UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
FACULDADE DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DE SAÚDE
Marceli Pazini Milani
AVALIAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO NUTRICIONAL ATRAVÉS DA
COMPOSIÇÃO DO LEITE E EFEITO DAS CÉLULAS SOMÁTICAS
SOBRE A COMPOSIÇÃO DO LEITE DE REBANHOS LEITEIROS DE
ALTA PRODUÇÃO
Três Passos
2009
Marceli Pazini Milani
AVALIAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO NUTRICIONAL ATRAVÉS DA
COMPOSIÇÃO DO LEITE E EFEITO DAS CÉLULAS SOMÁTICAS
SOBRE A COMPOSIÇÃO LEITE DE REBANHOS LEITEIROS DE
ALTA PRODUÇÃO
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de Especialista,
no Curso de Especialização em Produção de
Leite da Faculdade de Ciências Biológicas e
de Saúde da Universidade Tuiuti do Paraná.
Orientador Prof. M. Sc. José Laerte Nörnberg
Três Passos
2009
ii
2
SUMARIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................
2 REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................
2.1 DOENÇAS DA PRODUÇÃO......................................................................................
2.2 MONITORAMENTO NUTRICIONAL ATRAVÉS DA COMPOSIÇÃO DO LEITE.......
2.3 CCS E SEUS EFEITOS NOS CONSTITUINTES DO LEITE.....................................
3 METODOLOGIA...........................................................................................................
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................................
4.1 EFEITOS DA CCS NA COMPOSIÇÃO DO LEITE....................................................
4.1.1 PROTEÍNA .............................................................................................................
4.1.2 LACTOSE................................................................................................................
4.1.3 GORDURA..............................................................................................................
4.1.4 SÓLIDOS TOTAIS..................................................................................................
4.2 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL ATRAVÉS DA COMPOSIÇÃO DO LEITE...................
4.2.1 FATORES QUE AFETAM O TEOR DE GORDURA DO LEITE.............................
4.2.2 FATORES QUE AFETAM O TEOR DE PROTEÍNA DO LEITE.............................
5 CONCLUSÃO...............................................................................................................
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA...............................................................................
iii
3
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06
06
08
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16
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18
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19
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26
RESUMO
Neste trabalho foi estudado o efeito da alta contagem de células somáticas
(CCS) na composição do leite, avaliado o balanço nutricional através dessa
mesma composição. Para tal, foram utilizados 5 rebanhos de alta produção da
raça holandesa, onde foram coletadas amostras de leite de 12 vacas em estágio
inicial de lactação por propriedade, sendo posteriormente feita análise de
gordura, proteína, lactose, sólidos totais e contagem de células somáticas. Os
resultados obtidos foram submetidos a análise de variância, seguido de teste F e
as médias comparadas pelo teste de Tukey com significância de 5%, o pacote
estatístico utilizado foi o SPSS (2001). Nos resultados observou-se que a alta
CCS altera a composição do leite, principalmente no que se refere aos teores de
lactose e proteína, se observando uma tendência de elevação do teor de
gordura. De acordo com o resultado da composição do leite pode-se afirmar que
as propriedades estudadas se apresentavam em desequilíbrio nutricional, uma
vez que se caracterizou em todas elas um quadro de depressão nos teores de
gordura do leite e inversão na relação proteína/gordura. Conclui-se que pode-se
utilizar a composição do leite para avaliar o balanço nutricional, sendo uma
alternativa prática, rápida e de fácil interpretação, e que a mastite altera
significativamente e negativamente a composição e consequentemente a
qualidade do leite.
Palavras-chaves: composição do leite, contagem de células
desequilíbrio nutricional.
somáticas,
iv
4
1 INTRODUÇÃO
O leite e seus derivados representam uma das principais fontes de proteína e
minerais na dieta da população. Além disso, a atividade leiteira caracteriza-se por
ser grande geradora de emprego e renda. No Brasil, o último censo agropecuário do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou no país 1,8 milhão de
propriedades leiteiras, que geram 3,6 milhões de empregos diretos (MARTINS,
2005).
O monitoramento, em qualquer atividade, é a ferramenta que permite a
identificação dos pontos limitantes e os resultados de suas eventuais correções. É
preciso saber o que ocorre e posteriormente ter parâmetros ou objetivos que
possam ser alcançados para que se possa atingir a eficiência. A nutrição, base
fundamental
da
produção,
pode
ser
monitorada
de
diversas
formas.
O
acompanhamento da condição corporal dos animais e o perfil metabólico do
rebanho, por exemplo, são indicadores da adequação nutricional. Existe, porém uma
forma de monitoramento nutricional do rebanho ainda pouco explorada, qual seja a
composição do leite (COLLIER, 1995).
A qualidade do leite como alimento e matéria prima para a indústria de
laticínios depende de sua composição química. Além de fatores relacionados com a
alimentação da vaca, outros aspectos exercem efeito sobre a composição do leite,
entre os quais podem ser mencionados o fator racial, o estágio da lactação, o clima,
a estação do ano, a presença ou não de mastite, a contagem de células somáticas e
o tipo de ordenha (MÜLBACH, 2004).
As células somáticas comumente presentes no leite são caracterizadas como
leucócitos e células provenientes da esfoliação do epitélio galactófaro e das
5
cisternas da glândula mamária (GALIERO & MORENA, 2000) sendo empregadas
como indicadoras das características qualitativas e higiênicas do leite (SANTOS,
2002), mediante aumento do seu número durante
a ocorrência de processos
inflamatórios.
Altas contagens de células somáticas (CCS) provocam uma ação enzimática
de lípases de origem leucocitária, assim como a própria lípase lipoprotéica, presente
no epitélio secretor da glândula mamária. Ambas enzimas atuam sobre a membrana
dos glóbulos de gordura, expondo os triglicérides a ação de outras enzimas,
acarretando elevação da concentração de ácidos graxos livres causando o
aparecimento da rancidez (DUCAN et al., 1999).
O objetivo deste trabalho é pesquisar as alterações que ocorrem na
composição química do leite em decorrência do aumento da CCS, além de avaliar a
presença de desequilíbrio nutricional através da composição química do leite dos
rebanhos analisados.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 DOENÇAS DA PRODUÇÃO
A intensificação nos sistemas de produção animal tem levado a um aumento
do risco de aparecimento de transtornos metabólicos nos rebanhos leiteiros, uma
vez que o desafio metabólico imposto pela maior produtividade favorece o
desequilíbrio entre o aporte de nutrientes no organismo, capacidade de
metabolização desses componentes
e os níveis de produção alcançados
(GONZÁLEZ et al., 2000).
6
O equilíbrio entre a produção e a saúde das vacas é instável sob
determinadas condições, sendo uma necessidade técnica estabelecer as causas de
variação na composição de leite para manter um sistema de produção sadio e
economicamente rentável.
As doenças relacionadas à produção são transtornos metabólicos que se
apresentam em um grupo de animais de produção, induzidos por medidas de
seleção ou manejo e que tem como causa um desequilíbrio entre a entrada de um
ou mais nutrientes ao organismo, sua biotransformação e a saída destes do
organismo (WITTWER, 2000).
O conceito de transtorno metabólico nutricional deve ser entendido em forma
diferente se referido a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos em um sistema
produtivo.
Indivíduo = doença metabólica: alteração da capacidade de homeostase em
um indivíduo produto da mudança no grau de transformação de um processo
metabólico relacionado com um nutriente (OYARZUN, 1997).
Rebanho = doença de produção: desequilíbrio entre o volume de entrada
(aporte e consumo da dieta), circulação (transporte e biotransformação) e saídas
(resíduos metabólicos + produção) de um nutriente em um grupo de animais de um
sistema produtivo (SEGLAR, 1997).
WITTWER (2000) descreve que a capacidade de um animal para se ajustar a
um balanço negativo depende do volume de suas reservas corporais disponíveis.
Pelo contrário, a adaptação a um balanço positivo depende de sua capacidade
metabólica para armazenar reservas. Os balanço nutricionais negativos são as
causas das maiorias das doenças de produção. Embora seja normal algum grau de
7
deficiência em alguns períodos, especialmente no início da lactação, a linha entre a
normalidade e doença é facilmente atravessada (WOLFF et al. 1978).
A vaca de alta produção enfrenta no início da lactação uma série de situações
de estresse metabólico nutricional que necessita diversos processos da adaptação
para manter sua homeostase e não cair nos transtornos metabólicos demonstrados
no Quadro 1.
Quadro 1. Problemas metabólicos da vaca de alta produção.
Entradas
Circulação
Saídas
Apetite aumentado
Mobilização tissular
Elevada produção
↓
↓
↓
Sobrecarga ruminal
Cetose
Excessiva perda de peso
Fermentação instável
↓
↓
↓
Fígado gorduroso
Anestro
Acidose
↓
↓
↓
Anorexia
Fertilidade reduzida
Laminite
Diminuição da produção
↓
Úlcera solar
Fonte: Wittwer (1996)
2.2 MONITORAMENTO NUTRICIONAL ATRAVÉS DA COMPOSIÇÃO DO LEITE
A qualidade do leite como alimento e matéria prima para a indústria depende
da sua composição química. Em países com pecuária leiteira desenvolvida o
pagamento do leite se faz pela qualidade; assim o monitoramento da composição do
leite permite identificar eventuais disfunções metabólicas que estejam ocorrendo nas
8
vacas em lactação e que possam afetar a qualidade da secreção láctea. As
alterações metabólicas refletem diretamente a composição final do leite. Portanto, é
necessário estudar os principais metabólitos de importância nos diferentes fluidos
corporais com o propósito de gerar propostas alternativas de prevenção de doenças
metabólicas que ocasionam perda na qualidade do leite ou alternativas de manejo
para superar rapidamente os problemas nutricionais e/ou metabólicos, visando
melhorar os indicadores de produção de leite para garantir que o produtor primário
obtenha um produto competitivo no mercado, produzindo em forma econômica e
sustentável (GAONA, 2006).
A nutrição pode ser monitorada de diversas formas. O acompanhamento da
condição corporal dos animais, por exemplo, é indicativo da adequação nutricional.
Existe, porém, uma forma de monitoramento nutricional do rebanho ainda pouco
explorada pelo produtor nacional: a composição do leite produzido pelos seus
animais, uma vez que já está provado por diversas publicações científicas que existe
uma correlação entre dieta e composição do leite.
Existe um equilíbrio isotônico entre o sangue e o leite, embora não exista o
mesmo equilíbrio entre os componentes individuais nesses fluidos. A glândula
mamária obtém do sangue 80% dos compostos primários para a síntese do leite.
Dentro da dinâmica dos fluidos corporais, o leite apresenta um excelente meio para
conhecer estados metabólicos-nutricionais nas vacas, uma vez que se trata de uma
secreção obtida por filtração sanguínea. Muitos metabólitos são secretados no leite
e outros utilizam esta via como rota de excreção, de f orma que sua medição pode
indicar o grau de trabalho metabólico feito (GONZÁLEZ & CAMPOS, 2003).
Dentre os componentes do leite, a gordura é a que está sujeita a maior
oscilação, variando entre 2 e 3 unidades percentuais. Fatores genéticos têm
9
influência nos níveis de gordura do leite, porém as principais causas responsáveis
por esta alteração são de origem nutricional. Dentre os principais fatores está a
relação volumoso: concentrado, quando o concentrado ultrapassa 50% da dieta o
teor do gordura do leite reduz em função de uma alteração na fermentação ruminal.
O substrato ruminal com maior proporção de concentrado proporciona uma maior
produção de ácidos graxos voláteis que reduzem o pH do rúmen para menos de 6,0
acarretando em uma menor degradação da porção fibrosa da dieta. Uma menor
digestão da fibra reduz a proporção de ácido acético, e uma maior digestão de
concentrados aumenta a proporção de ácido propiônico. Como o ácido acético é um
dos principais precursores da gordura do leite a sua redução está diretamente
relacionada com a diminuição da gordura do leite. Este fato se evidencia quando a
relação entre acetato:propionato baixa de 2,2:1 (GRIINARI et al., 1998). Outra teoria
surgiu recentemente na tentativa de explicar a redução dos teores de gordura do
leite. Esta hipótese continua a aceitar que a relação volumoso:concentrado da dieta
seja responsável pela diminuição da gordura do leite, porém postula que os efeitos
desta relação não acarretam uma diminuição na produção de ácido acético e sim
propiciam a produção de ácidos graxos trans que tem um efeito redutor nos níveis
de gordura do leite.
Outro aspecto nutricional relacionado ao nível de gordura é a quantidade de
fibra efetiva da dieta. A fibra efetiva é responsável pela manutenção do pH ruminal
acima de 6,2 através do estímulo à ruminação que provoca um aumento na
produção de saliva e na liberação de tamponantes. Dietas com níveis de fibra
adequados, porém finamente moídos não produzem estímulo de ruminação. Como
regra geral, as dietas devem conter no mínimo 28% de FDN, sendo 75% deste
proveniente de forragens não finamente moídas (NRC, 2001).
10
A proteína do leite é um dos componentes que também pode sofrer
alterações nos seus níveis e nos seus componentes. Porém, enquanto a gordura
pode variar de 2 a 3 unidades percentuais, a amplitude de variação do teor de
proteína do leite é bem menor, oscilando não mais que 0,3 a 0,4 unidades
percentuais.
A fração nitrogenada do leite normalmente é dividida em três frações:
caseína, proteínas do soro e nitrogênio não protéico (NNP), constituindo
aproximadamente 77,9; 17,2 e 4,9%, respectivamente, no leite de vacas
(CERBULLIS & FARREL, 1975). Com freqüência, caseína e proteínas do soro são
expressas como proteína verdadeira, para diferenciar da fração de NNP do leite. A
maior proporção de NNP (48%) é uréia, que se difunde livremente dentro da
glândula mamária mantendo a concentração em equilíbrio com o plasma sanguíneo.
COPPOCK & WILKS (1991), em trabalho de revisão, propõem quatro
causas prováveis para a diminuição da proteína láctea. Uma, associada a redução
da proteína microbiana; outra, a uma disponibilidade restringida de glicose; uma
terceira, a resistência à insulina na glândula mamária, que diminui o transporte de
aminoácidos para a síntese protéica; e uma quarta, a reduzida liberação de
somatotropina da hipófise anterior reduzindo a captação de aminoácidos pela
glândula mamária.
Segundo GONZÁLEZ et al. (2000), o excesso de proteína da dieta,
especialmente nas formas degradável e solúvel, quando não completamente
utilizada pelos microrganismos do rúmen (convertida a proteína microbiana), é
absorvida pela parede ruminal para a corrente sanguínea. Este nitrogênio, na forma
de amônia, é convertido em uréia no fígado. A quantidade de amônia produzida e a
quantidade que escapa para conversão em uréia reflete diretamente o nível de
11
proteína
degradável
no
rúmen
quanto
a
disponibilidade
de
carboidratos
fermentecíveis para suportar o crescimento microbiano e a síntese protéica.
A lactose é o principal constituinte osmoticamente ativo do leite, sendo sintetizada a
partir da glicose produzida no fígado pelo aproveitamento do ácido propiônico absorvido no
rúmen e pela transformação de certos aminoácidos. Há grande unanimidade na literatura
em relação ao fato de que a lactose é o componente do leite menos afetado pela
alimentação (MÜLHBACH et al., 2000).
Outra conseqüência do balanço geral do consumo de alimentos é o aparecimento
da LINA (leite instável não ácido), este é um complexo de cujas causas ainda não estão
bem definidas, porém ZANELLA (2004) identificou durante restrição alimentar de 40% o
aumento de LINA, relacionado a subnutrição e acompanhados de perda da estabilidade da
caseína ao teste do álcool.
2.3 CCS E SEUS EFEITOS NOS CONSTITUINTES DO LEITE
A Contagem de Células Somáticas (CCS) refere-se à quantidade de células
presentes no leite, que podem ser do tipo epitelial ou de defesa. As células epiteliais
são oriundas da descamação normal do tecido de revestimento e secretor da
glândula mamária. As células de defesa são os glóbulos brancos do sangue
(leucócitos), que são mobilizados para a glândula mamária, logo após a entrada de
bactérias para dentro do úbere, na tentativa de eliminar estes patógenos ( HARMON,
1998).
O aumento da CCS no leite se dá, principalmente, em casos de presença de
mastite por haver passagem de leucócitos do sangue para a glândula mamária,
aliada a maior descamação do epitélio lesado, ou seja, o principal fator que
influencia a CCS é a infecção da glândula mamária (MACHADO et al., 2000).
12
Normalmente, a CCS de animais sadios se apresenta menor que 280.000
células/mL de leite, entretanto, quando há invasão do úbere por bactérias, ocorre
resposta inflamatória que causa grande aumento dessas células no leite (SANTOS,
2004; FERRÃO, 2002).
A mastite é uma doença complexa que resulta em redução na quantidade de
leite sintetizado e em mudanças nos níveis de componentes específicos do leite,
reduzindo sua qualidade (POLITIS e NG-KWAI-HANG, 1988a). A mastite determina
consideráveis prejuízos à indústria de laticínios, relacionados às alterações que
provova na composição do leite, reduzindo os teores de cálcio, lactose, caseína e
gordura, além de aumentar os níveis de íons de sódio, cloro e proteínas séricas
(KITCHEN, 1981; OLIVEIRA, FONSECA e GERMANO, 1999). As alterações de
composição do leite ocorrem em consequência à inflamação, que causa diminuição
na capacidade de síntese da glândula mamária e aumento da permeabilidade
vascular (KITCHEN, 1981; OLIVEIRA, FONSECA e GERMANO, 1999).
A composição do leite, cada vez mais, tem sido utilizada como uma
importante ferramenta para a garantia da qualidade do leite e, consequentemente,
desenvolvimento dos produtos lácteos. Alteração na composição do leite é suficiente
para reduzir o rendimento dos produtos lácteos e ocasionar redução na vida de
prateleira dos derivados (FERRÃO, 2002).
Os efeitos das células somáticas na composição do leite podem resultar na
alteração de síntese de seus componentes pela glândula mamária afetada e,
também, devido à ação de enzimas de origem das células somáticas que atuam
degradando, por exemplo, a caseína e gordura do leite mesmo após a ordenha. As
modificações na composição do leite em função da mastite vão depender da
severidade da infecção e do estágio da doença do animal. Mudanças mais
13
pronunciadas podem ser observadas nos casos clínicos em comparação aos casos
sub-clínicos da mastite (SANTOS, 2004).
A composição do leite pode variar de acordo com o manejo nutricional dos
animais, em função das espécies de mamíferos e, também, dentro das espécies, em
função das diferentes raças (HURLEY, 2002). Parte da gordura do leite é formada a
partir de precursores, ácido acético e butírico, produzidos no rúmen a partir dos
ácidos graxos com mais de 16 carbonos absorvidos no intestino ou mobilizados das
reservas corporais. Uma parte dos ácidos graxos do leite é sintetizada na glândula
mamária e outra parte significativa (35-75%) provém de ácidos graxos do sangue.
Aproximadamente 44% da gordura do leite provêm de triglicérides ingeridos pela
vaca, o restante provém de síntese endógena. A proteína do leite tem sua origem
nos aminoácidos absorvidos no intestino, provenientes por sua vez, em maior parte,
da proteína microbiana formada no rúmen e da proteína da dieta não degradada no
rúmen, disponível no intestino. Já a lactose é o açúcar do leite que é sintetizado a
partir da glicose produzida no fígado pelo aproveitamento do ácido propiônico
absorvido no rúmen e pela transformação de certos aminoácidos (GONZÁLEZ &
SILVA, 2003).
3 METODOLOGIA
Foram avaliados 5 rebanhos leiteiros da raça holandesa, localizados em
municípios pertencentes da microrregião de Frederico Westphalen, RS, com
produção média variando de 24-30 L/vaca/dia, considerados dentre os rebanhos da
microrregião como rebanhos de alta produção. A coleta das amostras e medição da
produção de leite (L/dia) foram feitas em 12 vacas em estágio inicial de lactação (até
14
100 dias pós-parto) por rebanho, escolhidas aleatoriamente. Realizou-se três coletas
com intervalos de duas semanas entre elas (GAONA, 2006), no período de agosto e
setembro de 2009.
As amostras de leite coletadas foram enviadas ao SARLE – UPF para a
análise dos seguintes constituintes: gordura, proteína, lactose, sólidos totais e
contagem de células somáticas. Para tal, as amostras foram acondicionadas em
frascos plásticos, com capacidade para 55 mL, contendo conservante (8g de
Bronopol
–
2-Bromo-2-Nitropropano-1,3-Diol
–
e
0,3g
de
natamicina
por
comprimido), etiquetados, refrigerados a temperatura inferior a 7ºC até o envio. O
método utilizado para coleta do leite dos animais foi mecânica, sendo individualizado
e de duas ordenhas consecutivas, manhã e tarde, sendo feita análise das duas
amostras coletadas por animal. A medição da produção de leite foi feita através de
medidor automático, acoplado a ordenhadeira canalizada.
Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância, seguidos do
Teste F e as médias comparadas pelo teste de Tukey ao nível de significância de
10%. As análises dos dados serão realizadas utilizando-se o pacote estatístico
SPSS (2001).
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 EFEITOS DA CCS NA COMPOSIÇÃO DO LEITE
Para melhor avaliação do efeito da contagem de células somáticas (CCS) as
amostras estudadas foram divididas em grupos de acordo com o valor encontrado
de CCS. Os resultados encontram-se descritos na Tabela 1.
15
TABELA 1. Variação dos teores de gordura, proteína, lactose e sólidos totais em
função da contagem de células somáticas.
Contagem de Célula Somática
Gordura
Proteína
Lactose
(%)
(%)
(%)
2,83a
4,56c
11,20a
n
(cél./mL)
ST (%)
< 250.000
194 2,86a
251.000 – 500.000
34
3,11a
2,95ab
4,41b
11,44a
501.000 – 750.000
16
3,15a
2,87a
4,36b
11,30a
> 750.000
68
3,05a
2,98b
4,21a
11,15a
r 0,137
0,000
0,000
0,479
a,b,c,d
-Valores com letras diferentes, diferem significativamente entre os tratamentos (P<0,05).
4.1.1 Proteína
O teor de proteína foi significativamente influenciado pela CCS, tendo o grupo
com maior teor de CCS também o maior teor de proteína. Os resultados
experimentais são conflitantes no que se refere aos efeitos de elevadas CCS no leite
sobre a concentração de proteína total do leite medida pela concentração de
nitrogênio total. Diversos autores relataram que o leite de vacas com altas CCS
apresenta maiores níveis de proteína total, quando comparado ao de vacas sadias
(BALBINOTTI e FISCHER, 2002; SOMERS et AL., 2003). WEAVER e KROGER
(1976) afirmam que a proteína total do leite aumenta com a CCS, assim como as
proteínas sérias.
De forma contrária, FEDRICK e ROGERS (1986) e VERDI et AL. (1987) não
identificaram diferenças entre os teores de proteína total de vacas com altas CCS e
16
vacas sadias. ROGERS et AL. (1989) e BUENO et AL. (2004) relataram redução no
teor de proteína total no leite de vacas com elevada CCS.
Segundo SCHULTZ (1977), os efeitos das mastites sobre a proteína do leite
são de natureza qualitativa, uma vez que os valores absolutos de proteína bruta não
sofrem alterações significativas. Assim, o leite proveniente de vacas com mastite
apresenta menor teor de caseína, que é a proteína nobre do leite, porém há
aumentos dos níveis de proteínas séricas, como soroalbuminas e imunoglobulinas.
BALLOU
et AL. (1995) observaram que a porcentagem
de caseína foi
significativamente maior quando o leite era proveniente de um grupo de vacas que
apresentava baixa CCS em relação a grupos de maiores contagens.
A alta CCS, segundo POLITIS e NG-KWAI-HANG (1988), tem profundo efeito
nas propriedades de coagulação do leite, uma vez que estas são intimamente
relacionadas à composição do mesmo.
4.1.2 Lactose
A lactose é o principal carboidrato no leite, é essencial para a produção de
derivados lácteos fermentados. A lactose e os íons solúveis (Na +, K+ e Cl-) são os
principais componentes responsáveis pela pressão osmótica do leite (FOX et al.,
2000).
Durante a mastite, a concentração de NaCl no leite aumenta, resultando em
aumento da pressão osmótica. Este aumento é compensado por meio de uma
redução no teor de lactose, havendo uma relação inversa entre a concentração de
NaCl e lactose no leite (FOX et al., 2000). Outros autores concordam que há uma
diminuição na concentração de lactose quando se trata de leite de vacas com alta
17
CCS (SOMERS et al., 2003; FERNANDES, OLIVEIRA e TAVOLARO, 2004;
LEITNER et al.,2006).
BUENO et al. (2004) observaram diminuição nos teores de lactose de 4,60%
para 4,36% com contagens menores que 200.000 cél./mL e maiores que 1.000.000
cél./mL, respectivamente. Nesse estudo pode-se uma diminuição significativa do
teor de lactose do leite em função do aumento da CCS, tendo valores médios de
4,56% para CCS abaixo de 250.000 cél./mL e 4,21% para CCS acima de 750.000
cél/mL.
4.1.3 Gordura
ASBY et al. (1977), analisando a contagem de células somáticas e a
composição do leite do tanque de 445 rebanhos por 2 anos, encontraram uma
tendência de queda da concentração de gordura à medida que aumentava a
contagem de células
somáticas. Entretanto,
apenas
4% da variação da
concentração de gordura do leite dos rebanhos foi creditada à variação na contagem
de células.
EL-DEEB e HASSAN (1987) reportaram menores teores de gordura no leite
de vacas com mastite. De acordo RANDOLPH e ERWIN (1974) e SCHULTZ (1977),
pode-se observar no leite com alta CCS menor concentração de gordura devido ao
fato de haver menor síntese de gordura pela glândula mamária. Entretanto, alguns
autores sugerem que a correlação entre a CCS e o percentual de gordura pode ser
negativa, positiva ou nula, dependendo do valor médio da CCS no leite dos
rebanhos (SCHULTZ, 1977; MUNRO, GRIEVE e KITCHEN, 1984).
18
Nesse estudo não houve diferença significativa no teor de gordura em função
da CCS, mas observa-se uma tendência de elevação desse teor com o aumento da
CCS, sendo que o valor mais baixo de gordura se dá no grupo das amostras com
CCS abaixo de 250.000 cél./mL. MARQUES, BALBINOTTI e FISCHER (2002)
observaram maiores concentrações de gordura de acordo com a elevação dos
níveis de CCS.
4.1.4 Sólidos Totais
Não houve influência significativa da CCS sobre os sólidos totais do leite, mas
também se observa uma tendência de diminuição desse frente ao aumento da CCS,
uma vez que o teor mais baixo de sólidos totais está no grupo com resultados mais
altos de CCS.
Esse resultado concorda com os relatados por KLEI et al. (1988) e
MARQUES, BALBINOTTI e FISCHER (2002) de que os sólitos totais não são
influenciados pelo aumento da CCS. Mas divergem dos resultados encontrados por
FERNANDES, OLIVEIRA e TAVOLARO (2004) que observaram uma correlação
negativa entre a CCS e a concentração de sólidos totais quando o nível de CCS
supera 1.000.000 de cél./mL.
4.2 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL ATRAVÉS DA COMPOSIÇÃO DO LEITE
Os resultados obtidos se encontram descritos nas tabelas 2,3 e 4. Pode-se
observar na Tabela 2 que todas as propriedades em pelo menos dois períodos de
coleta apresentam mais de 50% dos animais produzindo leite com teor de gordura e
19
de proteína abaixo de 3%. Segundo PERES JR (2001) se pode considerar “normal”
uma variação de cerca de 0,2 pontos percentuais para a gordura (3,4 a 3,8 para o
gado Holândes) e de 0,1 pontos percentuais para o teor de proteína (de 3,1 a 3,3
para gado Holandês), o que caracteriza um desequilíbrio nutricional, mesmo sendo
esses parâmetros de normalidade baseados no controle leiteiro norte-americano
para raça holandesa. Esse padrão de normalidade poderia ser discutido uma vez
que sabe-se que o melhoramento genético realizado no Brasil para a raça holandesa
favorece a produção de volume de leite, deixando de lado a concentração dos
sólidos. Entretanto, não há hoje uma referência do teor de gordura e proteína do
leite no Brasil, o que nos leva a avaliar nossos resultados baseados na referência
americana. Além desse fato, ocorre em todas as propriedades e em todos os
períodos, uma porcentagem significativa dos animais com inversão nos valores de
proteína e gordura.
A partir dessas informações conclui-se que nessas propriedades há um
desbalanço nutricional na dieta dos animais. Dentre as causas que podem ser
exploradas para se buscar a causa temos acidose ruminal, cetose na fase inicial da
lactação, insuficiência de fibra efetiva, manejo alimentar, baixa produção de proteína
microbiana, inadequado suporte de aminoácidos essenciais, etc.
20
Tabela 2 – Porcentagem (%) de amostras com teores abaixo de 3% de gordura e
3% de proteína e relação proteína/gordura menor que 1,0 das diferentes
propriedades nos diferentes períodos de coleta.
Tratamento Gordura <3% Proteína <3% Relação proteína/gordura >1,0
C1 C2
C3
C1
C2
C3
C1
C2
C3
1
58
54
52
89
79
65
47
42
39
2
21
54
78
52
59
91
26
41
61
3
59
36
53
47
57
88
59
36
47
4
63
38
50
74
71
60
58
28
45
5
26
52
60
96
96
95
15
43
75
TABELA 3. Teores médios de gordura (%), proteína (%), lactose (%), sólidos totais
(%) e produção de leite das cinco propriedades nos 3 períodos de coleta.
Gordura (%)
Proteína (%)
Lactose (%)
Sólidos Totais (%)
Produção L/ordenha
Propriedade
1
2
3
1
2
3
1
2
3
1
2
3
1
2
3
1
3,00
2,99
2,99
2,80
2,84
2,92
4,52
4,39
4,43
11,26
11,14
11,27
15,40
16,39
14,70
2
3,45
3,05
2,88
3,00
2,98
2,82
4,43
4,43
4,42
11,82
11,40
10,86
11,82
11,40
10,86
3
2,57
2,88
3,14
3,18
2,94
2,85
4,20
4,33
4,27
10,76
11,07
10,62
10,76
11,07
10,62
4
2,31
3,14
2,81
2,83
2,88
2,91
4,53
4,62
4,57
10,58
11,60
11,39
10,58
11,60
11,39
5
3,31
2,92
2,97
2,70
2,80
2,82
4,41
4,62
4,58
11,34
11,28
11,47
11,34
11,28
11,47
21
TABELA 4. Comparação entre médias de gordura, proteína, sólidos totais, lactose e
produção de leite em relação as diferentes tratamentos (propriedades).
Produção
Propriedade Gordura
Proteína
Sólidos Totais
Lactose
L/ordenha
%
1
2,99
2,86ab
11,22ab
4,44b
15,51c
2
3,06
2,93b
11,36b
4,43b
12,70b
3
2,70
2,99c
10,80a
4,26a
9,18a
4
2,76
2,87ab
11,21ab
4,58c
16,08c
5
3,08
2,77a
11,36b
4,53c
21,04d
4.2.1 Fatores que afetam o teor de gordura do leite
A gordura é o componente do leite de ruminantes mais influenciado pela dieta
(SUTTON 1989 laerte p.36) principalmente por redução no seu conteúdo. Um dos
principais exemplos desta influência foram dados por DAVIS & BROWN (1970), os
quais caracterizaram como síndrome de baixa gordura no leite, atualmente referida
como depressão da gordura do leite (DGL), situações em que dietas reduziram
marcadamente o conteúdo e a produção de gordura no leite, bem como, alteravam a
composição de seus ácidos graxos.
As exigências de fibra em detergente neutro e fibra efetiva são dadas em
parte pela necessidade em manter a gordura no leite normal (ERDMAN, 1988).
Vários fatores são responsáveis pela redução no teor de gordura no leite, tais como
altos níveis de concentrados, volumosos finamente picados e dietas com
quantidades elevadas de ácidos graxos insaturados como é o caso de óleos
22
vegetais e de pescado. Sob condições extremas, a concentração de gordura no leite
pode ser reduzida em até 50-60% (NRC, 2001).
Reduções na concentração de gordura no leite, de acordo com revisão
efetuada por BAUMAN & GRIINARI (200), foi primeiramente identificada, quando
Boussigault forneceu beterraba na dieta de vacas em lactação. Durante os últimos
cinqüenta anos, várias pesquisas foram realizadas sobre a depressão da gordura no
leite, muitas direcionadas ao entendimento de causas dietéticas, para fornecer
recomendações práticas aos produtores para minimizarem esta ocorrência
(SUTTON, 1989; ERDMANN, 1988; PALMIQUIST et al., 1993). As dietas que
causam DGL podem ser divididas em dois grupos (DAVIS & BROWN, 1970). U m
grupo com excessiva quantidade de carboidratos rapidamente fermentáveis e
reduzida quantidade de carboidratos fibrosos; situação mais freqüente em dietas
com alta proporção de alimentos concentrados (grãos e subprodutos) e baixa
quantidade de volumoso (AC/BV). Porém, mesmo dietas com conteúdo adequado
de volumoso mas se estes forem finamente picados ou peletados também se
enquadram neste grupo, porque este processamento reduz a efetividade da fibra em
manter normal o funcionamento ruminal.
O segundo grupo de dietas que induz a DGL é representada por suplementos
contendo altas quantidades de gordura insaturada (óleos vegetais e de peixe. A DGL
pode ocorrer por inclusão de óleos a dieta, mas também quando a dieta é
suplementada com semente de oleaginosas ou de farelos contendo ácidos gracos
poliisaturados (BAUMAN & GRIINARI, 2001).
23
4.2.2 Fatores que afetam o teor de proteína do leite
COPPOCK & WILKS (1991), em trabalho de revisão, propõem quatro causas
prováveis para a diminuição da proteína láctea. Uma, associada a redução da
proteína microbiana; outra, a uma disponibilidade restringida de glicose; uma
terceira, a resistência à insulina na glândula mamária, que diminui o transporte de
aminoácidos para a síntese protéica; e uma quarta, a reduzida liberação de
somatotropina da hipófise anterior reduzindo a captação de aminoácidos pela
glândula mamária.
Os aminoácidos considerados mais limitantes para a produção de leite são a
lisina e a metionina. A lisina é provavelmente mais limitante em dietas à base de
milho (silagem) e seus derivados (farelos e subprodutos), enquanto que em dietas à
base de alfafa, pouco comuns em nosso meio, a metionina tende a ser o aminoácido
mais limitante. Em ruminantes é muito difícil a manipulação das quantidades dos
diferentes aminoácidos que chegam ao intestino para absorção porque os alimentos
sofrem fermentação no rúmen e grande parte da proteína metabolizada pela vaca é
de origem microbiana (60 a 75%). Esta proteína parece ser a que mais se aproxima,
em termos de perfil de aminoácidos, dos requerimentos para produção de leite
(PERES JR, 2001).
24
5 CONCLUSÃO
As cinco propriedades estudadas apresentavam desbalanço nutricional,
caracterizado por depressão no teor de gordura e proteína do leite e inversão na
relação proteína/gordura.
A avaliação do balanço nutricional em vacas de leite pode ser realizada
através da análise da composição química do leite, facilitando e agilizando o estudo.
A mastite altera de forma significativa a composição química e a qualidade do
leite, principalmente no que se refere ao teor de lactose e proteína.
25
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