enoturismo
A terra do artista
Pablo Picasso oferece
ótimos vinhos, que vão
dos modernos brancos
feitos com moscatel
aos belos tintos
de petit verdot
po r GE R SO N LO PE S de M ál a g a, E span ha
fo t o s GE R SON LO PE S e Sh u tterstoc k
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Paraíso vitivinícola, Málaga já teve em outras épocas seu “lugar ao sol”.
No sentido literal, pois esta cidade da Andaluzia, banhada ao sul pelo mediterrâneo,
pertence à Costa del Sol, cujas praias estão entre as mais procuradas pelos turistas
em todo mundo. Atualmente, Málaga parece aproveitar o grande momento dos vinhos
espanhóis para mostrar seus produtos, que mesclam tradição (há vinhos na região
desde 600 a.C.) e modernidade.
A província, que carrega o mesmo nome, conta com imperdíveis pontos turísticos,
tanto na capital quanto em outros municípios próximos, como Ronda, Marbella e Torremolinos.
Vista da cidade de
Málaga com a praça de
touros ao centro. Abaixo,
praça em frente à Catedral;
loja de frutas dentro do
mercado e entrada do
Museu de Vinho
(calcários) de Serranía de Ronda, situados nos
vinhedos altos (750 metros) e aliados ao clima
de grande amplitude térmica, fazem com que
algumas cepas tintas dêem-se aqui muito bem.
Degustando séculos
Catedral; cava
da Bodega
Frederico Schatz
e seu enólogo
entre os vinhedos.
Na página
ao lado, parte
velha da cidade
de Málaga;
ervas plantadas
entre os vinhedos
e o Museu
Picasso
Para quem ama bons vinhos e
comida, porém, o passeio é ines-
de Málaga (seus pescados são divinos), vale apre-
quecível. Em Málaga, há três
ciar seus monumentos e prédios. Caminhando em
vinhos tradicionais (Vinos de
direção à cidade velha, pode-se contemplar a bela
Licor, Dulces Naturais e Natu-
Catedral (construída entre 1528 e 1782) e, próxima
ralmente Dulces) e até seis sub-
dela, o Museu de Picasso, que fica no Palácio de
tipos, que variam de acordo com
Buenavista e foi declarado Monumento Nacional.
o envelhecimento por que passam. A compreen-
Um pouco mais distante está a Casa de Picasso,
são dos rótulos, porém, não é tarefa fácil para o
onde o artista nasceu. O Mercado de Atarazanas,
consumidor (sobre os vinhos de Málaga, confira
construído entre 1876 e 1879 no centro da cidade
reportagem na edição 29). Em termos de termi-
velha, é outra opção de visita. Nele, é possível de-
nologia, um pouco de simplicidade cairia bem.
gustar vinhos locais ao lado de suculentas tâmaras.
A Málaga dos vinhos
Antes de sair à caça dos vinhos e das comidas
Com a energia renovada, o trajeto continua
em direção à La Alcazaba, a bela fortificação
A região produtora de vinhos da província
mourisca do século XI, bem ao lado do Teatro
de Málaga, uma das menores DOs da Espanha,
Romano, descoberto nos anos 1950, com 31 me-
abriga 1.320 hectares de vinhedos, divididos em
tros de raio e 19 metros de altura. Finalmente,
cinco zonas. A de Axarquía é dominada pela
vale visitar o castelo de Gibralfaro, de influência
Moscatel, enquanto em Montes de Málaga, uma
fenícia, de onde se tem uma bela vista da cidade.
cadeia montanhosa que circula a capital, há pre-
Terminado o passeio, é hora de mergulhar
domínio desta e da uva Pedro Ximénez (PX). Em
nos vinhos de Málaga. Entre os produtores tra-
Málaga Norte reinam a PX, a Airén e a Doradilla;
dicionais há duas boas opções: a primeira delas
na Costa Ocidental, no limite com a província
é Quitapenas (www.quitapenas.es), uma bodega
de Cádiz, impera a Moscatel; mas é em Serra-
familiar situada no centro de Málaga com três
nía de Ronda que as cepas tintas mostram todo
tabernas ou bares próprios. Dentre eles, vale co-
seu potencial: só os vinhos aí elaborados podem
nhecer a da calle Sánchez Pastor, quase em fren-
conter no rótulo a inscrição Serranía de Ronda.
te à loja de vinhos La Reserva del Pastor, que
O clima e o solo variam de acordo com
também merece ser conhecida.
cada uma das zonas de produção. Axarquía,
A segunda opção é La Antigua Casa de
a mais oriental delas, é protegida dos ventos
Guardia (www.casadeguardia.com), uma secu-
que vêm do norte e, por isso, sofre mais a in-
lar taberna da bodega de mesmo nome, locali-
fluência do clima temperado vindo do Medi-
zada na alameda principal da cidade. Famoso,
terrâneo. Seu solo contém pizarras (ardósia) em
o lugar já recebeu várias visitas da rainha Isabel
decomposição, e terrenos pendentes à base de
II. Estes dois lugares são um pedaço precioso
lascas de ardósia. É, portanto, um bom lugar
da Espanha: os pescados fritos e frutos do mar
para se cultivar a Moscatel. Já os subsolos calizos
servidos em ambas as casas devem ser saborea-
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Fim de tarde em Málaga;
loja de frutos do mar típicos
da região no interior
do mercado (página ao lado)
dos de joelhos. Lagrima Christi e Pajarete 1908,
são, respectivamente, os vinhos mais famosos de Qui-
atualmente) e a única biodinâmica. Frederico Schatz
tapenas e La Antigua Casa de Guardia, e ambas as
é uma vinícola-butique, quase artesanal, localizada
vinícolas aceitam visitas programadas.
na Finca Sanguijuela, cujas vinhas estão na parte sul
Uma terceira opção para se conhecer os diferentes
do vale Llano de La Cruz.
estilos de vinhos malaguenhos é visitar o interessan-
te Museo del Vino Málaga (www.museovinomalaga.
a grande amplitude térmica explicam, em parte, por-
com), instalado num edifício do século 17, o Palacio
que se pode ter uvas de qualidade e com ciclos longos
de Biedmas, no centro histórico da cidade. Espaçoso
e curtos num mesmo local — e de cultivo natural.
— são mais de 800 m — inclui salas para exposições,
Frederico Schatz explica que no cultivo biodinâmi-
formação permanente e degustações, além de uma
co obtém-se um solo ordenado, onde a planta cres-
loja com livros e vinhos, entre outros itens. Na entra-
ce melhor, mais sadia e capaz de se defender. “Faço
da, há uma exposição de 400 litografias de rótulos e
biodinâmica sem radicalismos. Acredito que é preciso
cartazes do final do século 19 e início do 20, além de
ser ecológico para que sejamos econômicos e, assim,
garrafas e peças singulares. No andar superior, o visi-
sustentáveis”, diz o produtor.
um Chardonnay, um rosado feito com a Muskattrollinger
El Corte Inglés, e as especializadas Vino Calidad (www.vi-
tante pode conhecer um pouco da história do vinho
Em lugar de pesticidas ou herbicidas, Schatz busca
(Muscatoly ou Muscat) e quatro tintos — os varietais
nocalidad.com) e Lugar del Vino (www.lugardelvino.com).
da região, dos fenícios até nossos dias, bem como as
outras soluções. Por exemplo, planta árvores frutíferas
Pinot Noir e Petit Verdot, o Acinipo, à base da tinta Lem-
zonas de produção, o método de elaboração e os dife-
próximas aos vinhedos que, com suas frutas aromáti-
berger (comum na Hungria, onde é conhecida como
Mais famoso que o Jerez
rentes estilos da bebida. Depois, é hora da prática: há
cas, atraem insetos que poderiam ir às vinhas. Podas
Kékfrankos), e o Finca Sanguijuela, corte de Tempra-
provas de degustação (as mais específicas podem ser
do jardim e restos da vinificação são aplicados nas
nillo, Syrah, Merlot e Cabernet Sauvignon.
ximo a região de Málaga – particularmente Serranía
agendadas, com custo adicional), como a que oferece
preparações biodinâmicas, utilizadas não só nos vi-
Os tintos de Petit Verdot são um dos destaques da
de Ronda – poderá, talvez, vir a ser conhecida por
os vinhos da DO Málaga e da DO Sierras de Málaga.
nhedos mas em todo o campo. Até as ervas que cres-
região, sejam eles varietais ou em assemblage. Poten-
sua uva emblemática, a Petit Verdot. Outra aposta é na
Ao terminar a visita, entende-se perfeitamente a frase
cem entre as vinhas têm seu papel. “Elas evitam o ex-
tes e ao mesmo tempo elegantes, são vinhos frescos,
excelência dos vinhos feitos com a Moscatel: em Axar-
escrita no folheto de apresentação do museu: “Descu-
cesso de calor no solo, deixando-o mais fresco, o que
prontos para degustar ainda jovens, mas de boa guar-
quía, particularmente, eles são produzidos a partir
bra los siglos en su paladar”.
reflete nas uvas”, explica ele. “Além disso, minimizam
da. “De Serranías de Ronda saem Petit Verdot cada vez
da recuperação de vinhedos antigos por produtores
erosões, servem de nutrientes para insetos e bactérias,
melhores”, entusiasma-se Schatz, que produz cerca
como o inquieto Telmo Rodrígues, que ali produz o
que as atacam e deixam de lado a videira e, por fim,
de duas mil garrafas por ano deste varietal. Outra uva
vinho Molino Real (confira reportagem na edição
É lindo o caminho entre a cidade de Málaga e a
‘amortecem’ a chuva, evitando que os fungos ‘subam’
tinta que vem despontando é a Pinot Noir. As bodegas
31). Esta última aposta tem sua razão de ser: nos sécu-
comarca Serranía de Ronda. A cidade de Ronda sedu-
pela videira”, completa. O resultado, segundo o viti-
Vetas, Descalzos Viejos e Cortijo Los Aguilares forne-
los 17 e 18, os vinhos malaguenhos de Moscatel eram,
ziu personagens famosos, como o poeta Rainer Maria
cultor alemão, é um produto diferenciado. “Não há
cem bons exemplares destes tintos.
então, mais famosos do que o Jerez.
Rilke, o escritor Ernest Hemingway e o cineasta Orson
colheitas ruins, só maus viticultores”, sentencia ele.
Na ala moderna, valem menção os fantásticos mosca-
Não há como saber para que lado vão os resul-
téis, como o Molino Real, produzido por Telmo Rodrí-
tados desta revolução na pequena região. Sabe-se,
guez, o Victoria, de Jorge Ordóñez, e o Ariyanas Ter-
porém, que o caminho pode ser mais árduo quando
ruño Pizarroso, elaborado pela Bodegas Bentomiz.
a aposta recai sobre uma uva branca e seus vinhos
doces em lugar das cepas tintas e seus vinhos secos.
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Cultivo natural
Welles. Não há como não se maravilhar diante do Tajo
A proximidade do Atlântico (85 km do oceano) e
lumbrado a partir do Puente Nuevo ou do Parador de
Um terroir para
a Petit Verdot
Ronda, uma das boas opções de hospedagem.
Nos três hectares de vinhedos, de alta densida-
Entre os brancos secos desta uva destacam-se o Botani,
Em Ronda encontra-se a Bodega Frederico Schatz,
de (2.800 a 3.500 litros por hectare), são produzidas
de Jorge Ordóñez, e o Aryanas Seco sobre Lías. Vale
a primeira da região a se tornar ecológica (são quatro
por ano 15 mil garrafas em seis estilos, todos secos:
buscá-los em lojas como o tradicional magazine espanhol
de Ronda, um grande canyon que divide a cidade, vis-
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Se a Andaluzia é a terra do Jerez, num futuro pró-
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Sob o Sol de Málaga