Indicadores Utilizados por Psicólogos de Orientação Psicanalítica para Avaliação de
Crianças através da Entrevista Lúdica1
Natália Debarba2
Jefferson Silva Krug3
Faculdades Integradas de Taquara - FACCAT
RESUMO:
A avaliação psicológica infantil tem por um de seus objetivos fornecer ao psicólogo
informações para análise e planejamento psicoterápico. Entre os diferentes instrumentos de
avaliação infantil, encontramos a entrevista lúdica. Também chamada de hora do jogo
diagnóstica, esta técnica de coleta de dados inclui atividades lúdicas utilizadas pelo psicólogo
durante o processo de avaliação com objetivo de conhecer a criança para depois conceituar a
realidade que ela traz. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi conhecer os indicadores
utilizados por psicólogos de orientação psicanalítica para avaliar crianças através da entrevista
lúdica. Foram investigadas quatro psicólogas através de uma entrevista semiestruturada. Desta
pesquisa resultaram seis categorias de análise que nortearam o levantamento dos resultados.
Discutem-se os autores que embasam a prática da entrevista lúdica, as técnicas utilizadas, os
indicadores de análise, os conhecimentos e condições necessárias, assim como os materiais
utilizados.
Palavras Chaves: Avaliação Psicológica. Entrevista Lúdica. Psicanálise.
INTRODUÇÃO
A psicoterapia pode ser definida como um tratamento que busca ajudar pessoas
perturbadas a modificarem seus pensamentos, comportamentos e suas emoções (ATKINSON,
2002). É na psicoterapia que juntos, paciente e terapeuta, conseguem desenvolver uma
melhora através dos métodos e técnicas de acordo com a necessidade de cada paciente.
O processo psicoterápico contempla a avaliação psicológica como uma estratégia com
objetivo de fornecer ao profissional informação para análise do caso que o paciente traz. Para
a avaliação de crianças, por exemplo, os psicólogos podem utilizar diferentes técnicas, entre
elas a hora do jogo diagnóstica, conceituada como uma atividade lúdica que o psicólogo
utiliza dentro do processo de avaliação psicológica (EFRON et al., 2009).
Encontram-se, na literatura, relatos sobre dificuldades que médicos e psicólogos
enfrentam para compreender a hora do jogo diagnóstica, além de dificuldades para
1
Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de Trabalho de Conclusão II.
Acadêmica do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara.
3
Psicólogo, Mestre em Psicologia Clínica, Doutorando em Psicologia, Professor e Coordenador do Curso de
Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara. Orientador do Trabalho.
2
1
sistematizar os caminhos pelos quais haviam chegado a determinadas conclusões
(KORNBLIT, 2009). Araújo (2007) também relata que a avaliação psicológica da criança
durante a hora do jogo diagnóstica é complicada porque não é um processo estruturado e
depende da capacidade de interpretação, observação, bem como da experiência do psicólogo.
Além da necessidade observada na literatura, ao entrar em contato com a prática
profissional durante o estágio em andamento, a pesquisadora responsável por este estudo
vivenciou dificuldades em interpretar o material colhido. A partir disso, a pesquisadora
acredita ser necessário um estudo que auxilie nos atendimentos com crianças realizados em
estágio. Assim, uma pesquisa neste contexto tende a buscar a melhora do serviço oferecido a
partir de uma interpretação mais adequada do material apresentado pelas crianças durante os
atendimentos.
Levantada a importância desta pesquisa, busca-se como objetivo identificar os
indicadores que psicólogos de orientação psicanalítica utilizam para avaliação de crianças
através da entrevista lúdica.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Entrevista lúdica com a criança
Uma das formas mais conhecidas de realizar a entrevista com crianças é através do uso
de materiais lúdicos como brinquedos, desenhos, etc. Freud (1969) destaca que as crianças
brincam para fazer alguma coisa que na realidade fizeram com elas. Através do brinquedo
elas conseguiriam elaborar eventos traumáticos. O brinquedo ainda possibilitaria a realização
do desejo dominante para sua faixa etária, relacionando-se com o real, recriando a realidade.
Ainda, o brinquedo seria um elo que possibilitaria ligar o mundo externo e o interno, a
realidade objetiva e a fantasia, sendo um meio de comunicação da criança (WERLANG,
2000).
Essa abordagem psicanalítica com crianças teve início com Freud no caso clínico do
Pequeno Hans em 1909. Freud nos forneceu o primeiro modelo de análise infantil que
possibilitou o acesso à linguagem paraverbal de uma criança, ao desenho, aos sonhos e às
fantasias (FERRO, 1995). Com este caso, Freud compreendeu as neuroses infantis e seu papel
na organização da neurose dos adultos (WERLANG, 2000).
Ferro (1995) nos diz que depois de Freud, Hug-Hellmuth dedicou-se a analisar
crianças, mas não deixou uma sistematização do seu trabalho por meio do jogo. Ela afirmava
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que a criança não tinha seu ego totalmente desenvolvido para suportar o peso de uma
interpretação psicanalítica (WERLANG, 2000). Sophie Morgenstern também teve sua
colaboração na análise infantil e fundamentou o uso do desenho em um menino que sofria de
mutismo (FERRO, 1995).
Anna Freud e Melanie Klein publicaram os primeiros dois livros de técnica que
auxiliaram na sistematização da análise infantil. Anna Freud afirmava que a criança precisaria
de um período de preparação à análise e enfatiza a interpretação dos sonhos, as fantasias
diurnas e os desenhos, porém limitava-se a utilizar os jogos durante a sessão (FERRO, 1995).
Ela ainda afirmava que a criança não tinha capacidade de estabelecer transferência, pois ainda
estaria sob a influência dos pais (ZAVASCHI et al., 2005).
Mas é Melanie Klein que revoluciona o modelo de análise infantil (FERRO, 1995).
Foi uma das pioneiras em utilizar o jogo como técnica psicanalítica. Ela sugere que o jogo é a
via regia do inconsciente, como o sonho é no adulto. Assim, brincar é a linguagem da criança,
que facilita a expressão de diversos conteúdos psicológicos. Mesmo quando a palavra já
estiver sido incorporada pela criança, a linguagem lúdica ainda se manteria mais expressiva
(ARZENO, 1995).
Ferro (1995) comenta que Melanie Klein entendia que era possível uma análise
infantil com a introdução do material do jogo e a intuição da contínua atividade de
personificação desenvolvida pela criança utilizando brinquedos na sessão, atividade
semelhante às associações livres dos adultos. Klein referia-se diferentemente de Ana Freud,
que analisando a transferência poderia ter acesso aos desejos e fantasias inconscientes do
paciente (ZAVASCHI et al., 2005).
Na entrevista lúdica oferece-se à criança a oportunidade de brincar, como queira, com
todo material disponível, ressaltando sobre o espaço e tempo que terá, sobre o papel de cada
um e também quanto aos objetivos dessa atividade que facilitará ao psicólogo o conhecimento
acerca da criança para poder ajudá-la mais tarde (WERLANG, 2000). Assim, a entrevista
lúdica com a criança refere-se à primeira entrevista que o psicólogo faz com o adulto
(ARZENO, 1995). Através da observação do comportamento da criança é possível identificar
a ansiedade, as defesas mobilizadas e os impulsos subjacentes (ZAVASCHI et al., 2005). Na
entrevista lúdica se estabelece um vínculo transferencial breve com a criança, com objetivo de
conhecer e compreender o infante (EFRON et al. 2009).
A entrevista lúdica é realizada numa sala com paredes laváveis e a mobília fica
disponível à criança. Aberastury (1982) propõe que sob uma mesa baixa colocam-se os
brinquedos, como: cubos, locomotivas, carrinhos, automóveis, caminhões, tesouras, papel,
3
lápis, borrachas. Arzeno (1995) também sugere brinquedos como: xícaras, pires, índios,
soldados, animais domésticos e selvagens. Ampessan (2005) comenta que os brinquedos
utilizados com as crianças sejam objetos que permitam as crianças pensar, que sejam capazes
de expressar fantasias a serem analisadas.
Chazaud (1977) propõe que o material oferecido à criança seja o menos estruturado
possível, o mais indiferente, pois ressalta que a criança que tem uma forte tendência à
exteriorização, buscará nos materiais disponíveis liberar sua vida interior. E quanto mais
impreciso [grifo do autor] for o material, mais pessoal (“projeção”) e menos intencional ou
banalizado será o “propósito” do jogo, o que facilita o acesso mais real à fantasia.
1.2 Indicadores de análise da entrevista lúdica
Nas últimas décadas, autores que trabalham com avaliação de crianças têm buscado
descrever os critérios utilizados para analisar o brincar infantil. A utilização e observação
sistemática da entrevista lúdica realizaram-se pela primeira vez na Argentina, por Arminda
Aberastury. Chamando a entrevista com a criança de Hora do Jogo Diagnóstica, Aberastury
(1982) descreve uma técnica utilizada com crianças equivalente à entrevista inicial feita com
adultos. Efron et al. (2009) consideram a hora do jogo um recurso técnico que o psicólogo
utiliza dentro do processo de avaliação com objetivo de conhecer a realidade da criança.
Em seus estudos, Aberastury (1982) constatou que desde a primeira sessão, sendo
análise ou mesmo numa observação diagnóstica, a criança já traz, através da técnica do jogo,
a fantasia inconsciente de doença e de cura. Araújo (2007), em seu estudo, baseado em
Aberastury, refere que a criança estrutura, através do brinquedo, a representação de seus
conflitos básicos, fantasias e defesas.
Ao longo da entrevista lúdica um mesmo brinquedo ou jogo adquire diferentes
significados, baseado em todo o contexto, assim se interpreta uma brincadeira levando em
consideração a situação analítica global (ABERASTURY, 1982). Arzeno (1995) considera
então que tudo que acontecer durante a entrevista lúdica se tornará significativo para a
interpretação.
Baranger (1956) destaca que a fantasia de análise surge como um outro critério a ser
analisado durante a entrevista lúdica. Assim a criança expressa sobre aquilo que está lhe
fazendo mal, aquilo que poderia melhorar e ainda sobre o que o terapeuta irá fazer a ela ou o
que ela quer ou teme que ele faça.
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Aberastury (1982) refere também o conteúdo das brincadeiras, o modo como brinca,
os meios que utiliza, as mudanças em suas brincadeiras, fatos estes que têm algum sentido e
que se devem interpretar como num sonho. Com os brinquedos, as crianças expressam o
mesmo que em um sonho, na brincadeira observa-se que a criança fala enquanto brinca, então
suas palavras têm o valor de associações.
Zavaschi et al., (2005) procuram entender ou decodificar as atitudes inicias, porque o
início é repleto de ansiedades paranóides, quando observadas devem ser compreendidas no
contexto de ansiedades transferenciais negativas. Ainda nos falam que ao final das primeiras
entrevistas o avaliador deve ter uma noção do estado mental da criança, de seus conflitos,
mecanismos de defesas e recursos saudáveis do ego que servem para lidar com as situações
que vivenciará.
Simmons (1975 apud Zavaschi et al., 2005, p.724), nos lista alguns critérios que julga
importante para a interpretação da entrevista com a criança, são eles:
aparência, temperamento, afeto, orientação e percepção, mecanismos de defesa,
integração neuromuscular, processos de pensamento e verbalizações, fantasias,
desenhos, desejos e brincadeiras, superego (ideais e valores do ego, integração da
personalidade), autoconceito (relações com o objeto, identificação), capacidade de
insight e estimativa do coeficiente de inteligência.
Ocampo e Arzeno (2009) chamam atenção para outros indicadores de análise. Para as
autoras, o tipo de vínculo que o paciente estabelece com o psicólogo, a transferência e a
contratransferência, a classe de vínculo que estabelece com os outros e suas relações
interpessoais devem ser avaliadas pelo profissional que entrevista os infantes. Além destes,
devem ser observadas as ansiedades predominantes, as condutas defensivas utilizadas
habitualmente, os aspectos patológicos e adaptativos, o diagnóstico e o prognóstico.
Efron et al. (2009) referem oito indicadores da entrevista lúdica, que auxiliam o
psicólogo a analisar e interpretar a entrevista. Essa proposta não significa que não há outros
critérios a serem considerados, mas serve como um guia auxiliar do psicólogo. Eles procuram
analisar: a escolha do brinquedo e de brincadeiras, a modalidade de brincadeiras indica a
forma em que o ego manifesta a função simbólica que estrutura o seu brincar. Além destes
indicadores eles dão importância à personificação que indica a capacidade de assumir a
atribuir papéis de forma dramática; a motricidade surge como outro indicador que permite
analisar a adequação da criança à etapa evolutiva que atravessa; a criatividade é outro critério
que exige um ego plástico capaz de abertura para experiências novas. A tolerância à
frustração, outro indicador importante que o psicólogo investiga, a possibilidade de aceitar as
instruções com as limitações que são impostas. Já, outro indicador se refere à capacidade
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simbólica que se expressa no brincar, que nos dá acesso às fantasias inconscientes; e por fim a
adequação à realidade que nos permite avaliar o desprender da mãe no primeiro encontro com
o psicólogo e atuar de acordo com sua idade cronológica.
Kornblit (2009) através da perspectiva fenomenológica identificou nove indicadores
de análise da entrevista lúdica: o número total de unidades de jogo; o ritmo das seqüências; o
número total de subsistemas dentro do sistema total da entrevista lúdica; o grau de ansiedade;
a perseverança nas unidades de jogo; o momento de maior dramaticidade, o clímax; a
possibilidade de a criança utilizar elementos figurativos e não figurativos; a quantidade de
material empregada pela criança e quantidade de elementos que utiliza em cada unidade de
jogo.
Em um estudo atual, Krug e Seminotti (2010) identificaram alguns critérios possíveis
para utilizar na interpretação da entrevista lúdica. Os sete critérios seriam as manifestações de
desejos dos infantes, as formas de organização, a natureza das interações, os sentimentos
expressos, as modalidades defensivas, a natureza das angústias e as identificações operadas.
Durante o jogo, a criança traduz a evolução da fantasia, que traduz a evolução da
“relação de Objeto”, ela atualiza suas imaginações conscientes, sexuais e agressivas, seus
desejos e suas experiências vividas. Assim Chazaud (1977) nos propõe que o modo de jogar,
a distribuição de papéis e as mudanças no jogo podem traduzir o conteúdo manifesto, que
possibilita as associações. Observando como a criança joga, ao nível do tema, da forma e do
conteúdo, mas também ao nível de seu estilo, tempo, estabilidade, continuidade, o analista
consegue ter uma visão de como a criança o verá durante a sessão, que dirá se excluirá sua
presença ou não. Ele ainda destaca que a análise da criança visa a ser, analisando as defesas,
uma análise do Ego. Baseado nesta análise se conseguirá acesso à fantasia fundamental.
Winnicott (1975) destaca que o psicólogo interessa-se pelos próprios processos de
crescimento da criança e pela remoção dos bloqueios ao desenvolvimento que podem ser
evidenciados durante o crescimento da criança em questão. Ele ainda refere que durante a
brincadeira, a criança se comunica criativamente na continuidade espaço e tempo e diz que o
momento significativo é aquele em que a criança se surpreende a si mesma [grifo do autor].
Observa-se, portanto, uma grande variedade de critérios de análise da entrevista
lúdica. A partir destes aportes teóricos, buscou-se conhecer os indicadores utilizados por
profissionais de orientação psicanalítica para avaliar o brincar infantil. Então, diante da
pesquisa encontrou-se uma lista de indicadores que podem auxiliar o psicólogo a interpretar
melhor a entrevista lúdica, de acordo com a dificuldade encontrada em uma estruturação da
mesma. Diante disso podemos considerar estes indicadores, como um guia aos psicólogos
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para “entrar” mais a fundo na realidade da criança, buscando prever possíveis diagnósticos
equivocados a fim de promover o bem estar da criança em questão.
Cabe destacar que são apenas indicadores pesquisados a fim de tentar estruturar
melhor. Não significa que não há outros indicadores possíveis de se utilizar. Ressalta-se ainda
a importância da aplicação dos indicadores em trabalhos posteriores.
2 METODOLOGIA
Este estudo seguiu uma proposta de um delineamento qualitativo de pesquisa, de
cunho exploratório. Para tal, envolveu levantamento teórico e entrevistas com pessoas que
tiveram experiências práticas com o problema pesquisado (GIL, 2009).
2.1 Participantes
Participaram da pesquisa quatro psicólogas, com formação em Psicanálise ou
psicoterapia de orientação psicanalítica, que realizam atendimentos de avaliação psicológica
com crianças há, no mínimo, cinco anos. A escolha dos participantes foi feita através da
indicação de profissionais conhecidos pelos responsáveis por este estudo ou por indicação dos
próprios centros de formação.
2.2 Instrumentos para coleta de dados
Para a realização da pesquisa foi feita uma entrevista semiestruturada com os
profissionais. Esta entrevista foi guiada por uma relação de aspectos de interesse que o
entrevistador explorou durante a entrevista (GIL, 2009).
2.3 Procedimento para a coleta de dados
Antes da coleta dos dados, o projeto foi enviado ao Comitê de Ética das Faculdades
Integradas de Taquara (FACCAT) para avaliação. Aprovada a pesquisa, contataram-se as
instituições ou fontes que indicaram os potenciais sujeitos desta pesquisa. O contato inicial foi
feito através de ligação telefônica, assim foi marcado um horário para apresentação dos
objetivos da pesquisa ao potencial participante para posterior leitura do Termo de
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Consentimento Livre e Esclarecido. A entrevista foi gravada e transcrita para posterior
análise.
2.4 Procedimento para análise dos dados
A análise dos dados foi feita através da Análise de Conteúdo de Bardin (1977), cujo
objetivo é compreender o sentido das comunicações e suas significações explícitas e/ou
ocultas. A técnica de análise categorial permitiu ao pesquisador desmembrar o texto em
categorias, segundo reagrupamentos analógicos, ou seja, na análise categorial o texto foi
desmembrado em unidades (que são as categorias), cada qual reunindo um grupo de
elementos com características em comum.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Após a análise dos dados, construíram-se categorias de respostas a partir das
entrevistas com as profissionais, possibilitando, assim, a descrição da prática dos profissionais
de orientação psicanalítica na avaliação de crianças. No presente estudo, seis categorias de
análise foram criadas, sendo descritas e analisadas uma a uma.
Tabela 1: Categoria Autores que embasam a prática de avaliação psicológica de
crianças.
Categoria Principal
Cat A
Autores que embasam a prática de
Avaliação Psicológica de crianças
Categorias Intermediárias
Cat A.1 – Autores Clássicos
Cat A.2 – Autores da Segunda Geração
Cat A.3 – Autores Contemporâneos
A primeira categoria construída se refere aos autores (Cat A) que as participantes se
embasam para realizar avaliação psicológica com crianças, apresentada no Tabela 1. Estes
referiram como fonte de estudo autores clássicos (Cat A.1) como Sigmund Freud, Melanie
Klein e Anna Freud. Além destes, foram citados também autores da Segunda Geração (Cat
A.2) como Donald Winnicott, Arminda Aberastury, Antonino Ferro e Françoise Dolto. Por
fim, as participantes referiram o termo autores contemporâneos (Cat A.3), embora não
tenham especificado quais autores fariam parte deste grupo.
Segundo a literatura psicanalítica, a psicanálise com crianças teve início com Freud no
caso clínico do Pequeno Hans em 1909, fornecendo o primeiro modelo de análise infantil. Ela
possibilitou o acesso à linguagem paraverbal de uma criança, ao desenho, aos sonhos e às
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fantasias (FERRO, 1995). Com este caso, Freud compreendeu as neuroses infantis e seu papel
na organização da neurose dos adultos (WERLANG, 2000). Essa constatação foi citada pelas
participantes da pesquisa, que indicam como modelo de referência principal Sigmund Freud.
Essa informação pode ser observada no trecho de uma das entrevistas:
“(...) eu acho que pra quem atende criança, Freud é a base...”
Além de Freud, as participantes citaram outros autores, como Melanie Klein e
Arminda Aberastury. As entrevistadas lembraram as contribuições teóricas de Melanie Klein,
quanto ao jogo e à técnica, e Arminda Aberastury, através dos conceitos de fantasia de doença
e de cura. As frases abaixo exemplificam esta categoria:
“(...) pra mim, hoje, Melanie tem que ler sempre...”
“(...) Melanie Klein e Arminda Aberastury trazem bastante coisas atuais...”
“(...)a maneira como a criança expressa a fantasia que ela tem do problema, que jeito ela conta isso, de
que forma traz a expectativa e a fantasia de poder ser ajudada...”
Sabe-se que Melanie Klein revolucionou o modelo de análise infantil (FERRO, 1995).
Foi uma das pioneiras em utilizar o jogo como técnica psicanalítica. Aberastury (1982), por
exemplo, destaca que sua técnica teve suas raízes com Melanie Klein, porém sua experiência
permitiu fazer modificações. Por essas razões, criou-se a categoria autores da segunda
geração (Cat A2). Além de Aberastury, também foi citado Winnicott como autor de destaque
para avaliação com criança, como podemos observar neste trecho de uma das entrevistas:
“(...) comecei a ler e estudar Winincot e aí realmente ampliou minha prática e minha compreensão do
brincar...”
A colaboração deste autor para a área infantil foi essencial. Ele afirmou que no
brincar o paciente manifesta sua criatividade, e que o brincar facilita o crescimento podendo
ser uma forma de comunicação na psicoterapia (WINNICOTT, 1975).
Por Antonino Ferro podemos contar com sua contribuição quando ele destaca que
diante de qualquer acontecimento estranho e repetitivo, ele jamais deixa de se perguntar sobre
seu funcionamento mental e que tipo de influência isto poderia interferir no campo
(ZIMERMANN, 1999). Françoise Dolto, outra autora classificada como contemporânea,
afirmava que o terapeuta deveria praticar uma escuta capaz de traduzir a linguagem infantil
(ROUDINESCO, 1998).
Por fim, foi citada a expressão autores contemporâneos (Cat A3), não havendo
especificação quanto a seus nomes. Eles teriam o papel de dar auxílio a uma demanda
específica que não conseguem dar conta somente com os autores acima, como podemos
observar:
“(...) a gente vai buscando nos autores contemporâneos aqueles que vão dando conta dessas situações...”
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A segunda categoria principal construída neste estudo faz referência às técnicas
utilizadas na avaliação psicológica de criança (Cat B) pelos participantes (Tabela 2).
Tabela 2: Técnicas utilizadas na Avaliação Psicológica de crianças
Categoria principal
Cat B
Técnicas utilizadas na
Avaliação Psicológica de crianças
Categorias intermediárias
Cat B.1 – Rapport
Cat B.2 – Associação livre
Cat B.3 – Brinquedo
Cat B.4 – Desenho
Cat B.5 – Jogos
Cat B.6 – Caixa individual
Cat B.7 – Observação
Cat B.8 – Ouvir
Cat B.9 – Anotação
Cat B.10 – Jogo do Rabisco
Cat B.11 – Transferência
Cat B.12 – Contratransferência
Cat B.13 – Evolução da técnica
As técnicas citadas servem de base para conduzir a entrevista lúdica num processo de
avaliação de crianças. Entre as técnicas utilizadas pelos participantes está a necessidade de
realização de um rapport (Cat B.1) que inclua as instruções iniciais, a apresentação dos
brinquedos, a liberdade de escolha de atividades, o sigilo, bem como o convite à criança para
brincar livremente. Essas características do rapport podem ser observadas nas seguintes
passagens:
“ (...) aí eu mostro os brinquedos que tem...”
“ (...) o combinado é que é sigiloso, que tudo que a gente conversa fica só entre nós, e a caixa individual
não é mostrada, nem desenho, nada que é feito dentro da hora da sessão, é sigiloso...”
“Eu digo pra criança que ela pode fazer o que ela quiser e se ela quiser me incluir, ela me inclui, ela me
convida pra brincar ou não, ou eu fico observando. E então acontece a sessão.”
A literatura pesquisada afirma que na entrevista lúdica a criança tem a oportunidade de
brincar, como queira, com todo material disponível, ressaltando sobre o espaço e tempo que
terá, sobre o papel de cada um e também quanto aos objetivos dessa atividade que facilitará ao
psicólogo o conhecimento acerca da criança para poder ajudá-la mais tarde (WERLANG,
2000). A condução deste rapport possibilita a criação de um campo que será estruturado,
basicamente, em função das variáveis internas da personalidade da criança em questão
(EFRON et al., 2009).
Dentro deste contexto de rapport as participantes citam a associação livre (Cat B.2)
como uma técnica utilizada na entrevista lúdica:
“Na entrevista lúdica, nós priorizamos a regra básica da psicanálise, que é a associação livre”.
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Neste sentido, Anna Freud (1982) afirma que as crianças podem contar seus sonhos e
divagações, porém sem a associação livre não existe caminho idôneo do conteúdo manifesto.
Ainda fala que podem comunicar-se verbalmente, mas sem a associação livre não é possível
alcançar além dos limites da mente consciente.
Os participantes do estudo utilizam brinquedos (Cat B.3), desenhos (Cat B.4), jogos
(Cat B.5) como técnica para avaliar crianças. Esses instrumentos são usados como linguagem
de acesso à criança, permitindo a comunicação entre terapeuta e paciente, como podemos
observar nas seguintes passagens:
“(...) a gente trabalha com a idéia de que o brinquedo é uma forma de comunicação que a criança está
expressando alguma coisa do inconsciente quando ela joga, quando ela brinca...”
“(...) porque o brinquedo é pra criança como os sonhos são para o adulto em análise...”
“(...) essa criança vai me contar, e ela vai contar no jogo, nos brinquedos, nos desenhos...”
Efron et al. (2009) afirmam que brincando a criança vai expressar seus conflitos,
angústias, fantasias e capacidade simbólica. Desta forma, o terapeuta poderá observar o nível
de desenvolvimento emocional e cognitivo. Na atividade lúdica, o brinquedo oferecido à
criança expressa o que ela está vivenciando no momento. Para Arfouilloux (1988), o desenho
tem uma função de expressão e comunicação que pode ser comparado à linguagem. Isso
permite identificar códigos no próprio desenho.
Além das técnicas referidas, os participantes utilizam a caixa individual (Cat B.6),
proposta por Arminda Aberastury, como forma de expressão do inconsciente da criança e
como uma maneira de estabelecer o contrato de sigilo. Isso pode ser observado nas seguintes
passagens das entrevistas:
“A gente trabalha principalmente com a caixa de brinquedos...”
“(...) essa caixa é só da criança...”
“(...) ela sabe que essa caixa quem tem acesso é ela e eu.”
A caixa individual, segundo Aberastury (1982), é o símbolo do segredo profissional.
Isso se equivale à promessa verbal de sigilo feita com o adulto, desde o início do tratamento
psicanalítico, assim como na avaliação.
Os participantes também citaram como técnica a necessidade de observação (Cat B.7)
de tudo o que acontece na sessão, a necessidade também de saber ouvir (Cat B.8) todo o
conteúdo que a criança traz naquele momento. Sugerem, ainda, fazer anotações (Cat B.9) ao
final das sessões, como segue nestes trechos:
“(...) e nosso instrumento de pesquisa é a observação, isso tem que estar todo tempo no campo.”
“É a escuta, tu fica de olhos arregalados, ouvidos bem abertos...”
“(...) termina a sessão tu tem que anotar, se não anota tu perde a riqueza daquilo”
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Meira (2009) comenta que um bom profissional deve ter um olhar psicanalítico
voltado para a comunicação não verbal, permitindo também uma posição de escuta aberta e
receptiva. Freud também falava da atenção flutuante, não de maneira passiva, mas como
sendo um processo em que uma sintonia afetiva, intuitiva e cognitiva, se faça presente, desde
que a mente do psicólogo não esteja saturada de pré conceitos (ZIMERMAM, 1999).
Arfouilloux (1988) destaca que, além de escutar e ouvir a criança, precisamos observá-la,
sabendo que também estamos sendo observados por ela.
Outra técnica que os participantes relataram utilizar foi o Jogo do Rabisco (Cat B.10)
proposto por Winnicott. Este jogo serviria como um fator para a criança diminuir a ansiedade
na sessão e tornar-se mais espontânea, facilitando a comunicação entre paciente e terapeuta,
como sugerem os participantes nestas passagens:
“o jogo do rabisco, é um recurso importante conhecer, mais profundamente, qual é o objetivo, como
utilizar...”
“Às vezes eu uso o jogo do rabisco também, do Winnicott, para ajudar a criança a se soltar, ficar mais
espontânea.”
Segundo Araújo (2007), o jogo do rabisco permite facilitar a comunicação de aspectos
profundos do psiquismo, é aceito muito bem pelas crianças. Desta forma, livremente, paciente
e terapeuta desenham dando a impressão de que a criança não está sendo avaliada.
A transferência (Cat B.11) e a contratransferência (Cat B.12) são citadas como
técnicas importantes na avaliação com criança. Elas se dariam com o terapeuta e com os
brinquedos, como segue abaixo nas passagens das entrevistas:
“da análise da transferência e da contratransferência...”
“Então a transferência se dá pela personificação, pelas narrativas, as narrativas e as transferências das
sessões elas vão se dar via esses personagens que vão rolar na sessão”.
Melanie Klein (1981 apud Stürmer e Castro, 2009) afirmava que a capacidade de
transferir existe desde muito cedo na criança, se estabelecendo de forma rápida e espontânea.
Segundo Efron et al. (2009), a transferência adquire características particulares que
respondem em ambos aspectos, a brevidade do vínculo e ao fato de que o meio de
comunicação sejam os brinquedos oferecidos. Já quanto à contratransferência, as autoras
comentam que esta pode ajudar na compreensão da criança, integrada conscientemente pelo
psicólogo, que deverá identificar suas próprias motivações e impulsos para não interferir na
compreensão da criança.
As participantes ainda comentaram que ao longo de suas experiências houve muitas
evoluções na técnica (Cat B.13), que são vistas como uma evolução durante o processo de
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avaliação. Entre essas mudanças, constatou-se o aumento da participação dos pais no processo
de avaliação da criança, como podemos observar nos trechos abaixo:
“Tu vai construindo. No início a gente fazia aquela anamnese, quando mamou, aquelas coisas chatas.
Hoje é tudo mais contextualizado. Isso mudou muito ao longo dessas três últimas décadas.”
“Com o tempo da minha experiência eu fui modificando, no começo eu fazia uma sessão com a mãe, o
pai nem entrava naquela ocasião, há 40 anos atrás. Teve muita modificação na técnica.”
Stürmer, Ruaro e Saraiva (2009) afirmam que ao iniciar um processo psicoterápico os
pais trazem muitos discursos, fantasias, ansiedades e conflitos, o que mostra a fundamental
importância da participação deles no processo. Mabilde (2009) refere que com o passar dos
tempos, a técnica psicanalítica tem se associado à perspectiva intersubjetiva, baseada nos
conceitos de campo analítica. Essa perspectiva distancia-se da antiga concepção focada
apenas na interpretação transferencial, salientando o processo analítico nas relações que se
produzem entre o inconsciente do terapeuta e do paciente.
A terceira grande categoria construída ressalta o principal objetivo deste estudo, que
são os indicadores observados para avaliar a criança (Cat C). Estes indicadores servem de
referência para o psicólogo avaliar o brincar das crianças. São métodos de investigação, que
permitem obter um guia interno repartido e objetivado, enriquecedor da visão de conjunto
(EFRON et al., 2009).
Para facilitar a compreensão destes indicadores, eles foram divididos em indicadores
aparentes (Cat C.1) e indicadores teóricos (Cat C.2). Os indicadores aparentes foram
classificados desta forma pela maior concretude de visualização durante a sessão com a
criança, enquanto os indicadores teóricos foram classificados com essa nomenclatura, pois
fazem alusão direta a um constructo teórico. As categorias são descritas na tabela 3:
Tabela 3: Indicadores Observados para avaliar a criança
Categoria principal
Cat C
Indicadores
observados para
avaliar crianças
Categorias
Intermediárias
Cat C.1
Indicadores
Aparentes
Categorias iniciais
Cat C.1.1 – Escolha do brinquedo
Cat C.1.2 – Comportamento
Cat C.1.3 – Linguagem
Cat C.1.4 – Curiosidade
Cat C.1.5 – Motivação
Cat C.1.6 – Sintomas
Cat C.1.7 – Desenvolvimento da
criança
Cat C.1.8 – História familiar
Cat C.1.9 – Motricidade
Cat C.2.1 - Mecanismos de Defesa
Cat C.2.2 – Transferência
Cat C.2.3 – Contratransferência
13
Cat C.2
Indicadores
Teóricos
Cat C.2.4 – Fantasia de doença
Cat C.2.5 – Fantasia de cura
Cat C.2.6 – Capacidade simbólica
Cat C.2.7 – Capacidade de insight
Cat C.2.8 – Capacidades egóicas
Cat C.2.9 – Modelos de relação
objetais
Cat C.2.10 – Ansiedades
Cat C.2.11 – Pontos de fixação
Cat C.2.12 –Instâncias psíquicas
Como indicadores aparentes foram citados a escolha dos brinquedos (Cat C.1.1), os
comportamentos (Cat C.1.2), a linguagem (Cat C.1.3), a curiosidade (Cat C.1.4), a motivação
(Cat C.1.5), os sintomas (Cat C.1.6), características do desenvolvimento (Cat C.1.7), a
história familiar (Cat C.1.8) e a motricidade (Cat C.1.9) da criança durante a avaliação.
A escolha dos brinquedos (Cat C.1.1) foi citada, pois, segundo as entrevistadas, já
direciona a análise para alguns conteúdos. Também se analisa a identificação e os objetivos
desta escolha, se compatíveis ou não com a idade da criança, como afirmam os participantes:
“Eu observo a escolha do objeto que a criança pega já bem no início da sessão, porque nessa primeira
hora do jogo, a criança já direciona para alguns conteúdos, e a escolha do objeto já vai dizendo da
identificação,”
“o tipo de jogo que ela escolhe é compatível com a idade”
“o que ela quer com aquele objeto...”
Efron et al. (2009) referem que se deve levar em consideração esta escolha de objeto
para estabelecer o primeiro contato, de acordo com a etapa evolutiva e com o conflito em
questão. Dentro desta escolha de objeto, o tipo de brincadeiras também surge como indicador
a ser observado, pois desta forma o ego manifesta a função simbólica. Essas escolhas
poderiam já direcionar aos conteúdos que trouxeram a criança para uma avaliação.
Outro indicador aparente é o comportamento (Cat C.1.2) da criança, indicando ao
psicólogo que observe as expressões faciais, as reações da criança, a timidez, a inibição, a
vergonha, a forma como ela lida com o material apresentado e a motricidade, como podem
observar nas entrevistas:
“do comportamento da criança, as expressões faciais e verbais, tem crianças que a gente vê até pelo
caminhar, que ela já chega bastante inibida, ou tímida ou envergonhada...”
A linguagem (Cat C.1.3) é citada como outro indicador importante, contemplando a
atenção do profissional à linguagem não verbal, pré verbal e verbal. As participantes referem
a linguagem verbal e não verbal como características do atendimento da criança, diferente do
adulto, que na maioria das vezes centra-se na linguagem verbal. Comentam, ainda, que a
14
observação é fundamental para traduzir estas linguagens, entendendo o brincar como
linguagem:
“Tem crianças que brincam sem falar, sem aparecer a voz, e tem outras que não, que vão narrando, vão
conversando, vão dizendo...”
“Ouvidos bem abertos pro pré verbal, pro verbal, a criança vai usar uma linguagem pré verbal que é
antes da linguagem, que é um olhar, a pára verbal é a mímica, a movimentação, e a pré verbal
normalmente é mais difícil de tu ver porque ela está ligada a coisas mais primitivas...”
Duarte (2009, p. 143) afirma que:
“o brincar abrange a comunicação não verbal e a pré verbal, e pode,
então, ser o equivalente à metáfora em um estágio primitivo, no qual
as palavras ainda não são capazes de substituir as ideias, e o
pensamento se manifesta de modo quase que concreto, materializado
na ação lúdica, com a utilização de todo corpo”.
Essa mesma autora comenta que durante a atividade lúdica há uma diminuição do uso
da linguagem. Assim há menor repressão, conseqüentemente o acesso ao inconsciente é mais
direto.
Segundo Zimermam (1999), a motivação que o paciente demonstra em relação ao
tratamento é importante. Portanto, a curiosidade (Cat C.1.4) e a motivação (Cat C.1.5)
também são indicadores a serem observados segundo as entrevistadas, como se constata nos
trechos abaixo:
“a motivação pro atendimento...”
“tem algumas que são curiosas, querem saber tudo, perguntam e tal...”
Os sintomas (Cat C.1.6) descrevem também um dos indicadores a serem analisados.
Ao falar em sintoma, Arzeno (1995) afirma que devemos levar em consideração a etapa de
desenvolvimento em que se encontra a pessoa que vem para a consulta. Refere ainda que
devemos levar em conta também o motivo pela qual determinado sintoma preocupa o paciente
ou seus pais. Estes sintomas são descritos como os motivos manifestos da consulta, como
mostra o trecho a seguir:
“Procuramos identificar os sintomas que a criança traz.”
Quanto ao desenvolvimento da criança (Cat C.1.7), consideram-se tanto os aspectos
psicomotores, cognitivos, como os psicossexuais. A importância foi citada, uma vez que o
psicólogo precisa identificar a fase em que se encontra a criança e saber o que é patológico ou
não em determinada idade, como sugerem o trecho das entrevistas:
“a fase de desenvolvimento, não só considerando aspectos psicomotores, cognitivos, mais descritivos,
mas também o desenvolvimento psicosexual, tá compatível, não tá, tá além, tá aquém...”
Investigar o desenvolvimento da criança trazida para a avaliação reforça a importância
dos psicólogos complementarem sua visão clínica com recursos da psicologia do
desenvolvimento. Assim, Castro e Levandowski (2009) acreditam que estas informações
15
auxiliam no estabelecimento de diagnósticos mais precisos dos pacientes em questão, bem
como de seus recursos e possibilidades dentro dos parâmetros da normalidade.
A história familiar (Cat C.1.8) também foi citada como um importante indicador. Pois
através dela o psicólogo colhe uma gama de informações a respeito da criança, desde a sua
concepção até o momento em que ela chega para avaliação. Aberastury (1982) afirma a
importância de se conhecer a criança, desde a notícia da gravidez até o nascimento, o dia a dia
dela, suas convivências e relações familiares, para melhor compreender e buscar o bem estar
da situação que nos foi apresentada. Arzeno (1995) também traz como fundamental conhecer
a história de vida da criança, fazer um registro cronológico das três gerações bem como a
reconstrução do romance familiar, com seus mitos, tradições, segredos, mantendo certa lógica
em relação ao assunto. A passagem que melhor exemplifica essas considerações diz que:
“a história familiar, transgeracional, a gravidez, todo o desenvolvimento desta família...”
Outro indicador aparente citado foi a motricidade (Cat C.1.9). Indicador que o
psicólogo pode observar a adequação da motricidade da criança à etapa de desenvolvimento
em que ela se encontra. O psicólogo ainda observará a falta de funcionalidade motora, pois as
capacidades motoras permitem o domínio dos objetos do mundo externo e garantem a
autonomia do indivíduo (Efron et al., 2009). Como segue neste trecho:
“ (...) vamos observar a motricidade, o modo como entra na sala...”
As categorias classificadas como indicadores teóricos foram chamadas de Mecanismos
de Defesa (Cat C.2.1), Transferência (Cat C.2.2), Constratransferência (Cat C.2.3), Fantasia
de Doença (Cat C.2.4), Fantasia de Cura (Cat C.2.5), Capacidade Simbólica (Cat C.2.6),
Capacidade de Insigh t(Cat C.2.7), Capacidades Egóicas (Cat C.2.8), Modelo de Relações
Objetais (Cat C.2.9), Ansiedades (Cat C.2.10), Pontos de Fixação (Cat C.2.11) e Instâncias
Psíquicas (Cat C.2.12).
Os participantes afirmam que os mecanismos de defesas (Cat C.2.1) citados são
observados para identificar dificuldades e potencialidades da criança, como segue:
“(...) vamos procurar identificar os mecanismos de defesa para lidar com determinada situação...”
Anna Freud (1982, p. 21) afirma que:
“a aparência manifesta de crianças e adultos torna-se ainda
mais transparente quando a atenção do analista é ampliada do
conteúdo e dos derivativos, isto é, dos impulsos, fantasias,
imagens etc... para os métodos empregados pelo ego para
contê-los fora do consciente. (...) Embora esses mecanismos
sejam automáticos e não conscientes em si próprios, os
resultados por ele conseguidos são manifestos e facilmente
acessíveis à compreensão do observador.”
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A transferência (Cat C.2.2) e a contratransferência (Cat C.2.3) também aparecem
como sendo indicadores a serem avaliados. A transferência como indicador adquire
características particulares que respondem, por um lado, à brevidade do vínculo e, por outro,
ao fato de que o que permite que a transferência se amplie e se diversifique é o meio de
comunicação que o psicólogo oferece, que é o brinquedo. Em contrapartida a
contratransferência poderá ajudar a compreensão da criança, cabendo ao psicólogo
discriminar suas próprias motivações e impulsos para que não interfira nesta relação (EFRON
et al, 2009). Estes indicadores são citados nas entrevistas da seguinte forma:
“(...) nós vamos procurar dar conta da transferência e da contratransferência naquele momento...”
Outro indicador desta categoria diz respeito às fantasias que as crianças trazem e
também de seus pais, que colocam certa expectativa no processo avaliativo. A fantasia de
doença (Cat C.2.4) e a fantasia de cura (Cat C.2.5) evidencia informações a respeito da
enfermidade do paciente e também a expectativa da cura trazida por ele, como foi citada no
trecho a seguir:
“Eu observo bastante o que a Aberastury nos ensinou, aquela fantasia de doença de cura.”
Aberastury (1982) destaca um fato que ela considera decisivo na primeira hora de
jogo: toda criança já traz consigo e mostra desde a primeira sessão a compreensão de sua
enfermidade e o desejo de curar-se, o que denominou a fantasia de doença e de cura. Arzeno
(1995) afirma que há uma fantasia de doença em cada um dos pais, no paciente e no
profissional, mesmo que demore a parecer tal fantasia, que poderá não ficar claro logo de
início, não há dúvidas de que ela existe.
A capacidade simbólica (Cat C.2.6) referida traz seu importante destaque devido ao
fato de que brincar é uma forma que expressa esta capacidade e também é uma via de acesso
às fantasias inconscientes. Efron (2009) e seus colaboradores afirmam que eles valorizam não
só a possibilidade de criar símbolos, mas a dinâmica de seu significado. Sendo assim, cada
símbolo adquire sentido no contexto no qual se expressa.
A capacidade de insight (Cat C.2.7) insere-se também como outro indicador na
avaliação psicológica infantil. Muitas vezes, a criança percebe por si só, na brincadeira, seu
sofrimento e acaba por ela mesma fazendo suas interpretações. Winnicott (1975) refere que a
criança se comunica criativamente na continuidade espaço e tempo. Este autor afirma que o
momento significativo é aquele em que a criança se surpreende a si mesma [grifo do autor].
Segue um trecho de uma entrevista que expressa bem o que Winnicott afirmou:
“a melhor interpretação é que a criança acaba ela mesma fazendo, ela se dando conta”
17
As capacidades egóicas (Cat C.2.8) também foram citadas como indicadores
observados pelas participantes, ou seja, a maneira de lidar com certas situações, como afirma
as entrevistadas:
“Vamos observar também as capacidades egóicas que a criança apresenta.”
“Recursos egóicos dessa criança.”
Zimermam (1999) afirma que as funções ou as capacidades do ego variam de acordo
com a etapa evolutiva do desenvolvimento mental e emocional da criança. Estas funções do
ego, embora com evidentes implicações inconscientes, manifestam-se prioritariamente no
plano consciente, ligadas aos órgãos dos sentidos, com objetivo adaptativo e estão a serviço
do sistema perceptivo-cognitivo. O psicólogo se interessa em avaliar como a criança percebe
a si e aos outros, como pensa, conhece, discrimina, ajuíza criticamente, comunica e age.
Zimermam (1999), numa linha Bioniana, afirma que a psicanálise valoriza dois aspectos
essenciais: que o psicólogo auxilie o paciente a desenvolver capacidades para pensar as suas
experiências emocionais, além de observar como o paciente deseja, ou evita, tomar
conhecimento das verdades.
.
Outro indicador citado foi o modelo de relação objetal (Cat C.2.9) que a criança
apresenta durante a avaliação. De acordo com uma das entrevistadas:
“O modelo de relação objetal que prevalece”.
O modelo de relação afirmado no estudo representa, segundo Gabbard (2006), as
relações interpessoais que o paciente apresenta em três contextos: relações da infância,
aspectos transferenciais e reais da relação entre paciente e terapeuta, e as relações fora do
setting. Neste âmbito fornecem ao psicólogo avaliador muitas informações sobre a posição do
paciente na família e nos grupos sociais. As relações objetais e as fantasias estão intimamente
associados ao afeto. Os objetos internalizados seriam representações mentais, na maioria das
vezes inconscientes, de pessoas ou personagens reais ou fantasiados. Os afetos resultariam em
grande parte do tipo e da qualidade das relações do sujeito com seus objetos internos
(DALGALARRONDO, 2008).
A ansiedade (Cat C.2.10) e os pontos de fixação (Cat C.2.11) também são indicadores
importantes. Quanto à natureza destas ansiedades, Klein refere que estas manifestam-se por
três modalidades: a persecutória, a depressiva e a confusional (ZIMERMANN, 1999). Podese observar a preocupação com esse aspecto nas seguintes passagem:
“(...) a gente vai procurar identificar que tipo de ansiedade que predomina naquele momento.”
“E claro que tu vai ver os pontos de fixação, a história familiar, transgeracional.”
18
Outro indicador citado foram as instâncias psíquicas (Cat C.2.12), id, ego e superego.
Em relação ao mundo interior do paciente seria útil o psicólogo colher impressões dessas
instâncias psíquicas. Do id, impressões das pulsões predominantes, do ego, suas
representações e funções, e do superego suas imposições morais (Zimermam, 1999).
“(...) aí vai depender da idade da criança, id, ego, superego, uma criança na latência que não estabeleceu
normas e não tem o superego, o risco de uma psicopatia, de uma coisa é muito maior”
A quarta categoria deste estudo abarca os conhecimentos necessários para realizar a
avaliação psicológica da criança (Cat D). De acordo com os participantes, é fundamental ter
embasamento teórico (Cat D.1), formação (Cat D.2), conhecimento em psicologia do
desenvolvimento (Cat D.3) e supervisão (Cat D.4).
Tabela 4: Conhecimentos necessários para realizar a avaliação de crianças
Categoria principal
Cat D
Conhecimentos necessários
para realizar a Avaliação
de crianças
Categorias intermediárias
Cat D.1 – Embasamento teórico
Cat D.2 – Formação
Cat D.3 – Psicologia do Desenvolvimento
Cat D.4 – Supervisão
Estes conhecimentos auxiliarão o psicólogo a realizar a entrevista lúdica de uma
maneira mais coerente. O embasamento teórico (Cat D.1) foi citado como fundamental para a
prática com crianças. Como podemos observar nestes trechos das entrevistas:
“(...) então dentro de um referencial psicanalítico um conhecimento aprofundado e inacabado, sendo
construído da própria psicanálise e a supervisão continuada de alguém que nos ajude a olhar aquela
situação sem estar contaminada como nós.”
“(...) a psicologia do desenvolvimento infantil, isso é básico, psicopatologia tem que saber...”
Meira (2009) nos traz uma gama de conhecimentos necessários para atender crianças.
Diz ser essencial que o psicólogo conheça a teoria e os autores, assim possibilitará ao
psicólogo atender a demanda que surgirá. Afirma, ainda, ser necessário ter domínio da teoria e
dos conceitos, o que auxiliaria no suporte mais espontâneo e natural aos atendimentos. A
autora também sugere, conforme os participantes, uma formação (Cat D.2) específica que
possibilite um conhecimento sólido do mundo infantil. Esse conhecimento deve englobar a
psicologia do desenvolvimento (Cat D.3), tanto emocional e psicossexual de cada etapa
evolutiva que o paciente se encontra e a psicopatologia da infância, como citado pelas
participantes.
A concepção de que, para atender clinicamente, o psicólogo deve realizar supervisão
(Cat D.4), formação e análise pessoal está contida nas idéias freudianas e é descrita por
19
Reghelin (2008). Em seu estudo sobre o brincar, concluiu que devemos utilizar o famoso tripé
de Freud: seminários teóricos, supervisão da técnica e análise pessoal. Com esta base, o
psicólogo saberá lidar com as suas ansiedades, pois muitas vezes, na busca de abrandar o
sofrimento do paciente, corre-se o risco de introduzir elementos “estranhos” (brinquedos) na
caixa ou no setting terapêutico que facilitem seu trabalho. Este fato, para Reghelin (2008),
pode interferir na criatividade e nos recursos internos próprios que a criança possui para
buscar a sua melhora.
A quinta categoria do estudo faz referência às condições necessárias ao psicólogo
para trabalhar com avaliação psicológica de crianças (Cat E) (Tabela 5).
Tabela 5: Condições necessárias ao psicólogo para trabalhar com avaliação psicológica
de crianças
Categoria principal
Cat E
Condições necessárias ao psicólogo
para trabalhar com avaliação
psicológica de crianças
Categorias intermediárias
Cat E.1 – Análise pessoal
Cat E.2 – Disponibilidade Física
Cat E.3 – Gostar de brincar
Cat E.4 – Saber trabalhar com pais
Cat E.5 – Atualização sobre personagens
Meira (2009) sugere a análise pessoal (Cat E.1) como fundamental para o psicólogo
estar ciente e tranquilo com seus aspectos infantis, uma vez que com esta faixa etária muitos
conflitos, fantasias e defesas serão vividos e revividos. Além disso, as participantes do estudo
descrevem as condições necessárias para a avaliação com crianças (Cat E), sendo observado
que elas valorizam:
“(...) limites físicos, o fator surpresa é muito grande, eles te jogam uma bolada. E tem questões que
quando a gente vai envelhecendo, ficar horas e horas sentadas numa cadeirinha não dá...”
A categoria que descreve as condições para atender crianças indica que a
disponibilidade física (Cat E.2) é essencial para trabalhar com crianças. É o que refere Meira
(2009) quando reforça a disponibilidade física como essencial ao terapeuta, sugerindo ao
psicólogo avaliar suas condições e disposições físicas, já que com esta demanda a
possibilidade de sentar no chão, jogar, abaixar é maior.
Na entrevista lúdica, o terapeuta e o paciente brincam, exigindo do terapeuta
condições para sentar, se abaixar, jogar e, até, rolar com a criança. Ele também deve, como
referido por uma das participantes, “gostar de brincar (Cat E.3), manter a criança que
fomos”, assim como Winnicott (1975, p. 80) refere:
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se o terapeuta não pode brincar então ele não se adequa ao
trabalho. Se é o paciente que não pode, então algo precisa
ser feito para ajudá-lo a tornar-se capaz de brincar [...]. O
brincar é essencial porque nele o paciente manifesta sua
criatividade.
Na categoria em discussão, outro destaque foi dado para a possibilidade de trabalhar
com os pais (Cat E.4), de saber que quando se trabalha com criança, automaticamente os pais
entrarão juntos no processo. Assim, os pais podem participar de algumas entrevistas, para
informar sobre a vida da criança que será atendida. Neste caso, Aberastury (1982) afirma que
a história da criança inicia-se desde a concepção dela. Por esse motivo, a presença dos pais é
fundamental.
Dentro deste contexto de condições para avaliar criança, os participantes citaram a
atualização de personagens (Cat E.5) sobre os quais as crianças comentam nas sessões.
Personagens de filmes, desenhos, heróis que as crianças consideram importantes e até se
identificam com eles, como se pode observar nesta passagem:
“A disponibilidade de estar atualizada porque a criança traz muitas coisas de filmes, jogos, personagens
do momento, das histórias do momento, e a gente tem que ir atrás. E tudo isso tem que ser
interessante...”
Meira (2009) também concorda que esta atualização e conhecimentos dos personagens
dos filmes, desenhos, heróis e vilões é essencial. Isso serviria para compreender o simbolismo
que algumas vezes ocupa o cenário das sessões.
A última categoria construída intitula-se materiais utilizados na avaliação psicológica
(Cat F) com crianças. Esses materiais estão associados à proposta de que, com eles, a
possibilidade de acesso ao inconsciente da criança ficará mais fácil e compreensível, uma vez
que através do brinquedo a criança poderá fazer suas interpretações por si mesmo. A tabela 6
ilustra esta categoria:
Tabela 6: Materiais utilizados na avaliação psicológica com crianças.
Categoria principal
Cat F
Materiais utilizados na avaliação
Psicológica com crianças
Categorias intermediárias
Cat F.1 – Brinquedos estruturados
Cat F.2 – Brinquedos pouco estruturados
Cat F.3 – Caixa individual
Cat F.4 – Contos de fada
Cat F.5 – Brinquedos coletivos
Cat F.6 – Testes psicológicos
Cat F.7 – Sonhos
Cat F.8 - Características da sala de atendimento
Ao entrar em contato com o momento da avaliação, a criança tem a possibilidade de
escolher os brinquedos livremente. Estes foram classificados no presente estudo como
21
brinquedos estruturados (Cat F.1) (animais selvagens, animais domésticos, pratos, armas) e
pouco estruturados (Cat F.2) (agulhas, panos, geleca, argila lápis, cola, cordão), como segue
no trecho abaixo:
“Tem jogos, dependendo da idade, tem brinquedos, playmobil e tem também bonecos, bonequinhos,
que ela pode fazer 2 ou 3 famílias, dependendo, fantoches, mobilinhas.”
“E a partir desse material básico que também inclui material escolar, folha, papel, lápis a gente vai usar
brinquedos que têm a ver com a idade da criança”
Entre os materiais pouco estruturados foram citados os materiais gráficos e de pintura.
Efron et al. (2009) referem que o psicólogo esclarece para a criança que poderá utilizar os
materiais como quiser e que ele estará ali para conhecê-la e compreender suas dificuldades.
Quanto aos brinquedos, Ampessam (2005) sugere brinquedos que ensinam as crianças a
pensarem, capazes de expressar suas fantasias. Referente à estrutura dos materiais, Efron et al.
(2009) oferecem tanto materiais estruturados quanto pouco estruturados, que possibilitem a
expressão, sem que isso seja invasivo à criança.
Aberastury (1982) também sugere um material que satisfaça as necessidades de uma
criança de até quatro ou cinco anos. Sem grandes mudanças, esse material também serve para
crianças de mais idade, como cubos, massa de modelar, lápis, papel, pequenos bonecos,
barbante, carrinhos, entre outros. E de acordo com o gosto da criança, podem-se incluir outros
materiais, que durante a entrevista com os pais também podem ser sugeridos.
Estes materiais podem ficar guardados dentro da caixa individual (Cat F.3), citada
pelos entrevistados como uma representação do mundo interno e também como vínculo
essencial entre a dupla paciente e psicólogo, a fim de estabelecer sigilo:
“A gente trabalha principalmente com a caixa de brinquedos, porque é uma representação que ainda
consideramos importantes, de mundo interno, e essa caixa é montada a partir da idade da criança, da
situação específica que ela traz, momento de vida. Então, a gente vai colocar material que facilite a
expressão.”
Reghelin (2008), em sua experiência, compartilha que o uso da caixa de brinquedos é
instrumento valioso para a compreensão, interpretação, elaboração no trabalho analítico
desenvolvido com crianças. E ainda refere que através da escolha de um brinquedo da caixa
individual (do mundo interno), o paciente apresenta ao analista o seu inconsciente, onde ele
tem que ser empático, compreendê-lo e interpretar através do jogo espontâneo.
Outro material sugerido pelas entrevistadas foi os contos de fadas (Cat F.4), como
mostra esta passagem:
“(...) livros de histórias, contos de fadas, algum material comum a todas as crianças, que ajudam a
trabalhar a realidade externa. Esse material a criança sabe que não é só dela.”
22
Neste trecho podemos observar que as entrevistadas também utilizam brinquedos
coletivos (Cat F.5), que várias crianças utilizam ao mesmo tempo, sendo uma forma de
partilhar materiais. Quanto aos contos de fadas citados na passagem acima, Castro (2009)
afirma que as crianças gostam de ouvir e contar histórias. Através do conto elas recriam,
inventam, recontam e deslocam simbolicamente, sentimentos e conflitos. Ela ainda refere que
os contos têm função organizadora da mente.
Os testes psicológicos (Cat F.6) foram citados por uma das entrevistadas como um
material lúdico e não de avaliação. Ela refere que utiliza testes como uma maneira de ter uma
“caixinha de brinquedos”, própria. Neste sentido, convida a criança a brincar com sua caixa
de brinquedos, não utilizando os testes de maneira padronizada, como recomenda os manuais,
mas aproveitando-se destes como estímulos para a entrevista.
“(...) e aí eu uso como brinquedo, agora vamos brincar com a minha caixinha. Mas eu fazia dois, três
testes num dia. Convido: vamos brincar com a minha caixinha, tu quer responder isso pra mim? Como
material lúdico.”
Os sonhos (Cat F.7) também são utilizados como material para avaliar a criança.
Melanie Klein afirma que, com as respectivas fantasias inconscientes e angústias, o sonho
consiste em uma dramatização de algum conflito. Bion refere que o sonho funciona como um
continente de primitivos sentimentos, ideias armazenadas e funciona também como conteúdo
que durante a avaliação está sendo evocado para ser contido e entendido pelo psicólogo
(ZIMERMAN, 1999).
As entrevistadas comentaram algumas características da sala de atendimento (Cat
F.8) onde ocorre a sessão.
“Aqui nesse cantinho do brinquedo é mais para pinturas, argila, pra tempera, essas coisas que
sujam
mais.”
“(...) pois aqui é tapete, que dá pra brincar e armar cenas, e ali mais com coisas de água, de fogo.”
Estas características serviriam para adequações que o psicólogo precisaria para avaliar
crianças, sendo um ambiente lúdico. Aberastury (1982) propõe que o ambiente não precise ser
muito grande, sugere um local com paredes laváveis e que o chão seja ideal para que a criança
brinque com materiais que possam ser limpos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliação psicológica é um instrumento que auxilia o psicólogo a obter informações a
respeito do avaliando. Com crianças esta avaliação pode ser feita através da entrevista lúdica.
23
Nesta, o psicólogo ficará atento a qualquer movimentação da criança a fim de obter
informações como auxílio na escolha das intervenções do tratamento a ser desenvolvida.
A presente pesquisa objetivou conhecer indicadores utilizados por psicólogos de
orientação psicanalítica para avaliar crianças através da entrevista lúdica. Dentro deste
contexto, também acreditou-se ser necessário conhecer os autores que embasam a prática de
entrevista lúdica de psicólogos de orientação psicanalítica, descrever as técnicas adotadas
durante a entrevista lúdica, conhecer os indicadores que são observados pelo profissional,
descrever os conhecimentos e as condições necessárias para atender crianças e também os
materiais utilizados pelos profissionais.
Desta pesquisa resultaram seis categorias de análise que descreveram os objetivos.
Quanto aos autores, os participantes afirmaram que utilizam em sua prática clínica autores
clássicos, autores da segunda geração e autores contemporâneos. Em relação às técnicas
adotadas durante a entrevista lúdica, as entrevistadas citaram o estabelecimento de um
rapport, utilizam a regra da psicanálise, a associação livre, o brinquedo, o desenho, a caixa
individual, a observação, a escuta, procuram fazer anotação após o atendimento, utilizam o
jogo do rabisco, também utilizam a transferência e a contratransferência e ainda citaram que
durante suas experiências houve uma evolução da técnica. Os indicadores observados foram
classificados em indicadores aparentes citados como, a escolha do brinquedo, o
comportamento, a linguagem, a curiosidade, a motivação, os sintomas, as características do
desenvolvimento, a história familiar e a motricidade. Como indicadores teóricos eles citaram
os mecanismos de defesa, a transferência e a contratransferência, a fantasia de doença e de
cura, a capacidade simbólica, a capacidade de insight, os mecanismos de defesas, os modelos
relação objetal, as ansiedades, os pontos de fixação e as instâncias psíquicas.
Na categoria que descreve os conhecimentos necessários para realizar a avaliação de
crianças, as participantes sugeriram que o psicólogo tenha um embasamento teórico, uma
formação, a supervisão dos atendimentos e tenham conhecimentos sobre a psicologia do
desenvolvimento. Quanto às condições necessárias ao psicólogo para trabalhar com avaliação
psicológica de crianças, as entrevistadas citaram a análise pessoal, a disponibilidade física do
psicólogo, o gosto pelo brincar, a atualização dos personagens que as crianças gostam e a
disponibilidade de trabalhar com pais. Dos materiais, as entrevistadas utilizam brinquedos
estruturados e pouco estruturados, a caixa individual, os contos de fadas, brinquedos
coletivos, testes psicológicos, sonhos e ainda descrevem algumas características da sala de
atendimento para se utilizar com crianças.
24
Ao final deste estudo, pode-se refletir sobre o fato de que nem sempre a entrevista
semiestruturada é a melhor forma de se conhecer sobre a prática profissional. Talvez, o uso da
observação participante ou de vídeos de entrevistas lúdicas pudessem favorecer o
conhecimento de mais dados sobre o objeto pesquisado. Outra limitação foi o fato de que
foram entrevistadas apenas psicoterapeutas mulheres, podendo haver diferenças entre gêneros
na maneira como é realizada a entrevista lúdica para avaliar crianças.
Desta forma torna-se relevante a realização de estudos que busquem estas diferenças
entre gênero, além de investigações sobre os indicadores adotados por profissionais com
menos experiências para avaliar crianças. Sugere-se, portanto, a realização de novos estudos
sobre o tema, uma vez que o conhecimento dos indicadores de avaliação da entrevista lúdica
mostraram-se infindáveis.
REFERÊNCIAS
ABERASTURY, Arminda. Psicanálise da Criança – Teoria e Técnica. 5 ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1982.
ARFOUILLOUX, Jean. Claude. A entrevista com a criança: a abordagem da criança através do
diálogo, do brinquedo e do desenho. Guanabara: Rio de Janeiro, 1988.
AMPESSAN, Adriana. A singularidade da psicanálise infantil. In: MACEDO, Mônica M. Kother;
CARRASCO, Leanira Kesseli (Orgs.). (Con)textos de entrevista: olhares diversos sobre a
interação humana. São Paul: Casa do Psicólogo, 2005.
ARAÚJO, Maria de Fátima. Estratégias de diagnóstico e avaliação psicológica. Psicologia Teoria e
Prática. dez. 2007, vol.9, no.2, p.126-141. Disponível em: < http://scielo.bvspsi.org.br/scielo.php?pid=S1516-36872007000200008&script=sci_arttext&tlng=pt > Acesso em: 20
de mar. 2010.
ARZENO, Maria Esther García. Psicodiagnóstico Clínico – Novas Contribuições. Porto Alegre:
Artmed, 1995.
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