Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB) Palestras PET 2015 Contribuições da referenciação para o ensino-aprendizagem da escrita Prof. Dr. Valdinar Custódio Filho (UFC) Apresentação em homenagem a Jonas Othon Pinheiro e Maria Dayane Sampaio Falcão 1 OBJETIVOS Mostrar a pertinência da relação entre teoria e prática para o exercício autônomo, responsável e criativo da docência. Apresentar uma proposta de aplicação referenciação ao ensino-aprendizagem da escrita. da 2 A FUNÇÃO DO PROFESSOR: UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA O professor, em sua prática, desconsidera o caráter dinâmico da ciência, aceitando que o conhecimento científico é eternamente único, verdadeiro e imutável. Esta concepção vai de encontro ao próprio processo de construção científica, que encontra na tônica do dinamismo sua razão de ser. Esta realidade nem sempre foi assim. Uma retrospectiva mostra que a identidade do professor pode ser classificada em três momentos distintos. 1º momento: nos séculos XIV e XV, o professor se identifica por ser um produtor de conhecimento, e como tal fala sobre este saber a discípulos (não alunos). 2º momento: nos primórdios do mercantilismo, dentro de uma proposta de universalização do ensino, há urgência de muitos instrutores. O mestre passa de produtor a transmissor. 3º momento: com o capitalismo, mudam-se as relações na produção científica. A nova configuração introduz uma nova realidade: a produção de material didático posto à disposição do trabalho de transmissão. Cabe ao professor apenas escolher o material didático que usará em sala de aula. Essa mudança no papel do professor permitiu: elevar o número de horas-aula; diminuir a remuneração; contratar professores independentemente de sua formação ou capacidade. 3 O PROFESSOR PESQUISADOR O professor autônomo, comprometido e criativo precisa dar um “tratamento científico” a sua prática, ou seja, precisa analisar e orientar seu trabalho de acordo com conhecimentos sólidos construídos pela coletividade. O professor não é subordinado ao livro didático, mas, sim, o contrário. As atividades devem resultar de escolhas do Mestre. 4 O TRABALHO COM A PRODUÇÃO TEXTUAL A produção de textos na escola deve ser uma atividade menos artificial (mais texto e menos redação). É fundamental que o professor seja, além de um corretor, um professor-leitor, que deve se tornar interlocutor do aluno, agindo como real parceiro: concordando, discordando, acrescentando, questionando, perguntando etc. É possível, em propostas de produção, solicitar que o aluno utilize alguma estratégia textual específica. 5 A REFERENCIAÇÃO Os usos linguísticos revelam não a realidade, mas, sim, uma percepção do real – uma mesma “realidade” pode ser expressa sob diversas maneiras. TEXTO 1 Casamento Para adentrar no direito à Separação e ao Divórcio é preciso entender, com absoluta clareza, o que é o casamento, quais são os seus efeitos e, especialmente, quais os direitos e deveres que emergem da união legal. O casamento é uma instituição antiga, nascida dos costumes, incentivada pelo sentimento moral e religioso e na atualidade completamente incorporada ao direito pátrio. O casamento é condição jurídica para existência de certos direitos e, no sentido social, pode ser entendido como uma manifestação de vontade conjunta, subordinada a inúmeros prérequisitos e a uma cerimônia civil que, cumpridas certas formalidades, substancia e legitima uma união de pessoas. [...] Disponível em http://www.consumidorbrasil.com.br/consumidorbrasil/textos/familia/casamento.htm# Casamento. Acesso em 25 abr. 210. TEXTO 2 • • • • • • Frases curtas - casamento infeliz “O ideal no casamento é que a mulher seja cega e o homem, surdo.” (Sócrates) “O casamento é o fim do romance e o começo da história.” (Oscar Wilde) “O casamento é como enfiar a mão num saco de serpentes na esperança de apanhar uma enguia.” (Leonardo da Vinci) “Antes do casamento os olhos devem estar bem abertos; depois do casamento, semicerrados.” (Benjamin Franklin) “O casamento á a tentativa mal sucedida de extrair algo duradouro de um acidente.” (Albert Einstein) “Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento.” (Machado de Assis) Disponível em http://www.pensador.info/frases_cutas_casamento_infeliz/. Acesso em 25 abr. 2010. O referente é, na verdade, uma entidade do discurso, denominada na literatura especializada como objeto de discurso. TEXTO 3 Diga não às drogas Tudo começou quando eu tinha uns 14 anos e um amigo meu chegou com aquele papo de “experimenta, depois, quando você quiser, é só parar...” e eu fui na dele. Primeiro ele me ofereceu coisa leve, disse que era de “raiz”, “da terra”, que não fazia mal, e meu deu um inofensivo disco do “Chitãozinho e Xororó” e em seguida um do “Leandro e Leonardo”. Achei legal, coisa bem brasileira; mas a parada foi ficando cada vez mais pesada, o consumo cada vez mais frequente, comecei a chamar todo mundo de “Amigo” e acabei comprando pela primeira vez... ... Lembro que cheguei na loja e pedi: - Me dá um CD do Zezé di Camargo e Luciano. Era o princípio de tudo! Logo resolvi experimentar algo diferente e ele me ofereceu um CD de axé. Ele dizia que era para relaxar; sabe, coisa leve... “Banda Eva”, “Cheiro de Amor”, “Netinho” etc. Com o tempo meu amigo foi oferecendo coisas piores: “É o Tchan”, “Companhia do Pagode”, “Asa de Águia” e muito mais... Após o uso contínuo eu já não queria mais saber de coisas leves, eu queria algo mais pesado, mais desafiador, que me fizesse mexer a bunda como eu nunca havia mexido antes. Então, meu “amigo" me deu o que eu queria, um CD do “Harmonia do Samba”. Minha bunda passou a ser o centro da minha vida, minha razão de existir. Eu pensava por ela, respirava por ela, vivia por ela! Um mesmo objeto de discurso, ao longo de uma interação discursiva, pode sofrer modificações, chamadas de recategorizações. TEXTO 4 Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/_KSwWup3yutA/Sfpvuu0njWI/AAAAAAAAALQ/PjUgXN9mQbU/s320/lan ches.gif. Acesso em 25 abr. 2010. TEXTO 5 Como pensam os brasileiros Um livro prova que, ao contrário do que pensam os esquerdistas, a elite nacional é o farol da modernidade A julgar pelo que se lê nos jornais e se ouve nas salas de aula das universidades, o Brasil conta com uma elite retrógrada, de valores quase medievais, empenhada em obter toda sorte de privilégios do estado e em explorar a massa trabalhadora. Essa elite seria tão daninha que qualquer movimento de protesto originado nela, como o “Cansei”, já nasceria marcado pela ilegitimidade. Segundo os arautos desse ponto de vista, em posição antípoda estaria um povo de valores imaculados, dono de uma sabedoria e um senso de justiça naturais e pronto a redimir o país de séculos de iniquidade. Basta um pouco de distanciamento para ver que se trata de um maniqueísmo tolo, típico da rasa cachola esquerdista brasileira. Elite é muito mais que sinônimo de “rico”. Como registram os dicionários, é uma palavra de origem francesa que significa “o que há de melhor numa sociedade ou grupo”. Dela fazem parte profissionais liberais, cientistas, atletas, empresários, políticos (não todos, infelizmente). Só uma nação que conta com uma elite com iniciativa, energia criadora, conhecimento avançado e valores democráticos tem chance de desenvolvimento. É por meio de suas ações e de seu exemplo que o conjunto da população termina ascendendo também, tanto no plano educacional e cultural como no profissional. Isto está longe de ser teoria romântica. É fato verificável no bloco dos países que hoje compõem o clube dos desenvolvidos. FRANÇA, Ronaldo. Como pensam os brasileiros. Veja, n. 2.022, 22/08/2207, p. 86. 6 EXEMPLOS DE PROPOSTAS DE PRODUÇÃO TEXTUAL Exemplo 1 Considere a seguinte situação: estão ocorrendo eleições para os líderes de sala de sua escola, e você é responsável pela campanha de um(a) colega. Uma das exigências para os candidatos é a produção de um texto argumentativo em que é apresentado o seu perfil. Você foi designado(a) para produzir esse texto. A fim de lhe ajudar, o(a) colega candidato(a) mencionou alguns termos que gostaria que aparecessem no texto: •amigo(a) de toda a turma; •defensor(a) das causas justas; •queridinho(a) dos professores; •fonte confiável para guardar segredos; •o(a) mais apto(a) para exercer o cargo. Escreva o perfil do(a) colega incluindo as expressões mencionadas. Para tanto, lembre-se de que elas devem: 1) refletir uma organização coerente (você não precisa seguir a ordem colocada aqui), e 2) ser justificadas com argumentos convincentes. Exemplo 2 Chega o dia da abertura da XXV Semana Cultural Cordimariana. Seu grupo ensaiou bastante e todos sabem o que deve ser feito no número principal. Contudo, quinze minutos antes, vem a notícia: a dançarina principal está presa num engarrafamento e só poderá chegar em, no mínimo, 20 minutos. O que fazer? É você quem contará essa crônica, considerando que ela poderá ser publicada no site da Escola, no final da Semana Cultural. Seu texto deverá atender às seguintes orientações: •O narrador deverá ser um personagem: a garota que está atrasada, algum(a) colega dela, o motorista que a leva, algum(a) aluno(a) de outro grupo, um organizador da noite de abertura etc. Os fatos devem ser narrados de acordo com a posição que o narrador escolhido por você ocupar; •Em sua crônica, deverão ser mencionados: um animal selvagem, uma burca (vestimenta típica das mulheres muçulmanas, que esconde todo o seu corpo), um sino de igreja. Além disso, em algum momento, deverá aparecer a frase “Nem que o padre Júlio Maria ressuscitasse agora mesmo!”; também deverá aparecer a expressão “saga inesquecível”. No início de sua redação, você deve contextualizar a história, colocando, com suas palavras, as informações apresentadas no início da proposta. Você pode acrescentar quaisquer detalhes que julgar relevantes. Exemplo 3 Inimigos - Luis Fernando Verissimo O apelido de Maria Teresa, para Norberto, era “Quequinha”. Depois do casamento, sempre que queria contar para os outros uma da sua mulher, o Norberto pegava sua mão, carinhosamente, e começava: — Pois a Quequinha... E a Quequinha, dengosa, protestava: — Ora, Beto! Com o passar do tempo, o Norberto deixou de chamar a Maria Teresa de Quequinha; se ela estivesse ao seu lado e ele quisesse se referir a ela, dizia: — A mulher aqui... Ou, às vezes: — Esta mulherzinha... Mas nunca mais de Quequinha. (O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. O tempo ataca em silêncio. O tempo usa armas químicas.) Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher por “Ela”. — Ela odeia Charles Bronson. — Ah, não gosto mesmo. Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chamasse de Ela, ainda usava um vago gesto da mão para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer “essa aí” e apontar com o queixo. — Essa aí... E apontava com o queixo, até curvando com a boca com um certo desdém. (O tempo, o tempo. O tempo captura o amor e não mata na hora. Vai tirando uma asa, depois a outra...) Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, o Norberto nem olha na sua direção. Faz um meneio de lado com a cabeça e diz: — Aquilo... In: Novas comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996, p.70-71. O texto mostra as diferentes maneiras de um marido se referir a sua mulher com o passar do tempo. Cada uma das expressões (Maria Teresa, Quequinha, A mulherzinha aqui, Esta mulherzinha, Ela, Essa aí, Aquilo) faz parte de uma cadeia coesiva sobre esse referente. A cada nova menção, o referente vai se transformando. Com base nessas informações, produza um texto no qual um referente passe por transformações, as quais devem receber uma nomeação adequada. Se preferir, siga uma das sugestões abaixo: •o vigor físico de acordo com a idade; •o papel da religião na história da humanidade; •a imagem dos pais durante a adolescência; •a imagem do(a) namorado(a) antes e depois de um episódio de infidelidade. Esperamos ter contribuído para a reflexão sobre as relações entre teoria e prática. Também queremos instigar a plateia a conhecer mais aprofundadamente a proposta teórica da referenciação. Finalmente, intentamos estimular os graduandos e professores a pensar formas cada vez mais produtivas de abordagem dos conteúdos e habilidades relacionados ao ensino de língua materna.