A.P.O.P. Lisboa 21 de Abril 2004 Psicologia, Maus Tratos e Resiliência Pierre Tap Professor Jubilado Universidade de Toulouse Le Mirail Director de investigação em várias instituições portuguesas Os elementos da presente conferencia foram extraídos do artigo « Maltraitance et résilience » a publicar em francês (Maio 2004) na revista Aprendizagem e desenvolvimento (Instituto Piaget) Algumas notas preliminares : o contexto socio-cultural no qual intervêm o conceito de “resiliência” O modelo do adulto chegando à maturidade não é considerado como um ideal a atingir pelos próprios adultos O síndroma de Peter Pan é um exemplo típico das dificuldades psicológicas ligadas à recusa do estatuto de adulto • Cf. la conférence de Pierre Tap à l’Universidade Autonoma de Lisboa (rua Santa Marta) « Riscos, resiliência e síndroma de Peter Pan » Quinta feira 20 de Miao 2004, 18h 1988 1996 1996 De la maltraitance psychique • Cf. Hurni et Stoll (1996) Saccages psychiques au quotidien. Perversions narcissiques dans les familles. Paris, L’Harmattan Hurni et Racamier (1996) La haine de l’amour Paris, L’Harmattan Maltraitance psychique • Une mère à sa fille : • “Je t’admire ma chérie de t’être si bien accrochée alors que je faisais tout pour avorter de toi”.. Maltraitance psychique • Surdité aux souffrances des autres, mais aussi à la leur.. • Sentiment de toute-puissance, • Humour sarcastique et ravageur • Attirance aux transgressions = pervers manipulateurs Declarar que uma pessoa é resiliente supõe 1. Que ela viveu uma situação, um acontecimento de alto risco de disfuncionamento, “maus tratos” provocando um stress elevado e efeitos perturbadores .. (definição restritiva ou extensiva de maus tratos e do carácter fortemente stressante da situação ou do acontecimento); Declarar que uma pessoa é resiliente supõe 2. Que ela pode atravessar essa situação, viver esse acontecimento sem efeitos perturbadores maiores para o seu desenvolvimento psicológico e social (daí a questão da definição do que é o desenvolvimento psicológico normal, o comportamento normal). É a Bruno Bettelheim, psicanalista americano, que se deve uma das primeiras analises dos efeitos psicologicos de uma situação extrema. Em 1943, publica um artigo intitulado comportamento individual e comportamento de massas em situações extremas e que começa pela informação seguinte: « o autor passou aproximadamente um ano, entre 1938-1939, em dois dos maiores campos de concentração alemães destinados aos presos politicos, Dachau et Buchenwald » Bruno Bettelheim Surviving and others essays 1943/ 1976 Tr.fr. Survivre La paix qui règne dans une société totalitaire s’achète au prix de la mort de l’âme Paris, Laffont 1979 Segundo Bettelheim, «encontramo-nos numa situação extrema quando somos subitamente catapultados para um conjunto de condições de vida onde os nossos valores e os nossos mecanismos de adaptação antigos não funcionam mais e que alguns deles põem em perigo a vida que eles estão encarregues de proteger» Em termos psicossociais, a situação extrema não é somente definida como «externa», o sujeito encontra-se fundamentalmente implicado. «o afundamento brutal e simultâneo de todas as nossas defesas contra a angustia da morte precipita-nos no que chamei, na falta de um outro termo, uma situação extrema» (id. ibid.). O resiliente será portanto o que sobreviveu à situação extrema. Ainda segundo Bettelheim a sobrevivência implica dois tempos, distintos e portanto muito associados : • o traumatismo original associado a um regime extremo de terrorismo e que no momento provoca a degradação da personalidade, a destruição da vida social anterior pela privação do suporte; • os efeitos ulteriores, em termos de vulnerabilidade, de repercussões sobre toda a vida da pessoa. mas como viver com uma dificuldade existencial que não apresenta soluções? 1. deixar-se destruir pela experiência. o síndrome do campo de concentração instala-se, baseado no sentimento de incapacidade de se reconstituir, na culpabilidade e no sentimento de uma injustiça percebida: «tenho sofrido tanto, e ainda tenho que me justificar, prestar contas ! » ; 2. negar todas as consequências duradouras. a pessoa não nega o facto histórico vivido, mas ela nega, reprime ou recalca tudo o que possa estar ligado aos efeitos actuais; recusa a ideia de uma reestruturação pessoal necessária ou de uma inevitável reestruturação relacional, axiológica, cultural. este processo pode ser consciente (recusa), pré-consciente (negação, repressão) ou inconsciente (recalcamento) ; 3. Lutar por ficar consciente e tentar fazer face às dimensões mais terríficas para si, e poder reintegrar-se (reconstituir-se). Gustave Nicolas Fisher A mola invisível 1994 Seuil Na Mola invisível (1994) Fisher retoma a questão das situações extremas vividas colectivamente (guerras, catástrofes naturais, genocídios, etc.) mas inclui as situações vividas individualmente (doenças, sida, acidentes, perca de um ente querido..) nas quais a pessoa é confrontada com a morte, a dos outros (já ocorrida ou temida) ou a sua, percebida como possível, provável ou inevitável. « L’esprit n’est qu’un faisceau ou une collection de perceptions différentes, qui se succèdent avec une rapidité inconcevable et sont dans un flux et un mouvement perpétuels » (David Hume, philosophe, XVIII°). William James (psychologue) parlait déjà de « courant de pensée ». Le sujet, a le sentiment que sa conscience est toujours continue.. même si les contenus de la conscience changent en permanence. La pensée est un flux. (1890) Teoria do “flow” (fluxo, fluidez) Mihali Csikszentmihalyi Flow : Psychology of optimal experience 1990 New York , Harper Perennial. 2004 1996 fases óptimas (felicidade) = Um certo estado psicológico, caracterizado por um sentimento de fluidez mental e de intensa Concentração sobre as tarefas que mobilizam todas as nossas competências Mais les liens entre Fluidité et fixité continuent à poser des problèmes « La conscience est un film aux images fixes que le cerveau déroule » d’après Oliver Sacks. In « Les instantanés de la conscience ». La Recherche, n° 374, Avril 2004 Quel lien peut-on faire entre la flexibilité de la résilience et la fluidité de la conscience, ou du verbe .. ? « Resilience » e outros conceitos • « Resilience » e « stress » • « Resilience » e « coping » • « Resilience » e « mecanismos de defesa » • « Resilience » e « vinculação » • « Resilience » e « self esteem » e « self-efficacy » … Aubeline Vinay, Sylvie Esparbès-Pistre et Pierre Tap (2000) Attachement et stratégies de coping chez l’individu résilient Revue Internationale de l’éducation familiale. 4, 1, nº spécial résilience (pp. 9-36) empowerment resiliência autonomia Controle da situação apego adaptação Coping Estratégias de fazer face suporte social Gestão do stress Interno Indivíduo ----------------------------------------- Meio Tensão Protecções Recursos Internos Disposições Situação Sentido Conflito Externo constrangimento riscos Protecções recursos externos Suporte social Stress elasticidade(mola) Ego Resiliency Coping Resilience Transacções Centro Europeu de Investigações sobre Condutas e Instituições (CEICI) Fundação Bissaya Barreto Coimbra sob a direcção de Pierre Tap & Maria de Lourdes Vasconcelos Precariedade & vulnerabilidade psicologica. Comparações francoportuguesas Obra a publicar a 23 de Abril 2004 A resiliência : definição do conceito : • resiliência : aptidão de um corpo para resistir a um choque («aguentar o golpe») (aguentar) • resilire : eliminar os efeitos nefastos; ressaltar (restaurar o equilíbrio)+ recomeçar Riscos Riscos Resiliência Protecção Riscos três elementos importantes ressaem destas definições: • A gestão dos recursos no tempo. • Uma flexibilidade adaptativa face a um contexto desfavorável. • Para além da interacção sujeito-meio, gerir a transição pela transacção. Transição Como meio de evitar a ruptura, de gerir a crise de modo continuo e mais flexível, de manter a ligação transformando a relação, dando-lhe sentido, etc Pressão Cristal Estado sólido Estado líquido Ponto crítico Estado gasoso Temperatura Pressão Flexibilidade instável Rigidez dogmática S coerência Normativa L Fluidez criativa Dispersão – deixar - ir G Nomadismo - sopro Calor Pressão A transição sólida <-> gasoso L S G Sublimação Temperatura Pressão a transição sólida <-> líquida fusão L S G Temperatura Pressão A transição líquida <-> gasoso L S G Vaporização Temperatura fase de crise Transição fluida Aguentar o golpe Primeira definição de resiliência Fase de crise Transição fluida Ruptura Queda Fase de crise Transição fluida Ruptura Queda Transição dura ressalto (retoma ) Fase de crise Transição fluida Ruptura Queda (ressalto) (retoma ) Transição dura Segunda definição da resiliência Perspicácia Competência social As sete resiliências (Sybil Wolin & Steven Wolin) Humor cf. www. Projectresilience.com Self criança Self adolescente Self adulto Resiliência e contexto social • A noção de “resiliência” aplica-se tanto ao indivíduo enquanto pessoa como aos grupos sociais (famílias, associações, rede de relações) A pessoa deve ter acesso a poder… (empowerment) Empowerment = processo pelo qual uma pessoa que se encontra em condições de vida mais ou menos incapacitantes desenvolve através de acções concretas, o sentimento que lhe é possível exercer um maior controle sobre os aspectos da sua realidade Psicológica e Social Meios :acção, gestão de recursos, comunicação com pessoas significativas (identificações). O processo de identificação como acesso ao poder … • Modo de como «sou capaz de ser o outro, sem que por isso perca quem sou eu» • atitude cognitivo - afectiva, • Uma procura de similitudes e de diferenciações sociais. Apego e identificação • « as crianças resilientes parecem ser especialmente adeptas do recrutamento activo dos pais de substituição, mesmo que eles não façam parte dos parentes", (Durning, 1995). segundo M.R. Cardoso na revista Visão (2003). Jerrold Post (psicólogo politico da CIA) “descreveu Saddam Hussein como o triste resultado de uma infância atribulada. O pai e o irmão morreram quando a mãe estava grávida. Esta tentou abortar e suicidar-se. Quando o pequeno Saddam nasceu, a mãe nem queria vêlo; viveu com o tio os primeiros três anos. De volta à casa materna, encontrou um padrasto violento. Regressou ao tio, um fervoroso nacionalista anti britânico que o pôs a estudar e lhe profetizou uma “grande liderança árabe”... Esta infância traumática tera gerado um homem com “ambições messiânicas”, “consumido pela auto-adoração” e que “compensa a violência exercida sobre ele transferindo-a para os outros”. Um louco ? Nem pensar, diz. Antes um homem “racional e muito perigoso”. .. resiliente e perverso : ele era um e o outro sem qualquer dúvida. As identificações e os ideais na dinâmica resiliente A identificação é ao mesmo tempo procura de similitudes e de diferenciações sociais Seis processos de identificação podem ser inferidos Seis processos de identificação podem ser inferidos : 1. A identificação de dependência (ou fusional, ou de desenvolvimento, ou anaclítico) : aspecto defensivo : luta contra o sentimento de abandono aspecto construtivo : acesso à confiança e à segurança emocional Seis processos de identificação podem ser inferidos : 2. A identificação com o agressor aspecto defensivo : luta contra a angustia de perca de integridade psíquica aspecto construtivo : capacidade de controle das emoções ou capacidade de reacção pela recusa, a negação Seis processos de identificação podem ser inferidos : 3. A identificação de domínio e de sucesso : aspecto defensivo : luta contra a angustia de impotência e de insucesso aspecto construtivo : aprendizagem do sucesso, capitalização das competências. Seis processos de identificação podem ser inferidos : 4. A identificação especular e gemelar aspecto defensivo : luta contra angustia da estranheza corporal, sexual.. aspecto construtivo : apropriação de semelhanças Seis processos de identificação podem ser inferidos : 5. A identificação categorial aspecto defensivo : angustia de rejeição, de marginalidade, de não reconhecimento; angustia ligada aos que não são “nós” aspecto construtivo : vivência de pertença, de solidariedade, de igualdade e de diferenciação. Seis processos de identificação podem ser inferidos : 6. A identificação com o projecto aspecto defensivo : medo de impotência, de incompletude e da morte aspecto construtivo : busca de excesso, capacidade de antecipar e de gerar a mudança, idealização pessoal ou colectiva.. 2003 Bandura, A. (1997) Self-efficacy Processos para favorecer a prevenção precoce Fazer a prevenção precoce, é proporcionar a facilitação da emergência de processos necessários ao comportamento resiliente em situação de alienação 1. defesa/protecção : • Quando falta a família, as pessoas alternativas têm um papel « de iniciadores». • a protecção : «reduz o desenvolvimento de disfuncionamento ou de uma desordem em presença de vulnerabilidade e de experiências de vida stressantes", (Gore et Eckenrode, 1994). 2. Equilíbrio face às tensões (aguentar o golpe) : • A flexibilidade, (Rowland, 1989) : a maleabilidade adaptativa, a capacidade de fazer concessões, de gerir o melhor as exigências contraditórias, de encontrar um equilíbrio pessoal. 3. compromisso - desafio : • Tomar a iniciativa : risco deliberado, necessário para sobreviver. • «o risco evoca a incerteza do resultado da confrontação da criança com um stress do seu envolvimento ou interior", (Solnit, 1982). • risco : prova de verdade. 4. Retoma : • « os recursos desconhecidos descobertos em si recuam momentaneamente, pelo menos, os limites que conhece das suas próprias capacidades de resistência. Assim o acontecimento traumatizante, pelo desenvolvimento de estratégias apropriadas é a oportunidade susceptível de libertar a famosa mola invisível segundo a feliz expressão de G. N. Fischer», (Boutinet, 1998, p.205). 5. Avaliação (aspectos cognitivos presentes em todos os processos) • resiliência : «utilizar bem o handicap que sobrevive ", (Boutinet, 1998, p.204). • Importa avaliar a complexidade da situação, do real, as solicitações, as intenções, as possibilidades e o que fazer com elas. 6. Significação/atribuir valor : • resiliência : «capacidade de dar sentido a uma experiência insensato, de ter um discurso coerente (Guedeney, 1998, p.24). • O facto de dar sentido, é uma maneira de agir sobre, o desligar total é justamente a negação do sentido, (Esparbès-Pistre & Tap, 2000). • Trata-se de ser autónomo, de constituir os seus próprios valores. 7. positividade de si : • « porque a vida é bela, e o germe da esperança se aninha mesmo no horror; há qualquer coisa que resiste a tudo, a qualquer destruição qualquer que seja. O riso salva-nos; ver o outro lado das coisas, o lado surreal, divertido, ou vir a imaginá-lo, impede-nos de nos importunar, de ser carregados como fetos, ajuda-nos a resistir para conseguir passar a noite, mesmo quando ela parece longa", (Benigni & Cerami, 1999, 9). 8. responsabilização : • A autonomia é um dos elementos fundadores e constituintes da responsabilidade, (Hoffmans-Gosset, 1993). • Sentindo-se responsável da sua sobrevivência, das suas capacidades por conseguir resolver o problema, pode envolverse positivamente e tornar-se o criador da sua vida. 9. criação (dinâmica de deslocações e divergências) : • Para afrontar uma dificuldade : utilizar o conjunto de processos evocados. • Para a ultrapassar e, se relançar, ressaltar sem muitos traços invalidantes : ser criativo. • Pela criatividade e imaginação o sujeito pode encontrar o sentido, dar sentido ou tomar sentido. Pour obtenir le powerpoint complet de la conférence le demander à Pierre Tap [email protected] (écrivez-lui en portugais !) ou a Samuel Antunes [email protected] ou à Ana Bela Mendes [email protected] Muito obrigado pela vossa excelente atenção !