FORUM ABRASCA FATO RELEVANTE UM CONSTANTE DESAFIO DOS RIs 66 REVISTA RI Setembro 2014 A divulgação de fatos relevantes é uma das principais ferramentas de comunicação da companhia aberta a seus acionistas e ao mercado. Disso não se tem nenhuma dúvida. No entanto, sua divulgação é uma das questões mais tormentosas aos Diretores de Relações com Investidores - DRI, tendo em vista aspectos subjetivos que a envolvem. por JULIANA PAIVA GUIMARÃES e FERNANDA PEREIRA CARNEIRO O momento em que se passa a ter um Fato Relevante e que se deve divulgá-lo é cheio de zonas cinzentas e fonte de permanente debate. Indicamos como fonte doutrinária sobre o tema o livro Direito das Companhias, que trata de maneira completa de diferentes nuances e situações aplicáveis. A definição de fato relevante encontra-se no art. 2º da Instrução CVM nº 358/02 e é familiar a todo DRI: “qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável: (i) na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados; ou (ii) na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários”. Essa definição é seguida de um rol exemplificativo, que inclui, por exemplo, acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia; mudança no controle da companhia; decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta; incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas; transformação ou dissolução da companhia; entre outros. As maiores dúvidas acerca do tema muitas vezes se resumem ao momento adequado para a divulgação do fato relevante. Dito de outra forma, a partir de que momento a informação é relevante o suficiente para o mercado para que seja divulgada como fato relevante? Afinal, a partir de que momento, durante uma negociação, por exemplo, pode-se entender que já há fato relevante e quando ele deve ser efetivamente divulgado ao mercado? A Comissão de Valores Mobiliários – CVM tem uma preocupação legítima em orientar os DRIs nesses pontos e, por diversas vezes, destrinchou os aspectos mais relevantes dos fatos relevantes em decisões em processos sancionadores. No Processo Sancionador RJ 2006/4776, que tratou do tema de forma detalhada, o então diretor Pedro Marcílio foi claro ao afirmar que a informação tem que ter força suficiente para alterar a decisão de investimento, mesmo que, após divulgada, não promova efetivamente essa alteração. Basta, portanto, seu potencial, mesmo que após a divulgação do fato relevante não se verifiquem alterações significativas nos negócios com valores mobiliários da companhia. Setembro 2014 REVISTA RI 67 FORUM ABRASCA A CVM reconhece que meras intenções preliminares e estudos internos em geral não constituem fatos relevantes, justamente por serem incertas demais, não passando de meros planos da companhia, cuja persecução concreta ainda não foi iniciada. Em outras situações, atos preparatórios para operações serem concluídas devem ser divulgados, ou porque individualmente constituem fatos relevantes, ou porque já possuem razoável grau de probabilidade e não se pode garantir o seu sigilo. Quanto ao momento da divulgação, entendeu-se, naquele caso, que o administrador da companhia aberta, que está mais próximo do dia-a-dia dos negócios da companhia, deve ponderar o impacto potencial da divulgação da informação pela sua probabilidade, de forma a definir a relevância do fato. Já no Processo Sancionador RJ2006/5928, também de relatoria do então Diretor Pedro Marcílio, foi explorada a questão da divulgação de fatos ainda não definitivos. Naquele processo, estabeleceu-se o entendimento de que não há a necessidade de que a informação seja definitiva para que seja considerada como fato relevante. Nas palavras do Diretor: “(...) basta que a informação não seja meramente especulativa, mera intenção não baseada em fatos concretos.” 68 REVISTA RI Setembro 2014 Ou seja, o Colegiado da CVM esclareceu que podem ser divulgadas informações sobre atos bilaterais independentemente do consenso entre as partes, desde que uma delas já tenha tomado a decisão de realizar o negócio. E, dependendo do caso concreto, deve ser divulgada a intenção, e não somente a conclusão do negócio. Ainda, o Colegiado destacou que cabe, em certas circunstâncias, divulgar fato ainda não concluído, com todas as suas condicionantes, e divulgar informações complementares, à medida em que eventos posteriores ocorram e tornem a intenção ou operação mais concreta. Pode ser o caso, por exemplo, da decisão de contratar assessor financeiro com vistas a identificar interessados em adquirir participações societárias relevantes ou decisão do Conselho de Administração autorizando a diretoria a implementar e iniciar uma operação que, se concluída, constituiria fato relevante. Mas o Colegiado nessa mesma decisão reconheceu que seria perfeitamente legítimo um DRI deixar de divulgar um fato ainda em curso no momento mais inicial de uma negociação, por exemplo, em que uma das companhias pretende adquirir, mas a outra não fornece qualquer indicação de que deseja negociar, por considerar, portanto, que nesse estágio a probabilidade de conclusão do negócio ainda é baixa. Se, contudo, no dia seguinte, a parte contrária sinaliza positivamente seu interesse na operação, a não divulgação do fato ao mercado somente seria possível se fosse enquadrado na exceção à imediata divulgação. Essa exceção, prevista no art. 6º da Instrução CVM nº 358/02, admite que se deixe de divulgar fato relevante se essa divulgação colocar em risco interesse legítimo da companhia e desde que não haja vazamento. Havendo vazamento, necessariamente se impõe a divulgação. Há, portanto, diferentes situações. A CVM reconhece que meras intenções preliminares e estudos internos em geral não constituem fatos relevantes, justamente por serem incertas demais, não passando de meros planos da companhia, cuja persecução concreta ainda não foi iniciada. Em outras situações, atos preparatórios para operações serem concluídas devem ser divulgados, ou porque individualmente constituem fatos relevantes, ou porque já possuem razoável grau de probabilidade e não se pode garantir o seu sigilo. Se a companhia optar por manter o fato relevante ainda em andamento em sigilo, deverá divulgá-lo de imediato caso houver indícios de vazamento dessa informação, com todas as condicionantes aplicáveis. De todo modo, quando houver negociação em curso ou quando houver fato relevante pendente de divulgação pela companhia, o DRI deve redobrar seus cuidados na verificação de possível vazamento de informação, de modo a antecipar a necessidade de promover divulgação ao mercado. Essa verificação deve-se dar não apenas com a análise de eventuais oscilações atípicas (não apenas em preço, mas também em volume) dos valores mobiliários de emissão da companhia, mas também em veículos da imprensa ou qualquer outro meio de comunicação (como exemplo, sites de internet, incluindo blogs e chats). Caso se constate um indício de vazamento, o DRI deve promover a imediata divulgação do fato relevante, como forma de equalizar a informação disponível no mercado. Nesse ponto reside mais uma questão sensível envolvendo a divulgação de fato relevante que comumente gera dúvidas: e quando a informação divulgada não passar de mera especulação de mercado, sem qualquer elemento de concretude nem qualquer detalhe acerca da verdadeira informação, que ainda permanece sigilosa na companhia? Deve o DRI se adiantar e divulgar fato relevante mesmo quando, naquele momento, ainda se consideraria prematuro fazê-lo? Ainda não há orientação expressa da CVM em como proceder nessas situações, mas parece pouco razoável se pretender que se divulguem informações que claramente não foram alvo de vazamento. Afinal, a divulgação de fato relevante em resposta a informações meramente especulativas sem qualquer detalhe e fonte pode verdadeiramente vir a comprometer a companhia e seus negócios. Mais ainda, se a prática passar a ser divulgar operações em curso em reação a matérias meramente especulativas, corre-se o risco de incentivar verdadeiras “armadilhas” por parte de investidores especulativos, interessados em antecipar informações ao mercado ou até mesmo inviabilizar negociações. Outro ponto interessante e que já foi tratado pela CVM é a forma de divulgação do fato relevante. Ele deve ser redigido de forma precisa e objetiva, visando sempre a prestar a informação da melhor forma ao mercado. Desse modo, mesmo quando se trata de informação positiva para a companhia, deve-se evitar tratá-la como peça de marketing, tanto quanto não se pode minimizar eventual fato de impacto negativo para a companhia. Todas as informações devem ser prestadas de forma a que o mercado possa precificar adequadamente a informação recebida por meio do fato relevante. Por fim, é importante mencionar que a consequência aos DRIs em caso de não divulgação de fato relevante ou por sua publicação de forma incorreta ou extemporânea normalmente é a sua responsabilização administrativa, sendo aplicáveis as penalidades da Lei nº 6.385/76. Na prática, observando-se os precedentes mais recentes, é normalmente aplicada a penalidade de multa, entre R$ 150.000,00 (centro e cinquenta mil reais) (vide PAS RJ 2012/10128 e PAS RJ 2010/8784) e R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) (vide PAS RJ 2011/8224, PAS RJ 2012/14871 e PAS RJ 2011/14514). No entanto, pode-se observar que a maior parte dos processos instaurados sobre o tema não vão a julgamento, sendo objeto de termo de compromisso celebrado entre a CVM e o acusado. Nesses casos, em que não há confissão ou admissão de culpa, o processo é encerrado pelo cumprimento de obrigação pelo acusado, que normalmente é o pagamento à CVM de determinado valor, que atualmente, na maioria dos casos, gira em torno de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Dúvidas com relação ao momento de divulgação do fato relevante e de seu teor sempre estarão entre as principais questões do DRI. No entanto, as orientações gerais da CVM (contida nos ofícios circulares) e a evolução das decisões administrativas auxiliam nesse aspecto; podem (e devem) ser fonte de consulta para aqueles que se encontram em uma zona cinzenta e buscam orientações sobre como proceder. O conceito e momento de divulgação de fatos relevantes é amplamente subjetivo e varia de acordo com cada situação e companhia, exigindo, naturalmente, maior cuidado por parte dos DRIs. Cada vez mais a CVM vem cobrando transparência das companhias e isso passa, inevitavelmente, pelo trabalho dos DRIs. É nesse cenário que a divulgação das informações deve ser realizada de forma mais cuidadosa, clara e tempestiva pelas companhias. E isso só é possível com um DRI ciente de como proceder. RI JULIANA PAIVA GUIMARÃES E FERNANDA PEREIRA CARNEIRO são, respectivamente, sócia e associada do BM&A – Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. www.bmalaw.com.br Setembro 2014 REVISTA RI 69