Tributação de licença e direitos autorais
Por Mellina Mamede Vieira
Recentemente foi publicada decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que analisou a
incidência de Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) pela autorização de uso
de obras de direito autoral, por meio do REsp 1183210.
A referida decisão declarou que a listagem de serviços anexa à Lei Complementar (LC) nº 116,
de 2003, é taxativa no que diz respeito ao fato gerador de ISSQN. Dessa forma, entendeu-se
que não há incidência do imposto sobre a cessão de direitos autorais, tendo em vista que tal
previsão não consta da referida listagem.
Entretanto, importa analisar a tecnicidade da decisão no que diz respeito ao emprego da
expressão "cessão de direitos autorais", que, em verdade, constitui-se em ato jurídico distinto,
e apresenta natureza jurídica e fato gerador diversos aos relacionados à prestação de serviço
de "autorização de uso".
A licença de direito autoral é um serviço que não é fato gerador de ISS
Antes de tudo, torna-se necessário esclarecer que a prestação de serviço é definida como um
trabalho realizado que não se caracteriza em vínculo empregatício, como venda ou aluguel de
bens, e alguns dos possíveis serviços existentes estão definidos na LC 116, que indica
serviços que são fatos geradores de ISSQN.
Todavia, a decisão ora sob análise aborda o termo "cessão", que diz respeito à transferência
de um bem, e não se configura como prestação de serviço. A cessão é a transferência de bens
ou direitos, o que pode ser de forma onerosa ou gratuita. É a passagem dos direitos da posse
direta e indireta de um sujeito para o outro de forma definitiva, o que pode se dar por forma de
doação ou compra e venda.
Em que pese a correta decisão do STJ acerca da incidência tributária, a tecnicidade da
expressão utilizada pela Corte deixou de ser acertada, pois o que se discutia na referida ação é
a incidência de ISSQN pela "licença" de direito autoral, e não por sua "cessão".
No tocante a presente análise, considerando a previsão do artigo 3º da Lei nº 9.610, de 1998
que estabelece que os direitos autorais são considerados bens móveis, a cessão destes
direitos de forma gratuita diz respeito à doação de um bem móvel, enquanto a alienação
onerosa diz respeito à compra e venda de um bem móvel. Em ambos os casos, o bem deixará
de pertencer ao transferente/alienante e passará a pertencer ao adquirente.
Importante notar que tais operações constituem fatos geradores diversos.
Isso porque a Constituição da República previu em seu artigo 155, parágrafo 1º, inciso I a
instituição do Imposto Causa Mortis ou Doação (ICMD) pela doação de bens móveis.
Entretanto, não há previsão constitucional a respeito de imposto sobre transmissão de bens
móveis que não seja por doação e, pela falta de previsão constitucional e legal, não há
incidência tributária pela cessão onerosa de bens móveis.
Em resumo, pela cessão gratuita de direito autoral, ou seja, doação, incidirá o pagamento de
ICMD. Nesse caso, a base de cálculo é o valor venal do bem móvel, como o direito autoral, e a
alíquota dependerá do definido pelo estado do domicílio do doador/cedente. Por outro lado,
pela cessão onerosa de direito autoral, ou seja, venda, não haverá pagamento de tributo.
Outrossim, a autorização de uso diz respeito à licença, que é uma prestação de serviço, e
apresenta natureza jurídica de empréstimo/mútuo, no caso de ser gratuita, ou locação, no caso
de ser onerosa.
A autorização de uso não transfere a posse indireta do bem móvel em referência, quando
somente concede ao autorizado a sua posse direta, de uso, que pode ser exclusiva ou
compartilhada.
Dessa forma, pela licença gratuita de uso de direito autoral não há incidência de ICMD, por não
se tratar de transmissão de bem, e pela licença gratuita e onerosa não há incidência de ISSQN,
como decidido pelo STJ, já que a hipótese de tal prestação de serviço não consta da lista da
Lei Complementar 116.
Nesse cenário, é possível que a confusão das expressões aqui enfrentadas se dê pelo fato de
igualmente ser empregada a expressão "concessão de uso" para se referir à autorização ou
licença do direito autoral. Entretanto, não se deve confundir a concessão com a cessão, sendo
a primeira a permissão/autorização de uso, e a segunda a transferência definitiva da
titularidade.
Pelo exposto, conclui-se que apesar de correta a decisão do STJ acerca do seu mérito, pecou
a Corte no que diz respeito à tecnicidade da natureza jurídica do ato ensejador da discussão,
que é a licença de direito autoral, que é um serviço que não se configura como fato gerador de
ISSQN.
Mellina Mamede Vieira é advogada do departamento de contratos e incidência tributária
do escritório Di Blasi, Parente & Advogados
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