AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA OMC A PARTIR DA ANÁLISE
DO CASO DOS PNEUS USADOS IMPORTADOS PELO BRASIL
Alexandre José Mattos do Amaral Filho1
Giselda da Silveira Cherem2
SUMÁRIO
Introdução 1. Organização Mundial do Comércio - OMC; 2 Princípios que regem a
instituição; 3 Possibilidades de não cumprimento das regras do sistema jurídico
pertinente; 4 O caso dos pneus importados; 4.1 Teses Levantadas; 4.2 A decisão do
Grupo Especial; 4.3 O caso perante o Órgão de Apelação; Conclusão; Referências.
RESUMO
Uma nova maneira de lidar com o comércio internacional adveio dos resultados da
Rodada Uruguai em meados da década de 90, desse ponto em diante a comunidade
internacional passaria a resolver suas demandas diante de um sistema jurídico
dentro da Organização Mundial do Comércio. Este trabalho se destina identificar a
aplicação dos princípios fundamentais do comércio internacional dentro do sistema
de solução de controvérsias, tendo como escopo a atuação do Brasil num caso
concreto levado ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC e suas
consequências jurídicas: o caso da importação de pneus reformados para Brasil.
Palavras-chave: Organização Mundial do Comércio. Princípios. Exceções Gerais.
Sistema Jurídico.
INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa busca-se analisar a aplicação dos princípios presentes no
sistema jurídico que orienta o comércio internacional na Organização Mundial do
Comércio3 em um caso concreto que envolveu o Brasil no âmbito daquela entidade:
o caso da importação de pneus usados e pneus reformados.
No breve histórico da OMC, pontuar-se-á sobre a sua origem como tratado
internacional (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT), e o
desenvolvimento desse sistema de regras até a criação da OMC na década de
1990. Logo após, tem-se a descrição da estrutura, funções e objetivos da OMC, bem
como algumas breves anotações pertinentes aos aspectos processuais do órgão
1
Acadêmico do 10º período do Curso de Direito da UNIVALI.
2
Mestre em Direito pela UFSC, na área de Relações Internacionais. Especialista em Direito Comunitário e do
MERCOSUL e Especialista em Direito Contemporâneo pela Faculdade Positivo e IBEJ.
3
O termo “Organização Mundial do Comércio” será daqui pra frente referido na forma da sigla “OMC”.
1
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
responsável pelo julgamento dos litígios do comércio com base nas normas
constantes dos acordos da OMC: o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC)4.
Em seguida passa-se à apresentação de alguns princípios que constituem
base para a OMC e para seu sistema jurídico e também das Exceções Gerais que, a
partir de restritas circunstâncias, abrem possibilidade para o não cumprimento das
regras desse sistema, aspectos sobre os quais o presente trabalho se inclina.
Por último abordar-se-á o caso concreto em comento observando-se os
estágios perpassados dentro do procedimento do OSC, teses invocadas pelas
partes, as decisões emitidas e as suas consequências jurídicas.
A análise da aplicação dos princípios da OMC no caso dos pneus dá origem
aos objetivos desta pesquisa: saber se no caso dos pneus é possível não cumprir os
princípios em função das exceções gerais, e se de uma forma ou de outra, algum
princípio abordado deixou de ser aplicado, mesmo sendo cabível.
Assim,
este
trabalho
é
resultado
de
pesquisas
bibliográficas
e
jurisprudenciais. Utilizando-se do método indutivo, facilitada pelos métodos de
fichamento e conceitos operacionais.
1 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO - OMC
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, iniciaram-se os trabalhos para a criação
de uma nova ordem econômica através do chamado sistema Bretton Woods, o qual
consistiu basicamente no Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) 5.Pretendeu-se ainda
a instituição da Organização Internacional do Comércio, a qual não logrou
consolidada por conta da sua não aprovação pelo congresso dos Estados Unidos da
América6. Entretanto, desse processo restou a criação do Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio de 19477. Tal instrumento instituiu um sistema de regras para o
comércio internacional fundado em princípios voltados basicamente a liberalizar as
4
O termo “Órgão de Solução de Controvérsias” será referido na forma de sigla, “OSC”.
5
NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo. São Paulo: Aduaneiras, 2002. p.21.
6
NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo.p.25.
7
O termo “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio” será doravante referido na forma da sua sigla inglesa, “GATT”
(General Agreement on Tariffs and Trade).
2
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
trocas comerciais entre suas Partes Contratantes8 através da gradual redução de
tarifas9. Cabe dizer que as Partes Contratantes do GATT buscavam decisões para
litígios em decisões sem caráter decisório e pautadas em motivações diplomáticas10.
A criação da Organização Mundial do Comércio sobreveio somente meio
século depois, nos anos 1990, após várias rodadas de negociação11. Os acordos e
instrumentos aos quais os Membros passaram a se sujeitar são divididos em
Acordos Comerciais Multilaterais, de adesão obrigatória, e Acordos Comerciais
Plurilaterais - os quais valem somente para aqueles que os tenham expressamente
aceito. O GATT 1947 e o GATT 1994 compõem, juntamente com os Anexos 1, 2 e 3,
o conjunto de acordos obrigatórios aos Membros12. Já os acordos do Anexo 4 só
obrigam aqueles que a eles aderirem13. Isso diferenciou notavelmente a OMC da
situação anterior à assinatura do Tratado de Marraqueche, quando se permitia às
Partes Contratantes do GATT uma variedade de protocolos a que podiam se
submeter, à sua própria conveniência14. (arrolamento dos acordos )
Segundo o Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio
(OMC), só figuram como seus Membros os Estados, Territórios constituídos em
Zona de Livre Comércio ou Uniões Aduaneiras15. Ficam de fora outras organizações
8
Veja-se que o termo “Parte Contratante” consta no GATT de 1947, e passou a ser lido como “Membro” assim que
esse tratado foi incorporado no conjunto normativo da OMC na década de 1990.
9
THORSTENSEN, Vera. Organização Mundial do Comércio: As regras do comércio internacional e a nova
rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo:Aduaneiras, 2005. p.32.
10
CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial. Rio de Janeiro:Forense, 2003.p. 2-3.
11
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da
Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Diário Oficial da União, 31 de dezembro
de
1994.
Acordo
de
Marraqueche.
Preâmbulo.
Disponível
em:
<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm> Acessado em 14 de mai. de 2013.
12
Imediatamente obrigatórios são os Acordos constantes nos Anexos 1, 2 e 3. Compõem o Anexo 1 os acordos
Multilaterais do Comércio: Acordo Geral de Tarifas e Comércio de 1994 (GATT); sobre Agricultura; Aplicação de
medidas Sanitárias e Fitossanitárias; Têxteis e Vestuário; Barreiras Técnicas ao Comércio; Medidas de
Investimento Relacionadas com o Comércio; Implementação do Artigo VI do GATT 1994; Implementação do
Artigo VII do GATT 1994; Inspeção Pré-Embarque; Regras de Origem; Procedimentos para o Licenciamento de
Importaçõs; Subsídios e medidas Compensatórias; Salvaguardas; Acordo Geral sobre Comércio de Serviços e
Anexos (GATS); Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio.
Constitui o Anexo 2 o Entendimento relativo às Normas e procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC).
Constitui o Anexo 3 o Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais.
13
Como optativos, compõem o Anexo 4 os seguintes acordos: Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis; Acordo
sobre Compras Governamentais; Acordo Internacional sobre Produtos Lácteos; Acordo Internacional sobre
Carne Bovina.
14
15
CORRÊA, Luís Fernando Nigro. O Mercosul e a OMC: Regionalismo e Multilateralismo.p.53
Conforme explica o art. XXIV, § 8º, GATT 1947, Zona de Livre Comércio é constituída por um grupo de dois ou
mais territórios aduaneiros e entre os quais os direitos aduaneiros e outras regulamentações restritivas das
trocas comerciais são eliminadas para a maioria das trocas comerciais relativas aos produtos originários dos
territórios constitutivos da zona de livre troca. União Aduaneira significa a substituição, por um só território
15
aduaneiro, de dois ou mais territórios aduaneiros, de modo que os direitos aduaneiros e outra s
3
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
internacionais, organizações não governamentais, pessoas jurídicas ou físicas.
Ademais, trata-se de pessoa jurídica, capaz celebrar acordos com Estados e outras
organizações16. A organização internacional é dotada de personalidade jurídica, e
sua capacidade é concedida pelos Membros que a compõe na medida do
necessário para exercer suas funções17.
Os objetivos da OMC são, conforme o Acordo Constitutivo, a elevação dos
níveis de vida, o pleno emprego, o aumento da produção e do comércio de bens e
de serviços, atento à promoção de um desenvolvimento sustentável e aos diferentes
níveis de desenvolvimento econômico18. Na concepção de Carvalho, “pode-se dizer
que o objetivo principal da OMC é fazer com que o comércio internacional esteja
livre de obstáculos e, ao mesmo tempo, seja leal e previsível19”.
As funções da OMC estão definidas no art. 3º do Acordo Constitutivo, e
compreendem a administração de acordos, servir de foro para negociações
comerciais, resolução de controvérsias e monitoramento das práticas dos Membros
no comércio, auxílio aos países em desenvolvimento e a cooperação com outras
organizações internacionais20.
Para cumprir com suas funções e objetivos, desdobra-se a OMC na seguinte
estrutura: Conferência Ministerial, Conselho Geral, Secretariado, Órgão de Solução
de Controvérsias e Órgão Permanente de Apelação.
O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) tem a incumbência de apreciar
as demandas a ele submetidas, relativamente às matérias constantes do Acordo
Constitutivo e dos seus Anexos e o Órgão Permanente de Apelação é estabelecido
pelo próprio OSC para fazer a revisão das decisões em caso de apelação21.
Nesse sentido, a OMC despontou como entidade jurídica internacional por
estabelecer um mecanismo relativamente eficaz de resolução de controvérsias
regulamentações restritivas das trocas comerciais sejam eliminados para a maioria das trocas comerciais
relativas aos produtos originários desses territórios.
16
17
18
19
CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial. 2003. p. 57
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da
Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Diário Oficial da União, 31 de dezembro
de 1994. Acordo Constitutivo. Art. VIII.
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. Acordo Constitutivo. Preâmbulo.
CARVALHO, Leonardo de Arquimimo de. OMC: estudos introdutórios.São Paulo: Thomson, 2005. p. 81
20
CARVALHO, Leonardo de Arquimimo de. OMC: estudos introdutórios. p. 81.
21
CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial. p. 45
4
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
através do seu Órgão de Solução de Controvérsias, estabelecido no Entendimento
Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC). E este
acordo define o OSC como necessário para aplicar as normas, procedimentos, e
disposições em matéria de consultas e solução de controvérsias em si contidos22.
O procedimento é dividido em quatro fases: consultas, “painéis” (aqui
denominados Grupos Especiais), apelação e implementação. A primeira fase
consiste nas consultas e inicia-se com o recebimento de uma solicitação, a partir daí
cada Membro se compromete a examinar a solicitação que for feita contra si, e, no
fim do prazo de 60 dias, pode requerer a composição de Grupo Especial23. Veja-se
que a consulta pode levar à solução pacífica dos conflitos, não resultando
necessariamente na abertura de um Grupo Especial24.
Se houver insurgência quanto a questões de direito ou a interpretações
jurídicas da decisão do Grupo Especial, poderão as partes envolvidas ascender ao
Órgão Permanente de Apelação para tentar obter revisão destas questões25.
A fase final é a de implementação das recomendações vindas das decisões.
Se houver reforma do que foi recorrido, o Relatório do Órgão Permanente de
Apelação será adotado juntamente com o Relatório do Grupo Especial, suprimindo
neste o que o primeiro houver reformado26.
2 PRINCÍPIOS QUE REGEM A INSTITUIÇÃO
Os princípios estabelecidos no GATT foram concretizados mediante sua
aplicação durante quatro décadas no âmbito dos mecanismos disponíveis antes da
criação da OMC. Seus resultados foram incorporados pela OMC, e tiveram
naturalmente a sua atuação ampliada com o crescimento do número de áreas que
cingem a sua tutela27.
22
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. ESC, art. 2,I.
23
BRASIL. Decreto n.1.355, de 30 de dezembro de 1994. Entendimento relativo às normas e procedimentos sobre
solução de controvérsias, art. 4. 2.
24
CASELLA, Paulo B.; MERCADANTE, Aramita de A (Coord). Guerra comercial ou integração mundial pelo
comércio? A OMC e o Brasil. p.739.
25
BRASIL. Decreto n.1.355, de 30 de dezembro de 1994. Entendimento Relativo às normas e procedimentos sobre
solução de controvérsias, art. 17, 6.
26
CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial. p.111.
27
CORRÊA, Luís Fernando Nigro. O Mercosul e a OMC: Regionalismo e Multilateralismo p.52.
5
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
Sobre a matéria, Streck28 leciona que o Direito é formado por regras e
princípios, ambos normas, diferenciadas pelo que princípios entram em cena quando
a regra não se faz suficiente, quando, em outras palavras, a realidade não pode ser
dita completamente pelas regras e então se fazem os princípios necessários para
resgatá-la e reaproximá-la ao texto. Enfim, a regra não subsiste sem o princípio, e o
princípio só pode ser aplicado quando “atravessa” a regra, ou seja, chegando a
prevalecer sobre esta.
Os princípios constituem uma das principais fontes do Direito Internacional
Público e sob tal condição são invocados pelos julgadores em conjunto com as
demais normas29. E além disso, podem estar (e, não raro, estão) estabelecidos
antes mesmo da produção de regras, visando a proteção contra ações que possam
vir a afligir o interesse geral, tido este como certos valores apreciados pelos atores
da sociedade internacional30.
Os princípios da OMC são o princípio da Não Discriminação (dividido em
Tratamento Geral de Nação Mais Favorecida e Tratamento Nacional31), Redução
Gradual de Barreiras Comerciais, Previsibilidade, Promoção de Competição Justa, e
o Encorajamento ao Desenvolvimento (relativo aos países em desenvolvimento),
não deixando de se considerar o princípio da Redução Geral de Restrições
Quantitativas, cujo uso é encontrado no julgamento do caso dos pneus perante a
OMC, em análise por este trabalho 32.
O princípio da Não Discriminação consiste em que um Estado deve dar igual
tratamento para os outros33. Emanam deste princípio duas normas que orientam
todas as relações comerciais: o Tratamento Geral de Nação Mais Favorecida (NMF)
e o Tratamento Nacional (TN), as primeiras cláusulas do GATT 194734. Esses dois
princípios consolidaram-se ao longo dos anos, sendo, reconhecidamente, os
28
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do
Direito p.145.
29
CRUZ, Flávia Machado. Direito Internacional Público. Impetus:Niterói. 2010. p. 56
30
PEREIRA, Bruno Ypes. Curso de Direito Internacional Público. 2. Ed. Saraiva: São Paulo. 2007. p.42
31
Os termos serão na presente pesquisa relacionados nas seguintes siglas: Tratamento Geral de NMF, e TN.
32
33
34
Organização Mundial do Comércio. Disponível
tif_e/fact3_e.htm >. Acesso em: 2 de maio de 2013.
em:< http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/
CORRÊA, Luís Fernando Nigro. O Mercosul e a OMC: Regionalismo e Multilateralismo p.54
CHEREM, Giselda S. Organização Mundial do Comércio: economia & direito & subsídios. Curitiba: Juruá,
2003. p. 91.
6
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
princípios fundamentais da OMC35.
Para a jurisprudência da OMC, tanto o
Tratamento Nacional quanto o Tratamento Geral de Nação Mais Favorecida tem
sido essenciais para assegurar o sucesso do sistema jurídico global36.
O primeiro, princípio do Tratamento Geral de NMF, é uma norma constante
no primeiro artigo do GATT37, e é princípio o mais importante de todos, também
conhecido como “A Não Discriminação entre Nações”. Consiste no que um Membro
não pode estabelecer tratamento a um país (sendo este Membro ou não da OMC)
sem que o mesmo tratamento não se destine aos outros Membros da OMC. É o
princípio que dá o caráter multilateral GATT, afastando-se do caráter bilateral, pelo
que impede a discriminação entre as partes incluídas nesse sistema jurídico38.
Aplica-se tal disposição sobre produtos similares: devem os produtos em
questão ser diretamente concorrentes ou que um possa substituir o outro39. Este
princípio se vincula a qualquer vantagem dada por um Membro sobre direitos
aduaneiros, tributos internos e regras que afetem a distribuição e uso dos
produtos40.
Veja-se que o princípio abrange não só vantagens tarifárias, ou seja,
medidas de caráter não fiscal também são abrangidas, como os métodos de
licenciamento de produtos que favoreçam uns países em desfavor de outros41.
O Tratamento Nacional, presente no Art. III do GATT, destina-se a impedir
que a haja discriminação entre produtos nacionais e importados, de modo que
tributos, tarifas ou outras exigências constantes na legislação interna relacionados a
35
KLOR, Adriana Dreyzin, et al. Solução de Controvérsias: OMC, União Europeia e Mercosul. Rio de Janeiro:
Konrad Adenauer-Stiftung, 2004. Disponível em <http://www.iadb.org/intal /intalcdi/PE/2009/ 03300.pdf>. Acesso
em 12/03/2013. p. 17.
36
Organização Mundial do Comércio. WT/DS176/AB/R. United States: Section 211 omnibus appropriations act of
1998, 02/01/2002. Disponível em: <http://wto.org/english/tratop_e/ dispu_e/cases_e/ds176_e.htm> Acessado em
19 de mai. de 2013. § 297.
37
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. GATT 1947, art. I.
38
THORSTENSEN, Vera. Organização Mundial do Comércio: As regras do comércio internacional e a nova
rodada de negociações multilaterais. p.33.
39
NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo. p.41.
40
MICHELS, Gilson Wessler. O papel da Organização Mundial do Comércio no processo de aproximação das
ordens tributárias nacionais. 2009. 262 f. Tese (Doutorado em Direito) – Curso de pós-graduação em Direito,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. p. 120.
41
MEYER, Roberto Hering. A OMC e as limitações de políticas fiscais internas dos Estados – O caso Brasil.
2010. 168 f. Tese (Doutorado em Direito) – Curso de pós-graduação em Direito, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis. Disponível em <http://repositorio. ufsc.br/handle/123456789/94500> p. 79.
7
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
compra, distribuição e transporte não podem constituir tratamento menos favorável
aos produtos importados42.
Cabe observar que o termo “similaridade” do produto foi problemático ao
Órgão de Solução de Controvérsias por que o seu significado não foi bem definido
no GATT43. Sobre isso Corrêa44 cita o exemplo do caso do café brasileiro importado
pela Espanha, em que o país ibérico atribuía classificação tarifária ao tipo de café
brasileiro de forma a submetê-lo a tarifa superior. O caso foi levado a um Grupo
Especial do GATT em 1982, e considerado um caso de discriminação, visto se
tratarem de produtos similares tratados injustificadamente em categorias diferentes
pelo governo espanhol.
A Redução de Barreiras Comerciais é princípio que decorre do terceiro
parágrafo do Preâmbulo do Acordo Constitutivo, consistente na eliminação gradual
de barreiras comerciais
45
. O art. XXVIII “bis” do GATT mostra que as Partes
Contratantes do acordo reconheciam nos direitos aduaneiros sérios obstáculos ao
comércio e por isso deveriam as negociações, com base na reciprocidade, reduzir
substancialmente o nível dos direitos aduaneiros e outros encargos tidos na
importação e exportação46.
O princípio da previsibilidade tem estreita relação com o Órgão de Solução
de Controvérsias existente na OMC, e é identificado no Anexo 1 do Acordo
Constitutivo47. Destina-se a oferecer segurança e previsibilidade ao sistema
multilateral de comércio. Os resultados obtidos sob a tutela a OMC mostram o
aumento no número de “binding commitments”48 assumidos: reflexo das conquistas
da Rodada Uruguai. Deste modo, houve substancial aumento no nível de segurança
nas relações comerciais internacionais. Anote-se que o sistema ainda busca, através
42
THORSTENSEN, Vera. Organização Mundial do Comércio: As regras do comércio internacional e a nova
rodada de negociações multilaterais. p.33.
43
GATT, Art. III, 4. “Os produtos de território de uma Parte Contratante que entrem no território de outra Parte
Contratante não usufruirão de tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de origem
nacional [...]”.
44
CORRÊA, Luís Fernando Nigro. O Mercosul e a OMC: Regionalismo e Multilateralismo. p.56
45
Acordo Constitutivo da OMC, Preâmbulo. “[...]obter, na base da reciprocidade e de vantagens mútuas, a redução
substancial das tarifas aduaneiras e dos demais obstáculos ao comercio assim como a eliminação do tratamento
discriminatório nas relações comerciais internacionais”.
46
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. GATT 1947, XXVIII bis.
47
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. ESC. Art. 3.2.
48
Compromissos com força jurídica.
8
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
da observância aos princípios da Transparência e da Proibição de Restrições
Quantitativas, maneiras de se garantir a estabilidade e previsibilidade do mercado,
assim destacam os apontamentos sobre o princípio da Previsibilidade no site da
OMC49:
The system tries to improve predictability and stability in other ways
as well. One way is to discourage the use of quotas and other
measures used to set limits on quantities of imports [...] Another is to
make countries’ trade rules as clear and public (“transparent”) as
possible. Many WTO agreements require governments to disclose
their policies and practices publicly within the country or by notifying
the WTO
Por fim, por terem os Membros a necessidade de recorrer ao novo
mecanismo de solução de controvérsias, fomentou-se “a institucionalização na
resolução dos conflitos de natureza comercial” e edificou-se uma segurança jurídica,
consequência natural da então inédita previsibilidade dos resultados que advinham
da aplicação das regras de comércio internacional.50 Os predicados de segurança e
estabilidade foram perseguidos através da observância da Previsibilidade, o qual
incluiu a combinação de Transparência e Eliminação de Restrições Quantitativas.
A Promoção da Justa Competição resume bem o quão “livre” deve ser o
comércio, ao que deixa claro que a OMC não se trata simplesmente de uma
instituição de “livre comércio”: o sistema permite direitos aduaneiros, por exemplo, e
até mesmo outras formas de proteção, sob limitadas circunstâncias.51 Tanto é que
princípios como o da não discriminação (através do Tratamento de NMF e
Tratamento Nacional) estão designados para garantir condições justas de comércio.
O tema do Encorajamento ao Desenvolvimento surgiu a partir da Rodada
Tóquio em 1979, a qual inseriu no GATT novas disposições que abordaram
Comércio e Desenvolvimento, reconhecendo que as Partes Contratantes menos
49
Em tradução livre: “O sistema busca aprimorar a previsibilidade e estabilidade de outros modos também. Um
modo é através do desencorajamento do uso de quotas e outras medidas destinadas a limitar quantidades de
importações. […] Outro modo é fazer com que as regras dos países sejam o mais acessíveis e transparentes
possível. Muitos acordos da OMC exigem que os governos divulguem suas políticas e práticas publicamente,
dentro do país ou pela notificação à OMC”. Organização Mundial do Comércio. Principles of the trading
system Disponível em:< http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact2_e.htm >. Acesso em 2 de mai.
de 2013.
50
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A nova dimensão do direito internacional público. p. 211.
51
CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial. p.2.
9
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
desenvolvidas necessitavam de um tratamento específico
52
. O princípio do
Encorajamento ao Desenvolvimento está consagrado no Acordo Constitutivo da
OMC, em que se reconhece ser necessário realizar esforços positivos para que os
países menos desenvolvidos se integrem ao comércio internacional53.
Segundo o princípio da Eliminação Geral das Restrições Quantitativas, a
nenhum Membro é permitido instituir, relativo a produto vindo de território de outro
Membro, proibições ou restrições que não constituam direitos alfandegários,
impostos ou outras taxas, conforme prevê o Artigo XI do GATT54.
Segundo define a jurisprudência da OMC:
The prohibition on the use of quantitative restrictions forms [is] one of
the cornerstones of the GATT system. A basic principle of the GATT
system is that tariffs are the preferred and acceptable form of
protection. Tariffs, to be reduced through reciprocal concessions,
ought to be applied in a non-discriminatory manner independent of
the origin of the goods [...] Quantitative restrictions impose absolute
limits on imports, while tariffs do not. In contrast to MFN tariffs which
permit the most efficient competitor to supply imports, quantitative
restrictions usually have a trade distorting effect, their allocation can
be problematic and their administration may not be transparent. 55
Ou seja, preferiram-se os impostos e direitos aduaneiros a restrições
quantitativas. E, ao contrário das restrições quantitativas, que impõem limites
absolutos às importações, impostos e direitos alfandegários podem ser reduzidos
reciprocamente e proporcionalmente, atendendo a princípios basilares - como o do
Tratamento Geral de NMF - e por esse motivo não tendem a produzir tantas
distorções nas trocas comerciais.
Os princípios desse sistema são essenciais para se compreender mais
facilmente a lógica sobre a qual o vasto sistema jurídico da OMC –composto em
52
MERCADANTE, Araminta de Azevedo; MAGALHÃES, José Carlos de (Coord.). Solução e prevenção de
litígios internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.Volume II. p.398.
53
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. Acordo Constitutivo da OMC, Preâmbulo.
54
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. GATT, art. XI.
55
Em tradução livre: A proibição ao uso de formas de restrições quantitativas é um dos marcos do sistema GATT.
Um princípio básico do sistema GATT é de que tarifas são preferíveis e aceitáveis formas de proteção. Tarifas, a
serem reduzidas através de concessões reciprocas, devem ser aplicadas de modo não discriminatório:
independentemente da origem dos bens em questão […] Restrições quantitativas impõem limites absolutes às
importações, enquanto tarifas, não. Diferentemente daquilo que provém o Tratamento Geral de NMF, o qual
permite que o competido mais eficiente forneça importações, restrições quantitativas costumam ter um efeito
distorcivo ao comércio, ao que sua designação pode ser problemática, e sua administração pode não ser
transparente. Organização Mundial do Comércio. WT/DS34/R. Turkey – Restrictions on imports of textile and
clothing products, 31/05/199. Disponível em: <http://wto.org/english/tratop_e/dispu _e/cases_e/ds32_e.htm >
Acessado em 20 de abr. de 2013. § 9.63.
10
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
cerca de 30.000 páginas de documentos, diga-se - foi orientado. Por fim, constituemse estes princípios o vértice de todas as normas da OMC, e analisar sua aplicação é
testemunhar a unidade do conjunto normativo que sustenta essa organização56.
3 POSSIBILIDADES DE NÃO CUMPRIMENTO DAS REGRAS DO SISTEMA
JURÍDICO PERTINENTE.
O GATT previu exceções gerais que segundo Lima57, fugiram ao anseio de
liberalização do comércio, dando aos Membros prerrogativas destinadas a
resguardarem determinados aspectos da sociedade. O GATT definiu que suas
regras não devem impedir a adoção das medidas necessárias: à proteção da
moralidade pública; à proteção da saúde da vida das pessoas e dos animais, e
preservação dos vegetais; para assegurar a aplicação das leis e regulamentos que
nãos sejam incompatíveis com as disposições do GATT; ao comércio de ouro e
prata; à proteção de patentes, marcas e direitos do autor; sobre tesouros artísticos e
históricos e sobre recursos naturais exauríveis58.
O cunho ambiental se demonstra nos valores dessa cláusula, o que mostra a
influência da agenda ecológica na OMC, vinda principalmente de países
desenvolvidos. Contudo, isso gerou preocupações com relação a políticas “pseudoambientais”, isto é, que na verdade fossem um disfarce para a efetivação de intuitos
meramente protecionistas59. Como resposta a essa preocupação acerca da
“legitimidade da restrição”, a aplicação das exceções não pode ser feita
arbitrariamente ou injustificadamente60, nem de forma que constitua restrição
disfarçada ao comércio internacional, isto decorre da condição imposta pelo próprio
caput do artigo XX, o qual importar citar:
56
57
PRAZERES, Tatiana Lacerda. Comércio internacional e protecionismo: As barreiras técnicas na OMC. São
Paulo: Aduaneiras, 2003. p.39.
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. GATT 1947, art. XX b).
58
PRAZERES, Tatiana Lacerda. Comércio internacional e protecionismo: As barreiras técnicas na OMC. São
Paulo: Aduaneiras, 2003. p.47.
59
LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2008. p.55.
60
Cumpre destacar que a jurisprudência da OMC considera os conceitos discriminação “arbitrária” e “injustificada”
muito próximos, de modo que costuma analisa-los conjuntamente. Organização Mundial do Comércio.
WT/DS332/R. Brazil: Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres, 12/07/2007, § 7.225
11
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
Artigo XX. Desde que essas medidas não sejam aplicadas de
forma a constituir quer um meio de discriminação arbitrária, ou
injustificada, entre os países onde existem as mesmas condições,
quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional,
disposição alguma do presente capítulo será interpretada como
impedindo a adoção ou aplicação, por qualquer Parte Contratante,
das medidas : 61 (grifou-se)
Atente-se para o fato de que as hipóteses destinadas à proteção do meio
ambiente encontram-se numa posição – na alínea (b), de uma lista de dez - que,
para Lima, denotam a proeminência da preocupação com a questão ambiental
dentro da esfera comercial, muito embora não houvesse expresso nos objetivos da
OMC o fim de proteger o meio ambiente62.
Mais um tipo de exceção está no Artigo XXIV do GATT, o qual dispõe sobre
os Acordos Regionais de Comércio. Compreendem a criação de áreas de livres
comércio, uniões aduaneiras, e acordos de transição que se destinam a uma das
formas de integração63. É lícito aos Membros que compõem beneficiarem-se de
concessões tarifárias “não aplicáveis aos países que delas não fazem parte” 64.
É necessário observar-se a disposição do art. XXIV como uma consideração
às organizações regionais de integração econômica, onde se foi permitido
estabelecer um tratamento preferencial entre os países integrantes, algo que
remonta à época da criação do GATT 1947, quando já havia interesse dos EUA e
dos países da Europa Ocidental na construção de um espaço europeu integrado
com o objetivo de facilitar as atividades de empresas americanas na Europa e
também para proteger aqueles países da expansão do comunismo65. Desde os anos
1990 tem crescido exponencialmente o número de acordos regionais, e até janeiro
de 2013 já entraram em vigor 354 acordos66.
O uso das cláusulas de exceção no sistema judicial é tão relevante quanto a
aplicação dos princípios, uma vez que, se de um lado os princípios primam pela
hegemonia de valores como a não discriminação, as exceções são invocadas em
61
62
63
64
65
66
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. GATT, Artigo XX, b) e d).
LIMA, Rodrigo Carvalho de A. O princípio da precaução no comércio multilateral. p. 193.
THORSTENSEN, Vera; JANK, Marcos S. O Brasil e os grandes temas do comércio internacional. São Paulo:
Aduaneiras, 2005. p.211.
CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial. p.2
THORSTENSEN, Vera; JANK, Marcos S. O Brasil e os grandes temas do comércio internacional. São Paulo:
Aduaneiras, 2005. p.211.
NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo. p.16.
12
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
homenagem a outros, como a proteção à saúde humana e à moralidade pública. Por
outro lado, observe-se que as restrições impostas demonstram a preocupação na
aplicação dessas exceções, de modo que somente práticas de fato legítimas devem
prosperar. Por exemplo, se um ato de Membro da OMC se destina à proteção da
vida humana e por conta disso vai de encontro ao princípio do Tratamento Nacional,
este ato deve ser realmente necessário à sua (dita) finalidade, caso contrário, ele
não se faz justificável ao ponto que possa se “escusar” do cumprimento de algum
princípio do sistema jurídico, pelo contrário, constitui o ato uma discriminação
injustificável.
Tendo isso em vista, fica evidente a importância da aplicação dos princípios
e também das exceções dentro do sistema, mas observe-se que estas últimas
compreendem tão somente algumas circunstâncias específicas cujos requisitos para
aplicação revelam o alto grau de proteção dado pelo GATT aos seus princípios.
4 O CASO DOS PNEUS USADOS IMPORTADOS
O Brasil e a Comunidade Europeia (atualmente denominada União
Europeia67) envolveram-se num dissídio que chegou à OMC em 2005, e consiste
basicamente na proibição de importação de pneus68 recauchutados ou usados69 pelo
Brasil, no que coibiu expedição de licenças para importa-los seja como bens de
consumo, seja como matéria-prima e também pelo que impediu a comercialização
de pneus usados importados no território de um dos entes federativos do país70.
Diante disso, empresas europeias não podiam – e nem de quaisquer outros
países - exportar pneus recauchutados ou usados ao Brasil.
67
Cabe destacar que à época dos fatos o bloco econômico se denominava “Comunidade Europeia”, vindo a ser
sucedido pela denominação “União Europeia” a partir da vigência do Tratado de Lisboa em 2009, motivo pelo
qual, adota-se a primeira neste trabalho.
68
Insta salientar que “pneumáticos” é o termo usado na Portaria SECEX, 14/2004.
69
Saliente-se que são “reformados” pneus usados, que passam por recapagem, recauchutagem ou remoldagem.
Recapagem é a substituição de sua banda de rodagem; recauchutagem é substituição da banda de rodagem e
dos seus ombros; e remoldagem é substituição da banda de rodagem, ombros e superfície dos flancos. BRASIL.
Portaria INMETRO 227/2006 e 444/2010, Pneus Reformados. 11/2005.
70
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil – Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório
Final:
Parte
factual
e
Conclusões
em
português,
12/07/2007.
Disponível
em:
<http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-ministerio/tecnologicos/cgc/
solucao-decontroversias/participacao-do-brasil-nos-contenciosos-documentos/brasil-como-deman
dado/ds-332-brasilmedidas-relativas-a-importacao-de-pneus-reformados-comunidades-europeias
/1-painel/12-jun-2007-relatoriofinal-do-painel-parte-factual-e-conclusoes-portugues> Acessado em 19 de mai. de 2013. parágrafo i.30.
13
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
Ocorre que o Uruguai requereu que o Mercado Comum do Sul71 tomasse
providências com relação a essa proibição, uma vez que, segundo alegou, não
poderiam haver restrições ao comércio entre os países do bloco. Em 2002 o Tribunal
Arbitral do Mercosul deu a causa ao Uruguai, e o Brasil adequou sua legislação para
que se permitisse a entrada de pneus remoldados (um tipo de pneus reformados) de
países do Mercosul72.
Empresas
europeias
se
viram
prejudicadas
por
um
tratamento
discriminatório por parte do Brasil, no que este fez abertura às importações de pneus
importados de países do Mercosul, mas manteve a restrição com relação aos
demais, motivando a insurgência da Comunidade Europeia (CE) perante a OMC73.
Segundo a CE, subsidiaram a proibição portarias, decretos e leis estaduais
então vigentes no Brasil, elencados os principais: a portaria SECEX 14/2004; o
decreto 3.919/200174; e Lei Estadual n. 12.11475, do Estado do Rio Grande do Sul76.
A Comunidade Europeia ainda indicou mais algumas normas, em notas de
rodapé das suas alegações, que foram “utilizadas” para proibir importação de pneus
recauchutados ou usados, dispondo tanto sobre “bens de consumo usados” quanto
a questões ambientais relativas a resíduos: Portaria do Departamento de Operações
de Comércio Exterior (DECEX) nº 8/1991, Portaria DECEX 18/1992; Portaria
370/1994 do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo(MICT); e resoluções
CONAMA 23/1996 e CONAMA 235/1998.77
71
Doravante denominado “Mercosul”.
72
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil – Medidas relativas à importação de pneus reformados.
12/07/2007.
Disponível
em:
<http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-oministerio/tecnologicos/cgc/solucao-de-controversias/
participa
cao-do-brasil-nos-contenciososdocumentos/brasil-como-demandado/ds-332-brasil-medidas-relativas-a-importacao-de-pneus-reformadoscomunidades-europeias/1-painel/12-jun-2007-relatorio-final-do-painel-parte-factual-e-conclusoes-portugues>
Acessado em 19 de mai. de 2013. parágrafo i.24.
73
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
12/07/2007, parágrafo i.197.
74
Envolvem-se aqui também os decretos 3.179/1999 e 4.592/2003 para interpretação sistemática desta norma. O
decreto referido altera a redação do Decreto 3.179/1999, acrescendo ao texto a hipótese de multa para
importação de pneus usados ou reformados, bem como para a comercialização e depósito destes. Além disso,
foi alterado pelo Decreto 4.592/2003, que acrescentou uma isenção da multa aos países integrantes do
Mercosul.
75
A norma em comento foi alterada pela Lei Estadual 12.381/2005, do Rio Grande do Sul.
76
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
12/07/2007, parágrafo i.21 a i.26.
77
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
12/07/2007, parágrafo i.15, (b).
14
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
Para fins de melhor compreensão, abordar-se-á mais detidamente algumas
das normas anteriormente citadas.
A proibição de importação decorria expressamente do Art. 40 da portaria
SECEX 14/2004, ao coibir a expedição de licenças de importação para pneus
recauchutados ou usados “seja como bens de consumo, seja como matéria-prima
[...] à exceção dos pneumáticos remoldados [...] originários e procedentes dos
Estados partes do Mersosul” 78.
Como instrumento da proibição, uma multa de R$ 400,00 foi imposta sobre a
importação, comercialização, transporte, armazenamento, guarda e depósito de
cada pneu usado ou reformado, através do Decreto 3.919/200179.
É imprescindível destacar-se que a exceção que admitiu a importação de
pneus remoldados do Mercosul decorre de uma decisão arbitral que aconteceu no
âmbito deste em 2002, em que se entendeu não serem cabíveis tais restrições
comerciais entre os seus Membros80. O Brasil adequou a sua legislação atribuindo
as exceções à proibição: emitindo a portaria SECEX 2/2002, substituindo a anterior,
adicionando a exceção Mercosul, mantendo-se essa exceção em todas as Portarias
que se seguiram, até a Portaria 14/2004, vigente à época da reclamação da
Comunidade Europeia na OMC, e concedeu uma exceção à imposição de multa
constante no Decreto Presidencial 3.919/2001.
Mais um proibitivo às importações foi a Lei Estadual 12.114/2004, editada
pela Lei 12.381, que impediu a comercialização de pneus usados importados no Rio
Grande do Sul81. Para eliminar a validade desta lei, o governo federal brasileiro
impetrou uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) face a Lei estadual 12.114,
do Rio Grande do Sul, em 2006, pugnando pela sua inconstitucionalidade pelo que
78
BRASIL. Portaria SECEX 14, de 17 de novembro de 2004. Diário Oficial da União, 23 de novembro de 2004.
Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivo/ legislacao/portarias/secex/ 2004/prtsecex14_2004.pdf>
Acessado em: 15 de mai. de 2013. Art. 40.
79
BRASIL. Decreto Presidencial 3.919,de 14 de setembro de 2001. Diário Oficial da União, 17 de setembro de
2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/ 2001/D3919.htm> Acessado em 14 mai. de
2013. Art. 47.
80
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório Final: Parte factual e Conclusões em português, 12/07/2007. p. 4.
81
BRASIL. Lei Estadual n. 12.114, de 5 de julho de 2004, Rio Grande do Sul. Proíbe a comerciaização de pneus
usados importados no Estado e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, 30 de dezembro de 2005,
alterada pela lei 12.182, de 15/12/2004.
15
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
invadira a competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior, e
competência concorrente para proteção ao meio ambiente82
Cabe destacar que importadores brasileiros conseguiram fazer importações
de pneus de países da Europa através de decisões judiciais mesmo estando vigente
a proibição, fato que também foi objeto do contencioso na OSC. Isto motivou a
Presidência da República a opor uma Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) em 2006 (no ano seguinte à manifestação da Comunidade
Europeia), tendo como objeto as decisões que permitiram importação de pneus de
países não pertencentes ao Mercosul, buscando a defesa do direito ao
desenvolvimento sustentável e à equidade intergeracional, e em atendimento ao
princípio da precaução, todos constantes na Constituição da República Federativa
do Brasil (CFRB/88)83. A partir desse ponto, de certa forma, o Brasil deu os primeiros
passos na implementação de uma política de proibição plena, visando impedir que
órgãos do Judiciário continuassem dando amparo a importações de pneus
reformados ou usados.
4.1 Teses levantadas
Em síntese, as teses da Comunidade Europeia são de que o Brasil cometeu
infrações aos princípios do Tratamento de NMF e TN, e o princípio da Eliminação
Geral das Restrições Quantitativas84.
Em resposta, o Brasil levantou a tese de estar agindo conforme
prerrogativas concedidas pelo GATT através das exceções relativas à proteção da
saúde e da vida das pessoas e animais e à preservação dos vegetais (Artigo XX, b)
do GATT) e à exceção sobre uniões aduaneiras que se aplicaria ao MERCOSUL
(Artigo XXIV do GATT).85
82
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil – Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório Final: Parte factual e Conclusões em português, 12/07/2007, parágrafo p.83.
83
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Adequação da arguição pela correta indicação de preceitos fundamentais
atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Relator: Cármen
Lúcia. DJ, 4/06/2009. Lex: Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Jurisprudência. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginador pub/paginador.jsp?docTP= AC&docID=629955> Acessado em 10 de mai. de
2013. p.3
84
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brazil: Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres,
12/07/2007, § 3.1.
85
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brazil: Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres,
12/07/2007, § 3.3
16
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
O Brasil afirmou que a restrição à entrada de pneus recauchutados e usados
importados no país foi justificável pelo Artigo XX, b) do GATT, cláusula destinada a
proteger a saúde humana e dos animais e preservar a vida vegetal86.
Importa salientar determinados aspectos factuais relativos à questão
ambiental, marcante nesse caso. Como bem destaca Quaglia87, a Comunidade
Europeia esforçou-se para mostrar diferenças entre pneus reformados e pneus
usados, a equiparar pneus reformados a pneus novos; e a defender as propriedades
ecológicas da prática de reciclagem de pneus, como por exemplo, economia de
petróleo. Quis mostrar, em outras palavras, que as medidas tomadas pelo Brasil não
eram necessárias para preservar a vida humana, e que por isso não se incluíam nas
condições da Exceção Geral prevista pelo GATT, como defendido88. O Brasil
rebateu afirmando que o processo de reciclagem não é totalmente eficiente, e a
acumulação desse tipo de resíduo compreende grande ameaça ao meio ambiente e
à saúde pública, já que a importação aceleraria o processo de geração de resíduos,
uma vez que pneus já reformados não podem mais passar pelo mesmo processo.89
Além disso, destacou que o acúmulo de resíduos poderia fomentar o crescimento de
focos de mosquitos transmissores de doenças como a dengue90.
4.2 A decisão do Grupo Especial
Diante das alegações da Comunidade Europeia, como se viu, a base da
defesa do Brasil foi quanto à aplicação da cláusula de Exceção Geral prevista no
GATT, na condição de se caracterizarem as medidas como necessárias à proteção
da saúde da vida das pessoas e dos animais e preservação dos vegetais, por tal
86
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brazil: Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres,
12/07/2007, § 3.3
87
QUAGLIA, Maria de Lourdes Albertini. Consistência e validade das decisões do sistema de solução de
contrivérsias da OMC relativas ao Direito Ambiental e sua jurisdição. 2011. 237 f. Tese (Doutorado em Direito) –
Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2011.
p. 188-189.
88
QUAGLIA, Maria de Lourdes Albertini. Consistência e validade das decisões do sistema de solução de
contrivérsias da OMC relativas ao Direito Ambiental e sua jurisdição. p. 188-189.
89
QUAGLIA, Maria de Lourdes Albertini. Consistência e validade das decisões do sistema de solução de
contrivérsias da OMC relativas ao Direito Ambiental e sua jurisdição. 2011. p. 188-189.
90
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brazil: Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres,
12/07/2007, § 4.24.
17
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
razão o Grupo Especial procedeu à análise das normas em comento para decidir se
estariam elas ou não sob a abrangência deste artigo do GATT.
Entendeu-se que a proibição de importação de pneus recauchutados ou
usados, estampada explicitamente no texto da Portaria 14/2004, e imbuída de
coerção (aplicação de multa) pelo Decreto Presidencial 3.919/2001, iam de encontro
com o princípio da Eliminação Geral de Restrições Quantitativas (art. XI:1, GATT). O
princípio, abordado anteriormente, resta infringido na Portaria 14/2004 quando esta
estabelece que “não será deferida licença de importação de pneumáticos
recauchutados e usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima” 91,
de modo que o Brasil o infringiu por estabelecer restrições não tarifárias à
importação.
O mesmo ocorre com o Decreto 3.919/2001 que estabelece multa, que,
muito embora não sejam impostas nas fronteiras, não deixam de ser uma restrição à
importação, principalmente se consideradas em seu valor (R$ 400,00), muito
superior ao valor médio de pneus reformados produzidos internamente para carros
de passeio (R$ 100,00 a R$ 280,00)92.
Além destas medidas, a Portaria 8/91 DECEX foi incongruente com o Artigo
XI:1 do GATT, por proibir a importação de “bens de consumo usados”93.
A análise sob o crivo da Exceção Geral relativa à questões de proteção da
saúde da vida humana e animal (art. XX, GATT) abrangeu as referidas leis também.
A determinado momento o Grupo Especial chegou a concluir que a restrição a
importações de pneus usados e recauchutados fora de fato medida capaz e
necessária para reduzir o acúmulo de resíduos, sendo as normas brasileiras
justificáveis, pois embora impusessem restrições à importação e fossem de encontro
ao princípio da Eliminação Geral de Restrições Quantitativas (Art. XI:1), contribuiriam
sobremaneira à redução de resíduos no país, e consequentemente diminuiriam o
risco de disseminação de doenças como a dengue94. Entretanto, o colegiado fez
91
BRASIL. Portaria SECEX 14, de 17 de novembro de 2004. Diário Oficial da União, 23 de novembro de 2004.
art. 40.
92
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório Final: Parte factual e Conclusões em português, 12/07/2007, § 7.372.
93
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório Final: Parte factual e Conclusões em português, 12/07/2007, § 7.29.
94
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório Final: Parte factual e Conclusões em português, 12/07/2007, §7.148.
18
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
alusão às decisões judiciais brasileiras que vinham concedendo a importação de
pneus, e diante disso entendeu ser a proibição uma restrição disfarçada ao comércio
internacional,
já
que
as
importações
respaldadas
em
decisões
judiciais
comprometiam seriamente o objetivo ecológico das proibições95.
Sobre isso, cabe destacar que o Grupo Especial atribuiu ao Brasil
responsabilidade de assegurar a aplicação das suas normas de modo que estas não
entrassem em conflito com as normas do comércio internacional, ou seja, o fato de
que importações tenham respaldo em decisões dos tribunais brasileiros não o
exonera de ter que cumprir com as condições impostas pelo caput da cláusula de
Exceção Geral (Art. XX do GATT)96.
A lei estadual do Rio Grande do Sul, 12,114, alterada pela Lei 12.381, foi
tida como inconsistente com o princípio do Tratamento Nacional (Artigo III:4 do
GATT), abordado anteriormente, por estabelecer um tratamento diferenciado entre
produtos nacionais e estrangeiros, dando um tratamento menos favorável a estes,
não estando ela sob a justificativa da Exceção Geral (Art. XX) pelo que uma
proibição de comercialização neste caso equivaleria a uma proibição de importação
por se destinar especificamente a produtos originados no exterior.97
Quanto à exceção feita com base no MERCOSUL, Art. XXIV do GATT, o
Órgão Permanente de Apelação reformou o entendimento do Grupo Especial,
motivo pelo qual tal controvérsia será abordada na próxima seção.
4.3 O caso perante o Órgão de Apelação
A Comunidade Europeia apelou da decisão proferida pelo Grupo Especial,
onde coube ao Órgão Permanente de Apelação observar que é necessário buscar
equilíbrio para a aplicação das Exceções Gerais contidas no Artigo XX do GATT
95
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório Final: Parte factual e Conclusões em português, 12/07/2007, §7.356.
96
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório Final: Parte factual e Conclusões em português, 12/07/2007, §7.305.
97
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil: Medidas relativas à importação de pneus reformados.
Relatório Final: Parte factual e Conclusões em português, 12/07/2007, §§ 7.437 e 7.440
19
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
pelo que o recurso abusivo a estas poderia prejudicar o direito dos outros
Membros98.
Repisou-se o fato de que é necessária e admitida a proibição de importação
de pneus usados e reformados como legítima forma de proteção à saúde e ao meio
ambiente, mas que as importações apoiadas pelo Judiciário significavam uma falha,
um inegável despropósito que esvaziou a intenção de proteção à saúde humana,
animal e preservação dos vegetais99.
Com relação à exceção que o Brasil abriu ao MERCOSUL sobre as
importações de pneus remoldados, entendeu se tratar - assim como foram as
decisões judiciais permitindo importações de pneus usados – de uma restrição
disfarçada ao comércio internacional e uma discriminação injustificada. O Grupo
Especial entendeu que a cláusula do Mercosul não configurou discriminação
arbitrária nem restrição disfarçada pois o volume de pneus a adentrar no país não
fora significativo e também por que houvera um motivo para que a exceção
ocorresse: uma decisão arbitral no âmbito do Mercosul100. Mas, como foi dito, o
Órgão de Apelação reverteu esse ponto, e entendeu que discriminação foi
injustificável independentemente de ter sido o montante de importações expressivo
ou não, e que a decisão proferida pelo Mercosul não constituiu justificativa para o
tratamento discriminatório entre Membros da OMC, uma vez que esta não se
coadunou com o intuito legítimo que exige o texto do Art. XX, sobre Exceções
Gerais101.
É necessário observar a relação do princípio do Tratamento Geral de MNF
nesse caso. O Tratamento Geral de NMF dispõe que nenhum Membro pode dar
tratamento a um país sem que esse tratamento se estenda a todos os Membros da
OMC. Muito embora seja o texto desse princípio tão próximo do caso em comento, o
98
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/AB/R. Brasil: Medidas que afetam a importação de pneus
reformados. Relatório do Órgão de Apelação. 03/12/2007. Disponível em: < http:// www.itamaraty.gov.br/oministerio/conheca-o-ministerio/tecnologicos/cgc/solucao-de-controversias/
participacao-do-brasil-noscontenciosos-documentos/brasil-como-demandado/ds-332-brasil-medidas-relativas-a-importacao-de-pneusreformados-comunidades-europeias/2-apelacao-art-17-do-esc/03-dez-2007-relatorio-do-orgao-de-apelacaoportugues > Acessado em: 19 de mai. de 2013. § 254.
99
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/AB/R. Brazil: Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres,
03/12/2007, § 252.
100
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/AB/R. Brasil: Medidas que afetam a importação de pneus
reformados. Relatório do Órgão de Apelação. 03/12/2007, § 229.
101
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/AB/R. Brasil: Medidas que afetam a importação de pneus
reformados. Relatório do Órgão de Apelação. 03/12/2007, § 257.
20
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
Grupo Especial deixou de lado a tese da CE que envolvia o princípio de Tratamento
Geral de NMF. O órgão revisor também deixou de fazer sua análise sobre o princípio
de do Tratamento Geral de NMF, mas não deixou de fazer algumas anotações sobre
o tema. Órgão Permanente de Apelação viu dificuldades para compreender a razão
pela qual o Grupo Especial assim procedeu102.
O Grupo Especial entendeu que não seria necessário analisar o caso sob a
ótica do Tratamento de NMF, por já se ter “o necessário” pra formar o
convencimento dos julgadores (ao que se deu o nome de “economia judicial”). O
Órgão Permanente de Apelação chamou a atenção do Grupo Especial com relação
à economia judicial exercida, advertindo que esta deve se prestar a simplificar a
decisão do julgador para casos em que há múltiplas teses, mas que uma delas seja
suficiente para resolver a controvérsia103.
Observa-se que os princípios da OMC quase foram deixados de ser
aplicados no âmbito do Grupo Especial diante de determinadas prerrogativas:
Exceções Gerais, nomeadamente para a defesa da saúde humana e animal, e
relativa ao bloco econômico Mercosul. Se de um lado se colocou a não
discriminação, através do princípio de Tratamento Geral de NMF e TN, e a
Eliminação Geral de Barreiras Quantitativas, do outro, exceções se abriam diante de
legítimas intenções ecológicas. Veja-se que “legítimas intenções” ecológicas seriam
somente as medidas reconhecidamente necessárias a seu objetivo, caso contrário,
seriam consideradas discriminações arbitrárias ou restrições disfarçadas ao
comércio internacional (como de fato ocorreu).
Diante disso há de questionar da existência de um confronto de princípios
que, na verdade, faz parte da própria lógica interpretativa do GATT: o sistema foi
construído encima das bases da não discriminação, ou seja, pelos princípios do
Tratamento Geral de NMF e TN, e esses valores se refletem também em demais
princípios como o da Eliminação Geral de Restrições Quantitativas, entretanto
princípio da não discriminação quase deixou de ser aplicado por conta da aplicação
das Exceções Gerais contidas no Artigo XX, só o foi por que as importações de
pneus garantidas pelo Judiciário e a exceção aberta aos países do Mercosul
102
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/AB/R. Brasil: Medidas que afetam a importação de pneus
reformados. Relatório do Órgão de Apelação. 03/12/2007, § 257.
103
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/AB/R. Brasil: Medidas que afetam a importação de pneus
reformados. Relatório do Órgão de Apelação. 03/12/2007, § 257.
21
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
constituíram discriminações arbitrárias e injustificadas ao comércio internacional,
pelo que representaram ameaças ao objetivo da proibição de importação, não mais
se coadunando com os requerimentos da Exceções Gerais104.
Abra-se espaço para narrar da aplicação princípios que instrumentalizam o
princípio da não discriminação: Tratamento Geral de NMF e TN. Eles são descritos
na Seção 2 como os princípios fundamentais da OMC e dão base ao ideário do livre
comércio105. Quanto ao Tratamento Nacional, Artigo III do GATT, houve um
confronto com a prerrogativa de defesa da saúde humana e animal, presente nas
Exceções Gerais, no que se referiu à aplicação de multas e à lei estadual do Rio
Grande do Sul, por estabelecerem um tratamento desigual entre produtos nacionais
e importados similares (pneus reformados), dando a estes um tratamento menos
favorável. Diante disso não houve dúvida: ambos colegiados viram que a
discriminação por razão de procedência não era justificáveis diante das Exceções
Gerais.
Por fim, o Tratamento Geral de NMF é um princípio que, apesar de presente
na tese da Comunidade Europeia, não foi analisado pelos colegiados no âmbito do
OSC, mas isso ocorreu sob uma condição ímpar, ressalte-se. O Órgão de Apelação
não viu necessidade de fazer sua análise sobre ele, mas viu que teria sido
necessário o Grupo Especial tê-la feito para formar seu convencimento. Mas, no
final, esse princípio não foi desrespeitado, por que o privilégio dado a países do
Mercosul foi visto como incongruente com os objetivos de “proteção do meio
ambiente”, previstos na cláusula de Exceção Geral.
As decisões resultantes do Grupo Especial e do Órgão Permanente de
Apelação defluiram de uma lógica de equilíbrio na aplicação tanto princípios quanto
de regras destinadas a imunizar determinadas circunstâncias específicas. Às tais
circunstâncias, traduzidas em itens do Art. XX do GATT, estão reservadas condições
rígidas de aplicabilidade, quais sejam, (I) não constituir discriminação arbitrária ou
injustificada e (II) nem restrição disfarçada ao comércio internacional. Donde há de
104
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/AB/R. Brasil: Medidas que afetam a importação de pneus
reformados. Relatório do Órgão de Apelação. 03/12/2007, § 258, b, II e III.
105
KLOR, Adriana Dreyzin, et al. Solução de controvérsias: OMC, União Europeia e Mercosul. Rio de Janeiro:
Konrad Adenauer-Stiftung, 2004. Disponível em: <http://www.iadb.org/intal/ intalcdi/PE/2009/03300.pdf>. Acesso
em: 12 mar. 2013. p. 18.
22
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
se concluir que não é qualquer situação que se poderá considerar como cabível nas
hipóteses das Exceções Gerais.
Muito embora se tenha reconhecido a pertinência dessas “excludentes“ em
determinado momento, com relação à Portaria 14/2006 nomeadamente (inclusive no
que tange a “exceção Mercosul”), a tese defendida pelo Brasil não foi aceita pelo
Órgão de Apelação, que pendeu para a aplicação dos princípios do Tratamento
Nacional e da Eliminação Geral de Restrições Quantitativas. Entendeu-se que as
medidas excepcionais adotadas pelo Brasil, através do seu Judiciário e através da
norma que recepcionou a importação de remoldados do Mercosul a despeito dos
Membros da OMC, ameaçaram seriamente o desiderato da proibição de pneus
importados.
A decisão final, que resulta da soma dos dois Relatórios (do Grupo Especial
e do Órgão de Apelação) representa o resguardo do princípio da Não Discriminação
contra políticas de “protecionismo disfarçado”, o que se dá simplesmente pelo
adequado emprego do que já está disposto claramente na cláusula de Exceções
Gerais - sobre a qual há de se identificar uma técnica legislativa bastante precisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A OMC significou um passo à frente no comércio internacional ao
estabelecer um sistema destinado à prestação de uma tutela jurisdicional
estabelecida de modo consistente no âmbito do comércio internacional. Objetivos e
princípios adotados por esta organização internacional prestam um papel relevante
no atual cenário globalizado e marcado pela ação de múltiplos polos de poder,
assim, a dinâmica por estes produzida acaba por gerar uma demanda por um grau
de segurança e previsibilidade que veio a ser atendida, pelo menos em parte, pelo
novo sistema jurisdicional criado junto à OMC.
Os objetivos - ditos eles o aumento da produção e comércio, atento aos
diferentes níveis de desenvolvimento econômico, e destinado à elevação dos níveis
de vida e pleno emprego - só podem ser efetivados pela confluência de todos à
jurisdição da OMC e ao atendimento de seus princípios fundamentais. Daí concluirse pela clara relevância do OSC para todo o sistema: é ele que propugna pela
eficácia dos valores adotados pela sociedade internacional na questão comercial.
23
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
A aplicação desses princípios pelo OSC representa o ataque aos atos que
infringem determinados valores adotados pela OMC, como por exemplo, regras de
direito interno de algum país Membro. No caso em apreço, assim ocorreu com o
tradicional princípio da Não Discriminação, traduzido pelo GATT em Tratamento de
NMF e TN, e com o princípio da Eliminação Geral de Restrições Quantitativas. O
pedido de consulta da Comunidade Europeia ao OSC significou que alguns atos e
regras de direito interno do Brasil foram postos em cheque no caso dos pneus por
não estarem em consonância com valores internacionais celebrados pelos
integrantes da OMC, e da análise feita, apercebe-se que os julgamentos do OSC, e
as posteriores implementações por si supervisionadas, não são nada mais do que a
própria persecução dos objetivos da OMC pela aplicação dos seus princípios.
Mas veja-se que, do mesmo modo que a aplicação de princípios traduzem a
proteção de determinados valores, as exceções abertas a estes mesmos princípios
não poderiam expressar objeto diverso: não se trata do abandono de valores, mas a
atenta observância de outros, no afã de se cumprir com os objetivos da OMC de
maneira harmônica, sem que o alcance de um, anule o outro.
Sob este aspecto é que o caso concreto muito chama a atenção, pelo que
demonstra a aplicação da técnica legal dos tratados da OMC e da interpretação
dada pelo OSC, no que princípios são utilizados em conjunto com o elenco de
determinadas exceções.
Observando este fenômeno foram aventadas duas hipóteses, a primeira
tratou de verificar a possibilidade de deixar de se aplicar princípios em função das
exceções gerais, e foi confirmada em sua totalidade por que, embora se tenha
considerado a aplicação da exceção relativa à proteção da saúde humana, animal e
vegetal (Art. XX, b), esta não prosperou no final pelo fato de que as condutas do
Brasil – importações asseguradas pelo judiciário e importações liberadas aos países
do Mercosul - demonstraram insegurança para com a finalidade da cláusula XX
(que estabelecem condições para aplicação das Exceções Gerais), significando o
seu não cumprimento, de modo que prevaleceram os princípios da Eliminação Geral
de Restrições Quantitativas, e o Tratamento Nacional.
E a segunda consistiu em elucidar se algum princípio deixou de ser usado,
mesmo sendo cabível, a qual ficou confirmada ao se esmiuçar o princípio do
Tratamento Geral de NMF e sua relação com a decisão em comento. Significando
24
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
este princípio o dever de se estender o “tratamento privilegiado” dado a um país a
todos os outros, comprovou-se que o Brasil deu a pneus remoldados vindos do
Mercosul uma “regalia” que não se estendia a pneus remoldados vindos das outras
partes do mundo. Não negando tal fato, o país se defendeu alegando estar agindo
sob uma prerrogativa das Uniões Aduaneiras, onde podem seus integrantes se
beneficiar de concessões não aplicáveis ao países de fora. Mas a tese não foi aceita
pelo que tal privilégio iria de encontro com o objetivo de se proteger o meio
ambiente, pelo que se anularia tal objetivo se se mantivesse tal abertura,
constituindo-se uma discriminação injustificada. Disso pode-se concluir que foi
também prestigiada a Não Discriminação entre países, na forma do Tratamento
Geral de NMF, já que se condenou o privilégio concedido a países do Mercosul de
modo que este seria uma discriminação, ou, sob a análise do Tratamento de NMF,
um tratamento que não se estendeu a outros países.
Analisar alguns dos princípios que regem o sistema jurídico da OMC, bem
como a aplicação das Exceções Gerais no caso dos pneus, tratou-se de um
“exercício” que demonstrou a técnica do GATT em equilibrar mesmo a aplicação de
princípios tradicionais como Eliminação Geral de Restrições Quantitativas, através
de cláusulas que vão de encontro com um dos objetivos das regras da OMC que é a
liberalização das trocas comerciais entre os seus Membros. Não sendo propriamente
um “atravessamento” de uma regra por um princípio o que ocorreu no caso dos
pneus, mas a sim uma (quase) aplicação de uma hipótese específica de exceção,
pode se dizer que não se tratou de uma sobreposição de princípios. Entretanto,
pode-se dizer que o que existiu no caso foi a busca por um equilíbrio que se destina
perseguir a cumprimento dos objetivos da OMC de forma harmônica.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que
Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais
Mulilateirais do GATT. Diário Oficial da União, 31 de dezembro de 1994.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm>
Acessado em 14 de mai. de 2013.
BRASIL. Lei n. 313, 30 de julho de 1948. Autoriza o poder Executivo a aplicar,
provisoriamente, o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio; reajusta a
Tarifa de Alfândegas, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 03 de
25
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
agosto de 1948. Disponível em: < http://legis.senado.gov.br/legislacao/Lista
TextoIntegral.action?id=79384&norma=106040> Acessado em 14 de mai. de 2013.
BRASIL. Lei Estadual n. 12.114, de 5 de julho de 2004, Rio Grande do Sul. Proíbe a
comerciaização de pneus usados importados no Estado e dá outras providências.
Diário Oficial do Estado, 30 de dezembro de 2005, alterada pela Lei 12.182, de
15/12/2004 Disponível em: <http://www.normasbrasil.com.br/norma/lei-12114-2004rs_153883.html> Acessado em 14 de mai. de 2013.
BRASIL. Portaria SECEX 14, de 17 de novembro de 2004. Diário Oficial da União,
23 de novembro de 2004. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivo/
legislacao/portarias/secex/2004/prtsecex14_2004.pdf> Acessado em: 15 de mai. de
2013.
BRASIL. Decreto Presidencial 3.919,de 14 de setembro de 2001. Diário Oficial da
União, 17 de setembro de 2001. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_
03/decreto/2001/D3919.htm> Acessado em 14 mai. de 2013.
BRASIL. Departamento de Comércio Exterior (DECEX), Portaria nº 8 de 13 de maio
de 1991. Diário Oficial da União, 14 de maio de 1991. Disponível em: <http://www.
desenvolvimento.gov.br/arquivos/dwnl_1197490614.pdf> Acessado em 14 de mai.
de 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Adequação da arguição pela correta indicação
de preceitos fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Relatora: Cármen Lúcia. DJ, 4/06/2009. Lex:
Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Jurisprudência. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629955>
Acessado em 10 de mai. de 2013.
BRASIL. Portaria INMETRO 227 de 21 de setembro de 2006. Regulamento Técnico
da qualidade para reforma de pneus destinados a automóveis, camionetas,
caminhonetes e seus rebocados. Disponível em: <http://www.aladi.org/nsfaladi
/normasTecnicas.nsf/09267198f1324b64032574960062343c/31231d4e58d151d102
579e4004c7b51/$FILE/Portaria%20N%C2%B0%20227-2006.pdf> Acessado em 20
de mai. de 21013.
CASELLA, Paulo B.; MERCADANTE, Aramita de A (Coord). Guerra comercial ou
integração mundial pelo comércio? A OMC e o Brasil. 853 p.
CARVALHO, Leonardo de Arquimimo de. OMC: estudos introdutórios.São Paulo:
Thomson, 2005. 253 p.
CHEREM, Giselda S. Organização Mundial do Comércio: economia & direito &
subsídios. Curitiba: Juruá, 2003. 224p.
CORRÊA, Luís Fernando Nigro. O Mercosul e a OMC: Regionalismo e
Multilateralismo. São Paulo: LTr. 2001. 154 p.
CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial: Casuística
de Interesse para o Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. 590 p.
26
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
CRUZ, Flávia Machado. Direito Internacional Público. Niterói:Impetus, 2010. 252p.
KLOR, Adriana Dreyzin, et al. Solução de Controvérsias: OMC, União Europeia e
Mercosul. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer-Stiftung, 2004. Disponível em
<http://www.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2009/03300.pdf. Acesso em 12/03/2013. p. 1416>. Acessado em 24 de abr. de 2013.
LAFER, Celso. A OMC e a regualmentação do comércio internacional: uma visão
brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.168 p.
LIMA, Rodrigo Carvalho de A. O princípio da precaução no comércio multilateral.
Sequencia. UFSC, Florianópolis, SC. v. 24 n.47 2003 Disponível em : <
http://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15284/13887>. Acesso em:
15 de mai. de 2013.
MERCADANTE, Araminta de Azevedo; MAGALHÃES, José Carlos de (Coord.).
Solução e prevenção de litígios internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1999. Volume II. 550p.
MICHELS, Gilson Wessler. O papel da Organização Mundial do Comércio no
processo de aproximação das ordens tributárias nacionais. 2009. 262 f. Tese
(Doutorado em Direito) – Curso de pós-graduação em Direito, Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis. Disponível em: < http://feb.ufrgs.br/feb/objetos/
1165419> Acessado em 14 de mai. de 2013.
NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo. São Paulo: Aduaneiras, 2002. 142p.
Organização Mundial do Comércio. Principles of the trading system. Disponível
em: < http://www.wto.org/ english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact3_e.htm >.Acesso em:
2 de mai. de 2013.
Organização Mundial do Comércio. WT/DS58/AB/R. United States: Import
Prohibition of Shrimp and CertainShrimp Products (US – Shrimp), 12/10/1998.
Disponível em: <http://wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds58_e.htm>
Acessado em 10 de mai. de 2013.
Organização Mundial do Comércio. WT/DS32/R. Turkey – Restrictions on imports
of textile and clothing products, 31/05/1996. Disponível em:
<http://wto.org/english/tratop_e /dispu_e/cases_e/ds32_e.htm > Acessado em 20 de
abr. de 2013.
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/AB/R. Brasil - Medidas que afetam
a importação de pneus reformados. Relatório do Órgão de Apelação. 03/12/2007.
Disponível em: < http:// www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-oministerio/tecnologicos/cgc/solucao-de-controversias/participa cao-do-brasil-noscontenciosos-documentos/brasil-como-demandado/ds-332-brasil-medidas-relativasa-importacao-de-pneus-reformados-comunidades-europeias/2-apelacao-art-17-doesc/03-dez-2007-relatorio-do-orgao-de-apelacao-portugues> Acessado em: 19 de
mai. de 2013.
27
AMARAL FILHO, Alexandre José Mattos do; CHEREM, Giselda da Silveira. A aplicação dos princípios da OMC a
partir da análise do caso dos pneus usados importados pelo Brasil. Revista Eletrônica de Iniciação Científica.
Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 01-28, 1º Trimestre de 2014. Disponível
em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
Organização Mundial do Comércio. WT/DS332/R. Brasil – Medidas relativas à
importação de pneus reformados. Relatório Final: Parte factual e Conclusões em
português, 12/07/2007. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/oministerio/conheca-o-ministerio/tecnologicos/cgc/solu cao-decontroversias/participacao-do-brasil-nos-contenciosos-documentos/brasil-co modemandado/ds-332-brasil-medidas-relativas-a-importacao-de-pneus-reformadoscomunidades-europeias/1-painel/12-jun-2007-relatorio-final-do-painel-parte-factuale-conclusoes-portugues> Acessado em 19 de mai. de 2013.
Organização Mundial do Comércio. WT/DS176/AB/R. United States: Section 211
omnibus appropriations act of 1998, 02/01/2002, § 297. Disponível em: <
http://wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds176_e.htm> Acessado em 19 de
mai. de 2013.
PEREIRA, Bruno Ypes. Curso de Direito Internacional Público. 2.ed. São Paulo:
Saraiva. 2007. 245 p.
PRAZERES, Tatiana Lacerda. Comércio internacional e protecionismo: As
barreiras técnicas na OMC. São Paulo: Aduaneiras, 2003. 308p.
QUAGLIA, Maria de Lourdes Albertini. Consistência e validade das decisões do
sistema de solução de controvérsias da OMC relativas ao Direito Ambiental e
sua jurisdição. 2011. 237 f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de PósGraduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte. 2011. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_
QuagliaMLA_1.pdf> Acessado em 15 de mai. de 2013.
SAVIO, Adriana Macena S. O caso dos pneus perante OMC e o Mercosul.
Universitas: Relações Internacionais. Centro Universitário de Brasília. v. 9, n1, 2011.
Disponível em <http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/relacoes
internacionais/article/view/1361>. Acessado em 18 de mai. de 2013.
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração
hermenêutica da construção do Direito. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2011. 420p.
THORSTENSEN, Vera; JANK, Marcos S. O Brasil e os grandes temas do
comércio internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2005. 416p.
THORSTENSEN, Vera. Organização Mundial do Comércio: As regras do comércio
internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 520p.
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado (Org.). A nova dimensão do direito
internacional público. Brasilia, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2005. v. 1.
277p.
28
Download

a aplicação dos princípios da omc a partir da análise do