PROFT em Revista ISBN 978-85-65097-00-0 Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Vol. 2, Nº 1 Junho de 2012 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE TRADUÇÃO: DA CONSCIENTIZAÇÃO AO TREINAMENTO DE PROFISSIONAIS RESUMO Alessandra Cani Gonzalez Harmel Tradutora Pública e Intérprete Comercial Docente de Idiomas Inglês, Espanhol e Português para Estrangeiros. Bacharel em Direito pela PUC de São Paulo A procura de cursos de especialização em tradução tem crescido sobremaneira nos últimos anos. Provavelmente isto se deve ao fato da maior exposição e do maior acesso dos profissionais e graduados às línguas estrangeiras. Nota-se também que a população que frequenta os cursos hoje é egressa de formações outras que não as de graduação em Letras / Língua Estrangeira ou Tradução. São profissionais e especialistas de outras áreas que por se considerarem competentes em língua estrangeira, buscam na especialização na área de tradução, uma outra possibilidade de carreira para o presente momento ou para o futuro. Licenciatura em Inglês pela Universidade Mackenzie Especialização em Gestão Empresarial pela Uninove Palavras-Chave: Ensino de Tradução; Especialização, Formação de Profissionais ABSTRACT The search for specialization courses in translation has grown steadily in the past years. This is probably due to the fact that professionals and graduates have been more exposed and have had more access to learning foreign languages. It has also been noted that the students who enroll for such courses have graduated from courses other than Language Arts, International Language Arts or Translation Studies. They are professionals or specialists of other areas of business who consider themselves competent in a foreign language and opt for specialization in translation as another career path either for the present moment or for the future Keywords: Translation Teaching; Specialization; Professional Training. Alessandra Cani Gonzalez Harmel Contato: [email protected] Proft em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Considerações Sobre o Ensino de Tradução: Da Conscientização ao Treinamento de Profissionais 1. INTRODUÇÃO A graduação nos cursos de Tradução e de Letras nos faz pressupor que o diplomado seja habilitado e possua um conhecimento já competente para realizar o seu trabalho na profissão escolhida. Não obstante, ao término de seu curso, todos os profissionais já se defrontam com a necessidade de continuar seus estudos e suas práticas, independentemente de já estarem inseridos no mercado de trabalho. Por isto, a procura por cursos de Especialização/Pós Graduação vem aumentando e se popularizando sobremaneira. Nota-se ainda, para surpresa de muitos – e tomada de atenção de outros - que o público que vem lotando as salas de aula de cursos de especialização é egresso de várias outras origens acadêmicas que não somente as mencionadas acima; é formado esse contingente por graduados outros – e por vezes até mesmo especialistas – que procuram na especialização em tradução outra opção de trabalho e carreira tanto para o momento presente quanto para o futuro, haja vista ser este o propósito de quem procura um curso de tal nível. Tendo esta reflexão como ponto de partida, passo à exposição da experiência como docente. Pretendo compartilhar com os colegas quais foram os momentos com os quais nos deparamos com os participantes dos cursos de especialização, seus respectivos níveis de conhecimento, suas experiências na área ou fora dela. Também discorrer sobre a conscientização sobre a profissão num parâmetro mais macro, já que um curso de Pós Graduação pressupõe fundamentação teórica, indução à pesquisa científica e produção de textos acadêmicos – e não meramente um curso de “prática de tradução”. Neste último quesito mencionado, de acordo com a convivência e observações obtidas no decorrer dos cursos lecionados, nota-se também outra necessidade que parece ser unânime: este contingente de participantes / especialistas requer mais informações e mais práticas e oportunidades de aprendizagem a fim de melhorar sua produção em nível profissional e quiçá, em nível acadêmico. 2. PERFIL DOS ALUNOS DE ESPECIALIZAÇÃO EM TRADUÇÃO “O tradutor é um eterno aprendiz.” (ALAMBERT, Eliane, 2011). Esta sem dúvida foi, em uma conversa bem informal em um almoço caseiro regado a um delicioso vinho PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Alessandra Cani Gonzalez Harmel espanhol - e aqui uma observação muito suspeita pela ascendência da autora! - a inspiração para a apresentação e confecção deste artigo. Durante nossa experiência acadêmica ministrando aulas e orientando alunos em cursos de pós graduação na área de Tradução – mais precisamente em língua inglesa – notamos que a procura pela especialização nesta área tem crescido sobremaneira. Isto é um alento, pois, afinal de contas, a procura por uma especialização é sempre bem vinda e sinal de desenvolvimento na área educação, expectativa de melhor qualidade no mercado de trabalho, e, consequentemente, a tal almejada valorização profissional. Notamos ainda que, os candidatos e alunos que preenchem as vagas nas turmas oferecidas não necessariamente são oriundos de cursos de graduação nessa área, e muitas vezes, nem mesmo da área de estudo de línguas estrangeiras. Possuem um perfil um tanto variado, pelo que nos constou da convivência com estes estudantes. Poderíamos relacioná-los, considerando sua procedência, de acordo com dados do número de alunos participantes das classes dos cursos administrados até agora, na seguinte ordem: * Graduados/Especialistas em outras áreas que tencionam outra opção de carreira * Professores de LE * Graduados em Tradução e/ou em LE * Secretárias Bilíngues, Trilíngues e Poliglotas * Colegas Tradutores * Revisores Normalmente, a expectativa maior seria que os colegas tradutores e revisores buscassem mais pelo aperfeiçoamento e especialização: tanto em suas próprias áreas como em outras também, a fim de diversificar seu portfólio, ou ainda mesmo, aumentar ou desenvolver seu potencial para gerenciamento e expansão de seus negócios. Só que não parece ser este o caso. Pelo que se pode perceber os graduados e especialistas em outras áreas e os professores de língua estrangeira dividem-se no topo da lista dos participantes dos cursos de especialização em tradução. Deve-se salientar que os graduados e os especialistas em outras áreas de atuação e os docentes de língua estrangeira, quando se dispõem a se envolver pela especialização em tradução, julgam possuir os conhecimentos linguísticos e técnicos necessários para levarem a cabo esta empreitada. Deve-se salientar ainda que, realmente, muitos dos profissionais são extremamente competentes, mesmo não tendo formação acadêmica em nível de graduação na área de TraduPROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Considerações Sobre o Ensino de Tradução: Da Conscientização ao Treinamento de Profissionais ção. Não obstante, outros acabam se chocando com o fato de que, o conhecimento sobre outra língua, não necessariamente logrará em facilidade para desempenhar a função de tradutor. Ora, então isto nos faz pensar: como e por que isto tem ocorrido com mais frequência? Passamos a analisar, então, qual seriam os objetivos destes pós graduandos fazendo uso de uma coleta de dados, dada de forma bastante informal até, durante a convivência em sala de aula: * Especialização nas técnicas de tradução * Networking * Especialização em sua área de atuação * Outra opção de carreira no presente ou no futuro * Satisfação pessoal e social Parece que agora, alguns pontos começaram a se ligar neste amplo universo do Ensino/Aprendizagem de Tradução. Apesar de as procedências serem bem diversificadas, os objetivos já começam a melhor nortear e definir o que os profissionais esperam da especialização. E uma coisa une a todos eles: aprender para poder realizar trabalhos e se realizar, tanto no presente momento como no futuro, usando a língua estrangeira como instrumento de sua realização. Estes são os seus objetivos. Agora, o que os motiva a buscar na utilização da língua estrangeira, sua realização? 3. ARGUMENTOS E CONSIDERAÇÕES 3.1. O Ser e o Fazer O conhecimento e o estudo de Língua Estrangeira são as bases sobre as quais fundamentamos nossas considerações a respeito deste assunto. A escolha sobre o tipo de especialização para estes profissionais me faz remeter às considerações relatadas na tese de ANDRADE, (Eliane Righi, 2008) sobre a conjunção de fatores, “que condicionam as escolhas do sujeito, inclusive para o estudo de uma língua, e que é fruto de um emaranhado de sentimentos nem sempre expressos pelo sujeito e que se referem, muitas vezes, às expectativas do outro, da sociedade.” Ainda em ANDRADE: PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Alessandra Cani Gonzalez Harmel “Todo esse questionamento surge a partir do momento em que me ponho a refletir sobre o papel das línguas não somente na minha vida profissional, mas na constituição de minha subjetividade, no meu modo de ser, de ver, de pensar, de expressar o mundo e de ocupar nele um espaço. Isso faz das línguas que (con)vivi, imaginei, cantei, estudei ou “esqueci”, partes de mim.” Por este reflexão, fica até bem claro o motivo pelo qual fazemos contato e sabemos de tantos profissionais que brilhantemente exercem suas áreas e especialidades distintas, mas que também se “aventuram” ou se completam na tradução. Entre exemplos deles temos podemos citar Fernando Pessoa, Ferreira Gullar, (poetas) Érico Veríssimo, Jorge Luis Borges (escritores), Dra. Ana Julia Perrotti-Garcia (dentista) e Dr. Sérgio Garcia (médico), Jutta Prasse (psicanalista alemã). Citando esta última, em seu artigo “O Desejo das Línguas Estrangeiras” (1997): “... desde que voltei à Alemanha, adquiri uma segunda profissão (ela não me serve para ganhar o pão de todo dia, mas é para as despesas de luxo, digamos, para o pão branco dos dias de festa: tornei-me uma tradutora apaixonada de textos literários que nada têm a ver com a psicanálise.” Ainda no mesmo parágrafo Prasse sustenta que: “Sabe-se muito bem que o ofício de tradutor se sustenta de uma impossibilidade inerente. Jamais se pode traduzir todo o sentido, mas tenta-se frase por frase...” Isto nos leva a refletir sobre estudo de línguas e o porquê deste estudo: Mia Couto, em “Intervenções”, assume que as “línguas servem para comunicar. Mas elas não apenas “servem”. Elas transcendem essa dimensão funcional. Às vezes, as línguas fazem-nos ser.” Estimemos, assim, que este “fazer-nos ser” é a motivação, a força motriz que leva-nos a esta procura pela especialização. O Estudo de tradução implica no estudo ainda mais aprofundado de Línguas Estrangeiras, porém também no estudo igualmente, ou até talvez mais minucioso da língua materna, em toda sua complexidade, e procurando sempre encontrar adequações que sejam relativas ao trabalho de conversão. Isto pode ser uma explicação para o estranhamento dos profissionais de áreas outras que decidem que a tradução é uma opção interessante de trabalho. Isto pode ocor- PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Considerações Sobre o Ensino de Tradução: Da Conscientização ao Treinamento de Profissionais rer, provavelmente, pelo fato de eles possuírem uma prática um tanto estanque dentro de suas áreas de atuação e não estimem a verdadeira miríade de possibilidades e de estudos feitos em tradução como ciência, ou mesmo em tradutologia. 3.2 Aprender e Aprender Relacionando a carreira de tradutor à da docência e Ensino e Aprendizagem de idiomas – e por que não considerar de outras áreas também? – cito uma colocação de Ian Martin, da Glendon University do Canadá em palestra na Universidade de São Paulo em outubro de 2011, “Professores, juntamente com tradutores e intérpretes, são os principais agentes da cultura estrangeira.” Assim, podemos também relacionar este comentário tão oportuno ao da Dra. Ana Julia Perrotti-Garcia, que em 2010 tão naturalmente disse: “A docência e a tradução são atividades sinérgicas”. Desta feita, com relação a docentes, o fato de conhecerem o idioma, de serem por vezes proficientes, leva-os a optar por esta outra carreira como uma complementação natural de suas atividades. Só que a realidade e a prática não são assim tão “sinérgicas”. Já passamos pela experiência de muitas estranhezas, surpresas, desapontamentos e até mesmo de alguns leves “traumas” uma vez serem as práticas e técnicas muito distintas e, por vezes, mesmo o conhecimento e a experiência dos “professores/aprendizes” não se mostrar suficiente para que se sintam totalmente á vontade ou realizados com a prática na carreira de tradução. Tomando este ponto como princípio, podemos refletir que a aprendizagem de idiomas, no caso da especialização em tradução, é um moto contínuo. E que as técnicas adquiridas vão fazendo parte de um conhecimento para o desenvolvimento da prática tradutória. Podemos aqui nos remeter a Revuz (Revuz, Christine, 2006) que, sobre aprendizagem de idiomas coloca: “Objeto de conhecimento intelectual, a língua é também objeto de uma prática. Essa prática é, ela própria, complexa. Prática de expressão, mais ou menos criativa, ela solicita o sujeito, seu modo de relacionar-se com os outros e com o mundo; (...) Sem dúvida, temos aí uma das pistas que permitem compreender por que é tão difícil aprender uma língua estrangeira.” Esta tão verdadeira e norteadora colocação deveria ser então, o carro chefe da conscientização em nível primário daqueles que iniciam seus estudos em tradução. Afinal, necessário é se ter conhecimento da língua estrangeira, mas também das limitações que temos em relação a ela. PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Alessandra Cani Gonzalez Harmel E com isto, a conscientização sobre a necessidade de se estudar e aprender cada vez mais. Além disto, também se ter a consciência de que, ainda citando Revuz, “A língua estrangeira, ao deslocar o nexo necessário entre o referente e os signos linguísticos da língua materna, abre um espaço a outras significações, a outros enunciados, que identificam o sujeito”. E devemos ainda concordar com a autora quando ela propõe que “nem todo mundo está pronto para essa experiência.” (Revuz, 2006) 4. EXPERIÊNCIAS EM SALA DE AULA “Nós adquirimos o conhecimento e o conhecimento nos adquire, pois cria limites e possibilidades.” (Morgan, Bryan, 2011) Esta foi, sem dúvida, uma das proposições mais felizes e inspiradoras que tivemos a oportunidade de presenciar nos últimos tempos. Afinal, para que então, todo o esforço e investimento daqueles que se dedicam aos estudos e ao desenvolvimento de suas habilidades? Justamente porque o objetivo é o de se realizar, de buscar pela compleição de seus desejos em nível profissional, material, e também pessoal, como já testemunhamos anteriormente. A busca pelos cursos de especialização proporciona uma ideia de garantia de desenvolvimento de habilidades e de expansão do conhecimento e das possibilidades. Assim como Bryan Morgan esclareceu em palestra na Universidade de São Paulo em 2011, a relação dá-se da seguinte maneira: * Agência, Aluno e Professor adquirem conhecimento (através de conteúdo, de método, e de teorias) * Conhecimento adquire o aluno e o professor (através de discursos, e de epistemologias) * “Alunos aprendem não só pelas instruções, mas também pelo modo como nos movemos pela sala de aula.” (o professor citando uma Instrutora de Yoga na rádio CBS, Canadá) E tão importante é justamente esta aquisição recíproca e plenamente ativa já que este intercâmbio de informações e de experiências é em sua essência salutar e bem vindo sob todos os seus aspectos. Vão se construindo novos meios sobre parâmetros novos ou pré-existentes, forta- PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Considerações Sobre o Ensino de Tradução: Da Conscientização ao Treinamento de Profissionais lecendo os que já tradicionalmente se estabeleceram - sem com isso concretá-los ou relegá-los a verdades absolutas e imutáveis - e chegando, sem sombra de dúvida, a novas realizações. Podemos aqui fazer um paralelo com ilustres da filosofia e da psicanálise, apontando um trecho de Fink (Bruce, 1995), em “O Sujeito Lacaniano”: “Da mesma forma que os ‘Diálogos de Platão’ assume um primeiro sentido para os estudantes iniciantes em filosofia, e adquirem múltiplos sentidos na medida em que se aprofundam nos estudos, o ‘Banquete de Platão’ tem mostrado significar algo mais desde a sua leitura por Lacan no Seminário 8, e continuará a assumir novos sentidos à medida que for interpretado e reinterpretado nos próximos séculos e milênios.” Temos assim uma noção de como o conhecimento é construído: ao ser compartilhado e vivenciado. Por esta convivência em sala de aula e compartilhando com os alunos de suas experiências anteriores, procuramos analisar seus perfis em relação à opção feita por uma especialização em tradução. Pudemos notar que muitos de nossos alunos, devido à já mencionada variedade suas origens e experiências acadêmicas e profissionais, careciam de: * Experiência e/ou conhecimento na língua estrangeira para interpretação e produção. * Experiência da língua materna para produção. Oportunamente, através de excertos em anexos deste texto sobre considerações, mostraremos alguns trabalhos de produção de alunos de turmas de tradução em disciplinas e módulos distintos. Foram atividades desenvolvidas em sala de aula quanto fora dela, com produção individual, mas resolução em grupo, com o auxílio de compêndios como dicionários (em papel e virtuais), léxicos, glossários e livre questionamento ao professor, tanto de forma presencial quanto à distância. Mesmo assim, nos referidos trabalhos podemos visualizar vários problemas que não são relacionados somente a falta de conhecimento lexical pleno – já que para isto existem os dicionários! - ou de escolhas tradutórias inadequadas ou inapropriadas. Podemos, sim, verificar que existem vários problemas de compreensão de leitura, problemas estruturais, de sintaxe, e de falta de coerência na produção escrita. Esta realidade nos levou em primeira instância, a um questionamento do perfil dos alunos aceitos para o curso. Afinal de contas, o conhecimento de relevante competência linguística é o que se espera dos participantes, justamente por se tratar de nível de especialização. Depois PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Alessandra Cani Gonzalez Harmel deste primeiro “embate ideológico”, fomos levados a uma reflexão sobre o nível e o escopo do ensino de língua estrangeira. Podemos dizer então que, durante nosso convívio, tivemos a oportunidade de claramente perceber o que vem bem justificado por Revuz: “A língua estrangeira, objeto de saber, objeto de aprendizagem raciocinada, é, ao mesmo tempo, próxima e radicalmente heterogênea em relação à primeira língua. O encontro com a língua estrangeira faz vir à consciência alguma coisa de laço muito específico que mantemos com nossa língua.” Para fins de nossa reflexão, eventualmente, este seria um bom e explicável motivo do por que da escolha pelo curso e pela prática tradutória. Não obstante, continuando ainda com Revuz, chegamos também à outra percepção relacionada às dificuldades dos participantes concernentes à língua estrangeira em si: “Esse confronto entre primeira e segunda língua nunca é anódino para o sujeito e para a diversidade de estratégias de aprendizagem (...) de uma língua, que se pode observar quando se ensina uma língua estrangeira e se explica, sem dúvida, em grande parte pelas modalidades desse confronto.” E vem então o questionamento seguinte: por que essa dificuldade? Essa falta de preparo? Essa falta de consciência do preparo? Ou poderíamos chamar de inocente ignorância? Uma vez mais, no desenvolvimento do tema, Revuz (2006, págs. 216 e 217) traz à baila uma distinta conexão: “Tradicionalmente, contudo, a didática de línguas estrangeiras não tem se interessado nesse confronto e não tem procurado analisá-lo nem trabalhá-lo. Pelo contrário, fascinados pela facilidade com que o bebê ou a criança muito nova assimila qualquer língua por ‘imersão’, os especialistas procuram principalmente aproximar a aprendizagem da segunda língua às condições de aprendizagem primitiva da primeira língua. Seguramente trata-se de um retorno às origens, absolutamente imaginário.” PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Considerações Sobre o Ensino de Tradução: Da Conscientização ao Treinamento de Profissionais E então, vem um momento mágico de sua análise, e que ilumina nossa questão com relação à aprendizagem de língua estrangeira e, por conseguinte, também de tradução: “Na verdade, a multiplicação de métodos não acarretou a mesma quantidade de aprendizagens bem sucedidas. Cada um desses métodos produz seus alunos brilhantes e seus alunos refratários de modo a não desvendar e pouco contribuir na compreensão daquilo que se põe em movimento para um sujeito dado, ao enfrentar uma segunda língua chamada estrangeira.” Cabe-nos aqui uma compreensão no que tange a essa condições e perfis dos alunos participantes a fim de podermos, conjuntamente, encontrar as soluções para sanar as deficiências e provocar iniciativa e tomada de consciência a seu respeito. Isto já seria uma base sólida para a melhor adequação do nível destes estudantes, para seu desenvolvimento e também para sua satisfação com relação à escolha, caso eles sintam que realmente seja adequada aos seus perfis e seus objetivos. 4.1 Exemplos de Problemas Encontrados na Prática Durante o período do curso, geralmente dividindo as disciplinas por módulos, temos a oportunidade de trabalhar com os alunos pro um breve período (geralmente por um mês) e, eventualmente, nos encontramos por uma vez mais em outra disciplina em módulos alternados. Isto é de certa forma positivo, pois caso possamos compartilhar com eles de mais outro módulo, podemos também observar seu progresso e desenvolvimento. Devemos também salientar que os módulos são de conteúdo bastante técnico e específico, como por exemplo, área de tradução médica, ou tradução jurídica, que, diferentemente da tradução literária ou jornalística, impõe um ritmo de “primeiro contato” com estes mundos tão distintos proporcionando noções bastante introdutórias quanto a corpus, terminologia, envolvimento nos processos de utilização e contexto, além de possibilidades e postura no mercado de trabalho. Afinal, em um mês não é possível abordarmos aprofundadas práticas que são tão necessárias ao desenvolvimento do profissional. Nem é este o escopo dos cursos de pós graduação. Além disso, também notamos uma inegável dificuldade dos alunos na área de versão. É evidente que transpor o nosso ponto de vista, a nossa opinião e a nossa estrutura em outra língua é mais difícil e exige mais tempo e elaboração do que o inverso, pois ”o eu da língua estrangeira não é, PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Alessandra Cani Gonzalez Harmel jamais, completamente o da língua materna.” (REVUZ, 2006). Esta dificuldade se dá porque o tradutor, como usuário e aprendiz da língua estrangeira, “deve por a serviço da expressão de seu eu um vaivém que requer muita flexibilidade psíquica, (...) e um trabalho de análise e de memorização de estruturas linguísticas” (idem, 2006). 5. O QUE É BASICAMENTE NECESSÁRIO A Considerando o que foi apresentado anteriormente, poderíamos começar com dois tópicos de atual e inegável relevância: * Capacitação e especialização da competência técnica e linguística * Orientação e motivação à pesquisa científica * Conscientização a respeito da complexidade da tradução e da tradutologia Por capacitação devemos compreender que há que se levar em consideração não somente a classificação ou nível de avaliação do conhecimento linguístico dos alunos participantes. Deve-se considerar o que e como fazer com essas diferenças de nível. Lidando com elas de forma orientada e proficiente. Um curso de especialização tem a duração geralmente variando entre dezoito e vinte e quatro meses. Existem recursos e sugestões que se forem seguidos no decorrer deste período da especialização mostram-se eficientes e eficazes na qualificação e desenvolvimento do nível de competência linguística. Estes recursos e sugestões podem compreender cursos de extensão, workshops, palestras, cursos práticos de curta duração, educação a distância, laboratório, internet, enfim... uma miríade de possibilidades que só virão a agregar valor ao desenvolvimento linguístico e profissional do pós graduando. A pesquisa científica, por conseguinte, será também motivada e motivadora do processo articulado pelas práticas sugeridas no parágrafo anterior. Afinal, quanto mais se adquire conhecimento a respeito de algo, mais segurança e maior satisfação se alcançam. Deve-se ressaltar que a pesquisa, mormente na área de tradução, é condição básica no trabalho. Faz parte da rotina diária do profissional e o indivíduo que não se sente à vontade com esta filosofia encontrará, claramente, dificuldades e percalços na carreira. Logicamente hoje, com a tecnologia disponível, a tradução é assistida por recursos diversos como softwares que nos são brindados em versões multiplicadas, que vão desde as mais modestas até as mais sofisticadas. Porém, como ouvimos em palestra sobre Recursos de Tradução Assistida que foi conduzida em janeiro de 2012, pelo profissional tradutor Danilo Nogueira “nada substitui a mente humana na interpretação e na solução de problemas encontrados para adequações e escolhas coerentes”. PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Considerações Sobre o Ensino de Tradução: Da Conscientização ao Treinamento de Profissionais Concorrente aos estudos de tradução, podemos novamente citar Ian Martin, sobre estudo de língua estrangeira “é um compromisso para toda a vida” (palestra USP, 2011, tradução nossa), que “o caminho é fazer o caminho”. 6. O QUE MAIS É NECESSÁRIO A Como já falamos anteriormente, “o caminho é fazer o caminho”. Devemos ver que os horizontes se abrem para e com a aquisição do conhecimento, e isto cria limites e possibilidades. Se os profissionais buscam recursos para ampliar seu conhecimento, tanto as agências, nos corpos das instituições, quanto os profissionais que nela se incorporam como docentes e agentes, devem apresentar e fornecer os critérios e as condições para que os objetivos propostos sejam atingidos. Esta identidade é o certamente, que norteará e motivará os alunos/estudantes/profissionais a se realizarem. Essa identidade do docente deve fazer parte do currículo tanto quanto a experiência pessoal do aluno. Essa identidade deve ter por base a filosofia de que a formação deve se dar, concordando com Anne Burns (2005) e Bill Johnston (2003), utilizando-se um repertório que respeite as questões e diferenças entre os a alunos, pois “as fichas dos alunos não caem todas da mesma maneira, ao mesmo tempo”. E com isto, certamente á condições de se formar: * Profissionais mais do que técnicos; estes serão, em dúvida, profissionais agentes de mudanças. * Conscientização social, profissional e científica a fim de elevar-se o nível de classe e também da comunidade. * Tradutores como agentes representantes de outros idiomas e culturas e não somente técnicos que façam transposições, pois hoje em dia, com a tecnologia tão avançada, muitos podem pensar que ele nem mais seja necessário no futuro. Ledo engano! * Valorização mercadológica e acadêmica do profissional tradutor. Esta é realmente a transposição ideal, o alcance do objetivo, a realização do sonho. E para que todas estas possibilidades passe do ideal para o real, o papel do docente mostrase de fundamental importância. Eles devem ser retreinados a se considerar “trabalhadores culturais” e seguir uma perspectiva múltipla e intercultural, utilizando-se de uma abordagem ativo-social a fim de lograr a experiência de envolvimento na cultura e na aprendizagem. Essa aprendizagem é a essência de uma educação que contrariamente à noção de produção de capital humano, tornar-se-á a educação para realização pessoal e social. PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011 Alessandra Cani Gonzalez Harmel CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo fato de os alunos participantes de cursos de Especialização advirem de formações diversas, que não necessariamente graduados em Tradução ou Letras, pode-se ter a impressão de que não seriam tecnicamente tão habilitados para o cumprimento da função. Sabemos que não é esse o caso já que existem milhares de profissionais no mercado que obtiveram formação e experiência diversas, e que sendo proficientes e experientes em idiomas, podem muito bem realizar um trabalho de excelente nível e de qualidade. Todavia, muitos deles buscam os cursos de especialização como um agente promotor de melhor nível de trabalho, maior conhecimento, e também networking, fator motivacional e muitas vezes condição sine qua non nas mais variadas profissões e carreiras nos dias de hoje. Para que eles possam atingir seus objetivos ao buscar esta especialização, tanto a agência representada pela instituição elegida quanto seu corpo docente devem oferecer motivação e conscientização aos seus alunos, pois a motivação torna o aprendizado mais rápido (MARTIN, Ian, 2011). Alie-se esta motivação à perspectiva de pertencer a e de se tornar algo, e poderemos dizer que chegaremos à expansão de horizontes pela expansão dos indivíduos. E com isto teremos então a suplantação da “idéia do bom”, para a “idéia do melhor”. Como citar: HARMEL, Alessandra C.G..CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE TRADUÇÃO: DA CONSCIENTIZAÇÃO AO TREINAMENTO DE PROFISSIONAIS. PROFT em Revista: Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011, v. 2, n. 2, p. 83-95. jun 2012. Referências ANDRADE, Eliane Righi de. Entre o desejo e a necessidade de aprender línguas: a construção das representações de língua e de aprendizagem do aluno-professor de língua inglesa / Eliane Righi de Andrade. -- Campinas, SP: [s.n.], 2008. FINK, Bruce. O Sujeito Lacaniano. Entre a linguagem e o gozo, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, pág. 87 PRASSE, Jutta. O Desejo das Línguas Estrangeiras in Revista Internacional, Companhia de Freud, 1997, págs. 71. REVUS, Christine. “Língua Estrangeira entre o desejo de um lugar e o risco do exílio”, in Linguagem e identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado, Inês Signorini (org.) Campinas, SP, Mercado de Letras, 1998 – Coleção Letramento, Educação e Sociedade, pags. 213 a 230. PROFT em Revista Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011