveria ambiguidade estrutural. Assim, a configuração para número deve ser
representada independentemente. Para tal, adoto a seguinte geometria para esta
categoria:
(54)
#
3
GROUP DUAL
A presença de [#] codifica a categoria número não especificada para plural ou
dual. Para os pronomes pessoais em PB, apenas os traços [#] e [GROUP] são relevantes,
visto que não há uma forma pronominal pessoal dual distinta. Assim, o traço [GROUP],
combinado com [π], define as formas do plural dos pronomes. O traço [#],
subespecificado para [GROUP], define as formas arbitrárias do plural, diferenciando
estas daquelas do singular. A ausência do nó [#] caracteriza as formas do singular. Desta
forma, a configuração para a categoria número em PB é a seguinte:
(55)
#
#
GROUP
O conteúdo informacional de cada traço constituínte da categoria número é dado
abaixo:
a) [#]: a presença deste traço determina a quantificação do nominal. [#] sozinho
caracteriza uma leitura singular do nominal.
86
b) [GROUP]: a presença do traço [GROUP] é determinada pela presença de
[INDIVIDUATION[#]] e exige uma leitura plural, i.e. a leitura de mais de um
elemento.
Assim, a composicionalidade para a categoria número prediz as possíveis
diferenças entre as três formas da primeira pessoa do plural: nós, a gente (inclusiva ou
definida) e a gente (exclusiva ou arbitrária):
1ª pessoa:
(56)
a. NÓS
R
3
π
INDIVIDUATION
3
#
PART
#
SPEAKER
D
#
3
DEFIN
SPECIF
#
GROUP
b. A GENTE Incl.
R
3
π
INDIVIDUATION
3
#
PART
D
#
SPEAKER SPECIF DEFIN
c.
#
3
A GENTE Excl.
R
3
π
PART
#
SPEAKER
3
D
INDIVIDUATION
#
#
87
2ª pessoa:
VOCÊS
R
3
π
INDIVIDUATION
3
PART
#
ADDR
#
D
#
SPECIF DEFIN
3
GROUP
A#
3ª pessoa:
R
3
π
#
D
….
INDIVIDUATION
#
#
#
GROUP
O nó [INDIVIDUATION] pode ser responsável pela interpretação arbitrária em PB:
uma vez combinado com o nó π, o par de traços prediz inclusividade complementar, i.e.
a complexidade do comportamento dos pronomes em PB reflete a complexidade da
composição de traços desses pronomes. Assim, nós e a gente diferem entre si no que diz
respeito à especificação de seus traços: nós é mais especificado que a gente, o primeiro
projetando [INDIVIDUATION[#[GROUP]]], enquanto no segundo [GROUP] é ausente; a
gente com referência arbitrária difere de a gente com referência definida pela presença
dos sub-nós dominados por D no último (cf. 3.4.1); e a gente e você arbitrários diferem
pela presença do nó [INDIVIDUATION[#]] no primeiro.
88
3.4.3 Composicionalidade de traços: gênero
A representação de gênero como proposta por H&R parece de alguma forma
inadequada para PB uma vez que há, nesta língua, um contraste animado/inanimado
distinto de masculino/feminino. De acordo com (32) acima, repetido em (57) abaixo,
[FEMININE/MASCULINE] são dependentes do nó [ANIMATE]. Primeiramente, em PB,
animacidade não está conectada aos traços [FEMININE/MASCULINE], como assumido por
H&R e ilustrado em (57)59. Ainda, não há forma neutra para os pronomes em PB, como
observado no exemplo em (58).
(57)
Referring Expression = Pronoun
3
Participant
3
Individuation
9
Speaker
Addressee Group Minimal
Class
#
3
Augmented Animate Inanimate/Neuter
3
Feminine Masculine….
(58) A árvorei está bem na sua frente. Você não tá vendo elai?
Isto nos leva a separar [FEMININE/MASCULINE] de [ANIMATE] em PB. Além
disso, [FEMININE] parece ser mais especificado do que [MASCULINE], como observado
em plurais com elementos masculinos e femininos: em um contexto onde há pelo menos
uma figura masculina presente, a referência deve ser feita usando a forma masculina do
pronome; para uma referência com a forma feminina, o grupo deve ser formado
exclusivamente por figuras femininas. Assim, como [FEMININE] parece mais
especificado e, conseqüentemente, contextualmente mais restrito que [MASCULINE],
59
Para o propósito desta tese, os únicos elementos relevantes para gênero são MASCULINE/FEMININE, já
que estes são os únicos elementos refletidos no sistema pronominal em PB. Portanto, não exploraremos o
que vem dominado por [ANIMATE].
89
proponho que a leitura masculina seja interpretada como a ausência do traço
[FEMININE]. Portanto, [CLASS] assume a seguinte configuração nos pronomes em PB:
(59)
CLASS
#
FEMININE
O Ya:thê, língua indígena brasileira falada pelo índios Fulni-ô, do Sul do estado
de Pernambuco, nordeste do Brasil, oferece evidência dessa configuração. Nesta língua,
as formas do singular dos pronomes pessoais apresentam marca de gênero apenas para o
feminino60.
(60)
a. owe i sideya-towa
1spron. 1sii preguiça-part.neu.
“eu sou preguiçoso”
b. owe-so i sideya-to-so-wa
1spron.-fem. 1sii preguiça-part.neu.-fem
“eu sou preguiçosa”
A forma masculina do pronome de primeira pessoa do singular em Ya:thê não é
marcada morfologicamente, enquanto a feminina apresenta o morfema –so, que aparece
intercalado no verbo (sideya-to-so-wa). Esta evidência morfológica indica que a
realização da categoria feminino implica uma maior especificação estrutural.
É preciso lidar com a categoria genêro como algo intrinsecamente ligado à
categoria pessoa, pelo menos em PB. Isto se dá porque os dados em (7) e (8) acima,
repetidos em (61) e (62), apresentam a primeira e a segunda pessoas do singular e a
primeira pessoa do plural a gente permitindo marca de concordância no adjetivo de
small clauses (cf. MOURA (2007b)).
(61) a. Eu sou bonito/bonita
b. Você é bonito/bonita
60
Exemplo extraido de Costa (1999).
90
(62) A gente está cansada/cansado
Este fenômeno também é atestado em francês, onde o predicativo concorda com
o gênero do falante, mesmo não havendo marca desta categoria na primeira nem na
segunda pessoas.
(63) Je suis content / content-e
(MOURA, 2007a:3)
Em (63), o pronome de primeira pessoa do singular (je) não apresenta distinção
quanto ao gênero mas desencadeia esta flexão no predicativo, da mesma forma que em
PB.
A combinação dos traços de CLASS com aqueles dominados pelo nó [π], definirá
se gênero será refletido no pronome. Em outras palavras, a projeção de [PARTICIPANT]
inibirá a realização visível de gênero no pronome, resguardando os traços disponíveis
para checagem, e possível representação morfológica, em outros elementos que entrem
em concordância com estes (o adjetivo, em PB e francês, por exemplo). Portanto, de
acordo com as condições de concordância que serão mostradas detalhadamente no
capítulo seguinte, (61a) deve ter a configuração de checagem em (64)61.
(64)
a.
TP
3
T
SC
3
5
sou
[π]
eu
[π[ PART[SPKR]]]
[CLASS]
bonito
[CLASS]
61
Neste ponto não será mostrado como se dá o mecanismo de verificação de traços pois isto requer
algumas considerações acerca do tradicional mecanismo de checagem de traços (CHOMSKY, 1999a), o
que será feito no capítulo seguinte.
91
b.
TP
3
T
SC
3
5
sou
[π]
eu
[π[ PART[SPKR]]]
[CLASS[FEM]]
bonita
[CLASS[FEM]]
[CLASS] é o nó checado apenas em elementos nominais (adjetivos, advérbios e
particípios). Assim, este mecanismo de checagem não afeta (e, conseqüentemente, não
bloqueia) as relações de concordância entre o DP e T ou v. A configuração em (64) está
de acordo com os moldes da teoria de concordância desenvolvida na seção seguinte.
3.5 Sumário
Neste capítulo, apresentei uma releitura da proposta de Harley & Ritter (2002)
para a composicionalidade do pronome. Empresto das autoras a geometria de traços
elementares formativos dos elementos pronominais nas línguas, porém lanço mão de
alguns ajustes necessários tendo em vista os dados do PB já apresentados nos capítulos
anteriores. Apresentei também uma revisão da literatura relevante para o
desenvolvimento da proposta (CARDINALETTI & STARKE, 1999; DÉCHAINE &
WILTSCHKO, 2002; RULLMANN, 2004; HARLEY & RITTER, 2002; e BÉJAR,
2003).
A proposta de Béjar (2003) permitiu-me ampliar as tradicionais categorias φ
com o intuito de melhor descrever a estrutura interna de cada pronome pessoal em PB,
apontando seus traços formativos e as conseqüências de suas combinações na sua
distribuição.
Os tradicionais traços φ foram decompostos a fim de apresentar as estruturas
componentes mais atômicas das categorias pessoa, número e gênero capazes de
92
descrever satisfatoriamente o paradigma pronominal em PB. Assim, os diferentes
pronomes (e os papéis que eles desempenham na sintaxe) podem ser descritos através
de sua composição interna, compreendendo alguns traços outrora considerados externos
ao conjunto de traços φ como sendo parte dele.
93
4
Teoria φ e condições para concordância: uma
proposta de análise do pronome
4.1 Introdução
Neste capítulo, demonstrarei como uma teoria de concordância pode ser
desenvolvida para lidar com uma teoria de traços enriquecidos como a demonstrada no
capítulo anterior. Defendo, juntamente com Béjar (2003), que uma teoria que leva em
conta subespecificação de traços formativos não é incompátivel com um mecanismo de
concordância baseado em identidade, nos moldes de Chomsky (1998). Levando em
conta que um item lexical é um conjunto de traços formais durante toda a derivação,
considero suficiente para que a concordância seja bem sucedida que os elementos que
entram num mecanismo de concordância possuam pelo menos um traço em comum: o
nó raiz.
A partir disso, desenvolverei a seguir um mecanismo sintático capaz de lidar
com a composicionalidade de traços: assumindo a proposta de Béjar (2003), defenderei
que as condições envolvidas no mecanismo de concordância (match e value) podem ser
repensados nas bases da subespecificação estrutural.
4.2 Conjunto φ enriquecido e condições para concordância
4.2.1 Condições para concordância via subespecificação de traços
94
Numa perspectiva minimalista, o sistema computacional lança mão de operações
que são responsáveis pela eliminação de traços ilegíveis. Grosso modo, a operação
Agree deleta traços formais ilegíveis durante o mecanismo de valoração de traços
formais de um elemento nominal (alvo) por traços formais do mesmo tipo de um núcleo
funcional (sonda). Havendo correspondência entre esses traços, os traços formais
ilegíveis são deletados. Agree é regulada por condições para match que são definidas
abaixo (CHOMSKY, 1998:122):
(1)
Matching is the relation that holds of a probe P and a goal G. Not every
matching pair includes Agree. To do so, G must (at least) be in the
domain D(P) of P and satisfy locality conditions. The simplest
assumptions for the probe-goal system are:
(i) Matching is feature identity
(ii) D(P) is the sister of P
62
(iii) Locality reduces to “closest c-comand”
Uma teoria de concordância baseada em subespecificação e acarretamento de
traços, condições ilustradas no capítulo anterior, implica algumas adaptações no
tradicional conceito de Agree (cf. CHOMSKY, 1998; 1999a). A teoria de concordância
proposta por Béjar (2003) mostra que tais condições para match e value são
perfeitamente compatíveis com subespecificação.
4.2.2 Condições para match
De acordo com a teoria de traços desenvolvida aqui (nos mesmos padrões da de
Béjar (2003)), uma sonda [F] pode facilmente ter em seu domínio um alvo com os
traços [F[G]]. A questão que surge é se haverá compatibilidade entre estes traços já que
não há identidade entre eles, como previsto pelas condições para match. A solução seria
62
Tradução aproximada:
“Compatibilidade é a relação que envolve uma sonda P e um alvo G. Nem todo par
compatível inclui a operação Agree. Para tal, G precisa (pelo menos) estar no domísnio de
D(P) de P e satistazer condições de localidade. A assunção mais simples para o sistema
sonda-alvo são:
(i)
(ii)
(iii)
Compatibilidade é identidade de traços
D(P) é isrmã de P
Localidade é reduzida a ‘c-comando mais próximo’”
95
assumir que tais condições envolvidas em concordância possam ser repensadas nas
bases de acarretamento, como definido abaixo:
(2)
Acarretamento
Dados dois elementos A e B repectivamente numa ordem hierárquica, a
presença de B requer a presença do outro elemento A.
Se a resposta for positiva, resguardando as propriedades de cada operação dada
acima, seria equivalente a dizer que a primeira pessoa é igual à segunda, por exemplo.
Entretanto, como apontado por Béjar, o critério para match pode ser estabelecido em
termos da presença/ausência do traço [F] na sonda. Assim, [F] encontraria
correspondência em [F[G]] pois [F] é um subconjunto de [F[G]]. Isto prediz, por
exemplo, que [π] teria correspondência com um elemento [π[PART]]. Assumirei que isto
é correto. Por conseguinte, assumirei com Béjar que a interseção de traços da sonda e do
alvo é suficiente para estabelecer correspondência. Conseqüentemente, identidade total
não será uma exigência para a operação Agree. Portanto, interseção pode ser
estabelecida como em (3)63:
(3) a. Match is defined by entailment;
b. Probe (F) and Goal (F’) match if Goal (F’) entails Probe (F).
(BÉJAR, 2003:53)
Necessariamente, interseção acontece a partir do topo da árvore. Isto quer dizer
que a raiz do traço F é imbricada pela raiz de F’. Então, a definição em (2) pode ser
reinterpretada como em (4)64:
(4) a. Match is evaluated at the root.
b. Probe (F) and Goal (F’) match if Goal (F’) entails root Probe (F).
63
Tradução aproximada:
(3)
a. Compatibilidade é definida por acarretamento.
b. Sonda (F) e Alvo (F’) são compatíveis se o Alvo (F’) acarreta a sonda (F).
64
Tradução aproximada:
(4)
a. Compatibilidade é avaliada na raiz.
b. Sonda (F) e Alvo (F’) são compatíveis se o Alvo (F’) acarreta a raiz da sonda (F).
96
(BÉJAR, 2003:53-54)
A consequência de tal postulação é que se uma categoria é especificada para o
traço [F], deve ser automaticamente especificada para qualquer traço dominado por [F].
Isto não é desejável visto que não previne super-aplicação de match. Portanto, Béjar
estipula a seguinte condição para o traço não-interpretável [F-]65,66:
(5) Q is not automatically specified for all features entailed by an uninterpretable
feature [F-] in Q.
Em outras palavras, acarretamento somente atinge traços interpretáveis. Para
ilustrar isto, (6) traz uma amostra de resultados previstos pela condição de
acarretamento:
(6)
[F] Sonda
[π]
[π]
[π]
[F’] Alvo
[π]
[π [PART]]
[INDV[#]]
Match
OK
OK
*
A correspondência de traços sendo avaliada da raiz também prediz o cenário
oposto. Isto, porém, é necessário apenas para definir o que a raiz de um elemento é.
4.2.3 Condições para value
A conseqüência da assunção de tais condições para match é refletida em Agree
como um todo. Match apenas identifica pares sonda-alvo potenciais. Potencialmente,
65
Béjar ilustra a necessidade de postular (5) com contextos de terceira pessoa. Para a autora, a terceira
pessoa carece de π mas ainda tem pelo menos uma especificação, a qual pode estabelecer correspondência
com a raiz da sonda. Entretanto, este cenário não é o mesmo em PB, onde a terceira pessoa possui π, o
qual codifica traços gramaticais que são refletidos na sintaxe da terceira pessoa, como mostrado nos
capítulos anteriores.
66
Tradução aproximada:
(5) Q não é automaticamente especificado para todos os traços acarretados por um traço não-interpretável
[F-] em Q.
97
concordância é a transmissão dos valores dos traços interpretáveis de um alvo para uma
sonda. Value aqui é concebido como o compartilhamento do rótulo que o traço carrega.
Na verdade, podemos conceber as condições para value como sendo um subconjunto
das condições para match, uma vez que, de acordo com Chomsky (1998), condições
para value devem ser mais restritas do que as condições para match pois há contextos
em que match é bem sucedido enquanto value, não. Isto quer dizer que match é um prérequisito para value. Assim, podemos assumir que value equivale à cópia de traços do
alvo pela sonda. Portanto, a deleção dos traços não-interpretáveis da sonda pode ser
efetuada. Entretanto, de acordo com Framptom e Gutmann (2000) (doravante F&G),
concebo “deleção” como sendo, na verdade, “inércia”. F&G assumem com Chomsky
(1999a) a idéia nuclear da valoração de traços mas a reinterpretam como
compartilhamento de traços. Os autores sugerem que dois nós terminais podem
compartilhar o mesmo traço. Por exemplo, considerem-se dois nós terminais A e B, os
quais têm traços valorados e não valorados. Em (7), os traços não valorados possuem
um asterisco. Então, em vez de deleção, assumir-se-á que um traço não-valorado
passará a ser valorado através da cópia de tais traços (a linha conectando os traços
indica que estes traços estão sendo compartihados).
(7)
a.
A
B
Num*
Num
Caso*
Caso*
Agree
A
B
Num*
Num
Caso*
Caso*
Pes
b.
T
A
Pes*
Num*
Pes
B
Agree
T
Pes
Pes*
Num*
Num
Num*
Caso*
Caso*
A
B
Pes
Num*
Caso*
Num
Caso*
Não tenho a intenção de adotar integralmente esta proposta aqui, mas sua idéia
principal de substituir “deleção” é bem-vinda por razões exaustivamente mostradas em
98
F&G (2000) (a saber, a necessidade de um ciclo seguinte poder “ler” um traço que, em
tese, foi checado e deletado). Portanto, uma vez que o traço [F] é valorado, ele deve
ficar inerte pelo resto da derivação, i.e. não tomar mais partido na derivação, estando
disponível, porém, para “leitura” se necessário.
Condições para value, apesar de mais restritas que aquelas para match, também
se aplicam. Assim, Béjar (2003:65-6) propõe a generalização em (8), a qual assumo,
baseada na evidência de subespecificação relativa, já mencionada acima, capturada
pelos outputs de valoração previstos em (9).
(8) Goal values Probe iff features of Goal entail features of Probe67.
(9)
a.
[F] Probe
[π]
[π]
[π]
[F’] Goal
[π]
[π [PART]]
[π[ PART[ADDR]]]
Value
OK
OK
OK
[F’] Goal
[π]
[π [PART]]
[π[ PART[ADDR]]]
Value
NO
OK
OK
b.
[F] Probe
[π [PART]]
[π [PART]]
[π [PART]]
c.
[F] Probe
[π[ PART[ADDR]]]
[π[ PART[ADDR]]]
[π[ PART[ADDR]]]
[F’] Goal
[π]
[π [PART]]
[π[ PART[ADDR]]]
Value
NO
NO
OK
Os padrões em (9a) parecem ser os requeridos pela valoração de traços em PB.
Portanto, é necessário apenas um [π] não-interpretável para uma sonda ser valorada. Isto
67
Tradução aproximada:
(8) O Alvo valora a Sonda sse traços do Alvo acarretam traços da Sonda.
99
se dá pois o conjunto de condições que satisfazem value deve ser um subconjunto
daquelas que satisfazem match68.
Assim, por exemplo, a operação de concordância que tem (10) como resultado
pode ser vista em (11)69.
(10) Você traiu ele
(11)
a. [v [V
#
uπ
#
uD
b.
c.
OD]
#
π
#
D
[T[
SUJ
[V
#
uπ
π
#
3
#
uD PART
D
3
SPKR
ADDR
[SUJ
#
π
3
PART
3
SPKR
T[
SUJ
OD [v [V
#
π uπ
#
D uD
[V
OD]
OD [v
#
uπ
#
D
#
uD
#
[V
#
OD]
#
#
π uπ
#
D uD
ADDR
De acordo com (11), a sonda do objeto direto (v) tanto é correspondente a como
valorada pelo alvo (OD). Fundindo-se o nó onde a concordância de sujeito acontece (T),
68
Como mencionado acima, o objetivo de Béjar (2003) é lidar com o problema da concordância sensível
ao contexto em línguas como georgiano (uma língua caucasiana) e nishnaabemwin (uma algonquiana).
Este fenômeno, entretanto, não ocorre em línguas românicas, tais como o português. No entanto, sua
proposta é uma maneira elegante de se lidar com concordância e parece ser largamente aplicável.
Portanto, os detalhes teóricos desenvolvidos por Béjar para lidar com a concordância sensível ao contexto
serão deixados a parte pois estão além do escopo desta tese. É suficiente aqui descrever o mecanismo de
concordância de tal teoria, o qual suficientemente satisfaz nossos objetivos.
69
Ignorar-se-á se há subida de V para T uma vez que isto é irrelevante para o propósito desta tese. Ainda,
deixar-se-á de lado por enquanto se C é necessário para checar o traço D do sujeito.
100
há um desnivelamento entre os traços da sonda T e do alvo SUJ. Mas, uma vez que
condições para concordância podem ser satisfeitas através da raiz da sonda, a derivação
converge.
Em PB, a possibilidade de se ter uma sonda mais específica que um alvo é nula,
como visto em (12), onde a presença do nó [INDIVIDUATION] da sonda a torna mais
especificada que o alvo, tornando impossível a valoração e, portanto, agramatical a
sentença.
(12) *Ele são bonitos
PB segue um tipo de hieraquia (simetria) de pessoa para a sonda: quando a
sonda é mais especificada para qualquer traço, o alvo também o é. Por exemplo, de
acordo com nossa composicionalidade pronominal, a mais especificada forma
pronominal é a segunda pessoa do singular, a qual requer especificação de terceira
pessoa, que é menos especificada, no verbo apenas. Uma vez que match é satisfeito
apenas pela raiz da sonda e value precisa de um alvo no mínimo tão especificado quanto
a sonda, a operação Agree é bem sucedida. Portanto, é suficiente assumir que as
especificações acima para as condições para concordância são satisfeitas em PB,
permitindo concordância mediante subespecificação de traços.
4.3 Sumário
Até aqui, tenho demonstrado como uma teoria de traços enriquecidos se adequa
a uma teoria de concordância baseada em subespecificação de traços. Mostrei que os
diferentes pronomes (e os papéis que eles desempenham na sintaxe) podem ser descritos
através de sua composicionalidade interna, compreendendo alguns traços outrora
considerados externos ao conjunto de traços φ como sendo parte dele. A proposta de
uma teoria φ, como a de Béjar (2003), esquematizada acima, desenvolvida com base na
subespecificação de traços, também suporta adequadamente a composicionalidade
pronominal que sugiro para o PB, sendo uma alternativa de análise que lida
101
coerentemente e uniformemente com o problema inicial da concordância entre
elementos que possuem diferentes conjuntos de traços.
O cenário acima exposto simplifica consideravelmente o mecanismo de
concordância para o PB. Assim, o sincretismo dos pronomes pessoais em PB é
justificado pela subespecificação dos traços formativos destes pronomes: quanto menos
traços em sua estrutura, menos restrições o pronome encontra em sua distribuição.
5
102
Caso, subespecificação e condições de checagem
5.1 Introdução
Nos capítulos anteriores, apresentei uma teoria baseada em traços para os
pronomes desenvolvida a partir da noção de subespecificação de traços definidos a
partir de categorias morfossemânticas. O mecanismo de concordância apresentado para
lidar com tais estruturas de traços é capaz de lidar com a concordância default, uma vez
que não há necessidade de se prender à noção de total correspondência de traços, como
proposto em Chomsky (1998). A noção crucial é a de que nem todos os traços são
necessariamente compartilhados pelo alvo e a sonda; mas, estas relações de
concordância devem se dar através da raiz do conjunto de traços. Esta teoria de traços é
suficiente para dar conta de alguns fenômenos do PB mostrados nos capítulos
anteriores, como, por exemplo, concordância sem plena identidade entre os traços do
sujeito pronominal e os de seu predicado (verbal ou adjetival). Entretanto, a variação
encontrada em alguns dialetos do PB com a primeira pessoa do singular não é
contemplada se levarmos em conta apenas os traços φ como definidos até aqui.
Morfologicamente, a maioria das pessoas pronominais parecem não depender de
outro mecanismo gramatical, tal como Caso, além dos traços φ decompostos, para sua
definição formal, uma vez que suas formas morfológicas são restritas apenas, na maioria
dos casos, à “nominativa”. Entretanto, a especificação de traços φ não é suficiente para
explicar como eu pode aparecer em todas as posições argumentais, em (1), substituindo
as outras formas, que denomino Casuais, de primeira pessoa (me, mim, meu, minha…)
vistas em (2).
(1)
a. Minha mãe mandou eu pra escola.
b. Maria deu um presente pra eu.
103
c. Ela nunca falou com eu.
d. Ela puxou na cabeça deu.
(2)
a. Minha mãe me mandou pra escola.
b. Maria deu um presente pra mim.
c. Ela nunca falou comigo.
d. Ela puxou na minha cabeça.
Essa alternância não depende dos traços φ como definidos no capítulo 3, pois
todas as formas envolvidas diferem somente quanto à representação de formas Casuais
ainda existentes em PB, não representando diferenças quanto a sua interpretação.
Portanto, os pronomes de primeira pessoa do singular levam em conta mais do
que o conjunto de traços φ para determinar sua forma em PF. Assumirei, portanto, que
eles também levam em conta Caso. Mas, como evidenciado nos capítulos anteriores, é
no mínimo inadequado assumir-se a tradicional Teoria de Caso como definida desde sua
origem na gramática gerativa (ROUVERET & VERGNAUD, 1980; CHOMSKY,
1981). Assumo, então, tomando (1) e (2) acima, além de outros exemplos já
apresentados nos capítulos anteriores, como evidência, que traços de Caso participam
do processo de concordância dos DPs. Isto também se justifica pois estas alternâncias
apresentam restrições de cunho estrutural, o que as condicionam também à sintaxe.
Assim, da mesma forma que para os traços φ, proporei uma geometria de traços de
Caso, baseada também em subespecificação de traços e cujo mecanismo de checagem
seja de acordo com a proposta formulada para os traços φ aqui defendida.
Este capítulo é organizado da seguinte maneira: em 5.2, esclarecerei o conceito
de Caso adotado nesta tese, propondo que Caso, como qualquer outro traço formal,
pode ser decomposto, o que simplifica consideravelmente as (ir)regularidades
encontradas inter-lingüisticamente; na seção 5.3, faço uma síntese da proposta de
McFadden (2007), que sugere uma decomposição dos traços de caso os quais são
inseridos independentemente na sintaxe através de regras próprias, e não mais
“atribuídos”; na seção 5.4, mostrarei que uma teoria de Caso baseada em
subespecificação pode ser construída nos mesmo moldes da teoria φ apresentada para
concordância no capítulo anterior, usando as mesmas prerrogativas e condições de
checagem; na seção 5.5 apresento uma breve discussão acerca da alternância entre eu e
104
mim na posição sujeito de orações encaixadas infinitivas, mostrando que a mesma
análise feita para (1) e (2) acima é suficiente para lidar com tal fenômeno, não sendo
necessário lançar mão das análises propostas anteriormente para essas estruturas; 5.6
conclui o capítulo.
5.2. Decompondo Caso
5.2.1 Sistema de Caso, sintaxe e morfologia
Tradicionalmente, Caso pode ser definido como uma relação, semanticamente
associada ou não, entre um DP e seu contexto sintático. Caso inerente (ou profundo)
seria semanticamente associado, enquanto Caso estrutural, não. Ambos os Casos podem
ser (mas não necessariamente são) refletidos por um caso morfológico70. Muitas línguas
marcam a função gramatical de seus nominais com afixos específicos que, juntos,
determinam seu “sistema de casos”. Línguas com um sistema de casos “rico” podem
dispor de uma grande variedade de casos (o finlandês possui mais de 12 casos, enquanto
o alemão possui 5, por exemplo). Assim, geralmente, os chamados casos nominativo,
acusativo e dativo marcariam numa oração, respectivamente, o DP na posição sujeito,
objeto direto e objeto indireto. No alemão, língua com sistema casual morfologicamente
expresso, o artigo (masculino, neste exemplo) marca a declinação de caso para cada
elemento nominal: der para o nominativo, den para o acusativo, e dem para o dativo:
(3) Der Mann
O
gab
homem.nom deu
den Hund
dem Sohn
o
ao
cachorro.ac
(alemão)
filho.dat
Algumas línguas, como o inglês e o português, entretanto, não dispõem mais de
um sistema casual morfologicamente visível em seus nomes, mas ainda mostrariam um
resíduo de tal sistema casual em seu sistema pronominal.
70
Como já mencionado anteriormente, Caso grafado com inicial maiúscula é usado para se referir a Caso
abstrato, nos termos de Vergnaud (1977) e Chomsky (1981), enquanto caso com inicial minúscula é
usado para se referir a qualquer outra ocorrência do termo.
105
(4) a. He
likes her
Ele(nom) gosta ela(ac)
“Ele gosta dela”
b. She
likes him
Ela(nom) gosta ele(ac)
“Ela gosta dele”
Em (4), as diferentes formas pronominais representam diferentes casos: he e she
são as formas pronominais para o nominativo da terceira pessoa do singular masculino e
feminino, respectivamente, enquanto him e her representam suas formas acusativas.
Caso que não é morfologicamente expresso é denominado Caso abstrato. A
teoria do Caso adotada por Chomsky (1981), baseada em Rouveret e Vergnaud (1980),
parte da premissa de que caso morfológico nada mais é do que o reflexo do Caso
abstrato (ou seja, de uma representação sintática de caso). Sob este ponto de vista, as
línguas apresentariam variação apenas quanto à manifestação morfológica do caso,
mantendo-se um mesmo sistema abstrato de caso subjacente.
Em suma, uma teoria de Caso deve dar conta da distribuição e forma de um DP
realizado. Entretanto, a noção de Caso abstrato como um fator determinante para a
distribuição dos DPs vem tendo um enfraquecimento no decorrer do desenvolvimento
da teoria da gramática. A proposta de Rouveret e Vergnaud (1980), na qual todo NP
deve receber um Caso para ser legível em LF e PF, o chamado Filtro de Caso, foi
adotada por Chomsky e incluída no aparato teórico de Regência e Ligacão
(CHOMSKY, 1981) como um módulo da gramática. Desde então, estudos feitos sobre
inúmeras línguas mostram uma extensiva gama de contra-evidências a esta
“universalidade” de Caso (e.g. islandês (cf. MCFADDEN, 2002; SIGURÐSSON,
2003), japonês e hindu (cf. MCFADDEN, op.cit.), e PB (cf. CARVALHO, 2006;
ALBUQUERQUE; 2006), entre muitas outras). Isso pode ser ilustrado com o islandês,
onde a mesma preposição (í) atribui tanto o caso acusativo (5a) quanto o dativo (5b).
(5) a. Hún hljóp í
bæinn.
Ela correu em centro.o.ac
“Ela correu para o centro”
106
b. Hún hljóp (um)
í
bænum.
Ela correu (em volta) em centro.o.dat
“Ela correu ao redor do centro”
(SIGURÐSSON, 2003:234)
Nichols (1992, apud SIGURÐSSON, 2003), em um estudo tipológico, verifica
que cerca de 45% das línguas do mundo não possuem caso morfológico (e.g. chinês e
línguas asiáticas na sua maioria), 50% seriam línguas casualmente marcadas (e.g.
alemão e algumas línguas germânicas e escandinavas), e o restante, cerca de 5%, seriam
línguas de marcação casual pobre (case-poor languages). Esse último tipo englobaria
línguas como o inglês, o francês, o espanhol, o português, entre outras, que revelam
apenas uma "herança" do caso morfológico no sistema pronominal. A partir dessas
informações, a presença/ausência de caso pode ser formalizada em três possíveis pontos
de vista:
(6)
(a) THE MORPHOLOGICAL APPROACH
The notion of case is purely morphological, hence full DPs in English and all DPs in Chinese are
caseless, whereas English pronouns are 'cased'.
107
(b) THE LANGUAGE-SPECIFIC APPROACH
A language either has or not a case system. Thus, all English DPs are 'cased' - overtly or covertly
- whereas case is absent from Chinese.
(c) THE UNIVERSAL APPROACH
DPs are universally 'cased', at least abstractly.71
(SIGURÐSSON, 2003:224-5)
Segundo Sigurðsson, essas abordagens não são mutuamente excludentes: a
Proposta Universal (Universal Approach) prediz um Caso abstrato como um
mecanismo (ou traço, de acordo com CHOMSKY (1998, 1999a)) universal e um
potencial expediente em línguas marcadas com caso morfológico. Por esta razão,
poderia se supor que caso morfológico seria uma implementação de PF, enquanto Caso
abstrato, algo inerente à sintaxe propriamente dita, não havendo necessariamente
reciprocidade entre Caso abstrato e caso morfológico. A Proposta Universal, portanto, é
interpretada como a definição do Filtro de Caso (ROUVERET &VERGNAUD, 1980;
CHOMSKY, 1981): todo NP deve ter caso para ser visível em LF e PF. Adotando-se
também o Princípio da Uniformidade (CHOMSKY, 1998:2) que afirma que as línguas
são sintaticamente uniformes e a variação entre elas é devida à componente fonológica
(PF), Sigurðsson (op.cit:225) sugere que
one may conceive of abstract case as a universal feature or phenomenon […].
It forces us to conceive of morphological case as a PF exponent, whereas
abstract case is ‘radically abstract’ in the sense that it is a narrow syntax
phenomenon that is not necessarily expressed at PF.72
71
Possível tradução:
(a) Proposta Morfológica
A noção de caso é puramente morfológica, portanto DPs lexicais em Inglês e todos os
DPs em Chinês não possuem caso, enquanto os pronomes do Inglês possuem caso.
(b) Proposta de Língua Específica
Uma língua ou tem ou não tem um sistema casual. Assim, todo DP do Inglês recebe
caso - visivelmente ou não - enquanto caso é ausente no Chinês.
(c) Proposta Universal
DPs universalmente recebem caso, pelo menos abstratamente.
72
Possível tradução: “pode-se conceber caso abstrato como um traço ou fenômeno universal [...]. Isso nos
força a conbeber caso morfológico como um exponente de PF, enquanto caso abstrato seria ‘radicalmente
abstrato’ no sentido de que é um fenômeno da sintaxe estreita que não é necessariamente expresso em
PF.”
108
Isso reforça o fato de que, em algumas línguas, um único Caso abstrato pode ser
expresso morfologicamente de diferentes formas, como visto em islandês com o
Dativo73.
(7) a. Sujeito Dativo
Henni
líkaði
þessi
hugmynd.
Ela.dat gostou esta
idéia.nom
"Ela gostou desta idéia"
b. Objet Indireto Dativo74
Hún
gaf
mér
bókina.
Ela deu me.dat livro.o.ac
“Ela me deu o livro”
c. Objeto Direto Dativo
Við
hjálpuðum
henni.
Nós ajudamos.pass ela.dat
d. Benefactivo Livre Dativo (Dativo Ético)
Ég
lagaði mér
Eu fiz
kaffi.
me.dat café
“Eu me fiz café”
e. Dativo Preposicionado
Hún fór
að húsinu.
Ela foi na.direção.de.casa.a.dat
“Ela foi para casa”
73
Extraido de Sigurðsson (2003:231-3).
O caso atribuido ao objeto indireto em islandês é o Dativo, o mesmo do denominado objeto
preposicionado. Geralmente, objetos indiretos em islandês desempenham um papel Benefactivo,
enquanto objetos preposicionados desempenham o de Alvo. Isto, entretanto, é irrelevante para a discussão
que pretendo desenvolver.
74
109
f. Objeto Adjetival Dativo
Hann er
Ele
líkur
henni.
é similar
ela.dat
"Ele parece com ela"
Semelhantemente, como visto nos capítulos anteriores, em PB quase não há
restrição quanto ao Caso representado pelos pronomes em sua distribuição, exceto com
a primeira pessoa do singular em certos contextos. Os exemplos em (8) mostram quão
arbitrário um reflexo morfólogico de caso parece: as formas pronominais ele/ela e nós
nos exemplos são tradicionalmente relacionadas ao Caso “nominativo”, sendo estas
mesmas formas as que representam o Caso “oblíquo dativo” em PB.
(8) a. A menina viu ele(ac).
b. A menina entregou o pacote pra/a ele(dat).75
c. O guarda parou nós(ac).
d. O vendedor demonstrou o produto para/a nós(dat).
Adotando esta idéia central, assumo que caso morfológico é, na verdade, apenas
uma “leitura” de diversos fatos sintáticos, tais como o resultado do mecanismo de
concordância entre os traços formais do DP e de seu predicado e verificação do que
chamarei de feixe de Caso, i.e. uma árvore de traços de Caso disposta hierarquicamente.
5.2.2 Caso em PB
75
Há uma tendência ao uso de para em vez de a, em PB. Esta variação, entretanto, não é relevante para
os objetivos do presente estudo.
110
Como visto no capítulo 2, algumas distinções tradicionalmente atribuídas a Caso
parecem de fato arbitrárias. Em (9) abaixo, por exemplo, a gente e vocês podem
aparecer em qualquer posição argumental em uma sentença:
(9) a. Vocês viram a gente ontem.
b. A gente viu vocês ontem.
c. Vocês deram isso para a gente.
d. A gente deu isso para vocês.
e. Vocês gostaram do cabelo da gente.
f. A gente gostou do cabelo de vocês.
Tanto vocês quanto a gente têm a mesma distribuição Casual sem que haja
mudança em suas formas. Em outras palavras, há uma única forma para todas as
posições Casuais em que estes pronomes ocorrem. Isto acontece também com os
pronomes no singular, como pode ser observado em (10).
(10)
a. Elas viram você/tu ontem.
b. Você/tu viu elas ontem?
c. Elas deram isso pra você/tu.
Você é uma forma pronominal para a segunda pessoa do singular em PB (ao
lado de tu), e é esperado que tenha uma distribuição mais ampla pois historicamente não
possui nenhuma outra forma Casual mais específica, sendo todas elas desempenhadas
apenas por você. Mesmo tu, que apresenta historicamente essas formas Casuais mais
específicas, não encontra restrições na sua distribuição, o que corrobora a hipótese de
que não há uma relação unívoca entre Caso e forma morfológica.
Com a primeira pessoa do singular é semelhante: (11) abaixo mostra que esta
pessoa pode apresentar uma única forma (a chamada nominativa) em todas as posições
argumentais em PB, mesmo sendo a única que ainda apresenta formas específicas em
alguns contextos para os diferentes Casos.
(11)
a. Minha mãe mandou eu pra escola.
b. Maria deu um presente pra eu.
111
c. Ela nunca falou com eu.
d. Ela puxou na cabeca deu.
As formas pronominais mais especificadas necessitam de algumas condições
sintáticas para serem licenciadas. Mim, por exemplo, só aparece depois de preposições
em PB.
(12)
a. Ela bateu em mim
b. Pedro falou de mim
Ainda, estruturas mais complexas, como orações encaixadas, permitem a
presença tanto da forma nominativa do pronome, quanto da oblíqua, sem
comprometimento da gramaticalidade ou interpretação da oração, o que indica que
ambos os pronomes têm a mesma interpretação76:
(13)
a. Ela deu o livro para eu ler.
b. Ela deu o livro para mim ler.
Outras restrições foram exaustivamente comentadas no capítulo 2. O mais
importante aqui é o fato de que os requerimentos Casuais parecem ser diferentes dos
que são tradicionalmente assumidos. A forma “nominativa” de um DP pronominal,
tradicionalmente ligada à posição sujeito de uma oração finita, não vai ser determinada
pela atribuição do Caso nominativo por um T (cf. CHOMSKY, 1981; 1986a,b), ou
através da checagem de um traço nominativo previamente determinado no DP em
spec,T (CHOMSKY, 1995). Isso fica claro nos exemplo de (11), acima. Mas, em vez
disso, a forma e a função do DP pronominal devem ser o resultado das operações
sintáticas das quais ele participa durante a derivação, nas quais seus traços, inclusive os
de Caso, serão verificados (valorados), o que é, inclusive, mais condizente com uma
proposta “sintática” de Caso, como defende Chomsky (1995; 1998; 1999a). Isso deve se
76
Como já fora mencionado no capítulo 2, é defendido que haveria uma ambiguidade estrutural nesse tipo
de oração, que geraria também uma ambiguidade na sua interpretação. Esse argumento é geralmente
levado em conta para se defender a existência de duas estruturas, uma para explicar a realização de cada
pronome (cf. BOTELHO PEREIRA e RONCARATTI, 1993; SALLES, 2000). Como fora mostrado
também no capítulo 2, essa ambigüidade não justifica uma dupla estrutura para explicar a alternância, já
que a presença de um T infinitivo capaz de atribuir Caso nominativo é questionável, além da contraevidência dos exemplos em (11) acima, em que a presença de eu não pode ser assim justificada.
112
dar através de um mecanismo que leve em conta as relações entre os traços relevantes
desse DP (φ e de Caso) e os dos elementos com os quais ele mantém relações de
concordância.
Um mecanismo assim pode ser alcançado através da expansão da proposta
apresentada nos capítulos anteriores para os traços φ: os tradicionais Casos abstratos
(nominativo, acusativo, dativo etc.), da mesma forma que as categorias que formam os
traços φ, devem ser decompostos em elementos mais atômicos e a combinação desses
elementos é que vai determinar, em PF, a forma final do DP pronominal. Tal proposta
parece mais viável visto que não necessita lançar mão previamente da morfologia do
pronome, o que elimina o problema inicial criado pela vinculação da função do
pronome a sua forma. Além disso, uma teoria como esta é empiricamente mais
econômica pois a combinação de um número limitado de traços é suficiente para definir
e explicar, a partir da estrutura interna do DP, fenômenos como o sincretismo,
encontrado, por exemplo, com a primeira pessoa do singular em PB, sem se apelar a
fatores externos ao DP. Isso também não é uma novidade teórica. Alguns estudos já
trazem propostas semelhantes (cf. MCFADDEN, 2007), as quais serão discutidas a
seguir e servirão como base para a análise que desenvolvo no decorrer deste capítulo.
5.3 Subespecificação de Caso
5.3.1 McFadden (2007)
A idéia central de McFadden (2007) é a de que um conjunto (ou conjuntos) de
traços binários são meios suficientes para lidar com categorias default, em particular o
fenômeno conhecido como caso default. Segundo o autor, a decomposição de categorias
morfológicas remonta pelo menos a Hjelmslev (1935) e Jakobson (1936). Por exemplo,
em vez de haver uma categoria pessoa, haveria uma categoria composta por traços
como [+speaker, +hearer]. Tal aparato é primariamente motivado para explicar
sincretismo, fenômeno no qual uma única forma aparece com mais de uma função
gramatical.
De acordo com McFadden, há pelo menos dois fatores que motivam uma
decomposição de traços para a explicação do sincretismo: (a) a possibilidade de uma
113
descrição simplificada de padrões específicos de sincretismo em línguas específicas; (b)
a possibilidade de explicar de forma mais abrangente por que certos tipos de sincretismo
na verdade ocorrem e outros, não, intra e interlinguisticamente.
Assim, por exemplo, seguindo-se a decomposição de Bierwisch (1967) abaixo, o
fato de o alemão mostrar sincretismo entre nominativo/acusativo, mas não
nominativo/dativo seria resolvido adotando-se uma decomposição onde nominativo e
acusativo possuem ambos o traço [-oblíquo], mas nominativo e dativo não teriam
nenhum traço (ou, melhor dizendo, valor de traço) em comum.
(14) Casos em alemão de acordo com Bierwisch (1967)
Caso
Traços
Nominativo [-oblíquo,-regido]
Acusativo
[-oblíquo,+regido]
Genitive
[+oblique,-regido]
Dative
[+oblique,+regido]
Entretanto, segundo McFadden (2007), nada impede que haja uma
decomposição diferente na qual nominativo e dativo sejam de uma mesma categoria.
Assim, para restringir que tipo de traços entram na formação de uma categoria
morfológica complexa, o autor (op.cit.:226) propõe a seguinte restrição:
(15)
Morphological Feature Constraint (MFC)
Each of the features proposed to define morphological categories must have
motivation independent of the morphological form it is meant to describe.77
Em outras palavras, um traço estipulado para definir uma categoria morfológica,
como caso78, por exemplo, deve ter uma motivação que não seja morfológica (ou seja,
77
Tradução aproximada:
(15) Restrição Morfológica de Traço
Cada traço proposto para definir morfologicamente categorias deve ter motivação independente
da forma morfológica que descreve.
114
deve ter uma motivação sintática ou semântica, por exemplo). Assim, uma categoria
como pessoa pode ser caracterizada semanticamente, com traços como [speaker,
hearer]. Mas, por outro lado, uma caracterização semântica para dativo ou genitivo
parece não ser acessível. Assim, uma decomposição das tradicionais categorias casuais
em traços geralmente leva em conta noções vagas, que passeiam pela sintaxe e pela
semântica. Um exemplo disso é a motivação proposta por Halle e Vaux (1997:5):
The feature specification [-oblique] is assigned to nominals that are
arguments of the verb; [+oblique] is assigned to nominals that are not
arguments of the verb. The feature [-structural] is assigned to nominals on
non-structural, semantic grounds; [+structural] is assigned to nominals on the
basis of their position in the syntactic structure, exclusively. The feature [superior] is assigned to nominals in governed positions in the syntactic
structure; [+superior] is assigned to nominals in non-governed positions. [free] is assigned to nominals with a consistent role in argument structure;
[+free] is assigned to nominals whose role in argument structure varies.79
Segundo McFadden, o esforço dos autores em caracterizar os traços de caso
reflete o fato de que tais traços não podem ser estipulados puramente por categorias
morfológicas, mas há pelo menos uma tentativa de relacioná-los aos contextos sintáticosemânticos em que aparecem. Assim, o autor adota uma versão mais forte da MFC:
(16)
Morphological Feature Constraint (final version)
78
O termo caso está sendo grafado com inicial minúscula por McFadden por se tratar de uma análise de
categorias morfológicas, o que não impede, como será mostrado mais adiante, que esta proposta seja
abstraída e possa ser aplicada sintaticamente.
79
Tradução aproximada:
“A especificação de traço [-oblíquo] é atribuída a nominais que sejam argumentos do
verbo; [+oblíquo] é atribuído a nominais que não são argumentos do verbo. O traço [estrutural] é atribuído a nominais em posição não-estruturais/semânticas; [+estrutural] é
atribuído a nominais com base em sua posição na estrutura sintática, exclusivamente. O
traço [-superior] é atribuído a nominais em posição de regência na estrutura sintática;
[+superior] é atribuído a nominais em posição de não-regência. [-livre] é atribuído a
nominais com um papel consistente na estrutura argumental; [+livre] é atribuído a
nominais cujo papel na estrutura argumental varia.”
115
The positing of a particular feature to handle patterns of morphological form
must be accompanied by an explicit theory of its distribution in
syntactic/semantic terms.80
(MCFADDEN, 2007:228)
Em outras palavras, se um traço [-oblíquo] for estabelecido para dar conta do
sincretismo nominativo/acusativo, por exemplo, deve-se também formular as regras de
sua atribuição81. Ainda, os traços que compõem uma categoria são independentes uns
dos outros. Isso pode esclarecer a maneira com que os casos são atribuídos a DPs ao
mesmo tempo em que se estabelecem os padrões de sincretismo.
Segundo McFadden, um dos fenômenos para os quais esse raciocínio é útil é o
chamado caso default. Em línguas com um sistema morfológico de caso, há
normalmente um caso que opera como default, aparecendo onde nenhum outro pode ser
atribuído. Nos contextos de deslocamento à esquerda, por exemplo, é esperado que o
DP deslocado compartilhe o caso do elemento com o qual ele é co-referente, mas, às
vezes, essa concordância falha e um caso default aparece (cf. SCHÜTZE, 2001).
(17)
a. Me,
I like beans.82
Me.ac, eu gosto feijões
“Eu, eu gosto de feijões”
b. Der/
*Dem Hans, mit dem
(inglês)
spreche ich nicht mehr.
O.nom/*o.dat Hans com ele.dat falo
eu não mais
“Hans, eu não falo com ele nunca mais”
c.Strákarnir,
við
Garotos.os.nom com
á hafði aldrei
(alemão)
verið talað.
eles.ac tiveram nunca falado
“Os garotos, nunca se conversou com eles”
(islandês)
80
(16) Restrição Morfológica de Traço (versão final)
A inclusão de um traço particular para lidar com padrões de formas morfológicas deve ser
acompanhada por uma teoria explícita de sua distribuição em termos sintáticos/semânticos.
81
O autor faz uso do termo atribuição (assignment) indiscriminadamente uma vez que não é definido no
estudo um mecanismo sintático de verificação dos traços lá definidos. Desta forma, manterei a
terminologia do autor, fazendo menção a alguma diferença teórica quanto ao termo quando necessário.
82
Exemplos extraido de McFadden (2007:229).
116
Em inglês, a forma acusativa é a que desempenha a função default, aparecendo
em posição de tópico, enquanto em alemão e islandês, esse papel é desempenhado pela
forma nominativa.
Para se estabelecer uma teoria para o caso default, uma das questões que devem
ser levadas em conta é como se prediz qual caso será o default em uma dada língua. O
status default, segundo McFadden, é uma característica da categoria de caso e não de
uma forma específica que o realiza. Por exemplo, em alemão, nominativo seria a
categoria default e não a forma der (o.masc.sing.nom), ou ich (eu.nom). O autor nota
que, ao observar os exemplo em (16), fica claro que em todas as línguas citadas, exceto
o inglês, o caso default é o nominativo. Para McFadden, a chave para entender caso
default está em reconhecer sua relação com o caso estrutural de uma dada língua. A
idéia (de alguma forma óbvia) é que se pode generalizar sobre a aparição do nominativo
como o caso estrutural independente e como o default.
Assim, McFadden captura a
idéia de caso default como segue:
(18) Default case is not the case that is assigned when other cases fail, but the
actual lack of case.83
O autor afirma, entretanto, que
this is not meant in the morphophonological sense that default case is the lack
of an overt case-marker. Though the nominative is unmarked in this sense as
well in many languages where it is the default, in others it is associated with
an overt formal expression […]. Instead, it is a morphosyntactic statement,
regarding the determination of the case categories.84
(MCFADDEN, 2007:232)
Categorias como “nominativo” não possuem uma realidade substantiva, mas
surgem da combinação de traços (binários, segundo o autor) mais primitivos. Assim, o
83
Tradução aproximada:
(18) Caso default não é o caso que é atribuído quando outros casos falham, mas a real ausência de caso.
84
Tradução aproximada:
isso não significa, no sentido morfofonológico, que caso default é a ausência de um
marcador realizado de caso. Apesar de o nominativo ser não marcado neste sentido,
como em muitas línguas onde ele é o defaut, em outras, ele está associado a uma
expressão formal realizada [...]. Em vez disso, isso seria uma declaração
morfossintática, reservando-se a determinação de cada categoria de caso.
117
que de fato é atribuído a um DP são esses traços mais primitivos, independentemente.
McFadden estabelece também o mecanismo de marcação dos traços (cf. MCFADDEN,
id.:233):
•
se um traço é estritamente binário, há essencialmente apenas uma regra de
atribuição para cada um;
•
a marcação relativa do valor de um traço é derivada e não estipulada;
•
o valor marcado (positivo) é aquele atribuído quando o DP encontra as
condições específicas para tal, e o não marcado (negativo), quando isso não se
dá;
Dessa maneira, “nominativo” em línguas como o alemão é o nome para a
categoria definida quando todos os valores dos traços de caso são não marcados, ou
seja, aquela que emerge em DPs cujas regras de atribuição dos traços de caso falham em
sua aplicação.
Com base nisso, para distinguir as duas categorias estruturais, McFadden propõe
o traço [inferior], cuja atribuição segue a seguinte regra (cf. MCFADDEN, id.:234):
(19)
Assign [+inferior] to a DPi iff
a. There is a DPj within the same phase, and
b. DPj c-commands DPi, and
c. DPj does not bear a non-structural case.85
Assim, o “nominativo” passa a ser visto como a categoria casual maximamente
não marcada numa dada língua, sem restrições em sua ocorrência. Em outras palavras, o
“nominativo” é a ausência da atribuição de outros casos, e não o caso atribuído quando
a atribuição dos outros falha.
McFadden observa, entretanto, que o inglês foge a essa regra. O autor aponta o
fato de o inglês possuir um sistema de caso estrutural diferente do alemão e que a
85
Tradução aproximada:
(19) Atribuir [+inferior] ao DPi sse
a. Existe um DPj dentro da mesma fase, e
b. DPj c-comanda DPi, e
c. DPj não carrega um outro caso não-estrutural.
118
alternância entre os dois casos estruturais não se dá na aplicação de uma regra como a
de (19) acima. A explicação, segundo o autor, para o que acontece com o inglês
depende da adjacência. Nos exemplos em (20) abaixo, o “nominativo” só é possível
para os pronomes maximamente próximos ao T finito. Se algum elemento intervém
entre o pronome e o T finito, a forma oblíqua aparece. O autor ressalta o fato de que o
que acontece em inglês é que é o “nominativo” que aparece sob condições especiais e,
assim, é mais marcado, sendo a forma “acusativa” a default.
(20)
a. I am vulgar.
Eu sou vulgar
b. The real me
is vulgar.
O real me.obl é vulgar
Entretanto, o PB apresenta um sistema casual semelhante ao do inglês e,
contrariamente, apresenta o “nominativo” como forma default:
(21)
a. Eu sou vulgar.
b. O verdadeiro eu é vulgar.
Ainda, em PB, a forma “nominativa” do pronome aparece em posições onde não
há nenhuma relação de localidade com um T finito:
(22)
a. Ela deu um presente pra eu.
b. Você não tinha falado com eu.
c. Ela puxou na cabeça deu.
Como já mostrado anteriormente, todas as ocorrências em (22) possuem uma
outra paralela, com formas oblíquas, em (23):
(23)
a. Ela deu um presente pra mim.
b. Você não tinha falado comigo.
c. Ela puxou na minha cabeça.
119
McFadden estende sua proposta para os casos oblíquos do alemão. O autor,
analogamente ao que faz para os casos estruturais, propõe [oblique] como o traço
distintivo para as categorias oblíquas. Entretanto, o autor afirma que todo P atribui
[+oblique] ao seu complemento. A solução, portanto, é a adoção de mais um traço, o
[genitive]. Tal traço é altamente restrito: somente preposições genitivas podem atribuílo. Há uma gradação quanto à relação entre a atribuição dos traços oblíquos e suas
respectivas formas: na ausência de um traço especificador, como [+genitive],
automaticamente, o DP assumirá a forma imediatamente menos especificada. Assim, se
um DP tradicionalmente genitivo deixa de receber o traço [+genitive], ele assumirá a
forma de um DP dativo, mantendo, porém, sua interpretação genitiva. O dativo surge,
pois é a opção menos marcada entre os oblíquos.
A análise de McFadden é um aprimoramento no que diz respeito ao sincretismo
encontrado em alguns casos morfológicos em línguas como o alemão. O autor estende
sua análise também a línguas como o inglês, que não possuem caso morfológico além
do que é capturado em seu paradigma pronominal. Entretanto, ao apontar a diferença
existente entre caso morfológico e Caso abstrato, cuja função está ligada ao
licenciamento do DP, o autor não explica como se dá a verificação dos traços que
definem tais casos morfológicos. Além disso, a análise não prediz a alternância entre
formas estruturais (nominativo e acusativo) e oblíquas (dativo, genitivo), o que
acontece, por exemplo, em PB (cf. ex. (22) e (23)).
McFadden também lança mão de traços binários para a formulação de sua
proposta. Como já discutido na seção 3.3.2 do capítulo anterior, a adoção de traços
binários traz consigo uma série de problemas. Da mesma forma que para os traços φ,
assumo, portanto, que os traços de Caso devem ser dispostos geometricamente, a fim de
simplificar o seu mecanismo de valoração, como será visto a seguir.
120
5.4 Uma teoria para a subespecificação de Caso
5.4.1 Deficiência e subespecificação
No capítulo 3, ao defender a idéia de pronome como sendo o resultado de uma
composição de traços, aponto que deficiência (ausência de um certo traço), como
definido abaixo, é responsável pela distribuição do pronome.
(24)
Um pronome é deficiente se carece pelo menos de um traço.
Esta noção de deficiência, que é uma adaptação da noção estabelecida por
Cardinaletti & Starke (1999) para a classe de pronomes que compreende pronomes
fracos e clíticos, é semelhante àquela de categoria default, explicitada por McFadden
(2007) e também a de subespecificação. Assim, um elemento default é aquele que
apresenta sua forma maximamente subespecificada. Por exemplo, levando-se em conta
a decomposição estabelecida no capítulo 3 para a categoria pessoa, nos pronomes
pessoais em PB, o elemento maximamente subespecificado para esta categoria seria a 3ª
pessoa, visto que esta apresenta em sua composicionalidade um número
consideravelmente menor de traços em comparação às outras pessoas pronominais:
121
(25)
1ª pessoa:
a. Definido
R
#
π
3
PART
#
SPEAKER
D
3
SPECIFIC DEFINITE
b. Arbitrário
R
#
π
3
PART
#
SPEAKER
D
2ª pessoa:
(26)
a. Definido
R
#
π
3
PART
D
#
3
ADDRESSEE SPECIFIC DEFINITE
b. Arbitrário
R
#
π
3
PART
D
#
ADDRESSEE
(27)
3ª pessoa:
R
#
122
π
#
D
...
Observe que a 3ª pessoa é caracterizada apenas pelos traços primários da
categoria pessoa: [π], que domina e representa a categoria pessoa86, e [D], elemento
básico que define um nominal como tal. Assim, podemos dizer que a terceira pessoa é
maximamente subespecificada para a categoria pessoa, pois apresenta o número mínimo
de traços que identifica esta categoria como tal. Não por acaso, a terceira pessoa tem um
uso muito mais abrangente do que outros pronomes mais especificados para a categoria
pessoa, o que também caracteriza uma categoria default, segundo McFadden. É o que
acontece em línguas como o inglês, por exemplo, onde o elemento pronominal menos
marcado para pessoa (it) exerce a função de expletivo, elemento cuja única função na
sentença é preencher a posição sujeito e não deve ter conteúdo informacional, como
pode ser visto em (28):
(28)
It
rains.
Expl. chove
O mesmo ocorre no francês, onde o elemento expletivo recebe a mesma forma
do pronome de terceira pessoa masculino singular87:
(29)
Il
pleut.
Expl. chove
86
Aparentemente, pareço me distanciar aqui da noção de não-pessoa para a 3ª pessoa (BENVENISTE,
1976). Na geometria proposta no capítulo 3, sugiro que o que antes era determinado por uma categoria
geral de pessoa agora é determinada por traços atômicos. Assim, nesta geometria, o que caracterizaria a 3ª
pessoa como a não-pessoa seria a ausência de certos traços referênciais discursivos, como [SPEAKER] e/ou
[ADDRESSEE]. O traço π, presente em todos os pronomes pessoais, não carrega nenhuma informação
quanto a essas categorias atômicas, resguardando-se, portanto, a noção de não-pessoa.
87
Podemos ver em (29) uma evidência também para a especificação de traços estabelecida para a
categoria gênero, no PB: a categoria gênero só é especificada para o traço [FEMININE] em PB (cf. 3.4.3), o
que aparentemente pode ser generalizado para o francês, visto que il é a forma menos especificada nesta
língua, aparentemente não carregando nenhuma marca também para gênero, o que permite sua função
expletiva.
123
Portanto, a 3ª pessoa seria a forma default, ou, na terminologia adotada aqui,
maximamente subespecificada, para a categoria pessoa. A definição de um elemento
maximamente subespecificado, portanto, é a seguinte:
(30) Um elemento é maximamente subespecificado se apresenta em sua
composição apenas o(s) traço(s) que define(m) sua categoria mais geral, i.e.
seu(s) traço(s) minimamente distintivo(s).
Assim, podemos dizer que, para o PB, a 3ª pessoa é a forma pronominal
maximamente subespecificada para a categoria pessoa pois apresenta apenas os traços
minimamente distintivos para esta categoria ([π] e [D]). Singular é a forma
maximamente subespecificada para a categoria número, uma vez que a pluralidade
necessita de uma especificação maior do que 1, pelo menos em PB (um elemento não
singular deve conter [#[GROUP]]). Já o masculino é a forma maximamente
subespecificada para a categoria gênero, já que a forma feminina exige a especificação
do traço [FEMININE], como discutido em 3.4.3, acima.
Assumo a mesma hipótese para Caso. Como mostrado por McFadden, o caso
default não é o que aparece em detrimento de outro, mas, na verdade, ele é a ausência
mesma de caso. É importante ressaltar que isso é proposto incialmente para caso
morfológico em línguas como o alemão. Mas essa generalização pode ser ampliada e
aplicada a Caso abstrato, como o faz o autor para o inglês. Distancio-me do autor,
entretanto, em dois pontos cruciais: a) no que diz respeito à total ausência de Caso nas
línguas, pelo menos nas de caso pobre, nos termos de Nichols (op.cit), e b) em relação à
adoção de uma teoria de traços binários.
É importante reiterar a diferença entre caso morfológico e Caso abstrato para o
autor. Para ele, Caso abstrato nada tem a ver com caso morfológico, sendo aquele uma
relação sintática para o licenciamento do DP e este um fato puramente morfológico,
ambos sem conexão aparente.
Retomando a discussão sobre deficiência, o status default a que McFadden se
refere pode ser otimamente representado geometricamente88. A adoção de uma
88
Aparentemente, nada impede que uma geometria de traços seja representada binariamente, sendo os
traços presentes na geometria aqueles com valor positivo num modelo binário. Entretanto, o contrário não
é verdadeiro, uma vez que a representação geométrica de uma estrutura de traços binários não é possível,
124
geometria de traços para Caso que respeite uma dependência estrutural, como propõe
Harley & Ritter (2002), simplifica consideravelmente as condições estabelecidas por
McFadden para os elementos default. Assim, a subespecificação de traços de Caso se dá
naturalmente apenas pela ausência de traços, cujos valores serão sempre positivos, uma
vez que traços negativamente marcados não são representados. A adoção de uma teoria
de traços estruturalmente dependentes elimina a necessidade de se estabelecer regras de
atribuição dos traços também pelo fato de apenas traços com valor positivo fazerem
parte da representação geométrica.
Portanto, diferentemente de McFadden, adoto uma geometria para Caso,
coerente com aquela adotada para os traços φ, cujo mecanismo de verificação segue o
mesmo padrão daquele para os traços φ proposto anteriormente. Sendo os traços de
Caso também traços formais, eles respeitam as mesmas condições estipuladas acima
para os outros traços φ. Caso segue, portanto, as mesmas condições estruturais que os
outros traços formativos do pronome: a) traços de Caso são monovalentes e apenas
aparecem se possuem valor positivo; b) traços de Caso respeitam uma dependência
estrutural (acarretamento).
5.4.2 Uma geometria para Caso
Observando os dados apresentados no capítulo 2, é possível estabelecer quais
são traços de Caso presentes em PB. Como mencionado anteriormente, os pronomes
pessoais apresentam comportamento peculiar em PB. Um sincretismo generalizado
aparece no paradigma pronominal desta língua: a forma nominativa é a forma
predominante em todas as pessoas, como pode ser visto no quadro apresentado em (7)
no capítulo 2, repetido abaixo em (31):
(31)
Nom
Paradigma pronominal em PB
Ac
Dat
Abl
Gen
pois traços negativos, que são determinantes numa representação binária, feririam as condições de
acarretamento.
125
1sg Eu
Me/eu
Me/mim/eu
Comigo/eu
Meu[s](minha[s])
/deu/de mim
2sg Você/tu
Você/tu/te/lhe você/tu/te/ti/lhe Contigo/você Seu[s](sua[s])
/teu[s](tua[s])
3sg Ele(ela)
Ele(ela)/se
Ele(ela)/lhe
Dele(dela)
Ele(ela)
1pl Nós
Nos/Nós
Nos/nós
Conosco/nós De nós
/a gente
/da gente
/a gente
/a gente
/a gente
2pl Vocês
De vocês
Vocês
Vocês
Vocês
3pl Eles(elas) Eles(elas)/se Eles(elas)/lhe
Deles(delas)
Eles(elas)
Em (31), os pronomes em sua forma nominativa (em negrito) são possíveis em
quase todas as posições Casuais89. Ao mesmo tempo, algumas pessoas ainda apresentam
formas casuais específicas (me, mim, meu, minha, comigo, te, ti, lhe, contigo, conosco
etc.). Outras, entretanto, apesar de mais específicas, podem ocorrer como representantes
de mais de um Caso (e.g. mim, me, lhe), enquanto outras são restritas a determinados
Casos e não ocorrem senão para representá-los (e.g. se, comigo, conosco, meu, sua).
Esta hierarquia pode ser explicada a partir da decomposição das funções Casuais desses
pronomes. Nas palavras de McFadden (2002:226),
there are two distinct motivations for a [case] feature-decomposition account
of syncretism. One is that it permits a simpler description of specific patterns
of syncretism in specific languages. The other is that it can potentially be
used to explain more generally why certain kinds of syncretism actually
occur and others do not – within and across languages.90
Uma caracterização dos traços componentes para Caso não é uma tarefa fácil,
principalmente em uma língua casualmente pobre, como o PB. Assim, parto da
concepção histórica da herança dos casos latinos no paradigma pronominal do
português para definir que traços de Caso são relevantes nesta língua. Como pode ser
observado no quadro (31) acima, existem cinco Casos relevantes para o sistema
pronominal em PB: nominativo, acusativo, dativo, ablativo e genitivo. Nominativo e
89
A aparente exceção ocorre com as formas genitivas de segunda pessoa do singular. Entretanto, a
ocorrência de de tu/de você como formas genitivas (possessivas) é uma possibilidade em PB, apesar de
ligeiramente marginal.
90
Tradução aproximada:
Há duas motivações distintas para uma proposta de decomposição de traços de caso
para o sincretismo. Uma é que isso permite uma descrição mais simples dos padrões
específicos de sincretismo em línguas específicas. A outra é que isso pode ser
potencialmente usado para explicar de forma mais geral por que certos tipos de
sincretismos de fato ocorrem e outros não – intra e interlingüisticamente.
126
acusativo são os Casos tradicionalmente designados ao sujeito e ao objeto direto,
respectivamente. Estes Casos são estabelecidos nas relações entre o verbo e seus
argumentos. Os Casos restantes são denominados Casos oblíquos, pois não estão
diretamente ligados à argumentação verbal. Como será visto mais adiante, os chamados
Casos estruturais não possuem uma especificação de traços, pois estão intrinsicamente
ligados ao licenciamento do DP (como defendido por MCFADDEN (2004; 2007) e sua
interpretação depende tão somente de onde o DP teve seus traços formais validados. Já
os Casos oblíquos possuem traços específicos pois seu licenciamento não depende de
nenhum outro traço formal presente no DP (tais como os traços φ). Assim, uma
tipologia dos traços de Caso para o PB deve levar em conta somente aqueles que
determinam uma especificação do DP pronominal, i.e. os oblíquos.
Diferentemente dos traços estipulados anteriormente para as categorias
semântico-discursivas, traços de Caso não possuem conteúdo semântico intrínseco.
Como lembra McFadden (2007), os traços formativos de Caso devem ser derivados das
relações sintático-semânticas de que participam. Então, por exemplo, a estipulação de
um traço [OBLÍQUO] deve levar em conta em que condições sintáticas e semânticas ele
pode aparecer, mas não de seu conteúdo semântico.
Adoto a representação em (32) como sendo a representação geométrica de Caso
em PB:
(32)
C
#
OBLÍQUO
3
GENITIVO ABLATIVO
A
Assim, os traços relevantes para uma configuração geométrica de Caso em PB
são descritos abaixo:
a) [C]: este traço representa a categoria Caso, analogamente a [π], para
pessoa e [#], para número. [C] é o traço minimamente distintivo para
Caso. Um nominal maximamente subespecificado para Caso deve
possuir apenas o traço [uC].
127
b) [OBLÍQUO]: a presença de [OBLÍQUO] distingue DPs que podem
aparecer em posição de argumentos do verbo daqueles que são
complementos de um P ou de um D. A presença deste traço determina
que o domínio de valoração dos traços de Caso do DP deve ser um PP
(oblíquos em geral e ablativo) ou um DP (genitivo). Desta forma
[OBLÍQUO] pode também ser visto como uma (sub)categoria distintiva
dentro de Caso, pois sua presença restringe o domínio de verificação dos
traços de Caso.
c) [GENITIVO]: este traço determina que um nominal tem seu domínio de
valoração de traços dentro do DP. Em PB, a presença deste traço
identifica o DP como possessivo, visto que esta é a única possibilidade
de Caso que tem o DP como domínio de valoração.
d) [ABLATIVO]: este traço é altamente restritivo, uma vez que determina
que o DP só pode valorar seus traços em um P específico: com. Assim, o
portador deste traço sempre aparecerá como dependente desta
preposição. [ABLATIVO] é essencialmente um traço dependente de
[OBLÍQUO] por ser sempre dependente de um P.
Gostaria de propor que os traços [ABLATIVO] e [GENITIVO] sejam mutuamente
exclusivos no sentido de que a presença de um inibe a presença do outro no alvo. Isto é
justificado pelo fato de representarem contextos sintáticos distintos e determinarem não
só a distribuição e realização dos DPs oblíquos, mas também a especificação máxima de
elementos funcionais que os carregam. Assim, um elemento que carregue o traço
[ABLATIVO] sempre será realizado como a preposição com em PB. Já o traço [GENITIVO]
é exclusivo do domínio do DP.
Essa representação de traços para Caso permite uma leitura mais simplificada
do fenômeno do sincretismo no sistema pronominal em PB: quanto menos especificado
para Caso for o pronome, mais abrangente é sua distribuição. Assim, assumo com
McFadden que o forma nominativa do pronome é a que apresenta uma distribuição
quase irrestrita porque é a que representa uma configuração de traços maximamente
subespecificada. Portanto, em PB, todas as formas em negrito no quadro em (31) podem
aparecer representando praticamente qualquer função Casual na sentença pois sua
128
estrutura de Caso é maximamente subespecificada, apresentando apenas o traço [C]. A
representação dos outros pronomes em PB de acordo com seus traços de Caso vai
depender do mecanismo de valoração de seu traços, o que será abordado a seguir.
5.4.3 Condições para valoração dos traços de Caso
As condições para a valoração dos traços de Caso seguem os mesmos
pressupostos teóricos daquelas definidas para a valoração dos outros traços formais
durante a derivação e que já foram apresentadas para estes no capítulo anterior. Para os
traços φ, a operação Agree torna inertes, nos termos de Frampton & Gutmann (2000),
traços formais ilegíveis durante o mecanismo de valoração de traços de um elemento
funcional (sonda) por traços formais do mesmo tipo de um núcleo nominal (alvo). Já
para Caso, há uma inversão de papéis. Para os traços φ, o elemento que carrega os
traços valorados é o DP, que deve encontrar as condições favoráveis no núcleo
funcional com o qual estabelecerá concordância para, então, valorar os traços deste até
então não valorados. Em relação a Caso, é o DP que possui traços ilegíveis que
precisam ser valorados.
Também, da mesma forma que para os traços φ, uma teoria de concordância
baseada em subespecificação de traços de Caso implica adaptações do tradicional
conceito de Agree (cf. CHOMSKY, 1999a). Assumo com Chomsky (1999a) que o que
ativa a operação Agree são traços não valorados que entram na derivação. Uma vez que
pelo menos um traço formal entra na derivação, ele determina que a opreação Agree
deve ser acionada para que este traço seja desativado (ou seja, valorado). Assim, por
exemplo, numa derivação onde um DP entra no espaço de sondagem de um T finito, são
os traços φ não valorados deste T que ativam o mecanismo de concordância.
Objetivamente, as condições para match dos traços φ são suficientes para que também
as condições de valoração dos traços de Caso operem nos contextos estruturais. Os
elementos que participam do processo de valoração dos traços de Caso do DP já
estabeleceram match para os traços φ, não sendo necessária uma segunda avaliação de
tais elementos. Segundo Chomsky (1999:4), “Case itself is not matched, but deleted
under matching of φ-features”.91 Já para os DPs que estabelecerão concordância com
91
Tradução aproximada: “Caso por si só não procura compatibilidade, mas é deletado através da
compatibilidade dos traços φ”.
129
elementos que não possuem traços φ não valorados, basta que eles possuam pelo menos
um traço de Caso não valorado para que Agree seja ativado.
As condições para value dos traços de Caso, então, seguem aquelas
estabelecidas para value dos traços φ. Match apenas identifica pares sonda-alvo
potenciais. Potencialmente, como já dito anteriormente, concordância é a transmissão
dos valores dos traços interpretáveis de um alvo para uma sonda cujos traços são não
interpretáveis, portanto ativos. Value aqui é concebido como a cópia do rótulo que o
traço interpretável carrega. Portanto, assumo a mesma generalização de Béjar (2003)
para a valoração dos traços φ:
Goal values Probe iff feature of Goal entail features of Probe.92
(33)
Portanto, os traços do alvo devem ser um super-conjunto dos traços da sonda,
i.e. P ≤ G. A valoração dos traços de Caso se dá simultaneamente à dos traços φ e é a
leitura do resultado desta valoração conjunta que gera as diferentes formas do pronome
em PF. Desta forma, por exemplo, os resultados previstos para a valoração dos traços de
Caso para os pronomes de 1ª pessoa do singular, em PB, são os seguintes93:
(34)
Possíveis outputs das formas casuais dos pronomes de primeira pessoa do
singular
a.
92
Cf. nota de rodapé 67.
Os mesmos tipos de outputs são previstos para as outras pessoas, dependendo do resultado da valoração
dos traços φ.
93
130
[F] Probe
[F’] Goal
[uC]
[uC]
[uC]
[uC]
[C]
[C[OBL]]
[C[OBL[ABL]]]
[C[OBL[GEN]]]
[F] Probe
[F’] Goal
[uC[OBL]]
[uC[OBL]]
[uC[OBL]]
[uC[OBL]]
[C]
[C[OBL]]
[C[OBL[ABL]]]
[C[OBL[GEN]]]
FORMA
EU
EU
EU
EU
b.
FORMA
*
MIM
OK
OK
c.
[F] Probe
[F’] Goal
[uC[OBL[ABL]]]
[uC[OBL[ABL]]]
[uC[OBL[ABL]]]
[uC[OBL[ABL]]]
[C]
[C[OBL]]
[C[OBL[ABL]]]
[C[OBL[GEN]]]
[F] Probe
[F’] Goal
[uC[OBL[GEN]]]
[uC[OBL[GEN]]]
[uC[OBL[GEN]]]
[C]
[C[OBL]]
[C[OBL[ABL]]]
[uC[OBL[GEN]]]
[C[OBL[GEN]]]
FORMA
*
*
MIGO
*
d.
FORMA
*
*
*
MEU/
MINHA
Assim, como mencionado acima, a forma nominativa é aquela que menos traços
de Caso possui em sua composição. Desta forma, similarmente ao alemão, as formas
nominativas em PB são as maximamente subespecificadas (ou categorias default, na
terminologia de McFadden) pois apresentam apenas o traço [uC], não interpretável, em
sua estrutura e, assim, podem assumir qualquer posição na sentença, pois os alvos
potenciais para Caso terão no mínimo a mesma especificação. Por exemplo, um DP
especificado apenas com o traço [uC] e que valore este traço em T, só encontrará um
traço [C] e, portanto, resultará numa forma nominativa sempre. Já um DP especificado
com os traços [uC[OBL]], mesmo que, ignorando-se os meios para tal, termine por
alcançar T para ter seu traço valorado, terá como resultado a forma nominativa do
131
pronome, pois apenas os traços que são identificados e valorados estão disponíveis para
PF.
5.4.4 Da valoração à realização do Caso
Como visto acima, os tradicionais Casos estruturais são na verdade apenas o
reflexo de certas operações sintáticas que têm que lidar com subespecificação de alguns
traços no processo de concordância. Como o próprio Chomsky (1999a:4) afirma, “[...]
[s]tructural Case is not a feature of the probe (T, v), but it deletes under agreement if the
probe is appropriate […]”.94 Portanto, a realização de um DP em sua forma
“nominativa” será determinada pela valoração do traço de Caso deste DP em um T, cuja
especificação para Caso será sempre [C]. A configuração de concordância entre DP
pronominal de 1ª pessoa do singular e um T finito (φ completo) é como em (35)95:
(35)
T
3
[uπ] [u#]
v
[C]
3
[R≡1ªsg]
[uC]
…
Em (35), os traços φ não valorados de T rastreiam um possível alvo em spec,v.
A configuração dos traços φ do DP indicam que há possibilidade de interseção com os
traços φ de T, condição que estabelece match entre estes elementos. Estando match
estabelecido, é possível verificar as condições para value. Estabelecidas as condições
para value, tanto dos traços φ quanto para os de Caso, os traços φ de T e os de Caso do
DP são valorados e permanecem inertes até spell-out.
Para o contexto “acusativo”, a configuração geradora do DP pronominal é como
em (36):
(36)
v
94
Tradução aproximada: “Caso estrutural não é um traço da sonda (T,v), mas deletado sob concordância
se a sonda é apropriada [...]”.
95
Por uma questão visual, limito-me a apresentar os nós raízes para determinar as árvores de traços φ para
os elementos. [R] representa a configuração indicada por (≡) para os DPs pronominais no capítulo 3. Já o
nó [π] de T, da mesma forma que para v, domina o traço [D], que engatilha movimento. As setas indicam
a direcionalidade da valoração dos traços. As conseqüências da adoção desta configuração vão além do
escopo deste estudo e não serão tratadas aqui.
132
3
[uπ] [u#]
[C]
V
3
[R≡1ªsg]
[uC]
O processo de valoração de traços é idêntico ao de (35). Um aparente problema
surge para o contexto acusativo pois esta configuração pode gerar dois outputs: um
clítico (e.g. me) e outro não clítico (e.g. eu). Isto é resolvido se adotarmos, juntamente
D&W (2002) que clíticos não possuem a camada D, na terminologia das autoras.
Assim, a ausência do traço [D] sob [π], num contexto acusativo, geraria um elemento
clítico, enquanto sua presença seria responsável por um elemento R. Portanto, não há
distinção entre formas Casuais “estruturais”. Há apenas uma distinção entre elementos
clíticos e não clíticos, como apontado no capítulo 2, quadro (9), repetido abaixo em
(47):
(47)
Pronomes disponíveis em PB
clíticos
Não-clíticos
1sg
Me
Eu/mim
2sg
Te/lhe
Você/tu
3sg
Se/lhe
Ele(ela)
1pl
Nos
Nós/(a gente)
2pl
-
Vocês
3pl
-
Eles (elas)
A realização dos Casos oblíquos, os “inerentes” na terminologia tradicional, é
um pouco mais exigente. No que tange aos traços φ do DP que entra em uma
configuração oblíqua, Agree para tais traços não opera uma vez que não há traços não
interpretáveis desse tipo. Apenas traços de Caso são sondados para ativar concordância.
Assim, os alvos potenciais dos traços não valorados de Caso do DP são P e D. No que
diz respeito aos traços de Caso, P e D serão sempre mais especificados que outros
núcleos funcionais. P e D são alvos potenciais para qualquer DP especificado com pelo
133
menos o traço [OBLÍQUO] não valorado. Da mesma forma que para os traços de Caso
valorados numa configuração estrutural, a leitura dos DPs oblíquos dependerá de onde
seus traços de Caso serão valorados. Assim, qualquer DP pronominal que tenha seus
traços de Caso valorados por P deverá ter pelo menos a mesma especificação de traços
de P para que a valoração de seus traços ocorra. Da mesma maneira que para os traços
φ, a valoração dos traços de Caso deve operar pela interseção dos traços do alvo pela
sonda. Em outras palavras, um DP pronominal que seja especificado com os traços
[uC[OBL]] precisa encontrar um alvo que tenha pelo menos estes mesmos traços para que
match opere e a valoração seja efetuada.
Portanto, uma possível configuração para valoração de traços no domínio de P
pode ser vista em (37b), estrutura responsável pelo PP em (37a):
(37)
a. /com eu/
b. P
3
P
3
R
[C[OBL[ABL]]]
[π≡1sg]
[uC]
Os traços de Caso da sonda (P) são um super-conjunto dos traços não
interpretáveis do pronome (R), o que determina a condição mínima para o sucesso da
valoração. Um P que possua especificação para o traço [ABLATIVO] sempre será
realizado como com. É como se este fosse um elemento dummy, cuja realização indica a
presença do traço [ABLATIVO] em P. Já sua potencial sonda não segue necessariamente
esta super-especificação, como pode ser visto em (38):
(38)
a.
PP
comigo
3
P
3
[C[OBL[ABL]]]
R
[π≡1sg]
[uC[OBL[ABL]]]
134
b.
comigo96
PP
3
P
3
[C[OBL[ABL]]]
c.
R
[π≡1sg]
[uC[OBL]]
PP
com eu
3
P
3
[C[OBL[ABL]]]
R
[π≡1sg]
[uC]
A composição de traços de Caso para cada elemento R segue o mesmo padrão
de subespecificação e isso determina sua forma/função.
5.4.4.1 Caso e o domínio do DP
O DP que tem seu(s) traço(s) de Caso valorado(s) em D, será interpretado como
genitivo, independentemente de sua realização. De acordo com Abney (1987), a
estrutura do DP é semelhante à da sentença. Um elemento DET é análogo a INFL (T, na
terminologia mais recente).
(39)
DP
3
D
POSS
3
DET
NP
DET é o locus de concordância no domínio do DP. Magalhães (2004) propõe
que o processo de concordância dentro do DP é equivalente ao da sentença também nos
moldes de Agree. Assim, a valoração dos traços dos elementos do DP seria simétrico à
96
A forma comigo é realizada assim pelos motivos expostos na nota de rodapé 10 acima.
135
da sentença. Da mesma forma, assumo que a valoração de Caso proposta para o nível da
sentença opera no domínio do DP. E sendo POSS o responsável pelo licenciamento do
possessivo, é ele que valora [GENITIVO] no nominal.
(40)
DP
3
[C[OBL[GEN]]]
D
3
D
NP
[uC[...]]
A realização do possessivo vai depender de sua estrutura interna, como
defendido aqui. Desta maneira, como DPs não-pronominais em PB não possuem uma
forma Casual específica para diferentes Casos, ou seja, não há uma especificação do
nominal não pronominal para a forma possessiva (nem mesmo uma morfologia própria
indicativa, como o que ocorre no inglês), sua realização será indicada como possessiva
pela inserção de um elemento dummy, a preposição de. Isto é o que ocorre mesmo em
línguas que possuem uma forma específica para o genitivo, como o inglês. Apesar de
nesta língua haver um morfema específico para as relações de posse (‘s), a preposição of
(de) pode desempenhar este papel.
(41)
a. John’s
car
John.gen carro
b.The car of John
O carro de John
Com os pronomes, a realização da forma genitiva segue a mesma tendência: as
formas mais especificadas são estruturalmente mais exigentes. A realização de my
(meu/minha) depende da especificação do conjunto de Caso do DP pronominal. Se este
pronome é especificado para os traços [uC[OBL[GEN]]], então ele gerará a forma my pois
todos os traços são codificados (e valorados) pelo alvo. Mas, se o pronome for
subespecificado para qualquer traço da árvore de Caso, outra forma, menos específica,
aparecerá.
(42)
a.
DP
my
136
3
[C[OBL[GEN]]]
D
3
D
R
[uC[OBL[GEN]]]
b.
DP
3
[C[OBL[GEN]]]
of me
D
3
D
R
[uC[OBL]]
O mesmo ocorre com o PB. Nesta língua, o possessivo pronominal segue uma
hierarquia que pode ser vista nos exemplo em (43):
(43)
a. Ela puxou na cabeça deu.
b. Ela puxou na cabeça de mim.
c. Ela puxou na minha cabeça.
Todas as formas pronominais em (43) têm a mesma leitura possessiva e
possuem a mesma especificação de traços φ. Como dito anteriormente, os traços de
Caso não interferem na interpretação desses elementos em LF, sendo este um recurso
morfossintático. São os traços de Caso, juntamente com os traços φ, que definem as
diferentes formas e posições dos elementos na sentença. Portanto, assumindo a
geometria de traços de Caso em (32) acima, repetida em (44) abaixo, as diferentes
formas em (45) são o resultado da especificação dos diferentes traços de Caso possíveis
em PB para a primeira pessoa do singular.
(44)
C
#
OBLÍQUO
3
A
GENITIVO ABLATIVO
137
(45)
a. Ela puxou na cabeça deu ≡ [C].
b. Ela puxou na cabeça de mim ≡ [C[OBL]].
c. Ela puxou na minha ≡ [C[OBL[GEN]]] cabeça.
A valoração dos traços em cada uma das sentenças vai seguir o mesmo
mecanismo já estipulado acima, mas a diferença residirá em quais traços a sonda terá
valorado. Em (45a), a sonda possui apenas o traço [uC], o qual é valorado pela raiz da
árvore de traços de Caso em spec,D ([C[OBL[GEN]]]). Analogamente, o mesmo ocorre
com as outras sondas em (45b) e (45c), como pode ser visto em (46) abaixo:
(46)
a.
DP
meu/minha
3
[C[OBL[GEN]]]
D
3
D
R
[uC[OBL[GEN]]]
b.
DP
3
[C[OBL[GEN]]]
de mim
D
3
D
c.
R
[uC[OBL]]
DP
de eu
3
[C[OBL[GEN]]]
D
3
D
R
[uC]
O resultado da operação de valoração desses traços é a realização de formas
mais subespecificadas na medida que menos traços na sonda são valorados. Ou seja,
quanto mais traços valorados na sonda, mais específica será a forma.
138
5.5 Sobre Caso nas orações infinitivas encaixadas em PB
Como apontado no capítulo 2, há algumas propostas de análise para a alternância
das formas Casuais eu/mim na posição sujeito de orações encaixadas infinitivas
encabeçadas pela preposição para em PB.
(47)
a. Ela deu o livro para eu ler.
b. Ela deu o livro para mim ler.
Botelho Pereira e Roncaratti (1993) e Salles (2000) oferecem uma análise
baseada na atribuição de diferentes Casos (nominativo ou oblíquo) para as diferentes
formas pronominais. Assim, eu, em (47a), receberia o Caso nominativo de um T
infinitivo, enquanto mim, receberia o Caso oblíquo da preposição para. Como também
apontado no capítulo 2, tais propostas apresentam certa inconsistência, seja pela
afirmação da presença de um elemento atribuidor do Caso nominativo apenas em (47a),
sendo (47b) uma sentença idêntica, seja pela impossibilidade de generalização de tais
propostas quando confrontadas com os exemplos em (48).
(48)
a. Ela deu um presente pra eu.
b. Você não tinha falado com eu.
c. Ela puxou na cabeça deu.
A teoria de Caso apresentada aqui parece ser uma alternativa para lidar tanto
com os dados em (48) quanto com aqueles em (47). Destarte, a presença de eu ou mim
depende tão somente da composicionalidade do pronome que aparece na posição sujeito
de uma oração encaixada e da conseqüente verificação de seus traços. Assumo,
portanto, que, em (47), a variação das formas do pronome de primeira pessoa do
singular é causada pelo processo de valoração dos traços destes pronomes por para, não
havendo necessidade de se apelar para nenhum elemento Casual presente no verbo
infinitivo. Para, da mesma forma que for, no inglês, sofreu um processo de reanálise em
algum momento de seu percurso histórico e consolidou-se na língua como um
complementizador
(cf.
CARVALHO,
2006).
Diferentemente
dos
outros
complementizadores em PB, entretanto, para ainda carrega traços oblíquos, o que
139
possibilita a concordância deste com pronomes mais especificados nesta língua, o que
não ocorre com complementizadores “finitos”, tais como que e se (cf. CARVALHO,
2007).
Ambas as sentenças em (47) têm a mesma configuração e os traços de Caso do
pronome são verificados por P. A variação decorre, portanto, da subespecificação de
traços de Caso do pronome.
(49) a.
CP
para eu
3
para
V
[C[OBL]] 3
V
[π≡1sg] [uC]
3
fazer
b.
CP
3
para
para mim
V
[C[OBL]] 3
[π≡1sg] [uC[OBL]]
V
3
fazer
A possibilidade de flexão do verbo infinitivo nas pessoas do plural, tanto em PB
quanto em PE, pode ser explicada pela presença somente dos traços [π] e [#] no verbo
infinitivo, considerado um elemento nominal, o que não está condicionado à presença
dos traços de Caso. Assim, o infinitivo seria defectivo (nos termos de CHOMSKY
(1999a)) por apresentar apenas traços φ e não traços de Caso, como defende Raposo
(1987) e seus seguidores. Mesmo dentro da categoria de T defectivo há a possibilidade
de uma gradação de deficiência. Isso justifica inclusive a possível variação existente
entre as formas flexionadas e não flexionadas dos infinitivos verbais em português. As
formas não flexionadas seriam as maximamente subespecificadas, não carregando
traços para as categorias pessoa e número, enquanto a forma flexionada é especificada
para estes traços.
(50)
a. fazerem
→ [π=3; #=pl]
140
b. fazermos
→ [π=1; #=pl]
c. fazer
→ [π=Ø; #=Ø]
5.6 Sumário
Neste capítulo, procurei desenvolver um mecanismo capaz de lidar com o
fenômeno do sincretismo das formas Casuais dos pronomes, i.e. a realização de uma
mesma forma pronominal em diferentes contextos de Caso. Demonstrei como uma
teoria tradicional de Caso é insuficiente para lidar com tal fenômeno. Uma
decomposição das categorias de Caso é sugerida como uma solução ótima para a
configuração de Caso, levando em conta principalmente evidências de línguas como o
inglês e o PB, que apresentam diferenças Casuais apenas em seus pronomes pessoais.
Caso, portanto, é tratado a partir de uma geometria de traços, nos moldes de Harley &
Ritter (2002), análoga àquela proposta para os traços φ no capítulo 3. Assim, as
categorias de Caso para o PB obedecem à geometria [C[OBL[GEN][ABL]]]. Os traços
[ABLATIVO] e [GENITIVO] são mutuamente exclusivos pois marcam diferentes categorias
funcionais as quais possuem estes traços valorados e são os potenciais alvos dos DPs
que entram num contexto ablativo ou genitivo, respectivamente. Um mecanismo de
valoração destes traços é proposto também análogo àquele proposto para os traços φ no
capítulo 4. Os diferentes outputs pronominais são o resultado deste mecanismo de
valoração.
141
6
Considerações finais
O principal objetivo desta tese foi desenvolver uma análise unificada para o
sincretismo das formas pronominais em Português Brasileiro (PB), em especial aquelas
de primeira pessoa do singular. Foram levados em conta a estrutura interna dos
pronomes e o mecanismo de checagem de seus traços. O fenômeno do sincretismo foi
ilustrado com dados do PB e de outras línguas (inglês, francês, islandês, entre outras)
142
com o intuito de demonstrar que este fenômeno não é uma idiossincrasia do PB, mas
um fenômeno ligado aos módulos universais da gramática. Foram encontradas
evidências suficientes nestas línguas, principalmente no PB, para argumentar a favor de
uma decomposição do pronome em detrimento da tradicional assunção de que este
elemento é um primitivo lingüístico.
Neste sentido, adotei uma análise fundamentada numa geometria de traços
formativos para o pronome, que encontra no trabalho de Harley & Ritter (2002) suporte
metodológico. Vimos a necessidade de se inserir alguns traços mais específicos no
inventário apresentado pelas autoras visto que dados do PB e de outras línguas
mostraram uma especificação na composição de certos pronomes que ia além daquela
proposta pelas autoras. Assim, traços como [π], [#], [SPECIFIC], por exemplo, são
indispensáveis empiricamente na composição do paradigma pronominal em PB.
Uma teoria φ, inicialmente proposta por Béjar (2003), foi também adotada na
tentativa de resolver algumas lacunas deixadas pela proposta de Agree (CHOMSKY,
1998), já que esta operação necessitaria de uma total correspondência entre os traços
dos elementos que desencadeiam concordância (probe e goal). Em vez disso, uma
simplificação nas condições para Agree torna possível a concordância default
encontrada em PB. Desta forma, Agree opera se há identidade pelo menos entre os nós
raiz da sonda e do alvo. Assim, quanto mais traços idênticos entre estes dois elemento
houver, mais específicos serão os contextos em que ambos ocorrem.
Além dos traços φ, os de Caso também foram tratados com base em
subespecificação. A noção de Caso como desenvolvida pela Teoria de Caso é ampliada
e sua configuração se dá da mesma forma que para os outros traços formais que
participam do processo de concordância. Também foram mostradas evidências de que
de fato não há correspondência entre Caso abstrato (traços formais de Caso) e caso
morfológico (realização morfológica de certas condições estruturais), confirmando as
hipóteses de McFadden (2004) e Sigurðsson (2003). A noção de Caso estrutural foi
simplificada, sendo reduzida a posições de valoração dos traços de Caso em T e em v.
Já os Casos inerentes (oblíquos em PB) possuem restrições estruturais e, portanto, são
mais especificados. O domínio de valoração destes traços vai definir sua função: no
domínio de P são estabelecidas as condições de valoração para os traços oblíquos,
exceto para o genitivo, que pertence ao domínio de D.
143
A noção de subespecificação permeou todo o trabalho. É ela que, na proposta
desenvolvida, define o sincretismo das formas pronominais em PB. Assim, um pronome
subespecificado para algum traço φ tem seu campo de distribuição ampliado, podendo
desempenhar os diversos papéis argumentais na sentença. Por exemplo, il (ele), do
francês, pode assumir a função de expletivo nesta língua pois é o elemento pronominal
maximamente subespecificado. O mesmo se dá para os traços de Caso. Por exemplo, eu
é a forma casual de primeira pessoa maximamente subespecificada em PB, o que faz
com que possa desempenhar qualquer papel Casual na sentença.
Por fim, mostrei como as tradicionais análises da alternância entre eu e mim na
posição sujeito em orações encaixadas no PB (BOTELHO PEREIRA &
RONCARATTI, 1993; SALLES, 2000) podem ser simplificadas adotando-se a teoria
de Caso aqui desenvolvida. A possível flexão do infinitivo em português, que era
assumida como evidência para uma possível atribuição de Caso nominativo pelo
infinitivo, se justifica apenas pela presença de certos traços φ neste, o que ainda o
permite classificar como defectivo, nos termos de Chomsky (1999a).
Em suma, defendo nesta tese que a noção de subespecificação é fundamental
para esclarecer alguns fenômenos que emergem na morfossintaxe do PB. Parece íntima
a relação entre a reorganização do paradigma pronominal e os padrões morfológicos do
verbo, em PB. E acredito que seja. O percurso feito por ambos, pronome e verbo, em
seu (possível) processo de mudança parece ser diretamente afetado por uma
subespecificação pungente que atinge suas estruturas internas.
Por fim, sou consciente das limitações deste trabalho. Em primeiro lugar, elas se
justificam por seu formato: é sempre esperado que, no fim, uma tese deixe de abarcar
alguns (muitos) aspectos inicialmente pretendidos. Em segundo lugar, as generalizações
que podem ser feitas a partir da proposta lançada neste trabalaho são bastante profícuas
e, acredito, têm um amplo alcance empírico. É por estes motivos que este estudo, na
verdade, é apenas um primeiro passo em direção a futuras investigações acerca do tema.
144
Referências Bibliográficas
ABNEY, S. (1987) The English Noun Phrase in its Sentencial Aspect. PhD Dissertation,
MIT.
ALBUQUERQUE, E.C.M.M. (2006) A variação entre os pronomes eu/mim na posição
de complemento verbal na fala em Alagoas: uma analise Sociolingüísta Variacionista. Ms.
Maceió.
AOUN, Joseph. (1986) A Grammar of Anaphora, Linguistic Inquiry, n.11.
145
BAYER, J., BADER, M. and MENG, M. (2001) Morphological underspecification
meets oblique case: syntactic and processing effects in German. Lingua, 111, pp. 465514.
BÉJAR, S. (2003) Phi-syntax: a theory of agreement. Ph.D. dissertation. University of
Toronto.
______. (2008) Conditions on Phi-Agree. In: Daniel Harbour, David Adger and Susana
Bejar (ed) Phi-Theory: Phi-Features Across Modules and Interfaces. New York: Oxford
University Press.
BENVENISTE, E. (1976) A natureza dos pronomes. In: ______ . Problemas de
Lingüística Geral. São Paulo: Nacional, pp. 277-283.
BLAKE, B. J. Case. (1994) Cambridge: Cambridge University Press.
BOTELHO-PEREIRA, Maria A. & RONCARATI, Cláudia N. (1993) O caso do sujeito
em orações infinitivas introduzidas por ‘para’ no português do Rio. In Revista D.E.L.T.A.,
vol.9, n.1.
BRITO, D.B.S. de. (2006) Notas sobre o reflexivo se no dialeto do PB falado em
Alagoas. Leitura. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística
(UFAL). Maceió: Edufal, v.33, n.00, pp. 111-120.
CARDINALETTI, A. and STARKE, M. (1999) The Typology of Structural Deficiency:
A Case Study of the three classes of pronouns. In: van Riemsdijk (ed.). Clitics in the
language of Europe. Berlin: Mouton et Gruyter.
CARVALHO, D.S. (2004) A variação do uso dos pronomes EU e MIM na posição de
sujeito de orações encaixadas encabeçadas pela preposição PARA, na fala de
alagoanos. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Federal de Alagoas.
______. (2006) PARA vs. QUE em orações encaixadas no PB. Leitura. Revista do
Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística (UFAL). Maceió: Edufal, v.33,
n.00, pp. 53-64.
______. (2007) Agreement weakening in Brazilian Poruguese: the complementizer se.
Handout apresentado no XVII Colloquium in Generative Grammar, Girona.
______. (2008) Traço-φ e ditribuição do DP encaixado no Português Brasileiro. In:
Denilda Moura (org.). Os Desafios da Língua: pesquisas em língua falada e escrita.
Maceió: EDUFAL, pp. 411-413.
146
CERQUEIRA, V. C. (1996) A forma genitiva "dele" e a categoria de concordância
(AGR) no português brasileiro . In KATO & ROBERTS, M. & I (orgs). Português
Brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Editora da UNICAMP.
CHOMSKY, N. (1981) Lectures on Government and Binding. Dordrecht: Foris.
______. (1986a) Knowledge of Language: its nature, origin, and use. New York:
Praeger.
______. (1986b) Barriers. Linguistic Inquiry 13.
______. (1995) The Minimalist Program. Cambridge, MA: MIT Press.
______. (1997) Novos horizontes no estudo da linguagem. In D.E.L.T.A., vol. 13, n°
Especial, pp. 49-101.
______. (1998) Minimalist Inquiries: the Framework. MITWPL 15. Cambridge, Mass.:
MITWPL.
______. (1999a) Derivation by Phase. MIT Occasional Papers in Linguistics. 18.
Cambridge, MA: MIT Working Papers in Linguistics.
______. (1999b)O programa minimalista. (trad. Eduardo Paiva Raposo). Lisboa:
Caminho.
______. (2001) Beyond explanatory adequacy. MITOPL 20. Cambridge, Mass.:
MITWPL.
______. (2005) On phases. Ms.
______. (2006) Approaching UG from below. Ms.
COSTA, Januacele F. (1999) Ya:thê, a última língua nativa no nordeste do Brasil:
Aspectos morfo-fonológicos e mosrfo-sintáticos. Tese de Doutorado. Universidade
Federal de Pernambuco.
COSTA, J.; FIGUEIREDO SILVA, M. C. (2003) Nominal and verbal agreement in
Portuguese: an argument for Distributed Morphology. Lisboa, pp. 1-35.
COUTINHO, I de L. (1976) Pontos de gramática histórica. 7.ed. rev. Rio de Janeiro:
Ao Livro Técnico.
COWPER, E.; HALL, D. C. (2003) The syntactic manifestation of nominal feature
geometry. In Proceedings of the 2002 Annual Conference of the Canadian Linguistic
Association. Montréal: Cahiers Linguistiques de l’UQAM, pp. 55-66.
CYRINO, S.M.L. (1996) Observações sobra a mudança diacrônica no português do
Brasil: objeto nulo e clíticos. In KATO & ROBERTS, M. & I (orgs). Português
Brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.
147
D’ALESSANDRO R. (2006) Syntactic and Pragmatic features: a case study. Leitura.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística (UFAL). Maceió:
Edufal, v.33, n.00, pp. 185-202.
DÉCHAINE, R-M. and WITSCHKO, M. (2002) Decomposing Pronouns. Linguistic
Inquiry, v.33, n.3, pp. 409-442.
DUARTE, M. E. L. (1995) A perda do princípio ‘Evite Pronome’ no português
brasileiro. Tese de Doutorado – Universidade Estadual de Campinas.
______. (1996) Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no
português do Brasil. In KATO & ROBERTS, M. & I (orgs). Português Brasileiro: uma
viagem diacrônica. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.
EVERETT, D. (1996) Why There Are No Clitics: an alternative perspective on
pronominal allomorphy. SIL and University of Texas at Arlington, Publications in
Linguistics 123.
FIGUEIREDO SILVA, M. C. (1996) A posição sujeito no português brasileiro: frases
finitas e infinitivas. Campinas : Ed. da UNICAMP.
FORCHHEIMER, P. (1953) The category of person in language. Berlin: Walter de
Gruyter.
FRAMPTON, J. and GUTMANN, S. (2000) Agreement is Feature Sharing. Ms.:
Northeastern University.
FRAMPTON, J.; GUTMANN, S.; LEGATE, J. and YANG, C. (2000) Remarks on
“Derivation by Phase”: Feature Valuation, Agreement and Intervention. Ms.
GALVES, C. C. (1996) O enfraquecimento da concordância no português brasileiro. In
KATO & ROBERTS, M. & I (orgs). Português Brasileiro: uma viagem diacrônica.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP.
______. (2001) Ensaios sobre as gramáticas do português. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP.
HALLE, M.; VAUX, B. (1998) Theoretical Aspects of Indo-European Nominal
Morphology: The Nominal Declensions of Latin and Armenian. In Mír Curad: Studies
in Honor of Calvert Watkins, ed. J. Jasanoff et al. Innsbruck: Innsbrucker
Beiträge zur Sprachwissenschaft, pp. 223-240.
HALLE, M.; MARANTZ, A. (1993) Distributed Morphology and the pieces of
inflection. In.: The view from building 20. K. Hale and S.J. Keyser (eds.). Cambridge,
Mass.: MIT Press, pp. 111-176.
148
HARBOUR, Daniel. (2006) Person hierarchy and geometry without hierarchies or
geometries. Paper presented at Workshop on Theoretical Morphology, University of
Leipzig, Leipzig.
HARBOUR, D.; ADGER, D.; and BEJAR, S. (2008) Phi-theory: Phi-Features Across
Modules and Interfaces. New York: Oxford University Press.
HARLEY, H. (1994) Hug a tree: Deriving the morphosyntactic feature hierarchy.
Papers on phonology and morphology: MIT Working Papers in Linguistics 21. Andrew
Carnie and Heidi Harley (ed). Cambridge, MA: MIT Working Papers in Linguistics, pp.
289-320.
HARLEY, H and NOYER, R. (1999) Distributed Morphology. GLOT International,
Vol.4 Issue 4, pp. 3-9.
HARLEY, H. and RITTER, E. (2002) Person and number in pronouns: a featuregeometric analysis. Language 78, pp. 482-526.
HORNTEIN, N., NUNES, J and GROHMANN, K.K. (2005) Undertanding
Minimalism. Cambridge Textbooks in Linguistics. New York: Cambridge University
Press.
JARAD, N. (1997) The Origin & Development of For-Infinitives. Doctoral dissertation,
University of Wales, Bangor.
KATO, Mary A. (1993) The distribution of null and pronominal objects in Brzilian
Portuguese. Linguistic Perspective on the Romance Languages: Selected Papers from
the XXI Linguistic Symposium on Romance Languages (Current Issues in Linguistic
Theory Series). Amsterdam: John Benjamim, pp. 225-235.
______. (1999) Strong pronouns, weak pronouns and the null subject parameter.
PROBUS, 11, pp. 1-38.
______. (2002) Pronomes fortes e fracos na gramática do Português Brasileiro.
Revista Brasileira de Filologia. Vol XXIV. Coimbra, pp. 101-122.
______and Duarte, M.E.L. (2005) Changes in the pronominal system in Brazilian
Portuguese: the case of the tird person. Paper presented at NWAV 34, New York, NY.
KEMENADE, A. van. (1987) Syntactic case and morphological case in the history of
Old English. Dordrecht/Providence: Foris Publications.
LASSITER, D. (2004) Distributed Morphology and the evolution on the Indo-European
Case system. AB Thesis, Harvard University.
149
LIGHTFOOT, D. (1991) How to set parameters: arguments from language change.
Cambridge: MIT Press.
______. (2002) Synatctic effects of morphological changes. New York: Oxford
University Press.
McFADDEN, T. (2002) Adventures in resolving redundancy: Case vs. EPP. In:
Proceedings of the 26th Penn Linguistics Colloquium, University of Pennsylvania.
______. (2004) The position of morphological case in the derivation: A study on the
syntax-morphology interface. PhD Dissertation, University of Pennsylvania.
______. (2007) Default case and the status of compound categories in Distributed
Morphology. Ms.
MADEIRA, A.M.L. (1995) Topics in Portuguese Syntax: The Licensing of T and D.
PhD Dissertation. University College London.
MAGALHÃES, T.M.V. (2004) A valoração dos traços de concordância dentro doDP.
D.E.L.T.A., vol. 20, nº1, pp. 149-170.
MENSCHING. G. (2000) Infinitive Constructions with Specified Subjects: A Syntactic
Analysis of the Romance Languages. New York: Oxford University Press.
MENUZZI, S. (2000) First Person Plural Anaphora in Brazilian Portuguese in
COSTA, J. (ed) Portuguese Syntax: New Comparative Studies. New York: Oxford
University Press.
MONTEIRO, J. L. (1994) Pronomes Pessoais: subsídios para uma gramática do
português do Brasil. Fortaleza: Edições UFC.
MOURA, D. (2006) Concordância de pronomes pessoais em frases copulativas.
Leitura. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística (UFAL).
Maceió: Edufal, v.33, n.00, pp. 87-110.
______. (2007a) Casos de concordância no Português Brasileiro. Conferência
proferida no VII Seminário do Projeto "Para a História do Português Brasileiro PHPB", Univ. de Londrina, Paraná.
______. (2007b) A Predicação Copulativa em PortuguêsBrasileiroe em Espanhol.
Revista do GELNE, v. 2, pp. 67-76.
MOURA, D. & MORAIS, G. (2002) Ler e Escrever: rumo à compreensão e à interação
com o mundo. Maceió: EDUFAL.
150
NASCIMENTO, M.E.P. (2001) O uso dopronome lhe como acusativo e como dativo
em textos informais. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Alagoas.
NOYER, R.R. (1992) Features, positions and affixes in autonomous morphological
structure. PhD. Dissertation, MIT.
NUNES, J.M. (1996) Direção de cliticização, objeto nulo e pronome tônico na posição
de objeto em português brasileiro. In: KATO & ROBERTS, M. & I (orgs). Português
Brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.
PARROT, J. (2006) Distributed Morfological Mechanisms of Pronoun-Case Variation.
U. Penn Working Papers in Linguistics, Volume 12.2, pp. 173-187.
PIRES, A.M.G. (2001) The Syntax of Gerunds and Infinitives: Subjects, Case and
Control. PhD Dissertation, University of Maryland, College Park.
PÖLL, B. (2007) On the Licensing of Overt Subjects in Spanish Infinitival Clauses.
Probus 19, pp. 93-120.
RADFORD, A. (2004) Minimalist Syntax: exploring the structure of English.
Cambridge: Cambridge University Press.
ROBERTS, Ian. (2005) Checking Theory and Minimalist Syntax. Handout e notas de
curso. Universidade Federal de Alagoas.
_______. (2007) Clitics, Head movement and Incorporation. Book-lengh ms. Downing College,
University of Cambridge.
RODRIGUES, C. (2002) Morphology and Null Subjects in Brazilian Portuguese. In
LIGHTFOOT, D. Synatctic effects of morphological changes. New York: Oxford
University Press, pp. 160-178.
RAPOSO, E. (1987) Case theory and Infl-to-Comp: the inflected infinitive in European
Portuguese. Linguistic Inquiry, 18(1), pp. 85-109.
______. (1992) Teoria da gramática: a faculdade da linguagem. Lisboa: Caminho.
RIBEIRO, I. (2008) O sujeito nulo referencial no português "popular" brasileiro século XIX. Handout. Workshop do Projeto Padrões rítmicos, fixação de parâmetros e
mudança lingüística - Variação e gramática: diacronia e aquisição. Campinas.
RITTER, E. (1995) On Syntactic Categories of Pronouns and Agreement. Natural
Language and Linguistic Theory 13, pp. 405-443.
RIZZI, L. (1988) The new comparative syntax: principles and parameters of universal
grammar. In: 10th ADVANCED COURSE “LANGUAGE AND COGNITION”.
Foundation Archives Jean Piaget, Geneva, pp. 1-20.
151
______. (1997) A parametric approach to comparative syntax: properties on the
pronominal system. HAEGEMAN, L. (Ed.). The New Comparative Syntax. London,
New York : Longman, pp. 268-285.
ROSSATO, S.S. (2005) O infinitivo flexionado no protuguês do Mato Grosso do Sul.
Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília.
ROUVERET, A.; VERGNAUD, Jean-Roger. (1980) Specifying reference to the
subject. French causatives and conditions on representations. Linguistic Inquiry 11, pp.
97-202.
ROUSSOU, A. (2007) Subjects on the edge. Ms.
RULLMANN, H. First and second pronouns as bound variables. Linguistic Inquiry 35.
2004: 159-168.
SALLES, H.M.M. (2000) Preposição para introdutora de orações infinitivas. Boletim
da Associação Brasileira de Lingüística (ABRALIN), Florianópolis - SC, v. 1, p. 10611067.
______. (2001) Para (=for) em C no Poruguês Brasileiro. Handout... 53a Reunião
Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Salvador.
SIGURÐSSON, H.A. (2000) The locus of case and agreement. Working Papers in
Scandinavian Syntax 65, pp. 65-108.
______. (2003) Case: Abstract vs. Morphological. In: BRANDNER, E.;
ZINSMEISTER, H. (Eds.) New Perspectives in Case Theory. Stanford: CSLI
Publications.
SILVA, C.R.T. (2004) A natureza de AGR e suas implicações na ordem VS: um estudo
comparativo entre o português brasileiro e o português europeu. Tese de Doutorado.
Universidade Federal de Alagoas, Maceió.
______. (2005) Double preverbal subjects in French and Brazilian Portuguese:
evidence for an asymmetric analysis. Ms.
SITARIDOU, I. (2002) The synchrony and diachrony of Romance infinitives with
nominative subjects. Ph.D. dissertation. University of Manchester.
SOTO, E.U.M.S. (2001) Variação/Mudança do pronome de tratamento alocutivo: uma
análise enunciativa em cartas brasileiras. Tese de Doutorado, UNESP (Araraquara).
SPEAS. M. (2004) Evidentiality, Logophoricity and the Syntactic Representation of
Pragmatic Features. Lingua 114, nº 3, pp. 255-276.
152
TORRES MORAIS, M.A.C.R. A preposição e a caracterização do objeto indireto:
aspectos sincrônicos e diacrônicos. Ms.
WANNER, D. (1987) The development of Romance Clitic Pronouns: From Latin to Old
Romance. Berlin/New York/Amsterdam: Mouton de Gruyter.
VIKNER, S. (1997) Vº-to-Iº movement and inflection for person in all tenses. In:
HAEGEMAN, L. (Ed.). The New Comparative Syntax. London, New York: Longman,
p. 189-213.
URIAGEREKA, J. (2000) Some Thoughts on Economy Within Linguistics. D.E.L.T.A.
vol. 16, n° Especial, pp. 221-243.
URIAGEREKA, J. and GALLEGO, A. (2007) Subjunctive dependents. Handout. XVII
Colloquium in Generative Grammar. Girona.
153
Download

a estrutura interna dos pronomes pessoais em português brasileiro