A To g a
CENTRO ACADÊMICO ANDRÉ DA ROCHA
Avenida João Pessoa, 80 - térreo
(51) 3308.3598
[email protected]
Jornal dos estudantes da Faculdade de Direito da UFRGS
www.ufrgs.br/caar
Porto Alegre, abril de 2011 - Nº 1 - Ano LXIII
Distribuição gratuita
Tiragem: 1.000 exemplares
ENSINO
A despedida
da Profa. Judith
Martins-Costa
p. 3
INTERCÂMBIO
Os árabes
sob os óculos
escuros
europeus
?
p. 4
EXTENSÃO
Adolescentes
e ato
infracional no
SAJU
p. 5
CULTURA
O melhor do Brasil
p. 6-7
Um convite:
aproveite o
que a UFRGS
oferece
p. 8
A TOGA - Abril de 2011
2
EXPEDIENTE
EDITORIAL
A Toga
Jornal dos estudantes da Faculdade de Direito da
UFRGS - Nº 1 - Ano LXIII - Abril de 2011
Comissão Editorial: Bruno Bastos Becker,
Kézia Borges, Laura Damo da Cruz, Mariana
Medeiros Lenz, Rafael Xavier - “TAGA”.
Diagramação: Mariana Medeiros Lenz
Tiragem: 1.000 exemplares
A Toga é uma publicação promovida pelo Centro Acadêmico André da Rocha (CAAR). Os textos assinados
são de responsabilidade de seus autores.
Fundado por Nicanor Luz e José J. Dall-agnol,
em maio de 1949.
Imagem de capa: Maria Lucia Medeiros Lenz
DIRETORIA EXECUTIVA DO CENTRO
ACADÊMICO ANDRÉ DA ROCHA
Gestão Mãos Unidas, Mentes Abertas
Presidência: Elis Marina Barbieri
Vice-Presidência: Guilherme Jantsch
Secretaria-Geral: Nathalia Beduhn Schneider
Secretaria Acadêmica: Leonardo Serrat de
Oliveira Ramos
Tesouraria: Gustavo Saling dos Santos
Coordenação da Revista Res Severa Verum Gaudium: Laura Marazita Lotti
Secretaria de Ensino, Pesquisa e Extensão:
Ailime Pureur Macedo, Felipe da Costa De-Lorenzi, Laura Damo da Cruz.
Secretaria de Relações Institucionais: André Silva Gomes, Fernanda Stragliotto Bonotto,
Francisco Ponzoni Pretto, Patrícia Vilanova
Becker.
Secretaria de Eventos Acadêmicos: Bruno Bitencourt Pedroso, Eduardo Kowarick Halperin,
Luciano Zordan Piva, Paula Molina Leal, Rafael
Xavier - “TAGA”.
Secretaria de Cultura: Aline Gabrielle Renner,
Augusta Vezzani Diebold, Clarissa Cerveira de
Baumont, Lucas do Nascimento, Mariana Kuhn
de Oliveira.
Secretaria de Comunicação: Arthur Amaral
Reis, Mariana Medeiros Lenz.
Secretaria de Integração: Daniela Gonsalves
da Silveira, Fernando Polidori Rios, Pedro Conzatti Costa.
Secretaria de Assuntos Internacionais: Aline
Oliveira Vaccari, Gabriela Souza Antunes.
Secretaria de Esportes: João Thiago Campos
Lopes, Lucas de Mattos Ribeiro, Marcio Furtado.
Colaboraram nesta edição:
Arthur P. Bedin
Arthur Reis
Brayner Rogério
Tavares Araújo
Bruno Bastos Becker
Celina Leite Miranda
Eduardo Georjão
Fernandes
Eduardo Kowarick
Halperin
Emílio F. H. P. Freitas
João Vicente Padão
Rovani
Kézia Borges
Laura Damo da Cruz
Letícia Zenevich
Lucas do Nascimento
Marcelo Tosin
Marcio Cunha Filho
Mariana Medeiros
Lenz
Rafael Xavier –
“TAGA”
Rodrigo Führ de
Oliveira
Samuel Sganzerla
O jornal A Toga começa 2011 com
um projeto pronto para ser colocado no
papel, ou melhor, em vários papéis: consolidar sua periodicidade bimestral, tornando-se uma publicação que chega às mãos
dos estudantes de Direito da UFRGS regularmente, uma vez a cada dois meses,
sempre com data para retornar com mais
reportagens, poemas, resenhas e opiniões.
Queremos ainda, com textos produzidos pelos próprios alunos e pela Comissão
Editorial, firmar o papel do A Toga como
veículo de comunicação que mescla, de um
lado, leitura agradável e assuntos que permitam ao leitor identificar-se com o jornal
e, de outro, abordagem crítica, relativa especialmente à educação pública e à UFRGS.
É com esse espírito que a primeira edição deste ano foi construída. Na reportagem da capa, “O melhor do Brasil – Entre
o orgulho e a crítica” (p. 6-7), matéria publicada em janeiro no jornal Zero Hora é o
ponto de partida de uma análise dos critérios utilizados pelo Ministério da Educação
(MEC) para avaliar os cursos de graduação
do Brasil. A exposição tem a finalidade de
subsidiar debate entre os estudantes – conhecendo os critérios que levaram o Direito da UFRGS ao posto de “primeiro do
País”, fica mais fácil discutir se acreditamos ou não na pertinência da classificação.
Nas primeiras páginas, dois temas
que também mexeram no cotidiano da Faculdade: a despedida e a homenagem da
marcante Profa. Dra. Judith Martins-Costa, e a entrada de uma nova leva de “bixos” e suas primeiras experiências – narradas pelo calouro João Vicente Rovani.
Na experiência pessoal também se baseia o texto de Letícia Zenevich (p. 4). Em
intercâmbio na França, ela observa de ca-
marote a oposição inconciliável que os europeus associam aos árabes e à democracia, tema tão contemporâneo em tempos de luta no Egito pela queda de
Hosni Mubarak, após 31 anos no poder. Da França,
a página retorna ao Brasil em texto do calouro Brayner Araújo, que critica a inércia dos órgãos do Estado em combater a corrupção e os problemas sociais.
Nosso papel como cidadãos e universitários é demonstrado em notícia sobre a criação de um novo grupo do SAJU, destinado ao atendimento de adolescentes
acusados de ato infracional (p. 5), e em texto que sugere
a prática jurídica como ferramenta de busca de soluções
para a garantia do direito à saúde dos usuários de crack.
A coluna assinada por Kézia Borges (p. 8) é quase um convite ao mergulho na vida acadêmica cultural, que tem muito a oferecer ao estudante que ousa
descobrir a Universidade fora da João Pessoa, número
80. Para auxiliar nessa travessia, divulgamos também
parte da programação cultural da UFRGS para o final de abril, envolvendo cinema, teatro e música. A literatura também marca presença no A Toga, por meio
de resenha de Lucas do Nascimento da obra Antígona, tragédia grega de autoria do dramaturgo Sófocles.
Os assuntos mais próximos do cotidiano do estudante não ficaram de fora. Na página 10, Rodrigo Führ de Oliveira compara as experiências de estagiar em escritório e em órgão público, auxiliando
o estudante a escolher de acordo com seu perfil.
E, como a vida estudantil não precisa ser só trabalho e estudo, entrevistamos Romano Scapin, destaque
do Direitão do ano passado, que fala informalmente sobre a competição e o importante papel do esporte no fortalecimento de amizades entre colegas de aula.
A Toga de abril se despede com ar de poesia.
Na contracapa, um evento inovador que movimentou
a Faculdade de Direito – o I Saarau do CAAR, com o
tema Chico Buarque – é acompanhado por poemas escritos por dois alunos, e pela promessa de encontrarmos
mais escritores dispostos a compartilhar o que andam
rascunhando em cadernos secretos durante a aula...
Comissão Editorial, abril/2011
CALOUROS
Primeiras impressões
“Bixo” narra como foi seu primeiro mês dos próximos 5 anos no Direito
• JOÃO VICENTE PADÃO ROVANI
Acadêmico do 1º ano noite
Minha primeira experiência como aluno de Direito
ocorreu logo no dia 21 de janeiro deste ano, quando,
após ver meu nome na lista de aprovados do Concurso
Vestibular, dar uns pulos de alegria e receber felicitações
familiares, abro meu Orkut e vejo que já fui descoberto
pelos mais ansiosos dentre os meus veteranos. Para alguém que não tinha assimilado ainda o seu ingresso em
tão estimada instituição de ensino – que nos próximos
dias seria divulgada como sendo a melhor de Direito do
Brasil – foi natural o meu espanto diante de tão rápida
recepção. No fórum da comunidade que para nós fora
criada nesse mesmo site, fui aos poucos me acostumando com o que depois entendi serem gestos de carinho
de meus veteranos, ao mesmo tempo em que conhecia
um pouco de meus novos e assustados colegas. Lá também fui informado que devia ir me matricular devidamente trajado com roupas “descartáveis”.
Ao chegar à faculdade no dia da matrícula fui
recepcionado pelo pessoal do CAAR, que nos fez uma BIXO 2011: João Vicente, do Direito Noturno, participando do trote
A TOGA - Abril de 2011
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ENSINO
Uma Professora a quem retribuir
Em despedida da Faculdade de Direito da UFRGS, a Profa. Dra. Judith Martins Costa recebe homenagem de alunos
• RAFAEL XAVIER - “TAGA”
Acadêmico do 3º ano manhã
No dia 26 de novembro,
despediu-se do nosso corpo
docente a Profa. Dra. Judith Martins-Costa. O CAAR,
juntamente com a Direção e
um grupo de alunos, organizou o grande adeus – na realidade, um até logo, visto que
não serão poupados esforços
para que a Professora esteja
ligada aos Eventos organizados na Egrégia – à eminente
Professora que após colaborar significativamente na
formação de juristas nos últimos 20 anos na Faculdade,
infelizmente, teve de retirar-se do quadro de professores.
A homenagem contou
com presenças ilustres, tanto
na mesa de apresentações do
Salão Nobre, quanto na plateia.
Palestraram a respeito das “Novas Perspectivas
do Direito Obrigacional” o
ex-Ministro Eros Grau, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, que tratou da
relevância da hermenêutica
ligada ao Direito das Obrigações; o Ministro do Superior
BIXO 1955: Raul Bastos Miranda, pai da bibliotecária Celina Miranda, da BIBONU, ingressou
na Faculdade de Direito da UFRGS há 56 anos
e participou da “Passeata dos Bixos” vestindo as
roupas de sua mãe, como era tradição na época
Tribunal de Justiça, egresso da
nossa Faculdade (orientando
da Profa. Judith no Doutorado do PPGD) Paulo de Tarso
Sanseverino, que fez exposição extraordinária acerca do
papel do princípio da Boa-Fé
na jurisprudência do STJ, e a
Professora da Casa, Doutora
Vera Maria Jacob de Fradera, que fez um emocionante
relato sobre o Direito Civil
na Faculdade, ressaltando a
extrema relevância da homenageada no desenvolvimento
das mais variadas atividades –
de ensino, pesquisa e extensão
breve e esclarecedora apresentação, sendo dirigido logo
em seguida para a secretaria
da faculdade em prol de fazer
minha tão esperada matrícula.
Mas a verdadeira recepção só
foi ocorrer em seguida, na parte externa da faculdade, com
bastante tinta, esmalte e um
questionário que provavelmente fora criado por um estagiário do famoso Boston Medical
Group. E eu não pude deixar de
aproveitar a oportunidade para
adequar o meu corte de cabelo
à situação, sob apavorados protestos de meu irmãozinho.
O primeiro dia de aula
me impressionou bastante...
Primeiramente porque eu
esperava receber então algumas
delicadezas de meus veteranos.
Já a sala de aula me impressionou negativamente, apesar da
beleza arquitetônica: goteiras,
quadro improvisado, cadeiras
quebradas. Mas foi na aula des-
– nas últimas duas décadas.
encantando a todos, tanto pelo
A Profa. Judith tratou
notável saber jurídico quanto
brilhantemente do tema das
pela simplicidade no trato não
obrigações antidorais; sendo
só com seus discípulos, mas
estas as espécies de obrigatambém com o resto do corpo
ções nas quais a solução é imdocente. São previstos já para
possível; não se pode “pagar a
este ano, ao menos, dois eventos
dívida”, somente “retribui-la”.
que contarão com sua presença:
O Salão Nobre contou
a II Semana Cultural e a II Jorcom a presença também de
nada de Responsabilidade Civil.
grandes juristas de destaque
A Profa. finalizou – ou
nacional, como o ex-Ministro
melhor, como não há soludo STF Paulo Brossard, o
ção de sua obrigação, retriex-Ministro da Justiça Prof.
buiu – ao seu vínculo formal
Miguel Reale Júnior, assim
com a Faculdade com uma
como grandes professores da
derradeira e comovente menCasa, como o Diretor Sérgio
sagem, se dirigindo aos alunos:
Porto, o Prof. Dr. Humberto Ávila e o Prof. Dr. Salo
“A minha relação com vocês, alunos
de Carvalho, entre outros.
desta Faculdade, é uma relação anOs alunos ainda prestatidoral. Eu posso retribuir, não param sua homenagem com um
gar. (...) Mas essa relação vale para
discurso do acadêmico Ezeos dois lados – para mim, para vocês
quiel dos Santos e por meio
que devem retribuir, também, tornanda entrega de flores e de uma
do-se os futuros professores desta Faplaca, o que causou verdadeira
culdade, levando adiante a chama.”
comoção entre os presentes.
A saída do quadro docente da Profa. Judith foi,
certamente, uma perda irreparável à Faculdade de Direito e
à Universidade Federal, visto
que o diálogo intenso, sempre
promovido pela Professora,
a respeito não só de assuntos
internos ao direito, como também de matérias atinadas a
outras áreas da cultura, foi de
primoroso destaque na formação de novos acadêmicos.
Os alunos, porém, não
pouparão esforços para que a
Professora siga estimulando e Discurso aos estudantes marca homenagem
te dia que eu tive pela primeira
vez a sensação que é estar no
corpo discente de nossa faculdade: o professor a discursar, o
uso do vernáculo jurídico e das
expressões latinas, a concentração integral da turma e seu
anseio por mais conhecimento,
quadro que se repetiria nos dias
de aula que se seguiram.
Os dias seguintes foram
dedicados aos trotes, onde fomos sujos e pintados para sair
em busca da compaixão dos
transeuntes, que tendem a ser
pouco receptivos nas primeiras
horas da noite, e dessa forma
juntar R$ 150 em trocados.
Houve também alguns momentos constrangedores pelos
quais tivemos que passar, ocasiões que não esqueceremos tão
cedo. O CAAR também teve
sua participação com o trote
solidário, o mais leve e mais
importante da semana.
A sede do CAAR, aliás, é
um lugar fantástico, com sua
mesa de bilhar, seus computadores, violão, jogos e, principalmente, os convivas que lá
sempre se encontram, desde o
menos assíduo, que vai apenas
saudar seus colegas aos intervalos, até aqueles que frequentemente se encontram ali em
horário letivo (ouso me perguntar como os professores não se
preocupam com esta concorrência). Não só a sede como
a instituição em si merece ser
parabenizada, pela sua organização, ações comunitárias e
por tudo o que proporciona
aos estudantes. Pensava eu que
este era um órgão pouco eficiente em função de ser muito
politizado, mas reconheço que
me surpreendi diante de sua
atuação e constante preocupação com nós discentes.
O clímax de nossa recepção foi a aula que assistimos no
salão nobre da faculdade, aula
esta que confesso não
ter compreendido em
sua totalidade, bem
como os meus colegas,
mas que nos introduziu a disciplina de
direito constitucional e
já nos deixou ansiosos
para as aulas que virão
próximo semestre.
Expectativas neste
início de vida universitária não me falta,
e imagino que meus
colegas compartilhem
deste sentimento, enquanto nos sentimos
cada vez mais alunos
desta faculdade, que
ao mesmo tempo em
que começamos a
adorar, nos retorna,
de certa forma, este
sentimento.
7 de abril de 2011
A TOGA - Abril de 2011
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INTERCÂMBIO
• LETÍCIA ZENEVICH
Acadêmica do 3º ano noite, atualmente
em intercâmbio estudantil em Rennes
(França)
Sou árabe e derrubei
dois ditadores em um mês
– afirma Mona Eltahawy (monaeltahawy.com).
Pouco importa. Aqui
na França, o discurso
é análogo não importa
onde reproduzido - veículos de comunicação de
direita ou de esquerda:
PRECAUÇÃO. O fantasma do Irã está adormecido em cada egípcio.
Islamismo parece mais
audível que o brado de
81 milhões de pessoas
no Egito; de 10 milhões
na Tunísia, das vozes
caladas por Kadhafi.
Falo de França, mas o discurso
não se altera nas vozes de meus amigos
alemães e italianos. Eles derrubaram Ben
Ali e Mubarak. Seu sangue e sede rolam
na Líbia. Mas NÃO SE ENGANEM.
Ainda são eles, os árabes. E ser árabe é
ser bárbaro. Ser árabe é se importar mais
com o véu opressor que com a democracia da qual meus amigos julgam-se
os detentores últimos. O véu não era
unanimidade nos protestos do Egito,
argumento, e mulheres de véu também
estavam protestando, afinal. MAS NUNCA SE SABE. Eles ainda são os outros.
Nenhuma prova, nenhuma morte é
suficiente para meus amigos europeus: os
árabes têm certa predisposição genética
para o despotismo e a submissão.
b á r b a r o s
À espera dos
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
Sophia de Mello Breyner Andersen
Islã significa submissão. Mas
catolicismo, tanto com a história de
Abraão, como com a história de Jó e,
para coroar, com a Idade Média, é a
mesma coisa, e voilà, somos democráticos e lindos. Claro que a democracia
não é instantânea, como Octávio Paz
alertou, uma sopa de três minutos.
Evidente que não. E sim, foi preciso
laicizar o Estado para isso, como os
intelectuais franceses não cansam de
lembrar. Contudo, cada Estado democrático teve “graus de laicização”
diferentes
(no Brasil há, por exemplo, crucifixos nos tribunais, o que é impensável
na França), e essa diferença não impediu totalmente o exercício da democracia. Ou melhor, essa diferença, por
si, não fomenta regimes ditatoriais em
países democráticos onde o processo
laicizatório ainda está longe de ter relegado completamente a religião à esfera
privada. O que me espanta, no entanto,
é a ausência de um único voto de confiança, de algum tipo de otimismo, de
uma ideia, de um comentário que possa
misturar precaução, sim, necessária,
com alguma esperança, mais necessária
ainda. Nada disso. Árabes e democracia
são valores incompatíveis. Ressalto que
escrevo
“árabes”, não “muçulmanos”: a
eles pouco importa a confissão.
Pouco importa a presença católica
nos protestos do Egito, pouco importa
a proteção católica em torno dos mu-
çulmanos para que eles pudessem fazer suas preces: é árabe,
é despótico. Quase tão certo
como a matemática, invenção
de nossos bárbaros atuais. Acaso retruco que após
todo o embate, todo o sucesso
dos movimentos, devemos emitir esse voto de confiança, de
que uma sociedade nova surge,
e o que surge sempre pode ser
melhor. Ou não. Mas pode ser,
e é nisso que cada protestante
acredita, e é essa possibilidade
que cada um de meus amigos
afasta com a cabeça, olhando-me com descrédito: a ingênua
latino-americana. Mal sabe ela
que os árabes sempre serão
árabes. É irreversível. Toda revolução será o Irã. Toda a democracia será a Sharia. Alguns
povos são incompatíveis à ideia
de processo democrático.
Agora, democrática e xenofóbica, essa mesma Europa,
reconfigurada, sobrevivente de
Auschwitz, refugiada dos Bálcãs, encerra o assunto: a democracia é parte natural e fundadora de sua história.
Ela pertence aos europeus,
e a eles está destinada.
Ah, sim, aos norte-americanos também, mas o norte-americano é apenas um ex-europeu.
OPINIÃO
Brasil: um país do futuro do pretérito
• BRAYNER ROGÉRIO TAVARES ARAÚJO
Acadêmico do 1º ano noite
O passado está tão longe assim? (será?). Programa do Fantástico, dia 13 de março de 2011. Duas reportagens sobre temas, infelizmente, do cotidiano dos noticiários nos transportam para uma
reflexão sobre o nosso país. Somos responsáveis!
A primeira apresentou um verdadeiro “show” de corrupção
que algumas prefeituras do país (seriam a maioria?) fazem para
contratação de empresas especializadas no estudo de necessidade
e instalação de lombadas eletrônicas. Numa jogatina criminosa essas prefeituras “negociam” o direcionamento dos editais de prestação de serviço e, em troca, tais empresas (ou seriam quadrilhas...)
“ofertam” suas benesses em forma de comissão para esses cânceres municipais.
A segunda trouxe um tema não menos “metrópole colonial”
– o turismo do sexo. Mulheres adultas e adolescentes que deveriam
estar nos bancos escolares não somente majorando números de
IDH, mas estudando para tentar mudar suas realidades, perambulam pelas capitais nordestinas tratando seus corpos como mercadoria de baixo valor.
Alguma “novidade” nas
duas reportagens? Aparentemente não! O problema vai
além do óbvio. Um ponto comum, além dos indícios de
crimes e desmandos, une estas
duas notícias. Ambas muito
bem investigadas pela imprensa!
Imprensa? Isso mesmo.
Cinco séculos se passaram,
desde 1500, e queremos crer
que o nosso país é “melhor” do
que o Brasil das Sesmarias ou
o Brasil do plano Bresser (será
mesmo?). Temos uma constituição com mais de duas décadas
e não há como negar (ou há?)
certa “paz” institucional. Ótimo, mas pouco! A imprensa
exerce um papel fundamental
na sociedade, mas não pode e
não deve ser mais competente
e investigativa do que o Ministério Público Federal e dos Estados. Muito menos do que os
Tribunais de Conta (ou faz de
conta?). Não basta haver instituições sólidas, não apenas e tão
somente isto. Precisamos de fiscalização constante e eficiente.
O Estado não pode ganhar um
Oscar apenas quando tributa
os contribuintes ou quando os
seus Senadores (ou integrantes
de quadrilhas?) sobem na tribuna com seus discursos austeros
e não menos abstratos.
Os Ministérios públicos Federais e Estaduais, bem
como os respectivos Tribunais
de Conta (não nos esqueçamos
das nossas polícias judiciárias)
precisam ser mais efetivos na
sua tarefa fim e apontarem além
de prédios bonitos “regados” a
mármore. Precisam investigar;
antecipar os fatos e não, apenas,
ser espectadores de um programa de televisão.
Passamos grande parte
das nossas vidas ouvindo que
o Brasil é o país do futuro. Enxergamos legados do passado
todos os dias! Um país que tem
um Coronel, do tempo do voto
de cabresto, presidindo o Congresso; um país que, em pleno
2011, ainda insiste no foro por
prerrogativa de função e um
país dos “Big Brother” precisa
urgentemente rever sua direção
e ser uma nação não do passado
ou do futuro, mas do presente.
E o que nós, acadêmicos desta Universidade secular temos
com isto? Somos o presente!
A TOGA - Abril de 2011
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DIREITO E SOCIEDADE
• ARTHUR REIS
Acadêmico do 3º ano manhã
• LAURA DAMO DA CRUZ
Acadêmica do 2º ano manhã
Assistentes e assessores do G10 / SAJU
No começo do ano, e após
diversos debates internos, o
Grupo 9 do SAJU, focado na
assistência a crianças e adolescentes, decidiu desmembrar-se
em um novo grupo – o G10,
voltado apenas para a assistência/assessoria a adolescentes
em situação de conflito com a
lei. A partir da constatação de
que o G9 vinha atendendo um
número muito grande de casos e da preocupação com os
processos referentes a ato infracional, que demandam um
acompanhamento
diferente
dos de família, concluiu-se que
os trabalhos de ambos os grupos seriam beneficiados com a
separação. Haveria mais tempo
de estudo e reflexão, permitindo também um aprofundamento nas respectivas matérias.
Novo grupo do SAJU atua na
defesa de adolescentes
acusados de ato infracional
Herança do G9, o G10 tem como partida a parceria que
vinha sido desenvolvida junto ao PEMSE (Programa de Execução de Medidas Sócio-Educativas em Regime Semi-Aberto),
ao PIPA (Programa Interdepartamental de Práticas com Adolescentes e Jovens em Conflito com a Lei) e ao PPSC (Programa de Prestação de Serviços à Comunidade) Unidade UFRGS.
Dentre os objetivos do grupo destaca-se o apoio jurídico e psicológico aos jovens cumpridores de medidas socioeducativas,
realizado através de visitas às unidades de acolhimento e reuniões na sede do SAJU, com os jovens, seus pais, os assistentes/
assessores, advogados e psicólogo. A manutenção do contato
com as entidades da rede também está nas prioridades do grupo.
O G10, seguindo o Estatuto da Criança e do Adolescente, procura a articulação entre a sua atuação e a de outras
organizações de defesa de crianças e adolescentes, objetivando sua proteção jurídica e social. Assim, suas expectativas
são várias: além de manter suas parcerias institucionais, pretende aprofundar seus estudos na área do direito infracional, organizando leituras e debates; tem planos de realizar
pesquisa sobre direito infracional em Porto Alegre; vai criar
seu próprio blog e espera, ainda, com a participação de um
estudante como bolsista, que possa trabalhar sempre no melhor aproveitamento do projeto e do grupo como um todo.
Ações de
manutenção
compulsória
Prática jurídica e função social: o direito
à saúde de usuários de crack
• EMÍLIO F. H. P. FREITAS
Acadêmico do 4º ano de Direito da FARGS e aluno visitante da UFRGS
A única diferença entre um ser humano que luta pela
cura de sua saúde, e o esforço descomunal do personagem
de Victor Hugo, Guilliat, em seu livro Os trabalhadores do Mar
é que a segunda história é um romance, e a primeira, uma
tragédia.
Um caso bastante corriqueiro nas ações de antecipação de tutela relacionadas à saúde refere-se aos usuários de
crack. Situação muito comum: familiares buscarem ajuda nas
defensorias públicas, pois, após inúmeras tentativas de internação compulsória, somente é concretizado tal ato através
da interferência do Magistrado de 1º grau.
Geralmente, a luta das famílias inicia com a constatação
da utilização da substância entorpecente. Enquanto o usuário não pratica pequenos ilícitos, os sintomas são somente
desconfiáveis. Se o paciente já possui histórico de utilização
de drogas, o que era somente uma desconfiança passa a se
tornar realidade, principalmente com a ocorrência de pequenos furtos.
Outro caso bastante comum são as ações de adoção
iniciadas por avós, os quais descrevem endereços incertos
de seus filhos, em relação aos netos que ficam para trás.
Enfim, um rastro de problemas acompanha todos os relatos,
comprovados com documentação, e em algumas vezes, até
mesmo reportagens já veiculadas na imprensa.
Após a saída do serviço social, é recomendado ao familiar esperar no próprio fórum pela decisão do Magistrado.
Depois do aguardar a decisão do juiz, começa outro problema: a análise da real necessidade da internação hospitalar
por parte do médico.
Então, chegando ao centro clínico, o paciente passa por
uma avaliação médica. Alguns são mantidos no local, sendo
posteriormente transportados para um centro especializado
(Parque Belém, por exemplo). Na pior das situações, o médico avalia não ser caso de internação, então, libera o paciente
juntamente com o familiar. Já ocorreram casos de agressão
devido a isto.
Depois do período de internação (máximo 90 dias),
novamente reinicia a luta dos parentes pela continuação do
tratamento hospitalar e acompanhamento após alta. Logicamente, este acompanhamento é muitas vezes prejudicado
pelas condições sociais dos envolvidos na demanda.
Lembro que o direito à vida é garantia constitucional
fundamental, elencada expressamente no caput do art. 5º da
Constituição Federal. Mais que isto, a proteção à vida é o
princípio fundamental que norteia todo o sistema jurídico e
dá base ao próprio Estado Democrático de Direito.
Uma solução a ser apresentada seria um período maior
de prática jurídica. Ou seja, o aluno, estimulado pelo professor, que deverá ir a campo aplicar o ensinado em todo o ano
acadêmico. Fruto desta análise teremos o resultado in loco da
melhoria a ser futuramente implementada.
Logicamente, inúmeros obstáculos seriam utilizados
para impedir tal proposta, mas, de que forma o verdadeiro estudante/pesquisador/formador faria para modificar
realidade de sua cidade/comunidade? Ou melhor, será que
estamos aptos para realmente vê-la?
Este é o verdadeiro estratagema: não somente aprender,
mas sim, aplicar.
Sem críticas aos que preferem permanecer nas torcidas,
mas ideias todos temos, basta resolver os quebra-cabeças da
vida e colocá-las em prática.
6
A TOGA - Abril de 2011
FACULDADE DE DIREITO
Entre o orgulho e a crítica
• MARIANA MEDEIROS LENZ
Acadêmica do 2º ano manhã
Os estudantes da “Casa do
Velho André” que folhearam o
jornal Zero Hora no dia 26 de
janeiro de 2011, uma quarta-feira, se depararam com a
foto de um lugar muito familiar, acompanhada de palavras
que certamente prenderam sua
atenção: “O melhor do Brasil”.
Esse foi o título da reportagem publicada no jornal gaúcho
a respeito do desempenho da
Faculdade de Direito da UFRGS
em um ranking construído com
base em informações do Ministério da Educação (MEC). De
acordo com a matéria, é no
prédio histórico da João Pessoa que se encontra a “número
1” entre as 742 graduações
em Ciências Jurídicas e Sociais
avaliadas em todo o país.
Reportagem sobre a Faculdade de Direito foi publicada no caderno Vestibular do jornal Zero Hora, com chamada na capa da edição
A repercussão entre os alunos ocorreu instantaneamente e dividiu opiniões.
Marcelo Tosin, do 2º ano diurno, fez uma
leitura positiva da reportagem: “A primeira
reação foi de muita satisfação e orgulho de
poder fazer parte da história dessa faculdade. Surgiu também um estímulo ao aprimoramento nos estudos, e a responsabilidade
em manter a tradição de excelência”, relata.
Como ele, vários estudantes demonstraram
contentamento – por exemplo, na rede
social Facebook. Entretanto, a ausência de
unanimidade foi sentida na própria internet: enquanto muitos “curtiam” e passavam
adiante a notícia, não em menor número
estavam aqueles que expressavam descrença de que os fatos divulgados correspondessem à realidade.
Descrédito com base em
estatísticas
Nesse último grupo estava Marcio
Cunha Filho, graduado em Direito na
UFRGS no semestre passado: “O primeiro
sentimento ao ler a notícia, sem dúvida
alguma, é o de surpresa, seguido do de desconfiança. Me pareceu mais uma daquelas
afirmações especulativas, sem muito embasamento empírico, que nós juristas tanto
gostamos de fazer. Enfim, o pensamento
imediato foi o de que ‘quem escreveu
isso não faz ideia do que está falando’. É
temerário, equivocado e precipitado sustentar que o curso de Direito da UFRGS é o
melhor do país”.
Marcio apoia seu descrédito nos resultados de outras avaliações, como o exame
da OAB. Nossa Faculdade obteve índice
de aprovação de 53,95% na terceira prova
aplicada em 2009, ficando atrás, por exemplo, das Universidades Federais de Sergipe
(77%), Paraíba (71%), Paraná (70%), Santa
Catarina (62%) e Alagoas (54,88%), além
de UnB (71%) e USP (69%). Marcio aponta
também que a nota Capes da pós-graduação
da Faculdade de Direito da UFRGS no
triênio de 2007 a 2010 (5, em uma escala de
1 a 7) foi inferior à de universidades como
Unisinos, UFPR e UFSC, entre outras, que
receberam 6. Deixando os números de lado,
o posicionamento também leva em conta
sua experiência como aluno: “Teremos
certeza de que nosso curso não é o melhor do país se pensarmos no relapso dos
professores, na desatualização da biblioteca,
na precariedade do espaço físico, no nosso
currículo obsoleto”, enumera.
Entretanto, a crítica também encontra a própria crítica. Eduardo Kowarick
Halperin, do 2º ano diurno, destoa da visão
de Marcio: “Até entendo que façamos uma
autoavaliação interna. O que não compreendo é por que ficar se colocando para baixo
o tempo todo em um momento que deveria
ser de alegria. Quando divulgam uma avaliação do MEC que nos coloca em primeiro
lugar, é justamente o momento de exaltar a Faculdade,
de divulgar para fora o que temos de bom”.
Marcelo Tosin, entre os dois extremos, adota uma
posição cautelosa, fundada na experiência adquirida
até então. Por estar no começo do curso, ele afirma
ainda não ter muitos parâmetros de comparação, mas
confiar nos critérios do MEC. “Pelo pouco que pude
conhecer até agora, percebo que contamos com uma
estrutura diferenciada, embora seja cedo para ter uma
noção completa. Além disso, é difícil formar uma
opinião quando não se conhece pessoalmente outros
cursos, porque todos têm problemas”, argumenta.
A lógica do podium também é
questionada
Afastando-se da polêmica do “ser ou não ser” o
melhor do Brasil, Samuel Sganzerla, do 5º ano noturno, acredita que se deva repensar o próprio ato de
listar os cursos de graduação em um ranking, como
times de futebol ou cavalos de corrida. “A primeira
sensação que temos ao ler a matéria é de se agradar de
ver que estamos em um lugar privilegiado, reconhecido. Mas qual é a necessidade de utilizar esse rankeamento para avaliar a educação pública? O que importa
mesmo é se a educação está sendo feita de forma
crítica e preocupada com a sociedade”, reflete. Ele
ainda levanta a dúvida: “O que será que define se uma
faculdade é melhor que a outra?”.
Uma pergunta que nos leva a uma seguinte: o
que definiu, para o Ministério da Educação (e para
Zero Hora), que a nossa Faculdade era melhor que as
outras?
Afinal, 1º lugar em quê?
A TOGA - Abril de 2011
7
FACULDADE DE DIREITO
Afinal, 1º lugar em quê?
A Toga foi atrás dos quesitos que compuseram a nota dada pelo MEC às faculdades e verificou que o Direito da UFRGS teve desempenho
irregular e só despontou como “o primeiro” porque obteve índices altos em variáveis às quais o cálculo dá maior peso, entre elas, número de
professores com doutorado
Quando rankings são divulgados com alarde em jornais,
geralmente presta-se mais atenção à palavra “primeiro lugar”
do que a qualquer outra. Dessa
vez, não foi diferente. A discussão gerada pela reportagem
de Zero Hora caminhou em
torno da polêmica de sermos
ou não “os melhores”, tangenciando o mais importante: afinal, que critérios nos colocaram
no topo? E, indo mais além:
no nosso entendimento, esses
critérios são úteis para definir,
em uma classificação qualitativa, os primeiros e os últimos
cursos de Direito do Brasil?
O 1º lugar obtido pelo Direito
da UFRGS foi no Conceito Preliminar de Curso Contínuo, o
CPC Contínuo, referente ao ano
de 2009, mas divulgado apenas no
início deste ano. O CPC é o indicador criado pelo Inep, instituto
de pesquisa do Ministério da Educação, para avaliar anualmente os
cursos de graduação brasileiros, em
notas que vão de 1 a 5. Ele está relacionado ao Enade porque todas as
variáveis utilizadas em seu cálculo
são obtidas do exame: não apenas
a partir do desempenho dos estudantes, mas também do questionário socioeconômico respondido
pelos alunos junto com a prova.
Peso de cada critério no cálculo
IDD
1,5
Professores doutores
1
ENADE concluintes
0,75
ENADE ingressantes
0,75
Professores mestres
0,25
Dedicação integral/parcial
0,25
Infraestrutura
0,25
Organização didático-pedagógica
0,25
O CPC do Direito em 2009 foi
de 4,09. O número, porém, quer dizer pouca coisa se não o relacionarmos com este questionamento: o
quê, exatamente, avalia o CPC?
As “variáveis” (ou
critérios de avaliação)
de é o segundo critério mais influente
no cálculo do CPC, com peso quatro
vezes maior do que o quesito “organização didático-pedagógica”. E isso
foi determinante para a classificação
que vimos divulgada em Zero Hora.
Nossa nota: visão geral
Ao todo, oito variáveis, oito
medidas de qualidade diferentes,
compõem a nota, envolvendo infraestrutura, recursos didático-pedagógicos, titulação e regime de
dedicação do corpo docente, notas
de ambos estudantes concluintes
e ingressantes na prova do Enade,
e o IDD, indicador que compara
as notas dos concluintes às dos ingressantes. As variáveis têm cálculo
com base em proporções e depois
são transformadas em notas padronizadas de 1 a 5 (veja as notas do Direito em cada variável na figura abaixo).
Uma questão de peso
Entretanto, às oito medidas
são atribuídos pesos diferentes;
algumas contribuem mais e outras
menos para a nota final (veja quadro ao lado). O número de professores com doutorado da faculda-
O Direito da UFRGS oscilou de
ótimos a péssimos desempenhos se
considerarmos as medidas de qualidade individualmente. Em conjunto,
no entanto, estamos “em 1º”, porque
o cálculo do Inep valoriza mais justamente aquelas variáveis em que nosso
resultado foi bom: no critério “professores doutores”, tiramos nota máxima, o que compensou o desempenho preocupante em outros aspectos.
A oscilação fica evidente quando
se analisa a nota relativa à organização didático-pedagógica da Faculdade de Direito. Esse índice é baseado
nas respostas dos alunos a uma pergunta sobre plano de ensino no questionário que acompanha a prova do
Enade. Dos 249 estudantes do nosso
curso que responderam à pergunta,
apenas 20% avaliaram positivamente
a organização didático-pedagógica das
disciplinas. Se somente essa medida
fosse levada em consideração, estaríamos não em 1º lugar, mas em 921º.
5
5
4,96
Notas de 0 a 5
4,7
3,63
3,24
3,21
0,83
1º*
1º*
5º
5º
209º
599º
149º
921º
Professores
doutores
Regime de
dedicação
ENADE
ingressantes
ENADE
concluintes
Professores
mestres
Infraestrutura
IDD
Didáticopedagógico
Proporção de
professores do
curso com titulação maior ou
igual a doutorado.
Proporção
de
professores do
curso com regime de dedição
integral ou parcial.
Nota dos alunos
no início da graduação no Enade,
(75% da nota na
prova específica e
25% da nota na
prova de formação geral).
Nota dos alunos no
final da graduação
no Enade (75% da
nota na prova específica e 25% da
nota na prova de
formação
geral).
É também a nota
final do curso no
Enade.
Proporção de professores do curso com titulação
maior ou igual a
mestrado.
Proporção de alunos que avaliaram
positivamente, no
questionário
do
Enade, a infraestrutura disponibilizada pelo curso.
Índice que compara
o desempenho real
dos concluintes e o
desempenho que se
esperava que eles
apresentassem no
final da graduação,
dadas as informações existentes do
perfil dos ingressantes naquele curso.
Proporção de alunos que avaliaram
positivamente, no
questionário
do
Enade, a organização
didático-pedagógica
do
curso.
Classificação
* há mais
de uma
faculdade
na mesma
posição.
Ingressantes
foram melhor que
concluintes?
Outro dado chama atenção na
figura: a nota dos ingressan-
tes do Direito na UFRGS foi
maior que a dos concluintes.
O motivo disso fica mais claro
quando analisamos individual-
mente os resultados da prova
que avalia a matéria de Direito
e da prova de formação geral:
enquanto a nota dos concluin-
tes no componente específico
(71, 65) ultrapassou em 10 pontos a dos ingressantes (61,46),
na formação geral, que con-
Os dados apresentados nesta reportagem foram obtidos por meio do sítio do INEP - inep.gov.br.
Desempenho oscilante do Direito da UFRGS no CPC
tém conteúdos típicos de vestibular, os ingressantes tiveram
desempenho melhor: 74,58,
contra 68,70 dos concluintes.
8
A TOGA - Abril de 2011
CULTURA
O outro
lado da
rua
• KÉZIA BORGES
Acadêmica do 2º ano noite
Programação cultural
da UFRGS em abril
Textos adaptados de
www.difusaocultural.ufrgs.br
Curioso como o Direito tem se mostrado autossuficiente. Desde a declaração
de sua autonomia, conferida por Aristóteles,
ele teve seu objeto definido e passou a se diferenciar da justiça, da moral e das (outras)
artes. Hoje, essa separação é exacerbada
(com possível exceção em relação à moral)
e representa uma alienação nada incomum
no âmbito jurídico; a nossa Faculdade, em
diversos aspectos, demonstra bem o fenômeno.
Muitos de nós, alunos da “Egrégia”,
isolaram-se do restante da Universidade,
e, pior, esqueceram que o Direito serve
à sociedade, não a si mesmo. Apesar de
estarmos fisicamente cercados por outras
Faculdades (Economia, Educação e Engenharia, por exemplo), ignoramo-las a ponto
de muitos nem saberem que há vida no
outro lado da rua (por “vida”, entenda-se
Rádio, Teatro, Cinema, Museu...).
Felizmente, outros campos (e campi,
com o perdão do trocadilho) não se esqueceram do Direito: hoje, dos 170 seriados
Programação completa:
www.difusaocultural.ufrgs.br
www.portocultura.com.br
Cinema NOIR: Entre sombras e cinzas
Em abril, a
Sala Redenção –
Cinema Universitário dedica sua programação
ao cinema noir. Os filmes
“negros”, como eram chamados pelos críticos, geralmente
eram relegados pelos grandes
estúdios para as séries B, sendo
exibidos na segunda parte
das sessões duplas de cinema.
Caracterizado pelos filmes de
crimes, cenas violentas, homicídios e mulheres fatais, durante
muito tempo o cinema noir
enfrentou o desdém da indústria estadunidense em função
do seu valor comercial.
E por que a denominação
francesa – film noir – se eram de
língua inglesa? Na verdade, o
film noir começou a aparecer na
crítica francesa no período de
pós-guerra mundial, com o fim
da ocupação nazista, quando os
franceses puderam voltar a assistir em suas telas à produção
norte-americana dos últimos
anos. Com isso, a nova geração
de cinéfilos e críticos (muitos deles ligados ao Cahier du
cinéma) dedicou-se a examinar a
produção até então desconhecida na França.
Dessa forma, o termo noir
foi inventado pelos franceses,
ávidos pelo cinema e pela cultura inglesa do momento. As
XX. Na sociedade do
Conferências século
conhecimento, um paradigse impõe de maneira abUFRGS 2011: ma
soluta; é o conhecimento que
desempenha
O futuro da universidade
o papel mais
na
na sociedade do conhecimento importante
configuração
Com a curadoria de César
Zen Vasconcellos, o ciclo propõe a discussão a respeito da
transformação da compreensão
sobre o papel do conhecimento
na configuração e na dinâmica
evolutiva dos distintos sistemas
sociais. Vivemos na atualidade
em um processo de construção
de um novo modo de organização social, a denominada sociedade do conhecimento, ou nova
economia, surgida no final do
dos sistemas social, econômico e produtivo, criando
novos padrões de produção e
mercantilização, influindo de
maneira decisiva na relação
capital-trabalho e ampliando, em tese, as possibilidades
para o bem-estar e para a qualidade de vida dos cidadãos.
Nesse contexto, deve
a universidade participar de
modo efetivo da reconfiguração do sistema social e produtivo nacional e na relação
influências do noir são várias: no âmbito filosófico,
o existencialismo e a psicologia freudiana invadiram
não apenas a literatura como também o cinema
policial que nela buscava influências; no cinematográfico, claras influências do expressionismo alemão.
Sendo um movimento surgido em plena depressão
econômica, entre os anos 1930 e 1940, dois de seus
grandes temas são o passado sombrio e o pesadelo. Seus personagens geralmente estão em fuga de
algum fardo do passado, de um incidente traumático, de algum crime que cometeram em nome de
uma paixão ou, simplesmente, de seus próprios
demônios. Nesse sentido, a designação noir revela-se
muito mais complexa e não só uma simples definição para filmes de crimes e violência como, aliás,
compreenderam bem os espectadores mais contemporâneos.
Veja os horários das sessões em www.difusaocultural.ufrgs.br.
entre o capital e o trabalho? Deve, ainda, a universidade buscar influenciar
na estrutura das exportações nacionais, tornando
o País menos exportador
de commodities e sim em um
exportador de bens com
maior valor agregado? É
este também o papel da
universidade? Qual deve
ser a relação entre a universidade e as empresas e
quais são as consequentes
mudanças no comportamento do pesquisador e
no modo de produção e de
financiamento do conhecimento? E como ficam
as áreas humanísticas nesta contextualização? Qual
o papel da pesquisa e da
formação de pessoas
nas áreas humanísticas quando consideramos o País inserido
na nova economia?
As Conferências
são, apesar de sua
curta existência, uma
tradição na Universidade, e fazem parte
do calendário oficial
da Reitoria. Sempre na
segunda quarta-feira
do mês, no início da
noite, na Sala Fharion,
2º andar do Prédio da
Reitoria, teremos um
Professor da Universidade discutindo o
futuro da universidade
pública e indagando
sobre o futuro do país. exibidos na “TV” por assinatura, 39
têm como protagonistas assuntos
jurídicos – sem contar os que já
não são exibidos, como o saudoso
e insubstituível Boston Legal (“Justiça
sem Limites”); entre os filmes, o
universo é ainda mais amplo, já que
as situações “juridicamente relevantes” são inúmeras: Doze Homens
e uma Sentença, de Sidey Lumet, O
vento será tua herança, de Stanley Kramer e O Processo, de Orson Welles,
contêm bons e clássicos exemplos. O último, aliás, demonstra a
possibilidade de comunicação com
outra área: a Literatura. Essa obra,
baseada no romance homônimo de
Kafka, aborda expressamente temas
jurídicos, assim como os imortais O
Mercador de Veneza, de Shakespeare,
e Crime e Castigo, de Dostoiévski.
O ser humano, mesmo o que
estuda ou opera o Direito, é complexo e deve ser visto como um
todo – ainda que ele se esqueça
disso. Essa pequena coluna é um
lembrete de que há muito mais do
que esta Faculdade, Tribunais e
escritórios de advocacia “lá fora”;
para ver, na prática, esse fato, experimente dar um pequeno passo (até
o outro lado da rua, por exemplo) e
desaliene-se. A sociedade agradece.
Projeto
OSPA/UFRGS
A OSPA realiza dois
concertos em abril no Salão de Atos da UFRGS.
Nos dias 17 e 26 de abril,
a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) apresenta
respectivamente o 1º Concerto para a Juventude, às 11h,
e o 1º Concerto Didático no
Salão, às 10h e às 20h30, no
Salão de Atos da Reitoria da
UFRGS. Os eventos antecedem a abertura oficial da temporada prevista para maio.
Teatro
Noite de Walpurgis:
Todo segredo asfixiado procura ar na escuridão. Toda prisão
tem um subterrâneo de liberdade por onde se esgueiram o
proibido e o possível, o medo
e o desejo, o real e o imaginário, o amor, o ódio, a loucura.
Em espelho. Em choque. Em
celebração. Em comunhão:
cúmplices e adversárias, duas
carnes percorridas pelo mesmo sangue constroem as regras
de um exercício para a morte.
De 06 a 27 de abril, às
quartas-feiras (12h30min e
19h30min), Sala Qorpo Santo
(Campus Central). Entrada
franca.
A TOGA - Abril de 2011
9
RESENHA
• LUCAS DO NASCIMENTO
Acadêmico do 5º ano manhã e
Coordenador Geral Discente do
Círculo Universitário de Integração
e Cultura (CUIC/UFRGS)
Antígona, de Sófocles,
suscita acirrados debates há
séculos. Somente nos últimos
dois, produziram-se dezenas,
se não centenas de abordagens
sobre a tragédia. Representada pela primeira vez em 441
a.C., em Atenas, a obra nasceu
sob os auspícios da genialidade sofocleana, recebendo
efusivo acolhimento na polis
ateniense. Contudo, apenas
destacou-se nas discussões
jurídicas modernas por meio
de Hegel. A abordagem, ainda
hoje realizada, que sublinha o
conflito entre direito natural
e direito positivo em Antígona
remonta à mudança de leitura
efetuada pelo filósofo alemão,
que estabeleceu novos cânones
para a interpretação da obra.
Não fossem contribuições
intelectuais como as de Kathrin
Rosenfield e traduções como
a de Lawrence Flores Pereira, arriscaríamos, no Brasil, a
permanecer limitados a uma
compreensão excessivamente
alegórica da tragédia, simplificando sua complexidade em
um conflito entre poucos e
pobres elementos abstratos,
isto é, os de direito natural e de
direito positivo.
Na edição de Antígona da
qual por ora se trata, o tradutor
e a comentarista norteiam o
seu trabalho na leitura realizada
pelo poeta Hölderlin, expoente do romantismo alemão.
Contudo, servem-se também
de outras edições consagradas
sobre a tragédia (Jebb, Mazon,
Schadewaldt, Reinhardt, Dawe,
Bollack e Loraux), colocando-a em debate sob diferentes
pontos de vista. Como se não
bastasse a qualidade das fontes,
acertam na metodologia: com
vistas às ambiguidades e nuances do texto grego, os autores
preocupam-se com o desbravamento de seu “subtexto”, ou
seja, da riqueza e complexidade
que afloram “da superfície
aparentemente equilibrada e
racional da poesia sofocleana” (p. 10). Não é por outro
motivo que, atentos ao que há
de trágico na tragédia, ao sutil e
poético da experiência de vida
humana, conseguem retirar do
estudo importantes e originais
resultados. Vejamos o contexto
visualizado pelos autores, a
partir do qual se desenvolverão
Antígona
para além do
Direito Natural
Edição indispensável aos estudiosos
da tragédia sofocleana
os grandes e pequenos conflitos
nesta edição de Antígona, garantindo
sua originalidade.
Antígona pertence à linhagem
dos Labdácidas, ou seja, à linhagem dos reis de Tebas. Em Édipo
Rei, Laio, seu avô e rei de Tebas, é
morto por seu pai, Édipo, que casa
com sua mãe, Jocasta, tornando-se
o novo rei da cidade. Em outras
palavras, Édipo mata o próprio pai
sem o saber, se une com sua própria
mãe, também sem conhecimento
do parentesco, e gera filhos dessa
união, isto é, Antígona, Polinices,
Etéocles e Ismene. Portanto, Antígona nasce de um incesto, sendo
ao mesmo tempo irmã e filha de
Édipo, assassino de seu avô. Dessa
maneira, instaura-se não apenas
uma problemática de cunho religioso (poluição de Tebas pelo destino
de seus dirigentes), mas também
familiar (genealógica) e dinástica
(política) mais ampla.
Em razão de tais fatores, a
desgraça e a morte se abatem sobre
Édipo e sobre Jocasta.1 Os dois
irmãos de Antígona entram, então,
em um acordo sobre se revezarem
em períodos de um ano no trono
de Tebas. No entanto, Etéocles
desrespeita o pacto e não passa ao
irmão o trono da cidade no período acordado, o que leva Polinices
a aliar-se à polis de Argos, a fim de
submeter Etéocles à força. Dessa
forma, os irmãos digladiam-se pelo
trono de Tebas, a ponto de por
pouco não levarem a cidade à ruína.
Os dois acabam por matar um ao
outro, fratricidas e suicidas, pelo
sangue derramado ser o do irmão
ao mesmo tempo que o próprio.
Cometem, portanto, dupla transgressão, em ameaça redobrada ao
solo pátrio.2
Quem salva Tebas é Creonte,
descendente de Meneceu e Oclaso e, portanto, pertencente a uma
linhagem de conselheiros reais e
de regentes. Para isso, sacrifica seu
filho Megareu, “coroando gloriosamente seus serviços meritórios”
(p. 13-14) à cidade. Contudo, por
maiores que tenham sido seus esforços, vê Tebas e suas pretensões
à realeza ameaçadas pelos Labdácidas, linhagem em desgraça que
permanece viva e em Tebas sob as
figuras de Antígona e de Ismene.
Uma das maiores virtudes
desta edição de Antígona é manter sempre em vista o contexto
no qual se desenvolve a obra, ou
seja, em que ambiente se insere a
interdição de Creonte em relação
ao enterro de Polinices e a desobediência de Antígona para com
Creonte. Antígona não só é a viva
personificação de uma amaldiçoada
linhagem de reis, como é mulher e
tem direitos em relação ao trono.
Lembra Kathrin que na época em
que a peça Antígona foi apresentada,
existia em Atenas a instituição do
epiklerado, “que garantia à filha
de um rei morto sem descendência o direito e o dever de parir um
descendente para seu pai” (p. 16).
Além do mais, Antígona é uma
ameaça não passiva, já que rebelde
aos intentos de Creonte.
Enquanto isso e por outro
lado, Creonte é o instrumento de
uma ordem que se julga necessária
frente ao caos. Procura ele afirmar
o seu poder na arruinada cidade
que salvara, o que faz entendendo
proteger Tebas daqueles que a desgraçaram, a linhagem dos Labdácidas. Como se percebe, a tragédia
está longe de limitar-se ao embate
dicotômico entre direito natural e
direito positivo. É nesse sentido
que Kathrin identifica não um, mas
três grandes conflitos em Antígona:
o enterro de Polinices; o governo
de Tebas; e a purificação da cidade.
Com grande conhecimento
sobre as práticas do mundo antigo,
os autores desenvolvem esses pro-
ANTÍGONA
Sófocles
Tradução: Lawrence
Flores Pereira
Introdução e notas:
Kathrin Holzermayr
Rosenfield
TOPBOOKS
208 p., R$32,00
blemas e outros mais deles decorrentes. Surpreendentemente,
conciliam o aparentemente
inconciliável, isto é, o espírito
científico e o rigor metodológico com a riqueza artística,
em uma tradução produzida
para a encenação de Antígona
no palco.3 É dessa forma que
os autores, de maneira ímpar, tornam esta uma edição
essencial para aqueles que, em
língua portuguesa, adentrarem
no complexo universo da mais
conhecida tragédia de Sófocles.
Notas
O destino de Édipo e o
de Jocasta encontram-se narrados nas obras Édipo Rei e Édipo
em Colono, ambas de Sófocles.
1
Os episódios da guerra
entre Etéocles e Polinices estão
na tragédia Os sete contra Tebas,
de Ésquilo.
2
Inclusive, Luciano Alabarse e seu elenco inspiraram-se nesta edição para, em
parceria com Kathrin, Lawrence, além de atores, músicos,
bailarinos e cantores, apresentarem Antígona nos palcos de
Porto Alegre nos anos de 2004
e 2005.
3
A TOGA - Abril de 2011
10
VIDA ACADÊMICA/OPINIÃO
Escritório X Órgão público
Onde é melhor estagiar?
• RODRIGO FÜHR DE OLIVEIRA
Acadêmico do 2º ano manhã
Muito se fala e se ouve sobre as
diferenças entre o estágio em escritório de advocacia e o estágio em órgão
público, e, em geral, a conclusão é
taxativa: o público é melhor. Mas será
que a etiqueta é verdadeira em todos os
casos?
Tive a oportunidade de começar um
estágio logo no início do primeiro ano
de faculdade, no escritório Garrastazu,
Gomes Ferreira & Advogados Associados. Muitos colegas advertiram: “te
liga, tu vai ser office-boy (e vai ter que
servir cafezinho)”. Realmente, pelos relatos de que tinha conhecimento, esse
tipo de atividade era basicamente de
leva-e-traz de processos do fórum ao
escritório. Ocorre que, diferentemente
do que imaginava, fui designado à área
cível, trabalhando ao lado dos advogados na elaboração de todos os tipos de
peças processuais, muito embora ainda
não fizesse ideia do que significavam
“embargos declaratórios” ou “agravo
de instrumento”.
A carga diária de trabalho era bastante grande, de modo que o aprendizado teve que ser rápido. Tive a
sorte, ainda, de contar com excelentes
profissionais, sempre dispostos a esclarecer dúvidas (muitas vezes idiotas,
admito), e que me deram verdadeiras
aulas, tanto de direito material como de
direito processual. Notei que em pouco
tempo já conseguia me virar razoavelmente bem na elaboração de peças, e
aos poucos me foi sendo dada a chance
de participar em casos importantes,
como, para citar um exemplo, o de um
cliente contra uma grande empresa
jornalística, que envolvia a publicação
não autorizada, na contracapa, de uma
foto e, portanto, direitos autorais, de
propriedade material e de propriedade intelectual. Durante boa parte do
ano, o estágio foi minha maior fonte
de entusiasmo com o Direito, mesmo
porque era unicamente ali que eu podia
ter contato com a prática, aspecto mal
tangenciado nas primeiras cadeiras da
faculdade.
Passados nove meses, porém, aquele
êxtase inicial foi diminuindo, e atribuo
esse desânimo a três fatores principais:
(1) as ações do escritório eram massificadas, o que tornava o assunto bastante
repetitivo; (2) não pensava em estagiar
mais de um ano no mesmo local, pois
queria conhecer outras áreas; e (3)
já era dezembro, e calor e trabalho
combinam muito menos do que calor
e praia. Saí do escritório no final do ano
passado, avaliando ter tido ali uma excelente experiência.
Surgiu então a chance de estagiar na
Promotoria de Justiça de Defesa do Meio
Ambiente. O trabalho só começaria em
março – para desespero da minha mãe,
que já achava vagabundagem eu não estar
trabalhando em janeiro e fevereiro. Agarrei a oportunidade, claro. Se o estágio em
escritório já tinha sido bom, imaginei como
não seria em órgão público! Não posso
omitir que a remuneração, mais recheada,
me impediu de maiores hesitações. Não
que o dinheiro seja prioridade, pelo contrário, deve-se sempre colocar o aprendizado
em primeiro lugar. Mas duvido que alguém
negue sua importância. Ingressei, portanto,
há pouco mais de um mês, no Ministério
Público, com direito a crachá, registro de
ponto obrigatório e todas as demais regalias inerentes aos estagiários dali.
A quantidade de trabalho é bem menor
que no escritório, sem sombra de dúvida.
Consequência direta disso é mais tempo
para estudar para a faculdade, conversar,
tomar chimarrão... A matéria trabalhada,
contudo, é bastante diversificada, não
sendo exagero afirmar que, nesse pouco
tempo, já tive contato com mais assuntos
do que nos nove meses de escritório. Me
surpreendi ao ver que o Direito Ambiental
não cuida tão-somente da natureza – assim compreendida como as florestas, as
cachoeiras, as praias –, mas também do
ambiente urbano, de trabalho e cultural. Os
assuntos se multiplicam e fascinam não só
a mim como a todos os estagiários da
Promotoria.
Se antes eu trabalhava ao lado de
advogados, espacialmente falando,
agora meu lugar é na sala dos estagiários. Meus colegas são estudantes, assim como eu, e também têm
dúvidas frequentes, muitas delas sem
possibilidade de sanação nos limites
físicos da nossa sala. O que antes era
explicado instantaneamente pelos advogados, agora tem que ser eximido
com o promotor. O problema é que
ele nem sempre está disponível, por
conta principalmente de audiências,
o que acaba retardando o processo
de aprendizagem. Mesmo assim,
o que parece um contra, pode se
transformar em pró: o trabalho de
pesquisa autônoma é obrigado a se
desenvolver, sendo, pelo menos para
mim, o método que melhor cimenta
o conhecimento.
Não me arriscaria, ao menos por
enquanto, a dar um veredicto e dizer
qual dos tipos de estágio é melhor.
Ambos têm pontos positivos e negativos. Não descuido, entretanto, que
minha avaliação foi feita exclusivamente em cima das minhas próprias
e limitadas experiências e que, em
relação ao estágio em escritório, tive
muita sorte de não ser designado para
atividade de office-boy. O que posso
dizer é: no escritório é necessário
desenvolver uma alta capacidade de
produção e aprender rápido, mas,
dependendo do tipo de estratégia comercial da sociedade – no caso ações
em massa –, não há mais muito para
se aprender depois de um tempo. Em
órgão público é diferente: como não
se escolhe a matéria com a qual se vai
trabalhar, os assuntos são diversificados, muitas vezes surpreendentes,
o que faz aguçar a curiosidade. Em
contraponto, não se tem um contato
tão direto com os profissionais que
podem dar auxílio na hora da dúvida.
Certo é que, independente de
público ou privado, cada estágio é diferente. A avaliação de qual é melhor
ou pior vai divergir não só pelo tipo
de atividade desenvolvida, como pelo
tipo do estagiário. Aqui vai muito da
afinidade de cada um com a matéria
trabalhada e das relações travadas
com os demais servidores do local.
Só me arriscaria no seguinte (mas
não por experiência própria): entre os
dois estágios, o pior é aquele em que
tu serve cafezinho.
A TOGA - Abril de 2011
11
ESPORTES
Campeão
novamente
Enquanto os times começam a se organizar
para a Copa do Direito 2011, revivemos
grandes momentos do último Direitão
• RAFAEL XAVIER - “TAGA”
Acadêmico do 3º ano manhã
Mais uma vitória do La Barca. Este foi o resultado do Direitão 2010,
torneio que contou com um formato inédito com oito times. A superioridade do La Barca deu-se desde o início – além ter se mantido na liderança
primeira rodada, venceu com autoridade as partidas da semifinal e impôs
derrota de 5x1 ao renovado Estudiantes de Derecho, na grande final.
O Estudiantes, vice-campeão, fez belíssima campanha. Bateu o Diretoria nas semifinais em uma partida eletrizante (que vem se consolidando
como um dos clássicos jurídicos) e contou com reforços de polêmicos,
recém-chegados do exterior para a final – Deco e Feijó. Os dois ousados
do Velho Continente não lograram parar, porém, “o homem” do La
Barca – Romano – que, com dezesseis gols na fase classificatória e papel
decisivo nas finais, foi o grande destaque do campeonato.
A Toga teve a honra de conversar em tom informal com Romano:
A TOGA: Qual o jogo mais emocionante da competição
de 2010?
ROMANO SCAPIN: Não consegui assistir a muitos jogos, porque os horários, na maioria das rodadas, ficaram em dias diferentes. Daqueles que
presenciei, o jogo mais emocionante foi entre o Estudiantes e o time de
bixos da manhã, no fim da fase classificatória, em que o time mais novo
ganhava até o finalzinho, mas o Estudiantes, no “abafa”, conseguiu virar e
garantir classificação para a fase do mata-mata.
Das “peleias” do La Barca no campeonato passado, lembro de uma
baita partida que fizemos contra o Diretoria, na fase classificatória, num
dia de muita chuva; e da final, quando enfrentamos o Estudiantes e, apesar
do placar elástico, não foi tão “chocolate” quanto alguns pensam. Foi um
grande jogo, digno de um clássico que vem decidindo os campeonatos do
Direito nos últimos anos.
A TOGA: Qual o papel do Direitão e das competições
esportivas da faculdade?
ROMANO: Nossa turma de faculdade (formados em 2009) é muito unida,
e os Direitões e Copas do Direito contribuíram muito para isso – principalmente em relação à nossa “gurizada” do La Barca. As atividades esportivas, em especial, para mim, o futebol, são responsáveis por formar grandes amizades e o CAAR cumpre muito bem
sua função integradora ao promover esses campeonatos em que jogam
alunos e ex-alunos.
Aliás, queríamos, por meio de competições esportivas, estimular a
integração não só entre os alunos do Direito, mas também com alunos
de outras faculdades. Foi o que aconteceu quando organizamos o “Medicina Legal” em 2007, quando equipes formadas por alunos do Direito,
enfrentaram equipes das Medicinas da UFRGS, UFCSPA e Ulbra. Houve
uma demonstração de identificação dos futuros bacharéis com a faculdade
de Direito: não queríamos perder para os “açougueiros de avental” para
honrar “nossa facul”! O Direitão e a Copa do Direito vão no mesmo sentido
de integração e proporcionam que novas amizades sejam criadas e que as já
existentes se fortaleçam mais ainda. Por isso, minha “dica” aos mais novos é que não deixem de ter seu
time da turma (ou de sua gurizada) e que joguem os campeonatos do Direito! Isso é único e inesquecível na passagem pela facul...
A TOGA: Quais as perspectivas do La Barca para 2011?
ROMANO: Nosso objetivo principal, com os jogos da Copa e do Di-
reitão, é ter um motivo certo para nos reencontrarmos frequentemente.
Depois da faculdade, a vida pessoal de cada um do La Barca não permite
que consigamos nos encontrar muito. O futebol semanal é e será a principal e mais fácil causa para nos reunirmos. Além do reencontro entre
nós, pretendemos reencontrar (e “encontrar” os que ainda não conhece-
Jogadores do La Barca, depois da final contra o Estudiantes de Derecho, exibem o trófeu do Direitão 2010
mos) o pessoal já formado de outras turmas, os formandos e todos aqueles que
participam/participarão do Direitão. A perspectiva secundária (mas que também
consideramos muito importante) é “defender” os títulos da Copa do Direito e do
Direitão, buscando os “tris” das duas competições.
A TOGA: O que deve melhorar para as competições de 2011?
ROMANO: Acho que mais times deveriam participar das competições. Há pouco
tempo, tínhamos 12 times jogando os campeonatos, hoje reunimos 8 ou 9 times (e
alguns “capengas”, não sendo raro o W.O.). Portanto, a “vontade” dos alunos (principalmente dos mais novos, já que os times dos bixos não têm firmado dois anos
seguidos) deve melhorar. Para melhorarmos, o CAAR tem papel fundamental: se tivermos um campeonato bem organizadinho, com jogos em horários bons, com 4 ou 5 jogos por rodada (porque, assim, é possível assistir aos outros jogos, conversar com a gurizada
entre os jogos), com uma premiação “atraente” (e entregue tempestivamente) e,
ainda, com o menor custo possível, tenho certeza de que a gurizada se motivará a
jogar as “peleias” do Direito.
“...minha “dica” aos mais novos é que não deixem de ter seu time da turma (ou de sua gurizada) e que joguem os campeonatos do Direito! Isso é
único e inesquecível na passagem pela facul...”
A TOGA: Quem é o melhor jogador da Casa do Velho André?
ROMANO: É difícil apontar o melhor jogador. Dos que já saíram da Casa do Velho
André, eu citaria o Cassius e o Eduardo Melo (Papito) do Chubergs, o Eduardo
Rihl, meu companheiro do La Barca, e o Otávio “Juca” (do Diretoria). No gol,
o Rodrigo Papaléo (La Barca) ganha a maioria dos prêmios como goleiro menos
vazado e isso demonstra, por si só, que ele é o melhor na posição (pelo menos que
eu conheço) da Casa do Velho André.
Dos que ainda estão na faculdade, acho que, dos que eu conheço, o Castel, o
Feijó (ambos do Estudiantes) e o Deda (do Johnnie Lawyer) se destacam. Tem um
meio-campo do 2º ano noite que é bom de bola, outro, do 3M, que parece o Rosembrick, que também joga bem e uns zagueiros mais novos que têm sido difíceis
de enfrentar.
Os olheiros do La Barca, aliás, estão de olho nesses atletas mais novos porque
nosso plantel, em pouco tempo, precisará de uma renovação em virtude da aposentadoria de alguns de seus atletas...
DIREITÃO 2010:
Inscrição por time: R$647,00
32 Jogos
8 Equipes em formato todos contra todos. Os quatro
primeiros avançam às semifinais.
Placar da Grande Final: Estudiantes 2 x 5 La Barca
Copa do Direito 2011: previsão de início em maio
Direitão 2011: previsão de início em setembro
12
A TOGA - Abril de 2011
I Saarau do CAAR
discute Chico
Buarque
• MARIANA MEDEIROS LENZ
Acadêmica do 2º ano manhã
POESIA, uma vez ao dia
Soneto da morbidez
almática
• EDUARDO GEORJÃO FERNANDES
Acadêmico do 5º ano manhã
No peito sinto a expressão do desamor:
Teus olhos mentem, despistam o infinito.
Inquieto, dissolvo-me em qualquer labor;
Pois sei: em silêncio, sufocas meu grito.
Se algum dia sequer fôssemos amantes,
Seria eu salvo, prisioneiro liberto.
Mas só vejo teus lábios frios, distantes,
Rio que já nasce seco, mero deserto.
No entanto, gera frutos tão árduo penar.
E a ti trago no peito, doce ferida,
Sangue que corre e da morte produz vida.
Alunos assistiram no Salão
Nobre à palestra do Professor
de Literatura Fernando Brum,
que comentou detalhes sobre
a obra de Chico Buarque
Música, integração e portas abertas a outros cursos
marcam estreia de proposta idealizada pela Secretaria
de Cultura
Era uma sexta-feira à noite qualquer,
mas a Faculdade de Direito vivia um
clima diferente. No dia 8 de abril, o Salão
Nobre estava cheio em horário de aula, e
a sede do Centro Acadêmico se transformou em uma espécie de botequim, atraindo caras novas – estudantes não apenas
do Direito, mas de cursos como Moda,
Artes Visuais e História. O causador da
mudança foi a primeira edição do Saarau
do CAAR, que se insere no projeto do
Centro Acadêmico de promover o diálogo
do Direito com outras ciências humanas,
por meio da discussão de temas como
literatura, música ou política.
Com a temática “Chico Buarque”, o
I Saarau trouxe o Professor de Literatura
Fernando Brum para uma exposição sobre
a obra do músico brasileiro, em que foram
abordadas canções como Beatriz, Construção, Jorge Maravilha, Futuros Amantes e Até o
fim. Sobre esta última, Brum destacou que
a letra é inspirada no Poema de Sete Faces, de
Carlos Drummond de Andrade, em que
este afirma ter nascido para
ser torto, “esquerdo” (gauche)
na vida. Em sua versão, Chico
Buarque incorporou o sentido
das palavras à melodia: durante
toda a música, os primeiros
versos de uma estrofe são mais
compridos, e os segundos, mais
curtos, e o som resultante imita
alguém que manca, que é torto.
Logo após a palestra, os
estudantes se reuniram no
CAAR para um momento de
integração. A cerveja formou
um par perfeito com os acordes do Grupo Roda Viva, que
há 7 anos toca os sucessos de
Chico em pubs de Porto Alegre. João e Maria e A Rosa, entre
outras, tiveram o acompanhamento dos alunos, que fecharam a semana – e o Saarau
– em rodinhas de conversa no
estacionamento da Faculdade.
Ora, por que perder-nos em promessas vãs?
Se nossas almas nasceram para o encontro,
Deixemos que elas morram puras, como irmãs.
Correspondência
• ARTHUR P. BEDIN
Acadêmico do 4º ano manhã
Amiga minha, eu rogo, não cantes
A intangível angústia dos amantes
A imensa solidão dos ausentes
As tuas alegrias descontentes
Amiga, antes tristeza que falsa alegria
Queira-se uma verdadeira melancolia
Uma sangria vermelha e desatada
Antes que a boca fria da mascarada
É a vida, um turbilhão de desencontro
E é preciso coragem e estar sempre pronto
Para achar qualquer luz na selva escura
Abrir no peito o coração, e rasgar a armadura
Também é preciso uma infinita paciência
Esperar o tempo e suportar a ausência
Do amor, que errou de veia e anda perdido
E imaginar olhares, e sussurros no ouvido
Por ora, te dou meus braços e meu profundo,
Indizível e oceânico sentimento de mundo
Junto ao meu desassossego permanente
Para que na tua busca eu esteja presente
E se até a hora fatal, só encontrares dores
Eu estendo-te essa mão que é minha
Assim como eu ofereço a última linha
Aos últimos dos sonhadores
Grupo Roda Viva, em participação especial, modificou o ambiente da sede do CAAR
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A despedida da Profa. Judith Martins-Costa Os árabes sob