CRDA - CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Andréa Gonçalves Monteiro Diga-me com quem tu andas e te direi quem és?: Implicações do Ensino Inclusivo na formação da personalidade dos alunos não portadores de necessidades educativas especiais Monografia apresentada como parte dos requisitos para aprovação no Curso de Especialização Lato Sensu em Educação Especial e submetida ao Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem – CRDA, sob orientação do(a) Prof(a). Ms. Fabiana Maria Gomes Lamas SÃO PAULO 2009 2 AGRADECIMENTOS Aos meus pais por dedicarem a mim o que há de melhor em cada um deles, à Bianca por sua paciência, por me ouvir e pelo incentivo, à Bárbara pelo apoio, pelo incentivo e pela generosa revisão do trabalho, e ao Fernando que, com seu olhar, tem me mostrado outras paisagens e me encantado a cada dia. 3 DEDICATÓRIA A todos os alunos, profissionais e pais que partilharam a trajetória da minha carreira e fizeram de mim a profissional e pessoa que sou hoje. 4 SUMÁRIO RESUMO 05 ABSTRACT 06 1) INTRODUÇÃO 07 2) FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE E INCLUSÃO 11 2.1 Formação da personalidade 11 2.2 Inclusão 15 2.3 Benefícios da Inclusão – Ensino de qualidade para todos 19 3) MATERIAIS E MÉTODOS 25 3.1 Tipo de estudo 25 3.2 População e amostra 25 3.3 Critérios de inclusão 25 3.4 Técnica empregada 26 4) DISCUSSÃO 27 5) RESULTADOS 35 CONCLUSÃO 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 40 ANEXOS 42 5 RESUMO “E o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz.” Valsinha – Chico Buarque de Holanda OBJETIVO: O estudo trata da inclusão de alunos com deficiência em classes comuns do ensino regular, sob o enfoque dos alunos sem necessidades educativas especiais que já passaram pela escola inclusiva, estabelecendo um paralelo entre esta vivência e a formação da personalidade destes últimos indivíduos.MÉTODO: Partindo da aplicação de um questionário estruturado acerca da opinião dos participantes sobre a inclusão escolar (o que pensam em relação à inclusão de alunos com deficiência em salas de aula do ensino regular), buscou-se entender qual o impacto da experiência da inclusão para os alunos ditos “normais”, de acordo com sua opinião sobre as habilidades e valores desenvolvidos em si mesmos nesta experiência,a formação de sua personalidade, a manifestação dos próprios sentimentos em relação à inclusão e leituras acerca da Inclusão.RESULTADOS: Os dados obtidos por meio da aplicação dos questionários foram analisados em consonância com os princípios teóricos que orientaram este trabalho. Demonstram que a Educação Inclusiva impacta positivamente a formação da personalidade dos indivíduos ditos “normais” e desenvolve valores morais e personalidade ética. CONCLUSÃO: Inclusão é troca, verdadeiramente e simplesmente uma questão de vontade. PALAVRAS CHAVE: Inclusão, formação da personalidade, valores, ética. 6 ABSTRACT "And the world understood, and the day dawned in peace." Valsinha - Chico Buarque de Holanda INTRODUCTION: The study deals with the inclusion of students with disabilities in regular education classes common in the focus of students with special educational needs that have already passed by the inclusive school setting a parallel between that experience and training of the personality of the latter individuals. METHOD: On the application of a structured questionnaire about the views of participants on the inclusion school (what they think regarding the inclusion of students with disabilities in the classroom of regular education), the view on the skills and values developed in this experiment itself and expression of their own feelings in relation to inclusion, and reading about the inclusion and the formation of personality, sought to understand what’s the impact of the experience of inclusion for students called “normal”.RESULTS: The data obtained through the application of questionnaires as discussed in line with the theoretical principles that guided this work. It shows that the inclusive education has a positive impact in the personality´s formation of the so called “normal individuals”, developed moral values and etical personality. CONCLUSION: Inclusion is exchange, trully and simple question of good will. KEYWORDS: Inclusion, formation of personality, values, ethics. 7 1 INTRODUÇÃO “A humanização só é possível através da cultura e da vida social.” Levis Strauss “As escolas devem ser espaço onde alunos e professores sonham e compartilham seus sonhos, porque sem sonhos comuns não há povo, e não havendo um povo não se pode construir um país. Se eu sonho com um país de águas cristalinas e natureza preservada, meu sonho pessoal será inútil se não houver muitos que sonhem este mesmo sonho. Caso contrário, as florestas serão destruídas e as águas serão poluídas.” Rubem Alves in: Conversas sobre educação, 2003, p 09 Esta pesquisa pretende discutir a visão dos alunos ditos “normais” sobre sua vivência na Escola Inclusiva, relacionando estas opiniões à constituição da personalidade destes indivíduos. Muito se tem falado a respeito dos benefícios da Educação Inclusiva para os portadores de necessidades educativas especiais, porém, a mesma atenção não tem sido aplicada à verificação dos benefícios deste ensino para os alunos não portadores de necessidades especiais. Dentro de uma perspectiva de educação democrática, transformadora da sociedade e que põe em discussão paradigmas do ensino tal como é hoje, este trabalho pretende contribuir para a compreensão do impacto que tal ensino pode promover na formação de pessoas não portadoras de necessidades especiais e comprovar que a inclusão é um ensino de qualidade para todos os alunos. Tal escolha deveu-se ao fato de haver poucos estudos a respeito do Ensino Inclusivo sob o enfoque dos alunos dito “normais”, além de tentar buscar entender quais contribuições este traz para todos os alunos e para a transformação social mais ampla, na construção de uma sociedade mais justa e democrática, uma vez que, dizem os autores pesquisados, a interação com o diferente possibilitaria a criação de identidades mais elaboradas. Busca-se verificar se o Ensino Inclusivo teve impacto na formação de valores morais e éticos nos indivíduos não portadores de necessidades especiais, determinando, assim, benefícios deste tipo de ensino, e defendendo-o como um ensino de qualidade para todos. Portanto, as análises aqui realizadas fundamentam-se 8 na concepção de que a identidade individual plena só se dá no reconhecimento da pessoa como membro de um grupo maior, inclusivo. O interesse pelo tema surgiu a partir de alguns questionamentos a profissionais envolvidos em Escolas Inclusivas: • Inclusão funciona mesmo? • Os alunos sem deficiência não ficam prejudicados? • O ensino fica mais “fraco”? • Os professores estão capacitados para a educação inclusiva? O tema discutido neste trabalho esteve, então, centrado na expectativa de responder a algumas destas questões, focando a discussão do valor ético e moral na formação dos alunos sem deficiência. “Acreditamos que a questão da inclusão fere diretamente o núcleo de nossos valores e crenças. Inclusão prece tão simples, tão cheia de bom senso, e, contudo, é complexa. Inclusão explode fogos de artifício nas almas daqueles envolvidos com ela. Inclusão desafia nossas crenças sobre a humanidade e fere profundamente os recessos de nossos corações. Inclusão NÃO trata apenas de colocar uma criança deficiente em uma sala de aula ou em uma escola. Esta é apenas a menor peça do quebracabeça. Inclusão trata, sim, de como nós lidamos com a diversidade, como lidamos com a diferença, como lidamos (ou como evitamos lidar) com nossa moralidade.” ( FOREST E PEARPOINT in MANTOAN, 1997, p 138) A estrutura escolhida para buscar estas respostas foi a revisão bibliográfica acerca do tema e entrevistas com alunos que estudaram em Escolas Inclusivas. A revisão teórica focou a formação da identidade e o papel da inclusão neste processo. Para tanto, inicialmente, definiu-se a identidade sob a perspectiva teórica da construção social, histórica e cultural do psiquismo humano, seguindo algumas considerações sobre o processo de formação da identidade. A seguir, caracterizou-se a Inclusão escolar como modelo de ensino de qualidade para todos. Finalmente, definiu-se o papel da inclusão escolar no processo de formação da identidade dos alunos não portadores de necessidades especiais, do ponto de vista de seus 9 benefícios e principais dificuldades, confrontando as idéias de alguns autores com as respostas dos alunos participantes ao questionário de coleta de dados. As idéias de estudiosos como Mantoan, Pacheco, Werneck, Freire, Morin, Maturana, Coll, Zabala entre outros, serviram de suporte teórico para as análises realizadas somadas aos dados dos questionários aplicados. A escolha deste percurso de pesquisa procurou confrontar as idéias teóricas mencionadas anteriormente à opinião dos alunos que vivenciaram a inclusão ao longo de sua vida escolar por um ou mais anos. O tempo de permanência na Escola Inclusiva foi observado como fator determinante para a formação da personalidade mais ética. Também foi feita a escolha de indivíduos de idades distintas com o intuito de observar uma maior gama de opiniões, desde alunos já formados em nível superior até outros ainda em formação no ensino básico. Se partirmos do pressuposto de que o indivíduo aprende com o meio em interação com o outro, numa perspectiva sócio interacionista, podemos verificar que a Escola Inclusiva oferece interações diferenciadas na formação de todos os alunos. De acordo com Devries (1998), a escola influencia o desenvolvimento social e moral, quer pretenda fazer isso ou não. O ambiente sócio-moral da escola constitui-se na maior parte das vezes num currículo implícito o que exige ainda maior reflexão sobre o mesmo. Maturana (2004) defende a idéia de que as espécies, de forma geral, não devem ser vistas como algo pronto, acabado, completo, mas sim como seres em construção, em mudança, em adaptação às suas diferentes naturezas biológicas, ou seja, o ser vivo não é uma unidade pronta, determinada dentro de suas mais variadas espécies, ele traz a sua singularidade, o que o torna especial. Por mais que se sintam semelhantes às espécies, ambos carregaram em si, mesmo que despercebidos, as suas diferenças, as suas diversidades, as suas singularidades. Por mais que sejamos diferentes, seremos indispensáveis ao convívio mútuo um do outro. Somos diferentes, pensamos de jeitos diferentes, agimos de formas diferentes, sentimos com intensidades diferentes. E tudo isso porque vivemos e apreendemos o mundo de formas diferentes. A questão não é se queremos ou não ser diferentes, mas que como seres humanos, nossa dignidade depende substancialmente da diversidade, da alteridade, porque precisamos garantir o caráter subjetivo de nossa individualidade. Uma vez valorizada a diversidade, não se terá mais inquietação de responder se 10 alguém aprendeu com o outro, mas de observar e de acompanhar curiosamente o jeito sempre inusitado e mágico de cada um viver, de cada um vir a ser , no seu tempo e a seu tempo, cuidando, acolhendo, compartilhando diferentes jeitos de aprender. De acordo com Alves, a primeira tarefa da educação é ensinar as crianças a serem elas mesmas, o que é extremamente difícil. A segunda tarefa da educação é ensinar a conviver com a fantástica variedade de seres de nosso mundo. E ele prossegue: “Se seu filho ou sua filha não aprender a conviver com a diferença, com os portadores de deficiência, e a ser seus companheiros e amigos, garantolhes: eles serão pessoas empobrecidas e vazias de sentimentos nobres.” (ALVES, 2003, p 15). A Escola Inclusiva permite colocar em prática o princípio da igualdade, a oportunidade de aprender que o outro tem coisas que nós não temos. A capacidade de apreensão dos alunos se aprofunda porque convive de imediato com a diferença. Há avanços na vivência coletiva e na construção da cidadania. Segundo Werneck (1997, p 21): “Na sociedade inclusiva ninguém é bonzinho. Ao contrário. Somos apenas – e isso é o suficiente – cidadãos responsáveis pela qualidade de vida do nosso semelhante, por mais diferente que ele seja ou nos pareça ser. Inclusão é, primordialmente, uma questão de ética.” 11 2 FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE E INCLUSÃO "A educação tem tudo a ver com o tipo de mundo que queremos e o que cada um constrói, é um mundo em comunhão. Um mundo que, ao ser construído coletivamente, será sempre configurado por um certo tipo de viver/conviver entre os seres humanos". Maturana (2004) 2.1 Formação da personalidade Compreendendo a identidade como síntese que o indivíduo faz de si mesmo a partir de um movimento dialético (dinâmico e mutável) de interações que ele estabelece com o meio social e histórico-cultural, só se pode compreender sua formação na trama dos sentidos, significados, interesses, expectativas, condutas, comportamentos e especificidades que constituem as representações do eu e do outro; representações estas sob as quais as semelhanças e desigualdades sociais e culturais se configuram. Morin (2000) explica que as interações entre indivíduos produzem a sociedade que, por sua vez, testemunha o surgimento da cultura e que retroage sobre os indivíduos pela cultura. Estas interações sociais e culturais têm lugar privilegiado na Escola, seja ela Inclusiva ou não, ou seja, é a educação que favorece a convivência e a formação da individualidade, da cultura e da sociedade. A educação é vista por Maturana (2004) como um processo pelo qual a criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver, se transforma de maneira que seu conviver se torna cada vez mais congruente com o outro no espaço da convivência. O educar é, portanto, recíproco e ocorre todo o tempo. As pessoas então aprendem a viver e conviver da maneira pela qual sua comunidade vive. Ou, de acordo com Rossini, 2005, p 14: "A forma como nos vemos sofre alterações, variando de acordo com nosso próprio desenvolvimento e com as interferências do meio. São fatores predominantes nessas alterações nossas conquistas ou insucessos, a visão que temos do mundo e de nós mesmos frente a esse mundo(...). O autoconceito, nossos hábitos, crenças, atitudes, valores, ideais constituem partes do caráter e da personalidade sendo aprendidos ao longo da vida." 12 Certamente, a formação destes conceitos está diretamente ligada às opções curriculares e aos valores que permeiam as escolhas educativas dos professores e escolas. Uma escola centrada no aluno, atenta à diversidade, que busca atender às necessidades educativas de todos com qualidade e de forma democrática, resultará em alunos com uma formação de personalidade diferenciada, coerente com seus princípios. Os currículos das Escolas Inclusivas são caracterizados por sua habilidade de incorporar conteúdos que promovem o desenvolvimento de habilidades sociais além do conteúdo acadêmico. Ainda afirma Morin (2000): “Cabe à educação do futuro cuidar para que a espécie humana não apague a idéia de diversidade e que a da diversidade não apague a da unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade humana. A unidade não está apenas nos traços biológicos da espécie Homo sapiens. A diversidade não está apenas nos traços psicológicos, culturais, sociais do ser humano. Existe também diversidade propriamente biológica no seio da unidade humana; não apenas existe unidade cerebral, mas mental, psíquica, afetiva, intelectual; além disso, as mais diversas culturas e sociedades têm princípios geradores ou organizacionais comuns. É a unidade humana que traz em si os princípios de suas múltiplas diversidades. Compreender o ser humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber a unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno. A educação deverá ilustrar este princípio de unidade/diversidade em todas as esferas.”. Nesta concepção, Inclusão quer dizer estar com o outro e cuidar uns dos outros. Para isto, as escolhas curriculares e as práticas em sala de aula devem encorajar todos os alunos a participarem cooperativamente como membros da construção de uma nova sociedade. Não podemos deixar de lado o aspecto socializante da Escola, seu caráter formador, o que é ensinado de forma implícita, os valores e princípios que embasam as ações de toda comunidade escolar. A escola e a família influenciam profundamente o desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social das crianças. Segundo Rossini: (2005, p 9) "O que faz um professor? Ensina. Isto é o que ele pensa. Antes de ensinar o professor poliniza mentes e almas. Nossa missão é muito maior do que imaginamos." 13 Formar-se pressupõe trocas, interações, aprendizagens, relações que são singulares de acordo com a história de cada pessoa, conforme age, reage e interage nos diferentes contextos em que atua. O processo de formação é complexo e dinâmico, a pessoa vai se formando e se transformando ao longo da vida na interação com o outro e com o meio em que vive, nas relações entre o objetivo e o subjetivo, o interior e o exterior, o eu e o outro, o pessoal e o social. Por isso, segundo Werneck (1997), quanto mais a criança vivencia situações diferenciadas, mais adquire conhecimento e, quando interage com toda a diversidade humana, é capaz de conhecer a vida em todas as suas dimensões e desafios. “A aprendizagem é potencializada quando convergem condições que estimulam o trabalho e o esforço. É preciso criar um ambiente seguro e ordenado, que ofereça a todos os alunos a oportunidade de participar, num clima com multiplicidade de interações que promovam a cooperação e a coesão do grupo. Interações essas presididas pelo afeto, que contemplem a possibilidade de se enganar e realizar as modificações oportunas; onde convivam a exigência de trabalhar e a responsabilidade de realizar o trabalho autonomamente, a emulação e o companheirismo, a solidariedade e o esforço; determinadas interações que gerem sentimentos de segurança e contribuam para formar no aluno uma percepção positiva e ajustada de si mesmo.” (ZABALA, 1998, p 100) Somos seres sociais, precisamos do outro para reconhecer a nós mesmos, para estabelecer nossa auto-estima. Se excluídos, consideramos que não temos valor e destruímos nossa identidade. Se excluímos, estabelecemos uma relação desigual com o outro, de constrangimento. O outro nos ameaça, surge o preconceito, a rejeição. Betti in Mantoan (2001, p 172) ressalta que: “Toda pessoa é única e diferente. Daí a importância de ressaltar as diferenças e valores de cada um, afirmar a pluralidade no convívio, recuperar a dignidade de cada pessoa, resgatar o valor das minorias, exercitar o respeito para com cada ser.” O homem só pode reconhecer-se como sujeito único quando se observa em relação aos outros, diferentes dele. Tal fato reforça ainda mais a importância do outro na constituição da identidade humana, fazendo-nos concluir que o conhecimento de si é dado pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos de um determinado grupo social com sua história, suas tradições, suas normas, seus interesses etc. 14 Pensando nisso, a inclusão escolar surge como uma prática favorável à construção da identidade de indivíduos tão diferentes quanto semelhantes a todos nós. Tal concepção é reforçada quando se entende que, através da convivência, o indivíduo se relaciona e se identifica com os outros sob circunstâncias carregadas de emoção e passa a ter como referência para a formação da sua identidade os papéis sociais que são interpretados pelos outros e que para ele são significativos. Afirma Freire, 1996: “Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante e comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu.” (FREIRE, 1996, p 41) Vale ressaltar que a consciência do direito de constituir uma identidade própria e do reconhecimento da identidade do outro traduz-se no direito à igualdade e no respeito às diferenças, assegurando oportunidades diferenciadas (eqüidade) com vistas à busca da igualdade. Mantoan (2003, p 12) afirma que “a inclusão provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno." Espera-se, portanto, que os ideais que embasam a Escola Inclusiva desenvolvam nos alunos habilidades sociais tais como: • Ser capaz de perceber os outros • Ser capaz de aceitar os outros • Ser capaz de comunicar-se • Ser capaz de estabelecer consensos • Não ter medo • Ser ativo • Ter confiança em si mesmo • Saber lidar com poder • Saber lidar com controle 15 • Saber lidar com competição e rivalidade • Saber relacionar-se com os outros • Conhecer a si mesmo • Conhecer sua função no grupo • Aceitar a diversidade • Diminuir o preconceito • Desenvolver valores morais e éticos ( PACHECO, 2007,p 157) Cada pessoa, ao lidar com a dificuldade do outro e com a sua própria dificuldade, elabora um saber diferente, enxerga outras possibilidades, outros pontos de vista e, assim, cria uma identidade inédita. É esta identidade, enriquecida pela diversidade, que precisa ser cada vez mais valorizada. A Escola Inclusiva beneficia a todos os alunos, indiscutivelmente; e beneficia, também, a construção de uma identidade mais ética e com valores mais humanitários e democráticos, favorece a construção da cidadania e a sociabilidade, o que promoverá uma sociedade mais justa e igualitária. 2.2 Inclusão A Educação Inclusiva tem estado na pauta das discussões acerca do ensino/aprendizagem nos últimos anos em busca de um ensino de melhor qualidade. A atenção à diversidade, em toda sua amplitude, levou a Educação Inclusiva a ser uma política internacionalmente aceita. Atualmente há um consenso de que todas as crianças têm o direito de serem educadas em escolas integradoras. Apesar deste consenso, ainda há muito o que fazer para que a Educação Inclusiva seja efetiva nas escolas. A discussão a respeito da Educação Inclusiva passa por conceitos de justiça social, reforma escolar, melhoria do ensino, igualdade e aceitação. Passa basicamente pelo conceito de ética. Escola Inclusiva é escola democrática. Porém, este é um processo longo na história da humanidade. O significado da deficiência está atrelado à organização social e à representação que os seres humanos têm de si mesmos em cada época. Assim, nas sociedades primitivas, o deficiente era um fardo para o grupo e seu abandono era visto com naturalidade, só os mais aptos e fortes sobreviviam. Da mesma forma, nas sociedades gregas, cujo ideal 16 de perfeição prevalecia, crianças deficientes eram eliminadas ou abandonadas. Com o advento do Cristianismo, considerou-se que os deficientes possuíam alma e não poderiam ser abandonados. Passou-se a recolhê-los em abrigos. A deficiência era vista como um castigo de Deus. Na Idade Moderna, com o avanço científico, passou-se a considerar a deficiência como conseqüência de traumatismos e doenças, o que deu lugar aos tratamentos médicos. Somente por volta de 1750 é que surge a preocupação educacional com os deficientes. Um marco desta época é o trabalho de Itard com o jovem selvagem de Aveyron. A segregação dos deficientes, porém, continuava. Eram mantidos em instituições especializadas a parte da família e da sociedade. Isto reflete a concepção de que a humanidade é homogênea e que a deficiência é um desvio. Somente nas últimas décadas do século XX o convívio social foi sendo conquistado pelos portadores de deficiência, e a diversidade passou a não soar mais tão estranha. É importante destacar que, em relação à inclusão, dois eventos foram mundialmente significativos e podem ser considerados marcos dessa proposta, pois trataram de questões referentes à viabilização de educação para todos. Esses eventos foram “A Conferência Mundial sobre Educação para Todos”, realizada em Jontiem, na Tailândia, em 1990, que buscava garantir a igualdade de acesso à educação a pessoas com qualquer tipo de limitação; e “A Conferência Mundial sobre Educação Especial”, ocorrida em Salamanca, na Espanha, em 1994. Nesta última, foi elaborado o documento “Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais”, que orienta os governos na atenção à diversidade. A inclusão defende a inserção de alunos, reconhecendo a existência de inúmeras diferenças (pessoais, lingüísticas, culturais, sociais etc.), e, ao reconhecêlas, mostra a necessidade de mudança do sistema educacional que, na realidade, não se encontra preparado para atender a essa clientela. Reconhecemos que trabalhar com classes heterogêneas, que acolhem todas as diferenças, traz inúmeros benefícios ao desenvolvimento das crianças deficientes e também às não deficientes, porquanto estas têm a oportunidade de vivenciar a importância do valor da troca e da cooperação nas interações humanas. 17 Portanto, para que as diferenças sejam respeitadas e se aprenda a viver na diversidade, é necessária uma nova concepção de escola, de aluno, de ensinar e de aprender. Para Stainback e Stainback, uma escola inclusiva: “(...) é aquela que educa todos os alunos em salas de aulas regulares. Educar todos os alunos em salas de aulas regulares significa que todo aluno recebe educação e freqüenta aulas regulares. Também significa que todos os alunos recebem oportunidades educacionais adequadas, que são desafiadoras, porém ajustadas às suas habilidades e necessidades, recebem todo o apoio e ajuda de que eles e seus professores possam, da mesma forma, necessitar para alcançar sucesso nas principais atividades. (...) Ela é um lugar do qual todos fazem parte, em que todos são aceitos, onde todos ajudam e são ajudados por seus colegas e por outros membros da comunidade escolar, para que suas necessidades educacionais sejam satisfeitas.” (STAINBACK e STAINBACK, 1999) Uma escola aberta e de qualidade é norteada pelas seguintes convicções: • A crença de que todos podem aprender; • Respeito à individualidade, que permite a superação dos preconceitos e de qualquer tipo de discriminação; • Uma prática educativa centrada na pessoa, que possibilite a construção do conhecimento e o preparo dos alunos para conviver em uma sociedade em constante mudança; • abandono das abordagens “tamanho único” das práticas de ensino, que pressupõem a homogeneidade das turmas; • a crença de que a escola deva ser o local que acolhe, valoriza e tira o máximo de proveito da diversidade humana. SARTORETTO in MANTOAN (2001, p102, 103) Esta é uma pedagogia centrada na criança, com certo grau de instrução individualizada, uma visão holística do indivíduo e uma compreensão sobre a aprendizagem significativa como um processo social, em que os pontos fortes e a competência de cada criança são trabalhados. A finalidade da Educação Inclusiva é o desenvolvimento da autonomia moral e intelectual para todos os alunos independente das barreiras físicas e/ou cognitivas com as quais possam se deparar ao longo de sua escolarização. O conceito que permeia a Educação Inclusiva é a metáfora do Caleidoscópio, 18 pequeno instrumento que só funciona quando tem todos os pedaços diferentes formando figuras complexas que nunca se repetem. Quando se retira um dos pedaços que o compõe, a figura final fica menos rica, menos complexa. O aluno com necessidades especiais vem para quebrar paradigmas, trazer uma mudança de postura e ajudar a construir um olhar diferenciado do ensino e da aprendizagem, um olhar que considera a atenção à diversidade como condição básica para o enriquecimento de cada um e de todos. “Incluir é humanizar caminhos”, diz Werneck no livro “Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva” (WERNECK, 1997), ao comparar a sociedade com uma grande avenida: “ Mundo ocidental. Final do século 20. Todos têm pressa, muita pressa. Uma pressa louca de viver, de trabalhar, de saber mais, de alcançar objetivos, de ter, de realizar, de amar e de ser amado, de preferência sendo feliz antes de envelhecer. O tempo é pouco. A vida nas grandes cidades pode ser comparada a uma enorme avenida. E a maioria da população anda bem depressa nessa avenida. Automóveis e outros veículos dividem as pistas em alta velocidade. Aparentemente não há regras. Ninguém pára. Nas ruas vicinais, que levam até a grande avenida, carros tentam em vão superar o cruzamento e entrar nela. São pessoas que também têm pressa, compromissos objetivos. Reclamam, buzinam, nada adianta. Prejudicam-se muito. Nem sinais, pistas de ultrapassagem ou de acostamento. Só consegue entrar na avenida principal quem tem muita sorte, é extremamente hábil na direção ou está desesperado a ponto de cometer uma loucura, arriscando até a vida. É o caos. A grande avenida tem uma particularidade. Vai se ramificando. As ramificações desembocam justamente nas tais ruelas transversais. Não há outra saída. Assim, quem está na avenida hoje vai estar nas ruas vicinais amanhã. Para ir adiante, só há uma alternativa. Instituir nova ordem nessa enorme avenida. Mais que isso, será preciso reformular a concepção de avenida. Quem sabe começando por algo aparentemente simples, como a colocação de sinais? Que ninguém se iluda. Com tanta pressa, a maioria dos motoristas rejeitará de imediato a idéia. Como andar mais devagar a partir de agora? Reformular tudo? Quem paga o prejuízo? Além da parada obrigatória nos sinais, a avenida deverá ter pistas para quem precisar andar mais devagar 19 sem ser amaldiçoado pelos motoristas que por tanto tempo se acostumaram a ter a rua principal só para eles. No início vai ser difícil. Até os apressadinhos perceberem que os benefícios das mudanças virão para todos. Nesse dia, vai ser uma festa. Aí, sim, estaremos a caminho da avenida, digo, da sociedade inclusiva.” (WERNECK, 1997, p 19, 20) 2.3 Benefícios da Inclusão e seu impacto na formação da personalidade “Ser igual é fácil É só olhar e copiar! Ser diferente é difícil É se olhar e se expressar! Se somos todos iguais O mundo fica mais pobre! Se somos todos diferentes O mundo fica mais nobre! Ser igual é perder a diferença E não marcar presença! ” Bartolomeu Campos Queiros Acredito, assim como alguns autores que relaciono neste trabalho, que é na interação com o outro que aprendemos, construímos nossos valores, nos constituímos sujeitos pertencentes a uma sociedade, partícipes e criadores da história. Nesse contexto, não podemos deixar de considerar a escola como espaço fundamental de troca, de interação. Diz Morin no livro “Sete saberes necessários à educação do futuro” (2000): “a condição humana ‘como objeto essencial de todo ensino’ é uma incumbência dos “educadores deste milênio”. Para ele, é preciso que se ensine a “ética do gênero humano” a fim de trazer ao educando a compreensão de que ele é um indivíduo membro de uma sociedade e de uma espécie. Classes heterogêneas, que acolhem todas as diferenças, trazem inúmeros benefícios ao desenvolvimento das crianças deficientes e também às não deficientes, uma vez que estas têm a oportunidade de vivenciar a importância do valor da troca e da cooperação nas interações humanas. Mas, para que as diferenças sejam 20 respeitadas e se aprenda a viver na diversidade, é necessária uma nova concepção de escola, de aluno, de ensinar e de aprender. O princípio da inclusão exige uma radical transformação da escola, pois caberá a ela adaptar-se às condições dos alunos, e não o inverso, como acontece hoje. As estratégias e métodos devem abordar simultaneamente as necessidades cognitivas e sociais dos alunos (PACHECO, 2007). A inclusão não se limita ao atendimento aos indivíduos que apresentam necessidades educacionais especiais, mas demonstra apoio a todos que fazem parte da escola: professores, alunos e pessoal administrativo (STAINBACK e STAINBACK, 1999; MANTOAN, 1997). Pacheco afirma que existem dois aspectos principais que os professores de classes inclusivas precisam focalizar: concentrar-se na aprendizagem em vez de no ensino e optar por estratégias, estruturas e métodos que apóiem a interação social. Para isto é possível utilizar diferentes espaços de aprendizagem além da sala de aula; usar a sobreposição curricular, ou seja, a partir do mesmo contexto de aprendizagem, buscar objetivos diferentes para cada aluno de acordo com suas potencialidades; usar a investigação; organizar os alunos em grupos, pares ou trios de acordo com as necessidades e possibilidades de apoio mútuo disponíveis no grupo. Com estas medidas, Pacheco afirma que: “Todos os alunos desenvolvem uma auto-imagem forte e positiva, eles reforçam sua metacognição e autonomia em seu próprio estudo. Cada aluno tem seus próprios momentos para descobrir e estar ciente do que aprendeu. O aluno escolhe o momento de mostrar o que ele sabe e é capaz de fazer. Isso contribui para a confiança pessoal, para o desenvolvimento do senso crítico dos alunos e para o crescimento de sua auto-estima.” (PACHECO, 2007, p 117) Partindo apenas destas questões mencionadas, podemos inferir que o Ensino Inclusivo pressupõe tantas modificações e reflexões dentro da escola que, apenas por isto, já traria uma melhora na qualidade do ensino para todos. Pacheco (2007) e Mantoan (2001) afirmam que o ensino construtivista e sócio interacionista é a modalidade na qual a inclusão se faz mais viável. Uma interpretação construtivista do ensino tem como princípio a atividade mental dos alunos e, portanto, considera a diversidade. Segundo Zabala, 1998, p 91: 21 “Promover a atividade mental auto-estruturante, que possibilita estabelecer relações, a generalização, a descontextualização e a atuação autônoma, supõe que o aluno entende o que faz e por que o faz e tem consciência, em qualquer nível, do processo que está seguindo. Isto é o que lhe permite dar-se conta das dificuldades e, se for necessário, pedir ajuda. Também é o que lhe permite experimentar que aprende, o que, sem dúvida, o motiva a seguir se esforçando.” Para eles, as Escolas Inclusivas consideram que a interação social é facilitadora da aprendizagem, portanto, é preciso oferecer condições para a colaboração bem sucedida entre os alunos. A cooperação pode desenvolver as seguintes habilidades, diz Pacheco (2007): • Perceber os outros e aceitá-los; • Ser capaz de comunicar-se e chegar a um consenso; • Ser ativo e sem medo; • Ter confiança e demonstrar confiança e abertura; • Saber lidar com poder, controle, competição e rivalidade; • Saber como começar a se relacionar com os outros e como dar feedback; • Conhecer a si mesmo e sua função em um grupo; • Assumir responsabilidade uns pelos outros. Sendo, então, o Ensino Inclusivo um ato social e interacionista,o grupo tem grande impacto na aprendizagem e na formação do indivíduo, diz Gayotto, 1996: "Aprender em grupo significa que, na ação educativa, estamos preocupados não apenas com o produto da aprendizagem, mas com o processo que possibilitou a mudança dos sujeitos. (...) Os obstáculos precisam tornar-se conhecidos, para serem resolvidos na ação dos integrantes. (...) No grupo as necessidades tornam-se comuns e as pessoas se articulam para concretizar estes objetivos. (...) Grupo eficiente implica em um processo constante de produção, criação e protagonismo entre seus integrantes." (GAYOTTO, 1996,p 29, 30) Werneck (1997) sustenta que Inclusão é troca, e não favor; e que todos ganham em igual medida neste processo. Conviver é direito de todo cidadão: 22 “Partindo da premissa de que quanto mais a criança interage espontaneamente com situações diferenciadas mais ela adquirirá o genuíno conhecimento, fica fácil entender por que a segregação não é prejudicial apenas para o aluno com deficiência. A segregação prejudica a todos, porque impede que as crianças das escolas regulares tenham a oportunidade de conhecer a vida humana com todas as suas dimensões e desafios. Sem bons desafios, como evoluir? Evoluir é perceber que incluir não é tratar igual, pois as pessoas são diferentes! Alunos diferentes terão oportunidades diferentes para que o ensino alcance os mesmos objetivos. Incluir é abandonar estereótipos.” (WERNECK, 1997, p 55,56). As intervenções e interações que acontecem nas classes inclusivas favorecem o desenvolvimento de todos os alunos, tornam-se a mola propulsora do desenvolvimento do indivíduo. Vygotsky apud Semeghini in BAUMEL (1998) diz: “Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes, em dois planos: primeiro, no nível social e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica).” ( SEMEGHINI in BAUMEL et al, 1998, p 21) Cada aluno possui suas vivências ricas de negociação interpessoal, seus conhecimentos prévios, suas potencialidades e suas particularidades de desenvolvimento. A composição destas diferenças pessoais no grupo é que possibilita a riqueza de uma classe atenta à diversidade, o avanço de cada um e de todos. Considerando, ainda, que a Inclusão é um ato de cidadania, que contribui para que cada um se sinta e se perceba na sociedade da qual faz parte, precisamos considerar a questão do preconceito que, segundo Werneck (1997), surge da falta de informação e de formação do sujeito. Ainda acrescenta que a criança que não é informada sobre assuntos tabus, como deficiência, busca mecanismos para atender sua curiosidade e capta informações truncadas e distorcidas, dando origem ao preconceito. 23 “A ‘falta de formação’ é um processo silencioso, lento, progressivo e cumulativo de noções inadequadas sobre temas-tabu como a deficiência. A ‘falta de formação’ dá origem ao preconceito. A ’falta de formação’ é o alicerce do preconceito. A ‘falta de formação’ impede que a criança veja a questão da deficiência e da doença como sua. (...) Para minimizar o preconceito será preciso impedir que ele se instale ainda na infância.” (WERNECK, 1997, p 144) Cada pessoa, ao interagir com a dificuldade do outro e com a sua própria, elabora um saber diferente, agrega novo valor a sua identidade. Identidade que precisa ser cada vez mais valorizada. O convívio com pessoas com deficiência possibilita a vivência de uma gama mais ampla de papéis sociais e o respeito às diferenças, desenvolve tolerância e cooperação, favorece o desenvolvimento da responsabilidade e melhora o desempenho escolar, como menciona Jover apud Melli (in MANTOAN, 2001, p18). O Ensino Inclusivo beneficia todos os alunos, uma vez que fomenta a discussão sobre as práticas pedagógicas, sobre que cidadãos queremos formar e em que tipo de sociedade queremos viver. Valoriza a formação humana, a construção de valores sociais, acima dos individuais, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária. “A escola que propomos e buscamos é uma escola aberta à diversidade – a diversidade cultural, social e também individual. Considera-se que as formas de aprender diferem, que os tempos de aprendizagem também, e que não tem sentido sonhar com todos os alunos caminhando igualmente em seu processo de construção do conhecimento. A igualdade que se defende não se refere ao processo de aprendizagem, mas às condições oferecidas para favorecer a aprendizagem, pois o processo é sempre singular, inevitavelmente.” (WEISZ, 2004, p 106). Ou, como afirma Santos apud Mantoan, temos direito à igualdade quando as diferenças inferiorizam-nos e o direito à diferença quando a igualdade descaracterizanos (Revista Pátio, nº. 9, ano III). Concluindo, os benefícios do Ensino Inclusivo podem ser resumidos em: 24 “Para os estudantes portadores de deficiência: • Aprendem a gostar da diversidade; • Adquirem experiência direta com a variedade de capacidades humanas; • Demonstram crescente responsabilidade e melhor aprendizagem através do trabalho em grupo, com outros deficientes ou não; • Ficam melhor preparados para a vida adulta em sociedade diversificada, entendem que são diferentes, mas não inferiores. Para os estudantes não portadores de deficiência: • Têm acesso a uma gama bem mais ampla de papéis sociais; • Perdem o medo e o preconceito em relação ao diferente; • Desenvolvem a cooperação e a tolerância; • Adquirem senso de responsabilidade e melhoram o desempenho escolar; • São mais bem preparados para a vida adulta porque desde cedo assimilam que as pessoas, as famílias e os espaços sociais não são homogêneos e que as diferenças são enriquecedoras para o ser humano.” (Revista Nova Escola, p 13, ano XIV, nº. 123, Junho de 1999). 25 3 MATERIAIS E MÉTODOS "Vemos as coisas não como são mas como somos." H.M. Tomlison 3.1 TIPO DE ESTUDO Neste trabalho foi utilizado um questionário estruturado composto de quatro partes: identificação pessoal, formação escolar, opiniões sobre a Escola Inclusiva e a experiência vivenciada na Escola Inclusiva. Parte das questões incluídas foram retiradas ou inspiradas na obra de Pacheco (2007). O tipo de estudo empregado foi “Survey” retrospectivo. Os “Surveys” são pesquisas de opinião de caráter quantitativo, que geralmente envolvem a coleta de dados através de entrevistas aplicadas a uma amostra selecionada representativa da população em estudo. A coleta de dados é feita por meio de questionários estruturados. Tal metodologia busca identificar atitudes, conhecimentos, valores e percepções da população entrevistada acerca do tema de estudo. 3.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA Participaram da pesquisa 30 alunos de escolas particulares e 7 alunos de escolas públicas de ensino básico com vivências diferentes quanto à inclusão. Alguns vivenciaram a experiência desde a Educação infantil e por muitos anos, outros apenas a partir de determinado ponto do Ensino Fundamental e/ou por poucos anos. 3.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO Foram selecionados indivíduos que: • Detivessem a informação procurada, ou seja, haviam estudado em Escola Inclusiva e não possuíam necessidades especiais; • Fossem de instituições públicas e privadas; • Tivessem estudado ao menos um ano em classes inclusivas a fim de observar se o tempo de permanência na Escola Inclusiva impactava as informações obtidas; 26 • Tivessem idades variadas, a fim de observar a diferença no impacto da Inclusão na formação da personalidade; • Principalmente, fossem disponíveis para responder ao questionário. A idade dos participantes apresenta grande variação, uma vez que o objetivo da pesquisa era considerar o impacto na formação da personalidade dos indivíduos partícipes da Escola Inclusiva. 3.4 TÉCNICA EMPREGADA Foi utilizado um questionário composto por quinze questões de múltipla escolha, com uma questão aberta cuja resposta era opcional, constante do anexo deste trabalho. Com o intuito de complementar a análise do questionário fechado, foi incluída uma questão aberta não obrigatória ao final do mesmo. O retorno de resposta nesta questão foi bem mais baixo: 12 respostas, ou seja, 32% do total de questionários respondidos. Estas respostas permitiram complementar as análises feitas a partir das questões fechadas. No entanto, não podem ser generalizadas, devido ao baixo retorno de respostas. A opção por este questionário fechado deveu-se à agilidade na coleta de dados e na simplicidade na tabulação dos mesmos. Foram realizados contatos com alunos e ex-alunos de Escolas Inclusivas via telefone ou e-mail. Aos disponíveis em participar foi enviado o questionário por e-mail para ser respondido. O mesmo foi devolvido por e-mail e impresso. Quando houve necessidade de complementação nas respostas, o participante foi novamente contatado para que o fizesse por e-mail. A população selecionada na amostra, devido à sua faixa etária, favorecia a coleta de dados por e-mail, sendo que este foi um instrumento bastante efetivo e eficaz com grande retorno de respostas. Os dados obtidos foram organizados em tabelas e gráficos, para comparar e analisar a freqüência das respostas de cada questão. Cada questão foi tabulada de acordo com a quantidade de respostas obtidas em cada opção da mesma e transformada em gráficos comparativos. 27 4 Discussão Optamos pela análise quantitativa com o objetivo de testar a hipótese à qual a Educação Inclusiva colabora para a formação de uma personalidade mais ética. A análise quantitativa traz a objetividade dos dados numéricos, reduzindo as distorções interpretativas e abrindo possibilidades para a generalização (adução), teste de hipóteses, corroboração e falseamento de afirmações e teorias por meio das ferramentas oferecidas pela estatística. Apesar das questões serem estruturadas, houve espaço na última questão para que os entrevistados colocassem suas opiniões e relatassem vivências de forma livre. Este item, porém, não era obrigatório. Esta última questão permitia uma análise qualitativa das opiniões dos participantes acerca da Educação Inclusiva. A análise qualitativa busca captar as dimensões subjetivas da ação humana que os dados quantitativos não conseguem captar, portanto, foram complementares à outra análise. Como menciona Luna ( p 59, 1996), os instrumentos e procedimentos de coleta de informações, pelas suas próprias características, apresentam uma série de vantagens, mas são limitados em tantos outros aspectos. A opção por este questionário fechado deveu-se à agilidade na coleta de dados e na simplicidade na tabulação dos mesmos. Havia a possibilidade de baixo retorno das respostas, porém, dos 58 indivíduos contatados, 37 responderam às questões, ou seja, mais de 64% dos contatados, índice muito acima da margem de respostas estimada por Luna, que varia de 20% a 30%. Além disso, não houveram questões não respondidas, o que também contraria a estimativa de Luna. Responderam à pesquisa 30 alunos de escolas particulares e 7 alunos de escolas públicas com idade média de 20 anos, variando entre 15 e 27 anos. Do grupo participante, 81% das pessoas passaram mais de 5 anos do período do Ensino básico em Escola Inclusiva Tais características, provavelmente, já determinam uma visão mais positiva da Escola Inclusiva, uma vez que tais indivíduos vivenciaram grande parte de seu período de formação dentro da proposta Inclusiva, muito possivelmente desde o início de sua escolarização. Segundo um dos participantes: “passar boa parte da minha infância em uma escola inclusiva definiu pelo menos uma parte de quem eu sou e de como eu lido com pessoas diferentes.” 28 Os dados sugerem que a maioria dos alunos que participaram da pesquisa se mostrou confiante e favorável à inclusão escolar. 81% dos entrevistados acreditam que a o ensino deva ser centrado no aluno; 73% concordam com a presença de alunos portadores de necessidades especiais nas classes comuns; entre 84% e 67% atribuem à Educação Inclusiva o desenvolvimento de habilidades sociais, tolerância, a promoção da cooperação e a aceitação da diversidade, e o desenvolvimento de valores morais e éticos. Em todos estes itens, há apenas de 0 a 3 respostas com afirmações negativas, correspondendo entre 0 e 8% do total. A tabela abaixo demonstra a opinião dos participantes com relação ao desenvolvimento de habilidades sociais na Escola Inclusiva: Tabela Questão 3. Em sua visão, a escola inclusiva desenvolve habilidades sociais ? Opções Porcentagem do total Respostas sim 31 84 não 1 3 parcialmente 5 14 Total 37 100 Em alguns itens, como o desenvolvimento da cooperação, o conhecimento de si mesmo e de sua função no grupo, a responsabilização pelos outros e a preparação para uma sociedade em constante mudança, 30% dos entrevistados respondeu parcialmente, e entre 57% e 68% responderam positivamente, conforme demonstrado na tabela a seguir: 29 Tabela Questão 6. Em sua opinião, a escola inclusiva promove um comportamento cooperativo dos alunos e professores? Opções Porcentagem do total Respostas sim 25 68 não 1 3 parcialmente 11 30 Total 37 100 Nenhum participante considerou que a Escola Inclusiva não promove o desenvolvimento de valores e de uma personalidade mais ética. Tabela Questão 9. Em sua opinião, a escola inclusiva promove a formação de valores e de uma personalidade mais ética? Opções Porcentagem do total Respostas sim 32 86 não 0 0 parcialmente 5 14 Total 37 100 Os entrevistados conviveram basicamente com deficientes mentais e físicos, ou ainda portadores de deficiências múltiplas. Apenas 16% conviveram com deficientes sensoriais, ou seja, cegos ou surdos. 30 Não tiveram dificuldade de conviver com os portadores de necessidades especiais 70% dos entrevistados; e 24% relatam dificuldade parcial. Apenas 2 participantes afirmam ter tido dificuldade em conviver com os portadores de alguma deficiência. Um dos participantes justifica esta situação: “Queria só fazer uma observação, que no começo, quando entrei na escola inclusiva, foi difícil me relacionar com pessoas que tem algum tipo de diversidade, por nunca ter tido esse ‘contato’ tão de perto com eles, com o tempo eu fui me acostumando e vendo que essas pessoas que são especiais são realmente iguais e até melhores que muitos de nós que somos considerados ‘normais’ pela sociedade, pois eles têm valores diferentes, sentimentos mais puros e verdadeiros.” Tabela Questão 2. Você teve dificuldade em conviver com alunos portadores de necessidades educativas especiais? Opções sim não parcialmente Total 2 26 9 Porcentagem do total 5 70 24 37 100 Respostas Os sentimentos decorrentes da Inclusão que predominaram entre os participantes foram positivos, 92%, sendo que apenas 3 pessoas disseram ter sentimento neutro e nenhum afirma ter sentimento negativo com relação à Inclusão. 31 Tabela Questão 3. Qual seu sentimento em relação à escola inclusiva? Opções Porcentagem do total Respostas positivo 34 92 neutro 3 8 negativo 0 0 Total 37 100 A maior parte dos participantes avalia a Educação Inclusiva como fator positivo na formação de sua personalidade, ou seja, 81%, sendo que 16 % afirmam que o foi parcialmente e apenas 1 pessoa diz que a Educação Inclusiva não contribuiu para a formação de sua personalidade de forma positiva. Tabela Questão 4. Você acredita que a escola inclusiva contribuiu para a formação de sua personalidade de forma positiva? Opções Porcentagem do total Respostas sim 30 81 não 1 3 parcialmente 6 16 Total 37 100 Quando são avaliadas as habilidades desenvolvidas pela Escola Inclusiva, há alguns consensos: 94% das respostas apontam que aprenderam na Escola Inclusiva a aceitar os outros, a diminuir o preconceito e a relacionar-se com os outros; entre 94% 32 e 81% afirmam que desenvolveram valores morais e éticos e foram capazes de perceber os outros; apenas 22% afirmam que aprenderam a lidar com poder. A totalidade dos entrevistados afirma que a Escola Inclusiva promove a aceitação da diversidade. Entre 35% e 43% das respostas afirmam que aprenderam a estabelecer consensos, a não ter medo, a ser ativo, a ter confiança em si mesmo, a lidar com controle e com competição. Entre 60% e 73% dizem que aprenderam a comunicar-se, a conhecer-se e a perceber sua função no grupo. Habilidades desenvolvidas pela Escola Inclusiva 37 33 24 13 12 8 14 35 35 34 15 IV O NF IA N Ç PO A CO DE R N CO TR O M RE PE L E LA TI Ç CI ÃO O N CO A FU NH R S N E ÇÃ CE E O NO R- S E G DI RU VE PO VA R LO PR SI RE EC DA D S O E M N O C E RA IS ITO E É. .. 15 28 AT CE B PE R 18 E AC R E CO IT AR M U NI CA CO R NS EN SO M ED O 23 CO 31 A tabela a seguir sintetiza as informações fornecidas pelos entrevistados quanto às habilidades desenvolvidas pela Escola Inclusiva organizadas em ordem decrescente, das mais mencionadas para as menos citadas: 33 Tabela Questão 5. Assinale as habilidades que julga ter desenvolvido na escola inclusiva: Opções Porcentagem do total Respostas Aceitar a diversidade 37 95 Ser capaz de aceitar os outros 35 94 Diminuir o preconceito 35 94 Desenvolver valores morais e éticos Saber relacionar-se com os outros 34 33 93 92 Ser capaz de perceber os outros 31 81 Conhecer sua função no grupo 28 73 Ser capaz de comunicar-se 23 60 Conhecer a si mesmo Ser capaz de estabelecer consensos 24 18 60 43 Não ter medo 15 41 Saber lidar com controle 14 38 Saber lidar com competição e rivalidade 15 38 Ser ativo 13 35 Ter confiança em si mesmo 12 35 8 22 Saber lidar com poder Os resultados obtidos revelaram que a maioria dos participantes demonstrou credibilidade à inclusão escolar, e apontaram várias habilidades sociais desenvolvidas em si próprios a partir desta experiência, destacando-se a capacidade de aceitação do outro, de relacionar-se, de conviver com a diversidade, a diminuição do preconceito e o desenvolvimento de valores morais e éticos em sua personalidade. De acordo com um dos entrevistados: “Estudar em escola inclusiva durante o período de formação da minha personalidade foi essencial para que eu aprendesse a conviver com todos os tipos de diferença, a compreendê-las e a aprender com elas. As crianças com deficiência com quem estudei me deram lições importantes sobre compaixão, solidariedade e amizade.” 34 O fato de a maioria dos alunos sem necessidades educativas especiais demonstrar credibilidade na educação inclusiva pode ser entendido como positivo, principalmente quando se considera que inclusão representa também respeito e aceitação à diversidade. É imprescindível destacar que só se pode falar em Inclusão quando há uma efetiva interação entre deficientes e não deficientes. Torna-se importante destacar que educação inclusiva trata-se de um processo complexo que envolve um novo paradigma conceitual e ideológico, o qual precisa envolver políticas, programas, serviços sociais, comunidade etc. Com isso, é necessário aceitar e reconhecer a diversidade na vida e na sociedade, isto é, identificar que cada indivíduo é único, com suas necessidades, desejos e peculiaridades próprias. Esses resultados deixam evidente a complexidade de se efetivar a educação inclusiva. Diversos autores citados neste trabalho apontam essa complexidade. Sartoretto (2001) é categórica ao afirmar que educação inclusiva envolve um processo muito amplo de reforma do sistema escolar. Para essa autora, a escola deve abrir espaço para a diversidade humana; os professores devem estar continuamente em busca do aprendizado sobre como se deve ensinar, para que possam proporcionar um ensino de qualidade a todos. 35 5 Resultados O estudo apresentou dados que permitem algumas reflexões sobre o processo de inclusão de alunos com deficiência em classes comuns do sistema regular de ensino, sob a ótica dos alunos ditos “normais”, procurando relacionar esta vivência a uma formação de identidade mais ética e com valores mais humanizados. Esses dados revelam o quanto ainda se fazem necessárias pesquisas na área. É imprescindível ampliar o conhecimento do impacto da Inclusão para todos e de como a mesma é capaz de aprimorar técnicas e instrumentos pedagógicos fomentando a discussão sobre a qualidade da Educação como um todo. Pensar em uma Escola Inclusiva significa pensar em uma escola para cada um, isto é, em uma escola em que cada aluno seja atendido de acordo com suas necessidades e dificuldades, com recursos e metodologias que propiciem o seu aprendizado e desenvolvimento. Inclusão implica em aceitar todas as crianças como pessoas, seres humanos únicos e diferentes entre si, mas isso só acontece de fato quando as escolas se modificam, não somente nas instalações físicas, mas em toda a proposta pedagógica, metodológica e administrativa. Um dos participantes desta pesquisa declara: “(...), sou extremamente grata por não ter sido excluída do convívio de pessoas diferentes de mim e acho que para se obter uma sociedade próxima do ideal justo e igualitário, não se pode haver barreiras na convivência de pessoas de todas as raças, credos, sexo, doença não contagiosa por meio social, condição social, enfim, todas essas diferenças que nos fazem tão semelhantes. Espero poder acrescentar e futuramente cooperar para a mudança do padrão de ensino que enfrentamos até hoje. Que bom que eu tive a oportunidade de fazer amizades sem barreiras!” Alguns dos entrevistados, em seus comentários finais, apontam as dificuldades nestas mudanças físicas, de proposta, de metodologia e da administração da escola: “Algumas escolas me parecem não ter preparo nem mesmo para lidar com as diferenças de aprendizagem comuns das crianças e adolescentes.” “Acredito que a Escola Inclusiva é positiva, mas falando também como educadora, ela é falha em muitos aspectos, como por exemplo a organização dos conteúdos.” 36 Portanto, há uma percepção dos benefícios da Inclusão, muito embora os pontos negativos e falhos não deixem de ser apontados. Acredito que este é um processo natural, uma vez que a Inclusão tem sido implementada através de leis e sem a devida reflexão por parte das escolas. Na medida em que os profissionais e instituições se disponibilizarem a realizar a Inclusão de fato e assumirem a educação de todos os alunos com qualidade como bandeira fundamental de seu trabalho, a Inclusão tenderá a se tornar mais efetiva e o ensino, como um todo, ganhará muito em qualidade. Diz Melli: “A inclusão está intrinsecamente relacionada à qualidade de ensino e à abertura da escola para todas as crianças. Isto quer dizer que apesar de relacionarmos inclusão à inserção de crianças com deficiências, as escolas inclusivas são aquelas onde todas as crianças são bem vindas: as crianças inteligentes, as que têm dificuldades de aprendizagens, problemas de comportamento, as multi-repetentes, as crianças dos vários níveis socioeconômicos, as crianças de diferentes credos religiosos, as crianças com condutas típicas, com distúrbios neurológicos, com alterações genéticas, as crianças aidéticas e assim por diante.” ( MELLI in MANTOAN, 2001, p 17). Os principais resultados indicam que a maioria dos alunos que participaram dessa pesquisa se mostrou favorável à inclusão escolar, demonstrando credibilidade nesse processo. Esses resultados evidenciam que a grande maioria dos alunos sem necessidades educativas especiais possui sentimentos positivos em relação a essa experiência. Também foi possível constatar que a grande maioria dos entrevistados percebe o desenvolvimento em si mesmo de habilidades sociais e valores humanísticos a partir de sua experiência no Ensino Inclusivo, atribuindo a ela aspectos positivos na formação de sua personalidade. Este dado confirma o que diz Werneck: “O processo de inclusão beneficia a todos os alunos. Ele é indiscutível para a construção da idéia de cidadania e sociabilidade. Falo de uma sociedade mais justa e igualitária, na qual as diferenças sejam consideradas e respeitadas” (WERNECK, 1997, p 56). Um dos entrevistados sintetiza desta forma sua experiência na Escola Inclusiva: 37 “Tenho absoluta certeza de que estudar em escolas inclusivas foi decisivo na minha formação. Alguns de meus melhores amigos tinham síndrome de Down ou algum outro tipo de deficiência e me ensinaram muitos dos valores mais ricos que levo até hoje. Infelizmente não são todas as escolas que são aptas a receber crianças especiais. E essa divisão desde cedo acostuma a criança a não precisar conviver com a diferença, justamente numa fase de aquisição de valores, formação de caráter e de personalidade. É preciso aprender o respeito, é preciso aprender a conviver e lidar de forma natural com a diferença. “ Este e outros depoimentos coletados na pesquisa reafirmam o impacto que o Ensino Inclusivo representa na formação da personalidade destes indivíduos, o quanto promoveu valores e ética nestas pessoas, portanto, seu impacto é altamente positivo e benéfico. Os dados deixam explícitos os benefícios da Inclusão para os alunos não portadores de necessidades educativas especiais, descritos no Capítulo II: • Têm acesso a uma gama bem mais ampla de papéis sociais; • Perdem o medo e o preconceito em relação ao diferente; • Desenvolvem a cooperação e a tolerância; • Adquirem senso de responsabilidade e melhoram o desempenho escolar; • São mais bem preparados para a vida adulta porque desde cedo assimilam que as pessoas, as famílias e os espaços sociais não são homogêneos e que as diferenças são enriquecedoras para o ser humano. (Revista Nova Escola, p 13, ano XIV, nº. 123, Junho de 1999). Torna-se importante destacar que um processo dessa natureza requer não apenas a aceitação e a credibilidade das pessoas, mas também que as escolas se preparem, ou seja, se estruturem tanto no âmbito físico como de recursos humanos para receber um aluno com necessidades educativas especiais. Deve-se ter claro que os princípios norteadores da inclusão defendem que as escolas devem estar preparadas para identificar e responder às diversas necessidades de seus alunos. As escolas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de cada um, acomodando tanto estilos como ritmos de aprendizagem, assim assegurando um ensino de qualidade a todos. Inclusão escolar implica considerar, aceitar e reconhecer a diversidade na vida e na sociedade, isto é, identificar que cada 38 indivíduo é único, com suas necessidades, desejos e peculiaridades próprias. Ou na fala de uma das pessoas que responderam à questão aberta: “Acredito que o aprendizado mais importante que levei comigo da experiência de estudar em um colégio com inclusão foi aprender a me relacionar com o outro. Para isso é preciso entender que somos todos diferentes em um ponto ou outro. Não são só os alunos “especiais” que têm dificuldades em alguns aspectos e facilidades em outros, todos temos. Quando compreendemos de fato essa diversidade, fica mais fácil conviver em grupos, seja no colégio, na faculdade, no trabalho ou mesmo em família.” 39 CONCLUSÃO “Utopia está no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso, para caminhar.” Maria Lucia Madrid Sartoretto Conclui-se que o Ensino Inclusivo, como afirma Werneck, realmente não é favor, é troca; e que todos ganham muito neste processo: alunos com deficiência, alunos sem deficiência, professores, pessoal administrativo, escola e sociedade como um todo. Portanto, fica confirmado que a Educação Inclusiva tem impacto positivo na formação da personalidade dos alunos não portadores de necessidades educativas especiais, desenvolvendo nos mesmos habilidades sociais, valores morais e éticos. Como afirma Melli apud Forest e Pearpoint: “Se podemos precisar o local exato de cidades-bombas em quase meio globo terrestre, se podemos mandar homens e mulheres para o espaço, certamente também podemos descobrir como viver juntos com liberdade e justiça para todos. A inclusão é verdadeiramente e simplesmente uma questão de vontade.” (MELLI in MANTOAN, 2001, p 42). Igualmente se faz necessário muito estudo e pesquisa para ampliar o conhecimento, desenvolver e testar formas que viabilizem a verdadeira inclusão escolar. Enfim, este estudo aponta caminhos de análise sendo, porém, impossível esgotá-lo, sugerindo-se que outras pesquisas sejam feitas. 40 Referências bibliográficas ALVES, R., Conversas sobre educação, São Paulo: Verus, 2003 ARANTES, V. A. ( ORG), Inclusão escolar, São Paulo: Summus, 2006 BAUMEL, R.e outros, Integrar, incluir, desafio para a escola atual, São Paulo: FEUSP, 1998 COLL, C. e outros, Desenvolvimento psicológico e educação Volume 3, Porto Alegre, Artmed, 1995 DEVRIES, Z. ZAN B>, Ética na Educação Infantil, Porto Alegre, Artmed, 1998 DOWBOR, F.F., Quem educa marca o copo do outro, São Paulo: Cortez, 2007 FREIRE, P., Pedagogia da autonomia, São Paulo: Paz e Terra, 1996 GAYOTTO, M. L. DOMINGUES, I., Liderança: aprenda a mudar em grupo, São Paulo: Editora PUC SP, 1996 LUNA, S. V., Planejamento de pesquisa uma introdução, São Paulo: Verus, 2003 MANTOAN, M. T. E. (Org.), A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema, São Paulo: Memnon, 1997 MANTOAN, M. T. E. (Org), Caminhos pedagógicos da inclusão, São Paulo: Memnon,2001 MANTOAN, M. T. E, Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer?, São Paulo: Moderna,. 2003 MANTOAN, M. T. E. (Org.), Ser ou estar, eis a questão. Compreendendo o déficit intelectual, São Paulo: WVA, 2001 MATURANA, H. R. C. VERDIN-ZOLLER, Amar e brincar – Fundamentos esquecidos do humano, São Paulo: Palas Athenas, 2004 MORIN, E., Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000 NÓVOA, A. (Org.), Vida de professores, Porto, Porto Editora, NÓVOA, A. (Org.), Profissão professor, Porto, Porto Editora PACHECO, J. e outros, Caminhos para a inclusão, Porto Alegre, Artmed, 2007 ROSSINI, M. A. S.., Educar para ser, São Paulo: Vozes, 2005 41 STAINBACK, S & W. STAINBACK (Orgs.), Inclusão: um guia para educadores,Porto Alegre: Artmed, 1999 WERNEK, C., Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva, São Paulo: WVA, 1997 WERNEK, C., Meu amigo Down na escola, São Paulo: WVA WEISZ, T., O diálogo entre o ensino e a aprendizagem, São Paulo: Ática, 2004 ZABALA, A, A prática educativa como ensinar, Porto Alegre: Artmed, 1998 REVISTAS: PÁTIO EDUCAÇÃO INFANTIL, A diversidade como desafio, Ano III n º 9 novembro 2005 / fevereiro 2006 ÉPOCA, Normal é ser diferente, n º 435, 18 de setembro de 2006 SENTIDOS, A inclusão da pessoa com deficiência, Ano 8 n º 50 NOVA ESCOLA, Inclusão uma utopia possível, Ano XIV n º 123, Junho de 1999 NOVA ESCOLA, Inclusão que dá certo, Ano XVII n º 165,Setembro de 2003 NOVA ESCOLA, Inclusão, Edição especial Outubro de 2006 42 ANEXOS QUESTIONÁRIO (baseado em PACHECO, 2007, p 157) I – Identificação pessoal Nome(opcional):________________________________________________________ Idade: ________________________________________________________________ Excluído: _ Excluído: _ II – Formação escolar Quantos anos estudou em escola inclusiva ___________________________________ Quantos anos estudou em escola não inclusiva _______________________________ III – Opiniões sobre a escola inclusiva 1. Acredita que o ensino deve ser centrado no aluno, numa visão holística do mesmo em que pontos fortes e a competência de cada um são trabalhados? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 2. Concorda com a presença de alunos com necessidades educativas especiais na escola comum? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 3. Em sua visão, a escola inclusiva desenvolve habilidades sociais ? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 4. Em sua opinião, a escola inclusiva promove a aceitação da diversidade? Excluído: _ Excluído: __ 43 ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 5. Em sua opinião, a escola inclusiva favorece a tolerância? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 6. Em sua opinião, a escola inclusiva promove um comportamento cooperativo dos alunos e professores? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 7. Em sua opinião, a escola inclusiva favorece o conhecimento de si mesmo e de sua função dentro do grupo? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 8. Em sua opinião, a escola inclusiva ajuda as pessoas a responsabilizarem-se umas pelas outras? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 9. Em sua opinião, a escola inclusiva promove a formação de valores e de uma personalidade mais ética? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 10. Em sua opinião, a escola inclusiva prepara os alunos para conviver em uma sociedade em constante mudança? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente IV – Sua experiência na escola inclusiva 1) Você conviveu com alunos com: ( ) deficiência física ( ) deficiência sensorial (surdez, cegueira, mudez) ( ) deficiência mental ( ) deficiência múltipla (duas ou mais deficiências associadas) 44 2) Você teve dificuldade em conviver com alunos portadores de necessidades educativas especiais? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 3) Qual seu sentimento em relação à escola inclusiva? ( ) positivo ( ) neutro ( ) negativo 4) Você acredita que a escola inclusiva contribuiu para a formação de sua personalidade de forma positiva? ( ) sim ( ) não ( ) parcialmente 5) Assinale as habilidades que julga ter desenvolvido na escola inclusiva: ( ) Ser capaz de perceber os outros ( ) Ser capaz de aceitar os outros ( ) Ser capaz de comunicar-se ( ) Ser capaz de estabelecer consensos ( ) Não ter medo ( ) Ser ativo ( ) Ter confiança em si mesmo ( ) Saber lidar com poder ( ) Saber lidar com controle ( ) Saber lidar com competição e rivalidade ( ) Saber relacionar-se com os outros ( ) Conhecer a si mesmo ( ) Conhecer sua função no grupo ( ) Aceitar a diversidade ( ) Diminuir o preconceito ( ) Desenvolver valores morais e éticos 6) Caso queira acrescentar alguma observação, comentário ou relatar uma experiência vivida na escola inclusiva utilize o espaço abaixo: