EQUAÇÕES DIFERENCIAIS APLICADAS - RESOLUÇÕES
NUMÉRICAS NO AMBIENTE MAPLE V
Pedro Luiz Aparecido Malagutti1, Juliana Cristina do Nascimento2
Universidade Federal de São Carlos
Rod. Washington Luiz Km 235
13565-905 São Carlos SP
Universidade Federal de São Carlos
Rod. Washington Luiz Km 235
13565-905 São Carlos SP
Resumo. A área de Matemática Aplicada tem sentido as mudanças advindas do uso da Informática,
de um modo substancial. Os cursos de Engenharia têm tentado acompanhar esta efervescência de
novas técnicas permitindo o tratamento mais realista de modelos provenientes do mundo concreto.
Nossos cursos respondem, a seu modo, as modificações que atualmente nos são impostas e nos
deparamos com duas tarefas de difícil consecução: a quebra da imobilidade devida a cristalização
de processos e métodos clássicos e a geração de uma nova tecnologia que não esteja suportada
unicamente em pacotes prontos, sem o desafio da descoberta científica. Procuramos descrever
neste trabalho as tentativas que estão sendo realizadas na UFSCar afim de enfrentar estas duas
barreiras: por um lado, a busca da modernização do arsenal metodológico usualmente utilizado
na resolução de modelos matemáticos significativos e, por outro, o estabelecimento de metas que
não utilizem os softwares científicos apenas para se obter as soluções para estes modelos, em
detrimento do minucioso processo de descoberta. Com este pano de fundo, o trabalho descreve o
tratamento feito com o aplicativo MAPLE V para a resolução e interpretação geométrica dos
resultados das principais equações da Física-Matemática provenientes da modelagem matemática
de problemas ligados às Engenharias.
Palavras-chave: Soluções numéricas de equações diferenciais parciais, Modelagem matemática,
Problemas básicos de engenharia.
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1.
INTRODUÇÃO
A Matemática, como todas as outras ciências, tem sido alavancada neste início de milênio pela introdução de
modernas técnicas advindas do crescimento exponencial da informática. Seguramente a área de Matemática Aplicada
tem sentido e se beneficiado dessas mudanças de um modo imprescindível, podendo mesmo se chegar a dizer que
estamos iniciando seu reinado agora e que, nesta área, tudo ainda está por se descobrir. Os cursos de graduação em
Engenharia têm tentado acompanhar o florescer deste novo ferramental técnico, o aumento vertiginoso do poder
processador das máquinas, novas técnicas de simulação e visualização, o que permite abordar e tratar os problemas do
mundo concreto com modelos mais realistas e precisos.
Os cursos de Engenharia acompanham estas modificações, modernizando-se e procurando inserir na formação
inicial de seus profissionais as modernas técnicas citadas acima. Entretanto, embora as inovações devam ser tratadas
com respeito, elas também inspiram desconfiança e somos levados a uma dicotomia baseada na quebra da imobilidade
devida a cristalização de processos e métodos clássicos (arcaísmo científico) versus a geração de uma nova tecnologia
que não esteja suportada unicamente em pacotes prontos sem o desafio da descoberta científica (ilusão maquinicista).
A disciplina “Métodos de Matemática Aplicada”, oferecida pelo Departamento de Matemática da UFSCar aos
Cursos de Engenharia tem um papel fundamental no desenlace desta problemática, primeiramente por tratar-se da
última disciplina curricular da graduação onde a abordagem formal da matemática é apresentada com rigor e segundo
porque, dentro da qual, todo o conhecimento teórico e técnico do Cálculo Diferencial e Integral encontra sua
justificativa. De fato, os fenômenos naturais ligados à energia e a matéria podem ser modelados com precisão
utilizando-se as teorias e técnicas matemáticas oriundas das equações diferenciais parciais desenvolvidas na disciplina.
Nossas experiências nessa disciplina têm procurado alicerçar um projeto científico que tem o intuito de quebrar
estas barreiras: estamos buscando a modernização do arsenal metodológico usualmente utilizado na resolução de
modelos matemáticos significativos e, ao mesmo tempo, estabelecendo a meta de não utilizarmos os softwares
científicos apenas para se obter as soluções para estes modelos, em detrimento do minucioso processo de descoberta, do
modo como a técnica de resolução foi elaborada.
2.
EIXOS NORTEADORES
A principal meta do trabalho didático/pedagógico desenvolvido na disciplina “Métodos de Matemática
Aplicada” é de fornecer ao aluno as ferramentas necessárias ligadas às equações diferenciais parciais estabelecendo
conexões com problemas práticos. Os problemas a serem trabalhados envolvem dentro da grade curricular dos cursos de
Engenharia envolvem, além da Matemática, a Física e a Ciência da Computação.
Segundo esta linha, as atividades são integralizadoras, envolvendo desde métodos numéricos, análise de
Fourier, até técnicas de Elementos Finitos e Estatística. Com desenvolvimento das atividades realizadas integrando o
computador à rotina das salas de aula, observamos que o estudante passou a ter uma visão global da área de Matemática
Aplicada, com uma percepção moderna dos métodos, muitos deles relacionados com o uso de algoritmos
computacionais. Com isto os alunos passaram a dominar os conhecimentos básicos sobre o poder dos métodos
matemáticos associados aos computadores, possibilitando a sua preparação para trabalhar com problemas de grande
complexidade e tamanho.
Os objetos de estudo foram os princípios básicos, os métodos e os resultados relacionados com as principais
equações diferenciais parciais. A disciplina e suas modificações que agora estão sendo implementadas têm a intenção de
propiciar ao estudante uma vivência intensa do processo completo de modelagem matemática. De modo simplificado,
os problemas abordados foram tratados em três etapas, brevemente descritas a seguir:
Proposição do modelo: dado um problema real, compreender o papel dos fatores envolvidos e
informações e dados para uma linguagem matemática trabalhável.
transladar as
Técnicas de resolução: neste estágio as soluções são obtidas através da seleção e aplicação de convenientes métodos
matemáticos, muitas vezes envolvendo técnicas numéricas e o uso de softwares científicos. Esta é a parte central do
trabalho. Optamos pela utilização do aplicativo MAPLE V, mas o MATHEMATICA e o MATLAB também se prestam
a esta tarefa.
Validação e interpretação dos resultados: nesta etapa final procuramos entender o significado e as implicações
matemáticas da solução encontrada e sua interrelação com a situação real, escopo do estudo em questão.
Em termos holísticos, objetivamos com as experiências desenvolvidas, a familiaridade do futuro profissional
com o pensamento e as metodologias matemáticas modernas, afim de que este reconheça a necessidade de aplicar
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métodos matemáticos para resolver problemas do mundo real, que realize a Matemática como uma ciência sistemática
construída sobre conceitos básicos envolvendo princípios unificadores e que obtenha vivência científica sólida para
interrelacionar os conceitos teóricos com os computacionais e os experimentais.
Uma palavra sobre o aplicativo MAPLE V: o trabalho com este software, seja no trato de exemplos, seja na
forma de laboratórios ou tutoriais, constituiu parte integrante dos experimentos didáticos realizados. Este aplicativo tem
interface amigável e presta-se basicamente a quatro tipos de tarefas: cálculos numéricos, cálculos algébricos,
visualização geométrica e programação científica. O seu uso economiza tempo e evita manipulações tediosas, evitando
erros. Suas facilidades gráficas permitem interpretar as soluções obtidas, melhorando a compreensão e significância das
soluções encontradas. Isto, após um pequeno tempo de familiaridade, permite ao aluno experimentações, ataques a
problemas modificados, a invenção de novas situações e novas descobertas.
Vamos listar a seguir os principais tópicos que foram trabalhados:
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Introdução à Análise de Fourier
Principais equações diferenciais parciais da Física-Matemática: equações de primeira ordem, equação do calor, das
ondas e de Laplace.
Introdução aos métodos numéricos
Métodos numéricos em Álgebra Linear
Métodos numéricos em Equações Diferenciais Parciais
Modelos Matemáticos: condução do calor em barras, equações das ondas (acústica), problemas de potencial,
poluição da água e atmosférica, crescimento de algas, modelos de tráfico, deformação de vigas, etc...
3.
METODOLOGIA
Por se tratar de uma disciplna complexa, a descrição detalhada de todos os procedimentos didáticos
seria extensa. Por isso optamos pela apresentação de um tópico que exemplifica a metodologia empregada. Os alunos
trabalharam em dois ambientes: o tradicional em sala de aula (em aulas expositivas dialogadas) e no Laboratório
REENGE de Informática da UFSCar.
Passamos então à descrição do processo de discretização das equações elíticas. Os fenômenos naturais que
envolvem potenciais podem ser descritos pela equação de Poisson (ou Laplace no caso homogêneo)
div(grad(u)) = g
Eq. (1)
Tais equações aparecem também no estudo estacionário da distribuição da temperatura e por isso têm sido
extensivamente estudadas tanto do ponto de vista teórico (análise harmômica), como do ponto de vista prático em
modelagem matemática.
Consideremos a equação de Poisson
∆ u = uxx+uyy = f(x,y)
Eq. (2)
Para obtermos métodos de solução numérica, substituimos as derivadas parciais por uma diferença de
quocientes correspondentes. Pela fórmula de Taylor:
u(x+h,y) = u(x,y)+hux(x,y)+(1/2)h2uxx(x,y)+(1/6)h3uxxx(x,y)+...
u(x-h,y) = u(x,y)-hux(x,y)+(1/2)h2uxx(x,y)-(1/6)h3uxxx(x,y)+...
Eq. (3)
Eq. (4)
Subtraindo estas duas equações e omitindo termos de h3 em diante, obtemos:
ux(x,y) ~ [u(x+h,y)-u(x-h,y)] / 2h
Eq. (5)
Similarmente,
uy(x,y) ~[(u(x,y+k)-u(x,y-k)] / 2k
Eq. (6)
Quanto às derivadas segundas, adicionando as Eq.(3) e (4) e negligenciando os termos que contêm h4,h5, ...,
obtemos
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u(x+h,y)+u(x-h,y) ~ 2 u(x,y)+h2uxx(x,y)
Eq. (7)
Resolvendo em termos de uxx,
uxx(x,y) ~ [ u(x+h,y)-2 u(x,y)+u(x-h,y)]/h2
Eq. (8)
e similarmente,
uyy(x,y) ~ [u(x,y+k)-2u(x,y)+u(x,y-k)]/k2
Eq. (9)
Substituindo na Eq. (2) com h=k,
u(x+h,y)+u(x,y+h)+u(x-h,y)+u(x,y-h)-4u(x,y)=h2 f(x,y)
Eq. (10)
Esta é a equação diferença correspondente à discretização da equação de Poisson. Assim, para a equação de
Laplace, a equação diferença correspondente é:
u(x+h,y)+u(x,y+h)+u(x-h,y)+u(x,y-h)-4u(x,y) = 0
Eq. (11)
A equação de Laplace, juntamente com condições de fronteira numa região R do plano constituem o chamado
Problema de Dirichlet em R. Para solução numérica desse problema, primeiro escolhemos um tamanho h e
introduzimos em R uma grade de linhas horizontais e verticais paralelas aos eixos x e y respectivamente com distância h
uma da outra, cujas intersecções chamamos de nós ou pontos de malha. Então, usamos uma equação diferencial
aproximada da equação diferencial dada – Eq. (11) – para relacionar os valores de u em cada nó da malha dentro de R.
Disto resulta um sistema linear de equações algébricas, cujas soluções são aproximações dos valores de u nos pontos da
malha. Com condições de fronteira corretas, o número de equações é igual ao número de incógnitas. A cada nó, u é
somente relacionado a valores vizinhos a ele e portanto os coeficientes do sistema algébrico obtido na discretização
formam uma matriz esparsa, isto é, uma matriz com relativamente poucas entradas diferentes de zero. Na prática, essa
matriz será grande pois para obtermos um resultado acurado precisamos de muitos pontos de malha, e uma matriz 1000
X 1000 ou maior pode causar um problema de armazenamento (se essa matriz for tridiagonal, podemos aplicar o
método de eliminação de Gauss, eliminando o problema de armazenamento). Entretanto, é preferível um método
indireto a um método direto. Em particular, podemos usar o método de Gauss-Seidel, o qual neste contexto é chamado
de método de Liebmann. Aqui entra o software MAPLE e suas facilidades computacionais.
Vejamos a título de exemplo, como resover numericamente o problema de Dirichlet para o quadrado,
utilizando-se o MAPLE.
u=sup
y
∆u = 0
u=dir
u=esq
u=inf
0
x
Fig. 2
Fig. 1
Os valores na fronteira são conhecidos e o método permite calcular de modo bastante acurado os valores nos
pontos internos da malha. Veremos a seguir o programa para o Problema de Dirichlet num quadrado. O procedimento
está escrito usando-se somente os comandos básicos do MAPLE V.
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> Laplace:=proc(p,inf,esq,sup,dir)
> local b,j,v,x,A,B,C,Id;
> B:=band([1,-4,1],p);
> Id:=band([1],p);
> C:=diag(seq(B,i=1..p));
> v:=vector(2*p+1,0);
> v[1]:=1:v[2*p+1]:=1;
> A:=eval(C+band(v,p^2));
> b:=vector(p^2,0);
> for j from 1 to p do
> b[j]:=b[j]+inf;
> b[(j-1)*p+1]:=b[(j-1)*p+1]+esq;
> b[j*p]:=b[j*p]+dir;
> b[j+p*(p-1)]:=b[j+p*(p-1)]+sup;
> od:
> b:=evalm(b);
> x:=matrix(p,p,evalf(linsolve(A,b)));
> for j from 1 to iquo(p,2) do
> x:=swaprow(x,j,p+1-j);
> od;
> RETURN(x);
> end:
Para regiões mais complexas do que quadrados, podemos utilizar também o ambiente de programação do
MAPLE para a obtenção de soluções numéricas. Outros métodos podem ser usados para atacar problemas parabólicos
(tais como a equação do calor) e hiperbólicos (como no caso das equações das ondas). O uso do MAPLE permite o
desenvolvimento da maquinaria numérica simultaneamente com o tratamento analítico das equações, integrando os
conceitos e tornando mais próximos da realidade os modelos matemáticos em estudo. Do ponto de vista didático, as
facilidades gráfica do aplicativo MAPLE são de fato surpreendentes.
Veja, por exemplo nas figuras 3 e 4 abaixo a comparação visual de soluções da equação de Laplace obtidas por
métodos analíticos (séries de Fourier) e numéricos (via método de Liebman), o que mostra a força e a precisão dos
métodos numéricos.
Fig. 3 – Solução analítica
Fig. 4 – Solução numérica
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4.
CONCLUSÕES ENCONTRADAS:
Com os experimentos pedagógicos realizados na disciplina “Métodos de Matemática Aplicada” os alunos dos
cursos de Engenharia da UFSCar mostraram-se capacitados a formularem, por si só, modelos matemáticos básicos em
exemplos recolhidos do mundo real e passaram a tratar matematicamente tais modelos com equações diferenciais
parciais. Com isto os estudantes adquiriram conhecimentos e hábitos de aprendizagem ativa, transformando-se em
agentes de seus próprios processos de aprendizagem e conseqüentemente de seus próprios desenvolvimentos científicos.
Acreditamos assim que o uso consciente de pacotes computacionais e suas facilidades ajudam sobremaneira os
estudantes a enfrentarem a complexidade científica do mundo atual, através do domínio de modernos recursos de
informática, usados tanto como ferramenta para a resolução de problemas como para simulações e novas descobertas.
Agradecimentos
Agradecemos ao CNPq pela bolsa de Iniciação Científica, dentro do Programa PIBIC da UFSCar.
5.
REFERÊNCIAS
[1] Beltrami, E. Mathematics for Dynamic Modeling Academic Press, 1987
[2] Kreyszig, E. Advanced Engineering Mathematics, 7. Ed. John Wiley & Sons, 1993
[3] Nachbin, A e Tabak, E. Equações Diferenciais em Modelagem Matemática Computacional, 1997 IMPA CNPq
[4] Huntley & James, Mathematical Modelling, Oxford UP, 1990
[5] Software MAPLEV - Release 5 Waterloo Inc., 1998
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