A omissão do Estado como fato gerador de crime militar
Davi Isidoro da Silva
Advogado. Militante na Justiça Militar do Estado de São Paulo especializado em Processos Disciplinares.
Acompanhamos com muito pesar através dos órgãos de imprensa de todo país, a situação que os
Bombeiros Militares do Estado do Rio de Janeiro protagonizaram nos últimos dias.
Todos os envolvidos no triste episódio estão sendo processados de acordo com os dispositivos do Código
Penal Militar e sob sua ótica, os delitos ali descritos realmente ocorreram.
Num passado não muito distante, a Polícia Militar do Estado de São Paulo também esteve presente nas
ruas, mais precisamente no marco zero da Capital, manifestando-se por motivos semelhantes, fato este que culminou
na expulsão de muitos servidores que aderiram voluntariamente ou não ao movimento.
O Estado de Minas Gerais também esteve diante de incidente deste jaez, porém, na ocasião, a repressão
aos manifestantes resultou na morte de um servidor militar que, segundo se cogitou, tentava acalmar os ânimos dos
presentes no teatro de operações.
Interessante notar que todos estes fatos tem em comum a Omissão do Estado como causa desses delitos
militares. O pano de fundo que origina a violação do ordenamento jurídico vigente é sem dúvida, a inércia do Poder
Público que negligencia seus deveres.
Todas as informações que são trazidas pela imprensa afirmam que os Bombeiros Militares do Estado do
Rio de Janeiro, almejavam melhorias nas condições de trabalho e salário que lhes garantisse subsistência digna.
Ainda segundo informações desses mecanismos de imprensa, as tentativas de negociações com a
secretaria do governo vinham ocorrendo há algum tempo e todas restavam infrutíferas.
Sem alternativas para iniciar negociações sérias com representantes do governo do estado, afim de chegar
a um consenso e possível solução para os justos pedidos, os servidores militares rumaram em grupo para o quartel do
Comando Geral da Corporação.
Não houve informações pela imprensa de que o Comandante Geral do Corpo de Bombeiros tentou na
ocasião minimizar a situação que se apresentava e colocar termo na manifestação de seus subordinados.
Deixar a margem de negociações os servidores militares que pleiteavam direitos, não demonstra eficiência
por parte dos administradores, pois, o silêncio não é ato administrativo e, conforme ensinamentos do mestre Hely
Lopes Meirelles, temos que, "é conduta omissiva da Administração que, quando ofende direito individual do
administrado ou de seus servidores, sujeita-se a correção judicial e a reparação decorrente de sua inércia".
No caso em comento, é do conhecimento geral que bombeiros e policiais militares estão sujeitos ao rígido
Regulamento Disciplinar, ao Código Penal Militar, dentre outras normas legais, inclusive, ao texto de nossa Carta
Magna que em seu artigo 142, par. 30, inciso IV, afirma taxativamente ser vedada a sindicalização e greve aos militares
dos estados.
Diante de tantas formas de controle de uma categoria profissional, aliado a pouca experiência dos
administradores da classe, fácil vislumbrar o motivo que levou o soldo de salário dos bombeiros militares do Estadodo
Rio de Janeiro chegar à tamanha desvalorização.
Exige-se máxima qualidade nos serviços prestados, controlando-se o descontentamento da tropa com
mãos de ferro, punindo rigorosamente com lastro nos Regulamentos Disciplinares aqueles que ousam criticar a
lamentável situação que enfrentam no dia a dia.
Mas a criatura se volta contra o criador.
A Omissão do Estado em não promover uma política salarial e um plano de carreira justo para os
servidores militares, vez ou outra, acaba por gerar as conseqüências que verificamos hoje no Estado do Rio de
Janeiro, em anos passados, em Minas Gerais e São Paulo.
Depois de anos de descaso, com contas aumentando, empréstimos se tornando impagáveis e, em alguns
casos, filhos incapazes enfrentando necessidades, não se poderia exigir conduta diversa desses servidores.
Ademais, não há que se falar em crime praticado por parte desses militares, pois, tudo ocorreu em razão
da conduta negligente e omissa do Estado do Rio de Janeiro que não elaborou um projeto de lei para garantir o poder
aquisitivo do salário ou plano de carreira que retribuísse os serviços prestados por esta Corporação.
Some-se a isso que, o Código Penal Militar não considera crime o fato praticado em estado de
necessidade, e isso é plenamente comprovado num Estado que possui custo de vida elevado como é o Rio de Janeiro.
O artigo 39, do Código Penal Militar afirma não ser culpado quem "para proteger direito próprio ou de
pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não
provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde
que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa".
Essa situação de Estado de Necessidade é plenamente admissível no caso em tela, pois, uma das
exigências que os bombeiros militares faziam em suas manifestações era de fornecimento de Vale Transporte e, por tal
pedido, percebemos que a situação de penúria chegou ao ponto em que pagar uma passagem no transporte coletivo
representava ou representa prejuízo para o sustento da família.
Se o Estado é quem provocou essa situação, não há que responsabilizar os servidores militares pelo
resultado de sua inércia.
Os supostos danos ocorridos nas instalações do quartel do Comando Geral também estão isentos de
penalidade, posto que tratam-se de excesso escusável.
O parágrafo único, do artigo 45, do Código Penal Militar, assegura que, "Não é punível o excesso quando
resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação".
Certamente o Estado não será colocado no banco dos réus em mais este caso, entretanto, punir os
militares que estiveram presentes na manifestação não representará a correta aplicação da Lei, posto que o
responsável pelo lamentável episódio continuará a praticar sua política de Omissão e responsabilizar terceiros por suas
conseqüências.
Assim, sob a ótica da responsabilidade do Estado, os bombeiros militares deveriam ser absolvidos com
fulcro na letra "d" (em razão do Estado de Necessidade), ou até mesmo, na letra "b" (transgressão disciplinar), ambas
do artigo 439, do Código de Processo Penal Militar.
Por outro lado, o Estado deveria ser condenado por sua pratica lesiva aos servidores e a toda população
doEstado do Rio de Janeiro.
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