COMPORTAMENTO
em foco
4
20 anos
1991 .2011
Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Comportamento em foco 4
Nicodemos Batista Borges ... [et al.]. – São Paulo: Associação Brasileira de
Psicologia e Medicina Comportamental - ABPMC, 2014.
250 p.
ISBN: 978-85-65768-03-0
1. Comportamento 2. Cognição 3. Análise do Comportamento
4. Behaviorismo
I. Título.
BF199
Organização | Nicodemos Batista Borges
Lívia Ferreira Godinho Aureliano
Jan Luiz Leonardi
Instituição organizadora | Associação Brasileira de Psicologia e
Medicina Comportamental - ABPMC
Projeto gráfico e diagramação | Mila Santoro
Revisão ortográfica | Rodrigo R. C. Boavista
Revisão normas APA | Mariana Rezende
Setembro 2014
4
COM
POR
TAM
ENT
O em
foco
Apresentação
Em continuidade ao compromisso de difusão de conhecimento com a qual Associação
Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC) está comprometida ao
longo desses mais de 20 anos de existência, apresentamos o quarto volume da coleção
Comportamento em Foco.
Comportamento em Foco foi a publicação criada pela ABPMC para substituir
e dar continuidade à coleção Sobre Comportamento e Cognição, a qual foi de grande
importância para o desenvolvimento de nossa comunidade no Brasil. Visando elevar a
importância científica dessa publicação, o Volume 4 contou com uma avaliação por parte
de profissionais doutores em suas áreas, prática esta que os atuais editores defendem que
deve ser mantida nos próximos volumes.
Esta publicação caracteriza-se pela compilação de capítulos de alguns dos trabalhos
apresentados no XXII encontro anual promovido pela ABPMC em 2013. Como dito
anteriormente, todo o material enviado pelos autores foi submetido a revisões por
profissionais doutores reconhecidos em suas áreas de atuação, além de passar por revisão
gramatical e de normas da APA, com o objetivo de torná-lo mais claro e preciso. Por
fim, antes de enviar para editoração, os capítulos contaram, ainda, com a leitura dos
organizadores. Todo esse trâmite não teve o caráter de recusa à publicação, ficando
os autores livres para atender ou não as sugestões enviadas. Assim, os conteúdos dos
capítulos não expressam, necessariamente, a opinião dos organizadores, nem tampouco
da nossa associação, sendo de total responsabilidade dos autores.
Na organização do volume, tentamos elaborar uma sequência entre os capítulos de
modo a contribuir com seus leitores. Deste modo, dividimos o material em conjuntos,
iniciando por um que discute a prática clínica e as “psicopatologias”, na sequência
apresentamos capítulos que versam a respeito de comportamento verbal (tanto
conceituais quanto relatos de pesquisa) e encerramos com capítulos que tratam de temas
como educação, comportamento de escolha e autocontrole.
Um outro esforço feito por esses organizadores foi de lançar esse volume juntamente
com o nosso XXIII encontro, visando instigar mais autores a submeterem seus capítulos
para os próximos números.
Por acreditarmos que o desenvolvimento da área passa pelo debate de ideias, sendo
esse o caminho para o aperfeiçoamento de nossas práticas, agradecemos imensamente
a contribuição dos doutores que aceitaram nos ajudar nessa empreitada, os quais estão
listados a seguir. Agradecemos aos nossos revisores queridos que, assim como nós,
aceitaram essa tarefa por amor à nossa associação. Queremos parabenizar a Mila Santoro
pelo excelente trabalho de editoração. Por último, porém não menos importante,
queremos agradecer à atual diretoria por terem confiado a nós essa missão, a qual
esperamos ter cumprido a contento.
Um abraço a todos,
Nicodemos Borges
Lívia Aureliano
Jan Luiz Leonardi
20 anos
Organizadores
1991 . 2011
3
20 anos
anos
1991 . 2011
20 anos
1991 . 2011
Lista de Colaboradores
Adriana Cunha Cruvinel
Alexandre Dittrich
Ana Karina Leme Arantes
Ana Carmen de Freitas Oliveira
Bruno Strapasson
Cássia Roberta da Cunha Thomaz
Cristina Belotto da Silva
Denise de Lima Oliveira Vilas Boas
Diego Zilio
[Pareceristas Doutores]
Centro Universitário UNA
Universidade Federal do Paraná
Universidade Federal de São Carlos
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Universidade Federal do Paraná
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Instituto de Terapia e Ensino do Comportamento Humano
Universidade de Fortaleza
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Bauru)
Fernando Albregard Cassas
Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento
Giovana Del Prette
Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento
Hélder Lima Gusso
Universidade Positivo
João Henrique de Almeida
Juliana Cristina Donadone
Paulo Roberto Abreu
Ricardo Corrêa Martone
Robson Nascimento da Cruz
Rodrigo Araújo Caldas
Universidade Norte do Paraná
Universidade Federal de Mato Grosso
Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba
Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Faculdade Santíssimo Sacramento
Saulo Missiaggia Velasco
Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento
William Ferreira Perez
Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento
COMPO
RTAME
NTO em
foco 4
Sumár
7 Procedimentos de observação e registro: da clínica à pesquisa aplicada
io
Priscila Benitez . Carolina Coury Silveira . Chayene Hackbarth . Luziane de Fátima Kirchner .
Paulo Sérgio Teixeira do Prado
19 Demandas Sociais versus Repertórios Básicos de Comportamentos:
suas implicações à instalação das psicopatologias
Gina Nolêto Bueno . Guliver Rebouças Nogueira . Lohanna Nolêto Bueno
27 Psicopatologias de acordo com as abordagens tradicional e funcional
Gina Nolêto Bueno . Letícia Guedes Nobrega . Maíra Ribeiro Magri . Lohanna Nolêto Bueno
39 Depressão sob o enfoque comportamental
Lohanna Nolêto Bueno . Ilma A. Goulart de Souza Britto
47 Sobre o comportamento do esquizofrênico
Ilma A. Goulart de Souza Britto . Gina Nolêto Bueno . Roberta Maia Marcon
55 Transtorno de personalidade borderline:
contribuições da clínica comportamental
Rodrigo R. C. Boavista
65 Variáveis de controle dos comportamentos culturalmente denominados
de idealização e possibilidades clínicas
Rhuam Gabriel Cavalcante Brandão
73 Terapia de exposição ao estímulo fóbico com uso de realidade virtual:
uma revisão bibliográfica
João Ilo Coelho Barbosa . Lindomário Sousa Lima
83 Fobia social e terapia analítico - comportamental: contribuições do
acompanhamento terapêutico
Luciana Leão Moreira . Ana Luiza Santos Braga
91 Atendimento psicoterápico comportamental de uma mulher adulta com
comportamentos característicos de dependência afetiva
Paula Alcântara Bastos . Milena Mendonça Dos Santos . Silvia Canaan Stein
107 Relatos sobre comportamentos associados à manutenção da perda de peso
em famílias após intervenção comportamental
Doralice Oliveira Pires Dias . Larissa Andrade Bento . Sônia Maria Mello Neves .
Ricardo Rodrigues Borges
20 anos
1991 . 2011
20 anos
anos
1991 . 2011
20 anos
1991 . 2011
COMPO
RTAME
NTO em
foco 4
Sumár
io
125 Comportamento verbal: diferentes perspectivas de ensino
individualizado com variadas populações
Anderson Jonas das Neves . Leylanne Martins Ribeiro de Souza . Máyra Laís de Carvalho
Gomes . Priscila Benitez . Ricardo M. Bondioli . Ana Claudia Moreira Almeida Verdu .
Camila Domeniconi . Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil
143 Manipulação de trechos de instruções: teoria, pesquisa e aplicação
Ronaldo Rodrigues Teixeira Júnior
155 Efeito do ensino da resposta por construção de sentenças sobre a leitura
generalizada recombinativa
Grauben José Alves de Assis . Ana Carolina Galvão da Fonseca . Taynan Marques Bandeira
173 Efeitos da magnitude da punição na correspondência verbal em
situação lúdica
Rayana Lima Brito . Carlos Augusto de Medeiros . Fabio Hernandez de Medeiros .
Rogéria Adriana de Bastos Antunes . Luis Guilherme de Souza
189 Correspondência verbal em um jogo de cartas: perguntas abertas e fechadas
Roberliane da Silva Souza . Suzana Soares Guimarães . Rogéria Adriana de Bastos Antunes .
Carlos Augusto de Medeiros
205 Ansiedade à matemática e desempenho em tarefas de aritmética em
estudantes do ensino fundamental ii
Alessandra Campanini Mendes . Alana Faggian . Aline Cristina de Souza .
Camila Straforin de Oliveira . Dorival José Bottesini Junior . Marcelo Henrique Oliveira
Henklain . Rogério Crevelenti Fioraneli . Talita Toledo Costa . João dos Santos Carmo
215 Efeitos do atraso do reforço sobre a escolha em condições com esquemas
concorrentes simples variáveis
Daniel Carvalho de Matos . Thiago Peppe Del Poço . Vanessa Diana Di Rienzo .
Paulo André Barbosa Panetta
231 O ser humano capaz de dar direção à sua vida
Enzo Banti Bissoli . Nilza Micheletto
20 anos
1991 . 2011
20 anos
anos
1991 . 2011
20 anos
1991 . 2011
Procedimentos de observação e registro: da clínica à pesquisa aplicada
Priscila Benitez1
Carolina Coury Silveira
Chayene Hackbarth
Luziane de Fátima Kirchner
Universidade Federal de São Carlos
Paulo Sérgio Teixeira do Prado
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Resumo
Palavras-chave: clínica, observação, registro, pesquisa aplicada
1 Bolsista FAPESP (Processo nº 2010/16701-0). Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
A observação sistemática é um recurso importante para os psicólogos, modificadores do
comportamento e pesquisadores. É considerada um dos instrumentos mais satisfatórios para a
obtenção de dados que, entre outras coisas, aumenta a compreensão a respeito do comportamento a
ser investigado, facilita o levantamento de hipóteses diagnósticas e permite acompanhar o desenrolar
de uma intervenção e testar a sua eficácia. Apesar disso, é um recurso que pode vir a ser mal utilizado
tanto em pesquisas aplicadas quanto na prática clínica. O presente capítulo aborda a observação
e o registro de comportamentos no âmbito clínico e na pesquisa aplicada. Primeiramente, são
apresentados os pressupostos básicos sobre observação e registro. Na sequência, a possibilidade de
aplicabilidade da observação e registro em situação clínica e, por último, são apresentados dados de
observação direta e registro de comportamentos numa pesquisa aplicada. Pôde-se concluir que o uso
dos estudos observacionais é bastante restrito e assim, a preferência por medidas de autorrelato como
fonte de investigação deve ser a preocupação central para pesquisadores e terapeutas comprometidos
com a efetividade das intervenções que propõem. Deste modo, torna-se imprescindível que a prática
da observação e do registro sistemático de comportamentos, especialmente no âmbito da pesquisa
aplicada e da prática clínica, seja aperfeiçoada e conduzida de modo sistemático e minucioso.
7
Para explicar um fenômeno comportamental de maneira científica, é necessário que ocorra uma
observação prévia, um registro minucioso e uma descrição detalhada de tal fenômeno. A partir da
observação e registro criterioso dos fenômenos comportamentais, é possível classificar relações
complexas, encontrar possíveis variáveis interferentes em cada um deles e realizar uma análise das
unidades básicas destes comportamentos (Britto, Oliveira & Souza, 2003).
A observação e o registro se tornam necessários em outros âmbitos, além dos experimentos
controlados típicos da pesquisa básica. Cano e Sampaio (2007) ensinam que estas são ferramentas
fundamentais, desde que aplicadas de maneira estruturada e sistemática, nas práticas clínicas e
pesquisas aplicadas.
Garantir um registro confiável na atividade clínica e na pesquisa aplicada é condição necessária
para que o pesquisador e/ou terapeuta possa identificar os efeitos da intervenção implementada, bem
como investigar a interferência de potenciais variáveis intervenientes. Contudo, diferentemente da
pesquisa experimental, nestes contextos, muitas vezes não é possível realizar um controle rígido de
todas as variáveis que poderiam influenciar no procedimento proposto.
Este capítulo pretende apresentar de maneira didática o que é a observação e o registro de
comportamentos no âmbito da Análise do Comportamento, para que servem e como podem ser
realizados em situações costumeiramente desafiadoras. Para isso, foram propostos três tópicos de
discussão: (1) apresentação dos pressupostos básicos de observação e registro de comportamentos,
(2) a possibilidade da realização de observação direta e registro de comportamentos no processo
de atendimento de um caso clínico, e (3) apresentação de dados de observação e registro de
comportamentos numa pesquisa aplicada.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Benitez . Silveira . Hackbarth . Kirchner . Prado
1 Pressupostos básicos sobre observação e registro de comportamentos
8
O termo “observar” traz conotações que divergem, de acordo com o fenômeno observado e o
propósito da investigação. A observação é algo inerente ao indivíduo, é a maneira pela qual ele avalia
e aprende sobre o mundo ao seu redor (Danna, & Mattos, 2006). Observar, para o senso comum,
pode ser o ato de “olhar cuidadosamente para algo ou alguém”, bem como sinônimo de examinar,
analisar ou verificar (Ferreira, 1988).
Enquanto método científico, a observação envolve mais do que o ato de “olhar cuidadosamente”,
deve envolver recursos - apresentados adiante - para tornar os registros de observação mais confiáveis
e fidedignos ao fenômeno estudado.
De acordo com Hutt (1974), os estudos observacionais foram muito frequentes na década de 1920
e as técnicas de observação sistemática do comportamento são reconhecidas desde os estudos de
Charles Darwin sobre o comportamento do homem e outros animais. Exemplos importantes de
abordagens teóricas que influenciaram enormemente a realização de estudos observacionais foram
a Etologia, com estudos sobre o comportamento animal (e.g. Carvalho, 1972; Cunha, 1967; Ades,
1972) e a Análise do Comportamento, como no caso dos estudos sobre a interação mãe-criança
(Marturano, 1972; Sollitto, 1972), autocontrole do comportamento alimentar (Kerbauy, 1972) e
modificação do comportamento pré-escolar (Mejias, 1973).
Atualmente, estudos observacionais contam com tecnologia audiovisual avançada para captar
som e imagem com qualidade e técnicas de registro capazes de coletar dados mais fidedignos acerca
dos fenômenos investigados (Steiner et al., 2013). Autores contemporâneos defendem a observação
direta como principal método de investigação (Benitez & Domeniconi, 2012; Löhr; 2003; Steiner
et al., 2013), porém, na prática clínica, este recurso ainda é pouco explorado (Britto et al., 2003;
Sturmey, 1996).
De acordo com Sturmey (1996), pesquisadores e clínicos ainda optam por medidas de autorrelato,
como fonte de investigação do comportamento, pela praticidade e baixo custo que estas medidas
oferecem. Entretanto, como apontam Danna e Matos (1996; 2006), a observação do comportamento
é o recurso mais eficaz para identificar diferentes dimensões do comportamento (e.g. frequência,
duração, desempenho) e avaliar, em situação natural ou ambiente de laboratório, as relações existentes
entre o comportamento e certas circunstâncias ambientais, de modo a prevê-las e modificá-las.
Dentre as vantagens da observação direta, enquanto método de investigação, Fagundes (2006)
mostra contribuições como: (a) aumentar a compreensão a respeito do comportamento a ser
investigado, (b) facilitar o levantamento de hipóteses acerca do problema, e (c) acompanhar uma
intervenção, avaliando seus efeitos e eficácia. Além disso, pode ser utilizado por psicólogos em
diferentes situações de aplicação (clínica, escola, empresa) e em pesquisas.
Embora existam muitas vantagens, alguns procedimentos devem ser adotados com o intuito de
minimizar vieses dos dados coletados. Um dos principais cuidados é a neutralidade do observador,
isto é, ele deve se ater aos fatos efetivamente observados, sem fazer interpretações pessoais (Danna
& Matos, 1996). Além disso, o observador deve estabelecer o local e os sujeitos a serem observados,
as situações e os comportamentos que serão observados e, por fim, definir a técnica de registro a ser
utilizada (Batista, 1985; Hutt, 1974).
No tópico subsequente, segue uma discussão acerca da aplicação da observação e registro no
âmbito clínico.
A observação direta dos comportamentos do cliente em sessão e a maneira como eles são
registrados têm fundamental importância para a análise de contingências que vigoram na rotina
daquele indivíduo. A observação direta é uma técnica utilizada na investigação científica que permite
ao clínico registrar detalhes da interação terapêutica e classificar relações complexas, por exemplo,
criando categorias de classes de respostas ocorridas durante a sessão (Britto et al., 2003).
De Rose (1997) ressalta a relevância do relato verbal como fonte de dados. O autor chama a
atenção para a importância do estudo da presença de controle de estímulos sobre respostas verbais
dos indivíduos. Segundo Britto, Oliveira e Sousa (2003) são poucos os estudos que correlacionam e/
ou analisam métodos de observação direta e descrição de medidas de comportamento em contextos
clínicos. Esta seção visa descrever, de modo sucinto, um caso clínico de terapia comportamental
infantil e apresentar como a observação direta e o método de registro empregado permitiram
análises efetivas para a modificação de variáveis ambientais que exerciam controle direto nos
comportamentos-problema do cliente.
Benitez . Silveira . Hackbarth . Kirchner . Prado
Comportamento em Foco 4 | 2014
2 Observação e registro na perspectiva da Análise do Comportamento
no contexto clínico
9
Apresentação do caso
a. Cliente
Sexo masculino, sete anos de idade, possui uma irmã de três anos. Caracterizava-se por ser uma
criança sorridente que não falava muito, mas seguia todas as orientações que a terapeuta fornecia sem
questionar, entretanto, de maneira lenta e distraindo-se com muita facilidade. O cliente demorava
muito para realizar qualquer atividade solicitada e costumava justificar tudo que realizava, por
exemplo, “acertei o que escrevi porque eu sou muito bom”, ou “porque a borracha estava aqui” (sic).
Os pais relataram dificuldades para disciplinar o filho. Disseram que ele sempre os “corrigia”, dava
broncas nos dois, estava frequentemente irritado e chorava com muita facilidade. Contaram que o
filho era muito distraído, se esquecia de tudo muito rapidamente e ainda que o filho sempre estivesse
sozinho nas saídas da escola, não contava muito sobre amigos e que acreditavam que ele não os tinha.
A mãe ressaltou que o cliente fantasiava muito, não com brinquedos convencionais, mas com
alguns materiais específicos como barbantes, fios, papel, terra e trens. Por fim, relataram que o filho
criava muitas regras para brincar e acabava não brincando, apenas ficava ditando as regras do jogo
inventado aos pais.
b. Procedimento
Foi solicitada aos pais a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que autorizava
a divulgação dos dados e assegurava o sigilo da identidade do cliente. Foram realizadas 55 sessões de
terapia com duração média de 60 minutos cada, em consultório particular. Durante o atendimento, a
terapeuta registrava os comportamentos verbais do cliente em uma tabela e possíveis antecedentes e
consequências produzidas pelo cliente no ambiente. A Tabela 1 apresenta alguns exemplos de como
a tríade comportamental foi registrada nas primeira e segunda metade do processo terapêutico.
Tabela 1
Exemplos de registro de contingências de três termos dos comportamentos problemas
do cliente na primeira e segunda metade do processo terapêutico
Primeira metade do processo terapêutico
Comportamento em Foco 4 | 2014
Benitez . Silveira . Hackbarth . Kirchner . Prado
SD
10
R
SC
Ar condicionado
Interrompe o que está falando, e
fala sobre o ar condicionado
T. conversa sobre o ar
condicionado
Lápis, mesa e restos de borracha
Interrompe a atividade, e limpa a
mesa sete vezes
Mesa limpa
Atividade: “Adivinhe qual é a
emoção?” – Apresentação de
face alegre.
“Cara de sono” (sic)
T. diz “a emoção é felicidade” (sic).
T. dá exemplos de situações que
lhe provocam felicidade
Segunda metade do processo terapêutico
SD
R
SC
Presença da T.
Conta histórias sobre fios e
barbantes
T. inicia nova atividade
Presença da T. e de “RG” de
brinquedo
Diz “RG, retirado de Gustavo”
(sic)
T. solicita que fale a mesma coisa
de três maneiras diferentes
Timer toca sinalizando fim da
brincadeira
Guarda os brinquedos
T. sinaliza que ele pode escolher
qual será a próxima atividade
O registro frequente de comportamentos e dos seus possíveis determinantes (estímulos
antecedentes e consequentes) possibilitou que a terapeuta identificasse um padrão de respostas do
cliente que, de acordo com a literatura, é característico da síndrome de Asperger (DSM IV, 1994).
A síndrome caracteriza-se, principalmente, pela apresentação de distúrbios sociais, de maneira
diferente do transtorno do espectro autista, pois mantém preservadas a linguagem e capacidade
intelectual do indivíduo. Como estas habilidades encontram-se preservadas, muitas vezes os déficits
de socialização e de flexibilização cognitiva podem ficar mascarados, o que favorece o diagnóstico
tardio, ou até mesmo ausência de diagnóstico.
A Síndrome de Asperger é descrita por uma série de critérios diagnósticos no DSM IV (Diagnostic
and Statistical Manual for Mental Disorders, 1994), alguns deles são: (a) interesses restritos por um
assunto, (b) interpretação literal, isto é, incapacidade para interpretar ironias, mentiras e metáforas,
(c) pensamento concreto, (d) dificuldade para entender e expressar emoções, (e) dificuldade com
comunicação não verbal, (f) falta de autocensura (falar tudo que venha à cabeça), (g) atraso no
desenvolvimento motor e coordenação motora (inclusive escrita), (h) dificuldades para generalizar
aprendizado, (i) dificuldades com organização e execução de tarefas e (j) apego a rotinas e rituais.
Alguns destes comportamentos foram observados em sessão pela terapeuta e registrados pelos
pais. Exemplos dessa situação: arrumar os lápis repetidamente durante as atividades, pedir para
limpar a mesa repetidamente, apresentar costumeiramente verbalizações de autorregras, como
“precisa fazer o que é preciso” (sic), ou apresentar uma explicação elaborada de algo irrelevante
(exemplo, explicar por que o pingo na letra “i” deve ser feito apenas com um ponto e não com um
círculo preenchido e pintado), procurar erros irrelevantes na escrita e querer arrumá-los (exemplo,
deixar todas as letras “l” com igual tamanho e com outra cor), caligrafia precária, falta de pontuação
e espaço entre palavras, falta de noção espacial na escrita de um texto, dificuldades com escolhas
(exemplo, levantava prós e contras para decidir com qual cor iria pintar um desenho), gritava e
dava chutes no ar quando os pais solicitavam interrupção de algum comportamento, ou sem motivo
aparente, compreensão literal de falas e situações, apresentando dificuldades para compreender
abstrações e metáforas, com explicações sempre pautadas em raciocínios ilógicos para as outras
pessoas (exemplo, explicava longamente e de maneira confusa porque naquele dia decidiu colocar
chinelo e não sandália), dentre outros.
Na Tabela 1, nota-se que alguns destes critérios foram observados no padrão de responder do
cliente, aparecendo desde a primeira sessão até os últimos atendimentos. A partir da identificação
deste padrão comportamental, a terapeuta pôde desenvolver e implementar intervenções específicas
que facilitaram a relação do cliente com os pais, com ela mesma e ainda com outros indivíduos que
conviviam com ele, como colegas de escola, tios e avós. Alguns dos objetivos terapêuticos estabelecidos
foram: (a) desenvolver habilidades sociais, (b) ensinar o cliente a organizar seu tempo para a realização
de atividades cotidianas, (c) ensinar expressões faciais e emoções, (d) ajudá-lo a identificar variáveis
responsáveis por acontecimentos pelos quais dava explicações ilógicas, (e) modelar e dar modelo de
como se comportar para estabelecer interações sociais efetivas, dentre outros.
A partir da análise das tríades comportamentais registradas ao longo do processo terapêutico, foi
possível identificar que o cliente não entendia os pedidos e explicações dos pais em cada situação.
De modo semelhante, não entendia algumas explicações e solicitações da terapeuta em sessão.
Esta dificuldade estava diretamente relacionada com pedidos que exigissem abstrações verbais e
que concorriam com autorregras do cliente, impossibilitando-o de seguir as regras dos pais ou da
terapeuta. Esta conclusão facilitou a compreensão do caso de maneira geral, pois os pais e a terapeuta
passaram a compreender a topografia desses comportamentos, sem identificá-los em uma categoria
de opositor-desafiante, mas sim em um aspecto mais geral, no que concerne à falta de repertório
comportamental mais flexível e variável, a depender do contexto em vigor.
Benitez . Silveira . Hackbarth . Kirchner . Prado
Comportamento em Foco 4 | 2014
c. Resultados e discussões sobre os dados
11
Comportamento em Foco 4 | 2014
Benitez . Silveira . Hackbarth . Kirchner . Prado
Após esta análise, foram propostas as estratégias abaixo para a intervenção clínica:
12
a. Construção com o cliente e os pais de um quadro de atividades rotineiras e horários que
o cliente deveria seguir (escovar os dentes, se trocar para ir à escola e outros), tendo como
objetivo ensiná-lo a organizar o tempo que ele tinha disponível para realizar cada atividade
cotidiana. Os pais foram instruídos a registrar os dias em que o cliente não completou
as atividades e qual foi a instrução dada. Estes registros eram discutidos em sessões de
orientação aos pais, possibilitando identificar melhores maneiras dos pais instruírem o filho,
certificando-se para a utilização de regras mais curtas e claras que evitassem distrações para
o que era irrelevante.
b. Elaboração de histórias em quadrinhos junto ao cliente. A cada sessão deveriam ser
desenhadas, pintadas e escritas duas falas de dois quadrinhos. Essa estratégia foi utilizada
como recurso para desenvolvimento de repertório de prontidão, atenção, concentração,
comportamento criativo, comportamentos de fantasiar e brincar sem concorrer com
autorregras do cliente.
c. Construção de um quadro em que o cliente deveria responder perguntas sobre ele mesmo
com desenhos, colagens ou escrita.
d. Brincadeiras com carrinhos, bonecas e animais para observar dificuldades em fantasiar. A
terapeuta dava modelos e modelava comportamentos relacionados ao brincar, tanto com o
cliente, quanto com os pais nas sessões de orientação. Por exemplo, pegar na mão do filho,
olhar para ele e dizer “o que será que seu bonequinho vai responder agora?”. A intervenção
tinha como objetivo facilitar a interação do cliente com outros colegas de sua idade.
e. Atividade em que o cliente deveria tentar identificar em figuras de expressões faciais
quais sentimentos expressavam e em quais situações o cliente sentia-se daquela forma.
A terapeuta também dava modelos de como expressar sentimentos e pensamentos, bem
como auxiliava o cliente a relacionar eventos de sua vida com possíveis comportamentos
privados emitidos por ele.
f. A terapeuta explicava peculiaridades de interações sociais que o cliente demonstrava não
entender. A partir da explicação, modelava novas respostas que poderiam aumentar a chance
de reforçamento em cada contexto. Foram utilizadas situações relatadas pelos pais e pelo
cliente para perguntar a ele se sabia o que tinha acontecido na situação e juntos pensavam
em comportamentos alternativos que poderiam ser mais efetivos na mesma situação. Por
exemplo, o pai relatou que o cliente não se trocou para ir à escola porque precisou ir ao
banheiro e quando perguntou “por que você ainda não está pronto?” (sic), o filho respondeu
“porque eu não me troquei” (sic). Uma resposta alternativa dada pela terapeuta como modelo
para o cliente foi “porque me deu vontade de ir ao banheiro e isso me atrasou”, em seguida a
terapeuta solicitava que o cliente desse outras respostas alternativas.
d. Considerações finais do caso
Os pais relataram melhoras significativas do cliente em relação à obediência e aceitação de regras
definidas por eles. Também relataram melhora nas interações do cliente com outras crianças, além
de que percebiam que o filho estava se posicionando mais nas brincadeiras, conseguindo brincar
(não apenas formando regras das brincadeiras) e estava mais habilidoso (aceitando brincar com o
que a outra criança queria e colocando condições de como gostaria que fosse a brincadeira). Os pais
comentaram também que os ataques de “irritação e birra” (sic) não aconteciam mais.
Em contexto clínico, a terapeuta também conseguiu observar evoluções importantes. O cliente
conseguia completar suas atividades dentro do tempo esperado (o que também foi observado pela
professora de sala de aula), passou a identificar de maneira efetiva expressões e verbalizações e
apresentou melhora expressiva na qualidade de suas interações interpessoais (com seus pais, colegas
de sala de aula e terapeuta).
A observação direta e o registro sistemático das sessões terapêuticas foram estratégias primordiais
para a identificação do padrão de respostas do cliente. Esta identificação possibilitou a implementação
de intervenções específicas, individuais e, portanto, mais efetivas para os comportamentos-problema
deste. A falta de registro da observação da terapeuta, neste caso clínico, poderia acarretar na
identificação incorreta da função dos comportamentos-alvo do cliente e assim, em intervenções mal
sucedidas. Fica evidente a relevância do registro das respostas do cliente em sessão e em ambiente
natural e dos possíveis determinantes para estas respostas, como essencial no sucesso das intervenções
implementadas e na expressiva melhora na qualidade das interações interpessoais deste.
O tópico a seguir trata da observação e registro no contexto de pesquisa aplicada.
A observação pode ser realizada de modo informal, ou seja, sem considerar uma sistematização
específica, ou pode respeitar um conjunto de normas e/ou protocolos. Quando utilizada para
fins de pesquisa científica é nomeada de observação científica e tem o propósito de viabilizar
a consecução do objetivo da investigação a ser realizada (Cano & Sampaio, 2007; Ferreira &
Mousquer, 2004). É importante destacar que a observação assistemática também pode servir à
coleta de dados em pesquisas científicas, todavia, tal condição dependerá do objetivo traçado para
o estudo (Murta, 2005).
Na pesquisa aplicada, a observação e o registro não devem ser suscetíveis a qualquer
inferência, visto que o fenômeno (unidade de análise, por exemplo, o comportamento) deverá ser
observado e registrado tal como ocorre na situação de investigação. Com base nos pressupostos
comportamentais, recomenda-se que o registro seja elaborado a partir da observação e transcrição
de cada comportamento, ou melhor, a partir da observação e registro de diferentes respostas em suas
relações funcionais (Danna & Mattos, 2006).
Nessa perspectiva, Todorov (1982) sugere que o trabalho de pesquisa desenvolvido com
base nos achados comportamentais deveria, fundamentalmente, contemplar a observação e o
registro contínuo do comportamento. Ademais, o autor destaca a importância de observações
casuais, observações controladas de campo, observações clínicas e observações controladas do
comportamento em instituições.
No que concerne à metodologia observacional, Cano e Sampaio (2007) realizaram um mapeamento
de estudos científicos publicados em âmbito nacional, identificando 116 estudos, publicados entre
1970 e 2006, com diferentes temáticas de investigação, como a observação de crianças nos mais
diferentes ambientes, a relação mãe-bebê, além de estudos que contemplaram a observação na
formação de psicólogo. Os autores apresentaram, por fim, uma proposta de construção de protocolos
de pesquisa, cujo objetivo seria auxiliar a observação sistematizada, por exemplo, a partir do uso de
recursos audiovisuais no momento da coleta de dados.
Em outro estudo de revisão sobre o uso de entrevista e observação, Belei, Gimeniz-Paschoal,
Nascimento e Matsumoto (2008) investigaram adicionalmente o emprego de videogravação, no
período de 1977 até 2005. Inicialmente, o estudo recomenda o desenvolvimento de entrevistas que
permitam a coleta de informações gerais sobre o fenômeno em investigação. O intuito de tal manobra
seria obter um conjunto de dados qualitativos acerca do mesmo. Posteriormente, é proposto o uso
da observação em conjunto com a videogravação como método para garantir a correspondência dos
dados coletados a partir da entrevista com a realidade. Outro benefício da gravação em vídeo seria
a possibilidade de revisão dos comportamentos registrados, o que favoreceria registros imparciais,
Benitez . Silveira . Hackbarth . Kirchner . Prado
Comportamento em Foco 4 | 2014
3 Observação e registro de comportamentos na pesquisa aplicada
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Benitez . Silveira . Hackbarth . Kirchner . Prado
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compostos apenas pela descrição do comportamento, sem inferências do observador. Por fim, os
autores sugerem a utilização complementar dos três recursos, a saber, entrevista, observação e
gravação em vídeo.
No que tange à relevância social das metodologias de observação e registro sistemático, defende-se
que seu uso possa gerar descrições detalhadas do comportamento, o que permitiria que diferentes
profissionais dialogassem em paridade de condições sobre o fenômeno observado. Exemplos desses
argumentos são: o Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM-IV (1994) e
a Classificação Internacional de Doenças – CID10 (Cano & Sampaio, 2007).
Uma limitação apresentada em relação ao método observacional refere-se à presença do observador
e/ou do local de observação. Alves et al. (1999) consideram que tais variáveis seriam capazes de alterar
o comportamento observado. Outro desafio imposto à observação científica é a possibilidade de
que muitos fatos ocorram simultaneamente, o que dificultaria a observação completa e imediata do
fenômeno sob investigação. Para minimizar este problema, Ferreira e Mousquer (2004) sugerem o uso
de filmagens, ainda que tal procedimento possivelmente possa tornar a investigação mais onerosa.
A adoção do uso de filmagens em situações aplicadas de observação foi documentada no estudo
de Benitez e Domeniconi (2012). As autoras categorizaram e quantificaram os tipos de dicas orais
fornecidas por familiares, enquanto aplicavam um programa de ensino de leitura e escrita (de Rose,
de Souza & Hanna, 1996; de Souza, de Rose & Domeniconi, 2009) com aprendizes com deficiência
intelectual. O procedimento consistiu em supervisões nas residências para orientar os familiares
quanto à aplicação das sessões de ensino, com o uso de filmagem das sessões e observação pela
pesquisadora. A análise de dados ocorreu a partir da revisão de todas as filmagens realizadas ao
longo das supervisões, em busca de verbalizações fornecidas pelos monitores (familiares) para os
aprendizes, durante a aplicação das sessões do programa de ensino de leitura e escrita. A partir da
observação e registro sistemático, os autores quantificaram e categorizaram as verbalizações dos
familiares (adequadas, como: fornecer a instrução da tarefa e elogiar; inadequadas: apontar erros na
resposta do aprendiz e responder por ele), durante a aplicação das sessões. Tais achados contribuíram
para o desenvolvimento de treinamentos futuros de familiares que possam atuar como monitores de
seus filhos, durante a aplicação do programa de ensino de leitura e escrita.
Embora o trabalho de Murta (2005) tenha se dedicado a realizar um mapeamento teórico do campo
do treinamento de habilidades sociais (THS), é importante que seja discutido no presente estudo,
devido à identificação do uso da observação enquanto metodologia para avaliar o resultado dos
treinamentos propostos pelos autores na área em destaque. Conforme descrição da autora, a observação
direta do comportamento, em consonância com o registro de cada evento, são estratégias utilizadas
para auxiliar na avaliação dos comportamentos ensinados em THS, em situações naturalísticas.
Para ilustrar esse debate, o estudo de Lohr (2003) foi conduzido com crianças em situações escolares.
A autora propôs uma entrevista semiestruturada para avaliar o relato dos pais em relação aos progressos
das habilidades sociais de seus filhos. Lohr (2003) comenta ainda que a prática era combinada com a
observação durante as atividades escolares. Esses dados foram ao encontro dos de Murta (2005) e de
Todorov (1982), no sentido de defender a observação contínua do comportamento-alvo.
A revisão da literatura - e a consideração dos debates expostos - viabilizou a construção de um
checklist para o melhor emprego da observação e registro de comportamentos no contexto da
pesquisa aplicada. Foram identificadas 12 condições fundamentais, são elas:
a. Identificação das atividades propostas, de acordo com cada objetivo de pesquisa;
b. Identificação dos sujeitos envolvidos;
c. Aplicação de entrevistas (Belei, Gimeniz-Paschoal, Nascimento & Matsumoto, 2008;
Lohr, 2003);
d. Observações (Danna & Mattos, 2006);
e. Uso de filmagens ao longo das observações (Belei et al., 2008; Benitez & Domeniconi, 2012;
Cano & Sampaio, 2007; Dessen & Murta, 1997);
f. Transcrição da observação (ou da filmagem), a partir dos elementos: descrição do
ambiente físico, ambiente social, do sujeito observado, dos eventos físicos e sociais
(Danna & Mattos, 2006);
g. Construção de protocolos de registro para avaliação dos dados observados (Cano &
Sampaio, 2007);
h. Criação de um sistema de categorias, após conhecer o ambiente no qual está desenvolvendo
o estudo, especialmente, no caso de estudos naturalísticos (Alves et al., 1999; Cano &
Sampaio, 2007);
i. Classificação dos tipos de evento (evento físico e social), antecedente, comportamentos e
consequentes do vídeo observado e transcrito e;
j. Análise da classificação, a qual permite identificar de modo sistemático as condições
antecedentes que evocavam determinadas respostas dos sujeitos envolvidos que, por sua vez,
geravam distintas consequências;
k. Análise de fidedignidade ou concordância entre observadores, a partir do teste
intraobservador (Batista, 1985; Dessen, 1995);
l. No que concerne à fidedignidade do observador, ela tem sido extensivamente tratada
pelos autores que atuam em análise do comportamento aplicada (Batista, 1985), visto que
uma observação controlada e sistemática é um instrumento fidedigno de investigação
científica. Ela necessita de planejamento e preparação prévia dos observadores quanto ao(s)
fenômeno(s) observado(s).
Considerando que o uso dos estudos observacionais é bastante restrito, o presente trabalho adverte
para a importância da observação e do registro sistemático do comportamento na esfera da prática
clínica e da pesquisa aplicada. O uso recorrente de medidas de autorrelato como fonte de investigação
deve ser a preocupação central para pesquisadores e terapeutas comprometidos com a efetividade de
suas intervenções. Defende-se que avaliar de maneira eficaz a frequência, duração e outras dimensões
do comportamento é possível, apenas, com o uso sistemático de observações e registros.
A partir do exame da literatura, foi possível identificar os aspectos mais relevantes da investigação
científica no contexto clínico e na pesquisa aplicada. Dada a possibilidade de registro, classificação e
da criação de categorias, as observações realizadas nesses contextos devem ser registradas e analisadas
de maneira a primar pela neutralidade do observador a respeito dos comportamentos observados.
Adicionalmente, é possível verificar que a categorização e a quantificação dos comportamentos
apresentados pelos participantes contribuem para o monitoramento e orientação de pais e crianças.
Tais estratégias favoreceram ainda o diagnóstico preciso e precoce, fato este que viabilizou a
modificação das variáveis ambientais que exerciam controle direto sobre os comportamentos
problema do cliente.
O registro de descrições detalhadas do comportamento do cliente realizado ao longo dos
atendimentos clínicos foi fator determinante no sentido de garantir a efetividade e confiabilidade
da técnica. Avalia-se que as constatações derivadas da observação e registro sistemático não seriam
possíveis, caso se adotassem medidas de autorrelato ou relato de terceiros.
Defende-se que é imprescindível que a prática da observação e registro sistemático do
comportamento, especialmente no âmbito da prática clínica e da pesquisa aplicada, seja aperfeiçoada
em relação aos seus métodos e técnicas. Ademais, acrescenta-se que tal desenvolvimento deve
respeitar uma série de fatores, por exemplo, o intuito particular da observação, o contexto de
aplicação, o público alvo, entre outros.
Benitez . Silveira . Hackbarth . Kirchner . Prado
Comportamento em Foco 4 | 2014
4. Conclusões
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Espera-se que o presente trabalho contribua para o desenvolvimento de estudos futuros, no
sentido de ampliar as oportunidades de análise de dados de estudos que empreguem a metodologia
observacional. Certamente, a técnica utilizada para o registro sistemático de comportamentos
pode contribuir para o desenvolvimento de análises funcionais ainda mais precisas em relação aos
comportamentos observados. Entretanto, é importante salientar que a subjetividade do observador
estará necessariamente implicada na análise e registro da situação observada, o que influenciará na
validade interna e externa do estudo. Por mais que a técnica apresentada se proponha a ser objetiva,
é importante destacar o papel da subjetividade na interpretação dos resultados, no sentido de obter
controles experimentais que favoreçam a replicação dos dados, especialmente, no que se refere ao
aprimoramento de métodos e técnicas a serem elaborados, conforme a finalidade da observação a ser
conduzida em cada experimento.
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Demandas Sociais versus Repertórios Básicos de Comportamentos: suas
implicações à instalação das psicopatologias
Gina Nolêto Bueno 1
Guliver Rebouças Nogueira
Lohanna Nolêto Bueno
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Resumo
Palavras-chave: demandas sociais e repertório comportamental deficitário; psicopatologias; análise do
comportamento aplicada.
1 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Este estudo defende que a relação entre a qualidade dos repertórios de comportamentos dos
indivíduos e as exigências sociais podem constituir-se em um contexto favorecedor à instalação das
chamadas psicopatologias. Ademais, objetiva discutir que a instalação de padrões mais amplos e
eficientes de comportamentos pode favorecer o controle de psicopatologias. Os seres humanos estão
organizados em sociedade, logo, precisam apresentar comportamentos eficientes que correspondam
ao cumprimento das demandas sociais, a fim de que sejam reforçados. Do contrário, isto é,
comportamentos incompatíveis com o que estabelece o meio ambiente, consequências punitivas
podem ocorrer. Portanto, se competência comportamental moderada, a consequência reforçadora a
ser liberada também poderá ser moderada. Pouca competência comportamental eficiente produzirá
poucas consequências reforçadoras. Se ineficiente a competência comportamental, poderá haver
a liberação de consequências punitivas, quando é esperada a eliciação de respostas fisiológicas
exacerbadas (e.g., raiva, ansiedade etc.). Porém, o não cumprimento de regras, bem como o não
alcance de demandas pode ser consequência da falta de competências comportamentais eficientes
para tal. Desse ponto de vista, suspeita-se que o repertório comportamental deficitário possa ser uma
das variáveis relevantes à explicação da instalação e à manutenção dos – transtornos psicológicos,
isto é, as psicopatologias.
19
Comportamento em Foco 4 | 2014
G. N. Bueno . Nogueira . L. N. Bueno
20
Diferentemente de outros animais, os humanos possuem características filo e ontogenéticas que
viabilizam a construção de um ambiente especial. Tal construção, artificial e sob a égide de normas
especiais, denomina-se sociedade.
A natureza constantemente ameaça a todos esses seres com a ocorrência de fenômenos próprios a
ela, (e.g., frio, seca, tempestades etc.). Ao considerar as ameaças naturais, Sidman (1989/1995, p. 35)
adverte: “(...) ‘se você não quer congelar, construa um abrigo’, ‘construa represas ou enchentes levarão
de roldão suas casas’, ‘escassez está chegando, armazene alimentos’.” (p. 35, grifos do autor). Assim,
a sobrevivência requer a aquisição de repertórios de comportamentos no sentido de controlar, e/ou
minimizar, os efeitos danosos das forças naturais, especialmente os aversivos. E, desse modo, serem
estabelecidas condições para o aumento da ocorrência de consequências reforçadoras.
A consequência produzida pela emissão de comportamentos apropriados (geradores de
consequências socialmente reforçadoras) ou inapropriados (produtores de consequências
socialmente aversivas) pode levar o indivíduo, que desse modo se comporta, como salienta Skinner
(1953/2000), a tornar-se “cônscio” desses efeitos. O autor comenta ainda que caso tal efeito se dê, há
possibilidade de que o indivíduo passe a discriminar a necessidade de alterar padrões de respostas
com o propósito de controlar os produtos aversivos do seu comportamento.
Porém, como adverte Catania (1998/1999), “qualquer que seja o comportamento que um organismo
adquira ao longo de sua vida, ele é eventualmente perdido, se não for passado para outros organismos.”
(p. 235). Logo, é pela aprendizagem social que o comportamento que foi aprendido sobrevive à
morte do organismo, pois, como pontua o autor, “(...) o comportamento sobrevive no que os outros
fazem, talvez não apenas no comportamento dos descendentes, mas mesmo no comportamento de
outros não geneticamente relacionados.” (p. 235). É possível concluir das asserções supracitadas que
a aprendizagem oriunda do contato com outros organismos é de muita relevância para a construção
do comportamento humano, seja ele apropriado ou não.
Posto isso, o presente trabalho objetiva discutir quais os repertórios inapropriados às contingências
arbitrariamente estabelecidas que possam favorecer a instalação das chamadas psicopatologias fenômenos estes que levam a ocorrência de numerosas e complexas consequências aversivas.
Como advertem Staats e Staats (1963/1973), a punição, advinda inclusive da supressão de
reforçadores, produzida pela emissão de comportamentos incompatíveis às contingências ambientais
é um procedimento observado nas relações. Tal procedimento “(...) pode também desempenhar
um importante papel na explicação dos déficits de comportamento.” (p. 519). Por essa perspectiva,
em função de o repertório do indivíduo compor-se de modo inapropriado, em vistas do contexto
social, a pessoa que assim se comporta pode ainda ser afetada por outras fontes de estimulação
aversiva. Considera-se plausível que a vigência de eventos aversivos pode atuar de modo a limitar
e/ou inviabilizar o desenvolvimento de comportamentos apropriados às exigências da comunidade
verbal. E, desse modo, pode-se supor que é passível de ocorrência a deterioração ainda mais marcante
do padrão de respostas apropriadas do indivíduo - como sinalizam Martin e Pear (2007/2009), pode
ocorrer o favorecimento de respostas cada vez menos eficazes na produção de estímulos reforçadores.
Muitas das dificuldades no ajustamento podem ser atribuídas à ausência de comportamentos quando as
circunstâncias os exigem. Certamente é fácil ver, em situações de resolução de problemas e de raciocínio,
que um animal que não tem os comportamentos exigidos não obterá reforçamento, podendo até receber
punição por seu insucesso (p. 517).
Como destacam Martin e Pear (2007/2009), em humanos, diante de uma contingência social, a
ausência de comportamentos desejáveis a esta pode produzir não só consequências aversivas, mas
G. N. Bueno . Nogueira . L. N. Bueno
Comportamento em Foco 4 | 2014
É por meio do comportamento verbal que os seres humanos comunicam o seu fazer, o seu
sentir, o seu emocionar (Skinner, 1957/1978). Ademais, é através do comportamento verbal que
se dá o estabelecimento de grande parte do seu repertório comportamental (Castanheira, 2001).
Skinner (1957/1978) destaca duas importantes origens para o comportamento: o contato direto
com as contingências, ou seja, o comportamento governado por contingências (aprendizagem por
experiência direta) e a aprendizagem por meio das descrições verbais das contingências (regras).
As regras, ou descrições de contingências verbais (Hübner, 1999; Skinner, 1957/1978), têm como
uma das suas vantagens induzir o ouvinte a se comportar de modo efetivo sem que haja necessidade
de exposição direta às contingências (Nico, 1999). Entende-se, desse modo, serem as regras “guias
codificados verbalmente” que instruem o padrão de comportamento desejado a determinadas
situações, portanto, influenciam o repertório comportamental do indivíduo (Castanheira, 2001;
Jonas 1999). De acordo com Baldwin e Baldwin (1986, citados por Castanheira, 2001), descrições
verbais, ou regras, são operantes emitidos pelos organismos especialmente por três motivos: (a)
facilitam a emissão da resposta apropriada, (b) pelo efeito imediato que produzem e (c) por serem
uma condição para a aquisição de novos comportamentos.
O indivíduo em sociedade precisa apresentar comportamentos que correspondam ao cumprimento
da ordem estabelecida pelo grupo em que esteja inserido. Até as sociedades mais primitivas possuíam
o seu código de regras pré-estabelecido (ou normas organizativas de seus membros) cujo objetivo era
produzir a harmonia entre eles (Castanheira, 2001; Nico, 1999; Skinner, 1953/2000).
Porém, para que um indivíduo possa cumprir eficazmente as descrições verbais (regras), momento
em que há a possibilidade da liberação de consequências reforçadoras, é necessário que possua
repertórios de comportamentos específicos e eficientes a estas (Del Prette & Del Prette, 2001;
Sidman, 1989/1995). Somente assim, são capazes de produzir consequências sociais reforçadoras, do
contrário, provavelmente, haverá a liberação de consequências punitivas (e.g., liberação de multas, de
castigos, isto é, de supressão de reforçadores) que, por sua vez, podem desencadear diversas reações
fisiológicas desagradáveis (e.g., medo intenso).
Autores como Coelho e Murta (2007) e Del Prette e Del Prette (2001) identificam que um dos
fatores para o não seguimento de regras pode ser a falta de competências comportamentais para tal,
isto é, padrão de respostas insuficientes ao cumprimento de descrições verbais instruídas.
Dentre as inúmeras classes de comportamentos específicos (e.g., desenhar, cantar, dançar, gritar,
escrever etc.) que os indivíduos precisam apresentar para alcançarem eficiência no cumprimento
das instruções ambientais, uma das que merecem destaque é a de comunicar-se de modo claro e
objetivo a fim de serem compreendidos por seu ouvinte. Conte e Brandão (2003, p.11) corroboram
ao afirmarem que os seres humanos “(...) têm o direito de expressar seus sentimentos, pensamentos,
ideias, defender seus direitos e lutar para que não fiquem sob controle de pessoas que se comportam
de um jeito agressivo ou coercitivo.”. É por meio da comunicação clara que o indivíduo pode conseguir
apresentar respostas desejáveis, isto é, comportamentos apropriados que aumentam a probabilidade
da liberação de reforçadores. Observa-se ainda que a ocorrência de comportamentos inapropriados
aumenta a probabilidade de consequências aversivas. Staats e Staats (1963/1973) confirmam a relação
entre disponibilização de reforço e de punição aos comportamentos, apropriados ou inapropriados:
21
também, por efeito de condicionamento, a eliciação de respostas emocionais negativas no organismo
(e.g., medo, raiva, ansiedade exacerbada etc.).
É sabido que qualquer resposta emocional pode variar em intensidade entre os polos “normal” e
“exacerbado” (APA, 2013). Essa intensidade é modulada por fatores como: (a) exigências ambientais
específicas e ausência total ou parcial de respostas para tal cumprimento e (b) descrição da estimulação
enquanto aversiva ou reforçadora (Bueno, Ribeiro, Oliveira, Alves & Marcon, 2008; Bueno, Mello,
Bueno & Marcon, 2010; Del Prette & Del Prette, 2001).
Quando indivíduos não apresentam repertórios comportamentais em cumprimento às exigências
ambientais – manifestas por meio de regras e/ou por demandas, como as supracitadas – podem ser
observadas condições relevantes e favorecedoras à instalação de psicopatologias [e.g., transtornos
de personalidade, de humor, de ansiedade etc.] (APA, 2013; Barlow & Durand, 2005/2008; Wright,
Turkington, Kingdon & Basco, 2009/2010).
Em um estudo realizado por Bueno (2005) com uma participante do sexo feminino, diagnóstico
psiquiátrico de transtorno de pânico e depressão, e endocrinológico de hipotireoidismo, é possível
observar as variáveis favorecedoras à instalação de psicopatologias relevantes. Durante a linha de
base, constituída tanto de observações diretas (e.g., a pesquisadora ter podido observar a ocorrência
de um ataque de pânico apresentado pela participante), quanto indiretas (e.g., registros de eventos
ocorridos com a participante fora do setting de pesquisa) coletou-se relatos verbais importantes
à descrição das contingências causadoras e mantenedoras do padrão comportamental fóbico
generalizado e depressivo, por ela apresentados.
Ao ser recebida pela pesquisadora, a participante, que vinha de um período de hospitalização
internacional de quatro meses ininterruptos verbalizou: “Tenho muito medo de que você me peça
para suspender a medicação. Só estou aqui, graças a ela. Não posso parar, por favor, não!” (Bueno,
2005, p. 199). Tal padrão comportamental repetiu-se em outras sessões iniciais, como pode ser
observado no seguinte relato:
Começo a me sentir estranha, como se eu estivesse com medo de sentir medo; medo de comer
desesperadamente para me livrar da angústia ou ter de ir dormir. Daí, começo a pensar em voltar para
a Suíça: e se eu não conseguir ficar lá sozinha, novamente? Vai começar tudo novamente! Tenho que
tomar banho, mas tenho medo de ir para o banheiro, pois lá fico só com meus pensamentos e o pânico
acontece. Gasto no mínimo, 2h30min. no banho, quer dizer, na luta com meus pensamentos e meus
Comportamento em Foco 4 | 2014
G. N. Bueno . Nogueira . L. N. Bueno
medos (Bueno, 2005, p. 205).
22
Por meio da entrevista clínica, a pesquisadora pôde conhecer dados relevantes acerca da história de
vida da cliente: “Meu marido não é mais o mesmo: só pensa em trabalho e eu fico lá, isolada de tudo,
inclusive, dele mesmo.” (Bueno, 2005, p. 203). Em seu histórico de vida verificou-se a ocorrência
de comportamentos emitidos por ela que produziram consequências punitivas (e.g., deixar sua
profissão de modelo para viver em função do marido e ter pouco acesso a seus familiares uma vez
que estes residiam em outro país).
O programa de intervenção foi definido após a identificação das possíveis variáveis causadoras e
mantenedoras dos comportamentos-alvo (e.g., pânico e depressão). Uma das manobras terapêuticas
adotadas tinha como intuito estabelecer repertórios que favorecessem a descrição apropriada de
eventos ambientais, padrões de resposta e suas consequências. Ademais compuseram o programa de
tratamento intervenções como análises da função de comportamentos emitidos, informações sobre
o tratamento psicológico e sobre o tratamento farmacológico, manejo e mensuração do nível de
ansiedade, e treino de comportamentos específicos incompatíveis aos comportamentos depressivos.
Ao término de 26 sessões que duravam cerca de 50 minutos cada e que ocorriam duas vezes
por semana, a participante retornou ao seu país de residência com o controle do quadro de
hipotireoidismo, sem o registro de ataques de pânico, com 10 quilos a menos em seu peso e com
dose mínima da medicação de ação antidepressiva.
Observa-se que o tratamento, aparentemente exitoso, vai ao encontro das palavras de Skinner
(1974/2000, p. 145) quando afirma que, “Contingências complexas de reforço criam repertórios
complexos e, como vimos, diferentes contingências criam diferentes pessoas dentro da mesma
pele (...).”.
No estudo conduzido por Ayllon e Azrin (1974/1978) participou uma interna de instituição
psiquiátrica com diagnóstico de esquizofrenia e em tratamento médico há nove anos. Essa
participante apresentava também o comportamento de “roubar” alimentos. Esse padrão alimentar a
levou ao quadro de obesidade (112 quilos). O procedimento aplicado foi assim compreendido: uma
vez ocorrido o “roubo de alimentos” a participante era imediatamente removida do ambiente, sem
o alimento e também perdia uma refeição. A aplicação dessa contingência favoreceu a observação
na mudança do padrão comportamental da participante. Houve redução da resposta de “roubar”
alimentos, redução do peso e adequação às normas institucionais quanto ao horário das refeições
(a participante passou a dirigir-se ao refeitório apenas nos horários estabelecidos para as refeições).
Como salienta Britto (2012, p. 62),
(...) na visão analítico-comportamental o comportamento não é algo autônomo e independente. Também
não é considerado sintoma de evento mental ou algo que uma pessoa possua, mas qualquer atividade que
um organismo faça. Desse modo, a visão analítico-comportamental difere significativamente da visão
tradicional, de forma tão intensa quanto difere a seleção e o criacionismo na explicação da diversidade
Bueno (2009) ao pesquisar a função do comportamento obsessivo-compulsivo apresentado por
uma jovem universitária de 20 anos optou por utilizar um delineamento experimental do tipo AB
seguido por follow-up. Vale a menção de que essa pessoa também possuía diagnóstico de depressão
e ansiedade generalizada. A análise do caso permitiu concluir que o medo intenso a levava a rituais
intermináveis em qualquer que fosse a atividade por ela realizada.
Ao término de 116 sessões de 100 minutos cada, os resultados permitiram a autora confirmar
dados amplamente discutidos na literatura. Observou-se que a função do comportamento obsessivocompulsivo, identificada através de análise funcional, apontou para as contingências complexas
de reforçamento positivo e negativo a que foi submetida ao longo de sua vida (Zamignani, 2001;
Sturmey, 1996), além de marcantes, déficits e excessos comportamentais (Martin & Pear, 2007/2009).
Já com o controle dos comportamentos-alvo do estudo, a participante assim concluiu: “(...) todos
me diziam que se não fizesse algo... então aconteceria uma tragédia. (...) se não guardasse minhas
sandálias de certo jeito, ocorreria um mal para minha vida. (...) por medo de ocorrer algo ruim,
tornei-me metódica ao realizar qualquer coisa.” (Bueno, 2009, p. 346).
Os estudos ora discutidos salientam que o déficit de repertório comportamental, tanto para aqueles
que recebem o diagnóstico de algum tipo de psicopatologia quanto para aqueles que convivem com
estes, pode ser uma das variáveis mais relevantes à instalação e manutenção de classes complexas de
comportamentos tais quais as psicopatologias (APA, 2013; Barlow & Durand, 2005/2008; Dollard &
Miller, 1950; Sidman, 1989/1995; Staats & Staats, 1963/1973; Wright et al., 2009/2010).
Como destacam Martin e Pear (2007/2009), “(...) o uso de rótulos sintéticos (...) tem desvantagens.
Uma delas é que podem levar à pseudoexplicações sobre o comportamento [pseudo significa falso]
(...) é raciocínio circular.” (p. 8, grifos dos autores). Os autores advertem inclusive ao risco da prática
de utilização de rótulos como os diagnósticos psiquiátricos, uma vez estes poderem interferir na
definição correta do tratamento à pessoa que padece de qualquer tipo de comportamento humano
mais complexo, isto é, de algum tipo de psicopatologia.
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Comportamento em Foco 4 | 2014
de vida na terra (Skinner, 1989).
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Como observa Britto (2012, p. 62) “(...) identificar os eventos funcionalmente relacionados ao
comportamento é imprescindível. (...) os comportamentos, sejam eles problema ou não, são
aprendidos por meio de uma história de reforço única nas relações com o ambiente físico e social.”.
Se assim, a instalação de comportamentos adequados ao contexto social pode ser considerada uma
condição protetiva para o indivíduo na medida em que consequências reforçadoras são liberadas e
previnem assim a instalação de comportamentos-problema, isto é, psicopatologias.
Como adverte Skinner (1953/2000, p. 6), “Se pudermos observar cuidadosamente o comportamento
humano, de um ponto de vista objetivo, e chegar a compreendê-lo pelo que é, poderemos ser capazes
de adotar um curso mais sensato de ação.”. Nesse sentido, o analista do comportamento pode se
apresentar como um profissional gabaritado a realizar tais treinamentos e assim favorecer a utilização
da tecnologia comportamental como instrumento para a manutenção da saúde dos indivíduos, e
não à mera conformação às normas. Logo, a modificação do comportamento, garantida por meio
da manipulação das condições de aprendizagem, tem sido o caminho para a intervenção nas
desordens do comportamento, ou psicopatologias. Caminho mais eficiente será observado quando
a modificação do comportamento atuar no sentido de instalar repertórios apropriados que tenham
como efeito a prevenção das chamadas psicopatologias.
que
ficar.
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Comportamento em Foco 4 | 2014
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Psicopatologias de acordo com as abordagens tradicional e funcional
Gina Nolêto Bueno 1
Letícia Guedes Nobrega
Maíra Ribeiro Magri
Lohanna Nolêto Bueno
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Resumo
Este trabalho tem como objetivo investigar a forma de atuação e práticas clínicas desenvolvidas
pelas abordagens tradicional (biológica) e funcional (comportamental) no estudo das chamadas
psicopatologias. Uma ampla pesquisa em ambas as áreas foi realizada utilizando publicações
em veículos científicos. A psicopatologia é uma área do conhecimento que objetiva estudar os
estados psíquicos relacionados ao sofrimento mental. O tratamento feito por médicos psiquiatras
é estabelecido por meio dos diagnósticos por eles realizados e da utilização da farmacoterapia. Já
Skinner, influenciado por Darwin e seu modelo de seleção natural, coloca que os comportamentos,
inclusive os ditos patológicos, podem ser explicados pelo modelo de seleção por consequências,
ou seja, pelos efeitos que produzem no ambiente. Para a Análise do Comportamento é incorreto
rotular o comportamento como “doença” ou “psicopatológico”, dado que ele é uma ação emitida pelo
organismo na interação com o ambiente. Assim, este estudo descreve que enquanto a abordagem
tradicional trata as psicopatologias como doenças, a Análise do Comportamento busca a função
daquilo que nomeia como comportamento-problema e aplica um programa de intervenção que
busca o seu controle, por exemplo, através da instalação de classes de respostas alternativas.
1 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Palavras-chave: psicopatologias, comportamento-problema, abordagem tradicional, abordagem funcional,
análise do comportamento aplicada.
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Psicopatologia é uma palavra composta por três radicais gregos: psychê, pathos e lógus. Psychê
tem o sentido de mente, alma, psiquismo; pathos de doença; e lógus de estudo, saber. Sendo assim,
o significado literal de psicopatologia é o estudo das doenças da alma ou patologia do psiquismo
(Cecarelli, 2005).
A classificação de doenças mentais é uma prática presente desde o século 5 a.C. na Grécia antiga.
Naquela época, Hipócrates utilizava palavras como histeria, mania e melancolia para caracterizar
algumas doenças mentais. A partir desse momento histórico, esses e outros termos passaram a fazer
parte do jargão médico (e. g., loucura circular, catatonia, hebefrenia, paranoia, dentre outros). E a
loucura, segundo Hipócrates, era uma consequência de uma desorganização orgânica no homem.
Logo, foi retirada qualquer influência divina da explicação da loucura. Contudo, foi com os estudos
de Emil Kraepelin que surgiu o primeiro sistema de classificação abrangente e de caráter científico
(Cecarelli, 2005; Matos, Matos & Matos, 2005).
Há décadas o diagnóstico de doenças mentais tem sido feito por meio de entrevistas clínicas que
buscam informações sobre (a) a identificação do paciente (e. g., nome, idade, gênero, ocupação,
dentre outros), (b) suas queixas (e.g., qual a queixa e sua duração), (c) a história da moléstia atual
(e. g., descrição cronológica dos sintomas apresentados), (d) os antecedentes psiquiátricos (e. g.,
diagnósticos, tratamentos, hospitalizações, medicamentação psiquiátrica), (e) antecedentes pessoais
(e. g., doenças médicas, cirurgias), (f) história social (e. g., história ocupacional, relacionamentos,
escolar, religiosa), (g) hábitos e dependência de substâncias (e. g., tabagismo, uso de álcool e outras
substâncias), (h) antecedentes familiares (e. g., transtornos mentais e doenças clínicas dos familiares),
(i) medicamentos (medicações com ou sem prescrição que o paciente faz ou fez uso), e (j) alergias (e.
g., agentes de reação alérgica) (Guarneiro, Alvarenga, Leite & Cordeiro, 2008).
A entrevista clínica depende da percepção do médico acerca do caso e do relato verbal dos
pacientes e de familiares destes. Assim, por ser baseado em relatos verbais e não em resultados
laboratoriais, tampouco em exames físicos, como em outros tipos de patologias, nota-se que o
diagnóstico pode sofrer influência da interpretação de quem o faz. Para lidar com essa falta de
precisão no diagnóstico, as doenças mentais foram classificadas com critérios de avaliação (Cecarelli,
2005; Matos, Matos & Matos, 2005).
Apesar de os critérios das categorias diagnósticas apresentarem certa confiabilidade, sua validade
tem sido questionada por conta da arbitrariedade com que são definidos e da baixa correlação com
a etiopatogenia dos transtornos mentais. Ainda assim, o modelo médico ampara-se no sistema de
classificação como auxílio para o diagnóstico de doenças mentais. Tendo em vista a necessidade
de ferramentas que auxiliem profissionais na tarefa de classificar patologias, manuais diagnósticos
foram criados e são, de tempos em tempos, atualizados, por exemplo, a Classificação Internacional
das Doenças (CID) e o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) (Guarneiro
et al., 2008).
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Este estudo selecionou para análise o DSM, com base em dois critérios: (a) por ser um manual
específico de doenças mentais, e (b) por sua frequente utilização tanto nos Estados Unidos quanto
no Brasil (ainda que algumas entidades já tenham salientado sua decisão de não mais utilizá-lo
como referência).
A primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-I, com 132
páginas e 106 categorias de transtornos mentais foi publicada em 1952 pela Associação Americana
de Psiquiatria (APA). Desde então, novas edições foram publicadas: o DSM-II, em 1968, com 134
páginas e 182 categorias, o DSM-III, em 1980, com 494 páginas e 265 categorias, o DSM-III-R, em
1987, com 597 páginas e 292 categorias, o DSM-IV, em 1994, com 886 páginas e 292 categorias,
e o DSM-IV-TR, em 2002, com 880 páginas que constituiu-se apenas em uma revisão da edição
anterior, na qual tanto as categorias diagnósticas quanto a maioria dos critérios específicos para os
diagnósticos foram conservados.
Em 2013, o DSM-V, com 947 páginas, foi lançado sob a égide de inúmeras críticas, dentre as quais
ser um manual que criou doenças para estabelecer um consumo maior de medicações, dado que o
tratamento médico-psiquiátrico assim se pauta (APA, 2013; Kaplan, Sadock & Grebb, 1997; Matos,
Matos & Matos, 2005;).
A partir da análise da primeira edição do DSM fez-se saliente o termo reação, observado em cerca
de 40% das categorias. Depreende-se daí a suspeita de que, na década de 50, a doença mental foi
considerada como algo que surgia na vida do paciente e que poderia ser transitória. Ou seja, não
possuía causa biológica, mas estava ligada a problemas e a dificuldades da vida da pessoa. Outra
forte influência observada nessa edição foi a da psicanálise. Observa-se um grande número de
termos tipicamente psicanalíticos, como mecanismo de defesa, neurose, dentre outros (Burkle &
Martins, 2009).
Já no DSM-II verificou-se um aumento das categorias, - avançando para 76. A categoria deficiência
mental, por exemplo, que era dividida em apenas dois tipos no DSM-I (deficiência mental - familiar
ou hereditária - e deficiência mental - idiopática), passou a ser descrita como retardo mental,
compreendida por seis subtipos (retardo mental boderline, retardo mental leve, retardo mental
moderado, retardo mental grave, retardo mental profundo, e retardo mental não especificado).
Já o termo reação, muito utilizado na edição anterior, foi praticamente extinto. Com isso, supõese que a ideia de que os transtornos poderiam ser passageiros e decorrentes de situações sofridas
pelo paciente perdeu força, dando lugar à ideia de que os transtornos são tipicamente biológicos e,
desse modo, sem cura. Ademais, observou-se também um aumento no uso de termos psicanalíticos
(Burkle & Martins, 2009).
As duas primeiras edições do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais sofreram
fortes críticas em função de não terem descrito detalhadamente os sintomas. Tal situação gerou
dificuldades para se classificar o que era patológico e o que não era. Assim, o DSM-III dedicou-se a
apresentação de uma classificação mais detalhada e com mais critérios a serem observados no ato do
diagnóstico (Burkle & Martins, 2009).
Matos, Matos e Matos (2005) afirmam que o DSM-III foi um marco na psiquiatria moderna, uma
vez que nele novas categorias diagnósticas foram descritas (e. g., neurose de angústia foi subdividida
em transtorno de pânico com e sem agorafobia e em transtorno de ansiedade generalizada). E ainda,
alguns termos antes utilizados foram substituídos (e. g., doença mental por transtorno mental) para
não suscitar questões etiológicas relacionadas com as causas.
A partir da terceira edição o DSM passou, também, a fazer uso da abordagem multiaxial para a
elaboração do diagnóstico. Desse momento em diante os diagnósticos passaram a ser submetidos
às classificações apresentadas nos cinco eixos propostos: Eixo 1 – síndromes clínicas, Eixo 2 –
transtornos da personalidade e do desenvolvimento, Eixo 3 – condições e transtornos físicos, Eixo
4 – gravidade dos estressores psicossociais e Eixo 5 – avaliação global do desenvolvimento (Burkle
& Martins, 2009).
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Outra característica da terceira edição foi a hierarquização dos diagnósticos, isto é, o paciente que
recebia um diagnóstico (e. g., de esquizofrenia) não poderia receber outro diagnóstico simultâneo
(e. g., de transtorno de pânico). Por essa perspectiva, a patologia mais grave era considerada
hierarquicamente superior ao outro quadro. Logo, a pessoa recebia apenas o diagnóstico da
patologia mais grave, ou seja, uma única patologia era utilizada para explicar todos os sintomas que
compunham o seu quadro clínico (Matos, Matos & Matos, 2005).
Contudo, no DSM-III-R essa hierarquia foi extinta e o diagnóstico de mais de uma patologia
passou a ser possível. Foi nesse momento que surgiu o termo comorbidade. O termo manteve-se no
DSM-IV, e tem se perpetuado desde então (Matos, Matos & Matos, 2005).
No DSM-III-R foram apresentadas mais 27 novas categorias de patologias. Notou-se também que
o diagnóstico de neurose, herdado da tradição psicanalítica, deixou de ser usado definitivamente.
Nessa edição também foi criado o apêndice Categorias Diagnósticas Propostas Necessitando Estudos
Adicionais. Tal seção demonstra que o DSM é um instrumento em contínua construção e que, por
isso, necessita sempre de investigações complementares que sirvam ao propósito de torna-lo mais
completo e preciso (Burkle & Martins, 2009).
O DSM-IV, apesar de apresentar 82 novas categorias, assemelha-se muito com as duas últimas
edições (Burkle & Martins, 2009). Uma das críticas direcionadas ao DSM-IV diz respeito à excessiva
fragmentação dos quadros clínicos. Pondera-se que a partir do referido fracionamento pacientes
passaram a receber vários diagnósticos, uma vez que os sintomas ultrapassam os limites rígidos
propostos pelo próprio manual. Deriva de tal constatação que a comorbidade passou a ser, quase
sempre, uma regra, quando, em verdade, deveria figurar como exceção (Matos, Matos & Matos, 2005).
Em 2002 foi publicado o texto revisado do DSM-IV – o DSM-IV-TR. Esse novo texto trouxe
poucas modificações em relação à sua edição anterior, não houve, portanto, novidades relacionadas
aos critérios diagnósticos e novas categorias. Questionada, a APA justificou ser aquela uma edição
com o propósito exclusivo de corrigir a defasagem de mais de 12 anos sem uma nova edição (Burkle
& Martins, 2009). Todavia, a instituição afirmou que a quinta edição do manual (DSM-V) seria
um compêndio com inovações, especialmente quanto aos critérios diagnósticos e à apresentação
de seus textos.
Cumprindo a promessa, observa-se que no DSM-V a APA promoveu mudanças significativas, por
exemplo, o englobamento dos diagnósticos de transtorno autista (autismo), transtorno de asperger,
transtorno desintegrativo da infância, transtorno de rett e transtorno invasivo do desenvolvimento
sem outra especificação foram todos englobados no DSM-5 em um único transtorno: transtorno do
espectro do autismo (APA, 2013).
Dentre as inúmeras alterações, destacam-se as estabelecidas nos critérios diagnósticos para o
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Foram acrescentados itens com o intuito
de facilitar o diagnóstico, por exemplo, a idade de início para sua descrição foi alterada. Em edições
anteriores do manual, os sintomas de hiperatividade e desatenção deveriam causar prejuízos antes dos
7 anos, já no DSM-V esses sintomas devem estar presentes antes dos 12 anos. No DSM-V passa a ser
permitida a comorbidade desse diagnóstico com o transtorno do espectro do autismo (APA, 2013).
Os dados até aqui apresentados deixam claro que a proposta básica do diagnóstico médicopsiquiátrico é ocorrer pela exclusão. Todavia, para o alcance dessa proposta, esse diagnóstico só se
daria depois de concluída a exclusão de toda e qualquer possibilidade de causa orgânica (Alvarenga,
Zanetti & Del Sant, 2008). Nesse sentido, exames físicos voltados a descartar qualquer possibilidade
de alteração orgânica seria uma condição sine qua non deste.
Guarniero et al. (2008) afirmam que “(...) o diagnóstico sofre influências da cultura e da
personalidade do médico (...). Isso quer dizer que não há uma fórmula correta para o diagnóstico
psiquiátrico, tampouco ‘precisão milimétrica’ do mesmo.” (p. 14, grifos dos autores). Porém, como
adverte Britto:
(...) desequilíbrios neuroquímicos alegados, em suporte ao diagnóstico dos transtornos mentais, não são
observados em pacientes individuais para comprovar o que geralmente postulam (Britto, 2004b, 2012;
Na ausência de achados laboratoriais independente acerca dessas alterações, o diagnóstico oferecido
é baseado unicamente nos relatos verbais do indivíduo, que satisfazem os critérios estipulados pelo
DSM-IV-TR (APA, 2000/2002) para os diferentes transtornos. Por esse motivo, nenhum exame
laboratorial ou de técnicas de análise cerebral por imagens é usado para identificar se uma pessoa
é portadora ou não de um transtorno mental. Em outras palavras: o diagnóstico oferecido não é
submetido à verificação independente por meio de instrumentos laboratoriais (Britto, 2005, 2012;
Ross & Pam, 1995; Wilder & Wong, 2007).
A partir do diagnóstico médico-psiquiátrico estabelece-se o tratamento: realizado por meio
da prescrição de psicofármacos. Por essa perspectiva, psicofármacos são substâncias capazes de
alterar a atividade psíquica, gerando o alívio de sintomas e alterações tanto na percepção quanto
no pensamento. O que difere os psicofármacos dos demais fármacos é a necessidade de atravessar
a ‘barreira’ hematoencefálica para atingir os seus objetivos. Chaves, Demétrio e Alvarenga (2008)
salientam alguns fatores que podem interferir no efeito de um psicofármaco: (a) características
individuais (e. g., idade, sexo, peso, composição corpórea, alimentação, fatores genéticos), (b)
doenças (e. g., hepática, renal, cardíaca, infecções) e (c) padrão de uso (via de administração, dose,
ambiente em que o fármaco é usado, a hora do dia em que o medicamento é administrado, a interação
medicamentosa, o uso de álcool ou tabaco).
Tendo em vista os argumentos apresentados, é possível tecer algumas críticas à abordagem
tradicional. Como destacado por Britto (2012), a ausência de critérios claros que definam o que
seja o transtorno mental é dado mais que evidente. Para a autora, é possível observar influências
reducionistas do dualismo mente e corpo na visão tradicional, pois, para além de todas essas
limitações no diagnóstico dos transtornos mentais, logo, no tratamento das pessoas que recebem
tal diagnóstico, o que se impõe é que os “(...) transtornos mentais podem ser conceituados em
termos biológicos, haja vista que não existe nenhuma anormalidade laboratorial específica
associada a essa causalidade (...).” (Brito, 2012, p. 58). Britto (2012) adverte ainda que “(...) a visão
do comportamento como indício ou sintoma de transtorno mental predomina no contexto cultural
e no contexto científico.” (p. 58). Conclui-se, portanto, ser crítica essa visão, dado que o que aceita
como comprovação das alterações das respostas fisiológicas são conceitos bibliográficos e não
evidências apontadas por instrumentos laboratoriais.
Logo, a abordagem funcional está em oposição à visão tradicional. A abordagem funcional,
como salientam Bueno e Britto (2013, p. 39), “(...) se prima por investigar, sistematicamente, as
relações entre comportamentos-problema e eventos ambientais. Dessa forma, a proposta básica
da metodologia de análise funcional é identificar as variáveis controladoras e mantenedoras do
comportamento de interesse (...).”. Essa metodologia foi proposta por Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman e
Richman (1982/1994), quando estudaram, em ambiente natural, o comportamento de nove crianças
que emitiam o comportamento de autolesão, e que foram diagnosticadas como autistas e com atraso
no desenvolvimento. Os métodos empreendidos por essa metodologia incluem “(...) a avaliação das
propriedades funcionais do comportamento-problema.” (p. 40).
Abordagem funcional
Se por várias décadas a psicopatologia vem sendo classificada como um conjunto de
comportamentos ou de classes comportamentais disfuncionais, prejudiciais e bizarros, tornouse necessário que o conceito de normalidade e a própria psicopatologia fossem repensados e
modificados, a fim de se adequar a produção científica proposta pelos analistas do comportamento
(Banaco, Zamignani, Martone, Vermes & Kovac, 2012).
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Comportamento em Foco 4 | 2014
Wilder & Wong, 2007).
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G. N. Bueno . Nobrega . Magri . L. N. Bueno
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Segundo a abordagem funcional, a psicopatologia configura-se por problemas de comportamentos
apresentados pelos indivíduos, seja quanto ao seu excesso, seja quanto ao seu déficit. Dessa forma, o
que para abordagem tradicional é descrito como transtorno mental, para a abordagem funcional nada
mais é do que complexos comportamentos excessivos e/ou deficitários, geradores de consequências
aversivas tanto à pessoa que os emite, quanto ao ambiente com o qual interage (Bueno & Britto, 2013;
Martin & Pear, 2007/2009). Ou seja, os comportamentos que são descritos nos transtornos, sejam eles
deficitários ou excessivos, são respostas que estão ocorrendo com uma frequência e/ou intensidade
que causam prejuízo, desconforto etc. tanto àquele que se comporta quanto ao seu ambiente. Logo,
está em desalinho com a contingência ambiental com a qual interage (Banaco et. al., 2012; Martin &
Pear, 2007/2009).
Para os analistas do comportamento qualquer resposta é produto de uma seleção por consequência,
bem próxima à seleção natural proposta por Darwin. Desse modo, o comportamento que funciona
para alguém é bem mais provável de ocorrer do que aquele que não funciona. A partir dessa definição,
é destoante entender um comportamento-problema como sendo ocasionado por uma doença mental
(Banaco, et. al., 2012). Mais apropriado é entender os eventos antecedentes e consequentes que
controlam suas ocorrências. Como se observa, “(...) a abordagem analítico-comportamental deixa de
lado as descrições da visão tradicional, ao substituir a noção de causa por uma mudança na variável
independente, e a de efeito por uma mudança na variável dependente.” (Britto, 2012, p. 62).
Nesse sentido, e baseando-se na proposta behaviorista de J. B. Watson, que defendia que o
comportamento deveria ser objeto de estudo da psicologia como uma ciência natural, B. F. Skinner
desenvolve, a partir dos resultados de suas pesquisas, um novo campo do conhecimento científico
sobre o comportamento. Esse campo estabelece a construção de um modelo explicativo para o
comportamento: a Análise do Comportamento. A partir da investigação da variabilidade de respostas
reflexas e de relações operantes, Skinner fundou o behaviorismo radical, cuja proposta filosófica se
deu pelo monismo como visão de homem. Esse mesmo autor também recomendou o estudo e o
aprofundamento da abordagem em relação aos sentimentos e aos pensamentos por meio de uma
ciência do comportamento (Darwich & Tourinho, 2005).
Observa-se assim que, o estudo do comportamento, por esse campo do saber, requer como
condição sine qua non o estudo do organismo em suas relações, contexto no qual está a possibilidade
de se entender a função de um comportamento. Fora dessa metodologia, como adverte Skinner
(1953/2007), o máximo que se consegue é estabelecer um conceito, um nome, ou seja, usar palavras
para se falar daquilo que é observado quando o outro se comporta, momento em que se infere
características ligadas a isso (Catania, 1998/1999).
A definição acerca do objeto de estudo da Psicologia gera um grande embate quanto à designação
problemas de comportamento, bem como com sua compreensão. E essas dificuldades levam ao
comprometimento da análise, assim como das intervenções propostas para evitá-los ou mesmo
extingui-los. É notório visualizar dois grupos distintos quanto ao entendimento e ao emprego
do termo problema de comportamento. O modelo denominado de médico, aborda esse termo e o
compreende a partir do que eles chamam de sintomas, ou seja, os indivíduos seriam acometidos
por doenças que seriam classificadas por meio de sua sintomatologia. Já a abordagem funcionalista,
o entende e o avalia definindo-o como déficits ou excessos comportamentais (Bolsoni-Silva & Del
Prette, 2003; Martin & Pear, 2007/2009).
É relevante a evidência de que os comportamentos podem ser de dois tipos: respondentes ou
comportamentos reflexos, e operantes ou comportamentos controlados pelas consequências que
produzem. Os primeiros são eliciados em função de um estímulo, por exemplo, a visão de um
alimento como a carne (estímulo) frente a uma pessoa privada dela, pode provocar a salivação nesse
indivíduo (resposta). Esse repertório reflexo é de extrema importância na vida e na sobrevivência da
pessoa, e faz parte das capacidades inatas dela (de Rose, 1999).
G. N. Bueno . Nobrega . Magri . L. N. Bueno
Comportamento em Foco 4 | 2014
Entretanto, Skinner (1953/2007) salienta que uma parte importante dos comportamentos de um
indivíduo não é eliciada. São os comportamentos operantes que alteram o meio ambiente em que
a pessoa está, e a sua probabilidade de ocorrência é função de sua consequência, reforçadora ou
não. Bolsoni-Silva e Del Prette (2003) advertem que a história de aprendizagem de uma criança
favorece a seleção do seu responder. Se assim, essa história possibilita a compreensão de seus
padrões de comportamentos. Outro ponto importante, é que os problemas de comportamento são
mais frequentes quando há grande número de fatores de risco (e. g., ambiente familiar coercitivo,
disponibilização da atenção social para comportamentos indesejáveis ao contexto, ausência de
reforço aos comportamentos que o ambiente deseje sua frequência de ocorrência aumentada) para a
pessoa em questão, e quando esses fatores encontram-se combinados e/ou acumulados.
Utilizando-se desse conhecimento, Skinner (1953/2007) se pronunciou acerca da probabilidade de
ocorrência de um comportamento baseando-se tanto no condicionamento operante, como na seleção
evolutiva de características comportamentais, em função de ambos produzirem consequências que
alteram a probabilidade futura de sua ocorrência. Advertiu, inclusive, que os reflexos, assim como
outros padrões inatos de respostas, só evoluem por aumentarem a chance de sobrevivência da espécie.
Assim, os operantes apenas aumentam em sua frequência, se forem seguidos por consequências que
são favorecedoras à vida do indivíduo (Darwich & Tourinho, 2005).
Os estudos de Skinner (1953/2007) para a compreensão do comportamento em seu processo de
interação com o ambiente o encaminharam à construção da Análise do Comportamento, como
uma ciência natural, cujo objetivo é a descrição da função do comportamento humano, logo, o seu
controle para, posterior planejamento de sua modificação. Assim, o analista do comportamento deve
voltar sua atenção à condição em que determinada resposta ocorre, bem como as consequências que
esse responder produz (Skinner, 1974/2006).
O conhecimento da Análise do Comportamento começou a ser aplicado na clínica a partir de
experimentos realizados por Skinner, Solomon e Lindsley, em 1953, com pacientes psicóticos,
quando utilizaram técnicas operantes a fim de investigarem a modificação de comportamentos em
humanos (Bueno & Britto, 2013; Rutherford, 2003; Skinner, Solomon & Lindsley, 1954). Desse modo,
a Análise do Comportamento ofereceu uma proposta inovadora para a compreensão das demandas
clínicas, embasada em uma perspectiva científica externalista. Sua premissa destaca contrapor-se a
qualquer tipo de explicação metafísica para a compreensão dos comportamentos-problema (Banaco,
Zamignani & Meyer, 2010).
Nesse sentido, a Análise do Comportamento desvenda o caminho para a identificação e compreensão
dos agentes causadores e mantenedores dos comportamentos, inclusive dos comportamentosproblema, a saber, a análise funcional (Bueno & Britto 2013; Neno, 2003; Skinner, 1953/2007).
A essência da análise funcional é identificar as interações entre os comportamentos-alvo e as variáveis
que os determinam, por meio de três perguntas básicas: O que acontece?, Em quais circunstâncias? e
Com quais consequências? (Fontaine & Ylieff, 1981, citados por Vandenberghe, 2002). Assim, para
a condução de um programa de intervenção, isto é, modificação comportamental, as estratégias
necessariamente requererão a manipulação das chamadas variáveis independentes (ambientais), as
VI’s, seja para aumentar ou para reduzir a frequência de um determinado comportamento (variável
dependente, a VD).
Didden (2007) salienta que a partir das primeiras publicações sobre a metodologia de análise
funcional, há mais de 30 anos, tem-se observado a melhoria da qualidade de vida das pessoas,
especialmente daquelas que apresentam prejuízos comportamentais. Proposta por Iwata, et al.
(1982/1994), essa metodologia foi aplicada, inicialmente, no estudo do comportamento de autolesão
apresentado por crianças diagnosticadas com autismo e atraso no desenvolvimento. Bueno e Britto
(2013) salientam que sua proposta é:
33
(...) identificar as variáveis controladoras e mantenedoras do comportamento de interesse e, então,
obter recursos apropriados para levantar hipóteses sobre a função desse tipo de comportamento,
quando será possível selecionar um tratamento adequado a essa função. Portanto, não é a topografia
comportamental o agente definidor do tratamento a ser selecionado e aplicado durante a intervenção.
Isso porque o comportamento-problema não deve ser conceitualizado como um sintoma de uma
característica patológica subjacente ou uma anomalia de fase do desenvolvimento, mas como uma
resposta relacionada às condições ambientais. (Bueno & Brito, 2013, p. 39)
Como advertem Iwata e Dorzier (2008), não se pode prescindir de eliminar a confusão
observada sobre essa metodologia: a distinção entre os métodos descritivos e experimentais por
ela operacionalizados (Bueno & Britto, 2013). Os primeiros referem-se à avaliação funcional, ou
métodos não experimentais que, de acordo com O’Neil et al. (1997), são procedimentos com os
quais se identificam os antecedentes e consequentes associados ao comportamento. Os segundos
dizem respeito a análise funcional experimental. Como o próprio nome destaca, implicam na
manipulação sistemática de condições ambientais a fim de se pesquisar os efeitos sobre as taxas de
comportamentos-problema (Bueno & Britto, 2013; Didden, 2007).
Desse modo, a Análise do Comportamento é uma abordagem funcional e não analisa os
comportamentos classificados como psicopatológicos por sua etiologia. Ao contrário, esse modelo
propõe a identificação das circunstâncias em que um comportamento pode ser observado, para que
sejam verificadas as consequências que o mantém. Portanto, a identificação das funções que esse
comportamento em questão apresenta, favorecerá o delineamento de um programa de intervenção
que alcance a sua modificação (Banaco, Zamignani & Meyer, 2010; Bueno & Britto, 2013).
A metodologia de análise funcional é o procedimento utilizado como recurso científico para
avaliação e descrição da função de um comportamento, além de ser uma ferramenta de manipulação
experimental das condições ambientais das quais o comportamento é função. Ao passo em que
viabiliza a identificação dos “propósitos” do comportamento, a análise funcional se faz central no
processo de modificação do comportamento. Então, se servem a algum propósito, “A aquisição
de um novo padrão de interação que leva ao mesmo resultado pode torná-los desnecessários.”
(Vandenberghe, 2002, p. 38). Vandenberghe (2002) considera que o uso desse modelo de avaliação
possibilita intervenções que estão intimamente ligadas à função operante do comportamento e,
desse modo, favorece ao analista do comportamento o uso de seu conhecimento acerca da análise
experimental do comportamento.
A descrição da função do responder de um indivíduo requer avaliar e reconhecer os três níveis
de determinação do comportamento: filogênese, ontogênese e cultura. O nível (a) filogenético diz
Comportamento em Foco 4 | 2014
G. N. Bueno . Nobrega . Magri . L. N. Bueno
respeito à história da espécie (eu biológico), o (b) ontogenético à história de vida da pessoa (eu
34
individual), e o (c) cultural às regras sociais e condutas adquiridas a partir da interação com o outro
[eu social] (Skinner, 1953/2007). Sturmey, Ward-Horner, Marroquin e Doran (2007) colocam que
para a determinação de qualquer repertório comportamental, tanto a evolução biológica quanto a
cultural têm sua importância, seja esse repertório considerado natural ou psicopatológico. Contudo,
a descrição dessas variáveis não é tarefa fácil, requer a aplicação da metodologia de análise funcional.
As descobertas sobre o comportamento e suas variáveis de controle, assim como a aplicação de
teorias propostas pela filosofia behaviorista radical têm produzido um avanço mais sistematizado de
tecnologias para o avanço da assistência à população clínica a partir de meados da década de 1950.
Num primeiro momento as técnicas eram aplicadas, em sua maioria, em ambientes artificialmente
construídos, por exemplo, instituições psiquiátricas que tinham como público-alvo pessoas com
retardo mental, esquizofrenia, autismo e transtornos psicóticos em geral (Bueno & Britto, 2013; deFarias, 2010).
Já nas décadas de 1960 e 1970, a partir da disseminação dos pressupostos da Análise do
Comportamento e sua aplicação no contexto da intervenção, surgiram o que foi denominado na
época de modificadores de comportamento, pessoas que se utilizavam das técnicas comportamentais
em programas terapêuticos. Essa proposta possuía três aspectos fundamentais: (a) aplicar o que era
proposto em laboratório de pesquisa básica também no contexto clínico, (b) atender à demanda
clínica com o mesmo rigor da produção do conhecimento científico, e (c) realizar atendimento
clínico a fim de produzir melhorias no repertório comportamental daqueles que eram atendidos
(Guedes, 1993).
Foram marcantes algumas características dos chamados modificadores de comportamento, por
exemplo: (a) ênfase nos determinantes históricos e atuais do comportamento, (b) a avaliação do
tratamento se dava por meio da modificação do comportamento manifesto, e essa modificação era
tida como critério de efetividade da intervenção, (c) possibilitar replicação de qualquer intervenção
e/ou tratamento, dado que as especificações eram objetivas, (d) ênfase na investigação básica em
Psicologia, tida como capaz de gerar hipóteses e técnicas terapêuticas eficazes, além de (e) garantir
a precisão nas definições e explicações, bem como na intervenção (Bueno & Britto, 2013; Martin &
Pear, 2007/2009; Skinner, 1953/2007).
Como salientam Martin e Pear (2007/2009), a definição adequada dos comportamentos-problema
é de extrema importância para a modificação do comportamento. Porém, isso não constitui tarefa
fácil, dada a dificuldade para a produção dessas definições, e quando feitas, muitas ocorrem com
falhas e acabam conduzindo a programas de intervenção ineficazes devido a não se pautarem em
definições funcionais, mas sim por estereotipias comportamentais (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003).
Como exposto, a Análise do Comportamento considera que o comportamento atual da pessoa está
em interação não apenas com a contingência em vigor, mas também com os efeitos da sua história.
Ao contrário da visão tradicional, substitui “(...) a noção de causa por uma mudança na variável
independente, e a de efeito por uma mudança na variável dependente.” (Brito, 2012, p. 12), dado que
o termo funcional foi sugerido por B. F. Skinner “(...) para se referir ao efeito de uma variável sobre a
outra, portanto, a ‘relações de causa e efeito’.”(Britto, 2012, p. 62, grifos da autora).
Os analistas do comportamento consideram como inócuo e ineficaz o emprego de categorias
nosológicas, assim como são utilizadas pela medicina psiquiátrica, por considerarem os princípios
da aprendizagem como o recurso eficiente para se explicar um comportamento. Também não
consideram os princípios subjacentes como os causadores de comportamentos ditos normais ou
anormais. Dessa forma, o behaviorismo radical realiza a análise de casos particulares, individuais,
pois considera como relevantes as idiossincrasias da história de cada indivíduo.
Além disso, a história pessoal auxilia na correta avaliação comportamental e, como consequência,
na prescrição apropriada do procedimento para a mudança comportamental. Já em um sistema
classificatório, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais – DSM ou a Classificação
Internacional de Doenças – CID, a história das pessoas é enquadrada em um conjunto de sintomas
e de rótulos, quando são considerados apenas os relatos verbais destes ou de seus familiares (Lopes,
Lopes & Lobato, 2006).
Conclui-se assim que o comportamento, mesmo que um comportamento-problema, de acordo com
a abordagem funcional, terá sempre função no contexto onde ocorre. Numa investigação pautada na
abordagem funcional, como advertem Britto, Bueno Elias e Marcon (2013, p. 39), “(...) para aquilo
que, convencionalmente, é chamado de psicopatologia. (...) o foco deve ser o contexto em que os
comportamentos-problema ocorrem, ou não, em suas relações com as variáveis ambientais.”. Porém,
essa tarefa é mais hercúlea do que descrever o comportamento como uma patologia. Ela requer
G. N. Bueno . Nobrega . Magri . L. N. Bueno
Comportamento em Foco 4 | 2014
Considerações finais
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esforços tecnologicamente complexos, empreendedorismo científico do analista do comportamento
e parceria com aquele que se comporta. Para a Análise do Comportamento é incorreto rotular o
comportamento como “doença” ou “psicopatologia”, dado que ele é uma ação emitida pelo organismo
na interação com o ambiente.
Este estudo conclui que, enquanto a abordagem tradicional descreve e trata as psicopatologias
como doenças, a Análise do Comportamento Aplicada, busca a função do que nomeia como
comportamento-problema e aplica um programa de intervenção que busca o seu controle, por
exemplo, através da instalação de classes de respostas alternativas a este. A abordagem funcional
explica o comportamento-problema a partir de sua funcionalidade, ou seja, admite-se que a
“psicopatologia” não passa de uma resposta que sofreu variação e foi selecionada, (teve sua
probabilidade de ocorrência futura alterada) em função das consequências que seguiram a ela.
Comportamento em Foco 4 | 2014
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38
Comportamento em Foco 4 | 2014
Depressão sob o enfoque comportamental 1
Lohanna Nolêto Bueno 2
Ilma A. Goulart de Souza Britto
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Resumo
Palavras-chave:depressão; abordagem tradicional; abordagem funcional; Análise do Comportamento.
1 Este trabalho é parte da dissertação de mestrado em psicologia da primeira autora, orientado pela segunda autora, e que foi
parcialmente financiada pela FAPEG
2 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Este artigo tem por objetivo discutir a depressão tanto pela abordagem tradicional (médica)
quanto pela abordagem funcional do fenômeno. Adverte-se que a depressão é uma palavra que
faz referência ao humor deprimido ou a um estado emocional negativo, apresentada no início do
século XVII com o significado de rebaixamento do humor ou do estado de espírito. No século XX, a
depressão foi descrita, no DSM, como humor deprimido e incapacidade para experimentar prazer na
grande parte das atividades, antes reforçadoras. Observa-se que estas são descrições de topografias
comportamentais. Para a ciência do comportamento, concentrar-se nessa descrição é desconsiderar
as particularidades dos indivíduos. Torna-se, então, relevante compreender como se instala e como é
mantido o comportamento depressivo. Defende-se que o caminho para lograr êxito em tal tarefa é a
investigação das variáveis antecedentes e consequentes a ele. A depressão é descrita pela Análise do
Comportamento como um padrão de interação com o ambiente, sendo, portanto, produto de seleção.
Sua compreensão requer a identificação das contingências responsáveis pelo seu estabelecimento e
as que a mantêm. Estudos têm demonstrado que a densidade do reforço é o ponto mais crítico para
sua instalação, especialmente a taxa do reforço positivo (e.g., atenção social). Não é possível atribuir
uma única causa ou um único processo psicológico para a depressão, todavia, é comum considerar a
depressão como produto de comportamentos que, em sua maioria, geram sofrimento.
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Comportamento em Foco 4 | 2014
Bueno . Britto
O termo depressão deriva do latim depressare e da palavra clássica do latim deprimere. Deprimere
significa ‘pressionar para baixo’. Esse termo foi usado de maneira metafórica para indicar um
sentimento de peso, de ser pressionado para baixo, que faz referência à palavra “triste”. A palavra
depressão, como uma referência ao humor deprimido ou a um estado emocional negativo, surgiu
no início do século XVII com o significado de rebaixamento do humor ou do estado de espírito
(Simpson & Weiner, 1989, citado por Kanter, Busch, Weeks & Landes, 2008; Skinner, 1953/2000). Este
artigo objetiva discutir essa classe de resposta, considerando os pressupostos de duas abordagens: a
abordagem médica (tradicional) e a abordagem funcional.
A Associação Americana de Psiquiatria, por meio do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV-TR: APA, 2000/2003), descreve o episódio depressivo maior como
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humor deprimido que tem duração de pelo menos duas semanas, acompanhado pela perda de
interesse nas atividades e pela incapacidade de experimentar prazer por grande parte destas. Além
dessas características, descreve também que o indivíduo deprimido pode apresentar perda ou ganho
significativo de peso, dificuldade para dormir ou hipersonia, agitação ou lentidão psicomotora,
cansaço excessivo, dificuldade em se concentrar, ideias sobre suicídio etc.
As descrições apresentadas pelo DSM-IV-TR são de topografias comportamentais. Para a ciência
do comportamento, fazer uso apenas desse tipo de descrição é insuficiente uma vez que é como se
se afirmasse que todos os indivíduos são iguais, isto é, “(...) como um diagnóstico do DSM-IV-TR
(tal como autismo) se refere aos comportamentos de um indivíduo, é provável que o indivíduo seja
rotulado (por exemplo: autista), o que pode levar às desvantagens de tal prática (...).” (Martin & Pear,
2007/2009, p. 17). Logo, a ciência do comportamento avança ao propor que, para além de descrições
topográficas, o “(...) tatear a depressão envolve uma variedade de eventos antecedentes públicos e
privados que variam de uma ocasião para outra (...).” (Kanter et al., 2008, p. 4).
Por esta perspectiva, torna-se relevante compreender comportamento à luz da ciência do
comportamento. De modo geral, comportamento implica em ações realizadas por um organismo
em relação ao seu ambiente. O termo comportamento indica uma relação funcional entre ambiente e
organismo (Skinner, 1953/2000). Mais especificamente, sua compreensão requer considerar os três
níveis de seleção: o filogenético, ou história da espécie (nível biológico), o ontogenético, ou história
individual, e o cultural, isto é, a história das práticas daquilo que foi aprendido na interação com o
meio ambiente, a história social (Cavalcante, 1997; Skinner, 1953/2000; Todorov & Hanna, 2010).
Para Reese (1966/1973), comportamento se define por relações observáveis e mensuráveis de um
organismo em seu ambiente, incluindo movimentos externos e internos e seus resultados, bem como
variáveis fisiológicas e seus efeitos.
Os analistas do comportamento têm como foco a compreensão das relações entre as ações de
uma pessoa, as condições do ambiente onde o comportamento ocorre e as suas consequências, ou
seja, dedicam-se à compreensão do comportamento em seu contexto (Chiesa, 1994/2006; Skinner,
1953/2000).
Para a Análise do Comportamento, é possível definir os indivíduos a partir de seus repertórios
comportamentais. Diferentemente de outras abordagens da Psicologia, prescinde-se do uso de
qualquer outra entidade subjacente. Considera-se ainda que o que ocorre dentro do indivíduo
também pode ser definido em termos de comportamentos e, de modo semelhante, precisa ser
compreendido em termos dos mecanismos de variação e seleção. De acordo com Abreu (2011),
quando se atribui “(...) causas internas ao comportamento é um tipo de explicação incompleta, pois
iria ainda requerer que se explicassem quais modificações ambientais são responsáveis pela seleção
dos comportamentos tanto em nível aberto como encoberto.” (p. 789).
Tendo em vista que a depressão, assim como qualquer outro fenômeno humano, é definida pela
Análise do Comportamento como um padrão interacional entre organismo e ambiente, que é produto
de variação e seleção, faz-se imprescindível conhecer as variações de comportamentos observadas
em indivíduos deprimidos. Conforme apontado pelos analistas do comportamento, a investigação
destas variações se dá a partir da identificação das suas variáveis antecedentes e consequentes. Sendo
assim, a compreensão da depressão só é possível a partir da identificação das contingências que
instalaram e que mantêm esse padrão comportamental (Abreu, 2006; Cavalcante, 1997).
Ferster (1973) salienta que para haver a identificação do comportamento classificado pelo DSM
como depressivo, é necessário observar a frequência de uma variedade de comportamentos emitidos
pela pessoa que recebe o diagnóstico de depressão comparando-a com os comportamentos de outra
pessoa não deprimida. De acordo com o autor, o foco se dá, também, na frequência e não apenas no
aspecto topográfico do comportamento.
Logo, a descrição do repertório de uma pessoa deprimida deve considerar não apenas as atividades
em que não esteja engajada, mas também o aumento da frequência de comportamentos que não
lhe favorecem a interação ambiental (e.g., isolar-se). Desse modo, a ausência de comportamentos
apropriados (e.g., interação social) e a ocorrência de comportamentos inapropriados (e.g., deixar
de realizar a maioria das atividades antes praticadas), que geram sofrimento clínico, ao contexto
ambiental é parte de seu repertório atual e potencial.
Para a Análise do Comportamento, as características comportamentais apresentadas pelo
indivíduo deprimido são instaladas e mantidas por processos que podem envolver (a) a não
realização de determinadas atividades, seguida pela fuga e/ou pela esquiva, com queixas de choro,
com reclamações e irritabilidade a partir da ocorrência de evento ou eventos aversivos ou (b) baixa
frequência de respostas que produzem reforçadores positivos. A relação entre a apresentação de
estímulos aversivos e a retirada de estímulos reforçadores pode proporcionar a supressão da taxa
de respostas efetiva, isto é, que favorecem a ocorrência de consequências reforçadoras ao indivíduo.
Como é sabido, o comportamento que foi punido tende a sofrer uma redução abrupta em sua
taxa de ocorrência. Ademais, a retirada de estímulos reforçadores positivos na história de indivíduos
que possuem repertórios comportamentais pouco efetivos, no sentido de produzir consequências
reforçadoras, podem constituir em fatores importantes para a instalação da depressão (Abreu, 2006;
Azevedo, Almeida & Moreira, 2009; Ferster, 1973; Reisinger, 1972).
A redução da frequência de realização de determinadas atividades (e.g., trabalhar, frequentar
diminuir a efetividade de reforçadores diretamente relacionados aos reforçadores primários e
disponíveis em seu ambiente (e.g., alimentar-se e emitir comportamento sexual). Isso em função de
que essas atividades (alimentar-se e realizar o comportamento sexual), em suas funções completas,
requerem do indivíduo estar em interação social e não isolado (e.g., para se alimentar é necessário
que o indivíduo saia para adquirir alimento; para realizar o comportamento sexual completo, é
necessária a interação do indivíduo com outra pessoa).
Contudo, a redução da frequência de ocorrência dessas classes de respostas não significa,
necessariamente, por exemplo, que alimentar-se (mantido por reforçador primário) não seja mais
reforçador. O que ocorre é que, quando instalado o comportamento depressivo, verifica-se a redução
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eventos sociais, higienizar-se, interagir etc.), padrão observado na pessoa deprimida, pode, também,
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do contato desse indivíduo com uma série de eventos disponíveis em seu ambiente. Essa redução de
interação gera, como consequência, a supressão de reforçadores disponíveis (Ferster, 1973).
Ferster (1973) também salienta que comportamentos de fuga e esquiva em pessoas deprimidas são,
em grande parte, comportamentos passivos. Tal padrão, fatalmente, leva à diminuição de acesso a
reforçadores positivos em relação ao que um repertório ativo proporcionaria. Considere o exemplo:
uma pessoa mantém-se deitada em um sofá durante todo um dia. Como consequência, ela deixa de
realizar atividades (e.g., frequentar as aulas na universidade). Indagada sobre sua ausência, justificou
ter a certeza de que sua professora-orientadora iria repreendê-la por não ter conseguido concluir
todas as tarefas que a ela foram propostas. Assim, ficar no sofá a levou a evitar, “com sucesso”, o
possível resultado temido. Por outro lado, esse comportamento de esquiva a impediu, também, de
entrar em contato com outros eventos que poderiam ser reforçadores (e.g., a aluna poderia estar
equivocada em relação à reprimenda) e que poderiam funcionar para melhorar os comportamentos
característicos da depressão (e.g., ao se apresentar à professora-orientadora, poderia até ser elogiada
quanto à construção, em andamento, do trabalho de conclusão de curso por ela produzido).
Dito de outra maneira, os comportamentos de uma pessoa deprimida são caracterizados por baixa
frequência de respostas que, possivelmente, gerariam consequências reforçadoras. Desse modo, a
redução na frequência de respostas pode ser tanto em função da falta de reforçadores suprimidos
pelo ambiente (e.g., perda do emprego, divórcio), como pela insensibilidade do indivíduo aos
reforçadores eventualmente disponíveis (Ferster, 1973; Hünzinker, 2001).
Ao analisar funcionalmente o comportamento de uma pessoa deprimida, isto é, identificar relações
entre organismo e ambiente, o analista do comportamento busca identificar as contingências que
produzem a já mencionada “baixa comportamental”. Como ensina Hünzinker (2001), um dos
eventos geradores dessa diminuição é a apresentação de estímulos aversivos.
A ocorrência de estímulos aversivos, inclusive na vida de pessoas com história de depressão,
pode ter sido consequenciada tanto pela extinção, definida pela suspenção do reforço, quanto pela
punição, como destacam Dougher e Hackbert (2003). Isso implica que um comportamento que
apresentava frequência elevada, como consequência do reforço positivo, quando da supressão desse
reforço, verifica-se a redução na sua frequência (Conte & Silveira, 2004; Martin & Pear, 2007/2009).
A extinção do comportamento pode se dar em função de algumas mudanças no ambiente de um
indivíduo (Hünzinker, 2001). Por exemplo, uma pessoa que experimenta o fim de um relacionamento,
o qual descrevia como muito reforçador, experimenta o fim do contato com esse evento a que deu o
valor reforçador. Logo, fica sob o efeito da retirada súbita de reforçadores que anteriormente eram
liberados pelo parceiro a classes específicas de comportamentos que emitia.
Nas palavras de Dougher e Hackbert (2003), os efeitos da perda súbita de reforçadores são graves.
“No entanto, a maioria dos indivíduos com repertórios adequados encontram outras fontes de reforço
para repor a perda.” (p. 170). Mas há pessoas que não possuem outras agências reforçadoras, senão
a que acaba de perder; além de não emitirem comportamentos alternativos capazes de produzir
mudanças no ambiente (nova contingência) à liberação de reforçadores. A essas pessoas é muito
comum a consequência depressiva (Hünzinker, 2001).
Já a punição ocorre quando da apresentação de um estímulo aversivo, ou da retirada de um
estímulo reforçador, imediatamente após a emissão de uma resposta. Como consequência, observase a redução na frequência das respostas que precederam a estimulação aversiva (Banaco, 2004).
Exemplos de abusos sexuais e/ou físicos de ambientes exigentes e críticos são comuns nesse contexto
(Dougher & Hackbert, 2003).
Um estudo conduzido por Seligman (1942/1977), em colaboração com Steven F. Maier e Bruce
Overmier, identificou os efeitos da estimulação aversiva incontrolável. Os efeitos observados a
partir desta investigação receberam a denominação de “desamparo aprendido”. Na primeira etapa
do estudo, o autor observou comportamentos de cachorros, inicialmente presos pela coleira, que
(...) fazem verbalizações descritivas das contingências identificadas na sua vida, e formulam “regras”
que passam a controlar seus comportamentos, muitas vezes de forma mais efetiva que as próprias
contingências. Nesses casos, as regras estariam descrevendo a discriminação do indivíduo quanto ao
seu poder de controlar ou não os eventos do meio. (...). Nesse sentido, o desamparo aprendido seria um
exemplo de comportamento governado por regras (...). A identificação dessas regras auto-formuladas
(...) seria um dos caminhos terapêuticos decorrentes dessa análise. (p. 150).
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recebiam repetidas estimulações aversivas (64 emissões de choques elétricos), em intervalos fixos de
5 segundos, com intensidade moderadamente dolorosa e sem a precedência de sinal algum. Após
24 horas da realização dessa primeira etapa, o autor utilizou uma gaiola dividida ao meio por uma
pequena barreira. Na segunda etapa do estudo, o animal foi colocado nessa gaiola e foi submetido a
10 estimulações aversivas, com a possibilidade de fuga-esquiva dos choques elétricos, para um dos
lados da gaiola. As estimulações aversivas poderiam ocorrer nos dois lados da gaiola. Portanto, não
havia um único lugar na gaiola que oferecesse segurança continuamente.
Nessa segunda etapa, a redução da intensidade da luz definia o momento para o início de cada
tentativa de fuga/esquiva. Por outro lado, quando do aumento da intensidade da luz, dava-se o
término para a tentativa de escape. Nessa etapa, o intervalo fixo era de 10 segundos. Duas condições
foram estabelecidas, se o animal saltasse a barreira dentro do intervalo de 10 segundos, ele evitaria o
choque. Caso o animal não saltasse a barreira nesse tempo, o choque era liberado até o animal saltar
a barreira. Uma vez que o animal não saltasse a barreira em 60 segundos a tentativa era terminada,
e o choque cessava.
Observou-se que, inicialmente, os animais corriam rapidamente de um lado para o outro da gaiola.
Após 50 tentativas, os cães expostos ao choque incontrolável ficaram paralisados em frente à barreira,
deixando de responder ao choque como antes.
A partir desse experimento, estudos em que são apresentadas estimulações aversivas, sem a
possibilidade de fuga têm sido propostos como um dos modelos animal para o estudo da depressão.
Tal fato se dá na medida em que topografias comportamentais similares às apresentadas pelos
animais podem ser identificadas em indivíduos que apresentam esse diagnóstico. Assim, a definição
do desamparo aprendido foi estabelecida por meio da história comportamental que envolve
a apresentação de estímulos aversivos incontroláveis. Esses estímulos geram, posteriormente,
dificuldades na aprendizagem de respostas de fuga ou de esquiva frente a eventos aversivos
incontroláveis. Isso implica que a resposta mais prevalente na pessoa depressiva passa a ser a de
ficar paralisada, imóvel, estando ou não presente o estímulo aversivo (Abreu, 2011; Fonseca Júnior,
Pickart & Castelli, 2011; Hünziker, 2005; Hünziker & Lima, 2006; Hünziker, Manfré & Yamada, 2006;
Seligman, 1942/1977; Yano & Hünziker, 2000).
Em sua pesquisa, Hünziker (2003) propõe uma interpretação funcional do modelo animal para o
desamparo aprendido. Segundo a autora, sob a condição de incontrolabilidade, o animal fica, em um
primeiro momento, sob o controle do choque, movimentando-se continuadamente na tentativa de
fugir da apresentação repetida do estímulo aversivo. Posteriormente, a frequência do comportamento
de tentativa de fuga diminui ao longo das sessões, deixando o animal, como coloca Hunziker (2003),
com a aparência “passiva”. A autora afirma que, ainda que esse animal emita a resposta de fuga e
receba o reforço, a aprendizagem não será estabelecida facilmente, o que caracteriza o desamparo.
Já na área clínica, Abreu (2011) ressalta que pessoas deprimidas, cuja história recente registra a
ocorrência de comportamentos passivos diante de situações aversivas/estressoras (e.g., divórcio,
entraves no trabalho), mesmo tendo um repertório bem estabelecido de enfretamento a esse tipo
contingências, não respondem a essas situações de modo que lhes poderiam gerar reforço. Essa
situação é comum em contingências que perderam a efetividade reforçadora sobre as respostas da
pessoa. Hünzinker (2001) salienta que esses indivíduos:
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Azevedo et al. (2009) também salientam que a instalação do comportamento depressivo ocorre
pela perda de importantes fontes reforçadoras. Por outro lado, observa-se que esse comportamento
igualmente consequencia, por parte do ambiente social dessa pessoa, a liberação de relevantes
reforçadores sociais (e.g., atenção), o que pode fortalecer uma série de repertórios, como a paralisação
de atividades diárias, episódios de choro, e ainda de respostas concorrentes ao autocuidado.
Outra definição para a depressão é apresentada por Dougher e Hackbert (2003), os quais advertem
não ser a densidade do reforço o ponto mais crítico para a instalação da depressão, mas especialmente
a taxa do reforço positivo (e.g., atenção social) que é liberada contingente ao responder depressivo.
Deriva daí a conclusão de que essa classe de comportamento surge “(...) quando o reforço para o não
responder for maior do que para o responder.” (p. 169).
A literatura apresenta relevantes resultados de pesquisas realizadas a fim de melhor compreender
o comportamento depressivo nas vicissitudes de sua instalação, manutenção e controle (Dougher &
Hackbert, 2003; Fester, 1973; Oliveira, 2004). Reisinger (1972) objetivou modificar o repertório de
uma paciente institucionalizada e com diagnóstico de depressão, utilizando para essa finalidade o
reforço positivo para determinados comportamentos (e.g., uma ligeira abertura dos lábios, com uma
protrusão da pele: sorrir). Também foram estabelecidos custos de respostas contingentes à emissão
de outras respostas (e.g., choros excessivos: sons inarticulados seguidos por lágrimas nos olhos,
com períodos de 5 a 30 minutos). Durante a linha de base, foi possível ao pesquisador observar a
frequência dos comportamentos de sorrir e de chorar. Concluída essa fase, e antes do início da fase
seguinte (intervenção), a participante foi informada de que quando emitisse comportamentos (a) de
choro, fichas deveriam ser pagas por ela, e quando da emissão de comportamentos (b) de sorrir, ela
poderia receber fichas para uma futura troca por objetos que ela desejasse (e.g., melhor instalação
para dormir, acesso à televisão, visitas a ambientes externos à instituição).
A fase de intervenção foi iniciada após o período de linha de base e foi composta por cinco
condições. A primeira condição foi o reforço positivo contingente a ocorrência do sorrir. Nesta
condição, quando a paciente sorria lhe era dado uma ficha, sem qualquer emissão verbal do aplicador
e, quando da ocorrência do chorar, o aplicador informava à participante a quantidade e o motivo
da multa, apenas. A segunda condição foi a extinção de ambos os comportamentos estabelecidos.
Tal fase teve a finalidade de investigar a efetividade da intervenção experimental estabelecida
previamente. Na terceira condição ocorreu a reversão das contingências estabelecidas na primeira
condição. A paciente ganhava fichas por chorar e era multada por sorrir. Na quarta condição foi
reinstalada a primeira condição e foi associada atenção social quando do pagamento de fichas. Na
última condição, o esvanecimento foi aplicado com o objetivo de reduzir as multas e pagamentos
quando da emissão das respostas de sorrir e chorar. Nesse sentindo, chorar não recebia qualquer
tipo de atenção, ao contrário de sorrir. O follow-up foi realizado a partir de relatos verbais obtidos do
ambiente social da participante (Reisinger, 1972).
Reisinger (1972) observou que durante a linha de base os comportamentos de choro ocorreram
em uma frequência de 28 a 30 episódios por dia. Já a resposta de sorrir não apresentou frequência
alguma. Os resultados obtidos em cada condição de intervenção/reversão foram, respectivamente,
para as respostas de sorrir e de chorar: (a) na primeira condição, 27 e 2, (b) na segunda condição, 11 e
10, (c) na terceira condição, 3 e 18, (d) na quarta condição, 23 e 2, e (e) na quinta condição, 24 e 2. Os
resultados, desse modo, apontaram o alcance dos objetivos do estudo. Houve redução dos episódios
de choro e aumento das respostas de sorrir.
Oliveira (2004) estudou o comportamento de pessoas deprimidas em contexto experimental
aplicando as técnicas de reforçamento. Participaram dessa pesquisa duas pessoas do sexo feminino
com o diagnóstico psiquiátrico de depressão. Para a realização da pesquisa foi utilizado o delineamento
experimental de reversão-replicação. Nas fases de intervenção, a pesquisadora empregou o reforço
generalizado por meio de relatos verbais: (a) sinal de aprovação contingente às falas positivas (e.g.,
“Sábado eu fui ao show”); e (b) sinal de desaprovação contingente às verbalizações negativas (e.g., “Fiz
tudo errado”). Esse estudo concluiu ter havido redução dos comportamentos verbais negativos e o
aumento de falas positivas.
Ferster (1973) ressalta que não é possível atribuir uma única causa ou um único processo
psicológico para depressão, pois ao considerar a depressão como produto de comportamentos, esses
comportamentos serão resultados de inúmeros processos.
Ao considerar a depressão como uma variável dependente, o autor faz uma analogia à genética: a
depressão é um fenômeno que pode ser causado por inúmeras condições ambientais (assim como
o genótipo). Dessa forma, Ferster (1973), Cavalcante (1997) e Martin e Pear (2007/2009) ressaltam
ainda que, para a compreensão de qualquer repertório comportamental é fundamental considerar a
relação funcional entre o comportamento e o ambiente, ou seja, investigar as variáveis que antecedem
e que sucedem tal comportamento.
Kanter et al. (2008) mostraram a importância de não se definir a depressão apenas como um
padrão específico de respostas psicofisiológicas ou por um determinado estado emocional. Essa
advertência é motivada, de acordo com os autores, pela descrição correta dos estados emocionais
(e.g., expressões de tristeza) que são consequências de comportamentos, isto é, são respostas
geradas pela discriminação de um evento semelhante e controladas por consequências semelhantes.
Porém, a cada evento desses uma resposta psicofisiológica específica ocorre, embora o fenômeno
experienciado seja semelhante para definir a depressão. Ainda que complexo, um procedimento
relevante, favorecedor à descrição correta dos eventos que explicam causa e consequência do
comportamento depressivo é a avaliação funcional.
A discussão, ora empreendida, adverte para o cuidado quando da definição da depressão, a fim
de se evitar a rotulação de comportamentos apresentados pela pessoa que assim é diagnosticada.
Adverte-se, também, para a relevância da compreensão da função do comportamento depressivo,
logo de suas variáveis causadoras e mantenedoras, e de sua relação de funcionalidade. Defende-se
que a Análise do Comportamento dispõe de tecnologias favorecedoras não apenas à identificação
das contingências causadoras e mantenedoras, como também de ferramentas que favorecem o seu
controle, assim como a instalação de comportamentos alternativos ao comportamento próprio da
depressão (e.g., resistência à remoção total de reforçadores vigorosos; resistência ao atraso na liberação
de reforçadores; comportamentos favorecedores à instalação de novas agências reforçadoras etc.).
Conclui-se, pois, que para a ciência do comportamento, concentrar-se na descrição de topografias
comportamentais é o mesmo que afirmar serem iguais os indivíduos. Isso em função de que a
depressão é descrita pela Análise do Comportamento como um padrão de interação com o ambiente,
sendo, portanto, produto de variação e seleção.
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Sobre o comportamento do esquizofrênico
Ilma A. Goulart de Souza Britto 1
Gina Nolêto Bueno
Roberta Maia Marcon
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Resumo
Este artigo tem como objetivo descrever aspectos práticos do processo de avaliação funcional ao,
sugerir estratégias para o estudo do fenômeno esquizofrenia. Avaliação funcional é a denominação
utilizada para descrever uma série de processos para identificar os eventos que antecedem e
mantêm comportamentos-problema. A metodologia de análise funcional tem despontado como o
procedimento padrão para a avaliação da pesquisa aplicada. Pesquisas sobre a metodologia de análise
funcional que tem sido estendida e replicada para estudar as respostas verbais mais complexas, como
os conteúdos de vocalizações bizarras de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia são apresentadas
em importantes detalhes. O artigo faz ainda referência à edição especial do Journal Applied Behavior
Analysis (JABA) publicada no início de 2013, dedicada aos trinta anos da metodologia de análise
funcional, que destacou a generalidade dessa metodologia, a qual tem sido replicada, discutida e
ampliada para estudar os diferentes tipos de comportamentos-problema apresentados por pessoas
que possuem diagnósticos psiquiátricos ou não. Por último, foi destacado que o processo de
avaliação funcional reúne informações que podem ser usadas para maximizar a eficácia do apoio
comportamental na tentativa de resolver problemas humanos de significado social.
1 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Palavras-chave: abordagem funcional, metodologia de análise funcional, esquizofrenia.
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Britto . Bueno . Marcon
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Falas inapropriadas ou vocalizações bizarras, como as de conteúdos falsos (delírios), ou respostas
verbais a estímulos não observáveis (alucinações) são pronunciadas por pessoas que possuem
diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia (Britto, Rodrigues, Alves & Quinta, 2010; Bueno & Britto,
2013; DeLeon, Arnold, Rodriguez-Catter & Uy, 2003; Dixon, Benedict & Larson, 2001; Lancaster et
al., 2004; Wilder, Masuda, O’Connor & Baham, 2001). Existem na literatura postulações de que esses
tipos de falas são sintomas de transtorno mental e que devem ser tratados com o uso de psicofármacos
(Associação Americana de Psiquiatria, 2000/2002). Todavia, delirar, alucinar, comportar-se de
modo desorganizado e não demonstrar emoções são coisas que uma pessoa com diagnóstico de
esquizofrenia faz, portanto, comportamento, em vez de algo que ela tenha – doença (Britto, 2013).
Falas inapropriadas foram tratadas com sucesso por meio do reforçamento diferencial alternativo
(DRA) de comportamento verbal apropriado (Ayllon & Azrin, 1965; Ayllon & Michael, 1959; Britto
et al., 2006; Bueno & Britto, 2013; DeLeon et al., 2003; Dixon et al., 2001; Lancaster et al., 2004;
Liberman, Teigen, Patterson & Baker, 1973; Mace, Webb, Sharkey, Mattson & Rosen, 1988; Wilder et
al., 2001). Os resultados desses estudos sugerem que esse tipo de fala foi sensível aos procedimentos
que envolveram o reforçamento de fala topograficamente diferente das falas inapropriadas,
combinado com a extinção a estas últimas. Portanto, o reforçamento diferencial alternativo foi eficaz
para aumentar as vocalizações desejadas, enquanto as vocalizações bizarras, que eram ignoradas,
diminuíram suas ocorrências.
O presente estudo tem como objetivo descrever aspectos práticos do processo de avaliação
funcional, com ênfase na metodologia de análise funcional que tem sido usada para investigar o
comportamento de interesse em acordo ao método experimental. Objetiva também demonstrar
os resultados do uso do processo de avaliação funcional para investigar as fontes de reforçamento
mantenedoras das ações de pessoas que apresentam comportamentos-problema, com destaque
àquelas que possuem o diagnóstico de esquizofrenia.
Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman e Richmam (1982/1994) descreveram a poderosa metodologia de
análise funcional (functional analysis methodology) para o estudo de mudanças na importância da
apresentação dos estímulos. Tal método pode ser considerado experimental, no sentido de que a
análise funcional permite testar hipóteses e identificar relações causais (Hagopian, Dozier, Rooker
& Jones, 2013).
Em uma edição especial do Journal Applied Behavior Analysis (JABA), publicada no início de
2013 e dedicada aos trinta anos da metodologia de análise funcional, destacou-se a generalidade da
análise funcional, a qual tem sido replicada, discutida e ampliada para estudar os diferentes tipos de
comportamentos-problema. Beavers, Iwata e Lerman (2013) deram seguimento à revisão de Hanley,
Iwata e McCord (2003) que considerou os estudos que abordaram a análise funcional publicados até
2000. Beavers et al. (2013) revisaram os estudos publicados entre 2001 e 2012 e identificaram ao todo
mais de 2000 publicações, entre artigos de periódicos e capítulos de livros, sendo que, quase a metade
deles (46,2%) foi publicada no próprio JABA.
Britto . Bueno . Marcon
Comportamento em Foco 4 | 2014
Como apontado por Beavers et al. (2013), o percentual de estudos publicados em outros periódicos
aumentou (53,8%), dado este que indica que o uso da metodologia de análise funcional para avaliação
comportamental tornou-se mais difundida em todo o campo. Na revisão de Beavers et al. (2013), foi
sinalizado que a maior utilização da análise funcional ocorreu em ambientes naturais, por exemplo,
casas, escolas ou centros clínicos. Importante esclarecer que o estudo de Iwata et al. (1982/1994)
propôs uma metodologia para o estudo dos antecedentes e consequentes de comportamentosproblema baseada em modelo experimental.
De modo mais específico, no seu estudo, Iwata et al. (1982/1994) sugeriram o arranjo de quatro
condições experimentais que foram delineadas para simular aquelas que poderiam evocar e
manter comportamentos de autolesão emitidos por nove crianças que apresentavam atraso no
desenvolvimento com diagnóstico de autismo. Para analisar a ocorrência de comportamentos de
autolesão mantidos por reforçamento positivo era disponibilizado um estímulo reforçador em forma
de atenção social (e.g., “Não faça isso. Você vai se machucar.”) contingente ao comportamento de
autolesão. Tal condição experimental foi intitulada “condição de atenção”.
Para o reforçamento negativo, uma tarefa com instruções difíceis era oferecida. Caso o
comportamento de autolesão ocorresse a tarefa era interrompida, tal condição foi chamada de
“condição de demanda”. Na “condição de sozinho”, o participante era deixado só em uma sala vazia,
portanto, sem acesso a brinquedos, o que permitia observar a ocorrência de comportamentos
mantidos por reforçamento automático. Já na “condição de controle” eram disponibilizados objetos
preferidos ou brincadeiras ao participante. Os resultados apontaram que o comportamento de
autolesão foi fortemente influenciado pelas consequências disponibilizadas nas condições de atenção
e de demanda.
Essa metodologia já foi usada para estudar as respostas verbais mais complexas, como as
vocalizações bizarras de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia. Por exemplo, no estudo de
Britto et al. (2010), na condição de atenção, o reforçador positivo era disponibilizado em forma de
um comentário (e.g., “Você poderia falar de modo diferente?”) contingente às falas inapropriadas
que, com efeito, aumentaram suas ocorrências. Na condição de demanda, o reforçador negativo era
disponibilizado na forma de interrupção de uma tarefa à medida que o participante falava de modo
inapropriado. Na condição de sozinho, o participante era deixado só em uma sala.
Na condição de atenção não contingente, a pesquisadora apresentava atenção verbal não contextual
(e.g., “O dia hoje está chuvoso”, embora o dia estivesse ensolarado), em um tempo fixo de 30 em 30
segundos (TF 30s), independente da ocorrência ou não de fala inapropriada. Regularmente após a
fala da pesquisadora o participante respondia de modo apropriado (e.g., “Não está chovendo não.
Lá fora o sol está quente”). A comparação das condições de atenção e de atenção não contingente
apontou que o modo como a atenção foi fornecida afetou diretamente o comportamento verbal
do participante. Enquanto a atenção contingente aumentou a frequência da fala inapropriada, a
condição atenção não contingente não evocou esse tipo de fala.
Bueno e Britto (2013) estudaram o comportamento verbal de duas pessoas diagnosticadas
como esquizofrênicas que se encontravam internadas em uma instituição para tratamento, local
em que também residiam. Os participantes, ambos do sexo masculino, de 57 e 51 anos de idade,
possuíam histórico de internações em várias instituições psiquiátricas. Para avaliar os antecedentes e
consequentes de respostas verbais inapropriadas, foram empregados procedimentos de (a) avaliação
funcional indireta, (b) avaliação funcional por meio de observação direta e (c) avaliação funcional
experimental com o uso de dois delineamentos: (1) de múltiplos elementos e (2) de reversãoreplicação do tipo AB1B2B3AB1B2B3, seguido por follow-up.
Em relação ao delineamento de múltiplos elementos foram aplicadas quatro condições principais:
condição de atenção, condição de demanda, condição de sozinho e condição de controle. A condição
de atenção foi manipulada em três subcondições: condição de atenção mínima, condição de atenção
49
média e condição de atenção máxima. Todas as sessões tiveram duração de cinco minutos, foram
registradas em vídeo e realizadas individualmente com cada participante, totalizando 24 sessões com
cada um deles. As sessões desse delineamento foram decididas por sorteio, aplicadas e, na sequência,
replicadas de modo inverso.
A linha de base do delineamento de reversão-replicação do tipo ABAB, seguido de follow-up
compreendeu quatro sessões para a Fase A e, em seguida, mais quatro sessões foram aplicadas para cada
uma das fases das intervenções B1 (conduzida pela pesquisadora), B2 (conduzida pela pesquisadora
mais o profissional da instituição) e B3 (conduzida apenas pelo profissional da instituição). Esse
profissional foi previamente submetido a um treinamento sobre os princípios básicos da Análise do
Comportamento numa das salas da instituição em que os participantes se encontravam internados.
Ao término dessas fases, foram repetidas a Fase A e as intervenções B1, B2 e B3. Por fim, duas sessões
para a fase de follow-up foram realizadas. Cada uma das 32 sessões, com ambos os participantes, teve
duração de 15 minutos.
Os participantes foram expostos a uma série de condições em que eventos antecedentes e
consequentes foram sistematicamente manipulados, e seus efeitos sobre as falas apropriadas (FA)
e sobre as falas inapropriadas (FI e ruídos verbais – RV – como produto da resposta de som que
pudessem vir a afetar o ouvinte) foram observados e registrados. Os resultados demonstraram que
as falas inapropriadas (FI e RV) foram controladas por fontes de estimulação distintas: reforçamento
positivo (para obter a atenção de terceiros) e reforçamento negativo (para escapar ou adiar demandas
institucionais, adiar banhos, ou eliminar tarefas indesejáveis). Os resultados demonstraram também
que as intervenções propostas contribuíram para o aumento das FA sob o efeito do DRA, assim como
para a redução das FI e das RV como efeito da extinção.
Os resultados chamam a atenção para a relevância dos procedimentos adotados, como as entrevistas
de avaliação funcional, bem como a observação direta dos comportamentos-alvo. Apontaram, ainda,
para a importância do treinamento aplicado. Sendo que o valor reforçador da atenção social pode
ter sido alterado por efeito de uma operação motivadora (OM), denotando a importância do estudo
dos eventos antecedentes e consequentes sobre as falas inapropriadas de pessoas com o diagnóstico
de esquizofrenia.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Britto . Bueno . Marcon
O processo de avaliação funcional
50
A avaliação funcional é um processo usado para identificar os eventos que num ambiente específico
produzem e mantêm comportamentos-problema, por exemplo, falas inapropriadas de pessoas com
diagnóstico de esquizofrenia. Para condução do processo de avaliação funcional devem ser aplicados:
(a) métodos indiretos tais como questionários ou entrevistas (e.g., entrevistar pessoas que convivem
com a pessoa que apresenta classes de comportamentos-problema), (b) análises descritivas por meio
de observação direta dos eventos antecedentes e consequentes em diferentes momentos da rotina
da pessoa em seu ambiente natural e a (c) manipulação sistemática de condições ambientais para
medidas objetivas do comportamento. Por sua vez, o último método tem sido referido como análise
experimental ou análise funcional (Iwata et al., 1982/1994; Iwata et al., 2000; O’Neill et al., 1997).
Em síntese, os métodos para coletar informações sobre o processo de avaliação funcional recaem
em três estratégias principais: métodos com informantes, observação direta e análise funcional
(Hanley, 2012; Iwata & Dozier, 2008; O’Neill et al., 1997).
Ao tratar das relações funcionais entre o ambiente e o comportamento, alguma confusão pode surgir
a partir do uso das expressões avaliação e análise funcional. Cone (1997) propôs que se esclareçam
os termos como uma forma de facilitar a pesquisa e o uso dos mesmos. O termo ‘avaliação funcional’
é apropriado para as atividades envolvidas em coletar informações e formular hipóteses​​explicativas
do comportamento-problema. Enquanto que o termo ‘análise funcional’ para o teste das hipóteses
Britto . Bueno . Marcon
Comportamento em Foco 4 | 2014
propostas sobre a relação ambiente-comportamento através da manipulação sistemática de eventos
ambientais com o intuito de verificar a função desses eventos como antecedente ou consequente no
controle de comportamentos (Carr et al., 1994; Cone, 1997; Hanley, 2012; Martin & Pear, 2007/2009).
A partir dessas estratégias, completa-se o processo de avaliação funcional (Iwata & Dozier, 2008;
Martin & Pear, 2007/2009; O’Neill et al., 1997), posto que são manipuladas as condições de atenção,
demanda, controle e sozinho. Assim é que o processo de avaliação funcional produz resultados
relevantes sobre a função dos comportamentos-problema de pessoas que possuem o diagnóstico
de esquizofrenia: as falas inapropriadas desses participantes ocorreram, com maior frequência, nas
condições de atenção e de demanda, nas quais estavam presentes fontes de reforçamento positivo
e negativo, respectivamente, e com menor frequência, na condição controle. E não ocorreram
na condição sozinho (Britto et al., 2010; Bueno & Britto, 2013; DeLeon et al., 2003; Dixon et al.,
2001; Lancaster et al., 2004; Marcon, 2010; Moura, 2012; Santana, 2008; Wilder et al., 2001). Tal
padrão foi demonstrado ao expor-se o participante a uma série de condições em que eventos
antecedentes e consequentes eram sistematicamente manipulados, enquanto os seus efeitos sobre
seus comportamentos foram registrados.
Os achados desses estudos demonstraram que as respostas verbais inapropriadas de pessoas com
o diagnóstico de esquizofrenia foram controladas por múltiplas condições: seja para obter a atenção
social (e.g., reforçamento positivo), seja para escapar de demandas difíceis (e.g., reforçamento
negativo). Parece evidente que o comportamento verbal mais complexo (e.g., delirar e alucinar em
indivíduos com diagnóstico de esquizofrenia) possui múltiplas fontes de controle (Langthorne &
McGill, 2009; McGill, 1999; Smith & Iwata, 1997; Wilder & Carr, 1998).
Se notam a partir desses estudos que os eventos que mantinham e controlavam os comportamentosproblema foram funcionalmente identificados. É mais conveniente, portanto, propor uma tecnologia
de avaliação tanto pela forma, isto é, pelos procedimentos conduzidos para identificar e tratar os
problemas comportamentais mais graves, quanto
​​
pelas consequências futuras responsáveis pelo
​​
resultado final. O de contribuir para o desenvolvimento de uma metodologia que atendam os desafios
impostos pela complexidade de se estudar o comportamento como objeto de estudo científico, ao
contrário de indício de estados mentais (Britto, 2005, 2012a, 2012b).
Marcon e Britto (2011) defendem que a atenção social pode ter adquirido valor reforçador, fato este
que favoreceria as ocorrências de falas inapropriadas por pessoas diagnosticadas com esquizofrenia:
se a atenção social é escassa, instalar-se-ia uma condição de privação de atenção, o que alteraria,
momentaneamente, a efetividade da atenção social. Assim, suspeita-se que a atenção social poderia
funcionar como um potente reforçador. Essas autoras destacam as operações motivadoras e a atenção
social como eventos relevantes para o estudo de falas inapropriadas de pessoas com o diagnóstico
de esquizofrenia. Marcon e Britto (2011) salientam também, que o pouco acesso à atenção funciona
como uma operação motivadora que por sua vez estabeleceria a atenção como um reforçador e
evocaria quaisquer respostas que no passado as produziram.
A definição em termos mensuráveis das respostas verbais de esquizofrênicos (e.g. falas
inapropriadas), torna-se um pré-requisito para o planejamento das manipulações dos eventos
antecedentes e consequentes, bem como para a execução de programas de intervenção
comportamental. Corrobora a esta consideração o fato de que os programas de tratamento
comportamental envolvem observações frequentes e monitoramento continuado dos
comportamentos-alvo (Martin & Pear, 2007/2009). Com isto, antes que se selecionem estratégias
de tratamento para intervir em classes de respostas verbais inapropriadas, várias condições
experimentais devem ser manipuladas sistematicamente assim como demonstrado nos estudos de
Ayllon e Azrin (1965), Ayllon e Michael (1959), Britto et al., 2006, Bueno e Britto (2013), Dixon,
Benedict e Larson (2001), DeLeon et al. (2003), Lancaster et al. (2004), Liberman et al. (1973),Mace
et al. (1988), Santana, (2008), Wilder et al. (2001), dentre tantos outros.
51
Considerações finais
Atualmente, como esclarece Britto (2012a), a metodologia de análise funcional está sendo vista
como uma alternativa para estudar comportamentos-problema apresentados por pessoas com
diagnósticos psiquiátricos. Uma vez que permite identificar as diferentes fontes de reforçamento
manipuladas, tal método tem se tornado um padrão bem estabelecido em pesquisas comportamentais.
A autora alerta que as pessoas não se engajam em comportamentos desorganizados ou
comportamentos altamente perturbadores porque apresentam algum tipo de transtorno mental.
Defende-se que pessoas adotam padrões de comportamentos que funcionaram e continuam a
funcionar para elas de alguma forma. Considera-se que há função em comportar-se de determinado
modo, portanto, torna-se importante definir os comportamentos-alvo de modo completo e seguro, o
que pode ser feito por meio dos procedimentos de avaliação indireta, direta e experimental.
A partir da década de 1950 as explicações sobre as influências genéticas e bioquímicas dos problemas
comportamentais aumentaram, tanto na cultura científica quanto na popular. Vários transtornos
comportamentais são conceituados como se possuíssem uma base genética ou bioquímica, ainda
que até então não tenham sido encontrados os genes ou os marcadores biológicos que apoiam tais
convicções (Britto, 2013a).
A abordagem tradicional não trata os transtornos psiquiátricos do mesmo modo pelo qual a
medicina trata os distúrbios físicos, por exemplo, com o uso de instrumentos laboratoriais ou
procedimentos diagnósticos por meio de neuroimagem (Britto, 2012b). Antes, o comportamento
é descrito como sintoma de transtornos mentais subjacentes. Então, o paradoxo permanece: os
transtornos psiquiátricos não são tratados como fenômenos naturais dentro de um processo causal
empírico para avaliação e tratamento (Britto, 2004, 2012a, 2013b).
Baer, Wolf
​​
e Risley (1968) sustentam que a pesquisa aplicada deve examinar os comportamentos
que são socialmente importantes. Se o objetivo da Análise do Comportamento Aplicada é o de
resolver problemas humanos de significado social, independentemente dos desafios encontrados,
não há fim para as possíveis extensões da metodologia de análise funcional (Beavers et al., 2013).
Em outras palavras, os consumidores serão os juízes finais do trabalho aplicado, e a validade social
referir-se-á aos julgamentos sobre três aspectos das aplicações da Análise do Comportamento: (a)
o significado dos objetivos (b), a aceitabilidade de procedimentos e (c) a importância dos efeitos
(Hagopian et al., 2013).
Comportamento em Foco 4 | 2014
Britto . Bueno . Marcon
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54
Transtorno de personalidade borderline: contribuições
da clínica comportamental
Rodrigo R. C. Boavista 1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo
No presente trabalho, propomo-nos a discutir as práticas terapêuticas derivadas da ciência do
comportamento que se direcionam ao tratamento do transtorno de personalidade borderline (TPB).
O estudo vem a compor, junto aos exemplares precedentes, uma amostra do empenho da análise
do comportamento, em especial da sua vertente clínica, na tarefa de analisar as contingências
responsáveis pela gênese dos padrões característicos do TPB e de intervir em prol da redução do
sofrimento e aprimoramento da qualidade de vida dos indivíduos diagnosticados com tal transtorno.
1 Contato: [email protected]. Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq. O autor agradece os comentários de
Beatriz Moraes, Dante Malavazzi, Evelyn Barrelin, Isabela Jardim, Maria Isabel Camargo e Nicolau Pergher.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Palavras chave: Transtorno de Personalidade Borderline, psicoterapia, análise do comportamento.
55
No presente trabalho, propomo-nos a discutir as práticas terapêuticas derivadas da ciência do
comportamento que se direcionam ao tratamento do transtorno de personalidade borderline (TPB).
O estudo vem a compor, junto aos exemplares precedentes, (Kohlenberg, Tsai, Kanter & Parker, 2009;
Otero, 2002; Sadi, 2011; Sousa, 2003; Sousa & Vandenberghe, 2007; Strosahl, 2004; Vandenberghe,
2003) uma amostra do empenho da Análise do Comportamento, em especial da sua vertente clínica,
na tarefa de analisar as contingências responsáveis pela gênese dos padrões característicos do TPB, e
de intervir em prol da redução do sofrimento e aprimoramento da qualidade de vida dos indivíduos
diagnosticados com tal transtorno.
Num primeiro momento, tentaremos esclarecer o conceito de personalidade à luz do Behaviorismo
Radical. Em seguida, ao passo que se apresentarão dados epidemiológicos, serão identificados
padrões comportamentais típicos de indivíduos com diagnóstico de TPB. Por último, serão expostos
quatro modelos comportamentais clínicos que têm sido aplicados no tratamento do TPB, são eles:
a Terapia Comportamental Construcional, a Psicoterapia Analítico Funcional (FAP), a Terapia de
Aceitação e Compromisso (ACT) e a Terapia Comportamental Dialética (DBT).
Deve-se ter presente que uma sistematização pormenorizada da definição comportamental de
TPB, bem como a análise detalhada de cada uma das práticas psicoterápicas a serem discutidas, foge
ao escopo da presente contribuição. Contudo, recomenda-se fortemente ao leitor interessado que
investigue as obras referenciadas no presente trabalho para um maior aprofundamento nas áreas
destacadas.
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Boavista
A leitura comportamental da personalidade
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Numa primeira vista, o conceito de personalidade pode parecer incompatível com a Psicologia
proposta por Skinner. Uma vez que se rejeita o status causal atribuído a certos elementos metafísicos
- entidades mentais, forças internas, humores, entre outros – fica descaracterizada a definição
convencional do termo que alude para a influência de uma “força interior”, por vezes chamada de
“eu” ou self.
Por outro lado, caso se defina personalidade como “um repertório de comportamento partilhado
por um conjunto organizado de contingências” (Skinner, 1974, p. 130), o vocábulo adquire contornos
funcionais e passa a viabilizar análises que respeitam a premissa do sistema teórico-filosófico da
ciência do comportamento, a saber, a previsão e o controle do comportamento.
Não mais se está lidando com forças internas ou elementos de ordem extra material, a compreensão
da personalidade como o resultado da interação entre organismo e ambiente abre possibilidade tanto
para a explicação dos padrões comportamentais quanto para a intervenção sobre eles.
A despeito do histórico debate na área, autores contemporâneos têm adotado posição semelhante
à de Skinner (1974). Sousa (2003, p. 123), por exemplo, define personalidade como “um conjunto de
respostas funcionalmente unificado”.
Já Sadi (2011) buscou identificar na literatura comportamental os significados atribuídos ao
termo em destaque. A autora concluiu que há uma tendência em definir personalidade como
padrões consistentes de respostas envolvidos em relações também consistentes de contingências
de reforçamento.
Destarte, considera-se que quando o analista do comportamento lança mão do conceito de
personalidade, ele está descrevendo um conjunto específico de repostas selecionadas na história
ontogenética de um indivíduo que ocorrem com regularidade.
Numa clara aproximação de dois dos conceitos mais debatidos em psicologia – self e personalidade
– Kohlenberge e Tsai (1991) desenvolveram a hipótese de que aquilo que é nomeado como a
personalidade do indivíduo se constitui a partir do fortalecimento de respostas verbais sob controle
de estimulação privada.
De acordo com o modelo analítico proposto pelos autores, o desenvolvimento da experiência de
self se dá em três etapas: a primeira seria caracterizada por verbalizações do tipo Eu X Y (eu sinto
frio, eu sinto fome, eu sinto raiva), a segunda por verbalizações do tipo Eu X (eu sinto, eu tenho,
eu quero), e por último emerge a experiência de Eu. Podemos inferir que a lógica subjacente ao
argumento dos autores é de que a experiência de self, ou personalidade, é uma construção verbal que
se estabelece mediante reforçamento de respostas sob controle de estimulação privada. A partir das
demandas e aumento do rigor da comunidade verbal nas práticas de consequenciação, determinadas
propriedades do ambiente interoceptivo devem ser abstraídas e evocar a unidade funcional “eu”.
Num primeiro estágio, a consequenciação se dá no sentido de fortalecer a relação entre estímulos
discriminativos públicos e respostas. Por exemplo, diante de uma maçã um indivíduo vocaliza “eu
vejo uma maçã”, diante de um trem vocaliza “eu vejo um trem”, diante de um gato “eu vejo um
gato”, e em todas essas situações as respostas são seguidas de estímulos reforçadores generalizados.
Apesar de que a operação de reforçamento somente se dá a partir da confirmação do estímulo
discriminativo público que estaria controlando a resposta verbal, o efeito do reforço se estende às
condições corporais presentes no momento em que a consequência retroage sobre o organismo que
se comporta. Sendo assim, num segundo momento, é esperado que tais condições sejam suficientes
para o controle de respostas verbais.
A comunidade verbal doravante dispensa a confirmação pública da estimulação e passa a liberar
consequências apoiada apenas na inferência das variáveis controladoras. Por exemplo, seguem-se
reforçadores generalizados diante de relatos como “eu vejo”, “eu sinto”, “eu gosto” e daí em diante.
Como no processo de abstração, o reforço fortalece a relação entre a única parcela de estimulação
que se mantém constante ao longo do treino e as respostas verbais, daí então emerge a resposta verbal
“eu” sob controle de condições eminentemente privadas.
Kohlenberg e Tsai (1991) alertam para a possibilidade de que durante o processo de constituição
do self hajam inconsistências no procedimento de consequenciação das respostas verbais do tipo “Eu
X” sob controle de eventos privados. Prováveis efeitos deletérios de tal situação estão descritos nas
categorias nosológicas do Eixo II do DSM-IV-TR, os chamados transtornos de personalidade.
Transtorno de Personalidade Borderline
Apesar de que o primeiro relato de suas características clínicas data do século XIX, o Transtorno
de Personalidade Borderline somente foi introduzido no Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais na década de 1980. (DSM, atualmente na sua 5ª edição)
Assim como boa parte, senão todos, os transtornos descritos no DSM, o TPB vem sendo descrito
a partir de assunções mentalistas. Atualmente, tal categoria nosológica é definida em termos das
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O Self e a personalidade
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Comportamento em Foco 4 | 2014
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características que se seguem: a) humor instável, b) impulsividade, c) sensação crônica de vazio, d)
relações interpessoais tempestuosas e instáveis, e) ameaças e tentativas de suicídio, f) perturbação na
sensação de self, g) raiva incontrolável, h) medo de abandono real ou imaginário, i) engajamento em
comportamentos de risco (abuso de substâncias, automulitação, atos suicidas).
A literatura (Otero, 2002; Sadi, 2011; Strosahl, 2004) aponta que geralmente os clientes TPB buscam
apoio psicoterápico por conta de comorbidades, por exemplo, episódios depressivos, crises de
ansiedade, abuso de drogas, agressividade e transtornos alimentares. Contudo, podemos problematizar
o argumento: se não o conjunto destes funcionamentos, o que caracterizaria o núcleo do TPB?
É de consenso que o aspecto basal do diagnóstico constitui-se no medo de um possível abandono,
real ou imaginário (Blum & Pfohl, 2006; James, 2007; Kohlenberg & Tsai, 1991; Otero, 2002; Sadi,
2011; Sousa, 2003; Sousa & Vandenberghe, 2007; Strosahl, 2004; Vandenberghe, 2003).
Sadi (2011) informa que o diagnóstico de TPB é complexo, demorado e difícil de ser definido,
o que ao lado da cronicidade dos casos, do amplo alcance dos prejuízos gerados pelo padrão
comportamental do paciente e, especialmente, da grande resistência a mudanças, tende a caracterizar
o transtorno no rol dos “casos difíceis”.
Todavia, o analista do comportamento, enquanto investigador de contingências, não deve valer-se
do rótulo como variável preditora do fracasso de suas intervenções. Por vezes, a prática clínica vai ao
encontro dos achados empíricos que atestam a eficácia da psicoterapia (Otero, 2002).
São citados na literatura enquanto fatores etiológicos do TPB uma combinação entre irregularidades
biológicas e a convivência dos pacientes em ambientes disfuncionais, mais especificamente definidos
enquanto uma comunidade verbal que usualmente libera consequências aversivas contingentes a
respostas verbais sob controle de eventos privados (Sadi, 2011; Sousa, 2003).
No tocante a epidemiologia do TPB, consta que cerca de 2% da população mundial apresenta os
sintomas2 do transtorno, sendo que 75% dessa faixa constitui-se de mulheres. Destaca-se também
a comum apresentação de comorbidades, como transtornos de humor, abuso de substâncias,
transtornos alimentares, bem como a alta e correlata taxa de suicídio (por volta de 9% dos pacientes).
São preditores de prognóstico favorável: alta capacidade intelectual do paciente, habilidades artísticas,
atrativos físicos e a presença de traços obsessivos3. Por outro lado, marcam um mau prognóstico:
presença de transtornos afetivos, episódios depressivos, irritabilidade e impulsividade.
Segundo Sousa e Vandenberghe (2007), o tratamento medicamentoso em casos de TPB se mostra
apenas parcialmente efetivo. A partir dos achados da literatura médica, é possível inferir que parcela
do sucesso de tal intervenção pode derivar da correlação entre a presença de sintomas do transtorno
e: (a) anormalidades no metabolismo de serotonina, (b) baixo limiar de ativação das estruturas
límbicas, e/ou (c) maior disritmia eletroencefalográfica. Partindo da constatação do restrito alcance
das práticas químicas, Blum & Pfohl (2006) mencionam a recomendação da American Psychiatric
Association (APA) de que, ao lado do manejo medicamentoso, o tratamento de clientes diagnosticados
com TPB seja composto por psicoterapia.
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Clínica Comportamental e TPB
Tendo em vista as características marcantes do TPB, especialmente os aspectos ontogenéticos
do seu desenvolvimento, a psicoterapia se constitui no encaminhamento padrão para tratamento
(James, 2007). Procedimentos que viabilizem: (a) o contato direto com as contingências, (b) o ensino
de repertórios outros que não a esquiva para que se lide com eventos privados, (c) o estabelecimento
de estratégias efetivas de comunicação e (d) a elaboração de uma agenda de prevenção e remediação
2 O termo será empregado ao longo do texto como sinônimo de ‘características’ e em nenhum momento deve ser equivalido a
manifestações de fenômenos internos ou mentais.
3 Sadi (2011) ensina que tais traços podem servir como protetores do indivíduo uma vez que favorecem a organização temporal.
em situações de crise (atos suicidas e comportamentos de risco), são de alta valia aos indivíduos com
diagnóstico de TPB (Otero, 2002).
Como indicado por Vandenberghe (2003), até o surgimento da DBT e da FAP pouco ou
nenhum esforço foi observado por parte dos analistas do comportamento no que tange ao
tratamento do TPB. Dentre as práticas terapêuticas – pretensamente – albergadas sob o escopo da
Análise do Comportamento que têm se debruçado sobre o diagnóstico em debate estão a Terapia
Comportamental Construcional, a Psicoterapia Analítico Funcional (FAP), a Terapia de Aceitação e
Compromisso (ACT) e a Terapia Comportamental Dialética (DBT).
Conforme ensinam Boavista (2012), Hayes, Strosahl & Wilson (1999) e Sadi (2011), tais
empreendimentos clínicos podem ser enquadrados na terceira geração da terapia comportamental,
movimento marcado pela dedicação ao estabelecimento de novos repertórios comportamentais em
detrimento da simples redução de sintomas, pela utilização de técnicas de aceitação e mindfulness, e
pela relevância dada à relação terapêutica, entendida não apenas como um anteparo, mas como um
mecanismo de mudança, entre outras características.
A Terapia Comportamental Construcional enfatiza a análise dos comportamentos do terapeuta
enquanto este entra em contato com o cliente diagnosticado com TPB (Vandenberghe, 2003). A
premissa subjacente ao modelo terapêutico construído por Bakker-de Pree nos anos 80 é de que
o repertório comportamental de um indivíduo pode ser visualizado como uma ‘construção’, que
compreende comportamentos saudáveis e danosos. Uma mudança numa das partes desta estrutura
reverbera sobre sua totalidade, e assim sendo, a modificação (eliminação) de sintomas se torna
um encaminhamento de menor importância já que a consolidação e/ou fortalecimento de partes
constitutivas da construção podem ser suficientes para que o cliente adote um estilo de vida menos
prejudicial para si mesmo.
Decorrente da assunção de que o elo fundamental do diagnóstico de TPB reside nas persistentes
estratégias de esquiva dos mínimos sinais de rejeição, a Terapia Comportamental Construcional
focaliza esforços no sentido de extinguir a funcionalidade dos repertórios de evitação. Ao passo
que se desprezam critérios topográficos para definição de classes operantes, como “evitar emoções”,
Vandenberghe (2003) cita que os pacientes borderline apresentam padrões comportamentais que
variam desde a submissão, a manipulação de outrem, abuso de substâncias, automutilação e atos
suicidas.
No que diz respeito aos aspectos pragmáticos das sessões de psicoterapia, são conduzidas
perguntas sobre padrões saudáveis do paciente, são analisadas as condições nas quais tais padrões
são evidentes e aventadas possibilidades de aproveitamento destes comportamentos em outras
situações, especialmente naquelas que correntemente geram danos ou prejuízos para o indivíduo.
Com tais estratégias, almeja-se instalar o repertório de identificação de relações entre padrões de
ação e variáveis ambientais – autoconhecimento - o que segundo Skinner (1953, 1974) tende a gerar
autocontrole. Em nenhum momento na sessão de terapia se busca a eliminação das estratégias de
esquiva empreendidas pelo cliente, ao contrário, são discutidos e fortalecidos encaminhamentos nos
quais o paciente diagnosticado com TPB reconheça e em seguida prescinda, apoiado nos aspectos
saudáveis do seu funcionamento, dos repertórios de esquiva de sinais de rejeição social.
Psicoterapia Analítico Funcional
A FAP, elaboração de Kohlenberg e Tsai (1991) e renovada por Tsai et al., (2009), é um tratamento
psicoterápico pautado na tradição skinneriana e fortemente influenciado pelo conceito de ‘análise
funcional’. Nas palavras dos primeiros autores:
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Terapia Comportamental Construcional
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As técnicas da FAP são consistentes com as expectativas daqueles clientes que buscam uma experiência
terapêutica intensa, emocional e profunda. Ademais, é também recomendável para os clientes que não
obtiveram avanços com as terapias comportamentais tradicionais, que têm dificuldades para estabelecer
relacionamentos íntimos, e/ou têm problemas difusos, pervasivos ou interpessoais como aqueles
tipificados pelo eixo II do DSM. (Kohlenberg & Tsai, 1991, p. 2)
Uma vez que se assume a equivalência funcional dos comportamentos-problema4, se torna essencial
para a FAP um sistema taxonômico das interações ocorridas dentro da sessão terapêutica. A proposta da
FAP é de que o terapeuta fique atento para a ocorrência de três tipos de comportamentos clinicamente
relevantes (CRBs): CRB1 – comportamentos vinculados à queixa ou problema do cliente, CRB2 –
comportamentos que aventam para a possibilidade de melhora do cliente, CRB3 – comportamentos
relacionados a elaboração de hipóteses funcionais do próprio comportamento do cliente.
Além de estar atento para a ocorrência de CRBs, o terapeuta deve seguir um conjunto de mais
quatro regras fundamentais: Regra 1 – atentar para CRBs, Regra 2 – evocar CRBs, Regra 3 – reforçar
(naturalmente) instâncias de CRBs2, Regra 4 – observar efeitos comportamentais do seu próprio
comportamento no repertório do cliente, Regra 5 – fornecer interpretações comportamentais
(pautadas em análises funcionais) para os repertórios do cliente.5
Assim como o fez Vandenberghe (2003), assume-se que uma das maiores contribuições da FAP
para o tratamento do TPB diz respeito à elaboração de um modelo compreensivo da história de
gênese da sintomatologia característica do transtorno. Ambientes invalidantes, ou seja, aqueles
nos quais os indivíduos são consequenciados com estimulação aversiva contingente à expressão
de relatos controlados por eventos privados, são apontados como condições necessárias para o
desenvolvimento de uma experiência de self desajustada. Ao punirem respostas sob controle de
condições corpóreas, os agentes mediadores de consequências (em geral membros da rede familiar
do paciente) não apenas impedem que o indivíduo conheça seu mundo privado, mas também
adquira e mantenha repertórios controlados pela evitação das invalidações, desqualificações e/ou
rejeições sociais (Kohlenberg & Tsai, 1991)6.
Tendo em vista a história de construção da sensação de self dos pacientes borderline, uma terapia
pautada na proposta da FAP costuma engajar-se na validação dos relatos potencialmente controlados
por condições privadas independentemente da sua topografia. Sendo assim, verbalizações referentes
a sentimentos, emoções, tendências comportamentais, entre outras são consequenciadas pelo
terapeuta na expectativa de fortalecer a identidade do indivíduo a partir de condições que lhe
são íntimas e exclusivas. Como indica Sousa (2003), uma terapia de sucesso é aquela em que são
encorajadas expressões de afetos e fortalecidos os laços entre eventos privados e respostas a eles.
No que tange a possíveis intervenções do terapeuta em casos de TPB, salienta-se a prescrição de
um processo terapêutico inicialmente diretivo e estruturado que se encaminhe paulatinamente a
uma condição em que o próprio cliente conduza as sessões. Contudo, a princípio, por conta do tipo
Comportamento em Foco 4 | 2014
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de relação de intimidade que se estabelece entre terapeuta-cliente e das demandas por contato direto
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com eventos privados, é comum que os pacientes borderline coloquem em prática os repertórios de
esquiva modelados ao longo de sua história, então, faz-se necessário que o terapeuta, ao passo que
bloqueia os sintomas do cliente, conduza as sessões de modo a validar suas experiências e tendências
de ação (fugir/esquivar). Para além do descrito, Sousa (2003) constitui como importantes aspectos
4 Admite-se que do mesmo modo que as respostas problemáticas ocorrem mediante a disposição de condições específicas no
ambiente natural do indivíduo, caso o psicólogo maneje adequadamente o contexto terapêutico, tais respostas também ocorrerão
dentro da sessão, o que oportuniza a modelagem direta de repertórios.
5 Para uma análise e justificativa cuidadosa dos procedimentos a serem adotados (regras) pelos terapeutas FAP ver Tsai,
Kohlenberg, Kanter e Waltz (2009).
6 Para o detalhamento das etapas de constituição da experiência de self, consultar Kohlenberg e Tsai (1999).
do acompanhamento psicoterápico dos casos de TPB: a análise funcional de contingências (da sessão
e da vida) nas quais o paciente está imerso, a sugestão de sentimentos enquanto respostas colaterais
à experiência de tais condições, a recomendação de tarefas de auto-observação de eventos privados,
a demanda de descrições de afetos, o treino de tatos controlados por eventos privados, o treino de
repertórios de mando, a utilização dos comportamentos do próprio terapeuta como produto dos
repertórios do cliente, a interpretação funcional da resistência à mudança e das condutas auto lesivas
(inclusive tentativas de suicídio) à luz do conceito de esquiva.
Na esteira de Otero (2002), podemos destacar ainda a necessidade de que a psicoterapia envolva a
aprendizagem de repertórios alternativos de solução de problemas, habilidades sociais e assertividade,
em especial aqueles vinculados à comunicação de necessidades e interesses, e estratégias de
enfrentamento que capacitem o cliente a vivenciar profundamente sentimentos e experiências
privadas anteriormente evitadas.
A Terapia de Aceitação e Compromisso surgiu no final dos anos 80 com a proposta de abordar o
sofrimento (psicológico) humano a partir da análise e intervenção sobre os processos constituintes
da linguagem (Boavista, 2012). Hayes, Strosahl e Wilson (1999) esclarecem que o objetivo principal
da ACT é auxiliar o cliente na obtenção de condições para sua vida que estejam pautadas nos seus
valores enquanto aceitam as experiências privadas como elas se colocam à sua frente. Ancoradas
nas interpretações oriundas da teoria das molduras relacionais (RFT)7, as intervenções da ACT
têm como foco a aceitação das experiências privadas como elas se apresentam ao indivíduo, e o
comprometimento com cursos de ação que encaminhem o cliente a um contexto de poderosos
reforçadores positivos.
Em consonância com as demais terapias de terceira geração, a ACT prioriza uma relação
terapêutica genuína que sirva de mecanismo para mudança comportamental. A manipulação de
comportamentos-problema é secundarizada na medida em que se compreende os repertórios
atuais dos clientes como instâncias funcionais, que, se continuam ocorrendo, há variáveis nas
contingências responsáveis pela sua manutenção. Daí decorre a importância das análises funcionais
e do estabelecimento de repertórios alternativos que viabilizem a supressão colateral8 das queixas.
A leitura da ACT acerca do comportamento humano, e especialmente das psicopatologias que
afligem grande parcela da população mundial, demarca a inconveniência da diferenciação entre
comportamentos ditos “disfuncionais” e “saudáveis”. Uma vez que ambos estão sob controle das
variáveis ambientais, não há necessidade de tratamento especial para qualquer deles. Strosahl (2004)
alerta que as queixas dos clientes diagnosticados com transtornos de personalidade9 geralmente
se consolidam como desafios ao terapeuta comportamental. Quatro características do repertório
dos pacientes com múltiplos problemas merecem destaque: (a) pervasividade: o mesmo conjunto
limitado de respostas ocorre numa vasta extensão de contextos, (b) persistência: os comportamentosproblema se perpetuam ao longo da história ontogenética do indivíduo, (c) resistência: os padrõesproblemáticos parecem imunes aos procedimentos de modelagem apesar das consequências danosas
que produzem, e (d) autodestrutividade: o repertório-problema tende a constringir a vida do
indivíduo e o afastar dos seus valores.
7 Para o aprofundamento da relação entre RFT e ACT, recomenda-se a leitura de Hayes e Wilson (1994).
8 Reitera-se que numa terapia pautada nos princípios da ACT, os comportamentos-problema nunca são atacados diretamente.
Entretanto, conforme o repertório comportamental do cliente vai se modificando, novas (e mais eficazes) respostas passam a
preponderar, o que culmina na extinção da “Inflexibilidade Psicológica” – repertórios cristalizados eminentemente controlados por
fuga/esquiva de eventos privados.
9 Strosahl (2004) identifica os portadores de transtornos de personalidades como “pacientes com múltiplos problemas”. Segundo
ele, o título se constitui numa melhor categoria diagnóstica uma vez que descreve o funcionamento prejudicado do indivíduo
em diversas searas, por exemplo, na área cognitiva, emocional e social. Podemos admitir também que o título restringe-se ao
fenômeno observado e exime de participação entidades mentais ou ficções explicativas.
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Terapia de Aceitação e Compromisso
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No que diz respeito à compreensão da ACT para a gênese do TPB pode-se dizer que, no compasso
das formulações da FAP, há uma ênfase na suposição de que o indivíduo fora exposto a modelos
cujas respostas a eventos privados eram marcadas por repertórios de fuga/esquiva e consequenciação
aversiva. Haja vista sua vinculação com a RFT, uma possível leitura a partir da ACT levanta a
suspeita de que ao menos parte do comportamento de evitação de eventos privados pode derivar da
ocorrência de situações traumáticas (estimulação aversiva de grande magnitude) antes que molduras
relacionais dêiticas10 estivessem suficientemente fortalecidas. Assim sendo, torna-se previsível que os
pacientes borderline não possuam, ou possuam em restrita escala, repertórios de enfretamento que
viabilizem o contato direto com contingências aversivas, que por sua vez torna funcional a elaboração
e seguimento de auto regras que controlem o afastamento do indivíduo destas condições.
Um dos efeitos deletérios da fragilidade do controle do comportamento por estimulação privada é a
ausência de discriminações para os chamados augmentals – estimulação verbal capaz de transformar
a função de estímulos. Como esclarece Strosahl (2004), a falta de consciência dos eventos que seriam
capazes de suplantar os efeitos (intensos, porém breves) do reforçamento negativo que decorre das
respostas de fuga/esquiva prejudica a instalação de comportamentos que produzirão, inicialmente
consequências aversivas (experiências privadas), mas, a posteriori potentes reforçadores positivos.
Uma intervenção pautada na proposta da ACT poderia ser organizada em quatro estágios: (1) levar
o paciente a entrar em contato com as consequências (a curto, médio e longo prazo) das estratégias
comportamentais que vem levando a cabo, (2) atacar a governança por regras e auto regras que afasta
o paciente do contato direto com as contingências, (3) predizer e elaborar encaminhamentos para
superação de potenciais obstáculos oriundos da mudança de comportamento, (4) entrar em contato
com valores e engajar-se em cursos de ação que os tornem tangíveis.
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Boavista
Terapia Comportamental Dialética
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Como indica Strosahl (2004), os resultados do primeiro ensaio clínico randomizado da DBT,
conduzido na primeira metade da década de 90, gerou uma onda de entusiasmo dentre os modelos
terapêuticos de terceira geração. Desde então a terapia comportamental dialética, desenvolvida por
Marsha Linehan, tem sido recomendada especialmente para o tratamento de mulheres diagnosticadas
com TPB com ou sem comorbidade de abuso de substâncias. O conceito de “dialética”, importado da
filosofia, lança luz sobre a inexorável confluência dos fenômenos que mesmo quando diametralmente
opostos, podem ser integrados.
O programa terapêutico da DBT prevê: (1) treino de habilidades sociais e (2) técnicas de
mindfulness11. No que se refere ao ponto (1), pacientes borderline geralmente são “maus solucionadores
de problemas” (Strosahl, 2004, p. 215). Tendo isto em vista, o terapeuta da DBT apoia seu cliente no
desenvolvimento de repertórios mais eficazes que produzam consequências menos danosas para si e
para outrem. Dimensão importante no treino de habilidades é a comunicação interpessoal, admitese que muito do estresse gerado pelo indivíduo diagnosticado com TPB na comunidade – inclusive
no terapeuta (Otero, 2002; Sadi, 2011; Sousa, 2003; Strosahl, 2004) - está vinculado ao seu modo de
expor interesses e necessidades.
Em acordo com a proposta da DBT está o interesse dos terapeutas FAP em extinguir repertórios
de mando disfarçado e fortalecer respostas sob controle de eventos íntimos e exclusivos daquele
que se comporta. Além disso, são treinadas alternativas de ação diante de estimulação emocional.
Como defende James (2007), indivíduos borderline têm dificuldades para entrar em contato com
sentimentos, especialmente ameaças de rejeição e abandono. Daí emerge a tendência impulsiva a
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Molduras relacionais dêiticas são aquelas que especificam perspectivas entre falante-ouvinte. Por exemplo, eu-você, aqui-lá,
agora-depois, entre outras. Conforme Hayes, Barnes-Holmes e Roche (2001) tais relações são fundamentais para a compreensão e
superação das estratégias de esquiva de experiências privadas. Para maiores detalhes recomenda-se a leitura de Hayes et al. (2001).
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“É uma forma específica de atenção plena. É uma atitude intencional e não valorativa de concentrar-se no momento atual”
(Boavista, 2012, p. 19).
evitar o contato direto com estados corpóreos e com as situações que potencialmente os produziriam,
por exemplo, relacionamentos de elevado grau de intimidade. O interesse na construção de
repertórios alternativos, aqueles capazes de amplificar o contato do paciente com seus eventos
privados, prescindindo assim das respostas de fuga/esquiva responsáveis pela constrição da sua vida,
assume então papel central na terapia comportamental dialética.
A partir dos anos 90, as técnicas de mindfulness12 passaram a figurar entre os procedimentos
utilizados por psicoterapeutas no tratamento das mais diversas condições (Vandenberghe & Sousa,
2006). Gestadas na tradição oriental da meditação, as técnicas de atenção plena vão ao encontro das
principais propostas da terceira geração da terapia comportamental: o abandono de (auto) regras que
regulam o comportamento e a valorização do contato direto com as contingências. A DBT adota ao
menos três componentes do mindfulness na sua proposta: a observação de eventos ambientais e do
próprio comportamento, a descrição não avaliativa de relações funcionais entre o indivíduo que se
comporta e as condições ambientais nas quais opera, e a participação plena no momento atual, o que
é incompatível a atividades paralelas como racionalizar ou justificar condutas.
Ao cabo das intervenções, é esperado que o paciente seja capaz de comportar-se sem realizar
julgamentos (elaborar auto regras que viessem a controlar respostas de fuga/esquiva de eventos
privados), estar atento de forma integral às contingências (não engajar-se em atividades com função
de fuga/esquiva, por exemplo, racionalização, categorização ou desqualificação do seu próprio
comportamento), e agir de forma efetiva (comportar-se de modo a produzir consequências valorosas
para si e não danosas para outros).
A DBT apresenta uma distinção entre três modos de o indivíduo funcionar (Vandenberghe & Sousa,
2006): a mente emocional – remete à preponderância de comportamentos impulsivos e é marcada
por repertórios de evitação de experiências privadas; a mente racional – remete a racionalização das
experiências, o que pode ser interpretado como uma estratégia de fuga/esquiva, e é marcada pela
elaboração e seguimento de regras; a mente sábia – remete à adoção de padrões comportamentais
dirigidos aos valores do indivíduo e é marcada pela aceitação e tolerância a eventos privados. Os
procedimentos utilizados numa terapia DBT objetivam que o paciente passe a funcionar de acordo
com as características da ‘mente sábia’, ou seja, que ao passo que entra em contato com as experiências
privadas, inclusive as temidas sensações de rejeição e abandono, permaneça se comportando de modo
a alcançar reforçadores valorosos para sua vida sem que para isso precise empreender estratégias de
controle e esquiva emocional.
Como proposto, foram identificadas na literatura modalidades de terapia comportamental que
têm se dedicado ao tratamento do TPB, como vem sendo definido na contemporaneidade. Apesar de
recentes, afinal, datam apenas dos anos 80, os resultados obtidos através da Terapia Comportamental
Construcional, da FAP, da ACT e da DBT com pacientes borderline lhes tem creditado posto de
destaque, o que se comprova a partir da recomendação da APA de que o tratamento do TPB seja
composto por intervenções medicamentosas e psicoterápicas. Como visto, cada modelo terapêutico
aponta para certas idiossincrasias do quadro nosográfico dos pacientes e para tantos são elaboradas
condutas singulares que em geral objetivam a redução dos efeitos danosos dos comportamentos do
cliente e o aprimoramento da qualidade de vida do mesmo.
Não obstante, perpassam por todas as propostas: o cuidado e uso da relação terapêutica enquanto
instrumento de modificação do comportamento, a meta de (re)colocar o paciente em contato direto
com as contingências, abdicando assim de regras que governem seu comportamento, e o treino
de repertórios que venham a substituir as estratégias de controle emocional (fuga/esquiva). Fica
patente que ainda há carência de relatos de intervenções comportamentais conduzidas com os
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Para contato com o debate do conceito e do seu emprego na psicoterapia ver Vandenberghe e Sousa (2006).
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Considerações finais
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indivíduos diagnosticados com TPB, e mais amplamente com os ditos “portadores de transtornos
de personalidade”. Contudo, expecta-se que o presente estudo venha a contribuir para o interesse
dos analistas do comportamento pelo tema em debate. Tendo em vista os limites de escopo e
profundidade do presente trabalho, sugere-se futuras pesquisas que abordem individualmente as
propostas terapêuticas de cada um dos modelos aqui apresentados para o tratamento do TPB e
demais psicopatologias.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Boavista
Referências
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Variáveis de controle dos comportamentos culturalmente
denominados de idealização e possibilidades clínicas
Rhuam Gabriel Cavalcante Brandão 1
Universidade Federal de Goiás
Resumo
Este artigo objetiva apresentar uma análise analítico-comportamental da “idealização” em
suas diversas formas, trazendo possibilidades de intervenção. Para isso, primeiramente apresenta
conceitos behavioristas radicais que servem de base à análise, mostrando, por exemplo, que o
“idealizar” não pode ser tomado como causa comportamental. Em seguida, apresenta exemplos que
são destrinchados comportamentalmente em suas variáveis dependentes e independentes, através
de conceitos básicos como reforçamento, estímulo discriminativo e punição. Por fim, são trazidas
diversas possibilidades clínicas de intervenção para situações de “idealização”.
1 Contato: [email protected]. Agradecimentos a Elisa Sanabio Heck por orientações na bibliografia e na elaboração do
artigo e João Cláudio Todorov por revisão do artigo.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Palavras-chave: análise do comportamento, idealização, clínica, intervenção.
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Entender fenômenos comportamentais recorrentemente citados em nosso cotidiano é de
importância para a Análise do Comportamento por suas implicações pragmáticas como as
relacionadas à clínica. Analisando quais variáveis dependentes e independentes estão envolvidas no
que é culturalmente denominado de “idealização”, tais como estímulos discriminativos, esse artigo
busca avançar mais um passo nesse sentido.
Apesar de primeiramente aprendermos a descrever a “idealização” a partir do senso comum, ela
também pode ser entendida em linguagem analítico-comportamental de forma singular em cada
situação. Ou seja, a “idealização” apresenta variáveis dependentes e independentes diferentes, como
será mostrado em exemplos adiante.
Ao analisar um fenômeno em termos analítico-comportamentais é possível entender, a partir
da história de vida do indivíduo, como um organismo passou a apresentar os comportamentos
envolvidos nessa situação. Mais que isso, torna-se possível também realizar mudanças em situações
cujas consequências são aversivas, como pode ser observado em situações de “idealização”. Com
isso, temos possibilidades para a clínica, que serão apresentadas após toda a conceitualização e
exemplificação.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Brandão
A idealização na Psicologia e no senso comum e a mudança com o
entendimento analítico-comportamental
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Segundo Skinner (1953/1967), buscar dentro do organismo uma explicação do comportamento
é um hábito que dificulta perceber as suas reais variáveis de controle. Em geral, quando se fala em
“idealização” na Psicologia, tal hábito é observado. Enquanto conceito, idealização costuma remeter
a um suposto processo cognitivo e/ou emocional no qual são atribuídas ao conteúdo idealizado
características em maior número ou qualidade do que realmente se tem evidências para afirmar.
Podem-se “idealizar” pessoas, lugares, situações, ações, entre outros. Por exemplo, se está idealizando
quando se afirma que um indivíduo, apenas por ser educado, é também carinhoso.
Como coloca Dittrich (2008), não nascemos com um vocabulário inato para falar sobre eventos
privados, aprendemos esses comportamentos verbais a partir da comunidade verbal com a qual
temos contato. Essa comunidade verbal também ensina, obviamente, ao que chamar de “idealização”.
Além disso, o vocabulário que a comunidade verbal nos ensina é também limitado, colocando sob
um mesmo rótulo uma variedade de comportamentos. Nesse sentido, fenômenos designados sob
um mesmo nome (e. g. “idealização”), estarão sob o controle de variáveis diferentes, ou seja, serão
interações diferentes do organismo com o ambiente, embora o senso comum não faça tal distinção.
Dessa forma, a palavra “idealizar” pode ser empregada para diferentes comportamentos.
Ao se partir de um ponto de vista da Análise do Comportamento, é imprescindível que se entenda
que o indivíduo não se comporta porque “idealiza”, mas apresenta o que chamamos de “idealização”
porque se comporta. Em outras palavras, não é um processo, conceito ou entidade mental que o
leva a se comportar, “idealizar” é apenas o nome que damos a um comportamento. Nesse sentido, a
“idealização” neste artigo deve ser tomada como apenas uma nomeação, e não como uma explicação
ou como variável comportamental.
Também é necessário frisar que “idealizar” não é apenas um evento privado. Quando uma pessoa
“idealiza”, tanto eventos privados (que o indivíduo aprendeu a denominar de amor, por exemplo),
quanto eventos públicos podem estar ocorrendo. Novamente referindo Skinner (1953/1967) defendese que o evento privado possa ser apenas uma parte do que se entende como “idealizar”.
Ressalta-se que os eventos privados presentes na “idealização” não devem ser tomados como causa
do comportamento. Não há evento privado enquanto causa comportamental, e sim como um elo
na cadeia de comportamentos. Assim, ainda faltaria identificar as verdadeiras variáveis causadoras.
Isso porque, por exemplo, sentimentos, emoções e outras respostas encobertas fazem parte de uma
contingência, sem ter um papel diferente ou de causa; sendo essa, na realidade, a distinção mais
importante que separa o behaviorismo radical do mentalismo (Kovac, 2001).
Essa é uma grande contribuição da base behaviorista radical para o entendimento de eventos
cotidianos e nesse caso em específico, sobre a “idealização”: é comum colocar o evento privado como
causa em descrições cotidianas. No caso da idealização, não é diferente. Assim, é aceitável dizer em
uma conversa informal, em função da comunicação, que “fulano só está amando X porque a está
idealizando”, mas o mesmo não é válido ao se fazer uma análise comportamental. Pelos diversos
motivos já citados, nesse caso há muito mais investigações a serem feitas.
Por fim, salienta-se que este artigo não pretende realizar um estudo comportamental que aborde
todos os fenômenos denominados culturalmente de “idealização”. Além disso, ressalta-se que a
análise aqui conduzida tem como objetivo principal efeitos pragmáticos, isto é, participar de reflexões
maiores com consequências práticas.
Um dos contextos mais comuns no qual ouvimos falar de idealização é o de relacionamentos.
Por exemplo, pode ocorrer de alguém se engajar em um relacionamento em que continua a emitir
respostas sem que elas sejam reforçadas pela outra pessoa, ao mesmo tempo que apresenta também
respostas respondentes que aprendeu a denominar como “amor”. Como ilustração, se pode pensar
em um indivíduo que conta aspectos da sua vida a qualquer pessoa cujo cabelo seja loiro, tendo sido
previamente reforçado por isso com outras pessoas, mas sendo repetitivamente punido nessa relação,
ao mesmo tempo em que apresenta as respostas respondentes mencionadas. Nesse caso, o estímulo
discriminativo (pessoa de cabelo loiro) controla a resposta operante (contar aspectos da sua vida),
mas não há mais dispensa de reforço, por parte do ouvinte. Ao observar essa situação, uma terceira
pessoa poderia dizer que o amante estaria idealizando a pessoa a qual conta aspectos da sua vida.
Mesmo não havendo dispensa de reforço, como no exemplo supracitado, a resposta continuará
sendo evocada por certo tempo em função da presença do estímulo discriminativo, situação esta que,
como apresentada, leva à estimulação aversiva.
Michael (1980) definiu estímulo discriminativo e seu estabelecimento da seguinte forma. Para que
um estímulo se torne discriminativo de uma resposta, é necessário que tal resposta tenha tido maior
nível de “sucesso” na presença do que na ausência desse estímulo em relação à um tipo específico de
reforço. O autor acrescenta que a frequência do reforço pode ser idêntica tanto na ausência quanto na
presença desse estímulo e ainda assim se tornar um estímulo discriminativo para essa resposta se o
reforço for apresentado em sua presença mais rapidamente, em melhor qualidade, maior quantidade
ou demandar menor custo de resposta.
Isto implica em dizer que, para se falar em estímulo discriminativo em uma contingência atual, não
é necessário que a resposta seja atualmente reforçada. O fato de um estímulo se tornar discriminativo
advém da sua presença no momento do reforçamento de uma resposta em situações anteriores.
Brandão
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Exemplos e caracterização comportamental da idealização
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Ainda segundo Michael (1980), o Sd é um estímulo cuja presença evoca uma resposta com menor
latência, maior frequência ou com maior resistência a operações de diminuição dessa resposta, o que
ajuda a entender certas “idealizações” difíceis de pararem de ocorrer.
Mas, de que forma a cor loira do cabelo de alguém pode evocar uma resposta de “falar sobre aspectos
da sua vida”? Tendo em vista o requerimento para que um estímulo se torne discriminativo, qualquer
característica física de uma pessoa, como faixa etária, cor de pele, altura, etc., pode se tornar estímulo
discriminativo para uma resposta social. No que tange a situação ilustrada anteriormente, pode-se,
por exemplo, pensar que a pessoa está emitindo a resposta de compartilhar aspectos de sua vida sob
controle da cor loira do cabelo daquela com a qual interage por essa resposta ter sido, por acaso, mais
reforçada (quantitativa e/ou qualitativamente) ao se relacionar com pessoas com essa característica.
Admite-se então que caso um observador externo perceba que essa pessoa está contando aspectos
da sua vida a alguém, sem que essa resposta seja reforçada, e ao mesmo tempo também está emitindo
respostas respondentes que denomina de “amor”, o observador externo poderá nomear esse conjunto
de idealização. No caso do observador externo perceber que isso ocorre frequentemente com loiras,
poderá dizer que o “idealizante” está sempre “idealizando” loiras.
Com isso, se tem implicações significativas que inclusive podem ser parte da causa pela qual
alguns indivíduos procuram atendimento psicoterapêutico: se alguém responde corriqueiramente
de uma dada forma a um estímulo X e sistematicamente sofre punições, há que se supor a recorrente
ocorrência dos efeitos típicos dessa situação: respostas emocionais (Moreira & Medeiros, 2008).
Dependendo de alguns fatores, como a frequência com que a resposta controlada por X ocorre, o
sofrimento pode ser enorme.
A partir desta análise, explica é possível lançar luz sobre situações clínicas nas quais uma pessoa
repetitivamente se engaja em relações amorosas com certo tipo de pessoa, sem mesmo conseguir
identificar esse tipo, e é repetitivamente punida por isso. Essa pessoa estaria, ao emitir essas
respostas, “idealizando”.
Como dito anteriormente, suspeita-se que o “idealizar” se refere a interações entre respostas e
estímulos discriminativos completamente diferentes. Isto é, para que se nomeie o evento como
“idealização”, não há a obrigação da presença de certos estímulos pré-determinados.
Caso alguém descreva algo ou alguém com características superiores àquelas que possuem
correlatos reais, diremos que estará idealizando-a. Esse tipo de idealização pode acontecer, por
exemplo, em ambientes nos quais descrever as reais características de alguém, incluindo seus defeitos,
provavelmente seria punido, enquanto tecer elogios desproporcionais seria reforçado.
Consideremos a existência de uma pessoa “X” que, em sua história de vida, sempre foi punida
pelos pais, com represálias e ameaças, quando lhes apontou seus defeitos ao passo em que recebeu
elogios quando os descreveu de forma a exaltar suas qualidades. Após a ocorrência de uma série
dessas punições, é possível que esse indivíduo aprenda e mantenha-se descrevendo os pais, para
si e para os outros, de forma positiva de modo que nunca são apontados aspectos negativos. Um
observador externo poderá, então, dizer que “X” idealiza os pais.
Nesse exemplo, as interações ambientais não determinaram um estímulo discriminativo para a
resposta de “descrição acurada” dos pais, pois ela nunca foi reforçada. Dessa forma, essa resposta
possui ínfima probabilidade de ocorrência. Ao mesmo tempo, ser solicitado a descrever os pais pode
ser estímulo discriminativo para a resposta de “descrição idealizada”, que por sua vez foi estabelecida
via reforçamento direto.
Esse “tipo de idealização” pode, obviamente, ocorrer paralelamente com o descrito no exemplo
das relações amorosas. A mesma pessoa que responde perante alguém por controle de um
estímulo de cor de cabelo, por uma história passada de reforçamento com outra(s) pessoa(s), como
exemplificado, pode descrever a situação de uma forma também idealizada em função de punições
a comportamentos de crítica em sua história de vida. Neste caso, as variáveis de ambos os “tipos de
idealização” estariam exercendo controle ao mesmo tempo.
Outro exemplo é a idealização que ocorre em relação a si mesmo. Nesse caso, obter sucesso
excepcional em uma tarefa (por exemplo) de modo a haver reforçamento abundante e natural, sem
desenvolver o repertório verbal de descrição dos reais comportamentos necessários para obter o
reforço, pode apresentar as condições para um comportamento verbal que, ao descrever as razões
desse sucesso, o faz de forma errônea com um vocabulário do tipo: “tudo que eu faço, faço certo”;
“sou imbatível”; “eu sei tudo que há para saber sobre isso”.
A título de ilustração, suponha-se um indivíduo “X” que, desde criança, era valorizado pela sua
habilidade em desenho. Ao ser perguntado pelos pais e colegas como desempenhava com tamanha
destreza os desenhos era ignorado quando tentava explicar os conhecimentos técnicos que adquiriu,
pois essas outras pessoas não prestavam atenção à essa explicação e logo já estavam em outra
atividade, deixando os desenhos de lado. Quando simplesmente dizia “porque sou demais”, as pessoas
continuavam a olhar seus desenhos e também riam, achando graça da explicação.
Considerando a segunda forma de interação social como reforçadora, a resposta de “descrição
simplista” era reforçada, enquanto a de descrição dos estímulos que controlam o comportamento de
desenhar não era fortalecida. Com isso, ser requisitado a explicar sobre comportamentos excepcionais
próprios pode se tornar estímulo discriminativo para uma resposta de “descrição simplista”. Um
observador externo, então, dirá que “X” idealiza a si mesmo.
Possibilidades de aplicação clínica
A partir das hipóteses aventadas, é importante pensar nas possibilidades pragmáticas, como as
pertinentes à clínica. Espera-se que esses exemplos ajudem a identificar e a resolver comportamentos
“problemáticos”. Uma forma de idealização ocorrendo na clínica pode ser observada no exemplo de
interação terapêutica extraído de Beck, Freeman e Davis (2007, p. 178-179):
Nesse caso, é possível observar uma possível “idealização” por parte da paciente. Ela demonstra
bastante frustração por não ter tido seu pedido atendido, como se tivesse quase certeza de que
seria, sendo que a partir da leitura de Beck et al. (2007) pode-se concluir que não há relatos que
garantissem a cliente a participação do terapeuta em eventos pessoais. Tal fragmento ilustração
uma das descrições de “idealização” fornecida anteriormente, pois uma característica positiva foi
atribuída ao terapeuta sem que se tivesse evidências de que de fato existia.
Analisando brevemente, podemos supor que a descrição de contingências que a paciente diz ter
sido fornecida pelo terapeuta (e.g. ter papel e cuidado especiais com ela) pode ter funcionado como
estímulo discriminativo para o pedido. Assim, a paciente apresenta uma resposta que nomeamos
Brandão
Comportamento em Foco 4 | 2014
Natasha: Neste fim de semana farei a festa do meu trigésimo aniversário e gostaria de convidar
você, para apresentá-lo ao meu marido e aos meus amigos.
Terapeuta: É muito gentil você querer me convidar para a sua festa de aniversário, mas eu prefiro
não ir.
Natasha: Por que não? Eu queria tanto que você fosse.
Terapeuta: Eu gosto muito de você, mas quero passar o meu tempo livre com a minha família e
os meus amigos.
Natasha: (ficando zangada) Então você não me considera uma amiga? E você disse que eu podia
esperar que a terapia fosse um lugar muito especial, que despertaria sentimentos profundos,
e que você teria um cuidado especial comigo! Como um pai em relação a uma filha? E agora
estou pedindo a você alguma coisa pessoal, alguma coisa que é muito importante para mim,
e você simplesmente diz não. Você mentiu pra mim! Eu fui muito idiota de confiar em você!
(Beck, Freeman & Davis 2007, p. 178-179).
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culturalmente como “idealizar”. Avalia-se que a descrição fornecida pelo terapeuta foi vaga, o que
pode ter contribuído para que fosse evocada uma resposta que não seria reforçada. Com o evento,
a paciente demonstra os efeitos clássicos de punição/extinção: eliciação de respostas emocionais
(Moreira & Medeiros, 2008).
A partir desse exemplo, podemos pensar em uma das formas de como a idealização pode deixar
de ocorrer: com sucessivas ocorrências do estímulo discriminativo, evocando a resposta, sem que
ela seja reforçada. É um processo simples de extinção, que costuma ocorrer naturalmente com os
indivíduos quando estes “idealizam”. No exemplo, Natasha poderia repetitivamente apresentar o
mesmo comportamento perante várias pessoas que dissessem a mesma coisa a ela, e com as sucessivas
extinções, provavelmente, ele deixaria de ocorrer. Entretanto, por motivos como o reforçamento
intermitente, cujo efeito marcante é o aumento da resistência de repertórios à extinção (Moreira &
Medeiros, 2008), esse processo pode vir a ser mais longo
Apesar de esse processo ocorrer de forma “natural”, é importante deixar claro que em nenhum
momento está sendo dito que se deve simplesmente ignorar essa problemática e esperar que o
comportamento seja extinto. É um processo aversivo que requer atenção, cuidados clínicos e
supervisão, devendo o terapeuta garantir que, quando for o caso, ocorra da melhor forma possível.
Há também formas de intervenção que podem ajudar o paciente a “idealizar” menos enquanto
desenvolve repertório comportamental que gere mais reforço positivo.
Uma das formas seria fornecer uma regra, por exemplo, “analise bem o motivo de estar iniciando um
relacionamento”. Obviamente, essa regra mudará na forma de ser apresentada dependendo do contexto
em que o problema ocorre, do repertório verbal do paciente, da forma como o terapeuta prefere se
expressar, entre outros. De qualquer forma, o objetivo é diminuir a quantidade de comportamentos
que estão trazendo sofrimento através do controle por regras, pelo menos inicialmente. Espera-se
que esse novo estímulo (regra) faça com que o paciente apresente comportamentos concorrentes aos
que ocorrem em função da “idealização”. Por exemplo, sob controle da regra, um indivíduo pode não
se engajar em um namoro na mesma noite em que conheceu outra pessoa, o que poderia ocorrer em
função da “idealização”.
Outra medida seria buscar que o paciente não emita respostas de esquiva quando entra em
contato com essa contingência novamente, isto é, quando ocorrer a “idealização” novamente.
Em tais situações, é possível que o paciente adote comportamentos que impeçam ou atrasem o
enfraquecimento da “resposta de idealização”, apresentando fuga e esquiva e evitando ou retardando
o processo de extinção, já que há estimulação aversiva. Dessa forma delonga o tempo de entrar em
contato com o estímulo discriminativo novamente, prolongando também o tempo necessário para
que o estímulo pare de exercer controle, ou seja, para que essa “idealização” não ocorra mais. Além
disso, o paciente poderia estar deixando de entrar em contato com reforçadores positivos que inclusive
poderiam reforçar comportamentos concorrentes com os de “idealização”, o que poderia resultar em
um repertório mais positivamente reforçado. No caso do exemplo de Natasha, apresentar respostas
de esquiva poderia impedir a obtenção de reforçadores provenientes da terapia, por exemplo.
Se os comportamentos de idealização ocorrem com frequência para o paciente, é possível que
ele raramente entre em contato com reforços sociais se não for por meio de um eterno padrão de
idealização. Por isso, é importante que o terapeuta verifique se o paciente possui o repertório adequado
para manter o relacionamento após os contatos iniciais (que antes eram mantidos pela idealização).
É importante que o terapeuta verifique se o paciente possui o repertório adequado para conseguir o
reforçamento social que precisa e se possui o repertório adequado para lidar com as contingências
aversivas relacionadas à outra pessoa (inevitável em um relacionamento não-idealizado). Caso esse
repertório não exista, sua construção é uma terceira medida possível.
Por fim, em relação ao exemplo de “idealização em relação a si mesmo”, pode-se supor que o
repertório verbal insuficiente do organismo torna impossível haver respostas concorrentes de
descrição mais eficientes, que poderiam ser mais reforçadas por terceiros que as ineficientes. Ou
seja, nessa situação, ensinar um repertório verbal de descrição mais eficiente poderia, a partir de
reforçamento natural, tornar menor a frequência de episódios de idealização em relação a si mesmo.
Como dito, essas medidas são apenas possibilidades de intervenção. Em cada caso cabem medidas
diferentes que, inclusive, dependem da individualidade do paciente. E o efeito não é linear, mas age
como uma constelação de interconexões: se diminui o comportamento de “idealização” diretamente
através das medidas; o paciente consegue um efeito de diminuição ainda maior ao desenvolver outras
formas de obter os reforços, pois se consegue o mesmo resultado (os mesmos reforços) com menos
punição/extinção; e lentamente se consegue as mudanças desejadas.
Referências
Brandão
Comportamento em Foco 4 | 2014
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71
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Comportamento em Foco 4 | 2014
Terapia de exposição ao estímulo fóbico com uso de realidade virtual:
uma revisão bibliográfica
João Ilo Coelho Barbosa 1
Lindomário Sousa Lima
Universidade Federal do Ceará
Resumo
Palavras-chave: realidade virtual, terapia comportamental, técnica de exposição ao estímulo fóbico.
1 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
O estudo aborda, a partir de uma revisão bibliográfica, o conceito de ambiente virtual sob o
enfoque analítico-comportamental e tece considerações conceituais sobre o ambiente virtual
enquanto contingência passível de controlar respondentes e operantes humanos. Tal característica
abre a possibilidade para que seja empregado como um recurso terapêutico. Especificamente em
relação ao emprego da realidade virtual como elemento auxiliar a técnica de exposição ao estímulo
fóbico com prevenção de respostas, discute-se as possíveis contribuições dessa nova tecnologia
no tratamento comportamental dos transtornos de ansiedade. São apresentadas as vantagens e
os problemas enfrentados com o emprego dos softwares de ambientes virtuais no estágio atual de
seu desenvolvimento. A análise desses aspectos permite concluir que, embora recente e ainda com
limitações no que se refere à qualidade das imagens, a tecnologia de ambientes virtuais deverá ser
cada vez mais útil no tratamento comportamental, sem que isso implique o abandono das técnicas
tradicionais de exposição ao estímulo fóbico. Os autores ressaltam a necessidade de novos estudos
para se conhecer melhor os processos comportamentais envolvidos na terapia de exposição com
realidade virtual e a importância de uma maior aproximação dos analistas do comportamento aos
centros que desenvolvem softwares que podem ser utilizados terapeuticamente.
73
A partir do início dos anos 1990 foi intensificado o debate a respeito do impacto da informática
sobre o comportamento humano. Culturalmente, muito se especula sobre os efeitos dessas novas
tecnologias nos comportamentos individuais e sociais, além de se cogitar possíveis relações entre o
acesso frequente a novas atividades no mundo virtual e fenômenos humanos como a solidão ou a
violência. Apesar da falta de resultados confiáveis ou conclusivos, aos poucos estão sendo produzidos
diversos estudos na área, como os que investigam os efeitos da internet (cf. Amichai-Hamburguer &
Hayat, 2011; Moreno, 2011; Winkler, 2013) e de jogos informatizados (cf. Boyle, Connoly & Hainey,
2011) no comportamento humano.
Um dos mais recentes recursos tecnológicos que tem ganhado grande destaque na mídia e que
também é alvo de crescente investigação pela comunidade científica é a criação de um ambiente virtual
(AV). Trata-se de uma tecnologia com grande potencial para aplicações nos mais diversos contextos.
Os AVs são interfaces interativas que dão ao usuário a ilusão de estar em outro local, sendo este um
ambiente digital criado por computador (Ellis, 1994). Eles podem ser classificados de acordo com
o hardware utilizado para integrar o usuário ao computador, ou seja, de acordo com o dispositivo
responsável por mediar a interação do usuário com o ambiente virtual. Eles podem ser: (a) não
imersivos: aqueles referentes a exposições simples em telas planas como monitores de computador
ou telas de smartphone, e (b) imersivos: aqueles cuja interface com o usuário envolve elementos de
estimulação mais intensa, sejam óticos, sensoriais ou espaciais.
Os AVs imersivos atuais costumam depender de equipamentos conhecidos como Head-Mounted
Display (HMD) que são dispositivos que funcionam como óculos nos quais cada lente consiste
em uma pequena tela ligada ao computador. Os HMDs são projetados para captar os movimentos
da cabeça. Se o usuário vira-se para o lado, imediatamente a imagem projetada nas lentes muda
acompanhando o movimento e mostrando outra parte do ambiente virtual correspondente à nova
direção do olhar. Tal característica tende a gerar uma sensação de estar em um ambiente de três
dimensões. Outra forma de interação com os ambientes virtuais são salas2 onde o usuário fica cercado
por telas que projetam imagens do ambiente virtual. Neste contexto, outros dispositivos podem ser
Comportamento em Foco 4 | 2014
Barbosa . Lima
utilizados para aumentar a interação com o sujeito, como luvas ou pisos que captam passos, dentre
74
outros (Barilli, Ebencken & Cunha, 2011; Fox, Arena & Bailenson, 2009).
Para os propósitos do presente texto, sempre que nos referirmos a ambientes virtuais estaremos
fazendo referência aos ambientes imersivos que vêm sendo empregados para diferentes objetivos,
como: treinamentos profissionais; teleoperações3, visualização e modelação de dados arquitetônicos,
entretenimento por meio de videogames, promoção de educação à distância e, mais recentemente,
2 Conhecidas como Cave Automatic Virtual Environment (CAVE).
3 Consiste em operar máquinas à distância. O operador visualiza o ambiente não acessível a ele por meio de uma câmera enquanto
opera uma máquina virtual que recebe os comandos de seus movimentos e age no ambiente real fora do seu alcance direto, como
no caso de cirurgias onde o médico não se encontra diante do paciente.
como instrumento complementar ao tratamento de fobias pela utilização de terapia de exposição a
estímulos fóbicos (VRET)4.
O presente estudo tem por objetivo discutir as possibilidades de utilização da realidade virtual
(VR)5 no campo da terapia analítico-comportamental, com especial destaque para seu emprego na
terapia de exposição a estímulos fóbicos. Serão discutidos, com base em uma revisão de literatura, os
conceitos subjacentes a essa tecnologia, as evidências favoráveis e contrárias à sua utilização, além da
análise das vantagens e desvantagens de seu emprego em um contexto terapêutico.
O conceito de realidade virtual surgiu em meados da década de 60 (Dores et al.,2013). Suas
primeiras aplicações envolviam treinamento de pilotos de caças militares no exército dos Estados
Unidos, mas seu emprego logo foi ampliado e diversificado para outros setores, e atualmente é
crescente sua utilização na indústria de entretenimento.
Somente com os avanços tecnológicos mais recentes, principalmente com o desenvolvimento de
hardwares mais potentes, foi possível tornar essa tecnologia comercialmente viável, o que cooperou,
em grande parte, para o aumento de publicações a seu respeito, em especial dentro da área das
ciências médicas (Dores et al., 2013; Fox et al., 2009). Riva (2002) apontou o avanço da utilização da
VR na área de saúde norte-americana justificada, dentre outros motivos, pela queda do custo total
para adquirir o equipamento adequado: de cem mil dólares necessários em 1994 para cerca de seis
mil dólares em 2002.
Segundo Rizzo, Parsons, Kenny e Buckwalter (2012), nos últimos quinze anos essa tecnologia
tornou-se ainda mais acessível e, apesar de expectativas exageradas quanto ao seu potencial serem
frequentemente alardeadas pela mídia, a criação de ambientes controláveis, multissensoriais e que
permitem a simulação de um ambiente em três dimensões disponibiliza opções terapêuticas até
então inacessíveis.
Além da diminuição dos custos, a qualidade da experiência com os ambientes virtuais também
tem evoluído. A literatura sobre a VR, fortemente influenciada por um enfoque cognitivista, aponta
o conceito de “presença” como a principal forma de avaliar a interação do sujeito com os AVs. Não
existe consenso a respeito da sua definição, mas “presença” costuma ser descrita como a “sensação de
estar lá”, onde “lá” é o ambiente mediado pela tecnologia de VR (Alsina-Jurnet, Guetérrez-Maldonado
& Rangel-Gómes, 2011). O conceito parece envolver ao menos três dimensões: (a) o grau de realismo
do AV, ou “validade ecológica”, que pode ser entendida como a medida de similaridade entre AV e
ambiente real, (b) a capacidade de o AV induzir um senso de “consciência” espacial no usuário, e (c)
o grau de imersão, engajamento ou envolvimento psicológico, capaz de fazer o usuário se concentrar
nos elementos virtuais ao invés dos estímulos do mundo real (Alsina-Jurnet et al., 2011; Takatalo,
Nyman & Laaksonen, 2008;).
Uma das formas de se obter dados para avaliar o grau de imersão em ambientes virtuais é através das
escalas psicométricas. No entanto, algumas críticas pertinentes a esse tipo de método têm surgido
na literatura. Slater, Spanlag e Corominas (2010) apontam algumas dificuldades no emprego dessas
escalas para a avaliação da imersão pelo fato de que elas não são capazes de fazer a distinção entre
uma imersão em uma experiência real e outra em ambiente virtual, podem apresentar medidas
instáveis, pela dificuldade na própria operacionalização do conceito que pretendem medir. Além
disso, os autores apontam que há problemas metodológicos em analisar dados subjetivos com
escalas intervalares.
4 Virtual Reality Exposure Therapy.
5 Virtual Reality.
Barbosa . Lima
Comportamento em Foco 4 | 2014
Realidade virtual
75
Outra medida comumente utilizada para demonstrar os efeitos de AVs é o biofeedback (Clemente
et al., 2013; Meehan, 2002). Apesar da utilização de medidas fisiológicas já ser bem estabelecida
na literatura para a avaliação do efeito de estímulos sobre o corpo, as primeiras pesquisas com
dados desse gênero para a investigação dos efeitos do AV apontaram para a ausência de alterações
relevantes na frequência cardíaca, mesmo em pessoas que relataram intenso grau de medo. Todavia,
tais resultados não foram consistentes com outros mais recentes que utilizaram medidas fisiológicas
mais sensíveis, como a condutividade da pele, que pareceu ser capaz de diferenciar claramente
pessoas fóbicas de pessoas não fóbicas (Wilheml et al., 2005).
Slater et. al., (2010) discutem o problema da mensuração da presença e argumentam que embora tal
fenômeno possa ser quantificado por alterações fisiológicas discretas, respostas privadas ou respostas
verbais, não se resolve completamente o problema de como avaliar e medir o grau de presença.
Além dos problemas relativos à sua quantificação, pode-se questionar a utilidade e adequação
do conceito de presença dentro de um modelo analítico-comportamental. Certamente, esta é uma
questão que merece uma análise mais aprofundada em estudos futuros.
Interessado na discussão dessas novas tecnologias com base nos pressupostos epistemológicos
da Análise do comportamento e nos dados empiricamente confirmados sobre o comportamento,
Barbosa (2013) conceituou o ambiente virtual como “um conjunto de estímulos criados por
computador que simulam e concorrem com as reais contingências à volta do indivíduo, interagindo
com suas respostas e adquirindo controle sobre as mesmas. Dessa forma, é possível afirmar que o
ambiente virtual é um ambiente artificialmente elaborado para se assemelhar ao mundo real, capaz
de levar o sujeito a se comportar de forma próxima a como interage com o ambiente real.” (p.114)
Com base na afirmação de Barbosa (2013), conclui-se que as contingências virtuais obedecem
aos mesmos princípios da aprendizagem respondente e operante, pois a interação sujeito-ambiente
virtual não é diferente qualitativamente da relação do sujeito com o mundo real. Isso pode ser
constatado, por exemplo, nos estudos que utilizaram biofeedback e que deixam claro que, assim
como contingências ansiogênicas reais, os ambientes virtuais são capazes de eliciar, por exemplo,
componentes respondentes (cf. Clemente et. al., 2013; Meehan, 2002). Além disso, é possível observar
claramente o efeito operante da exposição do sujeito a um AV através da alteração da frequência de
respostas que antecedem estímulos com características aversivas.
Vale ressaltar ainda que a utilização da realidade virtual não é completamente estranha aos
analistas do comportamento brasileiros. Softwares que simulam o processo de aprendizagem em
ratos introduzidos em uma caixa de Skinner, como o Sniffy Pro, têm sido utilizados em vários
laboratórios didáticos de Análise experimental do comportamento, mesmo que às vezes adotados
como alternativa aos custo de manutenção de animais, como apontam Tomanari e Eckerman (2003).
Comportamento em Foco 4 | 2014
Barbosa . Lima
Terapia de exposição a ambiente virtuais
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A realidade virtual tem sido utilizada com diferentes propósitos no contexto da saúde humana,
desde o uso como instrumento de distração de pacientes para facilitar a convivência com a dor
(cf. Malloy & Milling, 2010) até ao treinamento à distância de profissionais de saúde (cf. Barilli et
al., 2011). Na área da Psicologia, as terapias de exposição a ambiente virtuais aplicados a casos de
transtorno de ansiedade têm se destacado, como mostra o número de publicações lançadas a respeito
do tema nos últimos quinze anos (cf. Dores, 2013).
Segundo Zaminagni e Banaco (2005), o modelo de intervenção psicológica mais utilizado
atualmente para transtornos de ansiedade é a técnica de exposição ao estímulo fóbico com prevenção
de respostas de esquiva. Nela, o cliente é exposto repetidas vezes, por um tempo prolongado
(aproximadamente entre quarenta e cinco minutos a duas horas), às situações que provocam
desconforto ou ansiedade, aumentando-se gradativamente a aversividade dos estímulos aos quais o
paciente é exposto a cada sessão, respeitando-se sempre a tolerância do cliente.
Barbosa . Lima
Comportamento em Foco 4 | 2014
Em terapias de exposição com a utilização de AVs, o cliente se depara com estímulos virtuais
equivalentes aos estímulos ansiogênicos originais. Nesta situação, é esperado o aumento da
probabilidade de ocorrência de respostas (evocadas e eliciadas) que ocorreriam na situação real. Mas,
questiona-se: Seriam os estímulos virtuais capazes de eliciar respostas de ansiedade semelhantes às
provocadas por estímulos do ambiente real?
Em pesquisa realizada por Alsina-Jurnet, Carvallo-Beciu e Gutiérrez-Maldonado (2007), dois
grupos de estudantes universitários, previamente categorizados como grupo de alta ansiedade e de
baixa ansiedade, foram expostos a uma pequena série de ambientes virtuais relacionados ao contexto
de realização de provas em disciplinas de graduação. Em contraste ao grupo de menor ansiedade,
foi observado que o grupo com alta ansiedade obteve uma pontuação significativamente maior nas
medidas de ansiedade e depressão, sendo que tais medidas foram aferidas imediatamente após a
exposição virtual.
Segundo os autores, tal dado evidencia que a exposição ao ambiente virtual foi capaz de gerar
respostas emocionais, e que essa ansiedade não ocorreu apenas devido ao uso de realidade virtual,
uma vez que os alunos do grupo de baixa ansiedade apresentaram poucos sintomas de ansiedade e
depressão durante a exposição.
Pesquisas realizadas posteriormente pelos mesmos autores, com delineamento próximo ao da
pesquisa de 2007, foram realizadas com o objetivo de investigar a relação entre o grau de presença
e a capacidade de gerar ansiedade (cf. Alsina-Jurnet et. al., 2011), além de verificar se poderia haver
relação entre presença e habilidades individuais específicas (inteligência espacial, inteligência verbal,
personalidade e experiência com computadores) (Alsina-Jurnet, Guetiérrez-Maldonado, RangelGómes, 2010). Para todas as provas referentes a tais habilidades, os alunos participantes do grupo de
alta ansiedade tiveram melhor desempenho que os alunos do grupo de baixa ansiedade. Os autores
concluíram que, como foi possível observar o aparecimento de respostas emocionais durante a
exposição a ambientes virtuais com sujeitos ansiosos na população não psiquiátrica, e até diferenciálos em relação a sujeitos não ansiosos, é provável que os ambientes virtuais realmente produzam
respostas emocionais, incluindo-se aí componentes respondentes e operantes, em pacientes com
transtornos psiquiátricos.
Do ponto de vista conceitual da Análise do comportamento, a interação entre os estímulos virtuais
e as respostas emocionais produzidas pode ser analisada a partir de uma análise funcional do
comportamento observado. Sendo assim, não é preciso atribuir ao emprego de ambientes virtuais em
terapias de exposição processos diferentes dos processos comportamentais já conhecidos. Trata-se,
na verdade, de uma nova ferramenta que auxilia e complementa a terapia de exposição, aumentando,
inclusive, o engajamento dos clientes à terapia (Barbosa, 2013; Garcia-Palacios, Hoffman, Kwong
See, Tsai & Botella, 2001).
Em uma meta-análise realizada recentemente (Opris et al., 2012), 21 artigos foram comparados
e analisados com os seguintes objetivos: (a) comparar a eficácia da VRET com pacientes em lista
de espera, (b) comparar os resultados desta tecnologia com as intervenções clássicas baseadas em
evidências (terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais), (c) verificar a capacidade
de generalização dos resultados obtidos nas exposições a ambientes virtuais para as situações de
vida real, (d) verificar efeitos a longo prazo da VRET (e) verificar a existência de uma relação doseresposta, (f) verificar a diferença na taxa de desistência entre a VRET e a exposição ao vivo.
As principais conclusões com base nos resultados encontrados por Opris et al., (2012) foram:
(1) As intervenções com a utilização desta tecnologia apresentaram resultados muito melhores do
que a fila de espera; (2) Os resultados terapêuticos obtidos desta em conjunto com intervenções
comportamentais ou cognitivo-comportamentais se assemelharam àqueles alcançados por tais
intervenções sem a utilização da VRET; (3) A VRET teve um poderoso impacto na vida real, similar
aos tratamentos clássicos baseados em evidências; (4) A VRET mostrou uma boa estabilidade
77
Comportamento em Foco 4 | 2014
Barbosa . Lima
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dos resultados alcançados, da mesma forma que os tratamentos comportamentais ou cognitivocomportamentais clássicos; (5) Foi observada uma relação entre dose e a resposta; e 6) Não houve
diferença nas taxas de desistência entre os tratamentos com realidade virtual e exposição ao vivo.
Um problema com a composição das amostras de alguns dos estudos sobre a eficácia é que, muitas
vezes, os pesquisadores não apontam se houve controle de variáveis importantes como a intensidade
e duração do transtorno de ansiedade ou tratamentos anteriores ao qual o paciente foi submetido em
sua história de vida.
Outra questão que dificulta a comparação direta desses estudos é que existem diversos softwares de
VRET com diferenças importantes entre eles. O nível de qualidade visual das imagens, por exemplo,
afeta diretamente a sensação de presença, da qual dependerão, em grande parte, os resultados
terapêuticos alcançados.
Outra revisão sistemática realizada por Meyerbröker e Emmelkamp (2010), que incluiu duas
metanálises realizadas em 2008 (cf. Parsons & Rizzo, 2008; Powers & Emmelkamp, 2008), teve como
objetivo avaliar os estudos sobre a eficácia da VRET e o cenário atual de investigação dos processos
e mecanismos envolvidos nesse tipo de intervenção. Segundo os autores, há evidências seguras da
eficácia da VRET somente para o medo de voar e para a acrofobia (medo de altura). Para os transtornos
de ansiedade mais complexos, os achados são promissores, mas estudos com amostras maiores
e com melhor controle experimental são necessários para que o tratamento possa ganhar, de fato,
sustentação empírica. Meyerbröker e Emmelkamp (2010) também apontaram que pesquisas sobre o
papel do terapeuta durante a sessão de VRET ainda são escassas e há necessidade de que os processos
cognitivos e fisiológicos relacionados a esse tratamento sejam conhecidos em maior profundidade.
Apesar dos problemas ainda restantes para uma investigação mais precisa e completa sobre a
VRET, a crescente sofisticação tecnológica dos softwares de criação de ambientes virtuais sugere um
cenário promissor para a realização de estudos comparativos mais controlados.
Meyerbröker e Emmelkamp (2010) sugerem uma predominância de descrições cognitivas em
detrimento do modelo analítico-comportamental no contexto de pesquisa e explicação dos processos
envolvidos nas terapias de exposição com realidade virtual. Isso pode ser justificado tanto pela
postura epistemológica e conceitual dos autores como pelo baixo número de estudos diferenciando
e comparando os dois modelos. Expressões frequentemente citadas como “processos cognitivos” e
“cognições negativas” ilustram tal problema e revelam a falta de um maior número de pesquisas
com enfoque analítico-comportamental que analisem e esclareçam as funções desempenhadas por
estímulos virtuais em relação ao comportamento.
Um exemplo das vantagens do emprego da VRET em uma condição específica de transtorno de
ansiedade pode ser visto na sua aplicação no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático
(TEPT). Este tipo de transtorno surge normalmente após o contato com uma experiência
extremamente aversiva: um acidente de carro, um assalto, um sequestro ou o testemunho de uma
morte violenta, por exemplo. Supostamente, a exposição a ambientes virtuais ofereceria grandes
vantagens no tratamento deste tipo de transtorno pela impossibilidade de se recriar as mesmas
contingências. E, mesmo que isso fosse possível, o terapeuta não correria o risco de, ao levar o cliente
a uma condição ambiental externa ao consultório sem o controle total das contingências ali presentes,
deparar-se com situações imprevistas que impedissem a adequada exposição ou que ocasionassem
disrupções no comportamento do cliente, por exemplo, ao expor o cliente a uma condição aversiva
mais intensa que o seu nível de tolerância permitiria para aquela etapa do tratamento. Com a VRET,
a exposição se daria em um ambiente mais controlado e, portanto, mais seguro, permitindo o melhor
controle da gradação da aversividade da situação e, consequentemente, diminuindo o risco de a
terapia se tornar, ela própria, uma condição aversiva a ponto de ser evitada.
Em intervenções tradicionais envolvendo pacientes com TEPT, as taxas de abandono do tratamento
podem alcançar até 50% dos sujeitos, o que pode dar uma ideia dos benefícios que a VRET pode
trazer para os tratamentos convencionais (Gonçalves, Pedrozo, Coutinho, Filgueira & Ventura, 2012).
Por outro lado, uma das grandes dificuldades para a aplicação da VRET no tratamento do TEPT é a
construção de AVs cujo contexto refira-se especificamente à memória traumática de cada cliente. Uma
abordagem mais idiossincrática exigiria uma grande biblioteca de AVs, o que encareceria os custos
de produção do software (Gonçalves et. al., 2012). Não obstante, como mencionado anteriormente,
o panorama atual de desenvolvimento dessa tecnologia mostra-se promissor, o que favorece que se
imagine que num futuro próximo este possa ser um problema superável.
Cada transtorno de ansiedade possui suas particularidades, e atentar para os detalhes é fundamental
para o sucesso terapêutico. Faz-se necessário, portanto, mais dados empíricos que permitam desvendar
os processos comportamentais, essencialmente relacionais, que precisam ser levados em conta para
a construção de ambientes virtuais ricos em detalhes e peculiaridades para cada tipo de transtorno.
As classificações padronizadas de transtornos mentais, baseadas em critérios muito mais
topográficos do que funcionais, também dificulta a criação de ambientes virtuais que reproduzam
relações comportamentais próximas àquelas experienciadas pelo cliente em uma situação fóbica
(Barbosa, 2013). Dessa forma, fica difícil apontar, por exemplo, se um ambiente virtual que simulasse
a janela de um prédio alto produziria melhores resultados que a visualização de uma sacada de um
prédio de mesma altura para o tratamento da acrofobia. Apenas a investigação de relações funcionais
presentes em um caso específico poderia responder tal pergunta e embasar as escolhas do terapeuta
para um tratamento mais eficaz.
Os achados de Opris et. al., (2012) de que as técnicas comportamentais e cognitivo-comportamentais
para o tratamento dos transtornos de ansiedade possuem eficácia muito semelhante com ou sem o
auxílio da VRET pode ser interpretado como uma evidência da ineficácia dos ambientes virtuais
para produzir ganhos terapêuticos, mas a questão pode ser analisada por outro ângulo.
A novidade tecnológica não deve ser vista como um passo além das técnicas tradicionais, e sim
como uma alternativa prática, útil, para se promover os mesmos processos comportamentais já
conhecidos, especialmente quando se tratar de situações de difícil planejamento da exposição pela
impossibilidade de reprodução das mesmas contingências envolvidas na situação real.
Conforme procurou-se argumentar, o uso dessa tecnologia apresenta características vantajosas
para situações específicas que limitam o emprego das técnicas já conhecidas. Ela amplia os limites da
técnica de exposição para um número muito maior de ambientes disponíveis, além da possibilidade
de redução dos custos com o tratamento e, consequentemente, do aumento na frequência das sessões
realizadas, o que, pretensamente, tenderia a produzir melhores resultados. Um exemplo óbvio pode
ser dado com a aerodromofobia, ou medo de andar de aviões, uma das fobias mais frequentes
na população, mas cuja exposição ao vivo requer um enorme custo com passagens aéreas ou é
dificultada por normas de segurança das companhias aéreas que impedem a visitação de um avião
mesmo quando este não esteja em uso (Rothbaum et al., 2006).
No estudo realizado por Garcia-Palacios et al., (2001) com estudantes universitários com
aracnofobia, mais de 80% da amostra preferiu as exposições virtuais às exposições ao vivo. Resultado
que reforça a hipótese de que este tipo de exposição é menos aversivo que a exposição ao vivo. Se
realmente a eficácia das terapias com VRET e sem VRET se assemelham, e alguns dados parecem
indicar que o uso exclusivo da VRET pode ter eficácia semelhante ou até ligeiramente superior às
exposições ao vivo (cf. Powers & Emmelkamp, 2008), então o tratamento com ambientes virtuais
ganha força como estratégia terapêutica, embora os resultados ainda não sejam conclusivos.
Outro benefício da exposição realizada no consultório é o sigilo. Acredita-se que o uso de VR
tende a deixar o cliente mais à vontade caso emita respostas ansiosas eliciadas pelos estímulos aos
quais está se expondo sem temer constrangimentos como ser reconhecido por alguém do seu meio
social (Rothbaum et. al., 2006).
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Vantagens e desvantagens da utilização da VRET
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Enquanto o cliente permanece imerso no ambiente virtual, o terapeuta tem total controle sobre ao
quê ele é exposto, situação esta muito diferente do que acontece em uma exposição ao vivo. Supondose, por exemplo, uma exposição de um paciente com TEPT devido a um episódio de assalto, um dos
passos de seu tratamento poderia envolver o retorno ao estabelecimento comercial localizado onde
foi assaltado. Entretanto, vivenciar tal experiência sempre envolve o risco de um novo assalto ou de
uma situação ansiogência não programada que pode desorganizar toda a sequência de exposição
programada e a própria adesão ao tratamento, caso o cliente não esteja preparado para lidar com tal
situação. Já durante a exposição no ambiente virtual, o terapeuta tem a possibilidade de controlar
cada etapa da exposição, determinando o tempo que julgar necessário em cada uma delas para
extinguir os comportamentos desadaptativos.
Esse maior controle sobre a apresentação dos ambientes temidos também se reflete na possibilidade
de variação de estímulos ansiogênicos, presente em grande parte dos softwares de realidade virtual.
Essa variação pode permitir um maior grau de generalização dos resultados, maximizando a eficácia
da terapia.
Alguns softwares de VRET vão além e também podem simular estados corporais comuns
em condições de ansiedade, como visão embaçada, sensação de tontura e até mesmo o som de
batimentos cardíacos. Recursos que envolvam maior número e maior variabilidade de estímulos,
inclusive aqueles que simulam reações corporais, influenciam diretamente na qualidade da sessão da
VRET (Carvalho & Nardi, 2008).
Apesar das vantagens apontadas, há outros fatores que podem ser criticados e que funcionariam
como argumentos contrários à utilização da VRET. Por ser uma tecnologia recente, os softwares
podem se mostrar instáveis e apresentar falhas durante sua execução. A qualidade insuficiente das
imagens também pode prejudicar a sensação de presença dos usuários (Pallavicini et al.,2013).
Diferentemente da indústria de entretenimento que investe fortunas para melhorar a qualidade
gráfica de jogos, ainda há pouco investimento em pesquisas para o desenvolvimento de softwares de
VRET com um nível de qualidade gráfica próxima àquela observada nos jogos. No estágio atual de seu
desenvolvimento, ainda é possível perceber claramente que as imagens apresentadas são imperfeitas,
especialmente quando se leva em conta as representações de figuras humanas. Isso provavelmente
prejudica alguns usuários no sentido de se sentirem imersos no ambiente virtual, pois, crê-se que
quando o sujeito não consegue se perceber imerso no ambiente virtual não emite a reação emocional
esperada o que, fatalmente, inviabiliza o processo de habituação (Alsina-Jurnet et. al., 2011).
Ainda sobre os fatores que interferem na sensação de presença, diferentemente do que se pudesse
imaginar, Alsina-Jurnet et al., (2010) não encontraram qualquer relação entre o grau de imersão
dos usuários e sua experiência prévia com computadores. Por outro lado, Carvalho e Nardi (2008)
apontaram que a presença do terapeuta pode inibir a imersão ou, pelo menos, amenizar a eliciação
de respostas de ansiedade, pois permite ao sujeito diferenciar o ambiente virtual da realidade na qual
ele e o terapeuta se encontram.
Um último problema para a utilização da VRET relatado na literatura refere-se a relatos de pessoas
que sentiram incômodos produzidos pelos estímulos virtuais, que envolviam sonolência ou enjoo
(Carvalho & Nardi, 2008).
Conclusão
A literatura atual mostra que a terapia de exposição a ambientes virtuais parece, aos poucos, se
configurar como uma ferramenta bastante promissora para o tratamento dos transtornos de ansiedade.
Apesar dos problemas ainda encontrados em sua aplicação, são fortes os argumentos e dados a favor
de sua utilização. Conclui-se também que, preferencialmente, a VRET não deve ser empregada de
forma isolada, mas como um recurso adicional às terapias comportamentais convencionais.
Assim como em outras áreas de conhecimento, é esperado que nos próximos anos os ambientes
virtuais sejam aplicados cada vez mais frequentemente e de diferentes formas na psicologia, mas é
provável que ainda se tenha que esperar alguns anos até que sejam solucionados alguns dos problemas
aqui apontados, principalmente aqueles referentes à qualidade dos softwares atuais.
O acesso à tecnologia de realidade virtual ainda é incipiente no Brasil devido ao custo, falta de
incentivos governamentais e à complexidade envolvida na produção desse tipo de software. Em
relação a este último aspecto, considera-se que a aproximação de centros de pesquisa analíticocomportamental que estudam a ansiedade com a área da informática pode ampliar bastante as
possibilidades de se conhecer e intervir sobre os processos comportamentais envolvidos nos
transtornos de ansiedade.
Por último, vale ressaltar que, apesar do crescimento do número de publicações na área, ainda
há muito a se pesquisar sobre o uso da realidade virtual nas terapias comportamentais. Algumas
questões relevantes para o uso adequado dessa ferramenta envolvem a investigação de fatores que
interferem na sensação de presença, como as funções desempenhadas pelo próprio terapeuta no
processo de VRET.
Comportamentos privados como imaginar e recordar também precisam ser investigados,
principalmente com relação ao controle que podem exercer sobre o comportamento do cliente
ansioso na condição de exposição a um ambiente virtual ansiogênico.
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Fobia social e terapia analítico - comportamental: contribuições
do acompanhamento terapêutico
Luciana Leão Moreira 1
Núcleo de Terapia por Contingências de Reforçamento de Belo Horizonte
Ana Luiza Santos Braga
Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
A Fobia Social ou ansiedade social é um transtorno de ansiedade caracterizado por um padrão
comportamental característico denominado esquiva fóbica. Tal padrão produz um déficit importante
no repertório comportamental do indivíduo. Para casos em que há esse prejuízo, a psicoterapia de
gabinete apresenta limitações. O presente trabalho abordará os tipos de intervenção mais eficazes
para os casos de fobia social, ressaltando as contribuições do Acompanhamento Terapêutico (AT).
Tal intervenção é realizada no ambiente natural do cliente, fato este que propicia maior variedade
de estímulos, logo, são maiores as oportunidades de emissão de novas respostas e reforçamento
das mesmas. Além disso, o terapeuta tem a oportunidade de consequenciar imediatamente tais
comportamentos. Para elucidar este modelo de intervenção, um relato sistemático de caso clínico
é apresentado. O cliente realizou sessões de acompanhamento terapêutico e sessões em consultório
com a mesma terapeuta. Por fim, discute-se a importância e eficácia do AT para a definição de
padrões de intervenção analítico-comportamentais em ambiente natural.
Palavras-chave: Fobia Social, Terapia Analítico-Comportamental, Intervenções clínicas, Acompanhamento
1 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
terapêutico, ambiente natural.
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A fobia social ou ansiedade social é considerada um transtorno de ansiedade de acordo com o
DSM-IV-TR (APA, 2000/2003). Na ansiedade, um estímulo que antes era neutro para a resposta de
medo, se for seguido consistentemente por estímulos aversivos incondicionados, passará a adquirir
propriedade aversiva e poderá eliciar respostas semelhantes ao medo. Estas respostas estariam sob
controle de estímulos aversivos condicionados presentes – estímulos pré-aversivos. Sendo assim, o
que diferencia a resposta de ansiedade da resposta de medo é que enquanto a ansiedade é eliciada
por um estímulo condicionado, o medo é eliciado por um estímulo incondicionado (Zamignani
& Banaco, 2005). Até aqui, abordou-se o aspecto respondente da ansiedade. No entanto, todo
sentimento ou emoção apresenta características operantes. Por exemplo,
...o medo não é apenas resposta de glândulas e musculatura lisa, é também uma probabilidade reduzida
de se mover para perto do objeto temido e uma probabilidade aumentada de se afastar dele.
(Martin & Pear, 2009, p.449).
Comportamento em Foco 4 | 2014
Moreira . Braga
As respostas operantes na ansiedade seriam de fuga e esquiva de estímulos aversivos incondicionados
e condicionados. Fala-se de fuga quando o organismo elimina um estímulo aversivo presente e de
esquiva quando o organismo posterga um estímulo aversivo condicionado. (Zamignani & Banaco,
2005). Portanto, é necessário avaliar cada caso específico de transtorno de ansiedade para identificar
quais as variáveis responsáveis por tal sentimento.
No caso da fobia social, no DSM-IV-TR (APA, 2000/2003), ela é descrita como um medo excessivo
da avaliação negativa pelas outras pessoas sobre o próprio desempenho e medo de passar vergonha.
Logo, situações aversivas são situações que envolvem o convívio social e serão estas as situações
evitadas neste tipo de transtorno.
No presente trabalho serão apresentados: (a) algumas considerações conceituais sobre fobia social
sob a perspectiva da Análise do Comportamento, (b) uma descrição da fobia social, (c) os tipos de
intervenção mais eficazes para casos de fobia social, ressaltando a contribuição do Acompanhamento
Terapêutico, e (d) um relato de caso clínico.
84
Definições analítico-comportamentais de Fobia Social
O terapeuta analítico-comportamental não está interessado apenas na topografia de um
comportamento, ele se interessa em identificar a função de determinado comportamento. Sendo assim,
o analista do comportamento, através da análise funcional, é capaz de “entender qualquer resposta do
cliente como parte de uma contingência de reforçamento, em interação com eventos ambientais que a
originam e mantêm”. (Baumgarth, Guerrelhas, Kovac, Mazer & Zamignani, 1999, p166).
Mais especificamente no caso da Fobia Social, podemos pensar na função dos comportamentos
presentes neste transtorno. “O padrão comportamental característico dos transtornos de ansiedade,
de acordo com grande parte da literatura, é a esquiva fóbica: na presença de um evento ameaçador ou
incômodo, o indivíduo emite uma resposta que elimina, ameniza ou adia esse evento”. (Zamignani
& Banaco, 2009, p. 79)
Na fobia social, as situações geralmente temidas são a exposição a situações sociais e de
desempenho, o que gera prejuízo ocupacional, acadêmico e social para a pessoa. Assim, forma-se
um círculo vicioso, a ansiedade elevada neste tipo de situação leva o indivíduo a engajar-se (quase)
exclusivamente em respostas de fuga/esquiva. Na medida em que as situações temidas não são
enfrentadas, não há contato com as contingências e, consequentemente, elimina-se a oportunidade
de aquisição de novos repertórios comportamentais. A evitação dos eventos sociais produz alívio,
o que por sua vez aumenta a probabilidade futura de ocorrência de respostas de evitação. Podese dizer que na história de contingências daquele indivíduo, os comportamentos de fuga e/ou
esquiva foram reforçados negativamente pela eliminação do estímulo aversivo. Assim, o indivíduo
restringe seu comportamento, varia pouco ou nada, apresenta comportamentos estereotipados,
consequentemente, obtém pouco acesso a reforçadores positivos. Observa-se também que, o
indivíduo que passou por contingências predominantemente aversivas em sua história, pobres
em estimulação, podem apresentar déficits muito acentuados em seu repertório comportamental
- outros efeitos colaterais são sentimentos de insatisfação, tristeza e ansiedade. (Geraldi-Ferreira &
Britto, 2013; Baumgarth et al., 1999).
Descrição do transtorno de Fobia Social
A fobia social ou ansiedade social é um transtorno de instalação precoce (infância e adolescência),
é mais comum em mulheres e é um transtorno crônico e muitas vezes incapacitante. Este transtorno
gera um impacto social e ocupacional grande, o que tende a elevar o risco do desenvolvimento
de outros transtornos psiquiátricos e de suicídio. É comum em indivíduos com este diagnóstico
o abandono escolar e um menor nível educacional, piores colocações no mercado de trabalho,
maior risco de desemprego, mais gastos com a saúde, maior dependência financeira de familiares
e do Estado. Além disso, é comum que indivíduos diagnosticados com ansiedade social sejam
perfeccionistas e preocupados com a opinião dos outros em relação a si próprios. Costumam ter um
alto senso de responsabilidade e geralmente têm um ótimo desempenho em tudo o que fazem - o que
pode ser interpretado como uma forma de evitar represálias. (Mochcovitch, 2014; Schier, Ribeiro &
Silva, 2014)
O transtorno de Ansiedade Social
... pode ser definido como um medo persistente de estar em situações possivelmente consideradas
embaraçosas pelo sujeito, tais como ser o centro das atenções ou ter contato com outras pessoas, bem
antecipação. (Schier et. al, 2014, p 29)
É comum a evitação de ambientes ansiogênicos. Pode-se caracterizar o quadro do fóbico social a
partir dos seguintes elementos: dificuldade de continuidade e fluidez da fala, esquecimentos, rubores
na pele, urgência urinária, náusea, ataques de pânico e até mesmo reações de paralisia (freezing)
durante uma exposição a estímulos desagradáveis. Esta sintomatologia só deve ser considerada
patológica quando houver prejuízo nas áreas profissional, pessoal e social. (Schier et al.,2014)
Moreira . Braga
Comportamento em Foco 4 | 2014
como em outras situações que lhe causam extrema ansiedade durante sua ocorrência ou até com sua
85
Os tipos de intervenção mais eficazes e a contribuição do Acompanhamento
Terapêutico (AT)
As intervenções utilizadas para o tratamento de casos de transtorno de ansiedade são comumente
os procedimentos de exposição com prevenção de respostas. Em tal procedimento, o cliente é
exposto, repetidas vezes, por um tempo prolongado, às situações ansiogênicas, maximizando a
estimulação aversiva. Pede-se para que o cliente não realize qualquer ritual. Geralmente as exposições
são realizadas de maneira gradual, iniciando-se com situações que produzem menos ansiedade até
o cliente conseguir enfrentar aquelas que produzem maior ansiedade. (Zamingani & Banaco, 2005)
Baumgarth et al.(1999) ressaltam as limitações da psicoterapia de gabinete, por sua natureza verbal,
para lidar com casos em que há um déficit importante no repertório comportamental. Apontam
ainda a necessidade de o cliente ter capacidade de generalizar conteúdos aprendidos no consultório
para outros ambientes e para outros relacionamentos. Quando o déficit neste repertório é grande,
outro tipo de intervenção se torna necessária.
Uma intervenção relativamente recente no âmbito da Análise do Comportamento e bastante eficaz
nesses casos é o Acompanhamento Terapêutico (AT). O AT é um tipo de intervenção clínica realizada
no ambiente natural do cliente (local em que ele vive) e indicada em casos de déficits consideráveis
no repertório básico de comportamentos. O trabalho no ambiente natural propicia condições para
a consequenciação imediata de respostas, podendo ser utilizados os seguintes procedimentos:
reforçamento diferencial, extinção, modelação, modelagem, esvanecimento (fading) etc. (Guerrelhas,
2007; Baumgarth et al.,1999)
O ambiente natural do cliente oferece uma rica variedade de estímulos que permite maior variedade
de comportamentos. Nesse ambiente, são maiores as oportunidades de novas respostas serem emitidas
e reforçadas. Tanto o ambiente quanto o terapeuta agem seletivamente num processo continuo de
aprendizagem. (Baumgarth et al.,1999, p.166)
O AT pode ser um profissional ou estudante que trabalha no ambiente natural do cliente, onde as
contingências mantenedoras precisam ser alteradas. A função dele não é analisar o caso e decidir
sobre os procedimentos a serem adotados, já que há um terapeuta responsável pelo caso e ele é
um auxiliar no trabalho com aquele cliente. A função do AT é contribuir com dados para a análise
funcional do terapeuta, além de promover, em ambiente natural, a modificação das contingências
e, consequentemente, a mudança no comportamento do cliente, através dos procedimentos citados
acima. (Guerrelhas, 2007)
Comportamento em Foco 4 | 2014
Moreira . Braga
Relato de caso clínico
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Um cliente2 chegou à clínica psiquiátrica com queixas de dificuldades de se comunicar com pessoas
que não fossem da sua família, ansiedade extrema em situações de desconforto acompanhadas por
fortes tremores, taquicardia e sudorese. Seu médico apresentou como hipótese diagnóstica um
quadro de transtorno de ansiedade- Fobia Social (CID-10:40.1).
Julgou-se necessária a associação de ação medicamentosa com intervenção psicoterápica como
melhor alternativa de tratamento para este cliente. O psiquiatra receitou 25mg de Paroxetina e o
encaminhou para o setor de Psicologia. Diante da gravidade do caso, avaliou-se que somente um
tratamento que envolvesse psicoterapia individual não seria o suficiente. Este cliente trazia uma
história crônica de esquivas de situações sociais. A maneira mais eficaz seria associar a exposição
2 Os dados do cliente são fictícios.
gradual a este tipo de contexto com os atendimentos de consultório. Optou-se, então, pelo
Acompanhamento Terapêutico. Devido a dificuldades referentes ao próprio trabalho na clínica, a
mesma terapeuta atendeu o cliente em sessões individuais e sessões de acompanhamento terapêutico.
O Cliente, sexo masculino, 49 anos de idade, não possuía especialização profissional e esteve
desempregado durante todo o processo psicoterapêutico. Era o mais novo de quatro irmãos, sendo
um já falecido. Não era casado e não tinha filhos.
Apresentou como queixa inicial a inabilidade em se comunicar com outras pessoas. Sempre
dizendo que não possuía assunto para conversar ou que “de repente me vem um branco na cabeça e
fico travado quando em uma conversa...” (SIC). O cliente apresentava comportamento de “congelar”
em interações sociais com pessoas desconhecidas. Apresentava a queixa de que as outras pessoas
sempre estavam olhando para ele e o julgando negativamente. Dizia ter muitas dificuldades em lidar
com os excessos de respondentes eliciados em situações sociais. Ele ficava muito constrangido, pois
quando ficava muito ansioso, começava a suar em excesso e isso o deixava muito desconfortável.
Nos atendimentos, sempre dizia que “quando fico nervoso e começo a suar, eu vou ficando mais
nervoso e depois vou ficando mais suado, e tudo fica pior, porque as outras pessoas vão ver que eu tô
com esses ‘trem’ todo e vão ficar pensando coisas de mim.” (SIC). Sentia-se muito desconfortável com
o diagnóstico, sempre dizendo: “Sou muito velho pra ter essa coisa de fobia social (...) queria acordar
e ser normal” (SIC).
Ao longo dos atendimentos e da avaliação do cliente, a terapeuta percebeu que ele apresentava
algumas dificuldades: (a) pouca variabilidade comportamental - quando o acompanhamento
terapêutico era realizado em uma lanchonete, ele sempre pedia o mesmo refrigerante. Mesmo
em um lugar especializado em sucos (sucos de diferentes sabores), o cliente solicitava o mesmo
refrigerante de sempre; (b) pensamentos persistentes e obsessivos de que os outros estão o criticando
e julgando. Para o cliente, as pessoas ficam pensando que ele é “uma coisa esquisita, um homem
velho que fica suando o tempo todo. Ele deve ter algum problema psicológico, tão velho pra ter esses
problemas” (SIC); (c) excesso de comportamentos de fuga e/ou esquiva e dificuldade para produzir
reforçadores positivos em suas relações sociais. Por exemplo, participava de chats na internet, mas
não se relacionava pessoalmente com as pessoas; (d) medo excessivo de errar (e.g. quando ia ao
banco, o cliente ficava muito ansioso, com muito medo de errar, e acabava se atrapalhando); (e)
pouca habilidade em tatear comportamentos observáveis e encobertos. Por exemplo, sempre quando
questionado sobre sentimentos aversivos relacionados a determinadas situações, o cliente respondia:
“Ah, tô sentindo aquela coisa de ansiedade. Acho que é isso que tenho de fobia social” (SIC); (f) excesso
de auto exigência, autorregras e regras. Cliente apresenta em alta frequência o comportamento de
comparar-se com o outro e frequentemente desvalorizando-se.
Foi possível observar que ele apresentava respostas respondentes como suor e taquicardia quando
exposto a interações sociais, lugares de grande movimento e situações desconhecidas
História de contingências e categorização comportamental
A mãe do cliente perdeu o filho anterior a ele, então, quando ele nasceu, foi cercado de superproteção
e cuidado. A mãe impedia o cliente de entrar em contato com as contingências. Muitas vezes ‘fazia
por ele’ e fornecia muitas regras. O cliente passou a apresentar pouca variabilidade comportamental,
excesso de comportamentos de fuga e/ou esquiva e baixa autoconfiança. Mãe e filho eram responsáveis
pelos cuidados um do outro - a mãe já era idosa. Observa-se uma relação simbiótica e infantilizada.
A relação com a mãe parece fornecer contingências mantenedoras do comportamento de fuga/
Moreira . Braga
Comportamento em Foco 4 | 2014
Apresentação do Caso
87
esquiva do cliente. O cliente era reforçado negativamente na medida em que evitava o contato com
contingências aversivas. Ao não variar seu comportamento, mantinha seu ambiente “seguro”.
O pai do cliente punia variadas classes de comportamentos do filho de maneira não contingente.
Havia um forte controle por regras na relação. O cliente passou a apresentar alto padrão de
comportamentos de fuga/esquiva, além de sentimentos de baixa autoestima e baixa autoconfiança.
Após o falecimento do pai, o irmão passou a ser responsável pelos cuidados e criação da família. Ele
repetia o mesmo padrão coercitivo do pai, principalmente com o cliente. A irmã, que era psicóloga e
muito exigente em relação aos comportamentos do cliente, tinha o papel de auxiliar nos cuidados da
mãe e do irmão– inclusive responsabilizou-se por indicar tratamento a ele.
Objetivos e procedimentos
Comportamento em Foco 4 | 2014
Moreira . Braga
Optou-se pela realização de um tratamento que integrava três modalidades: sessões individuas
semanais, participação no grupo terapêutico de “Socialização”/ “Vivências Terapêuticas” em que eram
trabalhadas e discutidas habilidades sociais, e atendimentos extraconsultório (acompanhamento
terapêutico). Alguns dos objetivos e procedimentos utilizados foram:
88
a. Auxiliar o cliente a discriminar e tatear sentimentos, variáveis de controle etc.
Procedimentos: audiência não punitiva - postura acolhedora da terapeuta, que estimulava
o cliente a relatar sentimentos e pensamentos no aqui-e-agora da sessão; auxiliar o cliente a
realizar análises entre seu comportamento e o ambiente (através de perguntas) e valorizar o
momento em que o cliente conseguisse fazer as análises sozinho.
b. Ensinar o cliente a flexibilizar (ficar menos sob controle de regras) e mais sensível às
contingências. Procedimentos: ajudar o cliente a valorizar pequenas melhoras, pequenos
passos (reforçamento diferencial de outros comportamentos).
c. Atenuar os eventos privados (sentimentos e pensamentos) e respondentes, nomeados como
ansiedade, diante de variados estímulos - principalmente de interação social. Procedimentos:
dessensibilização diante de estímulos potencialmente ansiogênicos (e.g.: banco, lugares
movimentados, caixas eletrônicos etc.).
d. Auxiliar o cliente a variar comportamento. Procedimentos: nas sessões extraconsultório,
o cliente era levado a lugares variados - sorveterias, parques, locais para caminhadas,
cafeterias, cinema, museus etc.
e. Aumentar a frequência de comportamentos de exposição social. Procedimentos: em
atendimento individual, a terapeuta estimulava o cliente a sair mais de casa e quando o fazia,
dizia que se sentia muito orgulhosa dele, por sua determinação e coragem com o tratamento
e por sua vontade de melhorar (reforço arbitrário em princípio, com a possibilidade dele
entrar em contato com reforço natural);
f. Auxiliá-lo a ser menos dependente da sua mãe e familiares- afetiva e financeiramente.
Procedimentos: terapeuta, através de perguntas, estimulava o cliente a imaginar as
consequências que podia haver caso fosse uma pessoa dependente de outras. O cliente
era estimulado a tatear os efeitos desse comportamento no seu repertório atual e como se
sentia limitado;
g. Ampliar o sentimento de autoconfiança e autoestima; diminuição da auto exigência.
Procedimentos: o cliente era estimulado a enfrentar suas dificuldades e ambientes
ansiogênicos. Analisava-se a importância do enfrentamento de situações de maneira
gradual. O cliente era estimulado, em atendimentos individuais, a discriminar, tatear e
validar suas qualidades;
h. Auxiliar o cliente a ficar menos sob o controle do que os outros pensavam sobre ele;
aumentar a percepção sobre sua própria vontade. Aumento do comportamento de emitir
opinião. Procedimentos: terapeuta pedia para que o cliente dissesse qual era a sua vontade
naquele momento. Estimulava o cliente a entrar em contato com as contingências e
descobrir o que era reforçador para ele.
Resultados
Alguns dos resultados obtidos com o cliente foram: (a) maior capacidade de discriminar e tatear
sentimentos, pensamentos e contingências de controle. “Por isso que eu sou desse jeito, né? Minha
mãe grudou mais em mim do que nos meus irmãos, e eles sabem resolver seus problemas. Será que esse
negócio que eu tenho [falando da fobia social] tem jeito de mudar?”. No final do ano, o cliente relatou
sentir tristeza: “acho que é porque eu olho pra trás e vejo que passei o ano ‘em branco’ e não fiz nada, não
produzi nada... sem trabalhar e com essa coisa que eu tenho [falando da fobia social]”. (b) Aumento
sutil da frequência de emissão de comportamento de emitir opinião. Falando sobre uma sessão
extraconsultório, o cliente rejeitou o lugar escolhido pela terapeuta e propôs um novo lugar: “ah, eu
vi essa semana no jornal sobre um concerto da orquestra. A apresentação vai ser no Parque Municipal,
no domingo. Eu tava querendo conhecer. Queria ver se a gente podia ir lá...”. (c) Maior capacidade
de ficar sob controle das contingências. O cliente conseguiu comer um hambúrguer num shopping
em um horário movimentado. (d) Instalação do repertório de observar e analisar contingências.
“É igual quando eu trabalhava e tinha que participar das reuniões. Eu, no final, já imaginava só os
piores pontos e que eu já ficaria suando [...] isso me fazia ficar pior”. O cliente fez essa analogia ao
pensar sobre como tendia a antecipar as consequências dos eventos. (e) Aumento de variabilidade
comportamental. Em uma sessão extraconsultório na sorveteria, o cliente perguntou para a terapeuta:
“qual sabor que você nunca experimentou? Eu vou escolher um diferente, pra provar”. O cliente começou
a frequentar o Centro de Convivência. (f) Maior flexibilização de regras, por exemplo, modificação
do horário de atendimentos.
Pode-se perceber que as intervenções realizadas nas sessões de acompanhamento terapêutico foram
importantes para a conquista dos resultados obtidos pelo cliente. Como ressaltado anteriormente
por Baumgarth et al. (1999), a psicoterapia de gabinete apresenta limitações, já que há um número
menor de estímulos que proporcionem mudança de comportamento.
No caso apresentado, o ambiente natural ofereceu maior variedade de estímulos, o que permitiu
ao cliente engajar-se em novos comportamentos podendo ser reforçado pelo terapeuta (reforço
arbitrário), mas, principalmente, aumentando a probabilidade de obter reforço natural diante
das consequências dos novos comportamentos. Além disso, o cliente apresentava excesso de
comportamentos de fuga e ou esquiva, que são comportamentos fortemente mantidos e difíceis
de serem modificados, já que são reforçados negativamente pela evitação do contato com
consequências aversivas. Logo, através da psicoterapia de gabinete, seria mais difícil ajudar o cliente
a se engajar em novos comportamentos e apresentar maior variabilidade comportamental. Os
resultados alcançados a partir da intervenção proposta têm coerência com o que afirma Guerrelhas
(2007), que aponta o acompanhamento terapêutico como eficaz e indicado para casos de déficits
consideráveis no repertório básico de comportamentos, que é o caso do cliente apresentado e dos
casos de Fobia Social em geral.
Observou-se ainda que, durante as sessões extraconsultório, houve a consequenciação imediata
dos comportamentos do cliente e a utilização de procedimentos como dessensibilização sistemática,
modelação, modelagem, entre outros, o que vem ao encontro do que afirmam Guerrelhas, (2007) e
Baumgarth et al., (1999).
Moreira . Braga
Comportamento em Foco 4 | 2014
Considerações finais
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Na literatura sobre AT, Guerrelhas (2007) ressalta que o AT é um profissional ou estudante que
trabalha como auxiliar no processo de mudança comportamental em que existe um terapeuta
responsável pelo caso. No presente trabalho, a mesma terapeuta atendeu o cliente em consultório
e como AT. Ressalta-se aqui que a intervenção casada, ou seja, a mesma terapeuta atendendo em
consultório e em ambiente natural, é mais uma intervenção possível. Todavia, não minimiza-se a
importância das intervenções apresentadas pela literatura. O que foi possível observar na intervenção
realizada é que a terapeuta teve maior domínio do caso. Ela mesma realizou as análises funcionais, o
que facilitou o planejamento dos procedimentos e execução das intervenções.
A apresentação do caso teve como objetivo ressaltar a importância do Acompanhamento
Terapêutico para os casos de Fobia Social. Conclui-se que esta é uma modalidade de intervenção válida
e eficaz para estes casos. Além disso, através da descrição detalhada dos procedimentos utilizados, o
presente trabalho pode auxiliar na definição de padrões de intervenção analítico-comportamentais
em ambiente natural. Afirma-se, no entanto, que há a necessidade de outros trabalhos que descrevam
os procedimentos utilizados para melhor definição das intervenções realmente eficazes para casos
de Fobia Social.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Moreira . Braga
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Atendimento psicoterápico comportamental de uma mulher adulta com
comportamentos característicos de dependência afetiva
Paula Alcântara Bastos 1
Milena Mendonça Dos Santos
Silvia Canaan Stein
Universidade Federal do Pará
O fenômeno do amor romântico, geralmente considerado como propiciador de bem-estar, nem
sempre tem um caráter saudável. Esse lado pouco salutar do amor é conhecido como dependência
afetiva ou amor patológico e se caracteriza por: prestação de cuidados e atenção ao parceiro(a) de
maneira repetitiva (sem controle), falta de reciprocidade, havendo um desequilíbrio entre o dar e o
receber, manutenção de um relacionamento amoroso insatisfatório, com elevadas taxas de estimulação
aversiva, apesar dos prejuízos que este traz para a vida do indivíduo e/ou de seus familiares. Este
padrão de se relacionar pode acometer homens e mulheres, entretanto sua prevalência é maior na
população feminina. O presente trabalho pretende descrever o atendimento psicoterápico analíticocomportamental individual de uma mulher de 38 anos com comportamentos característicos de
dependência afetiva na relação com seu parceiro amoroso realizado em uma Clínica Escola de
Psicologia. Esta cliente já havia participado de um Grupo Terapêutico para Mulheres em Situação de
Dependência Afetiva conduzido pela terceira autora no ano anterior ao início de seu atendimento
individual. Treze sessões de terapia individual foram realizadas por duas terapeutas em treinamento
(primeira e segunda autoras) que se revezaram em cada sessão nos papéis de terapeuta e observadora,
sob a supervisão de uma professora e terapeuta experiente (terceira autora) no contexto do Estágio
Supervisionado em Psicologia Clínica Comportamental de Curso de Graduação em Psicologia de uma
universidade pública. As sessões foram gravadas e posteriormente transcritas. A análise funcional
do repertório da cliente revelou diversos comportamentos considerados saudáveis –respostas que o
terapeuta visa manter ou aumentar de frequência durante a sessão – e comportamentos problemas –
respostas que o terapeuta visa reduzir de frequência - que foram categorizados, descritos e ilustrados
com relatos apresentados nas sessões. Dentre estes, destacou-se a elevada taxa de comportamentos
característicos de dependência afetiva que produziam consequências aversivas para a vida da
1 Contato: [email protected]
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Resumo
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paciente. Diante de tal condição, estabeleceram-se objetivos terapêuticos específicos e implementouse uma intervenção direcionada aos danos causados pela dependência afetiva. Os resultados
mostraram que a cliente conseguiu perceber os comportamentos relacionados à dependência
afetiva lhes traziam inúmeros prejuízos. Em determinando momento do processo terapêutico, com
a instalação de algumas respostas em seu repertório comportamental, a cliente começou a emitir
com maior frequência respostas de melhora do comportamento dependente como o aumento do
número de reforçadores que não envolviam a presença de seu ex-companheiro, aceitação do fim do
relacionamento com o mesmo, investimento em outras áreas de interesse (por exemplo, faculdade,
estágio), ampliação de sua rede social incluindo amigos da igreja. Pôde-se observar a emergência
gradual de comportamentos saudáveis e a consequente redução da frequência de comportamentos
considerados problemas em relação ao início da terapia, o que parece estar correlacionado com a
gradativa melhora da dependência afetiva da cliente em relação ao seu ex-companheiro, o alcance
de suas metas, etc.
Palavras-chave: mulher, dependência afetiva, amor patológico, terapia analítico-comportamental.
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Amor Patológico: Dependência Afetiva
92
O fenômeno do amor romântico, geralmente considerado como propiciador de bem-estar, nem
sempre tem um caráter saudável. Conforme ensina Sophia (2008), embora seja bastante complexo
estabelecer a linha divisória entre a normalidade e a patologia nesta área, a vertente pouco salutar do
amor é conhecida na literatura como amor patológico ou dependência afetiva.
A dependência afetiva é um problema que aparece de forma recorrente nas clínicas de psicologia
e se caracteriza por comportamento de cuidado e atenção excessivo ao outro, com consequente
renúncia aos interesses antes valorizados (Sophia, Tavares & Zilberman, 2007; Sophia, 2008), pela
falta de reciprocidade, havendo um desequilíbrio entre o dar e o receber já que as pessoas em
situação de dependência afetiva, geralmente, se dedicam e se entregam a alguém não merecedor
de seus sacrifícios (Rodrigues & Chalhub, 2009), pela manutenção de relacionamentos amorosos
insatisfatórios, mesmo após diversas demonstrações do cunho nocivo para a vida do indivíduo e/ou
de seus familiares que o relacionamento apresenta (Sophia et al., 2007).
A dependência afetiva é um quadro que pode acometer tanto homens quanto mulheres, tendo maior
incidência no gênero feminino. Apesar da gravidade do problema, são praticamente inexistentes os
serviços especializados no atendimento dessa clientela e os estudos relacionados ao tema.
Segundo Sophia (2008), alguns critérios são utilizados para que seja possível identificar quem está
amando de maneira patológica: a) sinais e sintomas de abstinência – quando o parceiro está distante
(física ou emocionalmente) ou perante ameaça de abandono, como o rompimento da relação,
podendo ocorrer, por exemplo: insônia, taquicardia, tensão muscular, alternando-se períodos de
letargia e intensa atividade, b) o ato de cuidar do parceiro ocorre em maior quantidade do que o
indivíduo gostaria – o indivíduo costuma se queixar de manifestar atenção ao parceiro com maior
frequência ou por período mais longo do que pretendia inicialmente, c) atitudes para reduzir ou
controlar o comportamento patológico são mal sucedidas – em geral, já ocorreram tentativas
frustradas de diminuir ou interromper a atenção dispensada ao companheiro, d) é despendido muito
tempo para controlar as atividades do parceiro – a maior parte da energia e do tempo do indivíduo é
gasta com atitudes e/ou pensamentos para manter o parceiro sob controle, e) abandono de interesses
e atividades antes valorizadas – como o indivíduo passa a viver em função dos interesses do parceiro,
as atividades propiciadoras da realização pessoal e desenvolvimento profissional são deixados de
lado, incluindo: cuidado com filhos, investimentos profissionais, convívio com colegas etc., f) o amor
patológico é mantido, apesar dos problemas pessoais, familiares e profissionais – mesmo consciente
dos danos decorrentes desse comportamento para sua qualidade de vida, persiste a queixa de não
conseguir controlar a conduta patológica.
As pessoas em situação de dependência afetiva tendem a apresentar algumas características
peculiares, como: a) serem exclusivas em seus relacionamentos interpessoais, possuindo um número
pequeno de pessoas com as quais se relacionam, b) necessitam de um acesso constante à pessoa da
qual dependem emocionalmente, ou seja, o outro precisa estar sempre disponível, c) necessitam
excessivamente da aprovação dos demais, estão na maior parte das vezes tentando agradar às pessoas
ao seu redor ao invés de a si próprios, d) subordinação nas relações com os parceiros, já que tentam
a todo custo preservar a relação, e) idealização de seus parceiros escolhendo-os com características
definidas como egoístas, com grande segurança em si mesmo e frio emocionalmente, f) pânico
diante da ruptura do relacionamento e grande possibilidade de padecer de transtornos mentais tais
como vazio emocional, sintomas de abstinência na ausência do parceiro, entre outras (Blasco, 2001,
2004; Jimenez & Ruiz, 2009).
É importante ressaltar que a necessidade afetiva extrema pode ser sentida pela pessoa em diferentes
relacionamentos amorosos, com parceiros distintos (Blasco, 2004). Comumente, na dependência
afetiva observa-se a característica da ampliação das virtudes do companheiro e a diminuição dos
defeitos deste.
De acordo com Blasco (2001), a dependência afetiva diferencia-se dos diagnósticos do transtorno
de personalidade limítrofe e transtorno de personalidade dependente. Segundo Sophia, Tavares e
Zilberman (2007), outra diferenciação é com relação ao transtorno delirante, subtipo erotomaníaco2
e delírio de ciúmes. Outros transtornos mentais como a esquizofrenia, a mania ou a síndrome cerebral
orgânica devem ser, de igual forma, excluídos para o diagnóstico diferencial do amor patológico.
Segundo Canaan (2006), os comportamentos que caracterizam a dependência afetiva podem ser
explicados a partir dos três níveis de determinação propostos por Skinner (1984/1981), a saber, os
níveis filogenético, ontogenético e cultural.
No que tange a discussão das variáveis inatas que permeiam o fenômeno da dependência afetiva
observa-se nos humanos a predisposição ao estabelecimento de vínculos afetivos, tendo este,
supostamente, um valor biológico. De fato, o comportamento dependente é importante nos estágios
iniciais do desenvolvimento, principalmente devido à incapacidade do bebê de cuidar de si próprio
(Bandura & Walters, 1962). A Teoria do Apego de Bowlby confirma essa dependência através de
estudos sobre a importância do vínculo mãe-filho nos estágios iniciais de desenvolvimento como
uma dependência necessária para a sobrevivência da espécie (Sophia, 2008). Entretanto, segundo os
proponentes da teoria, um vínculo mal constituído na infância com a principal figura de apego pode
ocasionar transtornos nos relacionamentos na vida adulta, onde é provável que o indivíduo com
apego inseguro procure em seu respectivo companheiro amor e afeto que lhe foram insuficientes
anteriormente. Muitas vezes, estas pessoas são ainda atraídas por parceiros distantes e inseguros,
em certas situações também dependentes de substâncias como álcool ou drogas e que por isso,
carecem de cuidados. Em contrapartida, pessoas gentis e seguras são tidas por aquelas em situação
de dependência afetiva como desinteressantes (Sophia et al., 2007).
2 O subtipo erotomaníaco é aquele no qual a pessoa está convencida de que alguém de posição superior a ela e geralmente um
desconhecido a ama.
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Dependência Afetiva: Hipóteses Etiológicas
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À respeito da importância da ontogênese nos quadros de amor patológico defende-se que,
dependendo das contingências de reforçamento que ocorrem ao longo da vida do indivíduo, a
maneira como este se comporta em seus relacionamentos vai sendo modelada. (Sophia et al., 2007).
Por fim, no contexto cultural no qual o indivíduo está inserido, determinados comportamentos em
relação ao parceiro amoroso serão reforçados ou não pela comunidade verbal. Assim, pode-se afirmar
que um indivíduo aprende a se comportar de maneira afetivamente dependente considerando-se a
influência de variáveis filogenéticas, ontogenéticas e culturais (Sophia et al., 2007).
Ainda no que se refere às hipóteses etiológicas, pode-se dizer que estudos realizados com animais
demonstram que essa escolha e determinação da preferência por um parceiro específico parecem
estar relacionadas com dois sistemas: o sistema dopaminérgico córtico-estriatal e o sistema de
neuropeptídeos transmissores. As projeções dopaminérgicas das estruturas corticais, para o núcleo
accumbens na porção anterior do corpo estriado, são um elemento chave para o estabelecimento da
saliência a estímulos relevantes, para a espécie e para a preservação do indivíduo. Este sistema está
bastante veiculado na capacidade de vinculação social.
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Tratamento Psicológico de Mulheres em Situação de Dependência Afetiva
94
Com relação ao tratamento psicológico de mulheres em situação de dependência afetiva, podese dizer que este costuma se iniciar tardiamente. Observa-se a tendência de que as pessoas apenas
busquem ajuda no momento em que o relacionamento do qual são dependentes termina, neste
período costuma ser bastante difícil para o paciente aceitar e administrar o forte sentimento de
angústia resultante do fim da relação (Sophia et al., 2007).
Nos últimos anos, várias mulheres em situação de dependência afetiva têm chegado em intenso
sofrimento emocional à Clínica Escola de Psicologia de uma universidade pública federal , em busca
de tratamento. Desde 1997, algumas delas começaram a ser atendidas individualmente sob o enfoque
analítico-comportamental por psicoterapeutas em treinamento (alunos do curso de graduação em
psicologia), no Estágio em Psicologia Clínica - Abordagem Comportamental, sob a supervisão da
terceira autora. Os atendimentos psicológicos individuais realizados nesta Clínica Escola parecem
ter contribuído para a melhoria do padrão de dependência afetiva das clientes, para a formação
dos alunos e para a elaboração de diversos trabalhos acadêmico-científicos sobre este tema tais
como projetos de pesquisa (Canaan, 2006, 2009a), relatório de pesquisa (Canaan-Stein, 2009b,
2011), projeto de extensão (Canaan-Stein, 2012), trabalhos de conclusão de estágio (Coelho, 2003),
trabalhos de conclusão de curso (Affonso, 2008; Batista, 2007; Bastos, 2013; Brasil, 2007; Correa, 2008;
Costa, 2006; Cruz, 2008; Fonseca, 2006; Lima, 2007; Lima, 2006; Marinho, 2007; Sousa, 2007; Sousa,
2006; Tadaiesky, 2007; Tavares, 2008) e apresentações de trabalhos em eventos científicos nacionais
e internacionais (Canaan, 2007; Canaan & Canaan-Stein, 2012; Canaan, Martins & Gonçalves, 2004;
Canaan, Tadaiesky, Batista & Sousa, 2007; Coelho e Canaan, 2004; Costa & Canaan, 2006; Tavares &
Canaan, 2008; Sousa, , Canaan-Stein & Lima, 2012; Brasiliense, Chagas Neto & Canaan-Stein, 2012a;
Brasiliense, Chagas Neto & Canaan-Stein, 2012b).
O atendimento psicoterápico individual analítico-comportamental de mulheres adultas em
situação de dependência afetiva na Clínica Escola acima citada tem sido norteado por algumas
diretrizes tais como a noção de saúde psicológica proposta por C. Follette, Bach e M. Follette (1993),
e os modelos terapêuticos da Psicoterapia Analítica Funcional- FAP (Kohlenberg & Tsai, 1991), da
Terapia de Aceitação e Compromisso-ACT (Hayes, Strosahl e Wilson 1999; Fukahori, Silveira &
Costa, 2005) e da Abordagem Construcional (Goldiamond, 2002).
Follette et al. (1993) realizaram uma análise comportamental da noção de saúde psicológica.
Neste estudo, os autores elaboraram uma revisão da literatura descrevendo os esforços de
diversos pesquisadores no sentido de definir saúde psicológica. Apresentaram, ainda, abordagens
3 Follette et al (1993) pontuam também que “o indivíduo classificado como resiliente (...) seria necessariamente aquele que é
influenciado mas não definido pelo passado” (p. 313).
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laboratoriais para a análise funcional do comportamento saudável, bem como apontaram limitações
científicas que impediam tal análise. Por fim, embora tenham reconhecido que a noção de saúde
psicológica seja altamente individualizada, Follette et al. (1993) propuseram algumas características
funcionais de saúde psicológica: a) um equilíbrio apropriado entre governo por regras e controle por
contingências, b) um equilíbrio entre reforçamento de curto prazo e de longo prazo, c) influência
pela história passada e aceitação da mesma ao invés de determinação por eventos negativos do
passado3, d) habilidade para descrever e analisar funcionalmente as condições sob as quais vários
comportamentos são emitidos (auto-conhecimento), e e) habilidade para identificar os efeitos do
ambiente e para implementar mudanças no ambiente quando este não está funcionando em seu
benefício.
Conforme referido, outras diretrizes que nortearam a intervenção analítico-comportamental com
mulheres adultas em situação de dependência afetiva foram os modelos terapêuticos da FAP, da ACT
e da Abordagem Construcional. Com o surgimento da FAP (Kohlenberg & Tsai, 1991) ao longo da
década de 80, a relação terapêutica passou a ser utilizada como um dos principais instrumentos de
mudança na prática clínica partindo-se do pressuposto de que é provável que ocorram generalizações
de estímulos que controlam comportamentos do cliente para dentro do ambiente terapêutico. Deriva
de tal assunção a previsão de que comportamentos que são emitidos fora do contexto clínico tendem
a ocorrer na relação terapêutica (Fester, 1972).
A partir da ocorrência de determinados comportamentos durante as sessões clínicas, o terapeuta
pode fazer uso de suas próprias reações a fim de modelar os comportamentos do cliente. Assim,
pode-se afirmar que, na FAP, a intervenção é exclusividade da relação terapêutica (Alves & IsidroMarinho, 2010).
A FAP também introduz a noção de Comportamentos Clinicamente Relevantes ou CRBs –
definidos como os comportamentos alvo ocorridos no decorrer do atendimento. Kohlenberg e
Tsa, (1991), definem três tipos de CRBs. Os CRBs 1 são respostas que o terapeuta visa reduzir de
frequência, portanto, são comportamentos que provavelmente são punidos ou pouco reforçados no
ambiente do cliente. Os CRBs 2 são os progressos do cliente, portanto, que devem aumentar de
frequência durante a sessão. E, os CRBs 3 são comportamentos verbais do cliente, são descrições de
comportamento e/ou as explicações atribuídas pelo próprio cliente ao seu comportamento sendo,
portanto, esperados na terapia, uma vez que, a partir disso, o cliente pode aprender a realizar sozinho
análises funcionais (Alves & Isidro-Marinho, 2010).
Outro modelo terapêutico utilizado pelos analistas do comportamento da clínica escola no
atendimento dos casos de dependência afetiva é a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT).
Proposta inicialmente por Hayes e Wilson (1994), a ACT promove a aceitação de estados do
organismo, como sentimentos, e de emoções considerados indesejáveis pelo cliente. Este modelo
terapêutico se propõe a reduzir as tentativas de controle, por parte do cliente, de respostas que a
comunidade verbal visualiza como causadores do problema clínico. A ACT objetiva ainda induzir o
cliente a exercitar o controle em áreas nas quais elas são efetivas (Fukahori, Silveira & Costa, 2005).
Na ACT, é esperado que o ambiente terapêutico leve o cliente a abandonar as tentativas de controle
de eventos privados (aceitação) enquanto se engaja em comportamentos direcionados aos seus valores
pessoais (compromisso) (Hayes, Strosahl, & Wilson, 1999). Desta forma, o cliente deve ser tido como
produto e produtor das contingências nas quais se comporta, o que lhe atribui um papel significativo
na terapia individual. O terapeuta deve ainda estar atento à história de vida do cliente, uma vez que é
através da análise desta história que é possível avaliar seu desempenho nas contingências vigentes, as
quais acabam por influenciar a probabilidade do comportamento (Farias, 2010).
A terceira linha terapêutica que apoia os atendimentos na clínica escola foi desenvolvida por
Bakker-de Pree (1984/1987), a partir das ideias de Goldiamond (1974), e é conhecida como Terapia
95
Comportamental Construcional. Esta linha parte do pressuposto de que os comportamentos
saudáveis ou patológicos de um indivíduo constituem uma construção em que uma mudança em
uma parte tem efeitos sobre o todo. Diante disso, é necessário que se faça uma análise funcional das
respostas saudáveis do funcionamento total deste cliente, para que as respostas de construção, ou
seja, o repertório comportamental que precisa ser construído possa ser reforçado. Nesta perspectiva
não se estabelece como objetivo primário a eliminação de sintomas que levaram o cliente a buscar a
terapia. Acredita-se que, uma vez que os comportamentos saudáveis estão suficientemente instalados
no repertório do cliente, os comportamentos problema perdem suas funções (Vandenberghe, 2007).
Em outras palavras, a Terapia Comportamental Construcional pode ser definida como uma
alternativa à abordagem patológica, já que a solução para os comportamentos problema consiste
na construção e não na supressão de repertórios. A partir disso, os comportamentos problemas
não são alvo de mudança, porém acabam se extinguindo quando os comportamentos saudáveis são
construídos e/ou fortalecidos. Portanto, se diferencia da abordagem patológica, a qual visa o alívio
ou a eliminação dos comportamentos problemas através de diversas formas (Gimenes, Andronis &
Layng, 2005).
Acredita-se que as diretrizes acima citadas podem ser úteis para o psicólogo que atua como
terapeuta analítico-comportamental permitindo-lhe avaliar melhor os resultados de sua intervenção
partindo de parâmetros objetivos. Assim, neste trabalho considera-se como comportamentos
saudáveis aqueles cujas características funcionais gerais foram descritas por Follette et al., (1993),
incluindo os CRB2 e CRB3 da FAP (Kohlenberg & Tsai, 1991), as respostas de construção previstas
pela Terapia Construcional (Goldiamond, 2002) e as de aceitação e compromisso com a mudança da
ACT (Fukahori et al.,2005), cuja frequência deseja-se manter ou aumentar no repertório do cliente
ao longo da terapia. Já os comportamentos patológicos ou problemas são aqueles não incluídos nas
características funcionais descritas por Follette et al.,(1993), os CRB1 da FAP (Kohlenbeg & Tsai,
1991), os comportamentos ditos disfuncionais previstos pela Terapia Construcional (Goldiamond,
2002) e a esquiva experiencial e os repertórios de inércia e/ou impulsividade previstos pela ACT
(Fukahori et al., 2005), cuja frequência espera-se reduzir ao longo do tratamento psicoterápico.
O presente trabalho pretende descrever o atendimento psicoterápico comportamental realizado
em uma Clínica Escola de Psicologia de uma mulher adulta com comportamentos característicos de
dependência afetiva.
Método
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Bastos . Santos . Stein
Cliente
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Ângela4, 38 anos, sexo feminino, concluinte do curso superior de Direito em uma universidade
privada, formada em Pedagogia e Gestão Empresarial. Tinha uma filha de 7 anos e estava separada do
pai de sua filha há cerca de 2 anos antes de iniciar a terapia individual. Havia começado a frequentar
recentemente a Igreja Adventista.
Origem da procura/encaminhamento
A cliente foi atendida no ano de 2011 no grupo psicoterapêutico de mulheres em situação de
dependência afetiva, conduzido pela terceira autora, na Clínica-Escola de Psicologia de uma
universidade pública federal. Ao final do grupo a cliente foi encaminhada para o atendimento
individual na referida Clínica, o qual ocorreu durante o ano de 2012.
4 O nome adotado “Ângela” para a cliente é fictício.
Queixas iniciais
No início do atendimento psicoterápico a cliente se queixou de não conseguir cortar o vínculo
existente entre ela e o ex companheiro:
“C: Eu sei que quando ele foi pra M. que ele veio de P. a gente ia voltar, só que a gente briga
muito... aí não tem condição, a minha cabeça ficou em parafusos né? Porque ao mesmo
tempo que eu quero voltar, o outro lado diz que não, porque a gente brigava muito, chegou
a ter agressões, o Ronaldo5 ele é uma pessoa agressiva. Ele não, vamos dizer assim, grosso,
ele é grosso, ignorante, perde o controle, então o Ronaldo ele não fez bem pra mim, mas eu
gosto de estar com ele, não faço (inaudível) mesmo ele estando parado, sabe? Não sei, às
vezes eu falo que não vou mais falar com ele, que não quero mais saber, mas eu não consigo
ficar com raiva dele. Se ele faz alguma coisa pra mim, eu fico com raiva na hora, digo um
monte de coisa, depois pronto: passa. Passa a raiva, aí eu fico com pena, é... sei lá...não sei,
não sei... não consigo me livrar (inaudível) uma coisa que é, sei lá, muito mais forte do que
eu, uma coisa que é fora do meu controle. Já até tentei (me livrar do Ronaldo), nunca precisei
dele, sempre tive meu trabalho, sempre tive meu dinheiro, pelo contrário eu ainda ganhava
mais do que ele na época que a gente tava junto, mas eu não conseguia, não conseguia, a
gente brigava, aí se separava e voltava [...] e mesmo agora separada eu não consegui tirar o
Ronaldo da minha vida, não consigo [...]” (1ª sessão).
Ambiente
Os atendimentos foram realizados em uma das salas refrigeradas por ar condicionado da ClínicaEscola de Psicologia de uma universidade pública federal. As salas contêm uma mesa e três cadeiras,
podendo ser organizadas de diversas formas.
• Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por meio do qual a cliente foi informada
acerca das regras e horários da Clínica e de que seus dados seriam preservados caso viessem
a ser publicados em algum trabalho relacionado ao seu atendimento;
• Texto “Sentimentos” de Miranda (1996), adaptado por Silvia Canaan, o qual foi trabalhado
com a cliente com o intuito de estimular a aceitação de seus próprios sentimentos;
• Quadro de Reforçadores, exercício proposto à cliente a fim de fazer um levantamento de:
“coisas que gosto de fazer e faço”, “coisas que não gosto de fazer e faço”, “coisas que gosto de
fazer e não faço” e “coisas que não gosto de fazer e não faço”;
• Texto “Borboletas” de Mário Quintana (2009), o qual foi lido e discutido durante uma das
sessões, referindo-se à valorização de si mesma;
• Texto “Lagosta e as crises de crescimento” (Sande, 2011), o qual foi lido e discutido durante
uma das sessões com o objetivo de trabalhar a transição de uma fase da vida a outra;
• Questionário de Avaliação do Acompanhamento Terapêutico (Tsai et al.,2009) adaptado
pela terceira autora, utilizado para avaliar os ganhos e habilidades adquiridas a partir da
terapia;
• BAI (Inventário de Ansiedade de Beck (2011), utilizado para medir a intensidade da
ansiedade;
5 O nome adotado “Ronaldo” para o ex-companheiro da cliente é fictício.
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Materiais e Instrumentos
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• BDI (Inventário de Depressão de Beck (2011), utilizado para mensurar a intensidade da
depressão;
• BHS (Escala de Desesperança de Beck (2011), medida de pessimismo que também oferece
indícios de risco de suicídio em pessoas deprimidas ou que tenham história de tentativa de
suicídio;
• Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de Lipp (2000), instrumento útil na
identificação de quadros característicos do stress, possibilitando diagnosticar o stress em
adultos e a fase do mesmo em que a pessoa se encontra (alerta, resistência, quase-exaustão
e exaustão);
• Aparelho celular com MP3; Computador; Software Microsoft Word 2007.
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Procedimento
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Foram realizadas 13 sessões (incluindo a sessão de Follow up) de atendimento individual que
aconteceram uma vez por semana, com duração média de 50 minutos, durante um período de 8
meses. Os atendimentos foram realizados por terapeutas em treinamento (primeira e segunda
autoras), concluintes do curso de graduação em psicologia, que se revezaram em cada sessão nos
papéis de terapeuta e observadora (“abajur6”), sob a supervisão da terceira autora.
Na primeira sessão a cliente recebeu das terapeutas-estagiárias as informações referentes às
regras da Clínica-Escola e de seu funcionamento. Nesta sessão, o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) foi lido por ambas e as dúvidas da cliente foram esclarecidas pela terapeutaestagiária que conduziu a sessão. Neste momento, solicitou-se que a cliente assinasse duas vias do
TCLE, uma para ela, outra para a Clínica-Escola.
Nas primeiras sessões de avaliação foram identificadas as queixas principais da cliente, os
comportamentos saudáveis e os comportamentos problemas presentes em seu repertório
comportamental. O processo de avaliação é o período de identificação dos comportamentos
e de suas variáveis com a finalidade de entendê-los e alterá-los (Silvares, 2000). Já o processo de
intervenção pode se dar de modo a modificar o ambiente do cliente, modificar as regras, objetivar
o autoconhecimento e autocontrole por parte do cliente, entre outras (Faggiani, 2009). Entretanto,
convém ressaltar que a divisão da terapia nas fases de avaliação e intervenção ocorre apenas para
fins didáticos, pois estas fases ocorrem concomitantemente ao longo de todo o processo terapêutico,
sendo praticamente impossível dissociá-las.
Ao longo do atendimento do caso clínico as terapeutas em treinamento buscaram promover o
desenvolvimento de comportamentos considerados saudáveis, cuja frequência deveria ser mantida
ou aumentada no repertório da cliente ao longo da terapia. Conforme mencionado anteriormente,
estes comportamentos saudáveis eram aqueles que estavam de acordo com os parâmetros propostos
por . Follette et al., (1993), incluindo o estímulo à emissão de CRB2 e CRB3 descritos pela FAP
(Kohlenberg & Tsai, 1991), de respostas de construção ou comportamentos alternatvos previstos
pela Terapia Construcional (Goldiamond, 2002) e as de aceitação e compromisso com a mudança
referidas pela ACT (Fukahori et al., 2005).
Todos os atendimentos foram gravados em sua íntegra por aparelho celular com MP3,
posteriormente foram repassadas para o computador para que fossem ouvidas e, em seguida,
transcritas. As transcrições também foram realizadas no computador, e incluíram todas as falas da
cliente e das terapeutas-estagiárias, além de choros e risos.
A transcrição de cada sessão era lida repetidas vezes pela estagiária em treinamento que havia sido
a terapeuta da sessão, a qual elaborava a análise de dados a ser levada para a supervisão e colocada no
6 A terapeuta que ficava de “abajur” ficava apenas observando, a menos que tivesse algo relevante a dizer e que não tivesse sido
pontuado pela terapeuta que estava conduzindo aquela determinada sessão.
prontuário da cliente. Tal análise incluía comportamentos saudáveis, comportamentos problemas,
interpretações realizadas pela cliente, análise funcional dos comportamentos problemas, objetivos
terapêuticos e planejamento para a próxima sessão.
Análise de dados
Foi possível observar diversos comportamentos considerados saudáveis e problemas através dos
dados coletados no decorrer do atendimento. Os comportamentos considerados problemas serão
primeiramente descritos juntamente com relatos ilustrativos da cliente já que os mesmos foram
utilizados como base para uma análise funcional preliminar do repertório comportamental da
cliente e para o estabelecimento dos objetivos terapêuticos.
Comportamentos Problemas
a. Comportamentos indicadores de dependência afetiva da cliente em relação ao excompanheiro
A cliente ainda idealizava o ex-companheiro, não ficando sob controle das reais contingências
aversivas estabelecidas por suas interações mais recentes com ele.
“C: eu acabo enfatizando o lado bom do Ronaldo, aquele Ronaldo que me foi apresentado tá
muito latente ainda na minha cabeça. Eu não consigo sobrepor as coisas ruins que ele fez
comigo perto das coisas boas, entendeu? Pelo contrário.” (3ª Sessão)
b. Manutenção do vínculo entre a cliente e o ex-companheiro
A cliente mantinha contato com o ex-companheiro por mensagens de celular, ligações telefônicas
ou quando ele ficava hospedado em sua casa.
“C: Aí é assim... muito papo... quando ele liga é assim: a gente fica muito tempo, a gente fica
20 minutos, 40 minutos, uma hora no telefone”. (2ª Sessão)
c. Déficit no comportamento de aceitação do fim do relacionamento com o ex-companheiro
A cliente parecia não aceitar que o seu relacionamento com o ex-companheiro já havia acabado.
“C: É porque com essas atitudes... como tem essa dúvida... faz com que eu acabe não me
libertando do Ronaldo. Já fica aquela, sabe, aquela luzinha no final túnel, sabe: será que as
minhas atitudes devem mudar?” (3ª Sessão)
d2. Dificuldades na busca de novos relacionamentos afetivos
A cliente apresentava dificuldades em se envolver em novos relacionamentos afetivos.
“C: É, foi no ano passado, [...] fiquei uns dois meses só [...] mas ele não era o Ronaldo, não
tinha as coisas do Ronaldo, não fazia as coisas que o Ronaldo fazia, eu acabo buscando
muito o Ronaldo, eu não consigo me envolver com outras pessoas, eu nem olho as
outras pessoas. Pra mim ele, o beijo é o melhor, o sexo é o melhor,[...]” (1ª Sessão)
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d. Déficit em variabilidade comportamental da cliente no aspecto social
d1. Cliente colocava o seu ex-companheiro como sua única fonte de reforço
A cliente não conseguia ver outras coisas como prazerosas, que não o ex-companheiro.
“C: De eu não conseguir ver prazer em nada a não ser nele.” (3ª Sessão)
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d3. Déficit de emissão de comportamentos de busca por outros reforçadores sociais
A cliente apresentava dificuldades em buscar novas possibilidades de reforços sociais em
novos contextos.
“C: A minha vida social, eu não tenho mais vida social, e eu não consigo ficar conversando
com ninguém” (3ª Sessão).
Análise funcional
Foi possível perceber através das falas da cliente que determinadas contingências presentes na sua
história de vida resultaram em punições e estímulos aversivos, os quais modelaram um repertório
comportamental de tentativas de esquiva e fuga do relacionamento dependente observado entre a
cliente e seu ex-companheiro, pois a cliente em seus relatos, desde a primeira sessão, demonstrou
querer romper o vínculo afetivo ainda existente. Entretanto, percebeu-se que tais comportamentos
não estavam suficientemente instalados, já que o ex-companheiro apresentava intermitentemente
reforçadores, mantenedores dos comportamentos dependentes da cliente, o que ficou bastante
evidente nas ligações telefônicas, mensagens de celular e contatos frequentes que eles costumavam ter.
Foi possível, ainda, observar que a cliente, mesmo após sua separação, continuava sendo submetida
à violência psicológica. De acordo com a Lei 11.340 (Brasil, 2006), conhecida como Lei Maria da
Penha, a violência psicológica contra mulher é “entendida como qualquer conduta que cause dano
emocional e diminuição da auto-estima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento
ou que vise degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças, decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro
meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
A violência psicológica sofrida pela cliente tinha como agente da agressão seu ex-companheiro,
através, por exemplo, de insinuações e manipulações. Pode-se inferir que o ex-companheiro exercia
controle sobre a cliente a partir do esquema de reforçamento intermitente, no qual o reforço é
liberado apenas para algumas respostas e não para outras.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Bastos . Santos . Stein
Objetivos Terapêuticos
100
No estabelecimento dos objetivos terapêuticos para a cliente o foco foi a ampliação ou construção
do repertório comportamental (Goldiamond, 2002/1974), não se restringindo às queixas iniciais da
cliente. Os principais objetivos terapêuticos para o caso em questão foram: reforçar positivamente
os relatos da cliente que indicassem aceitação e adaptação às contingências em vigor, estimular a
cliente a discriminar e relatar seus eventos privados fomentando assim o autoconhecimento,
estimular o aumento na frequência do comportamento assertivo no repertório da cliente, estimular
o aumento da frequência dos comportamentos indicativos de melhora em relação à dependência
afetiva, os quais incluem aumento da frequência dos seguintes comportamentos: auto-estima, autoresponsabilidade, aceitação do fim do relacionamento afetivo com o ex-companheiro, discriminação
do comportamento manipulador do ex-companheiro, variabilidade comportamental relacionada à
busca por novos reforçadores sociais etc.
Resultados e discussão
O número de sessões realizadas parece ter sido suficiente para implementar algumas mudanças
nos repertório comportamental da cliente. Foi possível observar a emergência gradual de
comportamentos saudáveis e a consequente redução da frequência de comportamentos considerados
problemas em relação ao início da terapia, o que parece estar correlacionado com a gradativa melhora
da dependência afetiva da cliente em relação ao seu ex-companheiro, o alcance de suas metas, etc.
Dentre os comportamentos saudáveis convém destacar:
a. Autoconhecimento: a cliente passou a discriminar e descrever melhor seus comportamentos
e as variáveis das quais eles eram função. De fato, foi possível observar ao longo das sessões
o aumento gradual da frequência de relatos da cliente sobre si mesma acompanhados pela
redução da frequência de relatos sobre seu ex-companheiro. Acredita-se que isto também
possa ter começado a ocorrer em outros ambientes aos quais a cliente se expunha fora do
consultório mediante o processo de generalização. Isto está em consonância com as ideias
de (Skinner, 1982/1974) que afirma que “uma pessoa que se ‘tornou consciente de si mesma’
por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar o
seu próprio comportamento” (p. 31).
Além disso, a partir do questionário utilizado na última sessão (follow up) com perguntas
referentes a habilidades e ganhos adquiridos durante a relação terapêutica, foi possível
observar que a cliente conseguiu discriminar muitos comportamentos saudáveis em seu
repertório, tendo atribuído os mesmos ao seu engajamento na terapia. Portanto, a cliente
pontuou diferenças entre o começo e o fim da terapia, já que foi capaz de perceber sua
evolução no decorrer do mesmo, fazendo distinção entre o antes e o depois da mesma. A
paciente identificou comportamentos como autocontrole, confiança e segurança em suas
decisões, comportamentos estes pouco frequentes no início do atendimento terapêutico.
b1. Autorresponsabilidade e comportamento dirigido a metas: a cliente relatava que não
conseguia se concentrar em sua própria vida, se dedicar as suas atividades e metas devido
ao controle que o ex-companheiro exercia sobre a mesma. Mas, a partir de um determinado
momento do processo terapêutico ela começou a emitir com maior frequência comportamentos
saudáveis relacionados à sua vida acadêmico-profissional, tendo iniciado um estágio e passado
a se dedicar mais à faculdade. Ela afirmou: “C: Tenho que pensar em mim, em mim, em mim”
(5ª Sessão)
“C: Era primeiro ele, segundo eu, terceiro eu, agora é primeiro eu, segundo eu, terceiro eu...”
(11ª Sessão)
“C: Agora eu tô percebendo que eu não preciso dele, eu tô conseguindo tudo que eu tô
querendo, eu tô tranquila... eu tô longe assim, longe do meu coração, eu sem tá com o
pensamento nele, vou levando a minha vida e talvez se eu tivesse com ele eu não teria
nem conseguido. (...)”. (11ª Sessão)
b2. Aumento da variabilidade comportamental em áreas da vida que não envolvem a presença
do ex-companheiro: nas primeiras sessões, era bastante evidente o fato de que a cliente
Bastos . Santos . Stein
Comportamento em Foco 4 | 2014
b. Melhora da dependência afetiva em relação ao seu ex-companheiro: verificou-se que a
cliente, ao longo do processo terapêutico, passou a identificar que estes comportamentos
problemas produziam consequências aversivas para ela. Assim, contingências terapêuticas
foram programadas para a construção de comportamentos alternativos no repertório da
cliente que pudessem produzir reforçamento positivo tais como auto-responsabilidade e
comportamento dirigido a metas, aumento da variabilidade comportamental em áreas que
não envolvessem a presença de seu ex-companheiro, discriminação do comportamento
manipulador do mesmo, aceitação do fim do relacionamento com este e emissão de
respostas de fuga/esquiva de contato com o ex-companheiro.
101
priorizava o ex-companheiro em detrimento a ela mesma, sua família, sua filha, seus amigos
e suas atividades acadêmicas e profissionais. Esta tendência a se tornar “viciada” pelo (ex)
companheiro, em “viver pelo outro”, costuma ser mais frequente nas mulheres, uma vez que,
estas costumam priorizar o relacionamento amoroso em sua vida, abrindo mão de outros
interesses e atividades antes valorizados. De fato, com relação à dependência afetiva ou amor
patológico, pode se dizer, de acordo com a literatura (Sophia et al, 2007) que este padrão de se
relacionar pode acometer homens e mulheres, porém, parece que sua prevalência é maior na
população feminina. Entretanto, ao longo da terapia a cliente ampliou sua rede social incluindo
amigos da igreja, conseguiu um estágio e aumentou sua dedicação à faculdade.
b3. Identificação do comportamento manipulador do ex-companheiro: nas primeiras sessões, a
partir dos relatos da cliente, notava-se o quanto a cliente estava sob controle das manipulações
realizadas pelo ex-companheiro; no decorrer das sessões, porém, a cliente passou a considerar os
comportamentos do ex-companheiro e percebê-los como manipuladores e adquiriu repertórios
de contra-manipulação usando-se o Modelo Construcional de Goldiamond (2002/1974).
“C: Vou colocar uma pedra, porque eu já vi que o Ronaldo não mudou, o Ronaldo é um
insensível, o Ronaldo é muito egoísta, porque ele não pensa nem nos filhos, não adianta
que ele não pensa”. (9ª Sessão).
Comportamento em Foco 4 | 2014
Bastos . Santos . Stein
b4. Aceitação do fim do relacionamento: como já fora dito na categoria de “discriminação da
dificuldade de aceitação do fim do relacionamento”, a cliente primeiramente identificou a sua
dificuldade, e a partir dessa discriminação foi possível programar contingências eficazes para que
esse comportamento fosse emitido. Portanto tais comportamentos foram emitidos nas sessões
finais do atendimento. Esta discriminou que o seu relacionamento com o ex-companheiro
de fato acabou. No momento da sua emissão, os relatos indicadores da aceitação do fim do
relacionamento da cliente com seu ex-companheiro foram reforçados. Vale ressaltar que o
progresso neste comportamento foi decisivo para o progresso da cliente no comportamento
indicativo de melhora de sua dependência afetiva.
“C: Então eu resolvi colocar uma pedra na minha história com o Ronaldo, o Ronaldo como
homem pra mim, (...) como meu marido, eu não quero, (...) nem como meu amigo.” (9ª
Sessão)
102
b5. Respostas de fuga/esquiva de contato da cliente com o ex-companheiro
Nas primeiras sessões o contato da cliente com o ex-companheiro era bastante frequente, as
ligações e mensagens no telefone eram praticamente diárias. Porém, a partir da 5ª sessão, a
cliente começou a emitir comportamentos de fuga/esquiva destes contatos.
“C: (...) nenhum momento antes eu diria ah, não sei se... lembra quando eu falei pra vocês, “ah
não sei se eu dou uma chance, vou chamar o Ronaldo, bora conversar, bora voltar”, não,
não sinto a mínima vontade”. (11ª Sessão)
As pessoas em situação de dependência afetiva ou amor patológico, geralmente, se dedicam e se
entregam a alguém não merecedor de seus sacrifícios. Estas situações costumam envolver uma falta
de reciprocidade e isto pôde ser observado no comportamento da cliente, uma vez que não havia
equilíbrio entre o dar e o receber no seu relacionamento com o ex-companheiro: o amor e cuidados
prestados por ela ao ex-compannheiro não eram recíprocos, pois este se aproveitava de tal zelo e
muitas vezes manipulava a cliente para que esta agisse de acordo com as vontades e imposições dele.
Infere-se que a dedicação e entrega excessiva da cliente poderiam estar sendo mantidas pelo
reforço intermitente liberado pelo seu ex-companheiro sob a forma de atenção em alguns momentos.
Esta afirmação estaria de acordo com Sophia, Tavares e Zilberman(2007) que diz ser o amor
patológico mantido, apesar dos problemas pessoais, familiares e profissionais – mesmo consciente
dos danos decorrentes desse comportamento para sua qualidade de vida, persiste a queixa de não
conseguir controlar a conduta patológica. A característica apontada pela autora relaciona-se com
o comportamento apresentado pela cliente uma vez que a mesma chegou a sofrer agressão física
do ex-compaheiro, além de sofrer violência psicológica, através de insinuações e manipulações
ainda durante o atendimento terapêutico. Mesmo sofrendo tais agressões, muitas vezes a mesma se
considerava culpada por ter aberto mão da sua família, chegando, em diversas situações, a cogitar
reatar o seu relacionamento com o ex-companheiro. Isto corrobora a ideia de que mesmo que o
amor patológico cause danos a qualidade de vida da pessoa, esta não consegue exercer o controle da
conduta patológica.
Considerando-se que o presente trabalho foi realizado com apenas uma mulher adulta, recomendase cautela na utilização de seus resultados, ressaltando-se que os mesmos não devem ser generalizados
para um número maior de indivíduos. Tendo em vista os limites impostos pelas regras da clínica
escola que inviabilizaram o prolongamento do tratamento psicológico da paciente, sugere-se uma
duração mais longa do atendimento psicoterápico individual para casos de mulheres em situação de
dependência afetiva dada a complexidade dos quadros.
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Relatos sobre comportamentos associados à manutenção da perda de peso em
famílias após intervenção comportamental
Doralice Oliveira Pires Dias 1
Larissa Andrade Bento
Sônia Maria Mello Neves
Ricardo Rodrigues Borges
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Resumo
O prognóstico do tratamento comportamental para perda de peso pode ser diferente para
adultos e crianças, isso devido a questões metabólicas. Insatisfação com o peso, sedentarismo, falta
de vigilância do peso corporal e tendência a comer para regular o humor são comportamentos
associados ao fracasso da manutenção da perda de peso. Diante disso, esse estudo avaliou os
resultados de sete famílias submetidas ao tratamento da obesidade de base familiar após seis meses
do encerramento do programa. Participaram desse estudo sete cuidadores e dez crianças. Todos
responderam um questionário com perguntas que foram relacionadas às seguintes categorias: peso,
histórico, mudanças na rotina, meta e motivação, técnicas aprendidas utilizadas e efeitos de outras
variáveis. Os resultados apontaram que todas as crianças perderam ou mantiveram o peso desde o
final do tratamento, o mesmo aconteceu com cinco dos sete cuidadores. As crianças apresentaram
melhores resultados de manutenção, corroborando com a literatura. Avalia-se que, em vista dos
dados obtidos, torna-se crucial concentrar esforços no tratamento da obesidade infantil enquanto
prática preventiva.
1 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Palavras-chave: intervenção comportamental, obesidade, manutenção de peso, crianças, adultos
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Comportamento em Foco 4 | 2014
Dias . Bento . Neves . Borges
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A obesidade é considerada uma epidemia mundial presente tanto em países desenvolvidos quanto
subdesenvolvidos. Observou-se nos últimos anos alta prevalência da obesidade e o rápido aumento
do problema em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras, com um predomínio dos
grandes centros urbanos em relação aos pequenos municípios interioranos.
Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 realizada pelo IBGE com crianças entre 5
e 9 anos em todo o Brasil apontam que 34,8% dos meninos estão com sobrepeso e 16,6% delas estão
com obesidade. Entre as meninas, os números são menos expressivos, porém não menos graves: 32%
de obesidade e 11,8% de sobrepeso, perfazendo um total de 43,8% (Brasil, 2010)
Essa situação é alarmante principalmente pelo impacto causado na vida dos indivíduos portadores
dessa disfunção. Além de uma considerável redução na expectativa e qualidade de vida, há efeitos
devastadores tanto na vida social quanto na saúde psicológica do obeso.
A obesidade também causa uma série de complicações na saúde, sendo observadas complicações
cardiovasculares, respiratórias, digestivas, ortopédicas, endócrinas e até mesmo o aumento da
predisposição ao câncer (Francischi et al., 2000).
Segundo Dyer (1994), devido ao enorme número de pessoas em risco, a prevenção deveria ser uma
prioridade. No entanto, diante das complicações derivadas da obesidade, o tratamento é requerido
para reduzir o risco de morte e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos.
Dentre as intervenções tradicionais utilizadas no tratamento da obesidade tanto para adultos
quanto para crianças, têm-se o tratamento nutricional, farmacológico, psicológico, cirúrgico
(restrita a adultos) e atividades físicas. Esses tratamentos aplicados isoladamente são limitados
e não atingem resultados satisfatórios a curto e longo prazo (Dyer, 1994; Francischi et al., 2000;
Moreira & Benchimol, 2006).
Dyer (1994) complementa que a abordagem convencional do tratamento dietético sugere que
as mudanças necessárias são apenas temporárias, o que levaria a uma rápida recuperação do peso
perdido. O mesmo autor reconhece ainda a importância de acoplar ferramentas de motivação
aos conhecimentos nutricionais visando a manutenção das mudanças a longo prazo, bem como a
desconstrução da ideia de restrição e sofrimento atrelados à dieta.
Sobre o uso de drogas, os efeitos colaterais, o alto custo e benefícios mantidos apenas em curto
prazo tornam o uso viável apenas em situações de extrema morbidade. Assim também é considerado
o tratamento cirúrgico. Devido aos riscos do procedimento, o mesmo é recomendado apenas em
casos de obesidade mórbida. Ademais, há chances de que após a cirurgia os pacientes recuperem
parte do peso perdido por não aderirem às recomendações nutricionais e às outras mudanças de vida
(Marchesini, 2010).
Já sobre o exercício físico, Dyer (1994) salienta que poucos obesos são capazes de perder uma
quantidade de peso suficiente para o equilíbrio do corpo apenas como resultado de um déficit de
energia induzido por exercício físico. No entanto, os exercícios podem ter um papel importante
na prevenção de recaídas e reganho do peso, sendo assim um fator relevante para manutenção
Dias . Bento . Neves . Borges
Comportamento em Foco 4 | 2014
quando utilizado em programas multidisciplinares comportamentais (Grave, Calugi, Centis, Ghoch
& Marchesini, 2011)
Tratamentos multidisciplinares comportamentais que integram modificação do comportamento,
dieta e educação física são a pedra angular do tratamento da obesidade e tem se mostrado efetivos.
Tipicamente, duram de 10 a 20 semanas e envolvem o ensino de princípios para o controle do
hábito de comer, estabelecimento de objetivos, registros de pensamento disfuncionais, alimentares
e de exercícios, psicoeducação, análise funcional, análise motivacional (analisar as razões pessoais
que movem a intenção de perder peso), educação nutricional e controle de estímulos. (Bieling,
McCabe, & Antony, 2008; Fabricatore, & Wadden, 2003; Guerreiro, 2007; Heller & Kerbauy, 2000).
Os indivíduos tipicamente perdem de 5 a 15% do peso, o que já é suficiente para melhorar a saúde
(Anderson, Simmons & Milnes, 2005).
Contudo, a manutenção do peso perdido é um dos problemas proeminentes no tratamento da
obesidade. Resultados melhores são encontrados em estudos que aplicam tratamento comportamental
baseado na família, em que pais e crianças participam juntos, e os pais podem ajudar no controle
do peso da criança e/ou também objetivam controlar o próprio peso (Epstein, Paluch, Roemmich &
Beecher, 2007).
Os fracos resultados de manutenção são encontrados principalmente em adultos, que podem
recuperar metade do peso perdido após um ano e 80% do peso ou mais por um período de cinco
anos após o tratamento (Byrne, Cooper e Fairburn, 2003; Anderson, Simmons & Milnes, 2005).
O estudo de Espstein, Valoski, Wing e McCurley (1990) demonstrou que o prognóstico de
tratamento comportamental pode ser diferente para adultos e crianças. Tal fato pode se justificar tanto
por questões metabólicas, como também pelo fato de as crianças terem histórias curtas de hábitos que
pode levar ao balanço energético positivo (maior ingestão de calorias e menor gasto calórico).
No estudo de Epstein et al. (1990) foram selecionadas 66 crianças de 6 a 12 anos e seus pais. Os
participantes foram distribuídos randomicamente em três grupos assim organizados: grupo 1 –pais
e crianças eram alvos das intervenções para mudar comportamentos e perder peso, grupo 2 –apenas
as crianças eram alvo das intervenções, e grupo 3 – as pessoas alvo não foram especificadas (famílias
acima do peso em que crianças e pais eram reforçados apenas por comparecerem às reuniões). A
todas as famílias foram oferecidos 15 encontros e aos três grupos foram dadas informações idênticas
sobre dieta, exercício e princípios comportamentais. Todas as famílias participaram de seis encontros
adicionais distribuídos nos seis meses seguintes. Depois foram realizados encontros de follow-up,
após 21 meses, 60 meses e 120 meses.
Os autores descrevem que as crianças do grupo 1 alcançaram melhores resultados no tratamento,
e também no follow-up. No entanto, maiores diferenças entre os grupos se atenuaram entre 21 a
60 meses. Durante esse período, as crianças do grupo 2 e 3 ganharam mais peso do que cresceram
resultando em sobrepeso.
Crianças do grupo 1 mostraram uma diminuição no percentual do sobrepeso da linha de base até
de 5 a 10 anos (-7.0%), enquanto crianças dos grupos 2 e 3 apresentaram aumento do percentual de
gordura a partir de 5 anos (+ 4.7% e +13.6%, respectivamente).
Epstein et al. (1990) descrevem que no final do tratamento, os pais de todos os grupos apresentaram
diminuição significativa do peso. Contudo, esses efeitos não persistiram após 5 anos, como aferido
no follow up. Após 10 anos, foi observado aumento do sobrepeso em relação à linha de base.
O fato de as crianças no grupo 1 manterem a redução do porcentual de sobrepeso até o follow up
enquanto seus pais recuperaram o peso sugere que a modelação do comportamento de comer e de
praticar exercícios físicos pode não ter sido um dos mecanismos responsáveis pela manutenção dos
resultados. Os autores apontaram que novas variáveis começaram a influenciar o comportamento
alimentar e de prática de exercícios físicos ao longo do tempo, por exemplo, o fato de as crianças ao
crescerem tenderem a diminuir o tempo de convivência com os pais. Os autores também entenderam
109
Comportamento em Foco 4 | 2014
Dias . Bento . Neves . Borges
110
que os comportamentos dos pais podem ter sido importantes na aquisição das habilidades, mas a
falha dos pais em manter os comportamentos reguladores do peso não influenciou adversamente o
comportamento dos filhos. Novas variáveis, como influência dos pares e atração pelo sexo opostos,
podem ter sido mais salientes no controle do comportamento das crianças.
O estudo acima aponta a necessidade do tratamento precoce da obesidade até como meio de
prevenção. Os autores demostraram que crianças, quando participam de treinamento junto com seus
pais, podem manter o peso saudável até a idade adulta. A investigação leva também a observação de
que o grande desafio não é só demonstrar os efeitos do tratamento enquanto ele está em vigor, mas
também mostra efeitos mesmo após a sua remoção. (Epstein, Roemmich & Raynor, 2001).
Anderson et al., (2005) descrevem alguns fatores que podem influenciar a recuperação do peso após
o tratamento da obesidade, como: mecanismos fisiológicos, cognitivos, comportamentais e ambientais.
Os mecanismos fisiológicos demonstram uma tendência de levar o corpo a repor a gordura antes
armazenada. Os aspectos cognitivos são relacionados a altas expectativas sobre a quantidade de peso
a ser perdida, como também, a avaliação negativa que considera discrepante os esforços para perder
e manter peso e os resultados obtidos. Sobre os fatores comportamentais, tem-se a ausência de ensino
de estratégias comportamentais para manutenção do peso, habilidades essas consideradas diferentes
dos comportamentos direcionados a perder peso, e a diferença do contexto de manutenção. No
contexto de perda de peso, os esforços são direcionados a um tempo limitado (fazer uma deita para
perder 3 kg) enquanto a manutenção implica em um processo ao longo da vida. Por último, deve-se
considerar a influência do ambiente que, além de continuar obesogênico (fastfoods, propagandas,
facilidades dos industrializados) pode ser marcado pela falta de valorização social (e.g. elogios)
comuns durante a fase da perda de peso (Anderson, Simmons & Milnes, 2005).
Byrne et al., (2003), através de um estudo qualitativo, pesquisaram os fatores associados a
manutenção e recuperação de peso em 76 mulheres de idades entre 20 e 60 anos. As participantes
foram divididas em três grupos: as que mantiveram o peso (grupo 1), as que recuperam o peso
(grupo 2) e as que sempre apresentaram peso saudável estável, isto é, nunca apresentaram sobrepeso
(grupo 3). Foram realizadas entrevistas com todos os grupos sobre a história do peso.
Nos grupos 1 e 2, foram realizadas perguntas sobre tentativas de perda de peso, resultados de perda
de peso e subsequente trajetória do peso, e fatores que elas julgavam influenciar na manutenção
ou recuperação do peso. Em mulheres com peso saudável estável, foram investigadas as estratégias
usadas para manter o peso. As respostas foram categorizadas em três fatores associados ao controle
do peso: fatores comportamentais, cognitivos e afetivos.
Observou-se uma clara diferença entre as mulheres que mantiveram o peso e as que recuperaram no
que se refere aos fatores comportamentais. Foram relatadas distinções referentes à escolha e controle
alimentar, nível de atividade física e monitoramento do peso. As mantenedoras continuaram a seguir
uma dieta equilibrada, a praticar exercícios físicos e a auto monitorar o peso. Já as que recuperaram
o peso falharam em sustentar qualquer um desses comportamentos. As participantes do grupo 1,
ao contrário do grupo 2, informaram responder rapidamente a qualquer sinal de ganho de peso,
reduzindo a ingestão alimentar e aumentando o nível de atividade física.
Em relação aos fatores cognitivos, as mantenedoras e as que recuperaram o peso se diferenciaram
em cinco aspectos, foram eles: objetivos, importância de estar em forma e auto avaliação do peso,
vigilância, pensamento dicotômico e enfretamento de eventos da vida percebidos como negativos.
Sobre os objetivos, a maioria das mantenedoras informou sentir-se satisfeita com o novo peso, o
que não aconteceu com as que recuperaram (e em alguns casos, apesar de terem atingido a meta).
Em relação à importância de estar em forma e auto avaliação do peso, foi percebido que a maioria
das que recuperaram o peso reportaram que o mesmo influencia indevidamente sua autoestima e
descreveram um alto grau de preocupação com sua forma física. Mulheres que mantiveram o peso
e as que sempre apresentaram peso saudável estável demonstraram dar menos importância ao peso
e forma.
Já sobre a vigilância, a maioria das mantenedoras relatou permanecer vigilante em relação ao
peso e ingestão alimentar. De acordo com as participantes, os benefícios da manutenção superam o
esforço envolvido. Em contraste, a maioria das mulheres do grupo 2 sentiu que o esforço envolvido
na manutenção do peso não valia à pena, especialmente porque elas não haviam alcançado os seus
objetivos de peso. Para as mulheres com peso estável, o controle do peso não é tido como difícil.
O pensamento dicotômico foi observado mais em pessoas que recuperam o peso do que nas que
mantiveram o peso ou apresentaram peso estável. Mulheres que recuperaram o peso falaram sobre
o comer, peso e forma em termos dicotômicos, o que evidenciava que esse erro cognitivo refletia seu
padrão de pensamento.
A maioria das participantes relatou a ocorrência de eventos negativos na vida desde que perderam
peso. No entanto, as que mantiveram se diferenciaram das que recuperam o peso na maneira como
enfrentaram os problemas, enquanto as últimas recorriam ao comer em excesso, as participantes que
mantiveram ou apresentaram peso estável demonstraram sustentar os padrões equilibrados de se
alimentar frente às dificuldades.
Sobre os fatores afetivos, sobressaiu-se dentre os relatos do grupo 1 o comer em excesso para
regular o humor ou distrair-se de pensamentos ou sentimentos desconfortáveis.
Tendo em vista a discussão trazida pela literatura sobre comportamentos associados a manutenção
do peso, e a esperança fomentada pelos resultados atingidos através do tratamento comportamental
baseado na família, os objetivos desse estudo foram: mensurar a manutenção dos resultados de uma
intervenção multidisciplinar baseada na família passados seis meses do seu fim, e identificar, a partir
de relatos verbais, os comportamentos associados a manutenção do peso.
Método
Participantes
O presente estudo foi realizado com sete famílias, sendo que três delas eram compostas por um
cuidador e duas crianças. Seis dos cuidadores pertenciam ao sexo feminino e um ao sexo masculino.
Das dez crianças que aderiram ao presente estudo, três eram do sexo feminino e sete do sexo
masculino. A idade dos cuidadores variava de 34 a 51 anos e das crianças entre 7 e 12 anos.
No início do programa de intervenção multidisciplinar, de acordo com a classificação de Índice
de Massa Corporal – IMC, cinco cuidadores estavam com sobrepeso e dois com obesidade. Já em
relação às crianças, oito estavam com sobrepeso e duas obesas.
O estudo foi realizado em uma escola conveniada ao Estado e foram utilizados equipamentos
como mesas, cadeiras, papéis, canetas, lápis, uma balança calibrada (Welmy) com estadiômetro e um
questionário contendo 25 questões semi estruturadas (Tabela 1)
Dias . Bento . Neves . Borges
Comportamento em Foco 4 | 2014
Materiais/ Ambiente
111
Tabela 1
Questionário de follow-up
Questões
1. Você emagreceu, manteve ou engordou depois do termino do grupo terapêutico? E seu filho?
2. Você conseguiu manter alguma mudança na rotina que te levou a perder, manter ou ganhar de peso?
Quais foram? E seu filho?
3. Caso você ou seu filho tenha engordado novamente, você considera que foi falha do programa? O que você
acha que deveria ter sido trabalhado? O que ficou faltando no tratamento?
4. Você ou seu filho se submeteu a algum outro tratamento de emagrecimento após o termino do grupo
terapêutico?
5. O que você acha que foi mais eficaz para você e para o seu filho durante o tratamento? Você ainda utiliza
as técnicas ou conhecimentos que aprendeu? De que técnicas você se lembra?
6. Você ou seu filho ainda faz uso do registro alimentar? (Essa é pra confirmar, caso ele não a cite na resposta
anterior?
7. O que você acha que aconteceu de importante na sua vida ou na vida do seu filho que te ajudou ou não a
manter o seu peso?
8. O que você acha que falta na sua vida ou na vida do seu filho para voltar a perder ou manter peso?
9. Qual o motivo que você e seu filho tinham na época que levou vocês a participar do programa e obter
resultados de perda de peso? Esse motivo ainda existe?
10.Você e seu filho participariam de outro programa de emagrecimento tal qual você participou?
11. O que você acha que poderia ter sido diferente no programa?
12. Se você fosse participar de um outro tratamento para emagrecer, você escolheria participar de um
tratamento individual ou em grupo?
13. Você acha que o apoio dos colegas e o apoio do terapeuta foi importante durante o seu tratamento e de
seu filho?
14. Você ou seu filho tinham uma meta pessoal quando ingressaram no programa? Atingiram a meta de
perda de peso desejada no final do programa?
15. Qual é o seu ideal e do seu filho em termos de peso hoje? Você acredita que vocês podem atingir esta
meta? Como isso pode acontecer?
16.O que você acha que você e seu filho precisam mudar para conseguir um resultado melhor?
17. Como você se sente em relação ao resultado que você obteve no tratamento? Foi muito difícil emagrecer?
Valeu a pena o esforço?
18. Você e seu filho mudaram a alimentação? O que é diferente hoje do que era antes do tratamento? Vocês
modificaram a forma de comer [se comem sentados à mesa ou na frente da TV, por exemplo] e qual a
frequência [quantas refeições por dia]?
19.Vocês fazem exercícios físicos hoje?
20.Até quando você acha que você e seu filho devem manter uma dieta de baixa caloria e fazer exercícios?
21. Alguém no seu meio social percebeu as mudanças que você e seu filho fizeram ou perceberam que você
e/ou seu filho emagreceram?
Comportamento em Foco 4 | 2014
Dias . Bento . Neves . Borges
22.Qual a última vez que você e seu filho se pesaram? Com que frequência você e ou seu filho se pesam?
Onde?
112
23.Você ou seu filho já conseguiram perder ou manter o peso sozinhos?
24.Você sente que você e seu filho tiveram ou tem o apoio necessário para perder ou manter o peso desejado?
Onde você acha que pode conseguir o apoio para você e seu filho conseguirem atingir a meta que desejam?
Que tipo de apoio você acredita que funciona melhor para vocês?
25.Onde você e seu filho pode conseguir apoio para conseguirem atingir a meta que desejam? Que tipo de
apoio você acredita que funciona melhor para vocês.
Procedimento
Os participantes que finalizaram o programa multidisciplinar para tratamento da obesidade,
realizado 6 meses antes do início do presente estudo, foram convocados via telefone para participar
da pesquisa. Foram necessárias três convocações para que as sete famílias participassem do estudo
de follow-up. Após esclarecimentos sobre os objetivos do estudo, as pessoas que aceitaram participar
foram convidadas a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.
O programa de intervenção ao qual haviam se submetido meses antes tinha caráter multidisciplinar
e envolvia orientações nutricionais, consultas e palestras sobre implicações da obesidade conduzidas
por um médico endocrinologista, orientações psicoeducacionais ministradas por uma psicóloga e
alunos de iniciação científica, e programa de atividade física para as crianças dirigido por alunas
concluintes do curso de fisioterapia. Foram realizados 10 encontros que aconteceram semanalmente
com duração de aproximadamente duas horas e meia cada.
Os participantes foram divididos em dois grupos, (participantes e mediadores), distribuídos
uniformemente por pareamento estatístico em relação ao IMC. No grupo de participantes, cuidadores
e crianças tinham objetivo de perda de peso, já no grupo de mediadores os pais auxiliavam no
emagrecimento das crianças. Famílias 1, 2, 3 e 4 integravam o grupo de mediadores, já as famílias 5,
6 e 7 faziam parte do grupo de participantes.
No grupo de participantes, cuidadores e crianças tinham objetivo de perda de peso. Para tanto,
recebiam as orientações nutricionais, informações sobre complicações físicas causadas pelo excesso
de peso e encontros psicoeducacionais. Nesses encontros, as crianças recebiam consequências
semanalmente através de um quadro de pontos pela perda de peso, realização de registro alimentar
semanal, tarefas de casa e o seguimento das regras estabelecidas para o bom andamento dos
encontros. As crianças foram informadas de que os pontos adquiridos poderiam ser trocados por
recompensas após o término do programa.
No grupo de mediadores, os cuidadores recebiam orientações nutricionais e palestras sobre
obesidade. No entanto, o conteúdo destas era direcionado à saúde das crianças. As orientações
psicoeducativas para os cuidadores tinham como objetivo apresentar princípios de educação de
filhos e auxiliá-los a lidarem melhor com os comportamentos de regulação do peso corporal das
crianças. Os cuidadores mediadores não recebiam pontos por presença ou por perderem peso e
também não foram solicitados a realizar registro alimentar.
O estudo de follow up consistiu primeiramente na pesagem e aferição da altura das crianças, e
somente pesagem no caso dos cuidadores. Feito isso, aplicou-se o questionário semiestruturado,
descrito na subseção Materiais/Ambiente, nos responsáveis pelas crianças.
Os resultados obtidos a partir das medidas de peso e altura e da aplicação do questionário utilizado
foram divididos em seis categorias de dados:(a) peso - questão 1, (b) histórico - questões 9 e 23, (c)
mudança na rotina - questões 2, 18, 19 e 20, (d) meta e motivação - questões 14, 15, 16, 17, 21, 24 e 25,
(e) técnicas eficazes utilizadas - questões 5, 6, 7, 12, 13 e 22, e (f) efeito de outras variáveis - questões
4, 7 e 8.
Peso
A Tabela 2 apresenta o perfil nutricional dos cuidadores e suas respectivas crianças no início, no
término e no follow up do programa de intervenção. Além da diferença entre o peso dos participantes
no início e no fim do tratamento, observou-se contrastes entre o peso mensurado no follow up e o
Dias . Bento . Neves . Borges
Comportamento em Foco 4 | 2014
Resultados
113
114
68,3
78,3
62,3
90,3
94,6
73,6
74,9
1
2
3
4
5
6
7
75,3
74
93,1
91,5
62,9
75,6
69,8
PF
0,4
0,4
-1,5
1,2
0,6
-2,7
1,5
PF – PI
71,8
78,7
91,4
93,2
61,6
71,4
68,2
PFu
-3,5
4,7
-1,7
1,5
-1,3
-4,2
-1,6
PFu- PF
-3,1
5,1
-3,2
2,9
-0,7
-6,9
-0,1
PFu – PI
20,62
23,05
22,93
38,7
56,1
55,8
21,89
52,6
26,31
22,78
40,9
50,1
19,84
21,11
32,5
29,9
23,82
21,05
39,5
53,6
IMC I7
PI
PI = Peso inicial
PF = Peso final do tratamento
PF - PI = Diferença obtida entre o peso final ao final do tratamento e o peso inicial
PFu = Peso do followup
PFu- PF = Diferença obtida entre followup e o peso ao final do tratamento
PFu – PI = Diferença obtida entre followup e o peso inicial
IMC I = Índice de Massa Corporal inicial
Perc. I = Percentil inicial
CI = Classificação do perfil nutricional inicial
IMC F = Índice de Massa Corporal ao final do tratamento
Perc. F = Percentil ao final do tratamento
CF = Classificação do perfil nutricional inicial
IMC Fu = Índice de Massa Corporal do followup
Perc. Fu = Percentil no follow up
CFu = Classificação do perfil nutricional do followup
N = Normal
S = Sobrepeso
O= Obesidades
PI
Família
Cuidador
Comportamento em Foco 4 | 2014
Dias . Bento . Neves . Borges
99
90
98
94
98
90
93
93
94
95
Perc. I
O
S
O
S
O
S
S
S
S
S
CI
52,6
54,3
40,5
32,3
30,1
49
53
54,9
41,4
40,3
PF
26,46
21,61
21,9
18,87
20,55
21,41
21,23
21,99
21,18
20,71
IMC F
99
91
98
88
98
80
87
90
95
95
Perc. F
Criança O
S
O
S
O
N
S
S
S
S
CF
56,3
58,1
44,9
33
31,3
53,1
51,3
54,6
40,9
42,2
PFu
27,2
22,1
22,9
18,1
19,7
22,2
19,5
22
20,3
20,4
IMC Fu
99
88
98
82
95
82
71
88
93
92
Perc. Fu
O
S
O
N
S
N
N
S
S
S
CFu
peso ao final do programa de intervenção e no peso mensurado no follow up e o peso quando do
início do tratamento em todos os participantes.
Tabela 2
Perfil nutricional dos participantes durante intervenção multidisciplinar para
tratamento da obesidade
Nos cuidadores, a alteração do peso foi analisada a partir da medida quilograma, já nas crianças
foi o percentil.
Como pode ser verificado na Tabela 2, o cuidador que mais perdeu peso foi o da família 2. Observase ainda que cinco cuidadores (famílias 1, 2,3, 5 e 7) continuaram a perder peso após o fim do
programa. Somente o cuidador pertencente à família 4 (mediadores) apresentou aumento de peso. O
peso do cuidador da família 6 do grupo de participantes foi desconsiderado nesta questão por estar
gestante à época do follow up.
Em relação às crianças, nota-se que três delas (criança 2 da família 2, e as das famílias 3 e 5)
conseguiram atingir percentil menor que 85, resultado indicativo de peso normal. Nota-se também
que todas as crianças emagreceram ou conseguiram manter o peso comparando-se o percentil do
final do tratamento ao percentil resultante das aferições do follow up.
Histórico
As questões que foram agrupadas na categoria histórico averiguavam os motivos que levaram os
participantes a aderirem ao programa de tratamento da obesidade.
Dentre sete cuidadores cinco responderam e das dez crianças cinco responderam (note que nas
famílias 1 e 2, são consideradas duas crianças). Dos motivos que os levaram a aderir ao programa, o
mais citado por crianças e adultos foi o fato de estarem acima do peso (Tabela 3)
Tabela 3
Motivos de crianças e cuidadores para aderirem ao tratamento
Motivos que levaram os participantes
a aderirem ao programa
Cuidadores
Crianças
2, 3 e 6
2, 3 e 6
1e7
1, 5 e 7
Saúde
4
4
Por comerem compulsivamente
5
-
Não responderam
Por estarem acima do peso
Mudanças na rotina
As questões que foram agrupadas nessa categoria abordavam assuntos relacionados a mudanças da
rotina dos participantes após terem sido submetidos ao programa.
Em relação à mudança de comportamentos apresentados pelos participantes, verifica-se que a
maioria dos cuidadores e as crianças (famílias 1, 2, 3 e 5) percebeu como mudança o fato de comer
nos horários certos, incluindo o cuidador que aumentou o peso do grupo de mediadores (família 4),
como pode ser observado na Tabela 4.
Dias . Bento . Neves . Borges
Comportamento em Foco 4 | 2014
Investigou-se ainda se, em algum momento de sua história, os participantes conseguiram perder
ou manter o peso sem auxilio de especialistas. De acordo com as respostas, as crianças das famílias
2 e 4 informaram que já conseguiram perder ou manter peso sozinhos. Em relação aos adultos,
observa-se que quatro dos sete cuidadores também conseguiram manter ou perder o peso sozinhos
(família 1, 2, 4 e 5). Os componentes da família 3 e 6 não responderam a questão.
115
Tabela 4
Mudança de comportamentos apresentadas após submissão ao programa
Cuidador
Participante
Cuidador
Mediador
Criança de
Cuidador
Participante
Criança de
cuidador
Mediador
Cuidador
Total
Criança
Total
Comer mais salada e
verduras
1
1
1
1
2
2
Comer na mesa
1
1
1
1
2
2
Atentar-se a tipos e
quantidades
1
2
1
3
3
4
Comer nos horários certos
1
4
1
6
5
7
Mudanças
Quando perguntado se, após 6 meses do término da intervenção, os mesmos cuidadores e crianças
conseguiram manter alguma mudança na rotina que os ajudaram a perder ou manter peso, todos
responderam que conseguiram manter algumas mudanças na sua rotina, que são apresentadas na
Tabela 5.
Tabela 5
Mudança na rotina citadas pelos participantes
Cuidador
Participante
Cuidador
Mediador
Criança
Participante
Criança
Mediadora
Cuidador
Total
Criança
Total
Alimentação
1
3
1
5
4
6
Horários de
alimentação
1
1
1
1
2
2
Atividades Físicas
1
1
5
3
2
8
Comportamento em Foco 4 | 2014
Dias . Bento . Neves . Borges
Mudanças
116
A maioria das crianças e cuidadores relatou mudança na rotina referente ao que aprenderam
sobre alimentação saudável (famílias 1, 2, 3 e 6). O único pai que ganhou peso foi um cuidador do
grupo mediador (família 4) e este relatou que a única mudança na rotina mantida após o término do
programa foi em relação aos “horários para alimentação” (vide Tabela 5).
A prática de atividades físicas foi outro ponto de investigação com os participantes do estudo.
De acordo com os dados obtidos, dois cuidadores do grupo de participantes (famílias 5 e 7) e três
cuidadores do grupo de mediadores (famílias 2, 3 e 4) afirmaram não praticarem atividade física.
Apenas os cuidadores das familias 1 e 6 declararam praticar alguma atividade física. Nas crianças
ocorreu o contrário, a maioria dedica-se a prática de alguma atividade física(oito crianças, famílias
1, 2, 4, 5, 6).
Os integrantes do programa foram unânimes ao responderem a questão sobre o tempo que
deveriam manter uma dieta de baixa caloria e praticar atividades físicas, declarando que esses
comportamentos devem ser um processo contínuo e por esse motivo mantido por toda a vida.
Meta e Motivação
Essa categoria tinha o objetivo de investigar as metas dos participantes no início do tratamento e a
motivação que os mesmos tinham em alcançá-las.
A Tabela 6 informa quais participantes tinham metas e quais acreditam tê-las alcançado. A
cuidadora da família 5 declarou não saber se atingiu a meta, pois não havia estipulado uma antes do
programa. A criança da família 5 também não manifestou sua meta, tampouco se a alcançou.
Tabela 6
Participantes que tinham metas, quais as alcançaram ou não
Participantes
Possuiam meta
Alcançaram a meta
Não alcançaram a meta
Cuidadores
1, 2, 3, 4, 6 e 7
1, 6 e 7
2, 3 e 4
Crianças
1, 2, 3, 4, 6 e 7
2, 3, 4 e 6
1e7
Ao serem questionados sobre o peso ideal, os cuidadores foram unânimes ao afirmarem que ainda
precisavam emagrecer para alcançar esse objetivo. No caso das crianças, percebeu-se que cinco delas
(famílias 1, 2, 3) acreditavam que ainda necessitavam perder peso, e o mesmo número informou que
precisavam somente manter o peso (famílias 4, 5, 6 e 7). Tanto adultos quanto crianças declararam
conseguir alcançar os ideais de peso sem auxilio de ajuda especializada. Exceção foi uma criança do
grupo de mediadores cujo cuidador informou que essa ainda não conseguia alcançar tal objetivo
sozinha (família 3).
As tabelas 7 e 8 apresentam as respostas dadas pelos cuidadores e crianças sobre o que ainda
precisavam fazer para alcançar melhores resultados em relação à perda ou permanência do peso.
Tabela 7
Ações que devem ser adotadas pelos cuidadores para obter melhor resultado
Como atingir meta
Participante
Mediador
Total
Atividade física
1
1
2
Mudança de hábito alimentar
1
1
2
Acompanhamento nutrição
1
0
1
Horário de trabalho regular
1
0
1
Determinação
1
3
4
Mais disciplina
0
1
1
Não informou
0
3
3
Como atingir meta
Participante
Mediador
Total
Cuidador supervisionar o comer
2
1
3
Esforço
0
1
1
Mudança de hábito alimentar
2
0
2
Atividade física
2
0
2
Não informou
2
1
3
Em relação às dificuldades para emagrecer, todos os cuidadores e crianças responderam que não
encontraram dificuldades no processo. Apenas o cuidador da família 1 afirmou não estar satisfeito
com os resultados obtidos durante o programa. Vale ressaltar que, ao se comparar a aferição de peso
ao final do tratamento e no follow up, esse cuidador perdeu peso. Todas as crianças estavam satisfeitas
com os resultados alcançados no decorrer do programa.
Dias . Bento . Neves . Borges
Comportamento em Foco 4 | 2014
Tabela 8
Comportamentos que as crianças precisam para alcançar melhores resultados
117
Todos os cuidadores e crianças afirmaram que alguma pessoa do seu meio social percebeu as
mudanças de comportamentos relacionadas ao comer e também observaram que os participantes do
programa estavam mais magros.
Quando investigada a necessidade de apoio para o alcance do peso desejado, cinco cuidadores
(famílias 1, 3, 4, 5 e 7) afirmaram que possuiam esse apoio. Fato esse ocorrido também com as seis
crianças (famílias 1, 3, 4, 5 e 7) que responderam à questão.
Técnicas eficazes utilizadas
Verifica-se que os participantes não conseguiram identificar nenhuma técnica além do registro
(cuidadora da família 5), mas identificaram o que eles consideram como mais importante do que foi
ensinado durante o programa de tratamento como demonstra a Tabela 9.
Tabela 9
Elementos mais importantes para a perda de peso ensinado durante o programa
Comportamento em Foco 4 | 2014
Dias . Bento . Neves . Borges
Mais importante
no programa
118
Cuidador
Participante
Cuidador
Mediador
Criança
Participante
Criança
Mediador
Cuidador
Total
Criança
Total
Conscientização
2
3
0
2
5
2
Mudança de hábito
alimentar
1
2
2
0
2
2
Orientação sobre
alimentos
0
2
1
2
2
3
Palestras
2
1
0
0
4
0
Equipe multidisciplinar
1
1
0
0
2
0
Observa-se que para os cuidadores o elemento mais importante que foi ensinado durante o
programa foi a conscientização, mencionada por cinco participantes (famílias1, 2, 3, 5 e 6). Já a
maioria das crianças apontou a orientação sobre os alimentos como o ponto mais importante (três
crianças, famílias 1 e 5).
Como os participantes não conseguiram identificar nenhuma técnica que fora eficaz, perguntou-se
sobre a utilização do registro alimentar com o intuito averiguar sua frequência de uso após o término
do programa. Somente a cuidadora da família 5 (grupo de participantes) afirmou ainda utilizar o
registro alimentar. A participante está no grupo dos que perderam peso.
Quando verificado junto aos cuidadores e crianças sobre a preferência de um tratamento individual
ou grupal, somente a criança e o cuidador da família 3 responderam que se fossem participar de
outro tratamento para emagrecer, gostariam de ser submetidos a ambos (individual e grupo). A
família 3 pertencia ao grupo de mediadores e perdeu peso. O cuidador do grupo de mediador que
engordou disse que preferiria participar de um tratamento em grupo.
Em relação ao tipo de apoio mais importante, se o dos colegas ou do terapeuta, pode-se verificar
respostas opostas apresentadas por cuidadores e crianças. A maioria dos adultos (famílias 3, 4 e 5)
ressaltou o apoio do terapeuta como mais importante. Dois cuidadores (famílias 1 e 7) afirmaram ser
importante o apoio de ambos e os cuidadores das famílias 2 e 6 destacaram a importância do apoio
dos colegas de tratamento. Dentre as crianças, seis (famílias 1, 2, 6, 7) informaram ser o apoio do
terapeuta e dos colegas de igual importância para a eficácia do tratamento. Por outro lado, quatro
crianças (famílias 3, 4 e 5) apontaram como mais importante o apoio do terapeuta.
A Figura 1 apresenta dados sobre a frequência em que cuidadores e crianças normalmente se
pesavam após o termino do programa. Na análise dos dados não foram encontradas diferenças
relevantes em relação a frequência de pesagem de participantes do grupo de participantes e de
mediadores.
6
Cuidador
Criança
5
4
3
2
1
0
2-3 x p/s
Toda
semana
15 em 15
dias
1 x por
mês
3 em 3
meses
raramente
Figura 1
Frequência que os participantes se pesam
Observa-se que os cuidadores se pesavam, em sua maioria, de duas a três vezes por semana
(famílias 1 e 2) ou uma vez por mês (famílias 6 e 7). Nas respostas das crianças verifica-se que a
maioria se pesa raramente (famílias 3, 5, 6 e 7) ou uma vez por mês (família 2). O critério para que
os participantes fossem incluídos na categoria raramente é terem se pesado com frequência inferior
a duas vezes depois da finalização do programa. O cuidador que engordou do grupo de mediador
(família 4), se pesava a cada 15 dias.
Essa categoria tinha como função investigar o efeito de outras variáveis que influenciaram de
alguma maneira os resultados após o término do tratamento.
Buscou-se verificar se os participantes se submeteram a algum tipo de tratamento de emagrecimento
após o término do programa. Três crianças afirmaram terem se submetido a tratamento com médico
endocrinologista (famílias 1 e 4) e uma criança informou ter se submetido à psicoterapia (família
3), porém sem finalidade de perda de peso. Em relação aos cuidadores, somente dois informaram
terem se submetido a algum tipo de tratamento após o encerramento do programa. O cuidador da
família 5 procurou um nutricionista e o da família 3 um psicólogo, porém o último afirmou que o
foco principal do tratamento não era a perda de peso. O cuidador que engordou (família 4) não se
submeteu a o outro tratamento de emagrecimento após a finalização do programa.
A Tabela 10 apresenta os principais fatos, sob a ótica dos participantes do estudo, que colaboraram
ou atrapalharam na perda ou ganho de peso após o término do programa.
Dias . Bento . Neves . Borges
Comportamento em Foco 4 | 2014
Efeito de oturas variáveis
119
Tabela 10
Acontecimentos que têm relação com ou perda ou ganho de peso
Cuidador
Participante
Cuidador
Mediador
Criança
Participante
Criança
Mediador
Cuidador
Total
Criança
Total
Ajudam
Não
ajudam
Falta de
consciência
0
0
0
2
0
2
0
2
Conscientização
0
2
0
2
2
2
4
0
Se cobrar mais
1
0
0
0
1
0
1
0
Gravidez
1
0
0
0
1
0
0
1
Manter rotina
0
1
1
1
1
2
3
0
Mudança de
habito alimentar
1
1
1
1
2
2
4
0
Não respondeu
1
1
2
2
2
4
0
0
Acontecimentos
Entre os itens mais citados que colaboram para a perda de peso estão manter a rotina e mudança
de hábitos alimentares, como informados pelas crianças, e conscientização e mudança de hábitos
alimentares, como apontados pelos cuidadores. Já a falta de consciência foi apontada por um
cuidador (família 1) como motivo que atrapalhou a perda de peso dos filhos. O cuidador do grupo
de mediadores que ganhou peso (família 4) informou que o que aconteceu de mais importante na sua
vida que o ajudou em relação ao seu peso foi a conscientização.
Como pode ser verificado na Tabela 11, a maior parte dos cuidadores (famílias 2, 3 e 6) e
crianças (famílias 2, 3 e 6) não conseguiu discriminar os comportamentos que devem ser adotados/
modificados para se alcançar o peso ideal. No caso da família 1 (mediadores), a cuidadora das duas
crianças identificou a conscientização como comportamento que precisa ser adotado para se alcançar
o peso ideal. O cuidador pertencente à família 4, que ganhou peso, acredita que necessitava aplicar
técnicas do programa para obter maior eficácia.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Dias . Bento . Neves . Borges
Tabela 11 Comportamentos que precisam ser adotados para se alcançar o peso ideal
120
O que falta para
perder peso
Cuidador
participante
Cuidador
Mediador
Criança
Participante
Criança
Mediador
Cuidador
Total
Criança
Total
Aplicar técnicas do
programa
0
1
0
1
1
1
Atividade Física
1
1
1
1
1
1
Estabilidade
emocional
1
1
0
0
1
0
Vaidade
0
1
0
1
0
1
Consciência
0
0
0
2
0
2
Não sabe
0
3
3
2
3
5
Discussão
O grande desafio do tratamento comportamental da obesidade é manter a longo prazo os
resultados obtidos. Após cinco anos, os individuos submetidos ao tratamento tendem a recuperar o
peso perdido, chegando até mesmo a aumentá-loainda mais. (Anderson, Shapiro, & Lundgren, 2001;
Anderson, Simmons & Milnes, 2005; Dyer, 1994; Epstein et al., 2001).
Dias . Bento . Neves . Borges
Comportamento em Foco 4 | 2014
Juntamente aos frágeis resultados de manutenção do peso alcançados pelos tratamentos, têmse as inúmeras comorbidades da obesidade e a alta prevalência desse mal. Tal situação deveria
impulsionar cada vez mais esforços no sentido de promover sua prevenção, bem como fomentar
estudos que investiguem aspectos relacionados à manutenção do peso saudável a longo prazo
(Anderson et al.,2001; Anderson et al., 2005; Dyer, 1994; Epstein, Valoski, Wing & McCurley, 1990;
Epstein et al., 2001).
Tendo em vista os debates levantados pela literatura e os resultados apresentados pelo
tratamento comportamental baseado na família (Epstein et al., 2007), o presente estudo buscou
avaliar o efeito sobre o peso e comportamentos associados à sua manutenção em sete famílias
submetidas ao tratamento multidisciplinar da obesidade de base familiar após seis meses do
encerramento do programa.
Em relação ao peso, os resultados apontaram que todas as crianças perderam ou mantiveram o
peso desde o final do tratamento. O mesmo aconteceu com cinco dos sete cuidadores. No estudo
de Epstein et al., (1990), observou-se que imediatamente após o programa implementado por eles,
pais e crianças que tinham objetivo de perder peso conseguiram alcançá-lo. No entanto, à medida
que o follow up se estendia, as crianças mantiveram os resultados, mas os pais não. Esse fato pode
demonstrar que o prognóstico do tratamento comportamental pode ser diferente para adultos
e crianças. São tidas como hipóteses viáveis para justificar o fenômeno questões metabólicas, e a
brevidade do histórico de hábitos alimentares das crianças.
No presente estudo, os participantes responderam a um questionário e suas respostas foram
categorizadas em peso, histórico, mudanças na rotina, meta e motivação, técnicas aprendidas
utilizadas e efeitos de outras variáveis. Algumas dessas questões podem ser relacionadas a fatores
associados ao fracasso/sucesso na manutenção do peso citados nos estudos de Byrne et al., (2003) e
Anderson et al., (2005).
Anderson et al., (2005) citam como um dos fatores comportamentais que podem estar associados
com a recuperação do peso após o tratamento a ausência de ensino de estratégias comportamentais
para manutenção do peso. No presente estudo, a maior parte dos cuidadores (famílias 2, 3 e 6) e das
crianças (famílias 2, 3 e 6) não conseguiu distinguir os comportamentos que devem ser adotados/
modificados para se alcançar o peso ideal. Duas crianças de mediadores e sua cuidadora (família
1) identificaram a necessidade de conscientização. Infere-se que o que os participantes chamaram
de conscientização seria o acesso a maiores informações sobre comportamentos associados a
manutenção do peso. Apenas um cuidador acredita que necessita aplicar técnicas do programa para
obter maior eficácia na perda de peso.
Os integrantes do programa foram unânimes ao responder que deveriam manter uma dieta
de baixa caloria e praticar atividades físicas, sendo esse um processo contínuo e por esse motivo
mantido por toda a vida. Tais dados sugerem que o programa de intervenção ao qual os participantes
foram submetidos deveria ter deixado mais claro os comportamentos necessários para regulação e
manutenção do peso, ou então deveria ter sido prolongado a fim de garantir a aprendizagem.
No estudo de Byrne et al., (2003) são citados outros fatores comportamentais capazes de
influenciar na manutenção do peso, como escolha e controle alimentar, nível de atividade física e
monitoramento do peso.
No que se refere a controle alimentar, sete crianças e cinco adultos ainda se alimentam em horários
como previamente organizados. Outra mudança ocorrida após o programa e mantida ao longo dos
seis meses foi a escolha de uma alimentação saudável (famílias 1, 2, 3 e 6). Somente a cuidadora da
família 5 (grupo de participantes) afirmou ainda utilizar o registro alimentar. A participante está no
grupo dos indivíduos que perderam peso.
Em relação a prática de atividades físicas verificou-se que apenas dois cuidadores declararam
praticar alguma atividade física (famílias 1 e 6). Nas crianças ocorreu o contrário: essas, em sua
121
Comportamento em Foco 4 | 2014
Dias . Bento . Neves . Borges
122
maioria, se dedicam a prática de alguma atividades físicas (oito crianças, famílias 1, 2, 4, 5, 6). A
atividade física tem sido reconhecida pelo seu papel fundamental na manutenção do peso (Dyer,
1994; Grave et al., 2011).
No que tange ao monitoramento de peso, seis cuidadores se pesavam em freqüência superior a
uma vez por mês e metade das crianças se pesavam raramente.
Dentre os fatores cognitivos apontados no estudo de Byrne et al., (2003) destaca-se nas respostas
obtidas no presente estudos questões relacionadas aos objetivos e vigilância. Sobre os objetivos, a
maioria das crianças declarou ter atingido sua meta ao entrar no programa, o mesmo aconteceu com
três cuidadores. Contudo, ao serem questionados sobre o peso ideal, os cuidadores foram unânimes
ao afirmarem que ainda precisavam emagrecer para alcançar esse objetivo. Byrne et al., (2003)
apontaram que a satisfação com o peso alcançado é uma variável que pode auxiliar na manutenção
dos resultados.
Em relação a vigilância do peso, especialmente em relação a avaliação dos custos e benefícios
dessa, a maioria dos sujeitos bem sucedidos na manutenção do peso apontada no estudo de Byrne et
al., 2003) relatou que os benefícios da manutenção do peso superam o esforço envolvido (vigilância
do peso e controle alimentar). No presente estudo, todos os cuidadores e crianças responderam que
não encontraram dificuldades no processo de emagrecimento e manutenção do peso.
Alguns comportamentos associados ao sucesso na manutenção do peso foram mantidos pela
maioria dos cuidadores e crianças desse estudo, por exemplo, organização do horário de se alimentar,
escolha de alimentos saudáveis, monitoramento do peso (cuidadores) e prática de atividades físicas
(crianças). Contudo, percebeu-se também ausência de outros fatores importantes para o sucesso a
longo prazo, como o claro entendimento sobre os comportamentos que devem ser desenvolvidos e
conservados ao longo da vida e o fato de conceberem que ainda não alcançaram o peso desejado.
Avalia-se que, visando elucidar cada vez mais a questão dos comportamentos associados à
manutenção do peso, seria importante que esses indivíduos participassem de mais avaliações com o
passar do tempo.
Os dados de manutenção de peso referentes às crianças coletados seis meses após o encerramento
do programa sustentam o que a literatura aponta sobre a importância do envolvimento dos cuidadores
no tratamento. Ademais, salienta-se a importância da prática de exercícios físicos na regulação e
manutenção do peso.
Diante do desafio de evitar a recuperação do peso dos participantes de tratamentos para a
obesidade, torna-se crucial concentrar esforços no sentido de desenvolver tratamentos da obesidade
infantil com caráter de prática preventiva.
O objetivo desse estudo restringiu-se a identificação de comportamentos relacionados à manutenção
de peso via relato verbal dos participantes. Reitera-se que garantir a correspondência entre o que foi
dito e o que foi, de fato, feito após o tratamento foge ao escopo da presente investigação. Assumese o risco de que a entrevista/questionário tenha funcionado como contexto discriminativo para
respostas verbais condizentes ao que era, supostamente, “esperado pelos pesquisadores”. Sugere-se
que pesquisas futuras controlem possíveis distorções de relato e dediquem-se a identificação das
contingências em vigor durante o período pós-tratamento.
Ser capaz de descrever o nosso próprio comportamento é definido por Skinner (1957) como
autoconhecimento. Os resultados do presente trabalho levam a questionar se estes relatos significam,
de fato, autoconhecimento, já que a metodologia usada não permite verificar as reais variáveis de
controle dos comportamentos públicos e privados envolvidos nos comportamentos associados
à manutenção de peso dos participantes. Há, no entanto, que se considerar que a necessidade de
correspondência entre fazer e dizer para se definir autoconhecimento parece também ser uma
questão ainda não resolvida pelos analistas do comportamento (Tourinho, 2006).
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Dias . Bento . Neves . Borges
Comportamento em Foco 4 | 2014
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123
124
Comportamento em Foco 4 | 2014
Comportamento verbal: diferentes perspectivas de ensino
individualizado com variadas populações 1
Anderson Jonas das Neves 2
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Leylanne Martins Ribeiro de Souza 3
Máyra Laís de Carvalho Gomes 4
Priscila Benitez 5
Ricardo M. Bondioli 6
Universidade Federal de São Carlos
Ana Claudia Moreira Almeida Verdu
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Camila Domeniconi
Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil
Universidade Federal de São Carlos
Resumo
Palavras-chave: comportamento verbal, ensino, pesquisa.
1 Os autores Anderson Jonas das Neves, Leylanne Martins Ribeiro de Souza, Máyra Laís de Carvalho Gomes, Priscila Benitez, Ana
Claudia Moreira Almeida Verdu, Camila Domeniconi e Maria Stella Coutinho de Alcantara Gil participam do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia, sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE), apoiados pelo CNPq: #573972/2008-7, FAPESP:
#2008/57705-8, CAPES/INC&T-ECCE.
2 Bolsista CAPES.
3 Bolsista FAPESP. Contato: [email protected].
4 Bolsista CAPES.
5 Bolsista FAPESP.
6 Bolsista CNPq.
Comportamento em Foco 4 | 2014
O comportamento verbal envolve a relação entre o comportamento do falante e os efeitos
que este produz sobre o comportamento do ouvinte. O presente estudo busca discorrer sobre
o comportamento verbal enquanto temática de pesquisa. Abordam-se desde estudos sobre a
ontogênese do comportamento simbólico e seus elementos pré-correntes, perpassando questões do
ensino dos operantes verbais, até indicativos das investigações acerca dos efeitos do comportamento
verbal sobre a sensibilidade às contingências e às práticas culturais. Para nortear essa investigação,
optou-se por descrever cinco trabalhos que lidam com alguma esfera do comportamento verbal.
As contribuições tangenciam o ensino de vocabulário a bebês, a leitura e escrita a crianças com
desenvolvimento atípico (tais como deficiência intelectual), a identificação de condições que
favorecem a aprendizagem de repertórios simbólicos envolvendo sentenças em implantados cocleares
pré-linguais, e algumas questões relativas ao controle do comportamento humano por exposição às
regras e às contingências. Acredita-se que o fato de tais pesquisas diferirem nas suas características
metodológicas (e.g. delineamento experimental, procedimento, população) demonstra o amplo
leque de possibilidades de investigação e intervenção no campo do comportamento verbal.
125
Estudar os fenômenos complexos que envolvem o comportamento verbal requer que múltiplas
variáveis sejam consideradas (Ardilla, 2007). Tendo em vista a relevância e amplitude do tema, o
presente estudo objetiva explorar a temática do comportamento verbal em suas diversas frentes.
São exploradas desde pesquisas que abrangem os elementos que antecedem a aquisição do
comportamento verbal e do funcionamento simbólico, até estudos dos efeitos deste sobre o
comportamento humano. Considerando a relevância da investigação do comportamento verbal para
Análise do Comportamento, este trabalho apresenta considerações introdutórias sobre a linguagem
e a proposição teórico-conceitual de estudar tal fenômeno como comportamento verbal.
No tocante à organização do texto, inicialmente, o leitor será introduzido a (1) estudos sobre
elementos pré-correntes e a ontogênese do comportamento verbal e do funcionamento simbólico. Na
sequência, serão apresentadas (2) pesquisas dedicadas à investigação do ensino de operantes verbais
específicos (particularmente, o comportamento verbal textual e o tato), e (3) estudos direcionados
à compreensão dos efeitos do comportamento verbal no controle do comportamento de pessoas de
uma determinada população.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
Comportamento verbal: uma proposta de análise comportamental
da linguagem
126
A linguagem é compreendida como um dos processos mais importantes do funcionamento
humano. Suas implicações são tão significativas que impactam o desenvolvimento das diversas
dimensões do individuo, por exemplo, a cognição, a comunicação, a socialização e a escolarização
(Aguado, 2005; Papalia & Olds, 2000).
Dada sua importância, diversas áreas do conhecimento (e.g. Fonoaudiologia, Audiologia,
Linguística, Antropologia, Sociologia da Linguagem) têm se debruçado sobre a investigação da
complexidade dos fenômenos linguísticos, bem como das múltiplas dimensões e processos que o
perfazem (e.g. sociais, psicológicas, neurológicas, fonológicas, semânticas, sintáticas e pragmáticas)
(Coseriu, 1993).
No âmbito da Psicologia, a ênfase nos estudos da linguagem recai sobre as variáveis e mecanismos
psicológicos que subsidiam e integram o processo de formação, significação e desenvolvimento dos
repertórios linguísticos. Tais processos têm sido estudados por meio de diversos modelos e matrizes
teórico-metodológicas. Cabe ressaltar que, segundo Tedesco (2008), uma das concepções correntes
nas abordagens psicológicas é a de admitir a linguagem como “expressão de ideias”, conferindo-lhe
assim caráter mentalista.
Sério (2005) defende que tal status internalista pode dificultar tanto sua definição da linguagem
enquanto objeto de estudo quanto sua investigação, a partir dos métodos e critérios científicos,
o que inviabilizaria a identificação/descrição, predição e o controle dos fenômenos considerados
“linguísticos” e “simbólicos”.
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
Comportamento em Foco 4 | 2014
Skinner (1957) propõe um modelo teórico-conceitual em Psicologia para analisar o desenvolvimento
da linguagem. Na tentativa de afastar definitivamente os discursos mentalistas correntes, o autor
sugeriu que se compreendesse a linguagem enquanto comportamento verbal (de Rose, 2005).
A proposta defendida por Skinner (1957) de se investigar a linguagem como comportamento verbal
demonstrou a extensão e a aplicabilidade dos princípios operantes (e.g. reforçamento, modelagem,
extinção e discriminação) aos fenômenos considerados de maior complexidade (Skinner, 1957;
Córdova, Lage, & Ribeiro, 2007). Ao propor uma leitura operante dos fenômenos linguísticos, o autor
defendia que se deveria analisar a linguagem a partir das relações estabelecidas entre organismo e
ambiente, ou seja, uma análise que levasse em consideração as variáveis das quais o comportamento
(linguístico) é função, e a unidade de análise seria a tríplice contingência.
A proposição skinneriana de análise comportamental da linguagem baseia-se no evolucionismo,
especificamente no modelo de seleção pelas consequências (Skinner, 1981). O comportamento
verbal é entendido como um comportamento operante que é modelado e mantido – selecionado –
por consequências mediadas, ou seja, aquelas que são produzidas por intermédio de uma segunda
pessoa, a qual se denomina ouvinte. “Os homens agem sobre o mundo modificando-o, por sua vez
são modificados pelas consequências [...] O homem pode, no entanto, modificar seu ambiente através
da mediação verbal com outro homem que lhe sirva de ouvinte” (Skinner, 1957, p.15).
Diferentemente de outros operantes que produzem consequências de forma direta e mecânica, a
emissão do comportamento verbal pelo falante (sujeito que emite este operante) afeta o ambiente
de forma indireta, requerendo a mediação da consequência por uma pessoa especialmente treinada
pela comunidade verbal: o ouvinte. Deste modo, Skinner (1957) acentuou a dimensão social do
comportamento verbal (Matos, 1991) e sinalizou a importância das práticas culturais da comunidade
verbal para o treinamento e a manutenção dos repertórios de ouvinte e falante (Baum, 1999).
Skinner (1957) identificou oito operantes verbais elementares: tato, mando, ecóico, intraverbal,
cópia, ditado, textual e autoclítico. O autor os definiu a partir das relações estabelecidas entre
organismo e eventos antecedentes e consequentes. A Figura 1 sintetiza a descrição dos operantes
verbais, bem como ilustra, com exemplos. a ocorrência destas relações comportamentais.
Uma ressalva importante sobre as contingências que envolvem o comportamento verbal referese à sua causalidade múltipla. Uma resposta verbal de topografia semelhante pode ocorrer em
distintas condições antecedentes, o que requer a investigação das variáveis controladoras em
vigor. Por exemplo, podemos recorrer à Figura 1, na qual a vocalização da palavra “bola” (resposta
verbal) pode estar sob controle do objeto bola, e assim ser definida como um tato, do estímulo
auditivo “bola”, definindo um ecóico, ou da palavra impressa BOLA, o que irá caracterizar um
comportamento textual.
127
Contingência
Exemplo
Antecedente
Resposta
Consequente
Antecedente
Mando
Operação
Estabelecedora
Vocal
Gestual
Reforçador
específico
Sede
Tato
Estímulo
não-verbal
Vocal
Gestual
Reforçador
social
Reforçador
social
Textual
Estímulo verbal
impresso/
Escrito
Vocal
Gestual
Reforçador
social
BOLA
Copia
Estímulo verbal
impresso/
Escrito
Manuscrita
Reforçador
social
BOLA
Ditado
Estímulo verbal
(geralmente
auditivo)
Manuscrita
Reforçador
social
Intraverbal
Estímulo verbal
Vocal
Gestual
Manuscrita
Reforçador
social
Autoclítico
Resposta verbal
anterior
Vocal
Gestual
Motora
Reforçador
social
Comportamento em Foco 4 | 2014
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
idêntica)
128
Consequente
Quero
água
Bola
Vocal
Estímulo verbal
Gestual
(geralmente
(topograficamente
auditivo)
Ecoico
Resposta
Bola
Bola
Bola
Bola
Como
vai?
Sede
Tudo
bem!
Quero
muita
água
Figura 1
Descrições dos operantes verbais
Ao dispor os fundamentos e as categorias do comportamento verbal, Skinner (1957) lançou bases
teórico-metodológicas para uma análise comportamental da linguagem e suscitou novas perspectivas
de pesquisa deste fenômeno. Contudo, a gama de fenômenos linguísticos que podem vir a ser
investigados a partir da ótica skinneriana é numerosa e estende-se em diversos âmbitos, desde os
elementos pré-correntes para o comportamento verbal e o funcionamento simbólico – por exemplo,
pesquisas conduzidas sobre o responder por exclusão para aquisição de vocabulário em bebês - até a
análise dos efeitos de sensibilidade às regras em grupos específicos e a descrição de práticas culturais.
Ontogênese do comportamento simbólico e elementos pré-correntes do
comportamento verbal
Um dos fenômenos linguísticos de maior interesse para a Psicologia do Desenvolvimento remete
à rápida aquisição de vocabulário em crianças entre 18 e 24 meses denominado de “explosão de
vocabulário” (Goodwyn, Acredolo, & Brown, 2000). Tal fenômeno tem alavancado diversas pesquisas
em Análise do Comportamento, no sentido de identificar os processos que subsidiam a ontogenia
do funcionamento simbólico e os elementos pré-correntes para a aprendizagem do comportamento
verbal (Oliveira & Gil, 2007).
Estudos deste campo têm manipulado diferentes condições experimentais (tanto em ambiente
natural, quanto em contexto controlado) e utilizado diversos delineamentos (Gil, Sousa & de Souza,
2011; Gil, Oliveira & McIlvane, 2011; Oliveira & Gil, 2007; Oliveira & Gil, 2008) para investigar sob
quais condições os bebês estabelecem relações arbitrárias entre eventos (e.g. relação palavra ditadaobjeto), quais os elementos e/ou repertórios operantes pré-correntes para aquisição de habilidades
simbólicas e verbais, quais as variáveis críticas e processos básicos para aquisição de vocabulário e se
as aprendizagens de ouvinte favoreceriam a aquisição da nomeação (Gil et al., 2011).
Uma das possibilidades de pesquisar experimentalmente a aquisição de vocabulário consiste no
procedimento de “responder por exclusão” (Dixon, 1977; McIlvane & Stoddard, 1981). A literatura
aponta que a partir dele se demonstra uma das formas de aumento na probabilidade de aquisição de
vocabulário rápido, sem ensino prévio.
Souza (2013) utilizou este procedimento para favorecer a aprendizagem por exclusão num contexto
de brincadeira com bebês de 24 a 36 meses. No estudo, foi verificado se oito bebês (categorizados
como típicos e de risco para o desenvolvimento) aprenderiam a relação nome novo-objeto novo. A
autora apresentava consequências diferenciais para acertos e erros, consequências semelhantes às
desenvolvidas na pesquisa de Domeniconi, Costa, de Souza e de Rose (2007).
As consequências planejadas para o acerto referiam-se à experimentadora verbalizar “Muito
bem!”, “Legal!”, “Isso mesmo!”, “Joia!”, e a criança tinha acesso ao objeto por até 15 segundos. Findo
o intervalo, o objeto era jogado numa caixa grande disposta na lateral da sala. As consequências
planejadas para o erro eram seguidas de um procedimento de correção que se constituía em
verbalizar para a criança: “Não é esse, espere, vamos ouvir qual o brinquedo que vamos jogar” e
expor a criança novamente à tentativa. Todas as tentativas registradas como erro eram seguidas do
procedimento de correção.
As sessões de ensino eram compostas por 10 tentativas de linha de base. As sessões de teste eram
compostas por 10 tentativas de linha de base, uma sonda de exclusão e uma sonda de aprendizagem
intercaladas entre as tentativas de linha de base. Nestas, o bebê era exposto a oportunidades de
escolha de objetos, de acordo com o estímulo modelo ditado (palavra falada). Eram apresentados
simultaneamente quatro objetos com função de estímulo-comparação, e a seleção do brinquedo
tarefa, a experimentadora brincava com a criança com o objetivo de aumentar a probabilidade de
engajamento na sessão. Os critérios para encerramento das sessões eram as situações em que os
participantes demonstravam cansaço ou demora em responder à tarefa.
O delineamento de Souza (2013) abrangeu as seguintes etapas: familiarização (experimentadorparticipante), avaliação do repertório verbal e global (avaliação do repertório de entrada dos
participantes), pareamento estímulo visual-estímulo auditivo (PVA), estabelecimento de linha de
base, sondas de exclusão, sondas de aprendizagem e avaliação do repertório verbal. O estudo incluiu
a utilização do procedimento de máscara, um dispositivo adicional de escolha, como uma alternativa
que significava “nenhum desses objetos”, representado por uma caixa. Poderiam estar na máscara
qualquer um dos estímulos comparação. A máscara foi utilizada como escolha correta em metade
das tentativas para estabelecimento de linha de base a fim de se tornar uma opção de escolha para os
participantes (nas sessões de ensino e de teste). Nas tentativas de estabelecimento de linha de base, o
estímulo modelo (palavra falada) e os estímulos comparação (objetos) eram estímulos definidos7. A
sonda de exclusão era composta, por um estímulo modelo indefinido, o qual era desconhecido para
o participante, e os estímulos comparação eram objetos definidos e um objeto indefinido (para que
ocorresse a seleção imediata do objeto novo diante do nome novo).
7 Estímulos definidos são aqueles estímulos familiares aos participantes.
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
Comportamento em Foco 4 | 2014
pela criança estava condicionada à palavra vocalizada pela experimentadora. Após a realização da
129
A sonda de aprendizagem demonstrava se o participante apenas respondeu por exclusão, ou se ele
respondeu e aprendeu a relação nome novo-objeto novo por exclusão, em condições pré-estabelecidas.
Foram estabelecidos quatro tipos de sondas, as que indicavam a escolha de um objeto novo dentro da
máscara (sonda 1), a escolha de objeto novo (sonda 2), a escolha do objeto da exclusão na máscara
(sonda 3), e escolha do objeto definido na máscara (sonda 4). As condições foram alteradas para
verificar o tipo de escolha dos participantes: se eles escolheriam de acordo com o estímulo modelo,
se eles escolheriam o objeto da exclusão ou se eles escolheriam a máscara.
De acordo com os resultados descritos por Souza (2013), observou-se que na exposição ao
procedimento, os participantes responderam por exclusão, mas não se observou a ocorrência
da aprendizagem em todas as sondas (critério de encerramento do experimento). Devido a essa
condição, os participantes foram reexpostos ao procedimento. Como resultado, quatro participantes
demonstraram responder e aprendizagem por exclusão nas quatro sondas reexpostas.
O estudo de Souza (2013) indica que o responder e a aprendizagem por exclusão ocorrem sob
determinadas condições de planejamento de ensino, por exemplo, um número reduzido de tentativas
para a população específica (bebês), o emprego de consequências com alto valor reforçador para os
participantes, a produção de estímulos que sejam considerados indefinidos para os participantes e
treino para a introdução gradual da máscara no experimento (por exemplo, fading).
De acordo com Souza (2013), diferentes desdobramentos científicos e tecnológicos podem ser
vislumbrados para estudos analítico-comportamentais sobre a ontogênese do comportamento
simbólico e pré-correntes para aquisição de repertórios verbais. No âmbito científico, tais pesquisas
oferecem critérios operacionais para definir as habilidades básicas e pré-correntes para aprendizagem
do comportamento verbal e do funcionamento simbólico, bem como permitem a identificação
de variáveis críticas nos processos básicos relacionados à aquisição da linguagem em crianças
pequenas. O potencial tecnológico destas pesquisas pode incidir na implementação de programas
de estimulação verbal para bebês em diferentes condições (típicos e com risco de desenvolvimento)
e na intervenção com procedimentos efetivos para crianças pequenas com prejuízos na linguagem.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
Ensino de operantes verbais específicos
130
Conforme as definições ilustradas na Figura 1, pode-se compreender o comportamento textual
como aquele que ocorre quando o estímulo verbal (texto) controla o comportamento verbal (Skinner,
1978), e a relação entre esse estímulo e essa resposta se estabelece com correspondência formal, de
maneira arbitrária. Um exemplo da ocorrência do comportamento textual seria quando diante da
palavra impressa SAPO no livro de histórias, o aluno vocaliza “sapo”.
O tato, por sua vez, remete a emissão de respostas sob controle de estímulos discriminativos nãoverbais - como objetos, eventos, acontecimentos, sensações, dentre outros – cuja consequência é o
reforço social generalizado. A situação na qual uma criança vocaliza “gato” diante do referido animal
e recebe aprovação de adultos ou educadores pode ilustrar as contingências envolvidas no tato.
Ao descrever as contingências envolvidas nos diferentes operantes verbais, Skinner (1957)
explicou uma parcela importante dos fenômenos linguísticos. Todavia, indagações sobre os
aspectos semânticos e de relações arbitrárias estabelecidas entre eventos distintos – como as relações
entre a palavra ditada “sapo”, a figura do sapo e a palavra impressa SAPO – ainda precisavam ser
esclarecidas pela Análise do Comportamento. Contribuições como as de Murray Sidman e seus
colaboradores avançaram na compreensão comportamental da linguagem em termos de relações
derivadas entre estímulos.
Questões importantes no que tange à linguagem – como a capacidade de operar com símbolos,
estabelecer relações intercambiáveis entre eventos, produzir significações e gerar novas relações
verbais (não diretamente ensinadas) – foram inicialmente investigadas por Sidman (1971) no clássico
estudo cujo participante era um rapaz com microcefalia e deficiência intelectual severa.
Ao avaliar o repertório verbal do participante, Sidman (1971) constatou que, para as palavras
ensinadas, ele já nomeava as figuras, ou seja, emitia tatos (vide relação BD exposta na Figura 2).
Ademais, o jovem estabelecia relações entre palavra ditada e figura (relação AB).
De acordo com o procedimento experimental delineado por Sidman (1971), o participante foi
exposto a tarefas de ensino de discriminações condicionais entre palavras ditadas e palavras impressas
(relação AC), por meio do procedimento de emparelhamento de acordo com o modelo (MTS).
Neste experimento, as palavras ditadas exerceram função de modelo e as palavras impressas
foram dispostas como estímulo-escolha. A tarefa do participante era selecionar a palavra impressa
correspondente à palavra ditada8.
Posteriormente aos testes de aprendizagem da relação palavra ditada-palavra impressa (relação
AC), Sidman (1971) acrescentou testes adicionais, nos quais o participante respondeu de acordo
com as relações previstas. Sidman (1971) sugeriu que o participante demonstrou a “emergência
de relações”, ou seja, respondeu às relações entre estímulos que não foram diretamente treinadas
(relações entre palavra impressa e figura e a vocalização frente a palavra impressa, respectivamente
CB, BC e CD).
A Figura 2 apresenta o diagrama das relações presentes no repertório verbal do participante
(representado pelas setas em negrito com traço e ponto), a relação treinada (seta continua) e as
relações emergentes (setas pontilhadas) do estudo de Sidman (1971).
FIGURA
(B)
PALAVRA
DITADA
(A)
PALAVRA
IMPRESSA
(C)
Relações presentes
no repertório verbal
Relações Treinadas
Relações Emergentes
Figura 2
Representação das relações ensinadas e avaliadas no experimento de Sidman (1971)
Hübner (2006) considera que o estudo de Sidman (1971) inaugurou uma frente de pesquisa
importante na área de controle de estímulos. O autor demonstrou que a partir do ensino de
discriminações condicionais entre estímulos que não apresentavam quaisquer similaridades físicas,
se poderia produzir relações de equivalência entre estes (ou seja, torná-los permutáveis entre si).
Trabalhos posteriores – por exemplo, Sidman e Tailby (1982), Sidman (1994) e Sidman (2000)
– formalizaram os estudos sobre as relações de equivalência, que tem sido um dos modelos mais
profícuos no sentido de subsidiar operacionalmente a análise e o manejo das condições para ensino
de comportamentos complexos e simbólicos, tais como na linguagem (Dube, McIlvane, Maguire,
Mackay & Stoddard, 1987; Sidman & Cresson, 1973).
8 Para esclarecimentos sobre o procedimento de matching to sample sugere-se leitura de Matos, 1999.
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Comportamento em Foco 4 | 2014
VOCALIZAR
(D)
131
As relações de equivalência são comprovadas quando, por meio de testes, apresentarem as três
propriedades matemáticas da simetria, da reflexividade e da transitividade (Sidman & Tailby, 1982).
A simetria pode ser entendida como a reversibilidade funcional dos estímulos (A1B1=B1A1); na
reflexividade, se identificam as relações de identidade entre os estímulos (A1=A1). Identifica-se
a transitividade quando, após o estabelecimento de duas relações condicionais com um elemento
em comum, emergem novas relações entre os estímulos que não foram diretamente relacionados
(se treinadas A1B1 e B1C1, emerge a relação não-treinada A1C1). O teste de equivalência avalia a
simetria da relação transitiva, ou seja, se treinadas A1B1 e B1C1, há equivalência caso observe-se a
relação C1A1.
Segundo de Rose (1993), as quatro propriedades da equivalência fundamentam o fenômeno
conhecido como compreensão em linguagem. A emergência das relações identificadas a partir da
equivalência representa uma significativa economia em termos de aprendizagem, pois o indivíduo
aprende até o que não lhe foi diretamente ensinado.
Kelly, Green e Sidman (1998) defendem ainda que o aprendiz pode fazer mais do que relacionar
estímulos (equivalentes), uma vez expostos às contingências inéditas, são capazes de expandir o
controle de estímulos entre as relações estabelecidas para novas relações. Assim, estímulos que não
compartilham propriedades físicas comuns, tais como palavra ditada “bola”, palavra impressa BOLA
e figura da bola, uma vez que sejam arbitrariamente relacionados podem se tornar intercambiáveis
entre si. Para este fenômeno dá-se o nome de comportamento simbólico. Em virtude das propriedades
relacionais, caso se deseje ampliar a classe de equivalência (som da palavra “bola”, palavra escrita
BOLA e figura da bola), basta que se realize o emparelhamento de apenas um dos estímulos da classe
com o estímulo a ser adicionado (e.g. emparelhar a palavra ditada “bola” com o objeto físico bola).
As relações de equivalência entre eventos distintos (palavras ditadas, figuras, objetos, palavras
impressas, o comportamento de ler, de escrever, de tatear, dentre outros) encontram-se na base
de repertórios complexos e simbólicos da linguagem (de Rose, 2005; Hubner, 2006). De modo
semelhante, são fundamentais no sentido de proporcionar condições para inter-relações entre
operantes verbais (de Rose, 2005), de modo a derivar relações emergentes e promover a transferência
de controle entre estímulos que participam da rede de relações de equivalência.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
Estudos em comportamento verbal que adotam a formação de classes de equivalência têm
132
investigado quais são as condições de ensino necessárias para que determinadas populações – atípicas
e com prejuízos no funcionamento simbólico – demonstrem a aquisição de repertórios verbais
emergentes e equivalência entre eventos que não compartilham propriedades físicas. Exemplo
desta constatação é a investigação conduzida por Gomes (2013). A autora utilizou delineamento
de tratamento alternado com três condições de ensino distintas e uma condição controle (não
tratamento), a fim de verificar qual das condições seria mais eficaz para a aprendizagem de relações
arbitrárias entre figuras e palavras impressas, para a formação de classes de equivalência e para a
aquisição do comportamento textual.
Realizaram-se procedimentos de ensino com o uso de diferentes treinos de discriminação a partir
de condições de ensino específicas – discriminação simples, discriminação simples com reforçamento
diferencial e específico, discriminação condicional e condição não tratamento (controle) – de
oito palavras isoladas. Cada treino discriminativo, aplicado em sequência diferenciada para cada
indivíduo, foi programado envolvendo um dos pares de palavras: menina e bigode, salada e gaveta,
pipoca e cavalo, janela e tomate. Dessa forma, cada par de palavras trissílabas simples, formadas
por um encadeamento de consoante e vogal, era apresentado a cada dia, em uma das condições do
tratamento alternado.
Doze indivíduos com deficiência intelectual foram selecionados por apresentarem maior
dificuldade em adquirir repertórios simbólicos para participaram da investigação de Gomes (2013).
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
Comportamento em Foco 4 | 2014
As condições do tratamento alternado foram aplicadas de maneira rápida, alternada e balanceada,
e foram apresentadas por meio do software “Aprendendo a ler e escrever em pequenos passos”
(Rosa Filho, de Rose, de Souza, Hanna, & Fonseca, 1998), conhecido como ProgLeit®. O programa
permitia a programação das tentativas de acordo com cada condição específica que envolvia um
par de palavras.
Em geral, as tentativas foram consequenciadas com elogios e adesivos para os acertos. Não
foram adotados procedimentos de correção para os erros. Uma vez que não era exigido critério
de aprendizagem, o procedimento possibilitou a progressão rápida nas fases experimentais. Gomes
(2013) empregou ainda a reversão de contingência para as condições de ensino. Nesta etapa, ora um
estímulo era considerado correto, ora o mesmo passaria a ser incorreto. Após a aplicação de cada
sessão de ensino, era realizada uma avaliação da relação emergente entre figuras e palavras impressas
relacionadas ao par previamente ensinado.
As condições de ensino foram programadas em situações discriminativas diferentes. A condição de
discriminação simples ocorria com a apresentação de dois estímulos visuais na tela do computador,
primeiro as figuras correspondentes ao par de palavras de ensino (S1 e S2) e depois suas respectivas
palavras impressas. As tentativas se alternavam conforme a sequência: 8 figuras seguidas de 8 palavras
impressas em que S1 estava relacionado com a consequência positiva, mais 8 figuras seguidas de 8
palavras impressas em que S2 passava a dar acesso à consequência positiva. Esta contingência de
ensino se revertia por mais uma vez durante a mesma sessão.
A condição de discriminação simples com reforçamento específico e diferencial era semelhante à
condição de discriminação simples, porém o adesivo utilizado como consequência era selecionado
pelo experimentador a partir de um teste rápido de preferência, como descrito nos achados de
Higbee (2009). Cada classe de estímulos a ser formada era relacionada a um reforçador específico de
alta preferência do aprendiz a fim de facilitar a formação da classe de equivalência.
A condição de discriminação condicional seguia a mesma estrutura de programação das demais
condições, porém continha um estímulo modelo auditivo que indicava a escolha correta entre S1 e
S2. Durante a condição controle (não tratamento), os aprendizes eram apenas submetidos à avaliação
de relações emergentes entre figura-palavra impressa e vice-versa.
Sumarizando, no estudo conduzido por Gomes (2013), foram realizadas as seguintes etapas:
pré-teste (avaliação do repertório de entrada relacionado à leitura), treino AB (ensino da relação
palavra ditada-figura), intervenções alternadas (ensino alternado de quatro pares de palavras
em treinos distintos), pós-teste (reaplicação do pré-teste), e follow-up (teste das relações de
equivalência para os pares ensinados após duas semanas da aplicação do pós-teste). Os dados
foram analisados comparando-se a eficácia entre as condições experimentais alternadas em formar
classe de estímulos e em facilitar o estabelecimento de comportamento textual, além de comparar
individualmente o repertório inicial do participante e o repertório apresentado após a aplicação
dos procedimentos experimentais.
Segundo Gomes (2013), evidenciaram-se diferenças nos desempenhos dos participantes em
relacionar, de modo emergente, figuras e suas respectivas palavras impressas, palavras impressas e
suas respectivas figuras. Os resultados diferenciados para os doze aprendizes em relação à eficácia do
ensino entre os tratamentos evidenciaram a importância do repertório de entrada dos participantes
para a aprendizagem do comportamento complexo de leitura. Cinco participantes formaram classes
de equivalência e adquiriram comportamento textual, todavia, a sequência alternada de ensino
não foi suficiente para controlar de maneira isolada a eficácia de cada condição de treino, o que
possibilitou a aplicação de um pacote de intervenção para cada participante. Os aprendizes que
aprenderam, aprenderam em todas as condições, inclusive na situação controle de não tratamento, e
dentre aqueles que não tiveram uma aprendizagem significativa, não houve uma condição de ensino
que se sobressaísse às demais.
133
Comportamento em Foco 4 | 2014
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
134
Ainda na seara das pesquisas sobre o comportamento textual, o estudo de Benitez (2013) buscou
avaliar o efeito de sequência no uso de um esquema de tratamentos alternados para ensinar o
comportamento textual para cinco aprendizes incluídos no ensino regular com diagnóstico de
deficiência intelectual.
O esquema de tratamentos alternados pode ser considerado uma estratégia relevante para
introduzir e avaliar duas ou mais intervenções, com o propósito de identificar a mais eficaz para
os propósitos da pesquisa. Não obstante, o emprego deste delineamento tem sido utilizado, em
grande parte, para ensinar comportamentos sociais. Sua aplicabilidade para questões envolvendo
comportamentos acadêmicos segue em debate devido ao possível efeito de sequência. Ou seja,
suspeita-se que o participante pode aprender apenas pelo efeito de sequência e não pelo conteúdo
proposto para o ensino. Para que esse efeito seja minimizado, podem ser utilizadas estratégias de
contrabalanceamento.
Para o estudo de Benitez (2013) foram recrutadas cinco crianças, seus respectivos pais, assim
como seus professores de educação especial e da sala regular. O ensino de comportamento textual
foi composto por três fases. Tanto na primeira quanto na segunda fase, foram utilizadas palavras
compostas por duas sílabas, já na terceira fase foram empregadas palavras com três sílabas.
Com o intuito de minimizar o supracitado efeito de sequência, cada criança foi exposta a uma
sequência de ensino diferente. As intervenções foram aplicadas isoladamente e combinadas entre
si. Cada palavra de cada fase foi ensinada em uma situação diferente, em ordem distinta para
cada criança.
Os resultados mostraram que as crianças aprenderam em todas as intervenções, tanto isoladas
quanto combinadas entre si, especialmente na fase 3. Os dados mostraram que o controle do efeito
de sequência em um esquema de tratamentos alternados não foi suficiente para garantir o controle
do efeito de learning set (Benitez, 2013).
Tendo em vista a possibilidade de recombinação silábica das palavras ensinadas, discute-se o efeito
cumulativo que o ensino do comportamento textual prevê. Suspeita-se que as crianças liam as palavras,
independentemente da intervenção e da sequência de intervenção que estavam expostas. Na esteira
de Benitez (2013), defende-se que quanto maior o número de palavras ensinadas diretamente, maior
a probabilidade de recombinação das sílabas da palavra treinada e, portanto, maior a possibilidade
de leitura de outras palavras, além daquelas ensinadas diretamente.
As proposições conduzidas por Benitez (2013) levantam a preocupação para que estudos
futuros atentem para a necessidade de um rigoroso controle experimental. Mesmo o emprego
do contrabalanceamento não foi suficiente para identificar a melhor intervenção para o ensino
do comportamento textual às crianças, pois elas liam todas as palavras independentemente da
intervenção empregada.
Tendo em vista o interesse em se observar a aquisição do funcionamento simbólico dos estímulos
auditivos e o desenvolvimento de repertórios verbais, uma população que desperta interesse de
pesquisadores e aplicadores amparados pelo modelo da equivalência diz respeito aos indivíduos com
deficiência auditiva pré-lingual e que receberam o implante coclear.
O implante coclear destaca-se entre as potenciais tecnologias aplicadas na reabilitação de pessoas
com deficiência auditiva bilateral neurossensorial pré-lingual (especialmente de grau severo ou
profundo). Uma vez que o dispositivo possibilita a sensação auditiva ao indivíduo (Bevilacqua &
Formigoni, 1997; Costa, Bevilacqua & Amantini, 2005), são proporcionadas condições para que se
aprendam repertórios de ouvinte e falante, conforme estabelecidos pela comunidade verbal (Geers,
Nicholas & Sedey, 2003).
Pesquisas pautadas na proposta de Sidman e Tailby (1982), que fazem interface entre Audiologia
e Análise do Comportamento (Almeida-Verdu, Bevilacqua, de Souza & de Souza, 2009; AlmeidaVerdu, Huziwara, de Souza, de Rose & Bevilacqua, 2008; Battaglini, Almeida-Verdu & Bevilacqua,
DESCASCA
ESPREME
RALA
BETO
Beto
descasca
limão
Beto
espreme
limão
Beto
rala
limão
JUCA
Juca
descasca
limão
Juca
espreme
limão
Juca
rala
limão
DUDU
LIMÃO
Dudu
descasca
limão
Dudu
espreme
limão
Dudu
rala
limão
Figura 3
Matriz de sentenças
9 O estudo de Golfeto (2010) ensinou as sentenças dos vértices e verificou a emergências das sentenças da diagonal.
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
Comportamento em Foco 4 | 2014
2013; da Silva et al., 2006; Golfeto, 2010; Neves & Almeida-Verdu, no prelo; Neves, Almeida-Verdu,
Moret & Silva, 2013; Passarelli, Golfeto, Cardinali, Resende & Fenner, 2013), têm investigado as
condições sobre as quais implantados cocleares pré-linguais aprendem habilidades receptivas
e expressivas. De modo geral, os resultados indicam que há uma rápida aquisição de habilidades
receptivas, enquanto a linguagem expressiva não acompanha o mesmo ritmo, são apresentadas
distorções e omissões na fala (Gaia, 2005; Pisoni, 2000).
Segundo Anastácio-Pessan (2011), para implantados cocleares pré-linguais, ocorre maior
inteligibilidade da fala em tarefas de leitura do que em nomeação de figuras, visto que nas situações
de leitura, os estímulos impressos evocam respostas vocais encadeadas (produzindo sons - fonemas),
os quais apresentam as devidas correspondências arbitrárias com as unidades moleculares impressas
(grafemas). Por outro lado, na condição de nomeação de figuras, a figura não oferece pistas suficientes
(estímulos discriminativos) de quais fonemas deve-se vocalizar (de Rose, 2005; Hanna, de Souza, de
Rose & Fonseca, 2004).
Considerando as possíveis inter-relações entre repertórios de leitura e nomeação de figuras, o
trabalho de Neves, Almeida-Verdu, Moret, e Silva (2013) visou verificar os efeitos do fortalecimento
de uma rede de relações que envolviam leitura (sentenças ditadas, figuras de ações humanas e
sentenças impressas) sobre a inteligibilidade oral em tarefas de nomeação de figuras de ações
humanas. Participaram da pesquisa cinco crianças com deficiência auditiva pré-lingual, usuárias
de implante coclear, que apresentavam discrepância entre desempenhos elevados em leitura de
sentenças impressas e baixos escores de nomeação de figuras. Adicionalmente, o referido estudo
avaliou se o ensino de um conjunto de três sentenças possibilitaria a emergência da nomeação de
seis novas figuras, as quais foram derivadas da recombinação dos elementos das sentenças ensinadas.
Os estímulos linguísticos adotados foram organizados por meio de matriz (Goldstein; 1983;
Golfeto, 2010), na qual o objeto era invariável e os demais elementos (sujeito-verbo no presente do
indicativo) foram recombinados, de modo a formar a estrutura sintática [sujeito]-[verbo]-[objeto].
A Figura 3 apresenta a referida matriz das sentenças. Na imagem, as sentenças hachuradas presentes
na diagonal foram diretamente ensinadas e as demais apenas testadas. Tal procedimento se configura
num ajuste procedimental do estudo de Golfeto (2010)9.
135
A partir da matriz dos estímulos linguísticos, foram adotados três conjuntos de estímulos
experimentais. O conjunto A era composto por sentenças ditadas (“Beto descasca limão”, “Juca
espreme limão” e “Dudu rala limão”), o B por figuras de ações correspondentes e o C por sentenças
impressas. Os materiais utilizados ao longo das sessões experimentais foram uma câmera de vídeo
(para registro das vocalizações) e um computador com caixas de som acopladas, no qual instalou o
software PROLER® para gerenciar as tarefas.
O delineamento experimental empregado pelos autores consistiu em: (1) pré-Teste de leitura de
sentenças impressas (CD) e nomeação de figuras (BD), (2) ensino de relações condicionais auditivovisuais (seleção de figuras dada a sentença ditada) (AB), bem como ditado por composição (seleção
ordenada das palavras impressas que compunham a sentença, condicionalmente a sentença ditada
apresentada como modelo) (AE), (3) pós-teste de leitura das sentenças (CD) e nomeação de figuras
(BD) presentes no ensino, e (4) testes recombinativos, com tarefas de leitura de seis novas sentenças
impressas (CD) e nomeação de seis novas figuras (BD), que foram compostas pela recombinação
dos elementos das sentenças. A Figura 4 apresenta um diagrama das relações treinadas e emergentes
deste estudo.
FIGURAS
DE AÇÕES
HUMANAS
SENTENÇAS
DITADAS
VOCALIZAR
SENTENÇAS
COMPOR
SENTENÇAS
IMPRESSAS
Comportamento em Foco 4 | 2014
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
SENTENÇAS
IMPRESSAS
136
Figura 4
Diagrama das relações treinadas e emergentes
Relações presentes
no repertório verbal
Relações Treinadas
Relações Emergentes
Os resultados de Neves et al., (2013) indicaram que todos os participantes aprenderam as relações
condicionais ensinadas (relações AB e AE) com 100% de acertos. Além disso, demonstraram
melhorias na inteligibilidade na fala em tarefas de nomeação de figuras (média de 92,3% de precisão
nas vocalizações), aproximando-se assim do desempenho médio obtido em leitura de sentenças
impressas (97,1%).
Os participantes foram capazes ainda de nomear, em média, 91,7% de novas figuras com
inteligibilidade de fala, bem como ler novas sentenças (M=96,8%). Concluiu-se que o fortalecimento
da rede de relações que envolvem a leitura pode: (a) favorecer que a inteligibilidade da fala, ora
observada nas tarefas de leitura, seja também obtida na nomeação de figuras (a partir da formação
de classe de estímulos equivalentes e a transferência de controle) e (b) promover a produção oral
inteligível de novas sentenças sintaticamente ordenadas.
Efeitos do comportamento verbal em uma determinada população
Além da discussão sobre os operantes verbais e os benefícios de uma leitura operante da linguagem,
Skinner (1957) explora a possibilidade de que as respostas verbais de um indivíduo controlem o
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
Comportamento em Foco 4 | 2014
comportamento de outro. Tal fenômeno ficou conhecido sob a alcunha de comportamento governado
por regras, ou ainda comportamento verbalmente governado (Catania, 1999).
Regras seriam estímulos, na forma de descrições verbais, que especificariam contingências. Uma
regra é definida como um estímulo verbal em que se descreve uma resposta, as condições que a
antecedem e as consequências que potencialmente são produtos de sua emissão (Skinner, 1966; 1969).
Autores como Nico (2001) têm discutido que o comportamento governado por regras apresenta
efeitos colaterais significativos. Suspeita-se que o controle verbal tem papel na alteração da
sensibilidade do organismo às contingências nas quais está imerso. Um profícuo conjunto de
pesquisas tem procurado investigar elementos referentes às consequências responsáveis por uma
maior sensibilidade às contingências. Resultados conspícuos parecem sugerir que o comportamento
de seguir regras discrepantes teria uma probabilidade menor de ocorrência quando as consequências
em operação envolvem controle aversivo (Nico, 2001; Skinner, 1966; 1969).
O estudo de Bondioli e Reis (2013) teve como objetivo investigar o efeito da história de aprendizagem
sobre a sensibilidade às consequências. Foi considerado o responder dos participantes sob diferentes
contingências de reforço: positivo ou negativo. Trinta estudantes universitários de diferentes cursos
foram convidados a participarem de uma atividade informatizada do tipo MTS.
Cada tentativa consistia da apresentação de um estímulo modelo (fotografia colorida), dois de
comparações (uma fotografia igual e outra diferente do modelo) e um contextual (círculo verde ou
vermelho). Nas condições em que eram apresentadas as instruções, era informado que o participante
deveria escolher o estímulo igual ao modelo na presença do círculo verde e o estímulo diferente do
modelo na presença do círculo vermelho. Os participantes foram distribuídos igualmente em dois
grupos experimentais: (a) Grupo Negativo (perde um ponto a cada erro) e (b) Grupo Positivo (ganha
um ponto a cada acerto). Nos dois grupos, os participantes foram distribuídos em três condições
experimentais de duas fases cada.
A Fase 1 consistia do treino experimental no qual se apresentavam as distintas condições de
aprendizagem, a saber: Contingência (aprendizagem por exposição direta às contingências),
Correspondente (contingências programadas idênticas às descritas na regra) e Discrepante (instruções
opostas àquelas programadas pelas contingências). O critério de aprendizagem estabelecido nesta
fase foi de 80 acertos ou erros. A Fase 2 era igual para todos os grupos e foi organizada em quatro
blocos de 20 tentativas cada. O primeiro e o terceiro blocos foram programados com contingências
correspondentes à regra, e o segundo e quarto com contingências discrepantes.
Os resultados da pesquisa mostraram que nas duas condições de reforçamento, o grupo que
aprendeu por contingência obteve resultados similares (mediana de acertos de aproximadamente 85%
cada). Bondioli e Reis (2013) argumentam que os dados obtidos demonstram que os participantes
apresentaram uma razoável sensibilidade às contingências. Quando se consideram as duas condições
de aprendizagem por regra (correspondente ou discrepante), observa-se que o Grupo Negativo
apresentou desempenho de acerto superior àquele do Grupo Positivo.
Assim, quando a consequência programada é positiva, a condição mais sensível a tais consequências
é aquela que foi exposta diretamente às contingências no momento da construção da história
experimental, enquanto que a história construída por regra discrepante torna os participantes
mais insensíveis. E quando a consequência programada para os participantes é negativa, a história
de aprendizagem por exposição direta às contingencias resulta em participantes mais sensíveis
às consequências, porém, nesse caso os participantes da condição Discrepante apresentaram
maior sensibilidade se comparado com a condição Correspondente, com porcentagem de acertos
médios de 75% e 48,33%, respectivamente. Em suma, os dados evidenciam que em uma história de
aprendizagem de discrepância entre regra e contingências em vigor, a consequência negativa torna
os participantes mais sensíveis às consequências em comparação à consequência positiva (Bondioli
& Reis, 2013).
137
Conclusões
Comportamento em Foco 4 | 2014
Neves . Souza . Gomes . Benitez . Bondioli . Verdu . Domeniconi
O livro Verbal Behavior (Skinner, 1957), longe de ser um compêndio de dados empíricos pautados
na experimentação – o que contraria, em certa medida, a tradição de Skinner (Barros, 2003) –
expressou um convite para um programa de pesquisa em análise comportamental da linguagem.
As proposições desta obra foram promissoras para o avanço do estudo operante do comportamento
verbal (Ardila, 2007) e mostraram-se válidas para investigação dos fenômenos linguísticos (Catania,
1999; Barros, 2003).
Adicionalmente, as extensões teórico-metodológicas de Sidman e colaboradores contribuíram para
ampliar o alcance da pesquisa comportamental na área da linguagem. As relações de equivalência
(Sidman, 1994; Sidman, 2000; Sidman & Tailby, 1982;) ofereceram critérios operacionais para
o estudo do funcionamento simbólico, da derivação de novos repertórios verbais, da ontogênese
dos processos semânticos da linguagem e da aprendizagem de comportamentos verbais complexos
(Canovas, Postalli & de Souza, 2010; Hanna et al.,2011; Postalli, Schmidt, Nakachima & de Souza,
2013). O modelo das relações de equivalência pautou ainda a investigação acerca das condições
e manejos de ensino necessários para formação de classes de equivalência para as diferentes
populações (Almeida-Verdu et al., 2008; Anastácio-Pessan, 2011; Domeniconi, Huziwara & de Rose,
2007; Domeniconi, Zaine & Benitez, 2012; Duarte & de Rose, 2007; Golfeto, 2010; Neves & AlmeidaVerdu, no prelo; Neves et al., 2013; Oliveira & Gil, 2007).
138
O presente estudo buscou investigar o comportamento verbal em suas diversas atuações, desde
elementos pré-correntes até os seus efeitos em uma determinada comunidade verbal. Embasadas nas
proposições para o estudo comportamental da linguagem, as pesquisas em comportamento verbal
constituíram uma frente de investigação importante na Análise do Comportamento, com crescimento
substancial nos últimos anos (Micheletto, Guedes, Cesar & Pereira, 2010; Moroz, Rubano, Rodrigues
& Lucci, 2001).
Neste contexto, o interesse pelos diversos fenômenos relacionados à linguagem, tais como, a
independência funcional na aquisição de operantes verbais, as relações entre repertórios de ouvinte
e falante (Bandini, Sella, Postalli, Bandini & Silva, 2012; Ferrari, Giacheti & de Rose, 2009; Neves,
Antonelli, Girotto & Almeida-Verdu, no prelo), as propriedades dos operantes verbais, comportamento
governado por regras e comportamento governado por contingências, correspondência dizer-fazer,
o efeito do controle instrucional verbal sobre a sensibilidade a contingências (Silva & Albuquerque,
2007), as relações de equivalência e a programação de condições de ensino para populações com
prejuízos no funcionamento simbólico (de Rose, 1994), mobilizaram as diversas áreas de pesquisa
comportamental para (de Rose, 1994; Moroz et al., 2001):
a. Investigar os processos comportamentais envolvidos no funcionamento simbólico e na
aquisição de repertórios verbais, bem como o desenvolvimento de métodos de pesquisa
experimental confiáveis para estudá-los, configurando a área da pesquisa básica;
b. Transpor os princípios e métodos aplicados de investigação da linguagem em condições
de laboratório para outras populações e/ou para situações menos controladas (mas que
mantenham certo controle experimental), caracterizando a pesquisa translacional;
c. Implementar os conhecimentos derivados da pesquisa básica e translacional na resolução
de problemas humanos relacionados à linguagem (no caso), por meio de tecnologia
comportamental, nos diversos domínios sociais (na educação, na saúde e na clínica) e com
diversas populações, constituindo a pesquisa aplicada.
Os estudos descritos neste capítulo contemplaram populações distintas em cada procedimento
desenvolvido e aplicado em cada um deles, por exemplo, pessoas com deficiência intelectual, bebês,
usuários de implante coclear e universitários. Evidentemente, a escolha dos participantes é definida de
acordo com o objetivo de cada pesquisa. Considerando a diversidade das temáticas propostas, justificase o emprego das diversas demandas. Evidencia-se ainda a diversidade de delineamentos empregados
nas pesquisas aqui descritas, bem como a variedade no emprego de diferentes operantes verbais.
Mediante estes argumentos, pode-se compreender que existem muitas possibilidades de se
investigar e ensinar comportamento verbal. A elaboração de tecnologias derivadas das temáticas de
pesquisas em comportamento verbal endossa a criação de ferramentas para aplicação em diversos
contextos, tais como a educação regular e especial, programas de estimulação infantil, clínica,
hospitais, reabilitação e políticas públicas.
As pesquisas descritas demonstram condições variadas de ensino e de teste, mas se tornam
similares principalmente no que se refere a procedimentos que utilizam matching-to-sample e
consequências diferenciais para acertos e erros. Deste modo, podem-se observar algumas condições
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Manipulação de trechos de instruções: teoria, pesquisa e aplicação
Ronaldo Rodrigues Teixeira Júnior 1
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Pode-se dizer que aprendemos novos repertórios comportamentais principalmente de duas
formas: pelo contato direto com contingências ou através de regras. Porém tanto a definição de regra
quanto as características do comportamento governado por regras têm sido amplamente discutidas
na literatura. Divergências entre autores acerca de quais funções regras podem exercer e se elas
precisam descrever ou não formalmente contingências norteiam estudos que pretendem esclarecer
essas questões. O objetivo desse trabalho foi apresentar uma nova definição de regra, juntamente com
estudos experimentais e possibilidades de áreas de aplicação que demonstram como a manipulação
de trechos de instruções é relevante para o estudo do comportamento humano. Na área de pesquisa
básica, trechos sobre o equipamento e materiais, além de trechos sobre as consequências e variáveis
sociais envolvidas na realização da tarefa experimental afetaram o desempenho de participantes.
Nas áreas de aplicação, como na saúde, por exemplo, pode-se pensar na precisão da descrição de
contingências que um médico fornece a um paciente e sua maior ou menor adesão ao tratamento; na
área de educação, pode-se pensar no efeito que regras descritivas presentes em historinhas infantis,
por exemplo, podem ter no controle de comportamentos de crianças; na área da cultura pode-se
pensar, por exemplo, na qualidade da formulação de leis e estatutos, que muitas vezes a ausência
de trechos importantes pode comprometer seu seguimento efetivo pela população. Destaca-se a
importância da constante interação entre as produções de pesquisa teórica, básica e a aplicada para
Análise do Comportamento, o que inclui o controle por regras.
Palavras-chave: regras, contingências, saúde, educação, cultura.
1 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Resumo
143
Comportamento em Foco 4 | 2014
Teixeira Júnior
Diferenças nas definições de regras
144
São muitas as formas que aprendemos novos repertórios comportamentais em nosso dia a dia,
porém entre todas elas podemos destacar duas: quando nos expomos diretamente ao meio e somos
afetados diretamente pelas consequências de nossa ação ou quando somos expostos a descrições
verbais dessas contingências apresentadas por outras pessoas, havendo então mediação social
(Skinner 1953/1998; 1957/1978; 1974/1982). Por exemplo, se estudo em uma universidade e quero
saber onde fica uma nova sala de aula, posso aprender sua localização simplesmente andando pelos
corredores até encontrar o número da sala e ter meu comportamento de explorar reforçado. Mas se
não conheço a universidade, posso ficar perdido e perguntar ao porteiro que pode me dar a seguinte
indicação: “Depois que passar pela cantina, suba a escada e vire a primeira a direita e depois a segunda
à esquerda que encontrará a sala”.
Certamente, se seguir essa indicação e encontrar a sala esse comportamento de pedir informações e
segui-las será reforçado, mas isso, ao contrário do primeiro exemplo, dependeu de uma regra fornecida
por outra pessoa. Skinner (1966) definiu regra como estímulo especificador de contingências, ou
seja, seria um estímulo discriminativo verbal que descreveria relações entre estímulos antecedentes,
respostas e consequências. No exemplo fornecido, foram descritas uma ocasião “depois que passar
pela cantina”, uma resposta “suba a escada e vire a primeira a direita e depois a segunda à esquerda”
e uma consequência “encontrará a sala”. Sem perguntar para ninguém, uma pessoa que não conhece
a universidade levaria muito mais tempo para achar a sala, por isso se diz que a aprendizagem por
regras em geral ocorre de maneira mais rápida do que a por contingências, além de favorecer a
aprendizagem de comportamentos complexos.
A aprendizagem por contingências parece ser mais efetiva diante de consequências imediatas, de alta
probabilidade de ocorrência e de maior valor reforçador, enquanto a aprendizagem por regras parece
favorecer o estabelecimento e manutenção de comportamentos diante de consequências atrasadas,
improváveis ou cumulativas (Mallot, 1989). Por exemplo, uma mãe pode ter grande dificuldade
em ensinar para uma criança que ela deve estudar por 20 ou 30 anos sem falar repetidamente das
prováveis consequências mais reforçadoras que isso terá para seu futuro; as lotéricas possivelmente
teriam poucos apostadores se a mídia não divulgasse constantemente relatos de como jogadores
persistiram e ganharam prêmios milionários; poucas pessoas frequentariam academias se o instrutor
ou outras pessoas próximas não falassem da relação entre exercícios regulares e a perda gradativa de
medidas ou de peso.
Apesar dessas vantagens, regras nem sempre descrevem por completo ou corretamente
contingências. Podemos aprender em uma auto-escola noções básicas de direção através do
instrutor e apostilas, mas dirigir sob um tráfego intenso, chuva ou estrada exige um repertório mais
refinado. Ou ainda, podemos ganhar tempo pedindo uma informação para o porteiro sobre onde
será a aula mas ele indicar uma sala errada, de forma que se ficarmos dependentes desse tipo de
aprendizagem podemos tornar nosso repertório de solução de problemas limitado em ocasiões que
não podemos contar com a auxílio de outra pessoa. Outra desvantagem que tem sido apontada é
a chamada “insensibilidade a contingências” (Madden, Chase & Joyce, 1998) que ocorre quando
desempenhos sob controle de regras se mantêm inalterados mesmo diante de mudanças importantes
nas contingências imediatas. Retomando o exemplo da criança que estuda sob controle das regras da
mãe a respeito das possíveis consequências atrasadas para seu comportamento, ela pode continuar
estudando por vários anos mesmo depois que seu ambiente tiver modificado a ponto de não valorizar
tanto mais profissionais com formação acadêmica mais extensa.
Apesar do conceito de insensibilidade ser questionado na literatura (e.g., Nico 1999; Thomaz &
Nico, 2007), seu uso se mantém relevante para o estudo do comportamento governado por regras
e sua distinção para comportamentos modelados pelas contingências. É importante destacar que
Teixeira Júnior
Comportamento em Foco 4 | 2014
quando dizemos que um desempenho é insensível às contingências não dizemos que ele é insensível
a qualquer mudança no ambiente, mas sim menos sensível a algumas contingências (não sociais) e
mais sensível a outras contingências (sociais). Essa é uma das funções das regras, deixar o ouvinte sob
controle do que é falado, e não do contato direto com contingências (sem mediação verbal), de forma
então que a “insensibilidade”, não seria um efeito exclusivo nem obrigatório em um controle por
regras, porém algo mais comumente observado nesse tipo de relação quando comparado a relações
não verbais.
Outros questionamentos teóricos na área têm sido realizados, como o da própria definição de
regras. Se por um lado a definição de Skinner iguala regras com a função de outros estímulos
discriminativos que precisam de uma história de reforçamento para adquirir essa função, um
problema é que o autor recorre também a propriedades formais em sua definição, dizendo que regras
são “estímulos especificadores de contingências”. Assim, por exemplo, se um apresentador de uma
palestra diz: “Gostaria que aplaudissem o apresentador agora para passarmos ao próximo slide”,
além dos três componentes de uma contingência estarem presentes, o comportamento de cada um
na plateia de aplaudir ou não o apresentador também acontecerá de acordo com sua história de
reforçamento em ter feito algo similar no passado.
Entretanto, o próprio Skinner reconhece que nem sempre todos componentes de uma contingência
estão descritos em uma regra, e outros autores discutem que nem sempre é necessário haver uma
história de reforçamento direto que nos faça segui-la ou não. Com base nisso, Zettle e Hayes (1982)
definem regra simplesmente como um antecedente verbal. Para os autores o comportamento
governado por regras estaria em contato com duas contingências, uma verbal mantida por
reforçamento social para seguimento da regra (pliance) e outra não verbal mantida por reforçamento
direto do ambiente que tem relação com a descrição da regra (tracking), o que poderia ser aprendido
também por meio de classes de equivalência ou quadros relacionais. Seguindo o mesmo exemplo
dado anteriormente, se um apresentador diz “Batam palmas, precisamos encerrar logo isso”, nem
todos os componentes de uma contingência estão presentes, e a mesma frase pode ser um exemplo
de pliance, se os ouvintes seguirem a regra sob controle do comando do apresentador como forma
de evitar consequências sociais aversivas (e. g., reprimenda pública), ou tracking, se os ouvintes
seguirem a regra sob controle das consequências descritas (e. g., fim de uma apresentação cansativa).
Baum (1995) critica a proposta de Zettle e Hayes dizendo que nem sempre o comportamento
governado por regras estaria em contato com duas contingências. Segundo o autor, a prova da
incoerência conceitual dos autores seria a distinção entre tracking e pliance que, pela sua própria
definição, não poderiam ocorrer separadamente. Outros autores questionam a própria distinção
entre comportamento governado por regras e comportamento modelado por contingências,
argumentando que se pela proposta de Skinner regras são parte de contingências (função de estímulo
discriminativo), e que isso não envolveria nenhum novo conceito ou princípio, então a relevância da
distinção entre regras e contingências poderia ser questionada (Parrot, 1987).
A esse respeito, Blakely e Schilinger (1987) e Schilinger e Blakely (1987) destacam justamente a
semelhança entre a função de regras e contingências. Para esses autores, regras seriam estímulos
alteradores de função, modificando de forma mais ampla as funções reforçadoras, discriminativa e
outras dos estímulos, tal como ocorre nas contingências, e não apenas evocando diretamente uma
resposta como no caso de um estímulo discriminativo. Sendo assim, seguindo na mesma linha de
exemplos, se em uma apresentação fosse dito “Quando o apresentador mostrar o último slide vocês
podem aplaudi-lo”, não seria a apresentação dessa regra que evocaria o comportamento de aplaudir
o apresentador, mas sim o estímulo “último slide” que teve sua função alterada pela apresentação
da regra. Esse sim seria o estímulo discriminativo que evocaria o comportamento no momento que
fosse apresentado, o que explica porque em tantos casos o seguimento da regra ocorre muito depois
de sua emissão.
145
Uma vez que se considera que regras podem alterar a função de estímulos ou evocar respostas,
outros autores consideram que regras podem ser definidas como operações estabelecedoras, uma vez
que sua definição envolve essas duas relações (Mallot, 1989; Michael, 1986). Em um último exemplo,
um apresentador poderia dizer: “Não esperem até o fim, se largarem agora suas canetas e aplaudirem
o apresentador isso o deixará muito feliz”. Se a plateia aplaudisse poderia ser um caso de operação
estabelecedora, se a regra tivesse alterado o valor reforçador de bater palmas antes da hora e evocado
o comportamento; poderia só ter alterado o valor reforçador de bater palmas como forma de “deixar o
apresentador feliz” mas sem ter tido força suficiente para evocar o comportamento naquele momento
(regra como estímulo alterador de função); ou a evocação do comportamento ainda poderia ter
ocorrido sem necessariamente o valor reforçador do bater palmas ter sido alterado mas sim devido a
uma história previa de reforçamento diferencial (regra como estímulo discriminativo).
Considerando a multiplicidade de definições de regras e as diferentes funções que elas podem
assumir, Albuquerque define regras como: “estímulos antecedentes que podem descrever
contingências e exercer múltiplas funções” (Albuquerque, 2001, p.139). Apesar de valorizar o aspecto
funcional da definição e de pressupor funções isoladas que regras podem exercer, dizer que regras
“podem” descrever contingências ou exercer múltiplas funções ainda deixam essa definição um tanto
genérica. Com base nisso, quais seriam afinal as características essenciais que permitiriam distinguir
o controle por regras do controle por contingências?
A aprendizagem por regras parece de fato ter funções equivalentes à aprendizagem por
contingências, porém talvez com maior dependência de uma história verbal, maior controle por
estímulos antecedentes do que outros operantes, maior sensibilidade a essas descrições verbais
do que a outros estímulos não sociais imediatos, menor dependência de treino direto, e por isso
com aprendizagem em geral de forma mais rápida. Isso realmente não envolveria nenhum novo
princípio dentro da Análise do Comportamento, mas dado o número de diferenças isso justificaria
a manutenção de uma distinção. Dessa forma, sintetizando a definição de Albuquerque com a
de Baum que define regra como “um estímulo discriminativo verbal com função equivalente ao
enunciado de contingências...” (Baum, 1995, p.17), podemos chegar a uma nova definição de regras
que considera outras funções de regras similares a de contingências ao invés de restringir somente
a uma ou dizer apenas que são múltiplas, destacando o aspecto de descritor de contingências como
essencial para distinguir regras de outros estímulos verbais, porém sem se prender ao seu aspecto
formal ou também dizer que podem estar presentes ou não. Nesse sentido, a proposta de definição de
regra no presente trabalho é: regras são antecedentes verbais que descrevem contingências completas
ou incompletas, exercendo funções similares a de contingências.
Descrições completas de contingências não seriam então pré-requisito para se dizer que um
estímulo verbal é uma regra ou não, mas a presença de seus componentes marcaria de forma mais
clara a diferença entre regras e outros estímulos verbais, podendo favorecer desempenhos mais
de acordo com o conteúdo da regra. Quando uma descrição das contingências não é completa ou
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Teixeira Júnior
mesmo quando apenas uma palavra é dita, a mesma pode também funcionar como uma regra,
146
mas isso exigiria uma história mais específica de seguimento na ausência da descrição de todos
os componentes, havendo mais margem para distorções ou não cumprimento claro da regra,
aumentando a chance de outras variáveis pessoais exercerem controle sobre o seguimento, bem
como formulação de autorregras que visem “completar” ou “dar sentido” ao que foi dito pelo falante
(Lowe, 1979; Rosenfarb, Newland, Brannon & Howey, 1992). É importante destacar esses pontos em
relação a essa nova proposta de definição de regras tanto para a valorização de aspectos formais das
regras (o que em momento algum se desassocia de sua função), quanto para o estabelecimento de um
limite mais claro para outros tipos de estímulos verbais que não descrevem contingências de forma
completa ou incompleta.
Uma vez apresentadas diferenças teóricas acerca do conceito de regras, o objetivo deste trabalho
será, a partir desse ponto, apresentar alguns estudos que manipularam trechos de instruções e
apontar sua relevância para a aplicação em áreas como saúde, educação e cultura.
De acordo com resultados de estudos experimentais da área, uma regra simples e clara pode
produzir um efeito diferente de uma regra longa e complexa (Albuquerque & Ferreira, 2001), assim
como regras no formato de perguntas (Albuquerque & Silva, 2006; Braga, Albuquerque & Paracampo,
2005) e regras no formato de ordem, sugestão e acordos (Albuquerque, Mescouto & Paracampo,
2011; Farias, Paracampo & Albuquerque, 2011) podem produzir diferenças nos desempenhos dos
participantes de uma pesquisa. A manipulação de trechos de instruções também se mostra uma
variável relevante, já tendo sido investigado na literatura, por exemplo: o número máximo de
reforçadores que podem ser obtidos em um estudo (Weiner, 1970); informação sobre o equipamento
e a tarefa experimental (DeGrandpre, Buskist & Cush, 1990); consequência para a emissão de um
comportamento (England & Buskist, 1995); descrição completa sobre as contingências (Simonassi,
Oliveira & Gosch, 1997).
Teixeira Júnior (2009) se aprofundou nesse tipo de investigação. Inicialmente diversos estudos, de
diferentes grupos de pesquisa, foram comparados e analisados em relação ao tipo de método utilizado
pelos experimentadores e os resultados produzidos pelos participantes. Observou-se, por exemplo,
que o tipo de regra que foi apresentada nos cinco grupos analisados variou substancialmente. De
forma geral, todas elas continham informações básicas sobre a tarefa, materiais e equipamentos que
seriam utilizados e detalhes sobre as consequências que poderiam ser produzidas. Entretanto, outros
trechos como de saudação ou agradecimento, sobre a natureza ou objetivo do estudo, sobre o tempo
de duração ou número de sessões, trechos que incluíam uma demonstração da tarefa ou que ainda
forneciam dicas sobre as contingências programadas pelo experimentador, eram acrescentados
livremente sem se saber ao certo os efeitos que poderiam produzir sobre o desempenho dos
participantes. Nos exemplos fornecidos, nota-se também que enquanto em alguns casos algumas
informações eram mais detalhadas e apresentadas separadamente em diferentes momentos da
pesquisa, outras informações eram mais sucintas e podiam ser apresentadas em apenas um momento
da pesquisa.
A falta de sistematização na escolha de trechos de instruções por pesquisadores da área pode ser
responsável pela produção de diferentes resultados entre estudos com características semelhantes.
Uma investigação nesse sentido pode ser observada no trabalho posterior de Teixeira Júnior (2011),
que a partir da realização de três experimentos avaliou os efeitos de manipulações de trechos de
instruções preliminares no seguimento de outras instruções.
No Experimento 1, instruções preliminares (fornecidas antes do início dos procedimentos
experimentais) com trechos sobre materiais, tarefa e consequências foram isoladas de instruções
específicas (fornecidas após o início dos procedimentos experimentais) que descreviam precisamente
uma resposta a ser emitida pelo participante, e de instruções mínimas que não especificavam nenhuma
sequência de respostas. Seis estudantes universitários responderam a uma tarefa de escolha de acordo
com o modelo em que tinham que apontar para objetos em uma mesa. Primeiramente eles eram
expostos a duas fases em que nenhuma instrução preliminar era apresentada, tendo que responder
apenas a instruções mínimas e específicas (correspondentes e discrepantes), para em seguida serem
expostos a duas fases semelhantes em que havia a apresentação de uma instrução preliminar, em um
delineamento de sujeito como seu próprio controle. Os resultados mostraram que a apresentação de
instruções preliminares favoreceu a realização da tarefa experimental e seguimento de instruções
específicas, principalmente quando os participantes receberam instruções correspondentes. Quando
Teixeira Júnior
Comportamento em Foco 4 | 2014
Manipulação de trechos de instruções
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Teixeira Júnior
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os participantes receberam apenas instruções mínimas ou específicas isoladamente a maior parte
deles não foi capaz de emitir o desempenho requerido, mostrando a relevância da utilização de
instruções preliminares em estudos da área e de sua distinção frente a outros tipos de instrução
comumente empregados pelos pesquisadores.
Uma questão que não foi respondida, entretanto, foi qual dos trechos especificamente da instrução
preliminar foi responsável pelos resultados no Experimento 1. Sendo assim, no Experimento 2, 18
novos participantes foram expostos a duas fases idênticas às fases finais do Experimento 1, porém os
trechos das instruções preliminares foram manipulados. No Grupo IPC seis participantes receberam
a mesma instrução completa do Experimento 1, com trechos a respeito da tarefa, materiais e
consequências; no Grupo ISC seis participantes receberam instrução semelhante a do Grupo IPC,
excluindo o trecho sobre as consequências; no Grupo ISM seis participantes receberam instrução
semelhante a do Grupo IPC, excluindo o trecho a respeito os materiais que seriam utilizados na
pesquisa. Os resultados mostraram que a apresentação do trecho a respeito dos materiais das
instruções preliminares favoreceu a realização da tarefa e o seguimento de instruções, enquanto
a apresentação do trecho a respeito das consequências favoreceu um desempenho variado entre
os participantes. Diferentemente do que ocorreu no Experimento 1, não houve diferença no
desempenho entre participantes que receberam instruções correspondentes e discrepantes, porém
os trechos manipulados das instruções preliminares ainda continham diferentes frases a respeito
de características distintas a respeito dos materiais e consequências. O Experimento 3 buscou isolar
ainda mais esses efeitos.
No Experimento 3, 24 novos participantes foram expostos a condições idênticas as do Experimento
2, porém os seguintes grupos foram formados: no Grupo ISDi seis participantes receberam uma
instrução preliminar semelhante a do Grupo IPC do Experimento 2, porém sem a frase do trecho a
respeito dos materiais que descrevia as dimensões dos objetos - espessura, cor e forma; no Grupo ISPa,
seis participantes receberam uma instrução preliminar semelhante a do Grupo IPC do Experimento
2, porém sem a frase do trecho a respeito dos materiais que descrevia o pareamento que deveria
ser feito entre modelo e comparações; no Grupo ISCr seis participantes receberam uma instrução
preliminar semelhante a do Grupo IPC do Experimento 2, porém sem a frase do trecho a respeito
das consequências que explicava a localização do contador e seu funcionamento; no Grupo ISGs seis
participantes receberam uma instrução preliminar semelhante a do Grupo IPC do Experimento 2,
porém sem a frase do trecho a respeito das consequências que explicava os ganhos em dinheiro que
poderiam ser obtidos por cada ponto produzido. Os resultados mostraram que a apresentação tanto
da frase sobre o contador quanto da frase sobre os ganhos em dinheiro favoreceu um desempenho
variado entre os participantes, enquanto a apresentação da frase sobre o pareamento favoreceu
mais a realização da tarefa e o seguimento de instruções do que a frase a respeito das dimensões,
especialmente quando associada às instruções específicas correspondentes ou discrepantes.
Diante dessa série de dados, alguns podem se perguntar: “Afinal, qual a relevância de tudo isso
para meu cotidiano?” ou “De que forma poderei aplicar conceitos e resultados experimentais desses
estudos em minha prática profissional?”. O tópico a seguir tem o objetivo de esclarecer essas questões.
Aplicação na saúde, educação e cultura
A Análise do Comportamento como grande área do conhecimento é composta por três subáreas
interligadas: o Behaviorismo Radical, responsável pela parte conceitual/filosófica de uma ciência do
comportamento; a Análise Experimental do Comportamento, responsável pela pesquisa e validação
empírica desta ciência; e a Análise Aplicada do Comportamento, responsável pelo campo de
intervenção e desenvolvimento de tecnologia em um ambiente profissional (Carvalho Neto, 2002;
Tourinho, 1999). É de extrema importância uma constante interação entre estas subáreas como
Teixeira Júnior
Comportamento em Foco 4 | 2014
forma de validação dessa área de conhecimento, pois, por exemplo, um trabalho conceitual sem base
empírica ou aplicação direta pode se tornar um texto abstrato ou não muito diferente de literatura;
dados de pesquisa sem aplicação direta ou fundamentação teórica podem se tornar artificiais ou
restritos ao laboratório; aplicação de técnicas sem fundamentação teórica ou base empírica pode se
tornar similar a simples experiências ou senso comum.
No início deste trabalho foram apresentadas algumas questões conceituais relativas ao conceito de
regras e posteriormente apresentados alguns dados de pesquisa que tem mostrado a relevância da
manipulação de trechos de instruções na produção de diferentes desempenhos entre participantes.
Antes de passar para os possíveis campos de aplicação, é importante destacar que o termo “aplicação”
tem sido usado de três formas diferentes na área: aplicação como “prestação de serviço”, ou seja,
para diferenciar a produção de alguma tecnologia efetiva de uma simples descoberta científica sem
aplicação aparente; aplicação como “tipo de pesquisa”, ou seja, para diferenciar pesquisa básica
de laboratório de pesquisa aplicada que teria um efeito socialmente relevante; ou aplicação como
“prestação de serviço e tipo de pesquisa”, ou seja, entendendo que as duas práticas são indissociáveis
(Canaan-Oliveira, 2003).
Na área da saúde, um dos campos de aplicação que mais chamam a atenção é o de adesão ao
tratamento. Pesquisadores (e. g., Casseb, Bispo & Ferreira, 2008; Ferreira, 2006; Ferreira & Fernandes,
2009; Oliveira, 2011) têm avaliado de forma sistemática o efeito de descrições de contingências na
adesão ao tratamento de regras nutricionais em casos de diabetes, troca de sedativos entre crianças
com queimaduras, etc. Entre outros pontos, esses trabalhos têm investigado uma série de fatores que
podem contribuir para que um paciente siga ou não as orientações médicas, que muitas vezes não
são fornecidas de forma apropriada. Alguns tratamentos médicos são complexos e dolorosos, e entre
outros fatores como sociais por exemplo, a falta de uma orientação clara por parte da equipe de saúde
também pode desfavorecer seu seguimento de forma efetiva. A bula de remédio nos fornece um
exemplo de como regras complexas podem não ser entendidas ou seguidas, e estudos que manipulem
essas informações podem testar diretamente de que maneira a elaboração de seus trechos poderia
ser mais efetiva.
Na área da educação, um dos campos de aplicação mais interessantes é o de ensino de novos
repertórios a crianças por meio de histórias infantis. Duas dissertações de mestrado (Almeida, 2009;
Craveiro, 2009) relatam pesquisas em que crianças foram colocadas em uma situação experimental
em que histórias infantis eram apresentadas com regras descritivas, ou seja, que não especificavam
diretamente uma resposta a ser emitida. Em um dos trabalhos as crianças estavam em uma festa e
foi avaliado seus comportamentos em relação a doces em uma mesa. No outro trabalho, as crianças
estavam em uma escola e foram avaliados comportamentos em relação à disciplina. Em ambos os
casos as crianças não recebiam diretamente uma instrução do que deveriam fazer, mas histórias
que falavam a respeito da importância de se comportar de uma forma ou de outra. Essas histórias
se mostraram efetivas na mudança do comportamento das crianças, o que mostra a relevância
de uma investigação mais aprofundada do conteúdo desse tipo de regra em outros contextos.
Selecionar quais conteúdos precisam estar presentes ou não em uma história infantil pode tanto
ampliar a diversidade de comportamentos a serem ensinados a crianças de forma mais divertida e
efetiva na escola, quanto também alertar pais a respeito do conteúdo implícito de regras descritivas
presente em desenhos, novelas, filmes, músicas ou propagandas, que podem exercer controle sob o
comportamento de seus filhos.
Na área da cultura, um dos campos que tem sido mais investigado é o da análise de contingências
presentes em diferentes leis e estatutos. A constituição, o estatuto da criança e do adolescente, o
estatuto do idoso e leis a respeito da violência em São Paulo foram alguns dos alvos de estudos
de pesquisadores da área (Almeida-Verdu, Cabral, Carrara & Bolsoni-Silva, 2009; Macedo, 2004;
Todorov, 1987; Todorov, Moreira, Prudêncio & Pereira, 2004). De forma geral, a maior parte desses
149
trabalhos identificou falha na organização geral dos trechos dessas leis e estatutos, e ausência da
descrição de componentes importantes de contingências, como por exemplo, das consequências.
Com isso não se quer dizer que apenas leis ou regras determinam se um comportamento irá ou
não ocorrer no meio social, contudo, sua apresentação ou não para a população e o modo como
elas são descritas são variáveis importantes para seu seguimento. Exemplos dessa situação podem
ser facilmente observados em nosso cotidiano: campanhas do governo que dizem simplesmente “se
beber não dirija” ou “use camisinha” não têm tido o efeito desejado na população, parte, talvez, por
representarem descrições incompletas das contingências. Uma descrição clara, especialmente das
consequências, pode deixar o ouvinte mais sob o controle do que é aconselhado ou exigido pelo
falante, seja por meio de placas, leis ou campanhas na TV.
Além dos contextos citados anteriormente, o estudo de regras também pode ser útil em outras áreas,
como: na clínica comportamental, como forma de avaliar, por exemplo, o quanto o fornecimento de
instruções prescritivas pelo terapeuta, que especificam claramente o que deve ser feito, pode ser
benéfico ou prejudicial ao cliente no processo terapêutico (Meyer, 2005); na educação especial,
uma vez que tem sido demonstrado que instruções claras favorecem desempenhos de equivalência
(Medeiros, Ribeiro & Galvão, 2003), e o responder relacional tem sido usado para o ensino de
relações verbais em pacientes com implante coclear, autismo e síndrome de Down (Domenicone, de
Rose & Huziwara, 2007; Gomes & Souza, 2008; Souza et al., 2010); na área de formação acadêmica/
profissional, apontando como artigos de diretrizes curriculares mal formulados e descritos, que
deveriam nortear o planejamento de cursos superiores, geram uma lacuna entre aprendizagem de
conteúdo e prática de uma profissão (Kubo & Botomé, 2003; Santos et al., 2009); na área ambiental e
do direito, em que um grupo de pesquisa em teoria da legislação se uniu a Psicologia para entender
como o comportamento é controlado e para explicar as nuances jurídicas envolvidas na elaboração
de leis (Soares & Dias, 2009), gerando, por exemplo, possibilidades de análise e intervenção na área
ambiental fazendo uso de trechos de obras literárias (Araújo & Dias, 2009).
Com isso espera-se ter apresentado a relevância do estudo da manipulação de trechos de instruções
em seus níveis teórico, empírico e aplicado, uma vez que a escolha de diferentes palavras ou frases
em contextos de pesquisa ou mesmo em nosso dia a dia produz diferentes efeitos no comportamento
humano. Ainda há muito a ser explorado nessa área e pode ser observada uma demanda crescente
por profissionais preparados a dar respostas e soluções para problemas sociais diversos. O estudo do
controle por regras é uma destas possibilidades e o campo encontra-se aberto a novos estudantes e
profissionais para novas investigações.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Teixeira Júnior
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153
154
Comportamento em Foco 4 | 2014
Efeito do ensino da resposta por construção de sentenças sobre a leitura
generalizada recombinativa
Grauben José Alves de Assis 1
Ana Carolina Galvão da Fonseca 2
Taynan Marques Bandeira 3
Universidade Federal do Pará
O objetivo do presente estudo foi investigar o efeito de um procedimento informatizado de
ensino por resposta construída de sentenças sobre a leitura recombinativa generalizada em crianças.
Participaram cinco crianças, de ambos os gêneros, na faixa etária de seis a oito anos. Foi utilizado
um notebook com um programa que apresentava os estímulos visuais (figuras, palavras e sentenças
impressas), auditivos (palavras ditadas) e registrava as respostas. Os participantes foram expostos
ao ensino de sentenças com um procedimento de escolha de acordo com o modelo por resposta
construída (CRMTS) e com fading out (esvanecimento), que teve como objetivo a transferência
do controle de estímulos da construção da sentença diante do modelo impresso para a figura, com
um mínimo de erros. Os estímulos eram apresentados na tela do computador, que foi dividida em
duas áreas principais. Na parte superior havia uma célula onde era apresentado o estímulo modelo.
Abaixo dessa célula ficava a “área de construção”, na qual ficavam dispostos os estímulos, da esquerda
para a direita, após se deslocarem da “área de escolha”. Na parte inferior, havia a “área de escolha”,
onde eram apresentados, randomicamente, os estímulos de comparação que formavam a sequência
experimental. As respostas corretas eram seguidas de uma animação gráfica e as incorretas pelo
escurecimento da tela por 3s e procedimento de correção. Quatro participantes alcançaram o critério
de acerto no ensino de discriminação condicional quando a sentença deveria ser construída apenas
na presença da figura correspondente. Nos testes de leitura recombinativa generalizada, todos os
participantes responderam com 100% de acerto. Os resultados mostraram evidências de que ambos
os procedimentos utilizados foram eficazes para o aprendizado de construção de sentenças com
1 Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Contato: [email protected].
2 Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).
3 Bolsista da CAPES (Mestrado).
Comportamento em Foco 4 | 2014
Resumo
155
poucos erros. Estudos posteriores podem promover um refinamento metodológico do procedimento,
investigando determinadas variáveis com maior controle experimental e ampliando a unidade
de análise de discriminações condicionais para contextuais, em que a composição das sentenças
nas modalidades afirmativa ou negativa poderá estar condicionada a uma cor apresentada como
estímulo modelo.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Assis . Fonseca . Bandeira
Palavras-chave: controle de estímulos, sentenças, CRMTS.
156
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), criado pelo Ministério da Educação,
realiza a cada dois anos um levantamento da educação brasileira, no que se refere a aprendizagem
dos estudantes e os diversos fatores incidentes na qualidade do ensino. Mesmo havendo avanços nos
resultados desde sua criação em 1990, em sua última avaliação – a saber, no ano de 2011 – verificouse que nos itens de língua portuguesa, os alunos do 5º ano do ensino fundamental, apresentaram
baixos índices na leitura de textos simples e curtos (MEC/INEP, 2011).
Nesse contexto, pesquisadores na Análise do Comportamento têm desenvolvido inúmeros
estudos com intuito de compreender as redes de relações comportamentais envolvidas nos
repertórios de leitura e escrita. (de Rose, 2005; Hübner & Matos, 1993; Souza, Hanna, de Rose,
Melo & Quinteiro, 2004)
Vários processos comportamentais estão envolvidos na aprendizagem desses repertórios (e.g.
discriminações simples e condicionais, modelagem de respostas vocais na leitura oral e a formação
de classes de estímulos equivalentes) (Sidman & Tailby, 1982), e ainda que envolvam contingências
diferentes, no repertório do leitor proficiente, os mesmos encontram-se interligados.
Através do paradigma de equivalência proposto e documentado por Sidman e Tailby (1982) tem
sido possível explicar o comportamento simbólico envolvido na aprendizagem da leitura e escrita.
Barros, Galvão, Brino, Goulart e Mcllvane (2005) afirmam que a formação de classes de equivalência
e o comportamento simbólico têm em comum o fato de elementos sem similaridade física, quando
arbitrariamente relacionados, tornam-se equivalentes ou substituíveis no controle dos repertórios
a eles associados. Para ler e escrever o indivíduo deve aprender a relacionar eventos arbitrários
(palavras faladas e palavras impressas) a eventos do mundo (figuras, objetos, ações). As palavras
impressas são símbolos para o som das palavras faladas, as quais por sua vez, são símbolos para os
objetos ou eventos do mundo, que não possuem uma relação natural entre si.
Num clássico estudo sobre o ensino da leitura, Sidman (1971) utilizou o procedimento de
“pareamento de acordo com o modelo” (do inglês matching to sample ou MTS) para demonstrar
que após ensinar relações condicionais entre as palavras ditadas e impressas um jovem com retardo
mental grave, que já nomeava figuras e pareava figuras aos seus nomes ditados, foi capaz de nomear
as palavras impressas (leitura oral) e selecionar as figuras correspondentes as suas palavras impressas
e vice-versa (leitura com compreensão) sem treino adicional. Isso demonstrou que as palavras
ditadas, impressas e as figuras passaram a fazer parte de uma classe de estímulos equivalentes,
sendo intercambiáveis entre si no controle do comportamento. Tal dado revelou que o MTS além
de favorecer a formação de classes de estímulos equivalentes, foi eficaz para os repertórios de leitura.
Por outro lado, Stromer, Mackay e Stoddard (1992) afirmam que o MTS não é suficiente para
estabelecer o controle discriminativo de todas as unidades mínimas. Os autores sugerem que no
ensino das relações de equivalência seja integrada uma tarefa de construção da resposta, como um
pré-requisito para o ensino da escrita.
Assim, como uma proposta de adaptação do MTS, o procedimento “pareamento de acordo com
o modelo com resposta construída” (do inglês constructed response matching to sample ou CRMTS)
Assis . Fonseca . Bandeira
Comportamento em Foco 4 | 2014
consiste, basicamente, em substituir os estímulos de comparação por um conjunto de elementos
suficiente para a composição do estímulo modelo (Mackay, 1985; Mackay & Sidman, 1984). Nas
tentativas, as respostas exigidas são de apontar/selecionar as letras correspondentes na ordem correta,
compondo assim uma palavra. Por exemplo, diante da palavra impressa “CASA” como estímulo
modelo, as letras correspondentes serão dispostas aleatoriamente como estímulo de comparação.
As respostas de apontar as letras na ordem apresentada no modelo “C”, “A”, “S”, “A”, são reforçadas e
estabelecidas no repertório do participante.
Quando a resposta de escolha está relacionada às características físicas comuns ao modelo (como
na cópia) é definido CRMTS de identidade (do inglês, identity constructed response matching to
sample). Por outro lado, quando esta relação é estabelecida entre estímulos fisicamente diferentes
(como no ditado), se tem o CRMTS arbitrário (do inglês, arbitrary constructed response matching to
sample) (Stromer, Mackay & Stoddard, 1992).
O CRMTS foi utilizado inicialmente no ensino de soletração de palavras com pessoas com atraso
no desenvolvimento cognitivo (Dube, 1996; Dube, McDonald, Mcllvane & Mackay, 1991; Hanna, de
Souza, de Rose & Fonseca, 2004; Mackay & Sidman, 1984; Stromer et al., 1992) e ensino de sequências
numéricas para crianças surdas (Magalhães & Assis, 2011; Magalhães, Assis & Rossit, 2012).
Tendo em vista que as tarefas de CRMTS estabelecem o controle discriminativo pelas unidades
mínimas que formam a palavra (letras e sílabas), elas favorecem também a identificação das palavras
como estímulos compostos, que são constituídos a partir da combinação e recombinação de letras ou
sílabas (de Rose, Souza & Hanna, 1996; Souza et al., 2009). Deste modo, um aluno pode apresentar
a habilidades de ler e compreender palavras da língua que não foram diretamente ensinadas
(Hanna, Karino, Araújo & de Souza, 2010). Este processo, que vem sendo chamado de generalização
recombinativa silábica, caracteriza-se pela formação de novas unidades linguísticas (Goldstein, 1983;
Wetherby & Striefel, 1978), e parece contribuir para a facilitação da leitura generalizada de palavras
(Hanna et al., 2004; Matos, Avanzi & Mcllvane, 2006; Matos, Peres, Hubner & Malheiros, 1997).
A despeito do interesse no estudo da composição de palavras, os analistas do comportamento
têm se dedicado também à compreensão da produção de sentenças, pois o fato que aprender
palavras isoladamente, não significa necessariamente que a criança saberá usá-las adequadamente
na construção de sentenças.
Skinner (1957/1992) discute que quando falamos sobre sentenças estamos tratando do
comportamento verbal. Inicialmente, o autor definiu o comportamento verbal como um operante
estabelecido e mantido por consequências reforçadoras mediadas por um ouvinte especialmente
treinado para responder adequadamente aos diferentes operantes verbais emitidos pelo falante.
Desta forma, as habilidades linguísticas são adquiridas e mantidas pelo mesmo processo de
reforçamento diferencial que outros operantes e pode ser descrito em termos da contingência tríplice
de reforçamento.
Gramaticalmente, a ordenação das palavras, a forma como são agrupadas e relacionadas umas
com as outras numa sentença são o foco de estudo da sintaxe. Para Skinner (1957/1992), são as
contingências sociais que selecionam arbitrariamente a ordem em que as palavras são expressas nas
sentenças. Uma expressão sintaticamente correta significa que a ordem das palavras é apropriada a
uma determinada comunidade verbal e não a outra (Mackay & Fields, 2009).
Na literatura que envolve especificamente a produção de sentenças, Yamamoto (1994) investigou
a produção de sentenças com duas palavras numa criança de seis anos com diagnóstico de autismo.
O autor interpretou seus dados à luz do paradigma da equivalência de estímulos. A partir do ensino
de discriminações condicionais entre cor e características de objetos, a criança foi exposta à tarefa
de sequenciar palavras selecionando primeiro um caractere que representava uma cor e em seguida
outro caractere que representava um objeto. Após esse ensino novas relações generalizadas foram
demonstradas ao se produzir sentenças sob controle destas duas propriedades, num primeiro
momento a cor e em seguida o objeto.
157
Em um segundo estudo, Yamamoto e Miya (1999) buscaram compreender as condições suficientes
para a construção de sentenças utilizando procedimentos de ensino e testes informatizados. No
primeiro experimento, com o CRMTS simultâneo, uma figura era apresentada como estímulo
modelo e a tarefa era construir uma sentença com cinco palavras. Após o ensino de três sentenças,
verificou-se a emergência da construção de 24 novas sentenças. Num segundo experimento que
utilizou o mesmo procedimento, a tarefa consistia em construir uma sentença sob dois padrões
diferentes de palavras como estímulo modelo. Em algumas tentativas eram apresentadas a figura e o
sujeito (como primeira palavra), e em outras era a figura e o objeto, para que a criança selecionasse
sequencialmente as demais palavras. Posteriormente realizaram um treino para transferir a resposta
de construção para escrita manual. Os resultados mostraram que os três alunos construíram
corretamente 24 novas sentenças, aderindo às regras gramaticais japonesas, bem como realizaram
a escrita manual de sentenças completas. Tais dados ampliam o alcance de pesquisas anteriores que
verificaram apenas a tarefa de construção de palavra, além disso, dão relevância à utilização do
CRMTS enquanto tecnologia, para o arranjo eficaz de contingências no treino depopulações com
repertório verbal limitado.
Considerando que na área de investigação de produção de sentenças ainda existem poucos estudos
experimentais avaliando as relações de controle de estímulos existentes nesse repertório, o presente
estudo teve como objetivo investigar o efeito de procedimentos informatizados no ensino de sentenças
por CRMTS sobre a leitura recombinativa generalizada em crianças com desenvolvimento típico.
Método
Comportamento em Foco 4 | 2014
Assis . Fonseca . Bandeira
Participantes
158
Participaram do estudo cinco alunos do 1º ano do ensino fundamental que frequentavam
regularmente uma instituição de ensino localizada na cidade em que o estudo foi realizado. Todas
as crianças apresentavam desenvolvimento típico. As idades dos participantes são apresentadas na
Tabela 1.
Foi solicitada à coordenação pedagógica da instituição a indicação de crianças que tivessem um
repertório mínimo de reconhecimento de sílabas e palavras isoladas. Posteriormente, as crianças
foram submetidas aos pré-testes para avaliação de seu repertório. Atendendo os critérios de seleção,
seus responsáveis eram informados sobre a pesquisa e assinavam um Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido autorizando a participação dos alunos no estudo (protocolo no 022/09 – CEP-ICS/
UFPA), conforme exigência do Conselho Nacional de Saúde (Resolução no 466/12).
Foi realizada ainda uma entrevista com cada participante com o objetivo de fazer um levantamento
de seus itens de preferência, como brinquedos, jogos educativos, guloseimas, materiais escolares e
personagens de desenhos ou histórias infantis. Esses itens foram utilizados como “brindes”, sendo
entregues para os participantes ao final de algumas sessões experimentais, independentemente de
seu desempenho.
Tabela 1
Caracterização dos participantes com relação à idade
Participantes
Idade/meses
GUI
8/6
GLY
6/5
ATH
6/4
CAR
6/6
PED
7/2
Ambiente experimental e materiais
A coleta de dados foi realizada na própria instituição frequentada pelos participantes. As sessões
foram conduzidas em uma sala com iluminação artificial e climatizada, destinada especificamente
para a coleta de dados. Para o procedimento informatizado foi utilizado um computador de 17’’, com
o software PROLER versão 6.4 (Assis & Santos, 2010), que apresentava os estímulos e fazia o registro
das respostas corretas e incorretas.
Estímulos
Foram utilizados três conjuntos de estímulos. O conjunto A foi formado por palavras ditadas
(gravadas previamente pela experimentadora), o conjunto B por palavras e sentenças impressas, e o
conjunto C pelas figuras correspondentes. A Tabela 2 apresenta os conjuntos de estímulos utilizados
neste estudo.
Tabela 2
Conjuntos de estímulos A, B e C
Conjunto B
“RATO”
“VACA”
“POMBO”
RATO
VACA
POMBO
“LAMBEU”
“MORDEU”
“BICOU”
LAMBEU
MORDEU
BICOU
“JACA”
“PERA”
“CAJU”
JACA
PERA
CAJU
O RATO MORDEU UMA JACA
A VACA LAMBEU UM CAJU
O POMBO BICOU UMA PERA
Conjunto C
Assis . Fonseca . Bandeira
Comportamento em Foco 4 | 2014
Conjunto A
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Procedimento
Pré-teste
Inicialmente foram realizados dois pré-testes de leitura oral. O Pré-teste 1 avaliou o reconhecimento
e leitura das palavras. Nele foram apresentadas a cada participante nove palavras (substantivos e
verbos componentes das frases), e em seguida foi solicitado que as lesse em voz alta. Cada palavra
era apresentada duas vezes, totalizando 18 tentativas. Caso atingisse, no mínimo, 80% de acerto, o
participante era submetido ao Pré-teste 2, o qual verificou o reconhecimento e leitura das sentenças.
Nele foram apresentadas aos participantes três sentenças (utilizadas posteriormente no estudo), e foi
solicitada novamente a leitura em voz alta. Cada sentença foi apresentada duas vezes, totalizando seis
tentativas. O critério para inclusão no estudo foi à obtenção de, no máximo, 50% de acerto.
Fase 1
Ensino de MTS identidade simultânea das relações BB (palavra impressa/ palavra impressa)
e CC (figura/figura)
Comportamento em Foco 4 | 2014
Assis . Fonseca . Bandeira
O objetivo das duas primeiras fases foi ensinar os pré-requisitos necessários para a leitura de
palavras, a fim de possibilitar que o participante aprendesse de forma gradual a leitura de uma
sentença. Posteriormente, foram aplicados os testes de equivalência para verificar a emergência de
novas relações não diretamente ensinadas.
Na configuração da tela do computador havia nove “células” de 2,5 x 2,5 cm com contorno, dispostas
numa matriz três por três. O estímulo modelo era móvel, podendo ser apresentado randomicamente
em qualquer uma das nove células. Tal procedimento foi empregado com o intuito de eliminar o
possível controle pela posição do estímulo. A tentativa se iniciava com a apresentação do estímulo
modelo e após o toque do participante no mesmo (resposta de observação) eram apresentados três
estímulos de comparação nas demais células disponíveis. Quando o participante respondia conforme
o programado, uma animação gráfica foi apresentada na tela do computador e a pesquisadora dizia
ao participante: “Legal, você conseguiu!” ou “Parabéns!”. Caso o participante respondesse diferente
do programado, a tela se escurecia por 3s, a mesma configuração de estímulos era reapresentada
(procedimento de correção) e a experimentadora fornecia dicas, como por exemplo, “Preste atenção”,
“Olhe a mesma palavra” e assim por diante. A Figura 1 apresenta um exemplo de uma tentativa de
ensino de MTS identidade.
Cada relação condicional (BB e CC) era apresentada em blocos de quatro tentativas e o critério de
acerto era de 100%, ou seja, o participante deveria responder quatro vezes consecutivas, sem erro.
Caso o participante não alcançasse o critério de acerto, era exposto novamente ao bloco de tentativas
por, no máximo, três vezes.
160
Figura 1
Ilustração de uma tentativa de ensino de MTS identidade simultânea (palavra escrita/
palavra escrita). O círculo indica o estímulo modelo apresentado e a seta o estímulo de comparação
programado como correto. As indicações em vermelho são apenas ilustrativas.
Fase 2
Ensino de MTS arbitrário simultâneo das relações AB (palavra ditada /palavra impressa) e
AC (palavra ditada/figura)
Figura 2
Ilustração de uma tentativa de ensino de MTS arbitrário (palavra ditada/palavra
impressa). O círculo (apenas para ilustração) representava o estímulo modelo auditivo, onde o participante
emitia a resposta de observação.
Assis . Fonseca . Bandeira
Comportamento em Foco 4 | 2014
Essa fase foi realizada com os mesmos parâmetros anteriores. A diferença foi o uso do estímulo
modelo auditivo (apresentado pelo próprio computador) para o ensino das discriminações
condicionais arbitrárias AB e AC.
Uma tentativa era iniciada com a apresentação da seguinte instrução: “O computador irá produzir
o som de uma palavra. Depois irão aparecer palavras impressas (ou três figuras) e só uma delas
corresponde aquela que o computador ditou. Toque naquela que você acha que está correta”. Após a
resposta de observação ao estímulo modelo, três estímulos de comparação eram apresentados nas
“células” disponíveis. A Figura 2 apresenta um exemplo de uma tentativa de MTS arbitrário (palavra
ditada/palavra impressa).
161
Fase 3
Teste das relações emergentes BC (palavra impressa/figura) e CB (figura/palavra impressa)
O objetivo desta fase foi verificar se novas relações entre palavras impressas e figuras (BC), e entre
figuras e palavras impressas (CB) poderiam emergir em função das discriminações condicionais
ensinadas AB e AC. A configuração das tentativas seguiu os mesmos parâmetros anteriores.
No teste das relações BC, uma palavra escrita era apresentada como estímulo modelo e três
figuras como estímulos de comparação, sendo apenas uma delas correspondente ao modelo. A
experimentadora forneceu a seguinte instrução ao participante: “Aqui (apontava para a tela) irá
aparecer uma palavra e você deverá tocar na figura que corresponde à palavra. Desta vez, eu não direi
a você se está acertando ou não”. No teste das relações CB, ocorria o inverso.
Na fase de testes não havia consequências diferenciais para o responder do participante, o qual
avançava para a próxima tentativa independentemente do seu desempenho. Considerou-se a
emergência de novas relações entre os estímulos quando o participante acertava 100% das tentativas.
Fase 4
Comportamento em Foco 4 | 2014
Assis . Fonseca . Bandeira
Procedimento de ensino de sentenças por CRMTS simultâneo
162
O objetivo desta fase foi ensinar a construção de sentenças através do procedimento de CRMTS.
Paralelamente também foi introduzido o procedimento de fading out (esvanecimento), com o
objetivo de transferir o controle de estímulos da construção da sentença diante do modelo impresso
para a figura, com um mínimo de erros.
Nessa fase os estímulos foram apresentados na tela do computador, que estava dividida em duas
áreas principais. Na parte superior havia uma célula onde foi apresentado o estímulo modelo, abaixo,
estava localizada a área denominada “área de construção”. A área de construção caracterizava-se por
um fundo de tela cinza, na qual ficavam dispostos os estímulos, lado a lado, da esquerda para a direita,
após se deslocarem da “área de escolha”. A segunda área, chamada “área de escolha”, estava localizada
na parte inferior da tela e continha 14 “células” de 2,5 x 2,5 cm, nas quais eram apresentadas, de
forma randomizada, os estímulos de comparação que formavam a sequência experimental. A Figura
3 apresenta um exemplo de tentativa de ensino de sentenças utilizando o procedimento de CRMTS.
A tentativa se iniciava com a apresentação do estímulo modelo composto (sentença impressa e
figura) e a seguinte instrução: “Observe a frase. Após tocá-la, irão aparecer algumas palavras e você
deverá colocá-las na ordem correta igual como está aqui (apontava para o modelo)”. Após o toque
no estímulo modelo, eram apresentadas como estímulos de comparação seis palavras, sendo que
apenas cinco formavam a sentença e uma funcionava como estímulo de distração. Esse recurso foi
utilizado para garantir o fortalecimento do controle de estímulos pelo S+, ou seja, pelas palavras que
compõem a sentença apresentada como estímulo modelo.
No ensino da sentença “A vaca lambeu um caju”, a topografia de resposta de tocar na palavra
“A” produzia seu deslocamento da “área de escolha” para a “área de construção”. Posteriormente,
a tarefa do participante era tocar a palavra “VACA”, depois “LAMBEU” e assim por diante até a
última palavra da frase (devendo permanecer nessa “área de escolha”, apenas a palavra de distração).
As palavras se deslocavam da “área de escolha”, uma de cada vez, para “área de construção” onde
permaneciam por 5s. Em seguida, uma animação gráfica era apresentada na tela e a pesquisadora
fornecia a consequência social “Muito bem, você acertou!”, ou “Parabéns!”. Quando a resposta era
diferente da programada (por exemplo, CAJU→LAMBEU), não havia consequência reforçadora, a
tela se escurecia por 3s e foi apresentado o procedimento de correção.
Área de Construção
Área de Escolha
Figura 3
Exemplo de uma tentativa de ensino de sentença por CRMTS simultâneo
Nas três primeiras tentativas, o estímulo modelo composto esteve presente por completo. A partir
da quarta tentativa, foi incluído o fading out nas palavras, que se esvaneceram gradativamente, da
última até a primeira. A cada tentativa uma palavra era removida do estímulo modelo e o participante
deveria construir a sentença, mesmo na ausência da palavra. Na última tentativa de ensino da
sentença, já sem nenhuma palavra, era apresentado como modelo apenas a figura correspondente
à sentença escrita e o participante selecionava todas as palavras apenas na presença da figura. Ao
construir a sentença corretamente por três vezes consecutivas, o participante era submetido ao
ensino das demais sentenças, que foi realizado seguindo os mesmos critérios mencionados.
Fase 5
Testes de leitura recombinativa generalizada
Nesta fase foi utilizada a mesma configuração de tela anterior, todavia, com seis novas sentenças
formadas a partir da recombinação das palavras utilizadas nas sentenças da fase de ensino. A Tabela
3 apresenta as sentenças de ensino e as novas sentenças utilizadas no teste de leitura recombinativa
generalizada.
Cada tentativa era iniciada com a apresentação da sentença de teste impressa como estímulo
modelo e o participante recebia as mesmas instruções já descritas da fase de treino. Assim, na
presença da nova sentença, por exemplo, “O rato lambeu um caju”, o participante deveria selecionar
essas palavras na “área de escolha”, uma após a outra, até permanecer apenas o estímulo de distração.
Não havia consequência reforçadora e o participante teve apenas uma oportunidade para responder.
Em seguida, cada nova sentença impressa foi disponibilizada na tela.
Sentenças de ensino
Sentenças de testes
A VACA MORDEU UMA JACA
O RATO MORDEU UMA JACA
O RATO LAMBEU UM CAJU
A VACA LAMBEU UM CAJU
O POMBO BICOU UM CAJU
O POMBO BICOU UMA PERA
O RATO LAMBEU UMA PERA
A VACA MORDEU UMA PERA
O POMBO BICOU UMA JACA
Assis . Fonseca . Bandeira
Comportamento em Foco 4 | 2014
Tabela 3
Sentenças de ensino e de testes
163
Resultados
Os resultados obtidos nos Pré-testes 1 e 2 estão apresentados na Tabela 4 em termos de porcentagem
de acerto de cada participante.
Tabela 4
Porcentagem de acertos do participante nos Pré-testes 1 e 2
Pré-teste 1
Pré-teste 2
Participantes
Reconhecimento e
leitura de palavras
Reconhecimento e
leitura de sentenças
GUI
83%
33%
GLY
89%
33%
ATH
94%
33%
PED
89%
33%
CAR
83%
0%
Comportamento em Foco 4 | 2014
Assis . Fonseca . Bandeira
Esclarece-se ao leitor que os resultados de cada participante nas demais fases estão apresentados
em gráficos individuais nos quais foram assinaladas as porcentagens de acertos nos testes de
emergência de novas relações BC (palavras escritas/ figuras) e CB (figuras/palavras escritas), no
ensino de sentenças por CRMTS, no ensino de discriminação condicional (transferência de controle
de estímulo da sentença impressa para figura correspondente) e no teste de leitura recombinativa
generalizada.
Os dados do participante GUI encontram-se na Figura 4. No teste CB, o participante atingiu 100%
diante de seis estímulos e 0% diante de “caju”, “bicou” e “mordeu”. No teste BC, obteve 100% de acerto
diante de oito estímulos, salienta-se que apenas na presença do estímulo “mordeu” o participante não
acertou. Na fase de ensino de sentenças por CRMTS, a criança alcançou 100% de acerto na presença
das sentenças 2 e 3 e 60% diante da sentença 1. No ensino de discriminação condicional de sentenças,
GUI alcançou 100% diante de todas as sentenças. No teste de leitura recombinativa generalizada o
participante obteve 100% diante das novas sentenças apresentadas.
164
Participante GUI
Porcentagem de acertos
100
Teste CB
Teste BC
Ensino de sentenças
por CRMTS
Ensino de
discriminação
condicional de
sentenças
50
Teste de sentenças
recombinadas
Teste de S5
Teste de S6
Teste de S4
Teste de S3
Teste de S1
Teste de S2
Figura de S3
Figura de S1
Figura de S2
S3
S1
S2
Lambeu
Jaca
Mordeu
Pera
Pombo
Rato
Vaca
Caju
Bicou
0
Estímulos
Figura 4
Porcentagem de acertos do participante GUI na fase de testes de emergência de novas
relações BC e CB, ensino de sentenças por CRMTS e teste de leitura recombinativa
generalizada. Cada barra corresponde ao desempenho do participante na presença dos estímulos. A ordem
cronológica de aplicação segue da esquerda para a direita.
A Figura 5 apresenta a porcentagem de acertos da participante GLY. Nos testes BC e CB, a
participante alcançou 100% diante de oito dos nove estímulos apresentados. Na fase de ensino de
sentenças por CRMTS, GLY obteve 100% de acerto diante das sentenças 1 e 3 e 75% na presença
da sentença 2. Já no ensino de discriminação condicional de sentenças, a participante atingiu
100% diante de todos os estímulos apresentados. No teste de leitura recombinativa generalizada a
participante alcançou 100% de acertos diante das seis novas sentenças.
Participante GLY
Teste CB
Teste BC
Ensino de sentenças
por CRMTS
Ensino de
discriminação
condicional de
sentenças
50
Teste de sentenças
recombinadas
Estímulos
Teste de S6
Teste de S5
Teste de S4
Teste de S3
Teste de S1
Teste de S2
Figura de S3
Figura de S1
Figura de S2
S3
S1
S2
Lambeu
Mordeu
Jaca
Pera
Pombo
Rato
Vaca
Caju
Bicou
0
Figura 5
Porcentagem de acertos do participante GLY na fase de testes de emergência de novas
relações BC e CB, ensino de sentenças por CRMTS e teste de leitura recombinativa
generalizada. Cada barra corresponde ao desempenho do participante na presença dos estímulos. A ordem
cronológica de aplicação segue da esquerda para a direita.
Assis . Fonseca . Bandeira
Comportamento em Foco 4 | 2014
Porcentagem de acertos
100
165
Os dados do participante ATH estão dispostos na Figura 6. No teste CB o participante atingiu
100% diante de oito estímulos, apenas diante de “caju” teve 0%. Já no teste BC, o participante
alcançou 100% diante de todos os estímulos. Na fase de ensino de sentenças por CRMTS, no ensino
de discriminação condicional e no teste de leitura recombinativa generalizada, ATH obteve 100% de
acerto em todas as fases.
Participante ATH
Porcentagem de acertos
100
Teste CB
Teste BC
Ensino de sentenças
por CRMTS
Ensino de
discriminação
condicional de
sentenças
50
Teste de sentenças
recombinadas
Teste de S5
Teste de S6
Teste de S4
Teste de S3
Teste de S1
Teste de S2
Figura de S3
Figura de S1
Figura de S2
S3
S1
S2
Lambeu
Jaca
Mordeu
Pera
Pombo
Rato
Vaca
Caju
Bicou
0
Estímulos
Figura 6
Porcentagem de acertos do participante ATH na fase de testes de emergência de novas
relações BC e CB, ensino de sentenças por CRMTS e teste de leitura recombinativa
generalizada. Cada barra corresponde ao desempenho do participante na presença dos estímulos. A ordem
cronológica de aplicação segue da esquerda para a direita.
Na Figura 7 são apresentados os resultados obtidos pelo participante PED. No teste CB, apresentou
100% de acerto diante de oito estímulos, apenas diante de “rato” teve 0% de acerto. Já no teste BC,
alcançou 100% diante de todos os estímulos apresentados. No ensino de sentenças por CRMTS,
alcançou 100% diante das três sentenças ensinadas, assim como no ensino de discriminação
condicional de sentenças e no teste de leitura recombinativa generalizada.
Participante PED
166
Teste CB
Teste BC
Ensino de sentenças
por CRMTS
Ensino de
discriminação
condicional de
sentenças
50
Teste de sentenças
recombinadas
Estímulos
Teste de S6
Teste de S5
Teste de S4
Teste de S3
Teste de S1
Teste de S2
Figura de S3
Figura de S1
Figura de S2
S3
S1
S2
Lambeu
Jaca
Mordeu
Pera
Pombo
Rato
Vaca
Caju
0
Bicou
Comportamento em Foco 4 | 2014
Assis . Fonseca . Bandeira
Porcentagem de acertos
100
Figura 7
Porcentagem de acertos do participante PED na fase de testes de emergência de novas
relações BC e CB, ensino de sentenças por CRMTS e teste de leitura recombinativa
generalizada. Cada barra corresponde ao desempenho do participante na presença dos estímulos. A ordem
cronológica de aplicação segue da esquerda para a direita.
A Figura 8 apresenta os resultados obtidos pela participante CAR. Nos testes BC e CB, a participante
alcançou 100% diante dos estímulos apresentados, exceto em “lambeu” no qual obteve 0%. Na fase
de ensino de sentenças por CRMTS, obteve 75% nas sentenças 1 e 3, enquanto que na sentença 2
alcançou 100%. No ensino de discriminação condicional de sentenças, a participante obteve 100%
diante das sentenças 1 e 2, enquanto que na sentença 3 obteve 75%. No teste de leitura recombinativa
generalizada, obteve 100% nas sentenças 1, 2, 3 e 4, ao passo que nas sentenças 5 e 6 obteve 0%.
Participante CAD
Porcentagem de acertos
100
Teste CB
Teste BC
Ensino de sentenças
por CRMTS
Ensino de
discriminação
condicional de
sentenças
50
Teste de sentenças
recombinadas
Teste de S5
Teste de S6
Teste de S4
Teste de S3
Teste de S1
Teste de S2
Figura de S3
Figura de S1
Figura de S2
S3
S1
S2
Lambeu
Jaca
Mordeu
Pera
Pombo
Rato
Vaca
Caju
Bicou
0
Estímulos
Figura 8
Porcentagem de acertos do participante CAR na fase de testes de emergência de novas
relações BC e CB, ensino de sentenças por CRMTS e teste de leitura recombinativa
generalizada. Cada barra corresponde ao desempenho do participante na presença dos estímulos. A ordem
cronológica de aplicação segue da esquerda para a direita.
Na Tabela 5 é possível visualizar o número de reexposições necessárias para o ensino das três
sentenças por CRMTS na presença da sentença escrita. Enquanto os participantes ATH e PED não
precisaram de nenhuma reexposição para responder com 100% ao ensino das três sentenças, CAR
precisou de duas reexposições, sendo uma na sentença 1 e a outra na 3, GLY foi reexposto apenas
uma vez na sentença 2 e GUI foi o único que precisou de duas reexposições no ensino da sentença 1.
Participantes
Sentença 1
Sentença 2
Sentença 3
GUI
2
0
0
GLY
0
1
0
ATH
0
0
0
PED
0
0
0
CAR
1
0
1
Assis . Fonseca . Bandeira
Comportamento em Foco 4 | 2014
Tabela 4
Número de reexposições por participante para o ensino das sentenças
167
Discussão
Comportamento em Foco 4 | 2014
Assis . Fonseca . Bandeira
O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito do procedimento de ensino informatizado
por resposta construída de sentenças sobre a leitura recombinativa generalizada em crianças com
desenvolvimento típico que apresentavam um repertório mínimo de leitura de palavras. O uso deste
procedimento para o ensino de sentenças pode ser considerado uma proposta inovadora, já que, em
geral, os estudos em Análise do Comportamento o utilizam para a composição de letras, sílabas ou
palavras. Adicionalmente, fez-se o uso de um ensino gradual do repertório na produção de sentenças
preocupando-se em garantir uma aprendizagem com pouco ou nenhum erro.
A articulação dos procedimentos de MTS, CRMTS e fading out para o treino gradual mostrou-se
efetiva no ensino das sentenças, uma vez que dos cinco participantes, dois alcançaram 100% de acerto
nas nove sentenças (ensino e teste) e outros dois alcançaram 100% em oito. Um dos participantes,
apresentou resultados modestos (alcançou 100% em cinco sentenças), entretanto, ainda assim,
considera-se que houve melhora no seu desempenho, já que foi o único participante com 0% de
acerto no Pré-teste de leitura de sentenças.
Mesmo considerando que o repertório de reconhecimento e leitura de palavras isoladas já era um
critério mínimo para inclusão dos participantes, considera-se que as fases preliminares de ensino e
testes de MTS foram relevantes no sentido de fortalecer este repertório, principalmente com relação
aos estímulos utilizados no estudo. Os resultados dos testes demonstraram que os participantes
168
estabeleceram as classes de equivalência entre as palavras impressas, ditadas e figuras usadas nas
sentenças, com um número mínimo de erros.
Num estudo similar que envolvia o CRMTS com atraso na construção de palavras, Souza et
al., (2004) ressaltaram que para crianças que não apresentavam controle de elementos textuais
menores que a palavra antes do treino (letras e sílabas), mesmo após as tarefas de construção de
resposta, o controle textual permanece precário ou nem se desenvolvia. No presente estudo, os
participantes que apresentaram resultados mais elevados nos pré-testes (GLY, ATH, PED), tiveram
melhores desempenhos nas fases de treino, demonstrando que o responder sob controle de cada
elemento constituinte da sentença (palavras) pode ter facilitado o estabelecimento do repertório de
construção de sentenças.
Outra condição favorecedora foi à presença simultânea do modelo nas primeiras tentativas
da tarefa, ou seja, a sentença completa ficava disponível e a criança devia realizar uma tarefa de
identidade (cópia).
Durante o processo de transferência de controle de estímulo da construção da sentença diante
do modelo impresso para a figura, o procedimento fading out demonstrou ser uma alternativa
metodológica relevante para que os participantes emitissem poucos erros quando solicitados
a construir a sentença apenas na presença da figura. Estes resultados corroboram os de Dube,
McDonald, Mcllvane e Mackay (1991), em que um procedimento de fading in era utilizado para
transferir o controle de estímulo pelo modelo impresso para a construção da palavra correspondente.
Stromer e Mackay (1992) também demonstraram que o uso do estímulo modelo composto favorece
com que ambos os estímulos (no caso do presente estudo, sentença impressa e figura) exerçam um
controle conjunto sobre a resposta construída. Assim, mesmo na ausência de um dos estímulos, o
outro passaria a controlar o responder do indivíduo. Os resultados indicaram que os participantes
aprenderam a tarefa proposta, conclusão esta extraída a partir da observação da diminuição de erros
ao longo do procedimento de ensino.
Quanto aos testes recombinação generalizada, quatro dos cinco participantes construíram seis
novas sentenças formadas a partir das palavras usadas na fase de ensino. Diversos autores (de Rose et
al., 1996; Hanna,et al., 2004; Matos, Avanzi & Mcllvane, 2006; Souza, et al., 2009) têm apontado que
o fato do CRMTS aumentar o controle por todas as unidades mínimas do estímulo, pode resultar
Referências
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Assis . Fonseca . Bandeira
Comportamento em Foco 4 | 2014
em melhores desempenhos de leitura recombinativa generalizada. No caso de uma sentença, este
procedimento pode propiciar um maior contato com cada uma das palavras e favorece a identificação
da sentença como um estímulo composto, formada por elementos que podem ser combinados. Além
disso, a utilização dos estímulos de distração garantiu que a construção das sentenças ficasse sob
controle do estímulo modelo apresentado.
Os resultados também indicaram que os estímulos utilizados eram funcionalmente equivalentes.
Alguns autores defendem que, embora o procedimento de CRMTS tenha diferenças em relação ao
procedimento MTS, aquele também envolve a formação de classes equivalentes, pois há aprendizagem
de novas relações, sem treino explícito, a partir de relações ensinadas (Mackay & Sidman, 1984). Ou
seja, no momento em que um estímulo que controla uma resposta pode ser substituído por outro,
sem alterar a probabilidade da ocorrência da resposta, diz-se que os dois estímulos são equivalentes,
têm a mesma função (Sidman, 1994).
Durante o teste de recombinação generalizada a sentença impressa esteve presente, sugerese que em estudos posteriores o teste seja conduzido apenas na presença da figura como modelo,
por exemplo, para verificar se os participantes estavam respondendo simplesmente em função da
identidade entre os estímulos modelo e comparação ou se ocorreu em função da formação de classes
de estímulos ordinais entre os membros que ocupavam a mesma posição nas diferentes sentenças
(Mackay & Fields, 2009).
Os achados experimentais do presente estudo corroboram os de Dube et al. (1991), Stromer e
Mackay (1992) e Yamamoto e Miya (1999), demonstrando a importância de pesquisas que utilizam
procedimentos de ensino informatizados, os quais além de exigirem topografias de respostas motoras
mais simples (seleção), possibilitam a utilização de um procedimento de ensino individualizado,
com feedback imediato (acertos e erros), adequado ao ritmo de aprendizagem de cada participante.
Pesquisas com uma base teórica analítico-comportamental têm obtido progressos consideráveis
em relação ao ensino de repertórios acadêmicos, contribuindo assim para a prevenção do
fracasso escolar. No que se refere à literatura específica de produção de sentenças, percebe-se que
tem aumentado o número de estudos empíricos que investigam esse repertório, bem como as
variáveis ambientais que influenciam nesse desempenho, através da manipulação de variáveis de
procedimento de ensino.
Considerando que os resultados dessas pesquisas podem ser efetivos no contexto escolar, tornase fundamental que estudos futuros promovam um refinamento metodológico do procedimento
e investiguem determinadas variáveis com maior controle experimental, como por exemplo:
escolha das palavras baseada cotidiano dos participantes e com critérios mais rigorosos (como
dissílabas, sílabas simples, sons abertos), bem como o uso do tempo verbal no presente. Mantendo
o procedimento de CRMTS, sugere-se ainda colocar as respostas de produção de sentenças
sob controle discriminativo de segunda ordem, como, a composição de sentenças afirmativas e
negativas, sob controle das cores verde e vermelho, ampliando, portanto, a unidade de análise de
discriminações condicionais para contextuais.
Dados de pesquisas com esse enfoque podem auxiliar educadores na utilização de um
instrumento eficiente de análise e controle do comportamento de produção e leitura de sentenças
com poucos erros.
169
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171
172
Comportamento em Foco 4 | 2014
Efeitos da magnitude da punição na correspondência verbal
em situação lúdica 1
Rayana Lima Brito
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
Carlos Augusto de Medeiros 2
Centro Universitário de Brasília, Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
Fabio Hernandez de Medeiros
Universidade de Brasília
Rogéria Adriana de Bastos Antunes
Luis Guilherme de Souza
Centro Universitário de Brasília
Resumo
Palavras-chave: correspondência verbal, magnitude da punição, situação lúdica.
1 Essa pesquisa foi relatada no formato de monografia de conclusão de curso de graduação em Psicologia da primeira autora
orientada pelo segundo autor. Essa pesquisa também foi produto da bolsa de iniciação científica do terceiro autor que foi bolsista
do Programa de Iniciação Científica do Centro Universitário de Brasília.
2 [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Para a Análise do Comportamento, o mentir é um comportamento verbal que pode ser entendido
com os princípios comportamentais. Este estudo teve como objetivo verificar, a partir do relato verbal
do participante, o controle da magnitude da punição em uma situação lúdica sobre a frequência de
relatos distorcidos. O experimento consistiu em um jogo de cartas com 12 participantes, onde o
objetivo era se desfazer das cartas de sua pilha. O jogo era de duas pessoas, uma jogando contra a
outra, sendo que cada participante recebia uma pilha de cartas. O primeiro jogador era solicitado a
dizer a soma de pontos das cartas que havia retirado de sua pilha, sendo então seguido pelo relato
do segundo participante. Aquele que relatasse o maior valor vencia a rodada e se desafazia de suas
cartas. Após os relatos, era jogado o dado que determinava se haveria ou não conferência da precisão
do relato. Cada par de oponentes jogava duas partidas: uma tinha o critério de Magnitude Alta se algum participante distorcesse o valor das cartas de sua mão, perdia a rodada recebia todas as
cartas já descartadas; e Magnitude Baixa - no caso de distorção e checagem, o participante perderia
a rodada. Foi observado que na condição Magnitude Baixa houve mais distorções, demonstrando
assim o efeito da manipulação da variável independente. Esses resultados sugerem a possibilidade de
controle da precisão do relato verbal como função de variáveis ambientais.
173
Comportamento em Foco 4 | 2014
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
174
O comportamento de mentir para o senso comum é uma ação julgada como falta de caráter e
sendo condenado quando detectado (Ferreira, 2009). Pais tendem a castigar com severidade seus
filhos quando mentem. Por outro lado, quando a mentira não é detectada, tende a resultar em
interações sociais bem sucedidas para o falante que mente. Um jovem pode evitar uma bronca dos
pais de forma eficaz ao dizer que passou à tarde na biblioteca estudando quando na realidade passou
a tarde toda jogando videogame com os amigos. Obviamente essas consequências contraditórias ao
comportamento de mentir repercutirão na sua frequência. Desse modo, fica justificada a pressuposição
de que tanto o comportamento de mentir quanto o de falar a verdade são influenciados pelas suas
consequências, o que resultaria na sua classificação como comportamentos operantes. Portanto, para
a Análise do Comportamento, o mentir é um comportamento verbal, que pode ser descrito com os
princípios da Análise do Comportamento (Chamati & Pherger, 2009; Medeiros, 2013).
A partir disto, é importante realizar pesquisas sobre o comportamento de mentir para entender em
que condições ele é mais provável, visto que se o relato não é preciso, é muito difícil prever e controlar
o comportamento do sujeito, principalmente se a única fonte de acesso a ele se dá pelo relato em si.
Estudos nesta área possibilitam o auxílio para psicólogos, pais, professores e a comunidade verbal em
lidar com esse tipo de comportamento (Medeiros, 2013).
Não restam dúvidas de que, no dia-a-dia, pais e demais educadores tendem a suprimir relatos não
correspondentes com a apresentação de estímulos punitivos. Desse modo, conforme sugere Medeiros
(2013), as distorções no relato pertencem às contingências conflitantes. Muitos relatos precisos são
passíveis de punição, sendo a emissão de relatos distorcidos uma alternativa eficaz para evitá-la
(Medeiros, 2002, 2013). Ao mesmo tempo, os relatos distorcidos, quando descobertos, tendem a
ser punidos com grande magnitude. A despeito de analistas do comportamento desaconselharem
a utilização do controle aversivo pelos seus efeitos colaterais indesejáveis (Skinner, 1953/2000),
compreender como a punição opera sobre o comportamento verbal é fundamental para a condução
de análises funcionais. Por exemplo, pais podem não compreender porque seus filhos continuam a
mentir mesmo depois da aplicação da punição aos relatos distorcidos. Entretanto, a punição a relatos
precisos pode ser de maior magnitude. Logo, a demonstração empírica dos efeitos de diferentes
magnitudes de estímulos punitivos é relevante para dar subsídio científico a tais análises.
Ao se partir da tese de que mentir e dizer a verdade são apenas instâncias de comportamento verbal,
sua suscetibilidade aos efeitos dos parâmetros dos estímulos reforçadores e punitivos precisa ser
demonstrada. Desse modo, a frequência dos relatos distorcidos como instâncias de comportamento
verbal deveria ser afetada pela magnitude com que tais relatos são punidos.
O presente estudo consistiu em uma pesquisa experimental que visou analisar a correspondência
entre fazer-dizer em uma situação lúdica, um jogo de baralho. Visto que não há na literatura estudos
sobre a especificidade da magnitude da punição quanto ao seu efeito sobre as relações entre o
comportamento verbal e o não verbal, o presente estudo investigou explicitamente a relação entre a
magnitude da punição e frequência/porcentagem de relatos distorcidos frente aos relatos precisos.
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
Comportamento em Foco 4 | 2014
Esta pesquisa utilizou como variável independente a magnitude da punição quando os participantes
apresentavam um relato distorcido revelado, observando se é possível que os participantes apresentem
ou não um discurso mais preciso a partir da magnitude da punição. A partir disto, a hipótese principal
do estudo é que a magnitude da punição influencia a probabilidade da emissão de relatos distorcidos.
Conforme discutido acima, o comportamento de mentir é definido como comportamento verbal,
que, de acordo com Barros (2003), pode ser compreendido pela realização de análises funcionais,
mesmo com sua complexidade. Para o autor, por ser caracterizado como um comportamento
operante, a análise para a predição e o controle é a mesma dos comportamentos não verbais. A
análise funcional do comportamento consiste na análise do comportamento em termos das relações
com os contextos antecedentes e consequentes do responder (Catania, 1999/1999).
De acordo com Skinner (1957/1978), o comportamento verbal é um tipo de comportamento
operante: ele altera o ambiente e é modificado por essas alterações. Segundo o mesmo autor, a
especificidade do comportamento verbal é este é controlado pelas consequências mediadas por
um membro da mesma comunidade verbal (definido como ouvinte). Por exemplo, Maria está há
muitas horas sem beber água, e, ao ver a irmã ir a caminho da cozinha, fala: “Joana, traga um copo
de água para mim, por favor?”. Ao pegar o copo de água, Joana (ouvinte) media o comportamento
de Maria e o reforço especificado (acesso à água). O acesso de Maria aos reforçadores do ambiente
é mediado por Joana.
Barros (2003) ressalta uma característica importante do comportamento verbal: não é possível
defini-lo pela sua topografia, isto é, a forma da resposta. Partindo do exemplo acima, Maria poderia
gesticular, apontar/olhar para o bebedouro que a função destes diferentes comportamentos era
ter água. Com o treinamento exercido pela comunidade verbal, o ouvinte (Joana) compreende e
emite o comportamento que altera o ambiente mecânico. Sendo assim, um dos critérios para o
comportamento verbal é a interação entre falante e ouvinte (Barros, 2003).
A definição de comportamento verbal proposta por Skinner (1957/1978) traz que falante e ouvinte
devam pertencer a uma mesma comunidade verbal. Segundo Baum (2005/2006), a comunidade verbal
é formada por pessoas que se comunicam e reforçam os comportamentos verbais uns dos outros.
Sendo assim, a comunidade verbal exerce uma função importante para o comportamento verbal: é
ela que, na maioria das vezes, provê o reforço para a aquisição e manutenção de tal comportamento,
estabelecendo as funções das topografias verbais envolvidas. Para Medeiros (2013), é a comunidade
verbal que provê as práticas de reforço que estabelecem em que condições determinadas topografias
de respostas verbais podem ser emitidas e, consequentemente, reforçadas. Em termos cotidianos, são
grupos que utilizam e compreendem as mesmas verbalizações, partilhando os seus significados, por
exemplo, pessoas que dominam a língua portuguesa.
O comportamento verbal é classificado em diferentes operantes, esta divisão é feita a partir das
suas fontes de controle e de suas topografias (Skinner, 1957/1978). Sendo o tato o mais relevante para
a compreensão do presente estudo.
Segundo Skinner (1957/1978), o tato é o operante verbal cuja topografia é determinada pelos
aspectos antecedentes do ambiente. Ou seja, estímulos discriminativos não verbais exercem controle
temático sobre a topografia dos tatos. Ao dizer “Você sujou sua blusa” e ter como efeito “Obrigado”
do ouvinte, o falante tateia o ambiente a partir do antecedente – sujeira na blusa do ouvinte – e,
tal comportamento é reforçado por um participante da comunidade verbal. A manutenção do tato
ocorre devido ao reforço generalizado, por exemplo, atenção, admiração ou agradecimento. Os tatos
podem apresentar respostas na forma de opiniões, observações narrativas, descrições, comentários
e relatos verbais (Baum, 2005/2006).
De acordo com Medeiros (2013), os tatos podem ter sua precisão afetada, quando não há relação
entre suas topografias e suas variáveis de controle é corrompida. As consequências de tatos precisos
e distorcidos tenderiam, segundo Medeiros, a serem as principais responsáveis pela perda de sua
175
Comportamento em Foco 4 | 2014
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
176
precisão (Medeiros, 2002). Por exemplo, nem sempre se recebe admiração a cada opinião que é
dita, ou melhor, muitas vezes recebe-se críticas, isolamento quando alguém relata com precisão
os estímulos discriminativos não verbais com os quais entrara em contato. Nessas situações, tatos
menos precisos se tornam prováveis, os quais seriam chamados de tatos distorcidos.
O tato distorcido é conhecido cotidianamente como mentira (Medeiros, 2002). Ele é uma resposta
verbal que é controlada pelas consequências imediatas do relato e não pelos estímulos discriminativos
como ocorre no tato não distorcido. A diferença entre eles é a de que no tato há uma relação precisa
entre o estímulo antecedente não verbal e a topografia da resposta e no tato distorcido esta relação é
corrompida (Medeiros, 2013).
O mero efeito das consequências sobre tatos precisos e distorcidos não é suficiente para controlálos. Ainda que as consequências a relatos específicos favoreçam a emissão de tatos distorcidos, tem
sido demonstrado que a precisão do relato verbal é afetada por outras variáveis, como o histórico
de condicionamento e controle instrucional (Ribeiro, 1989/2005); a possiblidade de checagem dos
relatos (Silva, 2011; Oliveira, 2011) e a discriminação das contingências de reforçamento (Ferreira,
2009; Dias, 2008), por exemplo. Mesmo o efeito das consequências de relatos precisos e distorcidos
pode se dar de diferentes maneiras, dependendo dos parâmetros dos estímulos reforçadores e
punitivos aos relatos precisos e distorcidos. O presente estudo verificará se a magnitude da punição
para tatos distorcidos afeta a sua frequência/porcentagem frente aos tatos precisos.
Segundo Skinner (1953/2000) e Sidman (1989/2011), o controle aversivo consiste na manipulação
da frequência de um dado comportamento com o uso de reforço negativo, punição positiva e punição
negativa. O controle aversivo historicamente é desaconselhado por analistas do comportamento
pelas consequências em curto e em longo prazo para quem se comporta e para quem administra as
consequências aversivas (Sidman, 1989/2011; Skinner, 1953/2000).
Uma consequência desse tratamento dado pelos analistas do comportamento ao tópico do controle
aversivo é o número reduzido de pesquisas com humanos sobre o assunto. Por questões éticas,
pesquisas sobre controle aversivo com humanos são mínimas em comparação com pesquisas com
reforçamento positivo. Ademais, a maioria das pesquisas sobre controle aversivo utilizou animais não
humanos. Com essa população, claramente se observa o poder supressor de grandes magnitudes do
estímulo punitivo sobre o comportamento não verbal. O mesmo efeito é menor quando se utilizam
estímulos aversivos de menor magnitude.
A magnitude da punição, portanto, se constitui uma variável independente que tem efeito claro
sobre o comportamento não verbal de animais não humanos. Entretanto, ainda não foi investigado
empiricamente o seu efeito sobre a correspondência verbal em humanos. Diferenças entre o
desempenhos de humanos e não humanos são demonstradas quando se tentam replicar os padrões
de respostas característicos dos esquemas de reforçamento obtidos com animais em pesquisas com
humanos (Lowe, Beasty & Bentall, 1983). O presente estudo utilizou uma metodologia pela qual foi
possível verificar o efeito da magnitude da punição em humanos se comportando verbalmente que
não resultassem em embaraços éticos. Mais especificamente, verificar o seu efeito sobre a precisão do
comportamento verbal em uma situação lúdica.
Historicamente, em Análise do Comportamento, a precisão do comportamento verbal tem sido
tratada como correspondência verbal (Beckert, 2005, Llyod, 2002; Wechsler & Amaral, 2009). A
correspondência verbal é definida como a relação entre o comportamento verbal e o não-verbal de
um indivíduo (Catania, 1999/1999). São considerados correspondentes os relatos verbais que estão
sob o controle discriminativo preciso do comportamento não verbal na condição de estímulo.
Beckert (2005) descreve os três tipos de cadeias de correspondência verbal: dizer-fazer, fazer-dizer
e dizer-fazer-dizer. A correspondência dizer-fazer ocorre quando o falante executa o que disse que
faria. Na correspondência fazer-dizer, o falante relata com precisão o que fez. Já na correspondência
dizer-fazer-dizer, o falante executa o que anunciara e relata com precisão o que fez. As pesquisas
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Comportamento em Foco 4 | 2014
envolvem a liberação de reforçadores em diferente elementos das cadeiras de correspondência,
sendo verificado o efeito desses reforçadores sobre a precisão do dizer e se o fazer correspondente
ocorre ou não.
Naturalmente, a comunidade verbal estabelece contingências para relatos correspondentes
(Catania, 1999/1999; Skinner, 1957/1978). Entretanto, de forma paradoxal, tende a reforçar ou punir
certos relatos correspondentes ou não, o que, como tem sido demonstrado em alguns estudos, afeta
a precisão do relato (Ribeiro, 1989/2005; Sanabio & Abreu-Rodrigues, 2002). Ribeiro (1989/2005)
investigou a correspondência fazer-dizer em crianças no relato do comportamento de brincar. Tal
estudo teve como objetivo analisar os efeitos do reforçamento do conteúdo dos relatos e do controle
instrucional sobre a correspondência verbal. Foram utilizadas cinco condições experimentais: linha
de base, reforçamento individual do relato de brincar, reforçamento do relato de brincar em grupo,
reforçamento da correspondência em grupo e reforçamento não contingente.
As sessões do experimento de Ribeiro (1989/2005) eram sempre compostas de duas fases: uma
de brincar com de três a seis brinquedos e outra de relatar, um a um, com quais brinquedos a
criança havia brincado. Durante as sessões, as crianças ganhavam fichas que poderiam ser trocadas
posteriormente por guloseimas. Na linha de base, a criança recebia fichas relatando que havia brincado
ou não. No reforço de relato de brincar individual, a criança só recebia ficha quando dizia que havia
brincado com o brinquedo mostrado pelo experimentador, tendo ela brincado de fato, ou não. Na
condição de reforço de relato em grupo, as contingências foram as mesmas da condição anterior,
porém, as crianças eram entrevistadas em grupo, e não individualmente. Na condição de treino de
correspondência, feita também em grupo, apenas os relatos correspondentes eram reforçados. Por
fim, no retorno à linha de base, as crianças recebiam as fichas antes da sessão experimental.
Ribeiro (1989/2005) encontrou distorções sistemáticas apenas nas condições de reforço de relato
individual (duas das seis crianças distorceram seus relatos) e de reforço de relato em grupo (cinco
das seis crianças distorceram seus relatos). Ribeiro discute esses resultados afirmando que, de acordo
com Skinner (1957/1978), a tendência inicial é a de relatos correspondentes, como foi observado
nas duas linhas de base. O reforço de relato só produziu relatos distorcidos inicialmente em duas
crianças, as quais, na condição de reforço de relato em grupo instruíram as demais a distorcer
também. Ribeiro discute o papel do controle por regras na ausência de correspondência. Por último,
conforme o esperado, as crianças passaram a relatar de forma correspondente durante o treino de
correspondência, sugerindo que relatos correspondentes ou não, dependem de suas consequências.
Ferreira (2009) se propôs replicar o estudo de Ribeiro (1989/2005) com algumas diferenças na
metodologia. Foi analisada a correspondência verbal fazer-dizer em crianças na tarefa de realizar
operações matemáticas. Neste estudo, foram utilizadas cinco condições experimentais semelhantes
às de Ribeiro: a primeira condição era a linha de base, ou seja, as crianças relatavam quantas
operações matemáticas foram realizadas e seu comportamento verbal não era reforçado; na segunda
condição, em entrevista individual, a criança ganhava o número de fichas igual ao número de
operações matemáticas que havia relatado ter feito, sendo esse relato correspondente ou não; a
terceira foi semelhante à segunda, mas a entrevista foi feita em grupo com crianças do mesmo sexo;
na quarta condição, o comportamento verbal era reforçado somente se houvesse correspondência
com o comportamento não verbal; e, a quinta condição foi igual à primeira, feita em extinção. Neste
estudo foi observado que os relatos foram correspondentes em diferentes condições experimentais,
o que não era esperado pela a autora, não replicando os resultados obtidos no estudo de Ribeiro. Um
dos fatores levantados para avaliar os resultados obtidos foi que as crianças poderiam discriminar a
possibilidade de punição ao emitir respostas de não correspondência, pois havia registro escrito do
comportamento de fazer contas, o que não aconteceu no estudo de Ribeiro (1989/2005).
Ferreira (2009) fez uso de perguntas abertas ao invés de fechadas como em Ribeiro (1989/2005).
Em Ribeiro, as crianças, diante das fotos dos brinquedos, precisavam meramente dizer se tinham
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Comportamento em Foco 4 | 2014
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
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brincado ou não. Já em Ferreira, as crianças precisavam dizer quantas operações tinham resolvido.
Ferreira sugere, portanto, que a probabilidade de distorção foi maior no estudo de Ribeiro, visto que
era mais fácil para as crianças preverem quais respostas seriam reforçadas pelo experimentador, já
que eram apenas duas opções de resposta.
Os estudos de Oliveira (2011a), Oliveira (2011b) e Andrade (2011) utilizaram um novo paradigma
para o estudo da correspondência, que consistia em jogo de cartas. O mesmo jogo foi utilizado no
presente estudo.
Oliveira (2011b) se propôs a investigar a correspondência verbal na frequência de checagem numa
análise intragrupos. O experimento consistiu em um jogo de cartas com doze participantes, onde
o objetivo era se desfazer das cartas de sua pilha. O jogo envolvia dois jogadores que jogavam um
contra o outro. Cada participante recebia uma pilha de 12 cartas, que haviam sido previamente
embaralhadas. Cada carta possuía uma pontuação própria. A cada rodada de uma partida, cada
jogador pegava duas cartas de sua pilha. O primeiro jogador era solicitado a dizer a soma das cartas
que havia tirado de sua pilha, sendo então seguido pelo relato do segundo participante. Os valores
relatados não precisam ser correspondentes aos valores das cartas, vencendo a roladas e descartando
suas cartas no lixo, aquele que relatasse o maior valor. Porém, a cada rodada, os participantes jogavam
um dado e, dependendo do número que caísse, os participantes tinham que mostrar as suas cartas.
Em caso de relatos distorcidos, o(s) participante(s) deveria(m) pegar para si as cartas do lixo, o que
dificultaria vencer a partida (consequência punitiva). Em caso de relatos precisos, vencia a rodada
aquele que tivesse o maior somatório das cartas. Nas rodadas em que não era preciso mostrar as
cartas, vencia a rodada aquele que tivesse relatado o maior valor. Cada par de oponentes jogava
duas partidas: uma tinha a probabilidade de checagem estabelecida como 1/2, ou seja, diante dos
números pares do dado, os participantes deveriam mostrar suas cartas. Na outra partida, que teve
como probabilidade de checagem 1/6, os participantes deveriam mostrar as cartas se o dado caísse
em 6. Três pares de oponentes jogaram a primeira partida com a probabilidade de checagem de 1/2
e as outras três com 1/6.
Os resultados de tal estudo mostraram, de forma geral, que houve um grande percentual de
distorções nos relatos dos participantes quando jogaram a partida de 1/6, pois a probabilidade de
mostrar as cartas era menor que na partida com o critério de 1/2. Os participantes que jogaram
primeiro a partida com critério de 1/2 e depois jogaram de 1/6, apresentaram maior frequência de
distorções do que os participantes que tiveram como primeira partida o critério de 1/6. A autora
considera que por os participantes terem sido expostos ao jogo na partida de 1/2 primeiro, possibilitou
uma forma de treino, ou seja, havia uma breve historia de exposição às contingências do jogo.
Oliveira (2011a) replicou o estudo de Oliveira (2011b), sendo utilizadas as frequências de checagem
1/2, 1/3 e 1/6 e a análise realizada foi intergrupos. Participaram do estudo, 18 pessoas, sendo que em
cada critério havia três pares de oponentes diferentes e cada par jogava duas partidas com a mesma
probabilidade de checagem. Os resultados deste estudo mostraram que houve mais distorções na
probabilidade 1/3 e menos em 1/2, foi possível comprovar um número maior de distorções no grupo
1/6 em relação ao grupo 1/2, sendo assim afirmou-se que quanto maior a frequência da checagem,
menor a probabilidade de distorção do relato. Os dados discrepantes do grupo 1/3 foram explicados
por um par específico de participantes que distorceu muito acima do restante do grupo, enviesando
a média, já que o número de participantes em cada grupo era pequeno.
A pesquisa de Andrade (2011) teve como objetivo investigar o efeito do tipo de pergunta na
correspondência fazer-dizer. Foram realizados dois experimentos com diferentes condições do
mesmo jogo utilizado nos estudos anteriores. No Experimento 1, participaram doze pessoas. Três
duplas começaram o jogo na condição Pergunta Aberta (PA) e depois jogaram na condição Pergunta
Fechada (PF), e as outras três duplas foram submetidas na ordem contrária. Na condição PF, era
oferecida uma pergunta de múltipla escolha para o segundo jogador a relatar (ganha, perde ou
empata). Na PA, era solicitado o relato do valor das cartas. Para as duas condições eram apresentadas
as consequências punitivas caso houvesse distorção na frequência de checagem de 1/3. No geral, os
participantes distorceram pouco nesse experimento, o que não possibilitou comprovar a hipótese
inicial da autora, que haveria mais distorções na condição PF. Portanto, o Experimento 2 foi realizado
com refinamentos metodológico em relação ao Experimento 1. Na condição de PF no Experimento 2,
não era mais apresentada uma pergunta de múltipla escolha. Os participantes que eram os segundos
à relatar deveriam apenas dizer se ganhavam ou perdiam a rodada. Na condição PA, os participantes
deveriam dizer os valores e os naipes das cartas. Além disso, a frequência de checagem foi de 1/6. O
Experimento 2 teve como resultado maior frequência de distorções na condição PF, o que corrobora
parcialmente o que sugeriu Ferreira (2009) acerca de perguntas abertas e fechadas.
O presente trabalho pretendeu, portanto, verificar o efeito de mais uma variável relevante no
controle do comportamento não verbal sobre o comportamento verbal. Mais especificamente,
verificar o efeito da magnitude da punição sobre a precisão dos relatos dos participantes do jogo
utilizado nos experimentos de Oliveira (2011a), Oliveira (2011b) e Andrade (2011). Para tanto, 12
participantes foram divididos em dois grupos de seis jogadores. O grupo MA-MB jogou uma partida
com magnitude de punição para relatos distorcidos alta primeiro (MA), jogando a partida seguinte
com a magnitude baixa (MB). O grupo MB-MA jogou as partidas na ordem inversa. Na MA, os
relatos distorcidos eram punidos com o participante pegando todas as cartas do lixo, na MB, os
relatos distorcidos eram punidos apenas com a perda da rodada.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 12 universitários, seis do sexo feminino e seis do sexo masculino,
com idade variando entre 20 e 40 anos, escolhidos aleatoriamente em um centro universitário de
Brasília, os quais eram completamente ingênuos ao procedimento. Todos concordaram em participar
voluntariamente do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O experimento foi realizado em uma sala de aula com tamanho de 10x8 m², com janela ao fundo
de 1,50x2 m², porta à frente, na direita e quadro branco de 1,5 x 1 m² em um centro universitário de
Brasília. Essa sala continha em torno de 60 carteiras estofadas, uma mesa de professor com cadeira
(onde foi feito o experimento), ar condicionado, e iluminação usando lâmpadas fluorescentes.
Materiais e Equipamentos
Para esta pesquisa, foram utilizados: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para cada
participante; um baralho sem os coringas (52 cartas), um dado de seis faces, mesas, carteiras e
protocolos de registro.
Também foi utilizado um tabuleiro confeccionado exclusivamente para fins acadêmicos contendo
câmeras embutidas e ligadas a um sistema informatizado de segurança. A Figura 1 mostra o
tabuleiro do jogo.
Os participantes ficam localizados um de frente para o outro, ao lado de cada um há um desenho
para indicar a posição da pilha de cartas de cada jogador e no centro do tabuleiro há o desenho de
um retângulo para as cartas do lixo do jogo serem descartadas. As cartas que os participantes pegam
a cada rodada ficam posicionadas num suporte vertical para que o adversário não veja.
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
Comportamento em Foco 4 | 2014
Local
179
Figura 1
Tabuleiro utilizado no jogo
O tabuleiro delimitava os locais dos dois participantes, o local das pilhas de cada jogador e o lixo do
jogo. Na frente da cada jogador foi adaptado um suporte para as cartas que cada jogador pegava na
rodada. As câmeras foram montadas na frente do suporte, para capturar a imagem das cartas obtidas
pelos jogadores, e em cima do tabuleiro, para capturar a imagem do lixo do jogo.
Comportamento em Foco 4 | 2014
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Procedimentos
180
Cada participante foi escolhido de forma aleatória e convidado a participar voluntariamente da
pesquisa. Ao aceitar a participação, cada pessoa foi conduzida à sala do experimento, o qual só
ocorreu mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Este procedimento contou com duas condições experimentais, em uma, a magnitude da punição
para a distorção do relato foi alta e a outra foi baixa, sendo que para cada uma delas os participantes
jogavam uma partida do jogo.
Diante da possibilidade de influência da ordem das condições, os participantes foram divididos
igualmente em dois grupos, os quais participaram das duas condições, porém em ordens diferentes:
Grupo Magnitude Alta – Magnitude Baixa (iniciava pela partida de magnitude alta) e Grupo
Magnitude Baixa – Magnitude Alta (iniciava pela partida de magnitude baixa). E cada grupo foi
dividido em pares de oponentes: homem-homem, homem-mulher e mulher-mulher. Os participantes
de P1 à P6 foram expostos primeiro na Magnitude Alta (MA) e depois Magnitude Baixa (MB) e P7 à
P12 passaram primeiro pela condição de MB e, em seguida, pela MA.
A regra do jogo para cada condição foi lida pelo pesquisador e as dúvidas foram esclarecidas
antes de iniciar cada partida. A cada rodada o pesquisador que estava como instrutor liberava as
consequências de acordo com as regras. A Figura 2 traz um quadro com as regras do jogo, tendo
como frases sublinhadas como seriam as instruções na condição MA e na condição MB. Obviamente,
apenas uma das frases sublinhadas era apresentada de acordo com a condição que os participantes
estivesse jogando.
“Você está prestes a jogar um jogo de cartas. O seu objetivo no jogo é tentar eliminar todas as
cartas do sua pilha para o lixo. O primeiro a eliminar todas as suas cartas, vence.
Inicialmente, cada jogador receberá uma pilha de cartas, as quais devem posicionar com a face
virada para baixo.
O jogo se inicia com ambos jogando o dado. Quem tirar o maior número inicia o jogo.
Em seguida, cada um deve tirar as duas cartas de cima da sua pilha e colocá-las no suporte de
cartas de forma oculta ao seu oponente, que estará à sua frente.
Quem tirou o maior número no dado, inicia a rodada dizendo quantos pontos fez. Sua pilha
possui cartas de dois à rei (K), sendo que a carta 2 vale dois pontos, a carta 3 vale três
pontos e assim por diante. Já o valete (J) vale 11 pontos; a dama (Q) vale 12; e o rei (K) vale
13. Em seguida, é a vez de o seu oponente fazer o mesmo.
Após ambos terem dito suas respectivas pontuações, o primeiro a jogar deve lançar o dado. Se
o dado cair em 2, 3, 4 ou 5, o jogador que tiver dito o maior valor, vence a rodada, o que
lhe permite descartar as suas cartas com a face virada para baixo no lixo que se posiciona
entre os dois jogadores. O jogador que perdeu a rodada deve embaralhar as suas cartas em
sua pilha. No caso de empate, ambos embaralham suas cartas em suas pilhas.
Se, por outro lado, o dado cair em 1 ou 6 e um dos participantes tiver dito um valor diferente
do das suas cartas, este: ‘MA - perde a rodada e deve embaralhar todas as cartas do lixo em
sua pilha. Caso os dois digam valores diferentes dos de suas cartas, ambos devem devolver
dividir o lixo em partes iguais colocando a sua metade em sua pilha’ ou ‘MB – perde a
rodada, devolvendo as suas cartas para a sua pilha. Caso os dois digam valores diferentes
dos de suas cartas, devem devolver as suas cartas às suas pilhas’.
Na rodada seguinte, o que falou por último deve iniciar a rodada. A vez de iniciar a rodada é
alternada de rodada para rodada.” Figura 2
Quadro com as duas possibilidades instruções dadas aos participantes a depender de
qual condição estavam jogando
Este estudo consistiu na aplicação de um jogo de baralho, o qual teve como objetivo eliminar todas
as cartas da própria pilha para o lixo. O primeiro participante a eliminar todas as suas cartas da pilha,
vencia a partida.
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Comportamento em Foco 4 | 2014
Caso o dado caia em 1 ou 6, ambos devem revelar as suas cartas para o oponente. Se ambos
tiverem dito os valores iguais aos das suas cartas, o jogador que tiver dito maior valor
vence, o que lhe permite descartar as suas cartas no lixo e seu oponente deve embaralhar
suas cartas em sua pilha. No caso de empate, ambos devem embaralhar suas cartas em
suas pilhas.
181
Inicialmente o baralho era embaralhado e distribuído em pilhas iguais para cada participante.
Cada pilha ficou em um local específico no tabuleiro com a face das cartas virada para baixo.
A pilha possuía cartas de “2” ao rei (K), sendo que a carta “2” valia dois pontos, a carta “3” valia
três pontos e assim por diante. Já o valete (J) valia 11 pontos; a dama (Q) valia 12; e o rei (K) valia 13.
O jogo começava com ambos jogando o dado. Quem tirasse o maior número iniciava o jogo.
Cada partida era dividida em rodadas. O número de rodadas de cada partida variava de acordo o
número de rodadas que o vencedor da partida levava para descartas todas as cartas de sua pilha. A
cada rodada, os jogadores deveriam tirar duas cartas de cima da sua pilha e colocá-las no suporte de
cartas do tabuleiro de forma oculta ao seu oponente. Quem tirava o maior número no dado, iniciava
a primeira rodada do jogo dizendo quantos pontos havia tirado, seja essa correspondente ou não à
soma dos valores destas cartas. Em seguida, era a vez de o seu oponente fazer o mesmo. A partir daí,
os participantes se alternavam ao longo das rodadas na vez de relatar na rodada (vez na rodada).
Após ambos terem dito suas respectivas pontuações, o primeiro a relatar na rodada lançava o dado.
Se este caísse em 2, 3, 4 ou 5, o jogador que tivesse dito o maior valor de pontos, vencia a rodada,
o que lhe permitia descartar as suas cartas com a face virada para baixo no lixo que se posicionava
entre os dois jogadores. O jogador que perdesse a rodada devia embaralhar as suas cartas em sua
pilha. No caso de empate, ambos embaralhavam suas cartas em suas pilhas.
Caso o dado caísse em 1 ou 6, ambos deveriam revelar as suas cartas para o oponente. Se ambos
tivessem dito os valores iguais aos das suas cartas, o jogador que tivesse dito maior valor vencia a
rodada, o que lhe permitia descartar as suas cartas no lixo e seu oponente deveria embaralhar suas
cartas em sua pilha. No caso de empate, ambos deveriam embaralhar suas cartas em suas pilhas.
A Tabela 1 mostra a diferença entre as duas condições do jogo, a qual é determinada pelas
consequências de distorcer o relato e haver checagem, ou seja, o dado cair em 1 ou 6. Se a dupla
estivesse na condição de magnitude baixa, o dado caísse em 1 ou 6 e um dos participantes tivesse
dito um valor diferente ao das suas cartas, este perdia a rodada e deveria embaralhar as cartas de sua
pilha. Caso os dois dissessem valores diferentes dos de suas cartas, ambos deveriam devolver as suas
cartas para sua pilha.
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Tabela 1
Consequências do jogo em caso de distorção e o dado caísse em 1 ou 6
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Um dos participantes
Magnitude Alta
Magnitude Baixa
Pega todas as cartas do lixo.
Perde a rodada.
Perde a rodada.
Os dois participantes
Dividem as cartas do lixo.
Ninguém ganha a rodada.
Ninguém ganha a rodada.
Caso o par de oponentes estivesse jogando na condição de magnitude alta, o dado caísse em 1 ou
6 e um dos participantes tivesse dito um valor diferente do das suas cartas, este perdia a rodada e
deveria embaralhar todas as cartas do lixo e as duas cartas do oponente junto com as cartas de sua
pilha. Caso os dois dissessem valores diferentes dos de suas cartas, deveriam dividir as cartas do lixo
em partes iguais e embaralhar a sua metade com as cartas de suas pilhas. Tais consequências mostram
que na magnitude alta é mais provável perder a partida (visto que recebe mais cartas na pilha).
Quando o par de oponentes acabava de jogar a partida na primeira condição era informado que
iriam jogar uma nova partida, mas com algumas diferenças. E então a regra da nova condição a ser
jogada era lida. As regras eram as mesmas, com exceção da parte que descrevia as consequências de
relatos distorcidos, conforme ilustrado na Figura 2.
Dito isso, o que determinou que cada condição fosse de magnitude alta ou baixa era a probabilidade
de vencer a partida. Caso o participante distorcesse a quantidade de pontos obtidos e houvesse
a checagem de tal valor, na magnitude alta tinha menor probabilidade de vencer a partida em
comparação com a magnitude baixa, pois ganharia mais cartas, ficando mais difícil atingir o objetivo
do jogo.
Durante o experimento, havia dois pesquisadores responsáveis pelos registros dos pontos obtidos
e relatados pelos participantes a partir das gravações de vídeo. Um pesquisador permanecia com os
oponentes para mediar o cumprimento das regras do jogo. Vale ressaltar que em nenhum momento
foi instruído o comportamento de distorcer o relato.
Este estudo teve como objetivo verificar qual a relação entre a magnitude da punição e a
correspondência verbal, para isso, comparou-se a frequência de distorções dos relatos quando na
condição de Magnitude Alta (MA) e Magnitude Baixa (MB), verificou-se se a ordem da partida
influenciou na frequência das distorções e se a vez de relatar na rodada influenciou na frequência
das distorções.
Resultados
60
MB
50
MA
40
30
20
0
P1 P
2
P3
P4
P5
P6
P7
MB-MA
P8
P9
P10
P11
P12
MA-MB
Participantes
Figura 3
Porcentagem de distorções dos participantes nas duas condições experimentais
Observa-se na Figura 3, a partir da média, que houve mais distorções na MB. Com exceção dos
participantes P3 e P11, que não distorceram em nenhuma condição, e de P2 e P5, que distorceram
mais na MA (o P2 emitiu quase a mesma porcentagem de distorções nas duas condições), todos os
participantes distorceram mais na MB.
A Figura 4 apresenta a frequência de distorções em função da ordem em que o participante
relatava (1º ou 2º), sua condição experimental (MA ou MB) e ordem da condição que ele foi exposto
(MA-MB e MB-MA). Pode-se notar que, na condição MB, houve mais distorções quando se foi o
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
Comportamento em Foco 4 | 2014
10
Média
Porcentagem de distorções
A Figura 3 mostra a porcentagem de distorções dos participantes nas duas condições experimentais
em que os participantes foram expostos: MA e MB. Nela também é possível observar a média das
distorções de todos os participantes nas duas condições.
183
Frequência de distribuições
primeiro a relatar os pontos obtidos, inclusive este dado representa a maior frequência de distorções
em toda a figura. Houve uma pequena diferença entre as distorções em função da ordem MBMA e MA-MB, tendo MA-MB gerado mais distorções tanto pelo primeiro quanto pelo segundo
participante a relatar.
Já na condição MA, houve mais distorções quando se foi o segundo a relatar os pontos obtidos.
Para os primeiros participantes a relatar, na condição MA, não houve diferença entre a ordem da
condição exposta, e esta faixa representa o menor número de distorções apresentada na figura. Sendo
os segundos a relatar, houve maior número de distorções pelos participantes expostos à ordem MBMA, havendo uma grande discrepância em relação ao grupo exposto à ordem MA-MB.
14
MB-MA
12
MA-MB
10
8
6
4
2
0
1o MB
2o MB
1o MA
2o MA
Vez na rodada
Comportamento em Foco 4 | 2014
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
Figura 4
Frequência de distorções por ordem de relato na rodada em cada condição
184
A Figura 5 mostra a porcentagem de distorções dividida em três faixas de pontos (obtidos nas
cartas) por ordem de relato na rodada, em função das condições experimentais de MB e MA. Essa
análise se destina a verificar se a pontuação das cartas retiradas pelo jogador, isto é, a probabilidade
de vencer a rodada com relatos correspondentes, interfere na precisão do relato. Além, disso, verificar
como essa variável interage com a magnitude da punição. Observa-se, em geral, que houve mais
distorções na menor faixa de pontos (de dois a nove pontos) e estas diminuem quando a faixa de
pontos aumenta. Pode-se notar que na faixa de pontos intermediária e alta de pontos houve mais
distorções pelos participantes que eram os segundos a relatar, porém na faixa de pontos mais baixa,
houve mais distorções pelos primeiros a relatar na rodada. Quando na condição MA, observase que houve mais distorções pelos participantes que relataram após o oponente já ter relatado o
valor de suas cartas. Com relação aos participantes que relataram primeiro, observa-se que houve
maior probabilidade de distorção quando se obteve a faixa de pontos baixa, havendo um declínio
na faixa de pontos intermediária e nenhuma distorção na faixa de pontos alta. Na condição MB,
a maior probabilidade de distorções ocorreu quando se obteve a faixa de pontos baixa, sendo esse
efeito muito mais claro quando os participantes eram os primeiros a relatar. Nas faixas de pontos
intermediária e alta houve um declínio de distorções, mas ainda superiores em comparação com os
dados da condição MA.
Porcentagem de distorções
60
2-9
50
10-18
40
19-26
30
20
10
0
1o
2o
1o
MA M
2o
B
Vez na rodada
Figura 5
Porcentagem de distorções em função da condição da partida, da ordem de relato na
rodada e da faixa de pontos obtidos nas cartas (baixa: 2 a 9 pontos; intermediária: 10 a
18 pontos; alta: 19 a 26 pontos)
Primeiramente, o presente estudo conseguiu responder à questão de pesquisa confirmando-se a
hipótese inicial levantada. Na comparação intragrupos foi observado que na condição Magnitude
Baixa houve mais distorções, visto que a magnitude da punição não foi tão severa quanto na
Magnitude Alta, demonstrando assim o efeito da manipulação da variável independente.
Levanta-se a hipótese de que a frequência de checagem 1/3 diminuiu a probabilidade dos
participantes, em geral, emitissem altas frequências de distorções. Inclusive, é possível perceber que
os participantes P3 e P11, não distorceram em nenhuma condição. De forma similar ao Experimento
1 de Andrade (2011), a frequência de distorções foi pequena porque a frequência de checagem foi
intermediária. Se fosse realizado com frequência de checagem de distorções de 1/6 como na condição
da pesquisa de Oliveira (2011b) é possível que se observasse uma frequência geral maior de distorções.
A partir dos dados dos participantes P2 e P5, que distorceram mais na MA, levanta-se a hipótese
de que o comportamento deles ficou plenamente sob o controle das contingências do jogo a partir da
segunda partida, visto que os dois pertenceram ao Grupo MB-MA. Aparentemente, os participantes
podem ter levado mais tempo para que as contingências favoráveis aos relatos distorcidos só
passassem a controlar o seu comportamento a partir da condição de MA, isto é, a segunda que eles
jogaram. Observou-se o controle instrucional no comportamento dos dois participantes de forma
semelhante ao estudo de Ribeiro (1989/2005) na fase de reforçamento do relato em grupo. Este jogo
funcionou de forma similar a entrevista com as crianças em grupo do estudo de Ribeiro porque um
participante, ao ver seu oponente distorcendo, pode aprender por modelação a emitir distorções, o
que foi observado com o participante P5 e seu adversário: na segunda partida (MA), P5 foi instruído
por seu adversário para distorcer o relato.
A Figura 3 apresenta na condição MB, mais distorções quando se relata primeiro os pontos obtidos.
Houve uma pequena diferença entre as distorções dos participantes expostos às ordens MB-MA
e MA-MB, tendo MA-MB gerado mais distorções tanto pelos primeiros quanto pelos segundos a
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
Comportamento em Foco 4 | 2014
Discussão
185
Comportamento em Foco 4 | 2014
Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
186
relatar. O Grupo MA-MB, na condição MB distorceu mais do que o Grupo MB-MA. Oliveira (2011a)
levantou a possibilidade de haver uma forma de treino na primeira condição a ser jogada. Percebe-se,
também no presente estudo, o efeito de uma breve historia de exposição às contingências do jogo.
O efeito da faixa de pontos foi claro, isto é, quando menor a probabilidade de ganho da rodada com
relatos precisos, maior a probabilidade de distorções como já observado em Oliveira (2011a). Esse
efeito foi observado nos dois grupos e nas duas condições. Entretanto, houve interferência dessas
variáveis. Na condição de MA, foi possível observar mais distorções quando o participante era o
segundo a relatar do que quando era o primeiro. Já na condição MB, esse resultado se inverteu. Na
condição de MA, distorcer quando se era o primeiro a relatar era arriscado porque se a distorção
fosse detectada, a probabilidade de vencer o jogo diminuía consideravelmente. Logo, mesmo com
pontuação baixa, sendo o primeiro a relatar, muitos participantes não arriscaram distorcer, pois
ainda não tinham acesso a pontuação do adversário, a qual, ainda poderia ser menor que as deles.
Por outro lado, quando segundo a relatar e o oponente tendo relatado um valor maior que o de suas
cartas, a distorção era a única chance de vencer a rodada, ainda que o risco da punição de grande
magnitude estivesse presente.
Já para a condição MB, esse efeito se inverte. Como a punição para relatos distorcidos é mera
perda da rodada, vencê-la, a qualquer preço adquire uma forte função reforçadora. Quando o
primeiro a relatar havia obtido cartas de baixo valor, distorcer era muito vantajoso, já que a distorção
detectada representaria apenas a perda da rodada. Logo, distorcer quando se era o primeiro e tendo
tirado cartas de baixo valor era muito vantajoso, aumentando a probabilidade de vencer o jogo.
Na condição MB quando se era o segundo a relatar, observa-se uma distribuição de distorções ao
longo das faixas de pontos menos exagerada na primeira faixa de pontos. Aqui, os participantes
provavelmente só distorceram após ouvirem o relato de seu oponente de uma pontuação maior que a
sua. Logo, naquelas rodadas em que o participante tirou uma baixa pontuação, mas que ainda assim,
seu oponente relatara um valor menor que o seu, não havia necessidade de distorcer.
Esses resultados mostram claramente como a probabilidade de reforçamento para relatos
distorcidos e precisos altera a precisão do relato, conforme defendido por Skinner (1957/1978),
Medeiros (2013) e demonstrado empiricamente por Ribeiro (1989/2005). Comparando-se com uma
situação cotidiana, é improvável que um adolescente distorça o relato da nota de uma prova para
seus pais caso esta seja alta. Como o relato preciso nesse caso tem alta probabilidade de reforçamento
ou baixa de punição, dificilmente haveria distorção no relato. Por sua vez, caso a nota fosse baixa, a
probabilidade de distorção seria maior, já que o relato preciso teria maior probabilidade de punição
e o distorcido maior probabilidade de reforçamento.
De forma similar a Ribeiro (1989/2005), o reforço para o relato (no caso de relatar a soma do que
tirou) foi eficaz no sentido de produzir distorção, principalmente na condição de Magnitude Baixa,
conforme previsto. O que não aconteceu em Ferreira (2009), pois o fato de existir o registro das contas
matemáticas pode ter tido influência muito grande em função da baixa frequência de distorções. As
crianças poderiam estar se comportando como se houvesse checagem do comportamento não verbal
em todos os relatos. Além disso, podem não ter discriminado a magnitude da punição que entrariam
em contato em caso de distorção, provavelmente estando sob o controle da história passada em que
as distorções foram punidas severamente.
O presente estudo investigou os efeitos da magnitude da punição, tanto alta como baixa, na
correspondência verbal em um jogo de cartas. O estudo atingiu os objetivos propostos visto que
conseguiu verificar a relação entre as variáveis estudadas. Conforme esperado, foi demonstrado que
há mais distorções quando na MB do que na MA.
Durante o experimento foram encontradas algumas limitações que podem ser superadas com a
replicação deste experimento. Uma delas foi a baixa frequência de distorções por todos os participantes,
com isso sugere-se que a frequência de checagem seja 1/6. A probabilidade de checagem de 1/3 foi
alta ou intermediária, mostrando poucas distorções independentemente da condição. Ao se reduzir a
probabilidade de checagem é mais provável a emissão de distorção, conforme os estudos de Oliveira
(2011a) e Oliveira (2011b).
Sugere-se replicação do experimento com mais partidas em cada condição para testar a hipótese
que os dois participantes que distorceram mais na Magnitude Alta aprenderam a jogar somente na
segunda partida.
Vale ressaltar a importância de estudos envolvendo a distorção do relato e punição. Os dois temas
são pouco estudados, mas a presente metodologia mostra a possibilidade de estudar principalmente
a punição em humanos. Finalmente, este estudo foi bem sucedido em demonstrar a relação entre
as variáveis ambientais e o comportamento verbal. Esse resultado é muito importante, uma vez que
dá suporte a pressuposição de que o comportamento verbal é, de fato, comportamento, e pode ser
investigado pelas mesmas variáveis que atuam no comportamento não verbal.
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Brito . A. de Medeiros . H. de Medeiros . Antunes . Souza
Comportamento em Foco 4 | 2014
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Comportamento em Foco 4 | 2014
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188
Correspondência verbal em um jogo de cartas: perguntas abertas e fechadas
Roberliane da Silva Souza
Suzana Soares Guimarães
Rogéria Adriana de Bastos Antunes
Centro Universitário de Brasília
Carlos Augusto de Medeiros 1
Centro Universitário de Brasília; Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
Resumo
A presente pesquisa investigou a correspondência verbal em um jogo de cartas comparando os
resultados de adultos e crianças em função de relatos via perguntas fechadas e abertas. Seis adultos
e seis crianças participaram do estudo que consistia em um jogo de cartas no qual era vantajoso,
na maioria das vezes, distorcer o relato verbal. Cada participante jogou duas partidas relatando via
pergunta aberta e duas partidas relatando via pergunta fechada. Praticamente não foram observadas
distorções nos relatos das crianças e, quando ocorriam, não acompanhavam as variáveis manipuladas.
Já os adultos relataram muito mais do que as crianças. Seus relatos distorcidos foram muito mais
frequentes nas partidas de perguntas fechadas. Os resultados desse estudo demonstraram que a
idade dos participantes pode ser um fator relevante. Tal conclusão se dá a partir da suposição de
que as crianças não discriminaram as contingências favoráveis à distorção. Além disso, os resultados
favoreceram a constatação de que perguntas fechadas tendem a evocar mais distorções que perguntas
abertas.
1 [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Palavras-Chave: correspondência verbal, comportamento verbal, crianças, adultos, perguntas fechadas/abertas.
189
Comportamento em Foco 4 | 2014
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
190
Uma importante questão que vem sendo investigada nos estudos em análise do comportamento
é a correspondência entre o que os indivíduos fazem e o que dizem. Para Wechsler e Amaral (2009),
enquanto o dizer refere-se ao comportamento verbal, o fazer diz respeito ao comportamento
não verbal.
Dentre as características elencadas por Skinner (1957/1978) para definir comportamento verbal
está a necessidade de um ouvinte apto a mediar o reforço para o comportamento do falante. Para o
autor, falante e ouvinte devem compartilhar um treino específico, treino este que torna possível que a
estimulação produzida pelas respostas verbais de um falante exerça controle sobre o comportamento
do ouvinte.
De acordo com Passos (2003), com base nas variáveis controladoras das respostas verbais e nas
suas diferentes topografias, Skinner propõe algumas categorias de operantes verbais. Entre essas
categorias uma é essencialmente relevante para o entendimento do presente estudo, o tato.
O comportamento verbal de tatear é, de acordo com Skinner (1957/1978), controlado por
estímulos discriminativos não verbais. Segundo Barros (2003), com o comportamento de tatear,
nomeia-se objetos, pessoas, eventos, ou seja, descreve-se o ambiente, seja ele interno ou externo.
No comportamento verbal de tatear, a consequência é social, ou seja, o ouvinte provê reforçadores
sociais para o comportamento do falante ao emitir o tato. O ouvinte faz isso porque o tato o beneficia
(Matos, 1991).
Muitos tatos estão sob controle discriminativo de outros comportamentos do falante, por exemplo,
quando este relata para o ouvinte o que fez ou o que pretende fazer. Na maioria das vezes os relatos
verbais dos indivíduos condizem com aquilo que eles fazem, porém, a depender da história de
reforçamento de cada um e de uma série de outras variáveis, os relatos verbais podem vir a não
corresponder com aquilo que os indivíduos fazem. Nestas situações tais relatos são chamados
cotidianamente de mentiras (Chamati & Pergher, 2009).
O campo de estudo em Análise do Comportamento chamado de correspondência verbal investiga
justamente as relações entre um comportamento relatado e o comportamento de relatá-lo (Lloyd,
2002). A correspondência verbal tem sido verificada experimentalmente a partir de três modelos de
investigação: dizer-fazer, fazer-dizer e dizer-fazer-dizer (Coelho, Wechsler & Amaral, 2008). No caso
da correspondência dizer-fazer, o indivíduo relata o comportamento não verbal que será emitido e
depois o emite. Na correspondência fazer-dizer, o indivíduo emite um comportamento não verbal
e depois relata sobre este. Por último, na correspondência fazer-dizer-fazer, o indivíduo emite um
comportamento verbal de prometer, depois ele faz o que prometeu e em seguida relata o que fez
(Coelho et al., 2008).
Um importante estudo que investigou a correspondência verbal fazer-dizer com crianças foi
realizado por Ribeiro (1989/2005). O objetivo do experimento foi verificar as diferentes contingencias
de relato sobre a correspondência fazer-dizer, sendo que o fazer era o comportamento de brincar
(Ribeiro 1989/2005). Cada sessão tinha duas situações: uma de brincar com até seis brinquedos e
outra de relatar se brincara com os brinquedos um a um.
O experimento de Ribeiro (1989/2005) foi dividido em cinco fases que são descritas a seguir. Linha
de base: nesta fase a criança era apenas ouvida pelo experimentador a respeito de quais brinquedos
havia brincado e após o relato recebia uma ficha que poderia ser trocada por guloseimas. A entrega
da ficha não era contingente a qualquer tipo de relato. Reforçamento individual do relato de brincar:
nesta fase a criança recebia reforço (Muito bem!) e uma ficha quando relatasse ter brincado com cada
brinquedo mostrado tendo realmente brincado, ou não. Se relatasse que não brincou, não recebia
reforço vocal nem ficha. Reforçamento do comportamento de relatar em grupo: esta fase ocorreu
como a anterior, com a diferença de que as crianças eram agrupadas e entrevistadas de quatro em
quatro de acordo com o gênero. Reforçamento de correspondência em grupo: essa foi à única fase
em que o experimentador teve acesso ao que ocorreu na fase de brincar. Nesta fase, o reforço era
dado para as respostas correspondentes em relação a qual brinquedo a criança havia brincado.
Reforçamento não contingente: nesta fase a criança recebia a ficha e a trocava por guloseimas antes
mesmo de relatar com quais brinquedos brincou.
Os resultados do estudo de Ribeiro (1989/2005) mostram que na fase de linha de base a maioria das
crianças apresentou correspondência completa entre o brincar e o relatar, ou seja, havia tendência a
relatos correspondentes. Na fase de reforçamento individual do relato de brincar, duas crianças, as
mais velhas, distorceram seus relatos, ao passo que seis mantiveram relatos correspondentes.
Na fase do reforçamento do relato de brincar em grupo, quando as duas crianças mais velhas
instruíram as demais, outras três passaram a distorcer os relatos (Ribeiro, 1989/2005). Na fase do
reforçamento de correspondência em grupo, todas as crianças que haviam distorcido na fase anterior
passaram a relatar com precisão da segunda sessão em diante (Ribeiro 1989/2005).
Ribeiro (1989/2005) teorizou acerca do comportamento modelado por contingências e do
governado por regras. No caso do comportamento governado por regras, uma pessoa pode formular
uma instrução que funcionará como um evento antecedente controlador do comportamento. No
estudo de Ribeiro (1989/2005), um menino que havia alcançado 100% de correspondência nos relatos
reverteu essa condição na fase de reforçamento pelo relato de brincar. Essa reversão ocorreu porque
outro menino que havia participado da sessão anterior, disse-lhe que tinha um “segredo importante”
(Ribeiro, 1989/2005) para contar. Na fase de reforçamento em grupo pelo relato de brincar, outra
tentativa de instrução foi observada quando uma menina induziu a outra a dizer que havia brincado,
contudo, a última manteve a precisão no seu relato.
Ribeiro (1989/2005) discute que na fase de linha de base o relato das crianças estava sob o controle
de contingências que esta criança entrou em contato no passado. A interação com tais contextos teve
como produto o aumento da probabilidade de relatos correspondentes.
Ferreira (2009) também se dedicou a investigar a correspondência entre fazer e dizer com crianças.
da pesquisa de Ferreira foi verificar diferentes condições de reforçamento contingentes ao relato
ao efetuar operações matemáticas de forma similar à utilizada no estudo de Ribeiro (1989/2005),
utilizando, inclusive as mesmas cinco fases. Como em Ribeiro (1989/2005), cada sessão tinha duas
situações, porém, no estudo de Ferreira, a primeira situação envolvia resolver operações matemáticas.
Na situação de relato, as crianças deveriam dizer quantas operações matemáticas haviam feito. Nas
condições de reforço de relato individual e em grupo, a criança recebia o número de fichas igual ao
número de operações que relatara ter concluído, tendo ela concluído mesmo ou não.
Os resultados do estudo de Ferreira (2009) mostram que houve apenas uma pequena parcela
de distorção e que, provavelmente, isso aconteceu por que as crianças não estavam com a lista
de operações matemáticas, descartando a hipótese de ter havido distorção por conta do controle
de variáveis independentes. Ferreira discute que o efeito do reforço não foi suficiente para que as
crianças distorcessem seus relatos já que as operações matemáticas eram realizadas em um papel
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Comportamento em Foco 4 | 2014
Participaram deste estudo cinco crianças com idades variando entre oito e nove anos. O objetivo
191
Comportamento em Foco 4 | 2014
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
192
onde ficavam registradas as operações matemáticas, e as crianças podem ter avaliado que seus relatos
poderiam ser verificados posteriormente, diferentemente do estudo de Ribeiro (1989/2005) onde as
crianças somente brincavam ou não com os brinquedos. A autora ainda destacou que a quantidade
de operações matemáticas a serem resolvidas era muito grande em relação ao pouco tempo que as
crianças tinham para resolvê-las.
Outro fator observado, segundo Ferreira (2009), é que era esperado que o efeito do reforço fosse
maior em relação ao comportamento de relatar e não ao comportamento de concluir as operações
matemáticas, como não aconteceu. Tal fato pode ser explicado por um pequeno atraso entre a fase
de resolução das operações matemáticas e a fase da entrevista, onde as fichas eram dadas. A autora
ainda destaca que o valor de cada brinde poderia ter sido maior já que ao relatar uma pequena
quantidade de operações matemáticas resolvidas, as crianças já ganhavam bons brindes, ou seja, não
era necessário distorcer para ter acesso a reforçadores de grande magnitude.
Ademais, Ferreira (2009) defende que, em relação ao estudo de Ribeiro (1989/2005), seu estudo é
muito importante no sentido de serem feitas perguntas abertas - no estudo de Ribeiro as perguntas
foram fechadas. Segundo a autora, quando a pergunta é fechada há maior probabilidade de ocorrerem
distorções pelo fato de haver poucas possibilidades de respostas: sim ou não. Nessa situação, seria
mais fácil para o falante responder diferencialmente de modo a otimizar o acesso a reforçadores.
Por fim, e mais relevante para o presente estudo, Ferreira (2009) sugere que, talvez, as crianças não
tenham respondido discriminadamente às contingências em vigor, já que elas fizeram as operações de
forma apressada e incorreta, ilustrando o fato de que elas aprenderam a fazer muitas continhas para
ganhar fichas, ao invés de aprenderem a relatar que fizeram as continhas para ganhar fichas. Ou seja,
o efeito foi maior sobre o fazer e não sobre o dizer. No estudo de Ribeiro (1989/2005) duas crianças
responderam diferencialmente às contingências e instruíram as demais a distorcer. Isso não aconteceu
no estudo de Ferreira de modo que se alguma criança tivesse aprendido a distorcer seu relato verbal,
tendo em vistas as vantagens de tal repertório, poderia ter instruído as demais a fazê-lo, aumentando
a probabilidade do controle do reforçamento do relato sobre a ausência de correspondência.
Dias (2008) também replicou o estudo de Ribeiro (1989/2005), todavia trocou a tarefa relatada. Em
seu estudo, na primeira situação, as crianças poderiam ingerir alimentos dentre uma lista de itens.
Participaram do estudo, oito crianças, sendo quatro destas crianças obesas (Grupo A) e as outras
quatro com o peso adequado para a idade (Grupo B).
As condições experimentais do estudo de Dias (2008) foram idênticas às do estudo de Ribeiro
(1989/2005) com exceção das fases de reforço individual do relato de comer em grupo heterogêneo e
homogêneo, onde as crianças foram selecionadas de acordo com seu IMC (Índice de Massa Corporal).
Os resultados de Dias (2008) foram similares aos de Ferreira (2009) na medida em que as poucas
distorções não acompanharam as manipulações experimentais de forma sistemática. Novamente, foi
observado um efeito maior sobre o fazer do que sobre o dizer, já que algumas crianças esconderam
alimentos ao invés de meramente dizer que haviam ingerido sem tê-lo feito. Esse resultado aponta
novamente para o efeito inibidor da distorção do relato pela possibilidade de conferência posterior
entre o fazer e o dizer. Tanto no estudo de Dias como no de Ferreira existia uma possibilidade de
registro material do fazer, o que não ficava óbvio para as crianças no estudo de Ribeiro (1989/2005).
Por fim, a possibilidade de que as crianças em Dias, como em Ferreira, não terem discriminado ser
vantajoso distorcer também se mostra plausível.
O estudo de Sanabio e Abreu-Rodrigues (2002) também investigou a correspondência verbal com
um paradigma distinto. Participaram da pesquisa, composta por dois experimentos, estudantes
universitários.
No experimento 1 a proposta foi a de investigar o efeito da punição de certos tipos de relatos
sobre a precisão do comportamento de relatar. Participaram do experimento 1 quatro estudantes
com idades entre 18 a 23 anos. Os participantes eram expostos a uma tarefa de escolha de acordo
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Comportamento em Foco 4 | 2014
com o modelo, tendo que relatar após cada escolha se haviam acertado, ou não. Logo, o fazer era a
escolha de acordo com o modelo e o dizer era relatar se havia acertado ou não a tentativa. Foram
manipuladas em quatro condições experimentais as consequências a tipos de relatos específicos
sendo correspondentes ou não. Para tanto, foi utilizado um feedback enviesado que informava ao
participante que ele havia errado o seu relato e de que perdera um ponto por isso.
As quatro condições experimentais empregadas no estudo foram: Linha de base: feedback nunca
era apresentado, Condição SIM (S): relatos de acerto produziam o feedback e os relatos de erro, não,
Condição NÃO (N): relatos de erro produziam feedback e os relatos de acerto, não e, Condição SIM/
NÃO: relatos de acerto e de erro produziam feedback 50% das vezes em que ocorriam.
Sanabio e Abreu-Rodrigues (2002) observaram que os relatos com feedbacks foram menos
frequentes que os relatos sem feedback, sendo assim sugere-se que o feedback possa ter exercido
função punitiva. O participante ao emitir a resposta de escolha correta relatava que havia acertado
e ocorria punição para tal relato, logo após esse participante passava a relatar que havia errado.
O contrario também ocorreu. Quando o participante emitia uma resposta de escolha incorreta e
ocorria à punição para tal relato, ele passava a relatar que havia acertado mesmo emitindo respostas
incorretas.
No experimento 2, o objetivo foi investigar se a apresentação do feedback enviesado contingente
ao comportamento relatado interferiria neste comportamento, no comportamento de relatá-lo ou
em ambos. Participaram do experimento 2, quatro estudantes universitários com idades variando
entre 18 e 21 anos.
Os resultados do experimento 2 apontam para o fato de que relatos precisos foram mais frequentes
do que relatos imprecisos em todas as condições experimentais. Sanabio e Abreu-Rodrigues (2002)
explicam este fato por dois pontos: a contingência de punição programada não afetou as respostas
de escolha, mas sim os relatos, sugerindo independência funcional entre escolha e relato assim como
ocorreu no experimento 1. Outro fato é que relatos precisos e imprecisos sugerem que o feedback
afetou as respostas de relato. De acordo com Sanabio e Abreu-Rodrigues a independência funcional
que ocorreu entre as respostas de escolha e de relato são consequências da insensibilidade das
respostas de escolha às manipulações na contingencia de punição.
A sequência fazer-dizer também foi investigada pelo estudo de Brino e de Rose (2006), o objetivo
deste estudo foi investigar a precisão nos autorrelatos de crianças com historia prévia de fracasso
escolar sobre suas respostas de leituras em uma situação de aprendizagem de leitura. Participaram
do estudo quatro crianças entre sete e onze anos do ciclo básico escolar que participavam de um
programa de ensino informatizado de habilidades de leitura. A coleta dos dados foi feita durante
alguns dos testes de leitura onde era solicitado ao participante que lesse uma serie de palavras
apresentadas na tela de um computador.
O estudo foi dividido nas seguintes fases: Fase A: ausência do experimentador e reforço não
contingente: nesta fase a criança permanecia sozinha no decorrer da sessão. Logo após a sessão o
jogador tinha acesso a um jogo no computador por um tempo igual à duração na sessão. Esperava-se
que o jogo fosse reforçador para a permanência e participação da criança na sessão. Esta condição
foi tomada como linha de base. Fase B: presença do experimentador e reforço não contingente:
acontecia da mesma forma que a fase anterior com a diferença de que nesta fase o experimentador
permanecia junto com a criança durante a realização da sessão. O objetivo foi verificar se a presença
do experimentador poderia afetar a correspondência. Fase C: ausência do experimentador e reforço
de correspondência: criança permanecia sozinha na sessão e em seguida tinha acesso ao jogo. Após o
término dos trabalhos do dia com a criança o experimentador conferia o desempenho da mesma por
meio do vídeo e verificava a quantidade de relatos correspondentes e não correspondentes. Tais dados
eram utilizados para fixar o tempo do jogo após a sessão seguinte, onde o tempo de jogo recebia um
acréscimo de um minuto para cada relato correspondente de leitura incorreta. Na sessão posterior
193
Comportamento em Foco 4 | 2014
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
194
o experimentador falava para a criança: “o computador me disse que você usou a janela vermelha
para relatar seus erros y vezes e por isso você tem mais y minutos para jogar”. Fase D: ausência do
experimentador e reforço não contingente: condição idêntica à condição “a”, com exceção de ter sido
feita após a condição “c” com o objetivo de verificar a manutenção da correspondência estabelecida
na condição c. Fase E: Ausência do experimentador e reforço não contingente com feedback verbal
do experimentador sobre o desempenho desejado: esta fase foi realizada apenas com uma criança
para quem o jogo no computador não apresentou função reforçadora. A criança permanecia sozinha
durante a sessão e em seguida tinha direito há um tempo para brincar com os colegas. No inicio da
sessão seguinte o experimentador fornecia feedback verbal para a criança a respeito da relação entre
seu desempenho e o desempenho desejado no auto relato.
Os resultados do estudo de Brino e de Rose (2006) apontam para o fato de que na condição de
linha de base todas as crianças tenderam a relatar suas leituras como corretas, mesmo quando
eram incorretas. Para duas das quatro crianças os relatos não correspondentes foram reduzidos na
condição onde houve a presença do experimentador. Brino e de Rose colocam que este resultado se
deve a uma história em que a presença de adultos seja um estímulo discriminativo para punições ao
comportamento de distorcer o relato.
Segundo Brino e de Rose (2006), na Fase C, a consequenciação diferencial para relatos
correspondentes foi efetiva para aumentar a precisão dos relatos. Os autores defendem que,
aparentemente, o treino de correspondência foi importante também para manutenção da
correspondência quando houve o retorno para a linha de base, mas esse retorno só foi possível com
um dos participantes e tal retorno só aconteceu após as condições C e B.
Brino e de Rose (2006) argumentam que a presença do experimentador e o reforço da
correspondência foram condições que possibilitaram a correspondência entre resposta de leitura e
auto relato da criança.
Ao se comparar os estudos de Sanabio e Abreu-Rodrigues (2002) e Brino e de Rose (2006)
com os estudos de Ribeiro (1989/2005), Dias (2008) e Ferreira (2009), alguns pontos devem ser
debatidos: talvez, adultos ou crianças mais velhas respondam discriminadamente mais facilmente
às contingências envolvidas no reforçamento de relatos específico, entretanto, as crianças com
fracasso escolar de Brino e de Rose distorceram pela mera possibilidade de punição aos relatos
de leitura incorreta. Logo, a questão se adultos emitem respostas diferenciais mais facilmente às
contingências de reforço de relatos específicos ainda precisa se investigada. Outra questão que
permanece, principalmente ao se comparar o estudo de Ferreira (2008) com os demais, é a forma
pela qual se solicita o relato. Na investigação conduzida por Ferreira (2008) as crianças precisavam
relatar quantas operações tinham feito ao passo que nos demais estudos os participantes tinham
meramente de dizer sim ou não.
Para investigar a segunda questão, Andrade (2011) realizou um estudo utilizando um procedimento
experimental alternativo para avaliar a correspondência verbal. Para tanto, utilizou um jogo de cartas
previamente utilizado em Oliveira (2011) e Oliveira (2011).
A pesquisa de Andrade (2011) foi dividida em dois experimentos. No experimento 1, o objetivo
foi verificar o efeito de diferentes tipos de perguntas (abertas e fechadas) na distorção dos relatos.
Doze estudantes universitários participaram do experimento 1 com idades entre 21 e 35 anos sendo
estes seis homens e seis mulheres. Foi usado o critério de 1/3 para a probabilidade da consequência
punitiva para relatos distorcidos.
O procedimento do experimento consistiu em um jogo de cartas entre duas pessoas. Cada oponente
recebia uma pilha de cartas que ficavam viradas para baixo. O jogo era composto de rodadas. Em
cada rodada os jogadores pegavam duas cartas de suas pilhas. O vencedor da rodada descartava essas
duas cartas num lixo e o perdedor embaralhava as suas duas cartas na própria pilha. Vencia a rodada
quem relatasse o maior valor, sendo este correspondente ao valor das cartas ou não. Porém, em
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Comportamento em Foco 4 | 2014
cada rodada, um dado era lançado e, caso caísse com a face virada para um ou três, os participantes
deveriam mostrar suas cartas. Em caso de distorção de ambos, os participantes dividiam o lixo
e embaralhavam a sua metade na própria pilha. Se apenas um deles tivesse distorcido, tinha que
embaralhar todo o lixo em sua pilha.
Os participantes jogavam duas partidas. Numa, chamada de pergunta fechada (PF), o primeiro
participante a relatar dizia o valor de suas cartas e o segundo a relatar dizia se ganhava, perdia ou
empatava com o primeiro participante. Na condição de pergunta aberta (PA), os dois participantes
tinham que relatar o valor de suas cartas. Nesse experimento, os participantes distorceram pouco no
geral. Fora isso, os participantes distorceram mais na condição PA do que em PF. O que contrariava
o sugerido por Ferreira (2009).
Andrade (2011) sugeriu que tais resultados poderiam ser atribuídos a problemas experimentais já
que a PA no experimento 1 tinha um número limitado de respostas. Fora isso, a PF se configurava
em múltipla escolha e não meramente uma questão de sim ou não, como observado nos demais
estudos. A probabilidade de checagem de 1/3 também era muito alta, fazendo com que o número de
distorções fosse baixo e insuficiente para verificar o efeito do tipo de pergunta. A pequena quantidade
de exposições a cada uma das condições também era um fator que potencialmente empobrecia
o efeito das variáveis independentes, ou seja, talvez os participantes não tenham sido expostos
suficientemente ao jogo para que seu comportamento fosse controlado pelas contingências em vigor.
Para sanar essas questões, Andrade (2011) executou o experimento 2 com o mesmo objetivo
do experimento 1, porém, com alterações procedimentais. Na condição de pergunta aberta,
os participantes deveriam relatar o valor total de suas cartas, correspondente ou não, o valor
individual de cada carta e seus respectivos naipes. Na condição de pergunta fechada, o primeiro
a relatar dizia o valor total de suas cartas, correspondente ou não e o segundo a relatar dizia se
ganhava ou não a rodada. Os relatos eram conferidos caso o dado caísse em seis. As consequências
para relatos distorcidos erram as mesmas do experimento 1. Os participantes jogaram duas
partidas em cada condição.
Os resultados do experimento 2 de Andrade (2011) mostram que para quatro dos seis participantes
houve mais distorções na condição de pergunta fechada, porém com uma diferença pequena entre
dois deles. Apesar de terem sido baixas, a porcentagem de distorções na condição de pergunta
fechada foi maior que a encontrada no experimento 1. Segundo a autora isto pode ter acontecido
devido a aprendizagem do jogo que ao invés de serem duas partidas como no experimento 1, no
experimento 2, os participantes jogaram quatro partidas. Também pode ter acontecido por conta
da menor probabilidade de checagem, já que os participantes deveriam mostrar suas cartas em uma
frequência menor do que a colocada no estudo 1.
Os resultados encontrados no estudo de Andrade (2011) não foram conclusivos, visto que as
variáveis levantadas neste estudo não foram suficientes para explicar uma distorção maior em relação
às perguntas aberta no experimento 1 e uma pequena diferença encontrada no experimento 2.
O presente estudo segue a linha do estudo 2 de Andrade (2011), todavia, foram processadas
mudanças no procedimento experimental com o intuito de minimizar efeitos indesejados. Além
disso, foi investigado se são observadas diferenças na correspondência verbal entre adultos e crianças
em situações similares. Foi utilizado um novo baralho criado especificamente para a realização do
jogo com crianças e que na condição de pergunta aberta os participantes deveriam dizer a cor, o
número e o animal que havia nas suas cartas.
O objetivo geral do presente estudo foi verificar se o tipo de pergunta influencia na precisão dos
relatos dos indivíduos em uma situação lúdica. Para atingir o objetivo geral foi realizado um jogo de
cartas onde foram manipulados dois tipos de perguntas: abertas e fechadas. O jogo foi realizado em
duas etapas onde foram manipulados os tipos de perguntas e comparado os efeitos entre crianças e
adultos. No jogo proposto era vantajoso distorcer o relato já que, assim como no estudo 2 de Andrade
195
(2011), a possibilidade de verificação dos relatos foi de 1/6 para a possibilidade de consequência
punitiva. Foi analisada a frequência de distorções quando os jogadores eram os segundos a relatar
na rodada, foram comparados os resultados de acordo com o tipo de pergunta, aberta ou fechada,
quando os participantes eram os primeiros e segundos a relatar. Houve uma análise de acordo com a
faixa de pontos e outra de acordo com a frequência de distorções comparando a vez na rodada. Por
fim, a correspondência verbal foi comparada entre adultos e crianças.
Método
Participantes
Participaram do estudo seis crianças e seis adultos. Foram selecionados três meninos e três
meninas entre sete e oito anos, matriculados no 2º ano do ensino fundamental que não tinham
experiência prévia com o jogo, elas foram selecionadas pela professora de forma aleatória conforme
orientação das experimentadoras. O grupo dos adultos foi constituído de três homens e três mulheres,
estudantes universitários com idades entre 20 e 49 anos que não tinham experiência prévia com o
jogo. Os participantes foram selecionados aleatoriamente pelas experimentadoras no campus de uma
faculdade particular de Brasília. No caso das crianças, a sua participação foi autorizada pelos pais via
assinatura de Termo de Autorização. As crianças também assinaram o termo de assentimento. Os
adultos assinaram os próprios Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.
Local
O experimento foi realizado com as crianças em uma escola pública do Distrito Federal, em uma
sala de 48m2 de área e altura de 2.90m, com 20 carteiras, 20 cadeiras, uma mesa de 112cm x 75,5cm,
um ar condicionado, um quadro negro, com iluminação e ventilação artificiais.
Com os adultos o experimento foi realizado em uma sala de 60 m2 no campus de uma faculdade
particular de Brasília, com 40 carteiras, um ar-condicionado, uma mesa de 1,50m x 80cm, um quadro
branco, um retroprojetor e iluminação e ventilação artificiais.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Materiais e equipamentos
196
No experimento com as crianças foi utilizada uma mesa medindo 1,12m x 75,5cm que serviu
de apoio para as cartas e duas cadeiras. Foi utilizado o TCLE - Termos de Autorização para os
pais, Termo de Assentimento para as crianças, Regras do Jogo, baralho criado pelas pesquisadoras,
canetas, protocolo de registros e um dado comum de seis faces.
Com os adultos foi utilizada uma mesa de 1,50m x 80cm que serviu de apoio para as cartas, duas
cadeiras com braço, o TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, Regras do jogo, baralho
criado pelas pesquisadoras, protocolo de registros e um dado.
Procedimento
O procedimento com as crianças foi dividido em dois dias, um primeiro dia para as partidas
jogadas com perguntas fechadas e um segundo dia para as partidas jogadas com perguntas abertas.
Ao chegarem à sala do experimento as crianças foram convidadas a sentar nas cadeiras posicionadas
em cada lado da mesa, uma de frente com a outra. Em seguida, a pesquisadora leu as regras do jogo.
As regras foram lidas da seguinte forma no primeiro dia (pergunta fechada):
Regras do jogo (pergunta fechada)
Olá, Bom dia! Você vai jogar um jogo de cartas. Cada jogador vai receber um montinho de cartas. Ganhará
o jogo, aquele que descartar todas as suas cartas primeiro. O jogo é dividido em rodadas. A primeira
rodada começa com os dois jogando o dado, um de cada vez e quem tirar o maior valor começa, no
caso de empate joga-se o dado novamente. No início de cada rodada, cada jogador pega uma carta.
Cada carta tem um número, um animal e uma cor. A carta com número 1 vale 1, a carta com número 2
vale 2 e assim por diante. Uma rodada inicia com o primeiro jogador falando o seu valor. Ao segundo
jogador é perguntado, “você ganha do seu colega?” e ele deve dizer “sim” se o seu valor ganha do valor
dito pelo seu oponente ou “não” se seu valor perde ou empata com o de seu oponente. Ganha a rodada
aquele jogador que disser o maior valor. Quem ganha à rodada descarta a sua carta no lixo. Quem perde
a rodada, embaralha sua carta em seu montinho. Os jogadores vão trocando quem começa a dizer seu
valor de rodada para rodada. Normalmente, os jogadores não precisam mostrar a sua carta um para o
outro ao final da rodada. Porém, em toda rodada, logo após que o segundo jogador disser “sim” ou “não”,
ele deve jogar um dado. Se o dado cair em qualquer valor, menos o 6, a rodada termina normalmente.
Porém, caso o dado caia no número 6, os dois jogadores deverão mostrar a carta que está em sua mão.
Se o primeiro jogador tiver dito um valor diferente do número que aparece em sua carta, perde a rodada
e deverá pegar todo o lixo para o seu montinho. Se o segundo jogador disser “sim”, mas o valor da sua
carta for menor ou igual do que o valor dito pelo seu oponente, também, perde a rodada e pega todo o
lixo. Caso as duas coisas aconteçam, ambos devem dividir o lixo entre si após colocarem as suas cartas
nele. Se o primeiro jogador tiver dito o valor igual ao de sua carta e o segundo tiver dito “sim” ou “não”
de acordo com o valor da sua carta em relação ao que foi dito pelo seu oponente, a rodada termina
normalmente, vencendo a rodada quem tiver o maior valor.
“Agora nós vamos jogar algumas rodadas para ver se vocês entenderam. Esse é o momento de
vocês tirarem suas dúvidas”.
Os participantes jogaram o dado para que fosse definido quem começaria o jogo. A partida
começou com a criança que tirou o maior valor no dado relatando o número que havia tirado, a outra
criança deveria responder a pergunta: “Você ganha do seu colega?”. Após a resposta do segundo
jogador, ao final da rodada o jogador que havia relatado primeiro o valor de suas cartas jogava o
dado. Quando o dado caia no número seis, os dois jogadores deveriam mostrar as suas cartas. Caso
algum participante tivesse distorcido o valor da sua carta este deveria pegar todo o lixo e juntá-lo
ao seu monte de cartas. Caso os dois jogadores distorcessem seus relatos eles dividiriam o lixo. Se
ninguém houvesse distorcido seu relato, o jogador que tirou a carta maior descartava a carta para o
lixo e o outro jogador juntava a carta no seu monte. Quando o dado caia em outro número, diferente
de seis, ganhava a partida e descartava a carta no lixo quem havia relatado ter tirado o valor maior,
sem ter que mostrar as cartas.
Atrás de cada criança havia uma pesquisadora para registrar os dados e a outra pesquisadora ficava
conduzindo o jogo e fazendo as perguntas necessárias. As pesquisadoras fizeram um rodízio de
forma que todas passassem pela situação de ler as regras e registrar os dados. Foi estipulado um total
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Comportamento em Foco 4 | 2014
Após a leitura das regras as crianças jogaram cinco rodadas sem que o jogo estivesse valendo. Tal
procedimento foi necessário para tirar as dúvidas das crianças e verificar se estas haviam entendido
o funcionamento do jogo. Após as crianças relatarem que entenderam o jogo a pesquisadora leu o
restante das regras: “Agora que eu vi que vocês entenderam, vamos começar jogando para valer? De
agora em diante, não poderei tirar mais dúvidas”.
“Vamos começar? Bom jogo!”
197
de 30 rodadas sendo que, ao final, quem tivesse menos cartas, vencia o jogo. Os resultados analisados
consistiram em verificar se o valor dito pelas crianças e o relato a respeito de ganhar ou perder eram
correspondentes ou não. Também foi registrada a ordem em que as crianças distorceram ou não
seus relatos, ou seja, se a criança começou falando ou se foi a segunda a falar. O valor da carta que a
criança tirou e se houve a distorção também foi uma variável de análise.
No segundo dia do experimento foram realizadas as partidas de perguntas abertas. Foram formadas
novas duplas com os mesmos participantes. O procedimento ocorreu da mesma forma do primeiro
dia, com exceção da leitura das regras que diferiu das regras de pergunta fechada somente em relação
ao relato das cartas, ou seja, ao invés das crianças relatarem somente o valor de suas cartas, como
aconteceu na rodada de pergunta fechada, na rodada de pergunta aberta as crianças deveriam relatar
o valor, o animal e a cor. No mais, as regras continuaram as mesmas.
Todo o procedimento realizado com as crianças foi repetido com os adultos. Com a diferença
de que, com os adultos, o procedimento foi realizado em uma sala numa faculdade particular
de Brasília. No procedimento com os adultos por serem maiores de idade, estes assinavam o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que foi adaptado para os adultos. Houve pequenas
mudanças em relação à leitura das regras do jogo, pois foram utilizadas palavras adaptadas para o
entendimento dos adultos.
Houve um protocolo de registros para as crianças e outro com pequenas alterações para os adultos,
ao invés de relato da criança foi colocado relato do participante. Tanto no procedimento realizado
com as crianças quanto no procedimento realizado com adultos, as pesquisadoras anotavam a
descrição da carta tirada pelos participantes, o relato dos participantes, o valor do dado, se o relato
era correspondente ou não e se houve punição. Tais registros foram fundamentais para o resultado
e análise dos dados.
Resultados
No procedimento feito com as crianças e com os adultos, no primeiro dia, ambos foram submetidos
à condição experimental de pergunta fechada e no segundo dia foi realizada a condição experimental
de pergunta aberta.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Análise da frequência de distorções quando o jogador era o segundo
a relatar na rodada
198
A Figura 1 mostra que as crianças distorceram seus relatos somente quando eram os segundos a
relatar na rodada e na condição de pergunta fechada. Entre os adultos, houve uma preponderância
na frequência de distorções na condição de pergunta fechada, com exceção do participante AD3
que distorceu em igual proporção nas duas condições experimentais. Observa-se também que o
participante AD1 foi o que mais distorceu na condição de pergunta fechada.
9
PA
8
PF
Frequência de Distorções
7
6
5
4
3
2
CR1
CR2
CR3
CR4
CR5
CR6
AD1
AD2
AD3
Crianças
AD4
AD5
AD6
Média
0
Média
1
Adultos
Participantes
Figura 1
Frequência de distorções entre crianças e adultos quando o jogador era o segundo
a relatar na rodada
Análise da frequência de distorções na condição de pergunta aberta
considerando a vez na rodada
A Figura 2 mostra que na condição de pergunta aberta as crianças não distorceram seus relatos. Em
relação aos adultos, houve mais distorções quando estes eram os primeiros a relatar na rodada, com
exceção do participante AD1 que distorceu seu relato em maior proporção quando era o segundo a
relatar.
8
PA 1o
PA 2o
6
5
4
3
2
CR1
CR2
CR3
CR4
Crianças
CR5
CR6
AD1
Participantes
AD2
AD3
AD4
AD5
AD6
Média
0
Média
1
Adultos
Figura 2
Análise da frequência de distorções na condição de pergunta aberta considerando
a vez na rodada
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Comportamento em Foco 4 | 2014
Frequência de Distorções
7
199
Análise da frequência de distorções na condição de pergunta fechada
considerando a vez na rodada
A Figura 3 mostra que duas crianças distorceram seus relatos e tal distorção ocorreu quando estas
eram as segundas a relatar. Em relação aos adultos houve uma quantidade maior de distorções nesta
condição experimental e predominantemente quando estes eram os segundos a emitir os relatos.
9
PF10
PF20
8
Frequência de Distorções
7
6
5
4
3
2
CR1
CR2
CR3
CR4
CR5
CR6
Crianças
AD1
AD2
AD3
AD4
AD5
AD6
Adultos
Média
0
Média
1
Participantes
Figura 3
Análise da frequência de distorções na condição de pergunta fechada considerando
a vez na rodada
Análise de acordo com a faixa de pontos
Na Figura 4, observa-se que, entre os adultos, nas duas condições experimentais (pergunta aberta
e fechada), houve maior proporção de distorções quando estes tiraram valores de cartas menores.
Na Figura 4, observa-se uma ordem decrescente de acordo com os valores das cartas. Em relação
às crianças, houve distorções somente na condição de pergunta fechada e houve variabilidade em
relação aos valores de cartas tirados.
50
Porcentagem CR
45
Porcentagem AD
200
Porcentagem
Comportamento em Foco 4 | 2014
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1
2
3
4
5
1
PA
2
3
4
PF
Valor da Cartas
Figura 4
Porcentagem de distorção de acordo com o valor de cartas tiradas na rodada
5
Análise da frequência de distorções x vez na rodada
Na Figura 5 observa-se que os adultos na condição de pergunta aberta distorceram seus relatos
em maior frequência quando eram os primeiros a jogar e quando os valores de cartas eram menores.
Nota-se que em relação ao valor de carta número cinco, na condição de pergunta aberta, não houve
distorções quando os participantes eram os primeiros a jogar. Na condição de pergunta fechada, os
adultos distorceram muito mais quando eram os segundos a jogar e quando tiraram valores de cartas
menores. Em relação aos valores de cartas quatro e cinco na condição de pergunta fechada não houve
distorções quando os participantes eram os primeiros a jogar.
Na condição de pergunta fechada, as crianças distorceram somente quando eram as segundas na
rodada. Com exceção do valor cinco, distorceram em todos os valores de cartas.
60
Porcent. CR
Porcent. AD
Porcentagem
50
40
30
20
10
0
1o 2o 1o 2o 1o 2o 1o 2o 1o 2o 1o 2o 1o 2o 1o 2o 1o 2o 1o 2o
1
2
3
PA
4
5
1
Valor das Cartas
2
3
4
5
PF
Figura 5
Porcentagem de distorções de acordo com o valor de cartas tiradas e a vez na rodada
A presente pesquisa teve como objetivo investigar a correspondência entre fazer e dizer que, de
acordo com a literatura, ocorre quando o individuo emite um comportamento não-verbal e depois
relata com precisão sobre este (Coelho et al., 2008). No estudo, foram manipulados dois tipos de
perguntas: abertas e fechadas em uma situação lúdica de jogo de cartas. O procedimento foi aplicado
com adultos e crianças para que houvesse possibilidade de comparação entre o comportamento de
ambas as faixas etárias.
A Figura 1 aponta a análise da frequência de distorções quando o jogador era o segundo a jogar
na rodada. As crianças distorceram somente na condição de pergunta fechada e quando eram as
segundas a jogar. Os adultos distorceram seus relatos muito mais na condição de pergunta fechada
e quando eram os segundos a jogar, com exceção do participante AD3 que distorceu em igual
proporção nas duas condições experimentais.
Os resultados mostram que a pergunta fechada evocou mais distorções nos relatos dos participantes,
já que ao serem os segundos a jogar na rodada, era perguntado aos participantes: “Você ganha?”,
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Comportamento em Foco 4 | 2014
Discussão
201
dando a eles somente duas possibilidades de respostas: sim ou não. Esses resultados estão de acordo
com aqueles obtidos por Andrade (2011) no experimento 2. Porém, no presente trabalho, a vantagem
das perguntas fechadas na produção de relatos não correspondentes foi muito mais clara.
Observou-se que apenas duas crianças (CR2 e CR3) distorceram seus relatos e em apenas
uma condição experimental (pergunta fechada). Esse fato pode ter ocorrido por não ter havido
discriminação das contingencias do jogo por parte das crianças, já que foi realizada somente uma
partida por dia em cada condição experimental. Nos estudos de Ferreira (2009) e Dias (2008) ocorreu
fato semelhante, houve uma pequena frequência de distorções que as autoras explicam pela ausência
de discriminação das contingencias do jogo.
A criança CR2 que distorceu o relato é uma exceção a esses resultados, já que esta apresentou relatos
não correspondentes. No primeiro dia, na condição de pergunta fechada CR2 distorceu seu relato
seis vezes, obtendo com isso vitórias e descartando suas cartas no lixo. Na vigésima quinta rodada,
CR2 foi o segundo a jogar e relatou que ganhava de seu oponente. O oponente de CR2 jogou o dado
e caiu no número seis, sendo assim, os dois tiveram que mostrar suas cartas. CR2 havia distorcido
seu relato e teve que pegar todo o lixo. No outro dia, na rodada de perguntas abertas CR2 emitiu o
seguinte relato na sala do experimento: “Eu é que não vou mentir mais, ontem eu perdi porque eu
menti” e falou para seu oponente: “Se eu fosse você eu não mentia, porque senão você perde”.
Fato semelhante aconteceu no estudo de Ribeiro (1989/2005), quando um menino que havia
alcançado 100% de correspondência nos relatos reverteu essa condição na fase de reforçamento pelo
relato de brincar em grupo. Tal reversão ocorreu porque um colega lhe disse que teria um “segredo”
a contar, ou seja, percebeu o funcionamento do jogo e contou para o colega que se ele relatasse ter
brincado ganhava fichas independentemente de ter brincado ou não.
No estudo de Ribeiro (1989/2005) a criança falou para a outra mentir e no presente estudo a
criança falou para a outra não mentir, porém o comportamento governado por regras ficou em
evidência tanto em uma situação quanto na outra, já que nas duas condições houve instruções que
funcionaram como eventos antecedentes controladores do comportamento das crianças.
O fato de as crianças não terem distorcido nenhuma vez na partida de perguntas abertas e poucas
vezes na partida de perguntas fechadas pode estar relacionado ao que ocorreu na linha de base
do estudo de Ribeiro (1989/2005), onde o comportamento das crianças estava sob o controle de
contingencias passadas. No presente estudo, não houve a fase de comparação em grupo como no
estudo de Ribeiro , porém, ao se compararem os resultados obtidos na presente investigação aos da
linha de base de Ribeiro , a contingencia é parecida já que as crianças podem ter sido ensinadas no
seu passado a não emitir relatos distorcidos.
Outro fato que pode estar relacionado a pouca distorção do relato das crianças é que diferentemente
Comportamento em Foco 4 | 2014
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
dos estudos de Ribeiro (1989/2005) e Ferreira (2009), o presente estudo oferecia uma consequência
202
para as crianças que pode não ter sido muito reforçadora. Nos estudos de Ribeiro, eram oferecidas
fichas para troca por guloseimas como reforço. No estudo de Ferreira eram oferecidas fichas para
troca de brindes como reforço. Já no presente estudo, a única consequência disponibilizada era a
oportunidade de ganhar a partida, algo que pode não ter evocado a emissão de relatos distorcidos.
A despeito desta característica, salienta-se que no estudo de Ferreira, houve poucas distorções,
mesmo sendo oferecidas fichas por troca de brindes, dessa forma, não se crê que a magnitude
do reforço tenha influenciado na distorção do relato das crianças, principalmente na partida de
perguntas abertas.
A Figura 2 mostra a análise da frequência de distorções na condição de pergunta aberta
considerando a vez na rodada. Entre as crianças não houve distorções. Entre os adultos houve mais
distorções quando estes eram os primeiros a relatar na rodada, com exceção do participante AD1 que
distorceu seu relato em maior proporção quando era o segundo a relatar.
Os resultados do estudo de Brino e de Rose (2006) apontam para o fato de que, na condição de
linha de base, todas as crianças tenderam a relatar suas leituras como corretas, mesmo quando eram
incorretas. Para duas das quatro crianças os relatos não correspondentes foram reduzidos na condição
onde houve a presença do experimentador. Tal fato pode estar relacionado a pouca distorção das
crianças no presente estudo já que nas duas fases o experimentador estava presente. Brino e de Rose
colocam que este resultado se deve a uma história em que a presença de adultos seja um estímulo que
sinalize punições ao comportamento de distorcer o relato.
Com os adultos, o experimentador também estava presente, o que levanta a questão do porque da
presença do experimentador ter afetado em maior proporção o comportamento das crianças. Tal fato
pode ser explicado pelo fato dos adultos terem maior treino com distorções independentemente da
presença de alguém.
Na Figura 3 foi realizada a análise da frequência de distorções na condição de pergunta fechada
considerando a vez na rodada. A Figura 3 aponta para o fato de que duas crianças distorceram seus
relatos e tal distorção ocorreu quando estas eram as segundas a relatar. Em relação aos adultos houve
uma quantidade maior de distorções nesta condição experimental e predominantemente quando
estes eram os segundos a emitir os relatos.
Em relação às crianças, pode ter ocorrido fato semelhante ao observado nos estudos de Dias (2008)
e Ferreira (2009). As distorções não estavam sob o controle das contingências propostas no estudo.
Neste estudo, com relação aos adultos houve uma replicação do experimento 2 de Andrade (2011),
porém tal investigação não foi conclusiva, visto que a diferença do experimento 1 para o experimento
2 foi pequena. No presente estudo, os resultados apontam para maior distorção na condição de
pergunta fechada, havendo uma diferença entre perguntas abertas e fechadas, o que fortalece a
hipótese de que perguntas fechadas podem evocar relatos distorcidos com maior frequencia.
Tais dados considerando também o resultado dos adultos descrito na Figura 3 confirmam o que
Ferreira (2009) diz a respeito da diferença entre perguntas abertas e perguntas fechadas. Tal fato pode
ser explicado pelo custo da resposta. No presente estudo, na condição de pergunta fechada é feita
a pergunta: “Você ganha?”. Bastava dizer sim ou não. Já na condição de pergunta aberta, o jogador
era convidado a descrever um número, uma cor e um animal, sendo assim, na condição de pergunta
aberta, o custo da resposta para distorcer é mais alto do que para relatar com precisão.
De acordo com a análise da faixa de pontos demonstrada na Figura 4, observou-se que entre
os adultos houve maior distorção quando estes tiravam cartas menores, principalmente a carta 1
em ambas condições experimentais. Este fato pode ter ocorrido pelas cartas menores oferecerem
menores possibilidades de vitória na rodada. Tal dado confirma o que Ribeiro (1989/2005) relatou
em seu estudo a respeito de o comportamento modelado por contingencias contribuir para a
Na análise da frequência de distorções por vez na rodada, segundo a Figura 5, observou-se que,
na condição de pergunta aberta, os adultos distorceram mais seus relatos quando eram os primeiros
a jogar e quando os valores de cartas eram menores. Uma possibilidade para este fato ter ocorrido
é que a partida de perguntas abertas ocorreu no segundo dia, ou seja, os participantes já haviam
participado da partida de perguntas fechadas e provavelmente as contingências do jogo já estavam
exercendo controle sobre o seu comportamento de forma mais precisa em relação ao primeiro
dia. Dessa forma, no segundo dia, ao serem os primeiros a relatar e ao estarem aptos a responder
discriminadamente à contingência de que ao falar o maior número ganham a partida, podem ter
distorcido mais o relato para que seu comportamento fosse reforçado com o ganho do jogo.
Outro fato é que a probabilidade de punição era pequena, 1/6 de chance a cada vez que o dado
era rolado, dessa forma a possibilidade de punição não foi suficiente para que os participantes
mantivessem precisão nos seus relatos.
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
Comportamento em Foco 4 | 2014
distorção de relatos.
203
Defende-se que o presente estudo contribui no sentido de ter analisado a diferença existente entre
correspondência verbal em adultos e em crianças. Os resultados encontrados abrem possibilidades
para replicações em estudos futuros, contribuindo assim para o maior do fenômeno nomeado de
correspondência verbal.
Referências
Comportamento em Foco 4 | 2014
Souza . Guimarães . Antunes . Medeiros
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204
Ansiedade à matemática e desempenho em tarefas de aritmética em estudantes
do ensino fundamental ii 1
Alessandra Campanini Mendes
Universidade Federal de São Carlos
Alana Faggian
Centro Universitário Central Paulista
Aline Cristina de Souza
Universidade Federal de São Carlos
Camila Straforin de Oliveira
Dorival José Bottesini Junior
Universidade Paulista
Marcelo Henrique Oliveira Henklain
Rogério Crevelenti Fioraneli
Talita Toledo Costa
João dos Santos Carmo 2
Universidade Federal de São Carlos
Resumo
Palavras-chave: Ansiedade à matemática, desempenho em aritmética, TDE, alunos do ensino fundamental.
1 Apoio: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT-ECCE), por meio do MCT no âmbito do Edital 15/2008, com auxílio do
CNPq (#573972/2008-7) e da FAPESP (#2008/57705-8).
2 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
O presente trabalho investigou a relação entre diferentes graus de ansiedade à matemática e o
desempenho de 42 estudantes (idade média de 10,6 anos, SD = 0,6) do ensino fundamental de uma
escola pública do interior de São Paulo em tarefas de aritmética. Foram aplicados individualmente
dois instrumentos informatizados, a saber, a Escala de Ansiedade à Matemática (EAM) e 35 tarefas
de aritmética do Teste de Desempenho Escolar (TDE). Em relação à EAM, cinco participantes
(11,9%, sendo 7,1% de meninos) apresentaram alta ansiedade e 20 participantes (47,6%, sendo 21,4%
de menino) apresentaram ansiedade moderada, 17 participantes (40,5%, sendo 19% de meninos)
apresentaram os níveis nenhuma ansiedade e baixa ansiedade. Não houve diferença significativa
entre as respostas de meninas e meninos. A maior parte da amostra concentrou-se no nível Inferior
do TDE Aritmética (21 crianças), 18 crianças alcançaram o nível Médio e apenas 3 o Superior.
A partir dos dados descritivos não foi identificada relação significativa entre grau de ansiedade e
desempenho no TDE.
205
Comportamento em Foco 4 | 2014
Mendes . Faggian . Souza . Oliveira . Bottesini Junior . Henklain . Fioraneli . Costa . Carmo
206
Ansiedade diante de estímulos numéricos e de situações antecedentes que requerem a emissão de
repertórios matemáticos tem sido amplamente relatada na literatura sobre respostas emocionais à
matemática (Ashcraft, 2002; Hembree, 1990; Lyons & Beilock, 2012; Maloney & Beilock, 2012). Os
estudos sobre ansiedade frente à matemática abrangem participantes com diferentes níveis escolares e
investigam diferentes questões (para uma revisão abrangente ver Carmo, 2011). Uma dessas questões
refere-se à relação entre ansiedade à matemática e desempenho em tarefas matemáticas. O presente
estudo apresenta e discute dados acerca dessa relação em estudantes do ensino fundamental, e trata da
ansiedade à matemática como um conjunto de respostas emocionais diante de estímulos numéricos,
símbolos e problemas matemáticos. Esse conjunto de respostas emocionais abrange as respostas de
fuga e esquiva e as respostas encobertas (tanto em nível fisiológico, como taquicardia, sudorese,
extremidades frias, quanto em nível comportamental, como a formulação de regras e autorregras).
Na escola é possível identificar respostas de fuga e esquiva em aulas de matemática, e estas estão
diretamente relacionadas a um ambiente aversivo e, particularmente, ao uso do controle aversivo nas
aulas de matemática (Skinner, 1972). Respostas fisiológicas e relatos de medo ou ansiedade frente à
matemática também são passíveis de registro em situações controladas, porém o acesso sistemático
a relatos de situações que envolvem controle aversivo no ensino da matemática só é possível de
forma indireta, por exemplo, a partir de protocolos verbais que indicam a intensidade da estimulação
aversiva e a frequência de respostas de fuga e esquiva e outras respostas emocionais.
Embora protocolos verbais apresentem limitações óbvias em função da ausência de acesso
direto às histórias de punição e ameaça de punição em sala de aula, apresentam alguma vantagem
quando se trata de identificar contingências passadas ou presentes às quais não se tem acesso direto
e, sobretudo, quando eticamente não é possível submeter os participantes a eventos aversivos que
podem ser danosos. Nesses casos o uso de escalas verbais tem sido o instrumento mais utilizado para
o estudo de respostas emocionais à matemática.
Além do controle aversivo nas aulas de matemática, metodologias de ensino inadequadas e
o uso de regras inapropriadas a respeito da matemática têm gerado o fracasso na aprendizagem
dessa disciplina (Frankenstein, 1989). Em relação ao controle aversivo e ao uso de metodologias
inadequadas de ensino, a punição de respostas que não atingiram o desempenho esperado (e,
portanto, são consideradas “erros”) tende a gerar uma diminuição de respostas de engajamento nos
estudos caso não haja a aplicação de procedimentos de auxílio ao estudante como, por exemplo,
(a) colocar sua resposta sob controle de aspectos relevantes do problema a ser resolvido de forma
que ele identifique o tipo de solução mais adequada – uma forma de alcançar esse objetivo consiste
na formação de classes de equivalência entre diferentes formas de apresentação de problemas –,
(b) apresentar instruções explícitas acerca das respostas encadeadas a serem emitidas diante de
situações-problema específicas, (c) reforço imediato de respostas que se aproximam cada vez
mais do desempenho esperado, (d) garantir os comportamentos precorrentes que possibilitem
chegar à solução da situação-problema, (e) evitar comparações vexatórias entre desempenhos de
Mendes . Faggian . Souza . Oliveira . Bottesini Junior . Henklain . Fioraneli . Costa . Carmo
Comportamento em Foco 4 | 2014
alunos, (f) garantir o sucesso do aluno em pequenos passos de modo que seu desempenho anterior
seja comparado com os ganhos de repertórios posteriores, aumentando assim as chances de que
as atividades matemáticas gerem reforço intrínseco, (g) estabelecer vínculos explícitos entre os
conteúdos trabalhados em sala de aula e situações cotidianas nas quais esses conteúdos possam ser
aplicáveis. Para orientar esses procedimentos é essencial que o professor identifique e descreva os
comportamentos que compõem o repertório que ele deseja ensinar.
Resultados de estudos têm indicado que regras inapropriadas em relação à matemática podem
afetar o desempenho de alunos iniciantes (Frankenstein, 1989; Turner et al., 2002; Wei, 2010). É
comum, nesse caso, que professores e familiares apresentem a matemática como algo só acessível
a poucos e, portanto, classifiquem os alunos entre os que conseguem e os que não conseguem
aprender matemática.
Nas séries iniciais do Ensino Fundamental – até o 5º ano – o índice máximo alcançado pelos alunos
na disciplina de matemática no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) foi de 204,74 pontos
tanto para a rede pública quanto para a particular (a escala de pontuação do Saeb varia de zero a 500
pontos) (Brasil, 2003) e os dados do Programme for International Student Assessment (PISA) colocam
o Brasil entre os últimos países no desempenho em matemática.
É possível que as condições de ensino supramencionadas estejam na base das dificuldades dos
estudantes. Ademais, admite-se que respostas emocionais diante de situações que requerem o uso da
matemática possam prejudicar ainda mais o desempenho dos estudantes.
Apesar de sua importância, a relação entre ansiedade à matemática e desempenho acadêmico em
matemática tem sido pouco estudada. Wu, Barth, Amin, Malcarne e Menon (2012) investigaram
tal relação em crianças do segundo e terceiro ano do ensino fundamental, a partir do uso de uma
escala verbal de ansiedade matemática e tarefas matemáticas adaptadas do teste Wechsler de
desempenho individual. Os resultados indicaram uma forte correlação entre ansiedade à matemática
e baixo desempenho em tarefas que exigiam o uso de cálculos, bem como uma alta correlação entre
desempenho matemático e situações sociais em que se espera o uso da matemática. Os autores
sugerem que procedimentos de identificação e remediação precoce da ansiedade à matemática são
necessários de serem implementados nas escolas fundamentais.
No Brasil, a Escala de Ansiedade à Matemática (EAM) tem sido utilizada para a identificação de
graus variados desse tipo de ansiedade em estudantes do ensino fundamental e médio (Carmo et
al., 2008; Mendes & Carmo, 2011), tendo sido demonstrada sua aplicabilidade para essa população,
incluindo crianças pequenas (Mendes & Carmo, 2014, no prelo).
Fassis, Mendes e Carmo (no prelo) utilizaram a EAM com objetivo de verificar se havia relação
entre alta/extrema ansiedade à matemática e baixo desempenho em matemática. Foram selecionados
os dados obtidos das respostas de oito alunos que responderam à EAM, sendo quatro com baixa
ansiedade à matemática e quatro com alta ou extrema ansiedade. O desempenho em matemática foi
medido a partir dos resultados de provas regulares realizadas na escola. As notas obtidas pelos alunos
foram fornecidas pela coordenação da escola e correspondiam aos quatro últimos bimestres. Os
resultados apontaram que alunos com maior ansiedade obtiveram uma média de notas mais elevada
em relação aos alunos com baixa ansiedade. Esse efeito foi explicado pelos autores como tendo sido
gerado a partir do controle aversivo que, paradoxalmente, pode garantir desempenhos por esquiva,
ou seja, alguns estudantes com ansiedade à matemática podem estudar mais arduamente na época
de provas de forma a se esquivarem de punição pela nota baixa, o que camufla, em certa medida,
as dificuldades acentuadas que esses alunos apresentam e, ao mesmo tempo, não garante uma
aprendizagem efetiva do conteúdo (Newstead, 1998).
Tendo em vista que uma série de variáveis que estavam em vigor nos contextos de ensino não
foram mensuradas e/ou controladas, avalia-se que direcionar a atenção apenas para as notas dos
alunos em avaliações formais não é suficiente para uma análise completa da relação entre níveis
207
Comportamento em Foco 4 | 2014
Mendes . Faggian . Souza . Oliveira . Bottesini Junior . Henklain . Fioraneli . Costa . Carmo
208
de ansiedade à matemática e desempenho acadêmico. No bojo desta discussão, o estudo de Wu et
al. (2012) parece indicar caminho promissor, já que fornece dados de desempenho em tarefas de
matemática selecionadas a partir de testes padronizados.
Um estudo brasileiro (Prado et al., no prelo) também utilizou um teste padronizado, a saber, o
Teste de Desempenho Escolar (TDE) (Stein, 1994). Um dos objetivos foi avaliar o repertório de
conhecimentos matemáticos de 62 estudantes do 4º ano do ensino fundamental (32 de uma escola
particular e 30 de uma escola pública) por meio da aplicação do subteste de aritmética do TDE.
A pontuação média obtida pelos participantes que compuseram a amostra foi de 17,02 pontos
(SD (σ) = 3,52). Comparando o desempenho obtido por cada uma das escolas, identificou-se uma
diferença estatisticamente significante entre elas: t (60) = 2,44 (p = 0,018), com pontuação média mais
elevada da escola privada (18,1) do que da pública (16,0). Nas categorias inferior e médio previstas
no TDE, houve maior porcentagem de participantes da escola pública, ao passo que na categoria
superior, o maior percentual de participantes foi da escola particular. Os autores indicam que uma
variável importante foi a presença de participantes de escola pública e escola particular no sentido
de que diferenças de desempenho podem estar relacionadas à exposição a diferentes currículos.
Um estudo com estudantes expostos a um só currículo parece necessário a fim de evitar a variável
“diferentes experiências curriculares”.
O presente trabalho objetivou realizar um estudo semelhante ao de Wu et al. (2012) investigando a
relação entre ansiedade à matemática e desempenho em tarefas de matemática. Para tanto, utilizouse o subteste de aritmética do teste padronizado TDE, tal como na pesquisa de Prado et al. (no prelo).
No sentido de dar conta de um dos limites expostos por Prado et al. (no prelo) foi composta uma
amostra por conveniência em que se tivesse maior controle quanto a exposição dos participantes a
diferentes currículos.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa 42 alunos de uma escola pública estadual do interior de São Paulo, 20
meninos e 22 meninas, com idade variando entre 8 e 12 anos (média de 10,6 anos e SD = 0,6). Todos
os alunos estavam cursando o quinto ano do Ensino Fundamental à época da coleta de dados. A
pesquisa foi realizada em três turmas, A, B e C. Na turma A foram coletados dados com 17 crianças
(10 meninos), na turma B com 12 (seis meninos) e na turma C com 13 (seis meninos).
Local e Materiais
A coleta foi realizada em uma escola pública estadual de uma cidade do interior de São Paulo. Foram
empregados dois instrumentos de coleta: (a) Escala de Ansiedade à Matemática (EAM), e (b) Teste
de Desempenho Escolar (TDE). Todos os instrumentos foram aplicados em formato informatizado.
A Escala de Ansiedade à Matemática e o Teste de Desempenho Escolar foram apresentados no
computador no formato das planilhas do software Excel® da Microsoft.
Procedimentos
Os pesquisadores fizeram contato com a escola, apresentaram o projeto e solicitaram aprovação
da pesquisa. A autorização para a participação na pesquisa se deu através da assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis dos alunos. O projeto foi aprovado com o
Parecer N. 106/2012 pelo Comitê de Ética da UFSCar – SP.
Após a aprovação, foram agendados os dias e horários de coleta. Ficou definido que seria feita a
coleta primeiro com os alunos da turma A, depois da B e, por último, da C. Nos dias programados,
o experimentador ia até a sala de aula e chamava os participantes. Eles eram conduzidos até a sala de
coleta. Primeiro era aplicada a Escala de Ansiedade à Matemática, e em seguida o TDE.
Todos os alunos foram informados de que sua participação não era obrigatória e que as atividades
não tinham qualquer finalidade avaliativa. Eles também foram informados que a qualquer
momento poderiam interromper ou desistir de sua participação sem qualquer tipo de punição ou
constrangimento.
Finalizada a sessão, a criança era levada de volta à sua sala de aula.
A escala é do tipo Likert, composta por 25 itens (Carmo, 2008). Cada item apresenta a descrição
sucinta de uma situação cotidiana relacionada ao ensino da matemática. São descritas desde situações
consideradas pouco ansiogênicas até situações bastante ansiogênicas e o participante deve escolher
uma entre cinco opções de resposta: nenhuma ansiedade, baixa ansiedade, ansiedade moderada,
alta ansiedade, extrema ansiedade. Dentre as situações propostas na EAM, estão: “quando escrevo a
palavra ‘matemática’” (3)3, “Um dia antes da aula de matemática” (5), “Durante a aula de matemática,
quando devo resolver sozinho um exercício” (8), “Quando o professor de matemática me dirige a
palavra, fazendo perguntas sobre matemática” (12), “Ao fazer a tarefa de casa de matemática” (14),
“Quando os colegas estão falando sobre matemática” (17), “minutos antes da prova de matemática”
(20), “No dia da entrega das notas de matemática” (23)4. Os pesquisadores informaram aos alunos
que a atividade não possuía objetivo avaliativo de desempenho, atribuição de notas nas respostas
ou respostas “certas” ou “erradas”, e ainda, que não havia qualquer tipo de premiação para a
participação. O preenchimento da escala deveria ser individual e, tanto a identidade do participante
quanto suas respostas seriam mantidas em sigilo de modo que apenas o pesquisador teria acesso
direto ao material.
Além destas instruções, com o intuito de esclarecer o significado de “ansiedade” para os
participantes, os pesquisadores compararam esse comportamento emocional aos termos nervosismo
e tensão.
Com o propósito de garantir a compreensão do objetivo da pesquisa, no momento da coleta foi
feita a seguinte questão antes da aplicação da escala: “diante de uma determinada situação, como me
sinto?”. Para as respostas os alunos contavam com cinco graus de ansiedade: nenhuma ansiedade,
baixa ansiedade, ansiedade moderada, alta ansiedade, extrema ansiedade. Além disso, também foi
realizada a leitura pontual dos itens da escala, ou seja, questão a questão, e foi solicitada atenção dos
alunos para a escolha de somente um grau de ansiedade por situação.
Aplicação do Teste de Desempenho Escolar (TDE)
O instrumento utilizado para a coleta de dados foi o Teste de Desempenho Escolar (TDE), que
é composto por três subtestes: Escrita, Aritmética e Leitura. O TDE é um instrumento que busca
oferecer de forma objetiva uma avaliação das capacidades fundamentais para o desempenho escolar,
mais especificamente da escrita, aritmética e leitura. Os resultados do teste indicam de uma maneira
abrangente quais as áreas da aprendizagem escolar que estão preservadas ou prejudicadas no
examinando. A faixa etária abrange a avaliação de escolares de 1ª a 6ª séries do Ensino Fundamental.
3 Os números entre parênteses indicam em que posição a situação aparecia na escala.
4 A escala completa poderá ser fornecida aos interessados, com instruções de aplicação a partir do contato pelo e-mail indicado
para correspondência.
Mendes . Faggian . Souza . Oliveira . Bottesini Junior . Henklain . Fioraneli . Costa . Carmo
Comportamento em Foco 4 | 2014
Aplicação da Escala de Ansiedade à Matemática (EAM)
209
Em razão do objetivo da pesquisa foi aplicado apenas o subteste de aritmética cuja duração foi de
aproximadamente quinze minutos por aluno. O subteste de aritmética do TDE contém 35 exercícios
de cálculo matemático. Ele foi apresentado a cada aluno individualmente no formato de planilha
eletrônica. Além disso, os alunos foram instruídos a realizar apenas os exercícios relacionados ao
conteúdo ministrado pelo(a) professor(a) em sala de aula, sendo dispensados dos exercícios relativos
a conteúdos não estudados até então. Os itens com resposta correta foram contabilizados e compõem
o Escore Bruto (EB) do teste, permitindo a classificação do aluno em relação à amostra para a qual o
teste foi padronizado (níveis inferior, médio e superior). Foi dado aos participantes o tempo máximo
de 20 minutos para finalizar o teste.
O experimentador explicava para o participante que ele deveria responder um item por vez e
mostrava como preencher a planilha do TDE. Foi fornecida ao participante uma folha de sulfite
A4 para que pudesse fazer as contas manualmente se assim desejasse. Apenas o resultado final era
colocado na planilha.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Mendes . Faggian . Souza . Oliveira . Bottesini Junior . Henklain . Fioraneli . Costa . Carmo
Procedimento de Análise de dados
210
Para analisar os resultados da EAM foram atribuídos valores na escala utilizada tipo Likert de
acordo com os escores atingidos. A Tabela 1 apresenta os cinco graus de ansiedade e as pontuações da
escala correspondentes a cada grau particular. Ressalta-se que a diferença entre cada estrato é de 24
pontos, diferença matemática considerada pelos pesquisadores para atribuição dos valores na EAM.
Foram observadas as médias do nível de escores alcançados pelos alunos na amostra geral e
também, por gênero. Ressaltamos que foi utilizada apenas a estatística descritiva nas análises.
Tabela 1
Pontuação na Escala de Ansiedade Matemática (EAM) de acordo com escores e
níveis de ansiedade
Pontuação – Escores
Níveis de Ansiedade
25
Nenhuma ansiedade
26 – 50
Baixa ansiedade
51 – 75
Ansiedade moderada
76 – 100
Alta ansiedade
101 – 125
Extrema ansiedade
Na análise das respostas dos alunos no TDE foram considerados os seguintes escores de pontuação:
desempenho inferior para alunos que acertaram 18 ou menos tarefas, desempenho médio para alunos
que acertaram entre 19 e 23 tarefas, desempenho superior para alunos que acertaram 24 tarefas ou
mais. Ressalta-se que esta classificação respeita as normas de aplicação do TDE e a série na qual os
participantes estavam matriculados. Foram observadas a média do nível de desempenho da amostra
e também, a média por gênero.
Foram observados ainda alunos que tiveram altos graus de ansiedade na escala e desempenho
inferior no TDE e alunos com baixos graus na escala e desempenho médio no TDE.
Resultados
52,77 pontos (42%) e a média do sexo masculino foi de 53,75 (43%) pontos. Na EAM as médias dos
três grupos, geral, sexo feminino e sexo masculino apontam Ansiedade Moderada.
Nos resultados do Teste de Desempenho Escolar (TDE), a maior parte da amostra (21 crianças)
concentrou-se no nível Inferior do TDE Aritmética. 19 crianças alcançaram o nível Médio e apenas
três, o Superior. A média de acertos da amostra geral foi 17,45 (49%), enquanto que a média de
acertos do sexo feminino foi 17,18 (49%) e a do sexo masculino foi 17,75 (50%).
Foram comparados os escores de alunos com alta ansiedade e baixo desempenho no TDE. Conforme
pode ser observado na Tabela 2, três alunos (A, B e C), todos do sexo masculino, apresentaram altos
graus de ansiedade à matemática e baixo desempenho no TDE. O aluno A atingiu 80 pontos na EAM
(64%) e seu desempenho no TDE foi de 16 acertos (46%). O aluno B atingiu 81 pontos na EAM
(65%) e seu desempenho no TDE foi de 13 acertos (37%). O aluno C obteve 88 pontos na EAM (70%)
e seu desempenho no TDE foi de 16 acertos (46%).
Também foram comparados os escores de alunos com nenhuma ansiedade e alto desempenho
no TDE. Na Tabela 3 observa-se que dois alunos, D do sexo masculino e E do sexo feminino,
apresentaram baixos graus de ansiedade na escala e desempenho médio5 no TDE. O aluno D atingiu
25 escores na escala (20%) e 22 acertos (63%) no TDE. O aluno E atingiu 25 escores na escala (20%)
e 23 acertos (66%) no TDE.
5 Não houve aluno com desempenho superior, e por motivo de comparação entre graus de ansiedade e desempenho
no TDE, optamos por considerar os melhores desempenhos dos alunos que apontaram baixos graus de ansiedade.
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Comportamento em Foco 4 | 2014
Na amostra avaliada não foram identificadas crianças com Extrema Ansiedade, cinco (11,9%, sendo
7,1% meninos e 4,8% meninas) apresentaram Alta Ansiedade e 20 (47,6%, sendo 21,4% meninos e
26,2% meninas) apresentaram Ansiedade Moderada. 17 estudantes (40,5%, sendo 19% meninos e
21,5% meninas) classificaram-se entre os níveis de Nenhuma Ansiedade e Baixa Ansiedade.
No grau de Extrema Ansiedade, os itens mais selecionados foram o 24 (“No dia da entrega das notas
de matemática, sinto”) pelos meninos e o 25 (“No dia do resultado final, ao término do ano, sinto”)
pelas meninas. No grau de Alta Ansiedade foram os itens 16 (“Durante a aula de matemática, quando
devo ir à lousa, sinto”) pelas meninas e o 17 (“Um dia antes de entregar uma tarefa de matemática que
não consegui resolver, sinto”) pelos meninos.
No grau de Nenhuma Ansiedade os itens mais selecionados foram o 14 (“Ao fazer a tarefa de
casa de matemática, sinto”) pelos meninos e o 18 (“Quando os colegas de sala estão falando sobre
matemática, sinto”) pelas meninas. No grau de Baixa Ansiedade, os itens mais selecionados foram o
5 (“Um dia antes da aula de matemática sinto”) pelos meninos e o 15 (“Quando em casa não consigo
resolver a tarefa de matemática, sinto”) pelas meninas. No grau de Ansiedade Moderada os itens mais
selecionados foram o 22 (“Durante a prova de matemática, sinto”) pelos meninos e o 24 (“No dia da
entrega das notas de matemática, sinto”) pelas meninas.
A média de escores na EAM foi de 53,24 pontos (42%), a média de escores do sexo feminino foi de
211
Tabela 2
Comparação de desempenhos de alunos com alta ansiedade na EAM e baixo desempenho
no TDE
Aluno
Sexo
EAM
TDE
VB
%
VB
%
Aluno A
Masculino
80
64
16
46
Aluno B
Masculino
81
65
13
37
Aluno C
Masculino
88
70
16
46
83
66
15
43
Média
Nota. VB = Valor Bruto, EAM = Escala de Ansiedade à Matemática.
Tabela 3
Comparação de desempenhos de alunos com nenhuma ansiedade na EAM e alto
desempenho no TDE
Comportamento em Foco 4 | 2014
Mendes . Faggian . Souza . Oliveira . Bottesini Junior . Henklain . Fioraneli . Costa . Carmo
Aluno
212
Sexo
EAM
TDE
VB
%
VB
%
Aluno D
Masculino
25
20
22
63
Aluno E
Feminino
25
20
23
66
25
20
22,5
18
Média
Nota. VB = Valor Bruto, EAM = Escala de Ansiedade à Matemática.
De acordo com a Tabela 4 observa-se que não houve diferença entre o os graus de ansiedade quando
comparados os dados da amostra geral com os dos participantes separados por gênero. Também não
houve diferença entre o desempenho no TDE da amostra geral quando comparada com os sexos
feminino e masculino.
A média de acertos no TDE da amostra geral foi 17,45 (49%), a do sexo feminino foi 17,18 (49%)
e a do sexo masculino foi 17,75 (49%), e o valor das três médias indica desempenho inferior. Já na
EAM, a média de escores atingidos pela amostra geral foi 53,24 (42%), a do sexo feminino foi 52,77
(42%) e a do sexo masculino foi 53,75 (43%). Conforme a EAM, estes valores indicam Ansiedade
Moderada.
Tabela 4
Comparação entre média de desempenho no TDE e na EAM, geral e por sexo
Média de Acertos - TDE
Desempenho
VB
%
Geral
17,45
49
Inferior
Feminino
17,18
49
Masculino
17,75
50
Nível de
Ansiedade
Média de Escores - EAM
VB
%
Geral
53,24
42
AM
Inferior
Feminino
52,77
42
AM
Inferior
Masculino
53,75
43
AM
Nota. VB = Valor Bruto, EAM = Escala de Ansiedade à Matemática, AM = Ansiedade Moderada.
Os resultados obtidos mostram que aproximadamente metade dos alunos (47,6%) apresentou
graus de Ansiedade Moderada. Estes dados corroboram com o trabalho de Carmo et al., (2008) e
Mendes e Carmo (2011), nos quais observou-se a predominância de níveis de ansiedade moderada
dentre os participantes dos estudos.
Em relação ao gênero, não houve diferença significativa entre o nível de ansiedade de meninas
e meninos (ver Tabela 4). Apenas na literatura estrangeira há relatos de que em algumas situações
que envolvem a disciplina matemática há diferença entre o gênero masculino e feminino, nestas,
as mulheres apresentam nível ligeiramente maior de ansiedade quando comparadas aos homens
(Gonzalez-Pienda et al., 2006). Tais diferenças, entretanto, parecem estar diretamente relacionadas à
aprendizagem e expectativas de papéis sociais, conforme apontado por Carmo e Ferraz (2012).
A partir da análise dos dados do TDE foi possível observar que não houve diferença significativa
por gênero. Além disso, verificou-se que a maior parte da amostra obteve classificação inferior, ou
seja, pontuação igual ou inferior a 18 acertos. Estes dados corroboram com Prado, et al., (no prelo),
todavia, ressalta-se que na investigação dos autores a amostra foi maior e a coleta foi realizada em
duas escolas, uma da rede pública e a outra da rede privada, o que pode afetar resultados em vistas
do sistema de ensino adotado pela escola.
Os dados obtidos no presente estudo sugerem que não há relação entre desempenho aritmético
e nível de ansiedade. Não houve registro de alunos com altos graus de ansiedade à matemática e
alto desempenho no TDE na amostra analisada. Porém, houve registro de dois alunos com altos
graus de ansiedade e desempenho médio (desempenho entre 22 e 23 pontos). De acordo com os
resultados, observa-se que três alunos (A, B e C), que apresentaram ‘alta ansiedade’ na escala também
apresentaram baixo desempenho do TDE. A média de escores desses alunos na escala foi de 83
pontos e a média de acertos no TDE foi de 15 pontos. Não há na literatura estudos que comparem
estes dados.
Pode-se dizer que, apesar de a maioria apresentar desempenho inferior no TDE, 18 alunos
também apresentaram desempenho médio e essa variação observada pode ser determinada por
um conjunto de fatores, como familiaridade com condições de testagem e domínio do conteúdo
avaliado. Tais fatores representam a influência que experiências individuais têm sobre o desempenho
do aluno, fruto de condições de ensino e de verificação de aprendizagem. Nesta perspectiva, não se
pode estimar, sem avaliações mais minuciosas, o peso de fatores maturacionais ou de diferenças de
desenvolvimento na produção de tais desempenhos (Prado et al., no prelo).
Não há estudos no Brasil que comparem desempenho em tarefas de aritmética e ansiedade à
matemática. O presente estudo, portanto, lança os primeiros dados a respeito, seguindo na mesma
direção que os estudos de Wu et al (2012). Além disso, é importante destacar que esta pesquisa foi
realizada apenas em uma escola da rede pública que atende em período integral. Faz-se necessário
aumentar a amostra e utilizar-se de análises estatísticas de correlação para apreciação mais acurada
dos resultados.
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Mendes . Faggian . Souza . Oliveira . Bottesini Junior . Henklain . Fioraneli . Costa . Carmo
Comportamento em Foco 4 | 2014
Discussão
213
Comportamento em Foco 4 | 2014
Mendes . Faggian . Souza . Oliveira . Bottesini Junior . Henklain . Fioraneli . Costa . Carmo
214
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Efeitos do atraso do reforço sobre a escolha em condições com esquemas
concorrentes simples variáveis
Daniel Carvalho de Matos 1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade Nove de Julho, Universidade Ceuma
Thiago Peppe Del Poço
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Vanessa Diana Di Rienzo
Paulo André Barbosa Panetta
Universidade Nove de Julho
Participaram, no presente estudo, três estudantes universitários do curso de psicologia de uma
universidade particular. A pesquisa envolveu tentativas de escolha entre esquemas concorrentes
simples com manipulação de magnitude e atraso do reforço. Primeiramente os participantes passaram
por condições de seleção em que maior magnitude deveria ser preferida sobre menor magnitude,
menor atraso deveria ser preferido sobre maior atraso, menor magnitude e menor atraso deveriam
ser preferidos sobre maior magnitude e maior atraso. Após essas condições de seleção os participantes
passaram por uma condição com esquemas VR / VR concorrentes (com razão podendo variar de 10
a 80) em que a reversão da preferência foi avaliada. Os dados indicaram que a reversão da predileção
ocorreu com todos os participantes do estudo com maior preferência do componente com reforço
maior atrasado. Posteriormente foram conduzidas condições (CRF, SigVR e VI) em que se avaliou se
o padrão de respostas gerado pela condição com VR seria modificado com maior escolha da outra
alternativa com reforço menor imediato. Os dados revelaram que não houve mudança no padrão
de respostas nas condições que se seguiram àquela com esquemas VR / VR concorrentes. Embora
a manipulação de outro parâmetro do reforço, sua probabilidade, não tenha sido um propósito do
presente estudo há ainda na literatura autores que discutem que tal parâmetro está em vigor quando
se manipula esquemas de razão variável (VR). Dessa forma, segundo a literatura, tanto o atraso como
a probabilidade do reforço seriam variáveis presentes nesta pesquisa.
Palavras-chave: Escolha, autocontrole, reversão de preferência, atraso do reforço, probabilidade do reforço.
1 Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
Resumo
215
Comportamento em Foco 4 | 2014
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
216
Na Análise do Comportamento, comportamentos denominados de autocontrole são
experimentalmente investigados em situações envolvendo escolhas entre esquemas concorrentes.
Nestes esquemas, por exemplo, se escolhe entre uma alternativa correlacionada com um reforçador
com maior magnitude e maior atraso ou uma alternativa com um reforçador com menor magnitude
e mais imediato. Para este caso a resposta de autocontrole seria a escolha da primeira alternativa
(reforçador maior e mais atrasado). Naturalmente, em situações de escolha, entretanto, organismos
vivos (humanos ou não) tendem a selecionar a alternativa com reforçador menor, porém, imediato.
Para esta escolha dá-se o nome de impulsividade.
Na literatura sobre autocontrole, uma variável manipulada considerada crítica na obtenção de um
desempenho autocontrolado é o atraso do reforço. Nas escolhas em esquemas concorrentes observase que quando a duração do atraso do reforço de ambas as alternativas é aumentado, aumentamse as escolhas da alternativa de autocontrole com reforço de maior magnitude, porém, atrasado. A
pesquisa de Rachlin e Green (1972) foi pioneira na área. Os autores optaram por um delineamento
com esquemas concorrentes encadeados e utilizaram pombos como sujeitos. No estudo, cada
sujeito ficava isolado em uma câmara experimental com dois discos em uma de suas paredes. As
respostas de escolha eram definidas como respostas de bicar um dos dois discos. Um disco seria
de impulsividade (reforço menor e imediato) e o outro de autocontrole (reforço maior e atrasado).
Alimento foi utilizado como reforço.
A escolha entre a alternativa com reforço maior e atrasado versus reforço menor e imediato
representava o elo terminal de uma cadeia. No entanto, inicialmente, cada sujeito escolhia (bicava)
entre dois componentes (discos brancos, A e B). Para cada disco estava programado um esquema
FR25. Atingir o critério em um dos discos levava a um elo terminal. Atingir o critério no disco
branco A levava os sujeitos a uma situação de escolha entre alternativa com reforço maior, porém
atrasado e uma alternativa com reforço menor, porém imediato (impulsividade) no elo terminal. Por
outro lado, se o critério do elo inicial fosse cumprido no disco branco B havia a passagem para um
segundo elo em que apenas a alternativa de autocontrole estava presente.
Nesse estudo, o tempo de passagem do elo inicial para o terminal foi manipulado e como
resultado observou-se que, quando curto (0,5 segundo, por exemplo), os sujeitos escolhiam o disco
A mais frequentemente no primeiro elo e, no elo terminal, escolhiam quase que exclusivamente a
alternativa de impulsividade.Por outro lado, quando o tempo de passagem entre os dois elos era
longo (16 segundos, por exemplo), acontecia a reversão da preferência e os pombos escolhiam mais
frequentemente o disco B. Isso significava que no elo terminal teriam de responder ao disco com
reforçador maior e mais atrasado.
Rachlin e Green (1972) argumentaram que o aumento do tempo de passagem do elo inicial ao
terminal foi crítico para o estabelecimento das escolhas de autocontrole. O aumento do tempo de
passagem entre os elos significava, em outras palavras, tornar o acesso a ambos os reforçadores dos
elos terminais mais atrasados.
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Comportamento em Foco 4 | 2014
Mais recentemente, o modelo de Rachlin e Green (1972) foi investigado em tarefas com estudantes
universitários do curso de Psicologia de uma Universidade particular em São Paulo (Matos, 2013). No
Estudo 3 dessa pesquisa, três universitários realizaram tarefas de escolha no computador envolvendo
um delineamento com esquemas concorrentes encadeados de forma semelhante ao programado por
Rachlin e Green.
Foram utilizados pontos como reforçadores programados ,que, ao final de cada sessão, eram
trocados por dinheiro. Após terem passado por condições de seleção em que apresentaram, na
última condição, um desempenho impulsivo (maior escolha da alternativa com reforçador menor
e imediato do elo terminal), cada participante passou por duas condições de avaliação de reversão
de preferência/escolha em que o tempo entre os elos inicial e terminal de esquemas concorrentes
encadeados foi manipulado. Na primeira das condições, a duração era de 7,5 s enquanto que na
última, era de 15 s.
Como resultado, a reversão da preferência foi verificada em todos os três participantes do estudo.
Para dois deles (P1 e P3), a maior parte das respostas no primeiro elo de escolha foi ao componente
B, fenômeno semelhante ao observado por Rachlin e Green (1972), entretanto, com pombos. Para
um dos participantes (P1), a reversão de preferência (o desempenho autocontrolado) foi observada
já na condição em que o tempo de passagem entre os dois elos era de 7,5 s.
Embora P2 não tenha alocado a maior parte de suas respostas em B no primeiro elo, ao chegar ao
segundo componente da cadeia - que envolvia a escolha entre alternativa com reforço maior atrasado
versus alternativa com reforço menor e imediato - observou-se que o participante escolheu em maior
frequência a primeira alternativa, fato este que caracteriza um desempenho autocontrolado. Salientase que tal dado difere do verificado por Rachlin e Green (1972). Enquanto os pombos escolhiam A
no primeiro elo e, posteriormente, escolhiam a alternativa de impulsividade no elo terminal (reforço
menor imediato).
Na literatura sobre a escolha da alternativa de autocontrole, destacam-se ainda pesquisas que
trabalharam com delineamentos com esquemas concorrentes simples. Tais pesquisas envolvem o
que seria correspondente ao elo terminal de escolha entre alternativa com reforçador maior atrasado
versus alternativa com reforçador menor imediato (para uma revisão destas pesquisas, vide Hanna &
Todorov, 2002; Matos & Bernardes, 2012).
Nessa linha de investigação chama a atenção a pesquisa conduzida por Siegel e Rachlin (1995). O
trabalho dos autores envolveu esquemas concorrentes simples e a manipulação do esquema FR/FR
concorrente como uma variável que favoreceria o desenvolvimento do autocontrole. A pesquisa foi
realizada com pombos em situações em que cada sujeito ficava isolado em uma câmara experimental
onde havia dois discos em uma de suas paredes. Eram registradas as respostas de bicar os discos e
o reforçador programado era ração. Foi observado e analisado o padrão de respostas sob condições
com diferentes esquemas de reforço.
Em uma condição com esquemas CRF/CRF concorrentes, por exemplo, Siegel e Rachlin (1995)
observaram que os pombos escolheram mais frequentemente a alternativa com reforçador menor
e imediato (impulsividade). A condição seguinte (de avaliação de reversão de preferência) envolveu
a programação de esquemas FR/FR concorrentes. Para esta condição, a razão de cada esquema foi
de 31 bicadas. Como resultado, foi observado que os pombos distribuíram a maior parte de suas
respostas no componente com reforçador maior atrasado (autocontrole), o que na leitura dos autores
significou a reversão de preferência.
Siegel e Rachlin (1995) discutiram seus dados argumentando que, embora os sujeitos pudessem
livremente variar suas respostas, o esquema FR de alta razão tende a estabelecer o controle do
responder em um dos componentes de escolha. O esquema FR com razão alta, portanto, tendeu
a formar um padrão de respostas que dificilmente seria quebrado, embora isso ocasionalmente
pudesse ocorrer (e ocorria).
217
Além disso, os autores argumentaram que como a razão do FR era alta, os pombos demoravam
em atingir seu critério. Sendo assim, a alta razão tornava ambos os reforçadores de cada componente
mais atrasados e isso aumentava a sensibilidade à alternativa com reforçador com maior magnitude.
O aumento do atraso dos reforçadores com aumento da razão do esquema FR, segundo Siegel e
Rachlin (1995), teve efeito semelhante ao do aumento do tempo entre os elos iniciais e terminais da
pesquisa de Rachlin e Green (1972). Para os autores, essa seria uma justificativa de o esquema FR
ser uma variável crítica para o estabelecimento de um desempenho autocontrolado. Na pesquisa
de Siegel e Rachlin foram programadas ainda, condições que tiveram a função de produzirem um
“relaxamento” (mudança) no padrão de respostas estabelecido pelo esquema FR.
Em uma das condições foi programado o que os autores chamaram de SigFR31/SigFR31.
A diferença em relação à condição com FR era de que, no SigFR, a penúltima resposta antes do
cumprimento do critério em um dos componentes de escolha resultava no blackout (escurecimento
da câmara experimental) por 1 segundo (período em que os discos permaneciam desativados).
Como resultado da nova condição, o padrão de respostas no componente de autocontrole caiu
um pouco passando a corresponder a aproximadamente metade das respostas dos sujeitos. A outra
condição envolveu o esquema FI/FI concorrente. O intervalo era de 30 segundos e esse correspondia,
aproximadamente, ao tempo que cada pombo levava para cumprir o critério do esquema FR, na
condição de FR/FR concorrentes.
Assim, os sujeitos passaram a distribuir a maior parte de suas respostas no componente com
reforçador menor e imediato. Após a condição com esquema FR, foram ainda programadas outras
condições com o esquema CRF/CRF concorrentes e, em cada uma delas, observou-se um responder
quase que exclusivo sob controle da alternativa de impulsividade.
Mais recentemente, o modelo de Siegel e Rachlin (1995) foi investigado com universitários de uma
escola particular da cidade de São Paulo (Estudo 3 de Matos, 2013). O procedimento consistiu em
tarefas de escolha entre dois componentes (um correlacionado com reforçador maior e atrasado,
o outro, com reforçador menor e imediato), além da manipulação de condições com diferentes
esquemas de reforço de forma semelhante ao que aconteceu na pesquisa de Siegel e Rachlin.
Nesse estudo, após a programação de condições de seleção de participantes em que três apresentaram
um desempenho impulsivo com maior escolha do componente com reforçador menor e imediato
(CRF/CRF concorrentes), foi programada uma condição de avaliação de reversão de preferência
com o esquema FR/FR concorrente. As razões poderiam variar de 10 a 80 e foram selecionadas em
função de pesquisas com participantes humanos, nas quais razões semelhantes foram manipuladas
(Striefel, 1972).
Como resultado, os três participantes selecionados cumpriram o critério de encerramento da
condição já com o esquema FR10 / FR10 concorrente, indicando reversão da preferência. Esses
Comportamento em Foco 4 | 2014
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
dados replicaram aqueles produzidos por Siegel e Rachlin (1995) em uma condição semelhante.
218
No Estudo 3 da pesquisa de Matos (2013), outras condições com o objetivo de alterar o padrão
gerado pelo esquema FR também foram manipuladas. Numa destas, foram adotados esquemas
SigFR/SigFR concorrentes (com características semelhantes às da mesma condição na pesquisa de
Siegel & Rachlin (1995) e as razões programadas foram as mesmas utilizadas na condição com o
esquema FR / FR concorrente (10 respostas). Como resultado, entretanto, o padrão de respostas de
autocontrole observado com o esquema FR10 não foi modificado.
Outra condição programada foi o esquema FI/FI concorrente no qual o intervalo foi definido
a partir da soma do tempo em que cada participante levava para cumprir o esquema FR em cada
tentativa (na condição com o esquema FR/FR concorrente) dividido pelo número total de tentativas
(que eram 16). Foi observado que, também nesse caso, o desempenho autocontrolado estabelecido
pelo esquema FR não foi alterado.
Em outras condições, com o esquema CRF/CRF concorrente, por exemplo, o padrão também não
foi alterado. Matos (2013) argumenta que essas condições (que se seguiram àquela com o esquema
FR / FR concorrente) não alteraram o padrão de respostas de autocontrole diferentemente do que foi
observado no estudo de Siegel e Rachlin (1995), fato este que pode refletir diferenças no desempenho
entre espécies .
Na pesquisa de Siegel e Rachlin (1995), esquemas FR / FR concorrentes foram críticos para o
estabelecimento de padrões rígidos de escolha de reforço maior atrasado (autocontrole). O que
se observa no esquema FR é que, após o reforço, há normalmente uma pausa no responder (cuja
duração é proporcional ao número de respostas necessárias para o cumprimento do critério de
reforçamento). Após tal período, observa-se um responder rápido que se estende até que o critério
seja atingido (Ferster & Skinner, 1957; Rachlin, 2000).
O FR com alta razão tende a gerar forte preferência por uma alternativa. Esse argumento justifica
o estabelecimento de padrões comportamentais rígidos cuja mudança é custosa (Ferster & Skinner,
1957; Green & Rachlin, 1996; Rachlin, 1994, 1995a, 1995b, 2000; Siegel & Rachlin, 1995). Duas outras
condições (SigFR31 / SigFR31 e FI30 / FI30 concorrentes) resultaram em mudanças no padrão de
escolhas dos sujeitos de Siegel e Rachlin (1995). Para um dos pombos, por causa de um blackout de
1 segundo (SigFR) e, para outro, por causa das características de um esquema de intervalo fixo (FI).
Sabe-se que esquemas em FI tendem a gerar breves pausas no responder, seguidas por longos jorros
de responder rápido (Ferster & Skinner, 1957; Rachlin, 2000). Segundo Siegel e Rachlin (1995), as
pausas representavam oportunidades para os sujeitos alterarem suas escolhas e isso de fato ocorreu..
Matos (2013), em seu Estudo 3, organizou um delineamento para avaliar os efeitos da manipulação
de esquemas de reforçamento concorrentes semelhantes aos utilizados por Siegel e Rachlin (1995). Os
participantes, estudantes universitários, passavam por três condições eliminatórias: 1) avaliação em
que tinham que escolher maior sobre menor magnitude quando os atrasos de ambas as alternativas
eram no valor zero, 2) avaliação em que tinham que escolher menor sobre maior atraso quando
as magnitudes dos reforçadores de ambas as alternativas eram constantes, 3) avaliação em que
tinham que escolher mais frequentemente uma alternativa correlacionada com reforçador menor
imediato (Segundo Siegel e Rachlin, 1995, a este fenômeno dá-se o nome de impulsividade) sobre
outra com reforçador maior atrasado (esquemas CRF / CRF concorrentes). Matos (2013) verificou
posteriormente que o FR foi crítico para a reversão de preferência para cada participante na medida
em que o número de respostas necessárias para o cumprimento do critério era aumentado.
Nas condições subsequentes (SigFR / SigFR e FI / FI concorrentes), no entanto, o padrão não foi
alterado, e mostrou-se ainda mais rígido. Matos (2013) adverte que as diferenças entre os resultados
das duas pesquisas pode sugerir diferenças de desempenho com organismos de espécies diferentes.
Para Siegel e Rachlin (1995), o estabelecimento de padrões comportamentais rígidos por meio
de esquemas FR cuja mudança é custosa seria semelhante a situações da vida em que alguém, por
exemplo, segue uma dieta alimentar muito rigorosa por muito tempo e sua interrupção passa a
representar um desafio para o indivíduo. O autocontrole, segundo essa visão, é representado por
padrões rígidos de comportamento.
No Estudo 3 de Matos (2013), o FR também foi crítico para o estabelecimento de padrões rígidos
de escolha de reforço maior atrasado (autocontrole) em estudantes universitários. O autor, seguindo
o argumento de Siegel e Rachlin (1995), sugeriu que isso possivelmente se deveu a características do
próprio esquema de razão fixa. Ademais, Matos (2013) avalia que o fenômeno também pode ter se
devido à manipulação de uma alta razão de respostas por reforço, o que tornaria os reforçadores mais
atrasados e aumentaria a sensibilidade dos participantes à maior magnitude do reforço.
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Comportamento em Foco 4 | 2014
O problema de pesquisa
219
Seria esperado que esquemas concorrentes de razão variável VR / VR também produzissem
padrões de escolha de autocontrole em função de razões semelhantes aquelas consideradas no caso
de esquemas FR / FR concorrentes. Na esteira do argumento, os objetivos do presente trabalho foram
(a) verificar se a manipulação de esquemas VR / VR concorrentes resulta no estabelecimento de
padrões rígidos de escolha de uma alternativa e com pouca mudança do responder sob controle da
outra alternativa e (b) avaliar se a manipulação de altas razões (número de respostas) estabeleceria
o controle do responder pela alternativa com reforço maior e mais atrasado. Considerando que o
aumento na razão do esquema ou do custo da resposta significa tornar o acesso aos reforçadores
mais atrasado, o que deveria aumentar a sensibilidade ao reforçador com maior magnitude. Por fim,
o presente trabalho também teve como objetivo (c) avaliar se a manipulação de outros esquemas
variáveis (SigVR / SigVR e VI / VI) resultaria em mudanças no padrão de respostas gerado pelo VR da
condição anterior. No caso da condição com SigVR, o objetivo era avaliar se o blackout de 1 segundo
produziria um padrão de respostas diferente. No caso da condição com VI, entretanto, embora tenha
se tratado de um esquema de intervalo, tende a resultar em taxas de respostas relativamente altas
(diferente do caso de um FI). Neste sentido, na medida em que não se pode prever quando um
próximo reforçador se faz disponível sob esse esquema, o indivíduo tende a responder quase o tempo
todo. Se um esquema VI tende a gerar altas taxas de respostas e o FI baixas taxas, seria esperado que,
pelas características do VI, o padrão rígido de respostas gerado pela condição com esquemas VR /
VR concorrentes, fosse mantido ou ainda fortalecido.
Método
Participantes
Participaram da presente pesquisa três adultos estudantes universitários de uma instituição
particular da cidade de São Paulo. Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e
esclarecido para a realização da pesquisa. O projeto esteve sujeito à avaliação do comitê de Ética da
PUC-SP.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Material e local
220
Um software de computador foi desenvolvido para a realização da pesquisa e foi utilizado em
um computador portátil com monitor e mouse. A tela inicial do computador apresentava dois
botões (azul e amarelo). Após respostas de clicar em um dos botões, aparecia uma tela preta e,
após 2 segundos, consequências diferenciais (uma animação de 2 segundos de duração e pontos)
apareciam na tela.
As sessões experimentais foram realizadas em uma sala que contou com uma mesa na qual estava
um computador e duas cadeiras. O participante e o experimentador se acomodaram nas cadeiras em
frente à mesa e o experimentador permaneceu na sala por toda a sessão. As instruções envolveram
o seguinte:
“Você vai realizar uma tarefa de jogo no computador, envolvendo cliques entre dois quadrados.
Os cliques produzirão uma breve animação e pontos serão adicionados a um contador.”
Procedimento
Esquemas concorrentes simples variáveis, manipulando os parâmetros de magnitude e atraso do
reforçador
A Figura 1 ilustra o delineamento do estudo.
R1
R2
A1
A2
SR1
SR2
Figura 1
Delineamento do estudo. O quadrado azul (R1) é representado por uma cor mais escura.
O quadrado amarelo (R2) é representado por uma cor mais clara
Neste estudo, os participantes foram submetidos a nove condições. Todas elas envolveram
esquemas concorrentes referindo a: (1) Magnitude, (2) Atraso, (3) CRF/CRF concorrentes com
magnitude e atraso, (4) VR/VR concorrentes com magnitude e atraso, (5) CRF/CRF concorrentes
com magnitude e atraso, (6) SigVR/SigVR com magnitude e atraso, (7) CRF/CRF concorrentes com
magnitude e atraso, (8) VI/VI concorrentes com magnitude e atraso, e (9) CRF/CRF concorrentes
com magnitude e atraso.
A condição foi composta por esquemas concorrentes simples. Na tela inicial era apresentada a
oportunidade de escolha entre um quadrado azul correlacionado com um reforçador de menor
magnitude (5 pontos) e sem atraso versus um quadrado amarelo associado a um reforçador de maior
magnitude (10 pontos) e sem atraso. Foram 16 tentativas de escolha livre divididas em até quatro
blocos de tentativas (as quatro primeiras tentativas do primeiro bloco eram forçadas para que cada
participante conhecesse as consequências diferenciais de cada alternativa de escolha). Como critério
de encerramento, acima de 50% das respostas tinham que ser alocadas no componente amarelo com
reforço maior em até quatro blocos de tentativas. A verificação de critério ocorria a partir do segundo
bloco. Se o critério não fosse atingido em até quatro blocos, a condição era encerrada e o participante
era dispensado da pesquisa.
A condição em questão se fez necessária tendo em vista que um reforçador de maior magnitude
tinha que ser mais escolhido do que um reforçador de menor magnitude quando os atrasos eram
mantidos constantes. Na pesquisa de Matos (2013), por exemplo, houve um participante que foi
dispensado do estudo porque escolheu mais vezes o estímulo correlacionado a consequência de maior
magnitude em uma condição semelhante. O autor levantou a suspeita de que, talvez, o participante
não tivesse compreendido a instrução inicial.
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Comportamento em Foco 4 | 2014
Condição 1
Magnitude
221
Condição 2
Atraso de reforço
A condição era composta por esquemas concorrentes simples. Na tela inicial era apresentada a
oportunidade de escolha entre um quadrado azul e outro amarelo. Neste caso, a magnitude das
consequências associadas a azul e amarelo era igual (5 pontos), mas, havia diferença no atraso de
sua apresentação. Não havia atraso para acesso ao reforçador associado ao quadrado azul, contudo
havia um tempo de espera de 15 s. No caso do quadrado amarelo, o atraso de reforço era de 15 s.
Foram 16 tentativas de escolha livre divididas em até quatro blocos de tentativas (as quatro primeiras
tentativas do primeiro bloco eram forçadas para que cada participante conhecesse as consequências
diferenciais de cada alternativa de escolha). O critério de encerramento foi semelhante ao adotado
na condição anterior: em até quatro blocos de tentativas, acima de 50% das respostas deveriam ser
emitidas no componente azul com reforço imediato. O critério era verificado a partir do segundo
bloco de tentativas.
A condição em questão foi necessária, pois os participantes selecionados deveriam escolher mais
frequentemente uma alternativa com reforço mais imediato sobre outra com reforço mais atrasado,
quando as magnitudes dos reforçadores de ambas eram mantidas constantes.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Condição 3
Esquemas CRF (CRF/CRF) concorrentes com magnitude e atraso do reforço
222
Nesta condição estava em vigor, em cada quadrado (azul e amarelo), um esquema de reforçamento
contínuo (CRF/CRF) com a manipulação de reforçadores com diferentes atrasos e magnitudes. Clicar
no quadrado azul permitia o acesso ao reforçador de menor magnitude (5 pontos) e sem atraso (mas,
com 15 s de espera após o acesso ao reforço). Já, clicar no quadrado amarelo permitia o acesso
ao reforçador de maior magnitude (10 pontos) e mais atrasado (15 s). O critério de encerramento
da condição foi o seguinte: acima de 50% das respostas de escolha tinham que ser emitidas no
componente azul com reforço menor e imediato em até quatro blocos de tentativas. O critério era
verificado a partir do segundo bloco de tentativas. Caso o critério não fosse alcançado o participante
era dispensado.
Esta última condição era necessária e obrigatória porque, para que posteriormente se avalie a
hipótese de que esquemas VR / VR concorrentes produzem “reversão de preferência”, os participantes
selecionados obrigatoriamente deveriam apresentar desempenho que indicasse impulsividade na
situação com esquemas CRF / CRF concorrentes. Tanto na pesquisa de Siegel e Rachlin (1995)
com pombos como no Estudo 3 da pesquisa de Matos (2013) com universitários, isso foi verificado
nos sujeitos / participantes selecionados para a condição seguinte, com FR / FR concorrentes.
Na condição com CRF / CRF concorrentes, com um baixo custo de resposta, era esperado que o
controle do responder se desse pela alternativa com reforço menor imediato (impulsividade). Isso
era obrigatório para que se pudesse avaliar um efeito da manipulação de FR / FR concorrentes sobre
o estabelecimento de respostas denominadas de autocontrole (reversão de preferência). Na presente
pesquisa, o mesmo princípio foi aplicado, mas a diferença foi que a condição de avaliação de reversão
de preferência envolveu esquemas VR / VR concorrentes. A racional do experimento envolvia, então,
gerar impulsividade para, depois, introduzir uma variável cujos efeitos sobre as escolhas pudessem
indicar reversão de preferência ou, em outras palavras, autocontrole por meio de padrões rígidos de
escolhas conforme originalmente considerado por Siegel e Rachlin (1995).
Nesta condição poderiam estar em vigor até oito pares de esquemas de razão variável concorrentes
VR10/VR10, VR20/VR20, VR30/VR30, VR40/VR40, VR50/VR50, VR60/VR60, VR70/VR70, e
VR80/VR80, manipulando-se a magnitude e o atraso do reforço. A reversão da preferência com
maior escolha do componente amarelo com reforço de maior magnitude e mais atrasado era avaliada
e o critério de encerramento era verificado em até oito dos já mencionados pares de esquemas de
razão variável concorrentes. Para cada par de esquemas, a tela inicial envolvia a escolha entre um
quadrado azul versus outro amarelo. Clicar no quadrado azul permitia o acesso ao reforçador menor
(5 pontos) e sem atraso (mas, com 15 s de espera após o acesso ao reforço). Clicar no quadrado
amarelo, permitia o acesso ao reforçador maior (10 pontos) e mais atrasado (15 s).
Em cada par do esquema poderiam ser apresentados até quatro blocos, com 16 tentativas de
escolha livre (as quatro tentativas iniciais do primeiro bloco eram forçadas para que cada participante
conhecesse as consequências diferenciais de cada alternativa de escolha). Para cada par do esquema
VR/VR concorrente, o critério de encerramento se dava na escolha do componente amarelo com o
reforçador maior e atrasado em acima de 50% das tentativas, em até quatro blocos. O critério poderia
já ser verificado a partir do segundo bloco de tentativas. Se o critério não fosse alcançado em até
quatro blocos de tentativas do par com o esquema VR10/VR10 concorrente, seriam apresentados
até quatro blocos do par com o esquema VR20/VR20 concorrentes e assim por diante, caso fosse
necessário. A condição era encerrada quando o critério fosse cumprido ou após o término dos quatro
blocos de tentativas do último esquema planejado (VR80 / VR80 concorrente), sem que o critério
fosse verificado. Independente de o critério ser ou não atingido nessa condição, o participante
passava pelas demais condições do estudo. A escolha das razões do esquema VR para esta condição se
justifica por existirem pesquisas envolvendo esquemas concorrentes em humanos que manipularam
tais razões (Striefel, 1972).
É importante considerar, portanto, que esta condição representou, em outras palavras, a condição
de avaliação de reversão de preferência. Uma vez que um desempenho impulsivo (com maior escolha
da alternativa com reforço menor imediato) fosse estabelecido na condição anterior, seria esperado
que a manipulação desta condição com esquemas VR / VR concorrentes apresentasse resultados que
indicassem reversão de preferência com maior escolha da alternativa com reforço maior atrasado
(autocontrole), considerando as próprias características do esquema VR de gerar altas taxas de
respostas e com poucas pausas.
Altas taxas e poucas pausas deveriam favorecer o estabelecimento de um responder rígido assim
como aconteceu com a condição com esquemas FR / FR concorrentes nas pesquisas de Siegel e
Rachlin (1995) com pombos e Matos (2013) com universitários. Poucas pausas, conforme sugeriram
Siegel e Rachlin, implicariam em menor probabilidade de interrupção de um padrão rígido de
respostas sob controle de uma alternativa. Uma vez que, na presente pesquisa, a proposta com
essa condição era de que uma alta razão de respostas fosse manipulada em ambas as alternativas
de escolha, esperava-se que o aumento no custo de resposta para acesso ao reforço significasseo
aumento no tempo para o acesso ao reforço em cada alternativa. Para Siegel e Rachlin (1995), isso
significaria tornar os reforçadores de ambas as alternativas mais atrasados, e como consequência de
tal operação os autores previam que a sensibilidade ao reforçador de maior magnitude aumentasse.
Constatando-se tal aumento, seria esperado que o responder começasse na alternativa com reforço
maior atrasado em função da maior sensibilidade a maior magnitude (dado o aumento no tempo
de acesso aos reforçadores de ambas as alternativas por causa do aumento do custo da resposta para
acesso aos reforçadores) e não se modificasse conservando assim as características de desempenho
em esquemas VR.
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Comportamento em Foco 4 | 2014
Condição 4
Esquemas VR (VR/VR) concorrentes com magnitude e atraso do reforço
223
Condição 5
Esquemas CRF (CRF/CRF) concorrentes simples com magnitude e atraso do reforço
Idêntica à condição 3, esta condição foi reapresentada com o intuito de avaliar se o padrão de respostas
se modificaria com maior escolha da alternativa com reforço menor imediato (impulsividade). A
reintrodução de condição semelhante na pesquisa de Matos (2013) após a condição com esquemas
FR / FR concorrentes não resultou em modificação no padrão de respostas de autocontrole geradas
pelo FR. O autor discutiu esse dado argumentando que o mesmo se deve a um possível efeito de
história com esquemas FR / FR concorrentes. Na presente pesquisa, o que se pretendia identificar era
se a reintrodução da condição com CRF / CRF concorrentes (condição que foi a priori eliminatória
e na qual o participante tinha que escolher em maior frequência a alternativa com reforço menor
imediato, ou seja, impulsividade), após uma condição com esquemas VR / VR concorrentes, também
resultaria em evidências que indicassem a não modificação do padrão de respostas dado um possível
efeito de história com esquemas VR / VR concorrentes.
Comportamento em Foco 4 | 2014
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Condição 6
Esquemas SigVR (SigVR/SigVR) concorrentes com magnitude e atraso do reforço
224
Essa condição contou com as mesmas características da Condição 4, com até oito pares de esquemas
concorrentes SigVR (SigVR10/SigVR10, SigVR20/SigVR20, SigVR30/SigVR30, SigVR40/SigVR40,
SigVR50/SigVR50, SigVR60/SigVR60, SigVR70/SigVR70, e SigVR80/SigVR80). Como no trabalho
de Siegel e Rachlin (1995), foi estabelecido que a diferença entre o esquema SigVR e o VR foi que,
após a penúltima resposta de clicar sobre um dos quadrados azul ou amarelo (no SigVR), antes do
cumprimento do critério, eles eram desativados por 1 segundo. Durante este intervalo a tela ficava
escura e cliques não tinham quaisquer efeitos. Findo o intervalo, a próxima resposta permitia o
acesso ao reforçador do componente escolhido.
É importante destacar que o número de pares do esquema SigVR/SigVR concorrentes que eram
apresentados para cada participante, dependia do número de pares do esquema VR / VR concorrente
pelos quais cada participante havia passado na Condição 4. Assim, se um determinado participante,
por exemplo, tivesse atingido o critério de encerramento já no par (VR10 / VR10 concorrentes)
dessa condição, então, o mesmo era submetido apenas ao esquema SigVR10 / SigVR10 concorrente
da Condição 6. Cada esquema SigVR, que era apresentado, encerrava-se quando o participante
atingisse acima de 50% no critério de distribuição de respostas no componente azul, (reforçador
menor e imediato) em até quatro blocos de tentativas ou até que os quatro blocos de tentativas fossem
apresentados sem que o critério fosse atingido. O critério podia ser verificado a partir do segundo
bloco de tentativas.
O objetivo desta condição, em consonância à condição com esquemas SigFR / SigFR concorrentes
da pesquisa de Matos (2013), era avaliar se a programação de esquemas SigVR / SigVR concorrentes
resultaria em dados que indicassem semelhanças ou diferenças em relação aos produzidos pela
condição com esquemas VR / VR concorrentes (que tinha que ser de autocontrole). No estudo de
Matos (2013), o blackout de 1 segundo na tela do computador não foi uma variável que produziu
reversão do padrão de respostas de autocontrole do FR da condição anterior muito embora,
conforme Siegel e Rachlin (1995), o blackout representaria uma oportunidade para o sujeito alterar
sua resposta.
Condição 7
Esquemas CRF (CRF/CRF) concorrentes com magnitude e atraso do reforço
Idêntica às condições 3 e 5. Ambicionava-se avaliar se, a experiência em esquemas de razão variável
e blackout de 1 segundo, produziria mudanças no padrão de respostas dos participantes.
Condição 8
Esquema VI (VI/VI) concorrentes com magnitude e atraso do reforço
Nesta condição também estavam em vigor até oito pares do esquema de intervalo variável (VI)
concorrente. Os intervalos para cada par eram calculados a partir do tempo que cada participante
precisava para cumprir o critério de razão variável (VR) de cada par concorrente da Condição 4. Os
cálculos eram feitos a partir da soma do tempo que cada participante levava em cada tentativa do
último bloco do encerramento da Condição 4 dividido pelo número total de tentativas. Os intervalos,
portanto, variavam para cada participante. Quando a tarefa com cada valor do esquema VI/VI
concorrente estava em vigor, clicar sobre o quadrado azul permitia acesso ao reforçador de menor
magnitude (5 pontos) e sem atraso (mas com 15 s de espera após acesso ao reforço) e, clicar sobre o
quadrado amarelo, permitia o acesso ao reforçador maior (10 pontos) e mais atrasado (15 s). Foram,
ao todo, 16 tentativas de escolha livre (as quatro tentativas iniciais do primeiro bloco eram forçadas
para que cada participante conhecesse as consequências diferenciais de cada alternativa de escolha).
Assim como na Condição 6, o número de valores do esquema VI/VI concorrente pelos quais cada
participante passava, dependia do número dos valores do esquema VR / VR concorrente aos quais
cada participante tinha sido submetido na Condição 4. O critério de encerramento para cada valor
do esquema VI / VI foi de que acima de 50% das respostas fosse alocada no componente azul com
reforçador menor e imediato, em até quatro blocos de tentativas (o critério era verificado a partir do
segundo bloco de tentativas), ou a apresentação do valor do esquema em questão era encerrada após
o último bloco sem que o critério fosse alcançado.
Embora o critério de encerramento desta condição tenha sido semelhante ao da condição com
esquemas FI / FI concorrentes do Estudo 3 da pesquisa de Matos (2013), seria esperado que, nesta
condição com esquemas VI / VI concorrentes, o desempenho indicasse autocontrole em função de
características de um esquema VI como gerar altas taxas de respostas e poucas pausas.
Condição 9
Esquemas CRF (CRF/CRF) concorrentes com magnitude e atraso do reforço
Idêntica às condições 3, 5 e 7. Objetivava-se identificar potenciais mudanças no padrão de respostas
após o participante ter passado pela condição anterior com esquemas VI / VI concorrentes.
As Figuras 2, 3 e 4 apresentam os percentuais de escolha da alternativa com reforçador maior,
atrasado e maior atrasado ao longo de cada uma das condições da pesquisa e para cada um de seus
três participantes, P1, P2 e P3.
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Comportamento em Foco 4 | 2014
Resultados e discussão
225
P1
Bloco 1
100%
Bloco 2
90%
80%
Percentuais de escolhas
80%
85%
100% 100% 1 00% 1 00% 1 00% 100% 1 00% 1 00%
85%
75%
75%
70%
60%
50%
40%
55%
55%
55%
42%
30%
30%
18%
20%
18%
10%
0%
Magnitude A traso 15s
Sr maior
Sr
atrasado
CRF1 15s
Sr maior
atrasado
CRF1 30s
Sr maior
atrasado
VR10
Sr maior
atrasado
CRF2 S
Sr maior
atrasado
igVR10
Sr maior
atrasado
CRF3 V
Sr maior
atrasado
I
Sr maior
atrasado
CRF4
Sr maior
atrasado
Condições
Figura 2
Percentuais de escolhas de SR+ maior, atrasado e maior atrasado (componente R2) do
participante P1 ao longo de cada condição experimental
Como pode ser visto na Figura 2, o participante P1 cumpriu com o critério de encerramento
na condição de magnitude no segundo bloco de tentativas. Na condição de atraso, observa-se
cumprimento do critério no segundo bloco. Na terceira condição de seleção (CRF1), P1 apenas
cumpriu o critério quando o tempo de atraso da alternativa com reforçador maior e atrasado e o
tempo de espera, foi de 30 segundos. Nesse caso, o participante escolheu com mais frequência o
componente com reforçador menor e imediato (impulsividade).
Na condição seguinte (VR / VR concorrentes), condição esta na qual foi avaliada a reversão de
preferência, constatou-se que a razão de 10 respostas em média para o cumprimento do critério foi
suficiente para que a reversão fosse verificada. As demais condições que se seguiram avaliaram uma
possível mudança do padrão novamente (para impulsividade). No entanto, constatou-se que esse
padrão não se modificou nas demais condições (envolvendo CRF; SigVR; e VI). Ao longo de todo
experimento a maior parte das respostas de P1 foi distribuída no componente com reforçador maior
e mais atrasado.
A Figura 3 apresenta os dados do participante P2.
100%
90%
100%
88%
Bloco 1
P2
100% 100% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00%
Bloco 2
226
Percentuais de escolhas
Comportamento em Foco 4 | 2014
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
80%
70%
60%
48%
50%
35%
40%
42% 42%
30%
20%
10%
0%
Magnitude
Sr maior
Atraso 15s
Sr atrasado
CRF1 15s
Sr maior
atrasado
VR10
Sr maior
atrasado
CRF2 S
Sr maior
atrasado
Condições
igVR10
Sr maior
atrasado
CRF3 V
Sr maior
atrasado
I
Sr maior
atrasado
CRF4
Sr maior
atrasado
Figura 3
Percentuais de escolhas de SR+ maior, atrasado e maior atrasado (componente R2) do
participante P2 ao longo de cada condição experimental
De acordo com a Figura 3, no caso do participante P2, observou-se, no segundo bloco de tentativas
de cada condição, o cumprimento do critério nas três condições de seleção com maior escolha de
maior magnitude (condição de magnitude), menor atraso (condição de atraso) e menor magnitude
e menor atraso (CRF1 15s). Na condição de avaliação de reversão de preferência (VR10/VR10
concorrentes), todas as respostas foram emitidas no componente com reforçador maior atrasado
(autocontrole) e o padrão permaneceu inalterado ao longo das demais condições do estudo.
A Figura 4 apresenta os dados do participante P3.
100%
90%
Bloco 1
100%
P3
100% 1100% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 1 00% 00%
Bloco 2
88%
Percentuais de escolhas
80%
70%
60%
48%
50%
37%
40%
42% 42%
30%
20%
10%
0%
Magnitude A traso 15s
Sr maior
Sr atrasado
CRF1 15s
Sr maior
atrasado
VR10
Sr maior
atrasado
CRF2 S
Sr maior
atrasado
igVR10
Sr maior
atrasado
CRF3 V
Sr maior
atrasado
I
Sr maior
atrasado
CRF4
Sr maior
atrasado
Condições
A Figura 4 mostra que o participante P3, exibiu padrões de respostas bastante semelhantes
aos do participante P2. Após o cumprimento do critério nas três condições iniciais de seleção
de participantes (com desempenho impulsivo na última condição), a reversão da preferência foi
verificada na condição com esquemas VR10/VR10 concorrentes (desempenho autocontrolado) e tal
padrão permaneceu inalterado ao longo de todas as demais condições do estudo.
Tanto o Estudo 3 da pesquisa de Matos (2013) como o presente estudo envolveram inicialmente
condições de seleção de participantes. Para a última dessas condições com esquemas CRF / CRF
concorrentes foi estabelecido como critério maior frequência de escolha de uma alternativa com
reforçador menor imediato sobre outra com reforçador maior atrasado. Na pesquisa de Matos (2013)
nem todos os participantes atingiram o critério da condição com CRF / CRF. Na realidade, , apenas
três dos 11 participantes atingiram o critério na condição com esquemas CRF / CRF concorrentes e
passaram para avaliação de reversão de preferência (esquemas FR / FR concorrentes).
No presente estudo, todas as três pessoas envolvidas foram selecionadas para a condição de
avaliação de reversão de preferência (esquemas VR / VR concorrentes). Assim como na pesquisa
conduzida por Matos (2013), durante a condição de avaliação da reversão, a maior parte das escolhas
dos participantes do presente estudo foi pela alternativa cuja consequência era mais atrasada . Em
ambos os casos, os dados parecem sugerir uma relação entre o desempenho dos participantes e as
características dos esquemas FR e VR programados. Tal conclusão se dá na medida em que observouse que os participantes em ambos os estudos começavam a responder no componente com reforço
maior atrasado, dificilmente mudavam paraa outra alternativa (no caso do presente estudo isso foi
mais crítico para os participantes P2 e P3).
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
Comportamento em Foco 4 | 2014
Figura 4
Percentuais de escolhas de SR+ maior, atrasado e maior atrasado (componente R2) do
participante P3 ao longo de cada condição experimental
227
Comportamento em Foco 4 | 2014
Matos . Del Poço . Di Rienzo . Panetta
228
O procedimento de aumento na razão de respostas intensificou o custo de acesso aos reforçadores
para as duas alternativas. Desse modo, os reforçadores se tornaram mais atrasados em função do
tempo que seria necessário para cumprir o critério (FR 10 e VR10 no caso do presente estudo).
Suspeita-se que decorre daí um aumento na sensibilidade dos participantes à alternativa com
reforçador com maior magnitude. Ao passo que o desempenho dos sujeitos no presente estudo vai
ao encontro de tal assunção, corrobora-se a visão de Rachlin e Green (1972) de que o aumento no
atraso dos reforçadores de duas alternativas de escolha é crítica para o autocontrole, pois o indivíduo
tende a escolher aquela com reforço de maior magnitude e maior atraso.
No entanto, é importante lembrar que Rachlin e Green (1972) manipularam diretamente o tempo
de atraso em segundos em esquemas concorrentes encadeados. Os autores programaram diferentes
valores em segundos e conseguiram medir o momento em que ocorria a chamada reversão de
preferência de uma alternativa para outra. Em um delineamento com esquemas concorrentes
encadeados com dois elos, eles observaram que pombos escolhiam mais frequentemente um
componente A em um primeiro elo de escolha (entre A e B) quando o tempo de passagem do
primeiro elo para um elo terminal (com escolha entre uma alternativa R1 com reforço menor e
menos atrasado versus uma alternativa R2 com reforço maior atrasado) era de 0.5 segundo, por
exemplo. Entretanto, na medida em que esse tempo era gradualmente aumentado, os autores
conseguiram medir o momento em que ocorreu a chamada reversão de preferência / escolha para
a alternativa B do elo inicial, quando o tempo de passagem para o elo terminal era de, por exemplo,
16 segundos. Na medida em que isso acontecia, os pombos passavam para um elo terminal em que
havia unicamente a alternativa R2 que permitia o acesso ao reforçador com maior magnitude e
maior atraso (autocontrole). Para os autores, o aumento do tempo de passagem de um elo para o
outro foi crítico para a reversão de preferência e foi a partir desse estudo que pesquisadores básicos
no tema passaram a considerar o atraso como um parâmetro crítico para o estabelecimento de
comportamentos denominados de autocontrole.
É importante lembrar, por outro lado, que Siegel e Rachlin (1995) discutiram seus resultados
com pombos sugerindo que o FR31 apresentou um efeito semelhante ao do tempo de passagem
do elo inicial para o elo terminal da pesquisa de Rachlin e Green (1972). Ou seja, o FR31 tornou o
acesso aos reforçadores de ambos os componentes de escolha mais atrasado e estabeleceu o controle
do responder pelo componente correlacionado com reforçador maior e mais atrasado. Resultado
semelhante foi observado nos participantes universitários do Estudo 3 da pesquisa de Matos (2013)
e nos do presente estudo, sendo que FR10 e VR10, respectivamente, foram suficientes para o
estabelecimento de um responder autocontrolado. Diferentemente de Rachlin e Green (1972), em
nenhuma dessas últimas pesquisas foi possível medir o momento do estabelecimento de reversão
de preferência para uma alternativa correlacionada com reforço com maior magnitude e maior
atraso. Futuras pesquisas poderiam investigar tal possibilidade a partir da manipulação de esquemas
FR / FR e VR / VR concorrentes com aumento gradual das razões até que se consiga estabelecer o
momento da reversão.
Sugere-se que tanto o esquema FR como VR foram críticos para o estabelecimento de autocontrole
porque ambos envolveramo aumento do atraso do reforço – variável que vem sendo considerada
crítica (Rachlin & Green, 1972 e Siegel & Rachlin, 1995).
Tanto no presente estudo quanto no de Matos (2013), as demais condições manipuladas e que
se seguiram àquelas com FR / FR e VR / VR concorrentes, não resultaram em mudança no padrão
de respostas de autocontrole que foi estabelecido pelos esquemas FR e VR. Isso poderia refletir
diferenças nos desempenhos de organismos de espécies diferentes com esses tipos de esquemas.
Além disso, vários dos participantes universitários verbalizavam que ganhavam mais quando
optavam por um dos componentes (que era aquele correlacionado com maior magnitude e maior
atraso) e é possível que uma longa história de exposição às contingências de escolha tenha facilitado
aos participantes a discriminação de que o número total de reforços (quantidade de pontos) até o
final do experimento seria muito maior caso se mantivessem respondendo sempre na alternativa
com reforço maior atrasado. Em se tratando mais especificamente das condições com SigFR / SigFR
ou SigVR / SigVR, futuras pesquisas poderiam analisar o efeito de manipulação do aumento gradual
e progressivo do tempo de blackout antes do cumprimento do critério para acesso ao reforço sobre
as escolhas como forma de possivelmente medir um momento de mudança no padrão de respostas.
Novas pesquisas poderiam também, por exemplo, investigar, em uma condição com
esquemas FI / FI ou VI /VI concorrentes, um possível efeito de aumento do intervalo sobre as
escolhas de universitários.
Por fim, é importante ressaltar que, na presente pesquisa, foi adotado o modelo de autocontrole que
se define pela escolha de um reforçador maior atrasado sobre outro menor e mais imediato. Esta visão
está de acordo com o que autores como Rachlin e Green (1972) e Siegel e Rachlin (1995) propõem.
Não foi objetivo do presente estudo discutir especificamente as implicações das manipulações feitas
para um possível refinamento do conceito de autocontrole. Entretanto, é importante considerar que,
na Análise do Comportamento, a visão sobre o que se entende por autocontrole mudou desde o
momento em que Skinner (1953/2003), por exemplo, pontuou que comportamentos denominados
de autocontrole ocorrem quando existe algum tipo de conflito de contingências e um indivíduo,
por exemplo, emite uma resposta (chamada de controladora) que altera a probabilidade de outra
(resposta controlada).
No modelo de pesquisas como as de Siegel e Rachlin (1995) não está clara a presença de uma
resposta ou comportamento controlador e nem mesmo Skinner (1953/2003) falou especificamente
sobre a possibilidade de que o atraso do reforço fosse um parâmetro crítico para o estabelecimento de
comportamentos denominados de autocontrole. Ao invés de focar em um refinamento ou proposta
de reformulação do conceito de autocontrole para a Análise do Comportamento, o presente estudo
focou na manipulação de variáveis como esquemas de razão variável e possíveis efeitos do aumento
da razão (ou número de respostas) sobre a escolha de uma alternativa com reforço maior atrasado,
assim como buscou analisar efeitos de manipulação de outros esquemas variáveis sobre as escolhas.
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Comportamento em Foco 4 | 2014
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230
O ser humano capaz de dar direção à sua vida
Enzo Banti Bissoli 1
Nilza Micheletto
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo
Palavras-chave: visão de ser humano, planejamento da cultura, behaviorismo radical, ambiente social, autonomia.
1 Bolsista da CAPES (Mestrado). Contato: [email protected]
Comportamento em Foco 4 | 2014
O objetivo deste trabalho foi identificar na produção de Skinner, na década de 1970, subsídios
que permitissem responder as seguintes questões: que condições podem possibilitar que seres
humanos se comportem no presente levando em consideração as consequências remotas que seus
comportamentos irão produzir?, e de que forma a Análise do Comportamento pode auxiliar os seres
humanos a se comportarem no presente levando em consideração as consequências remotas que
seus comportamentos irão produzir? Vinte e três textos de B. F. Skinner publicados e republicados
na década de 1970 foram lidos integralmente e analisados a partir de um agrupamento temático
dos trechos selecionados para a pesquisa. Com o agrupamento dos trechos, foram elaboradas
categorias a partir das quais foi possível observar que, na concepção de Skinner, os seres humanos
são capazes de controlar a si mesmos e agir no mundo podendo construir os ambientes que levem às
consequências remotas de seus comportamentos em consideração. Uma forma dos seres humanos
fazerem isso é através do planejamento cultural, construindo ambientes que possibilitem a seleção
de comportamentos que promovam a sobrevivência dos membros da cultura. Também foi possível
observar que a Análise do Comportamento pode contribuir para esse planejamento delineando
contingências de reforçamento positivo eficientes.
231
Burrhus Frederic Skinner não é reconhecido somente como um cientista que desenvolveu e
contribuiu muito com a ciência do comportamento. Esse não foi o limite de sua atuação, nem o fato
que promoveu o reconhecimento de Skinner pelo público. O que ele tinha a dizer sobre a sociedade
foi o que o tornou conhecido e despertou o interesse de pessoas que não eram ligadas à ciência por
sua obra. (Bjork, 1996; Rutherford, 2000;).
Skinner - ao comentar e analisar a sociedade - recorria ao conhecimento produzido nas pesquisas
que realizava sobre o comportamento. Sua abordagem, dita comportamental, não foi bem aceita
tanto por parte da comunidade científica, quanto por pessoas fora dessa comunidade. A visão de que
ciência e tecnologia poderiam trazer soluções para os problemas humanos não era unanimidade na
sociedade americana pós-Segunda Guerra Mundial. Havia desconfiança em relação às possibilidades
da ciência e tecnologia solucionarem os problemas humanos, desconfiança que ganhou força com o
passar dos anos devido a uma sucessão de eventos, por exemplo, a intensificação de conflitos armados
entre países e a ameaça de uma guerra nuclear na década de 1970 (Rutherford, 2003; Smith, 1996).
Apesar do cenário desfavorável em relação à ciência e tecnologia, Skinner se dedicaria ao
aperfeiçoamento dessas áreas aplicadas ao comportamento humano. Sua obra sobre o comportamento
gerou impacto no conhecimento científico e foi discutida entre críticos (Audi, 1976; Belgelman,
1978; Theophanous, 1975; Walton, 1974) e outros comentadores que concordavam (Andery, 1993;
Gianfaldoni, 2005; Micheletto & Serio, 1993; Nevin, 1992; Richelle, 1993) com Skinner (Bjork, 1996).
Muitos de seus críticos consideram que a proposta de visão de ser humano de Skinner, uma das
mais debatidas por seus comentadores, caracteriza um ser incapaz de agir em seu ambiente e mudar
o curso de seu futuro, uma vez que, por seus comportamentos serem determinados, eles seriam um
mero produto desse ambiente (Audi, 1976; Theophanous, 1975).
Se nós somos controlados no sentido dele [de Skinner] por nosso ambiente, então nosso ambiente
posterior não é produção nossa no sentido usual, mas produzido pelas variáveis ambientais as quais
o nosso ambiente afetando o comportamento é uma função. A menos que Skinner qualifique algo
Comportamento em Foco 4 | 2014
Bissoli . Micheletto
importante em sua visão, é difícil ver como nosso ambiente é mais nosso próprio produto do que os
232
sulcos de um campo arado são os feitos do trator usado para fazê-los. (Audi, 1976, p.174-175)
Já os comentadores que concordam com Skinner argumentam que, de fato, na concepção
Skinneriana o comportamento dos seres humanos é determinado por seu ambiente, porém esse
ambiente é amplamente construído pelos próprios seres humanos e, ao contrário de incapazes, eles
podem intervir em seu ambiente planejando e solucionando problemas que ameaçam sua existência
(Andery, 1993; Gianfaldoni, 2005; Micheletto & Sério, 1993; Nevin, 1992; Richelle, 1993).
O conhecimento produzido pela Análise do Comportamento é útil para o planejamento das
condições que possam tornar mais provável que seres humanos se comportem de forma a construir
ambientes que favoreçam a sua existência futura (Skinner, 1971a, 1974). Para Skinner, a sobrevivência
dos seres humanos se relaciona com a possibilidade de uma cultura promover contingências de
reforçamento capazes de fazer com que os indivíduos se comportem levando em consideração as
consequências remotas de seus comportamentos (Andery, 1993).
A produção de conhecimento que permita o planejamento de comportamentos que evitem a
extinção dos seres humanos e favoreçam sua existência foi uma preocupação recorrente e crescente
ao longo de sua produção. São exemplos do argumento os seguintes textos de Skinner: Walden Two
(1948); Beyond Freedom and Dignity (1971); Reflections on Behaviorism and Society (1978) Why Are
Not Acting to Save the World? (1982).
O objetivo deste trabalho foi identificar as análises de Skinner sobre: (a) Que condições podem
possibilitar que seres humanos se comportem no presente levando em consideração as consequências
remotas que seus comportamentos irão produzir? e (b) De que forma a Análise Experimental
do Comportamento pode auxiliar os seres humanos a se comportarem no presente levando em
consideração as consequências remotas que seus comportamentos irão produzir?
A produção de Skinner da década de 1970 foi analisada, pois, esse período é apontado como o de
maior proeminência de publicações relacionadas à sobrevivência dos seres humanos em nível global,
no futuro (Smith, 1996). É nessa década também que o livro Beyond Freedom and Dignity (1971) foi
lançado. Tal livro gerou a maior exposição das ideias de Skinner ao público em geral2, e que também
suscitou diversas críticas que ele buscou responder por meio de outras publicações, especialmente no
About Behaviorism (1974), livro dedicado à discussão da filosofia do Behaviorismo Radical (Bjork,
1999; Skinner, 1983).
De fato a batalha havia atingido seu clímax com a imediata reação ao Beyond Freedom and Dignity. O
público leitor americano tinha feito do livro um Best-seller instantâneo, mas com a mesma certeza tinha
rejeitado o argumento de Skinner de que havia questões culturais mais importantes do que preservar
e estender a liberdade individual. O About Behaviorism não mudou as coisas, popularidade e infâmia
continuaram a coexistir. (Bjork, 1999, p.220).
A extraordinária má compreensão demonstrada pelos críticos de Beyond Freedom and Diginity demanda
retificação - não reescrevendo o livro (não é o livro que eles entenderam mal), mas apresentando a
De acordo com Dinsmoor (1992), foi no Beyond Freedom and Dignity (1971) que Skinner passou
a analisar as possíveis razões que estavam impedindo os seres humanos de agirem para solucionar os
problemas de sua cultura.
Textos originais de anos anteriores, e republicados na década de 1970, também foram considerados
na coleta de dados que subjaz o presente estudo, pois poderiam refletir propostas que o autor havia
elaborado anteriormente, mas que ainda poderia considerar relevantes e atuais para discutir questões
sociais e de controle entre seres humanos. O livro Reflections on Behaviorism and Society (1978), por
exemplo, é uma coletânea que reúne textos produzidos para discutir o conhecimento produzido
pela Análise do Comportamento que poderia auxiliar na compreensão dos fenômenos sociais que
ocorriam na década de 1970. Alguns textos lidos para essa pesquisa fazem parte dessa coletânea.
As análises propostas a partir das publicações e republicações da década de 1970 certamente não
esgotam as reflexões de Skinner sobre o tema, inclusive considerando períodos posteriores de sua
produção. O restante de sua produção, sem dúvida, pode ser objeto de análises futuras.
2 Em outros momentos, a obra de Skinner teve grande visibilidade, mas foi na década de 1970, após a publicação de Beyond
Freedom and Dignity (1971), que a popularidade do autor aumentou, e com isso, surgiram críticas que buscou responder por meio
de publicações, como no About Behaviorism (1974). Rutherford (2000) assim descreve este momento: “O furor público a respeito
de Skinner, e sua mensagem social, atingiu seu ponto mais alto após a publicação de BFD (1971)” (p.382). Rutherford (2000) ainda
explicita que, no ano de lançamento, o livro frequentou a lista de Best Seller’s do jornal New York Times por 26 semanas, sendo que
esse sucesso editorial também elevou as vendas do livro Walden II (1945) a índices possivelmente maiores que no período de seu
lançamento.
Bissoli . Micheletto
Comportamento em Foco 4 | 2014
posição operante em um nível mais popular (Skinner, 1983, p.324).
233
Vinte e três textos de Skinner, entre eles dois livros, publicados ou republicados na década de
1970, foram selecionados conforme seus títulos indicassem que os textos abordariam aspectos da
filosofia do Behaviorismo Radical, da visão de ser humano, do controle do comportamento entre
seres humanos e do planejamento cultural. Todos os textos selecionados foram lidos integralmente e
são apresentados por ordem de publicação3: Self-control (1973) publicado originalmente em 1953 no
livro Science and Human Behavior, The Control of Human Behavior (1972a) publicado originalmente
em 1955, Freedom and The Control of Men (1972b) publicado originalmente em 1955, Some Issues
Concerning the Control of Human Behavior (1972c) publicado originalmente em 1956, The Design
of Cultures (1972c) publicado originalmente em 1961, “Man” (1972d) publicado originalmente em
1964, Contingencies of Reinforcement in the Design of a Culture (1976) publicado originalmente em
1966, The Design of Experimental Communities (1972e) publicado originalmente em 1968, Creating
the Creative Artist. In B. F. Skinner (1972) publicado originalmente em 1970, A Behavioral Analysis of
Value Judgments (1971b), Beyond Freedom and Dignity (1971a), Compassion and Ethics in The Care of
The Retardate (1972), Freedom and Dignity Revisited (1978) publicado originalmente em 1973, . Are
we Free to Have a Future? (1978b) publicado originalmente em 1973, Answers for My Critics (1973),
The Free and Happy Student. (1978) publicado origianemente em 1973, Walden (One) and Walden
Two. (1978) publicado originalmente em 1973, About behaviorism (1974), The Ethics of Helping People
(1978) publicado originalmente em1975], Comment on Watt’s “B. F. Skinner and The Technological
Control of Social Behavior”(1975), Walden Two Revisited (1978c) publicado originalmente em 1976,
Freedom, at Last, From the Burden of Taxation(1978) publicado originalmente em 1977, Human
Behavior and Democracy (1978a) publicado originalmente em 1977.
A análise dos textos ocorreu por meio de trechos selecionados e das categorias de análise formadas
com agrupamento temático entre os trechos. A pesquisa resultou nas seguintes categorias que dão
origem aos subtítulos desse texto: A concepção de Ser Humano de Skinner, Seleção natural e a
sensibilidade às consequências futuras, comportamento operante e sensibilidade às consequências
futuras, O ambiente social e a sensibilidade às consequências futuras, A análise realizada por
Skinner das práticas de controle de comportamento na década de 1970, A Análise Experimental do
Comportamento como ferramenta de intervenção.
A concepção de ser humano de Skinner
O que observamos nos textos de Skinner da década de 1970 é a defesa de que o ser humano é capaz
de agir em seu ambiente, promover mudanças no mundo, e intervir no curso de seu futuro, como
exemplificado no seguinte trecho:
Dois aspectos importantes, que geralmente se diz estarem em falta na visão científica de homem,
na verdade são enfatizados por ela. Se o homem não tem liberdade de escolha, se não pode iniciar
Comportamento em Foco 4 | 2014
Bissoli . Micheletto
a ação que altera o curso causal de seu comportamento, então ele parece não ter controle sobre seu
234
destino. (. . .) O fato é, entretanto, que os homens controlam ambas suas histórias genética e ambiental
e nesse sentido, eles, de fato, controlam a si mesmos. Ciência e tecnologia estão preocupadas com a
mudança do mundo em que os homens vivem, e mudanças são feitas Justamente devido a seus efeitos
no comportamento humano. Nós temos atingido um estágio, longe de um beco sem saída, no qual o
homem pode determinar seu futuro com uma ordem inteiramente nova de efetividade. (. . .) Os homens
controlam a si mesmos ao controlar o mundo no qual vivem. Eles fazem isso tanto quando exercem
autocontrole, quanto quando eles realizam mudanças em sua cultura que alteram a conduta de outros.
(Skinner, 1972d, p. 56)
3 Os textos de Skinner que nesse artigo são referidos constam como apresentados nas referências, por isso, aqueles publicados no
mesmo ano são seguidos de letras que os identificam.
Segundo Skinner (1972d), os seres humanos seriam capazes de controlar a si mesmos e condições
futuras de suas vidas. Na medida em que podem intervir em ambas as histórias, genética e ambiental,
construindo novas possibilidades de interações no ambiente em que vivem, o autor defende o
conhecimento científico como um recurso muito importante capaz de possibilitar uma forma nova e
efetiva dos seres humanos intervirem no seu futuro.
Skinner (1972d) não parece limitar as formas dos seres humanos determinarem seu futuro ao
autocontrole, pois, além de considerar que contingências dispostas pelo grupo social e pelas agências
de controle são fundamentais para que o indivíduo manipule condições que controlam seu próprio
comportamento, tal controle envolve também as mudanças na cultura que produzem efeitos no
comportamento de outros (Skinner, 1971a, 1971b, 1972a, 1975 e 1978b)
O controle do “próprio destino” (Skinner, 1974, p.277) alterando as condições que afetam
seu comportamento – o autocontrole - é analisado no capítulo autocontrole do livro Ciência e
Comportamento Humano (1953), que foi republicado pelos autores Goldfried, e Merbaum em 1973
como parte do livro Behavior Change Through Self-Control. Ao definir autocontrole Skinner (2005)
confabula que
Ainda em uma extensão considerável, um indivíduo parece moldar seu próprio destino. Ele é geralmente
capaz de fazer algo sobre as variáveis que o afetam. (...) O indivíduo geralmente passa a controlar parte
de seu próprio comportamento quando uma resposta tem consequências conflitantes - quando ela
leva a ambos os reforçamentos positivo e negativo. (. . .) O organismo pode tornar a resposta punida
menos provável ao alterar as variáveis das quais é uma função. Qualquer comportamento que seja
bem-sucedido em fazer isto será automaticamente reforçado. Nós chamamos tal comportamento de
autocontrole. (Skinner, 2005, p. 228-230)
Skinner (2005) analisa “como o indivíduo age para alterar as variáveis das quais outras partes
de seu comportamento é função” (p. 229), ou seja, se comportando de forma a que uma resposta
controladora altere a probabilidade de outra resposta – a controlada. Skinner (2005) considera que,
no que tem sido chamado de autocontrole, “ele controla a si mesmo exatamente como controlaria o
comportamento de qualquer outra pessoa” (p. 228).
As contingencias arranjadas pelo grupo social e pelas agências de controle têm tornado mais
provável que o individuo controle seu próprio comportamento e, assim, intervenha em sua história
pessoal já que no autocontrole sua ocorrência, além das contingências naturais, em geral, está
relacionada a contingências de reforçamento fornecidas pela sociedade.
Nós tornamos esse comportamento controlador mais provável ao arranjar contingências especiais de
reforçamento. Ao punir o beber - talvez meramente com ‘desaprovação’ - nós arranjamos o reforçamento
automático do comportamento que controla o beber porque tais comportamentos reduzem então a
mas, em geral, elas são arranjadas pela comunidade. Este é de fato todo o ponto do treinamento ético
(capítulo XXI). Parece, portanto, que a sociedade é responsável pela maior parte do comportamento de
autocontrole. (Skinner, 2005, p. 240)
As contingências que têm sido dispostas pelo ambiente social, em muitos casos e talvez na maioria
deles, envolvem estimulação aversiva baseadas no que Skinner (1972d) chama de visão tradicional
de homem. Não são estas as contingências produzidas pela cultura que decorreriam de uma visão
científica do comportamento para Skinner.
Bissoli . Micheletto
Comportamento em Foco 4 | 2014
estimulação aversiva condicionada. Algumas dessas consequências adicionais são supridas pela natureza,
235
Em uma visão tradicional, um homem tem tanto deveres como direitos: há coisas que ele deve fazer
ou sofrer as consequências. Ele é responsável por sua conduta no sentido que, se ele não se comportar
de uma dada maneira é justo que seja punido. Para escapar da punição - sejam punições naturais do
ambiente físico ou as punições sociais da sociedade - ele se envolve uma atividade chamada autocontrole.
Quando o mesmo comportamento “bom” final é alcançado sem usar punição, autocontrole neste sentido
é desnecessário. (Skinner 1972d, p. 54)
Para Skinner, os seres humanos podem planejar o mundo em que vivem de forma a construírem
sua cultura com base no conhecimento científico. Promover mudanças na cultura é um meio
dos seres humanos controlarem a si mesmos. Assim, Skinner também se refere ao controle de
si mesmo de forma a não limitá-lo ao comportamento de autocontrole (Skinner, 1971a, 1971b,
1972a, 1975 e 1978b).
O conhecimento científico das variáveis que determinam o comportamento traz possibilidades
do individuo controlar sua própria história, pois, a partir dele, pode controlar o ambiente que
determina o comportamento, especialmente dos próprios seres humanos que são a parte mais
importante desse ambiente.
O conhecimento baseado em uma ciência do comportamento poderia favorecer mudanças que
construíssem condições ambientais mais efetivas em que não houvesse necessidade de autocontrole
gerado por punições. Skinner (1972d) chega a cogitar a possibilidade de que um contexto específico
assim produzido pudesse ser um ambiente “preventivo” em que as desigualdades geradas pelos
ambientes sociais não produzissem situações em que o autocontrole fosse necessário.
Passos preventivos podem ser mais valiosos. Por exemplo, nós poderíamos controlar o roubo criando
um mundo livre de situações que o incentivassem (por exemplo, um mundo no qual não exista nada que
alguém já não tenha ou onde nada está ao alcance de ser roubado). Quando resolvermos o problema de
qualquer uma dessas formas, não deixaremos espaço para a responsabilidade pessoal ou o autocontrole.
(Skinner, 1972d, p. 54-55)
No entanto, é necessário afirmar que a possibilidade dos seres humanos controlarem a si mesmos
e darem direção à suas vidas não significa que assim surja o homem autônomo, alheio ao processo
de seleção por consequências. De acordo com Skinner (1975), ainda que se possa intervir de forma
a considerar as consequências remotas, o futuro, nos três níveis de variação e seleção, o processo de
seleção é independente de propósito ou plano de avanço, ou seja, as intervenções, inexoravelmente,
estariam sujeitas ao processo de seleção.
O extraordinário processo de seleção, no qual novas formas são criadas pelo sucesso de mutações
essencialmente randômicas, pode ser visto em (1) a evolução da espécie, (2) condicionamento operante,
Comportamento em Foco 4 | 2014
Bissoli . Micheletto
(3) a evolução das práticas culturais. Este é um processo contínuo que não pressupõe qualquer plano de
236
avanço, planejamento criativo ou propósito. Ainda assim, em todos os três campos é possível intervir e
levar o futuro de alguma forma em consideração (isto não significa o surgimento do homem autônomo,
porque as condições em que as intervenções ocorrem são elas próprias produto da seleção natural).
(Skinner, 1975, p. 229)
Skinner (1975) propõe que é possível “levar o futuro de alguma forma em consideração” (p. 229),
nos três níveis de seleção. No entanto, como isso pode ser feito ainda precisa ser esclarecido. Essa
parece ser uma tarefa difícil, controlar a si mesmo em relação ao futuro, ou se comportar no presente
levando em consideração as possíveis consequências remotas, pois, além da distancia temporal entre
a resposta e a consequência atrasada, o indivíduo que emite a resposta pode nunca vir a entrar em
contato com a consequência remota a ser produzida. Para tentar esclarecer como isso seria possível,
podemos analisar o que Skinner propõe, ao longo da sua produção na década de 1970, como
possibilidade de levar o futuro em consideração nos três níveis de seleção.
Seleção natural e a sensibilidade às consequências futuras
A seleção natural não é um processo direcionado ao futuro, a um propósito, ou fim pré-estabelecido
(Skinner, 1975). Isso significa que, ainda que, características orgânicas da espécie possam ser
importantes no ambiente atual, elas não foram selecionadas por sua utilidade hoje. As características
que a espécie apresenta foram selecionadas devido à possível contribuição para a sobrevivência no
ambiente dos organismos que nos precederam. Elas podem ser características importantes para a
espécie hoje, devido à semelhança entre o ambiente atual e aquele em que foram selecionadas fato
este que nos leva a observar a afirmação de Skinner (1978b): “Somente aquele futuro que se assemelha
ao passado é ‘levado em consideração’,” (p. 18). O que Skinner (1978b) está afirmando é que, quando
nos referimos a características genéticas herdadas que auxiliariam a adaptação dos organismos, o
único futuro que se levaria em consideração seria aquele que fosse semelhante ao passado em que a
característica favoreceu a sobrevivência.
De acordo com Skinner (1978b), existem processos observados na interação dos organismos com
o ambiente que podemos considerar que se “direcionam para o futuro”, no sentido de auxiliarem os
organismos a se adaptarem as possíveis mudanças do ambiente. O exemplo que Skinner (1978b)
apresenta é o condicionamento respondente.
Uma conexão possível [com o futuro] é feita através de um processo diferente chamado condicionamento
respondente. O processo provavelmente evoluiu porque preparava os organismos para aspectos
imprevisíveis de seus ambientes. Alimentos como o açúcar e o sal eliciam a salivação como um passo da
digestão, mas como comidas doces e salgadas variam muito em aparência, os organismos poderiam não
desenvolver a capacidade de salivar adequadamente à mera aparência dos alimentos, não importando
quão relevante fosse essa preparação pela salivação. Por meio do condicionamento, a aparência visual de
um alimento particular passava a eliciar salivação, que é ‘voltada para o futuro’ – embora, novamente,
Como Skinner (1978b) aponta, o futuro que é considerado na citação é um futuro próximo ao
comportamento do sujeito na medida em que amplia as condições ambientais, especificas da história
daquele organismo, em que respostas respondentes são eliciadas. Além de processos comportamentais
selecionados na seleção natural que prepararam o organismo para o futuro, os seres humanos
podem intervir nos produtos gerados pela história filogenética como na administração de injeções
de hormônios para o crescimento de indivíduos cujo organismo, seus órgãos e membros, não se
desenvolvem como esperado com o passar dos anos. Um futuro mais distante pode ser observado no
condicionamento operante.
Condicionamento operante e a sensibilidade às consequências futuras
Segundo Skinner (1978b), por meio do condicionamento operante seria possível construir cadeias
comportamentais mais longas que as possibilitadas pelo condicionamento respondente. Isso ocorreria
por meio dos reforçadores condicionados que possibilitariam que o fim de um comportamento fosse
reforçador por permitir a realização do próximo até que se atingisse, no fim da cadeia, um reforçador
incondicionado. Semelhante ao caso do comportamento reflexo, a “causa” do comportamento não
se encontra no futuro, os comportamentos selecionados ocorrem devido à história de reforçamento.
Bissoli . Micheletto
Comportamento em Foco 4 | 2014
um futuro não muito distante. (Skinner, 1978b, p. 20-21)
237
O encadeamento faz com que uma série de reforçadores condicionados passe a apoiar a sequência
de respostas e o indivíduo se engaje em uma série muito maior de respostas para que seja possível
produzir o reforçador. Tal processo leva Skinner (1978b) a identificar no comportamento operante
relações que vinculam o comportamento do organismo a um futuro próximo.
Porém, no comportamento operante o indivíduo é preparado para se comportar em condições
ambientais semelhantes àquelas a que foi exposto nos limites de sua existência. Skinner (1978b)
afirma que um indivíduo, sozinho, não é capaz de adquirir amplo repertório comportamental ao
longo de sua vida, uma vez que a mesma não é suficiente para encaminhar o desenvolvimento dos
comportamentos que “levam o futuro em consideração”.
Longas cadeias de respostas podem ser construídas por reforçadores condicionados (...). O primeiro
passo parece ser tomado ‘por causa do último’ que está em um futuro próximo. (. . .) Mesmo quando
apoiado por reforçadores condicionados, o condicionamento operante não irá, sem ajuda, gerar muito
do comportamento humano que ‘leva o futuro em consideração’. Nenhum indivíduo em uma única vida
adquire um repertório muito extenso desta forma. (. . .) outro processo entra em jogo. Ele envolve outras
pessoas, que acumulam e transmitem comportamento útil. (Skinner, 1978b, p. 21-22)
O que observamos é que, na concepção Skinneriana, para que seja possível que os seres humanos
se comportem levando em consideração as consequências remotas de seus comportamentos, outro
processo adicionado aos anteriores seria necessário. Um processo em que seres humanos possam
adquirir comportamentos a partir do contato com outro indivíduo. Este processo está relacionado ao
terceiro nível de seleção, nível ao qual Skinner (1975) refere ao ambiente social e a evolução da cultura.
O ambiente social e a sensibilidade às consequências futuras
Skinner (1978b) afirma que, no mundo real, o indivíduo pode adquirir repertórios de
comportamentos relevantes para contingências semelhantes às quais está exposto no momento em
que vive: “o mundo real ensina somente o que é relevante para o presente. Ele não faz nenhuma
preparação explícita para o futuro” (p. 144).
Algumas características do ambiente social, como as “práticas de apoio” (Skinner, 1978a, p. 8)
aos comportamentos, ou seja, práticas como o uso de reforçadores condicionados para suprimir
ou fortalecer comportamentos, descrições de contingências em regras, entre outras, que tornam
possível os seres humanos aprenderem sem que, necessariamente, entrem em contato com possíveis
consequências punitivas parecem permitir o desenvolvimento dos repertórios de comportamentos
que “levam o futuro em consideração” (Skinner, 1978b, 1978d). Características como as referidas
podem tornar o ambiente social e a cultura focos importantes de intervenção no processo de seleção.
Parte das contingências às quais um indivíduo é exposto ao longo de sua vida remete ao ambiente
Comportamento em Foco 4 | 2014
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físico no qual está imerso, por outro lado, parte significativa delas provém do seu ambiente social.
238
Em outras palavras, parte das contingências a que um indivíduo está exposto é arranjada por outros
seres humanos (Skinner, 1971a).
Para Skinner (1972c), uma mudança importante para a espécie humana ocorreu quando
indivíduos passaram a mediar reforços para outros. O comportamento de um ser humano passou a
ser controlado pelos efeitos que produzia no comportamento do outro. O autor suspeita que é a partir
deste processo que importantes aspectos do ambiente social humano se desenvolveram. Parece ser
em um ambiente como esse - no qual o comportamento de um ser humano é controlado pelos efeitos
produzidos no comportamento do outro - que os comportamentos que levam em consideração suas
consequências remotas podem passar a ocorrer.
Acredita-se que é desta forma de controle do comportamento que emerge a possibilidade do
planejamento da cultura, possibilidade esta que se suspeita ser capaz de induzir seus membros a se
comportarem levando em consideração as consequências remotas de seus comportamentos. Para
Skinner (1972c), o planejamento da cultura é uma subdivisão do controle do comportamento entre
homens que ocorre no ambiente social.
Um tipo especial de comportamento social emerge quando A responde de forma definitiva devido ao
efeito no comportamento de B. (...) A ação tomada por B devido a seus efeitos no comportamento de
A pode ser chamada ‘controle pessoal’. Uma subdivisão importante é o comportamento verbal, cujas
propriedades derivam do fato de que reforçamentos são mediados por outros organismos. Outra
subdivisão é o planejamento da cultura. (Skinner, 1972c, p. 44-45)
É no ambiente social que ocorre o controle do comportamento entre seres humanos. Segundo
Skinner (1974), o ambiente social ao qual ele se refere a respeito de comportamentos relacionados às
consequências remotas “é geralmente chamado cultura” (p. 223). Skinner (1974) propõe assim uma
definição de cultura diferente das que geralmente eram propostas por outras abordagens científicas
na década de 1970.
Por si mesmo, um indivíduo pode adquirir muito pouco comportamento com respeito ao futuro em
seu tempo de vida, mas como membro de um grupo ele se beneficia do ambiente social mantido pelo
grupo. (...) O ambiente social a que tenho me referido é geralmente chamado uma cultura, embora uma
cultura seja geralmente definida de outras formas - como um conjunto de costumes ou conduta, como
um sistema de valores e ideias, como uma rede de comunicação, e assim por diante. Como um conjunto
de contingências de reforçamento mantido por um grupo, possivelmente formulada em regras ou leis,
ela tem um claro rompimento com o estado físico, uma existência continua, além da vida dos membros
do grupo, um padrão de mudança conforme práticas são adicionadas e descartadas, ou modificadas, e,
acima de tudo, poder. Uma cultura assim definida controla o comportamento dos membros do grupo
O ambiente social possibilita uma série de vantagens. Por exemplo, a velocidade e variedade de
repertórios possíveis de serem adquiridos a partir do contato com outros indivíduos são maiores em
comparação às chances de um indivíduo sozinho . Tal argumento parece ser importante para os seres
humanos adquirirem comportamentos, especialmente àqueles “voltados para o futuro”.
Parte dessas vantagens pode ter sido viabilizada pelo comportamento verbal vocal. Segundo
Skinner (1974) “(. . .) o comportamento vocal operante promoveu uma grande diferença porque
estendeu o escopo do ambiente social” (p.98). O comportamento em destaque pode ser emitido
em diversas situações viabilizando assim que um ser humano se comporte a despeito de restrições
que outras formas de comportamentos estariam submetidas no ambiente natural, como o próprio
Skinner (1974) exemplifica: “Uma pessoa precisa de uma bicicleta para andar de bicicleta, mas não
para dizer ‘bicicleta’” (p. 100).
Deriva também da aquisição do comportamento verbal a possibilidade de aprendizado sem que
seja necessária a exposição do organismo às contingências naturais, o que pode evitar uma série
de riscos à integridade do indivíduo, por exemplo, ao aprendermos a dirigir em uma autoescola,
evitamos acidentes. (Skinner, 1971b).
Segundo Skinner (1971a, 1971b e 1974), é possível traçar um paralelo entre a evolução de uma
cultura e os processos de evolução da espécie e de condicionamento operante. Novas práticas podem
tanto fortalecer quanto enfraquecer uma cultura no sentido de aumentar ou diminuir a possibilidade
de sobrevivência dos seus membros e, por decorrência, da própria cultura. No entanto, o paralelo
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que a pratica. (Skinner, 1974, p. 222-223)
239
não cabe no que diz respeito à transmissão e, “o mais importante” (Skinner, 1971a, p.131), difusão.
Segundo Skinner (1971a), a cultura não possui mecanismos de transmissão de genes e cromossomos
como ocorre nas espécies. Uma prática cultural que promova vantagens pode ser transmitida não
só para novos membros, mas também para membros contemporâneos e sobreviventes das gerações
passadas e ainda ser difundida para outras culturas:
O mais importante é que uma prática pode ser transmitida através de ‘difusão’ para outras culturas como se antílopes, observando a utilidade dos pescoços longos em girafas, fossem desenvolver longos
pescoços. Espécies são isoladas umas das outras pela não transmissibilidade de traços genéticos, mas
não há isolamento comparável nas culturas. Uma cultura é um conjunto de práticas, mas não um
conjunto que não possa se misturar com outros conjuntos. (Skinner, 1971a, p. 131)
Olhar o processo de evolução da cultura é importante para compreensão da razão pela qual, no
ambiente social, o ser humano é capaz de adquirir comportamentos que favoreçam a sobrevivência de
indivíduos e da própria cultura. Segundo Skinner (1971a), a sobrevivência de uma cultura depende
da sobrevivência dos membros que a praticam sendo que as “práticas que induzem o indivíduo a
trabalhar pelo bem dos outros presumivelmente aumentam a sobrevivência dos outros e, portanto, a
sobrevivência da cultura que os outros transmitem” (Skinner, 1971a, p. 135).
Como poucos comportamentos deste tipo são adquiridos pelo indivíduo sozinho no ambiente
natural, é na cultura que observamos as contingências de apoio necessárias para a aprendizagem
desse repertório. De acordo com Skinner (1978a), no ambiente social desenvolvem-se práticas de
apoio que visam controlar o comportamento humano. Estas práticas ajudam a regular as relações
humanas e promovem repertórios comportamentais em seus membros, inclusive os repertórios que
tornam possível a transmissão deste ambiente social na medida em que novos membros passam a
emitir comportamentos que mantêm as contingências em vigor:
Pessoas são governadas, no sentido mais amplo, pelo mundo em que vivem, particularmente por seus
ambientes sociais. A operação de tal ambiente é mais óbvia em grupos pequenos e homogêneos, onde
comportamentos nocivos aos outros são punidos e comportamentos que favorecem os outros são
reforçados, seja pelo abrandamento de uma ameaça ou apresentação de bens. Conforme um ambiente
social evolui, aparecem as práticas de apoio. O grupo classifica o comportamento como bom, ruim,
certo e errado e usa esses termos como reforçadores condicionados, fortalecendo ou suprimindo
comportamento. Ele [o grupo] descreve algumas das mais importantes contingências em forma de
regras e, ao seguir regras, seus membros se adaptam mais rapidamente e evitam exposição direta a
consequências punitivas. Os indivíduos podem agir para manter as contingências às quais eles se
adaptam e, quando o fazem sem supervisão, é dito que demonstram autocontrole ou possuem um senso
ético ou moral. Tal ambiente social transmite a si próprio, conforme novos membros de um grupo
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adquirem o comportamento de manter contingências. (Skinner, 1978a, p. 8)
240
Skinner (1971a) apresenta exemplos dessas práticas de apoio, como as honras concedidas aos heróis
mortos em guerra, salientando que honras após a morte não produzem efeito no comportamento
do indivíduo. O autor argumenta que o comportamento que justifica as honrarias foi mantido, na
realidade, pelos reforçadores condicionados disponibilizados por outros membros de sua cultura.
Isto tudo [máximas, provérbios, governos, religiões e sistemas educacionais] é parte do ambiente
social chamado cultura e o principal efeito, como nós temos visto, é trazer o indivíduo sob controle de
consequências remotas de seu comportamento. O efeito possui valor de sobrevivência no processo de
evolução cultural, uma vez que as práticas evoluem devido àqueles que as praticam obterem melhor
resultado. (Skinner 1971a, p. 173)
A possibilidade de se estudar o surgimento e transformação de práticas culturais é outro aspecto
importante da evolução da cultura que pode estar relacionado ao comportamento “voltado para o
futuro” e a tentativa de tornar as consequências remotas do comportamento mais efetivas. Skinner
(1971a) afirma que, devido às características de transmissão das práticas no processo de evolução de
uma cultura, esta evolução pode ser observada de tal forma que aspectos essenciais para a intervenção
no ambiente possam ser diretamente manipulados, ainda que o estudo dos ambientes sociais, e das
culturas, não esteja completo.
Novas práticas surgem e tendem a ser transmitidas se contribuírem para a sobrevivência daqueles que
as praticam. De fato, nós podemos traçar a evolução de uma cultura mais claramente do que a evolução
de uma espécie, uma vez que as condições essenciais sejam observadas ao invés de inferidas e podem
geralmente serem diretamente manipuladas. (Skinner 1971a, p. 132)
Além de parecer possível que os seres humanos se comportem no presente “levando em
consideração” as consequências desses comportamentos no futuro, por meio das práticas de apoio,
por exemplo, também parece possível que a intervenção na transformação da cultura possa auxiliar
os seres humanos a construírem um ambiente social que torne as consequências remotas do
comportamento mais efetivas.
É possível observar no processo de transformação da cultura algumas práticas e variáveis que
influenciam e/ou determinam o comportamento de seus membros permitindo o desenvolvimento
de intervenções na cultura que podem aumentar as chances de sobrevivência da cultura e da espécie.
É o ambiente social que torna as consequências atrasadas relevantes. O contato com outros
indivíduos possibilita o estabelecimento e manutenção de comportamentos que promovem
contingências que têm como resultado consequências para comportamentos no presente.
Um bem pessoal remoto se torna efetivo quando uma pessoa é controlada para o bem dos outros e
a cultura que induz alguns de seus membros a trabalhar por sua sobrevivência traz ao contexto uma
consequência ainda mais remota. A tarefa do planejador cultural é acelerar o desenvolvimento de
Para Skinner (1971a), o ser humano, entendido como um planejador de sua cultura, é produto e
produtor de seu ambiente, não uma vítima do determinismo. Ele é capaz de construir e acelerar o
desenvolvimento de um ambiente que, ao promover consequências pessoais e para outros membros
da cultura, as faça trabalhar para a sobrevivência da cultura e espécie no futuro. No entanto, isto
não significa que exista uma direção preestabelecida e que tudo sairá de forma correta. Não parece
que “qualquer” tipo de prática e intervenção nos ambientes físico e social dos seres humanos será
capaz de promover a sobrevivência e a possibilidade de futuro dos seres humanos. Na verdade, nem
a própria existência de uma cultura parece garantir, por si, o planejamento ao qual Skinner (1971a,
1972c) se refere.
Assim como o indivíduo controla a si próprio manipulando o mundo em que vive, também a espécie
humana tem construído um ambiente no qual seus membros se comportam de forma altamente efetiva.
Erros têm sido cometidos, e não temos garantia de que o ambiente que o homem vem construindo irá
continuar a proporcionar ganhos que superem as perdas, mas o homem, conforme o conhecemos, para
melhor ou pior, é o que o homem tem feito do homem.
Quando uma pessoa muda seu ambiente físico ou social ‘intencionalmente’ - isto é, com objetivo de
mudar o comportamento humano, possivelmente incluindo o seu próprio - ela atua em dois papéis:
um como controlador, como planejador de uma cultura que controla, e outro como controlado, como
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práticas que tragam as consequências remotas do comportamento à ação. (Skinner 1971a, p. 143)
241
produto de uma cultura. Não há nada de incoerente nisso; isso deriva da natureza da evolução da cultura
com ou sem planejamento intencional. (Skinner 1971a, p. 206-207)
Skinner (1971a, 1972a) defende o planejamento da cultura, pois uma forma de aumentar as
chances de sua sobrevivência é desenvolver contingências que promovam comportamentos que, por
sua vez, produzam consequências que aumentem a possibilidade de sobrevivência dos membros da
cultura. Para Skinner (1978b), o futuro da cultura não poderia mais depender apenas dos possíveis
efeitos colaterais que comportamentos voltados somente para o presente podem ou não produzir. De
acordo com Skinner (1971a, 1972c, 1972e), podemos afirmar que o próprio planejar é se comportar
de forma “voltada para o futuro”.
Planejar uma cultura que levaria seus membros a trabalharem pela sobrevivência - de seus membros
e da cultura - envolve a previsão dos efeitos das práticas dessa cultura no longo prazo e mudanças nas
práticas que ameacem sua sobrevivência.
Quando uma cultura induz alguns de seus membros a trabalharem por sua sobrevivência, o que é para
eles fazerem? Eles precisarão prever algumas das dificuldades que a cultura enfrentará. Essas dificuldades
geralmente estão no futuro distante e os detalhes não são sempre claros. Visões apocalípticas têm longa
história, mas somente recentemente se tem dado atenção à previsão do futuro. Não há nada a ser feito
sobre as dificuldades completamente imprevisíveis, mas podemos prever alguns problemas ao extrapolar
tendências atuais (. . .). Podemos, então, mudar as práticas para induzir as pessoas a ter menos filhos,
gastar menos em armas nucleares, parar de poluir o ambiente e consumir menos recursos naturais,
respectivamente. (Skinner, 1971a, p. 151-152)
Skinner (1978b) defende o uso da ciência no planejamento da cultura. Na sua ótica , além de que
por meio dela é possível produzir muito mais dados do que um único indivíduo conseguiria em sua
vida, se torna possível prever consequências que não se limitem à experiência individual:
Ao aprender as leis da ciência, uma pessoa é capaz de se comportar sob as contingências de um mundo
extraordinariamente complexo. A ciência a carrega para além da experiência pessoal e para além das
amostragens deficientes da natureza inevitáveis em uma única vida. Ela também a traz sob o controle de
condições que poderiam não atuar na modelagem e manutenção de seu comportamento. Ela pode parar
de fumar devido a uma regra derivada de um estudo estatístico das consequências, embora as próprias
Comportamento em Foco 4 | 2014
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consequências sejam muito atrasadas para ter qualquer efeito reforçador. (Skinner, 1974, p. 138)
242
Os argumentos do autor encaminham o debate para a seara da tecnologia advinda de uma ciência
do comportamento. Para Skinner (1971a, 1978b), as ciências física e biológica poderiam proporcionar
tecnologia para solucionar problemas. A questão prevalente seria identificar como fazer com que
ela seja devidamente utilizada. Nas próprias palavras do autor: “O problema é o comportamento
humano. Como as pessoas podem ser induzidas a levar o futuro em consideração? Esta é uma
questão para a qual, penso eu, uma Análise do Comportamento é relevante” (Skinner, 1978b, p. 17).
Para Skinner (1971a, 1978a, 1978b), o conhecimento e a tecnologia produzidos pela Análise
Experimental do Comportamento poderiam auxiliar o ser humano na construção do seu futuro se
fossem aplicados no planejamento da cultura.
O estudo científico do comportamento destaca os efeitos colaterais das práticas de controle e revela
aspectos instáveis de uma dada interação que pode levar a consequências atrasadas de longo prazo.
Ele pode apontar medidas efetivas de remediação e prevenção. Ele, entretanto, não faz isso, retirando
o cientista do curso regular da noção de causa [casual-stream]. O cientista também é produto de uma
dotação genética e uma história ambiental. Ele também é controlado pela cultura ou culturas a que
pertence. (Skinner, 1972c, p. 46)
De acordo com Skinner (1971a) existe uma semelhança entre os experimentos desenvolvidos na
Análise Experimental do Comportamento e o planejamento da cultura, ambos dizem respeito às
contingências de reforçamento. Ao conhecer as variáveis que controlam o comportamento humano,
a Análise Experimental do Comportamento torna-se habilitada a prever e demonstrar novas formas
de lidar com problemas, formas estas que promovam mais benefícios para a cultura e sejam mais
reforçadoras para os indivíduos.
O exercício aqui proposto pelos autores - qual seja, analisar a cultura a partir dos conceitos da
analise do comportamento - também é observado na obra de Skinner durante a década de 1970.
O autor, com base nos dados da Análise Experimental do Comportamento, interpreta formas de
controle do comportamento humano que geram problemas para o futuro dos indivíduos e da cultura.
Além disso, sugere meios de solução que podem ser desenvolvidos a partir do conhecimento e da
tecnologia produzidos pela Análise Experimental do Comportamento (Skinner, 1978a).
A Análise Experimental do Comportamento pode auxiliar os seres humanos a planejarem sua
cultura a partir de dois prismas: (a) quando propõe análises das práticas de controle e aponta
suas possíveis consequências para o futuro dos indivíduos e da cultura, e (b) quando vislumbra
intervenções e fomenta a modificação de práticas de controle visando consequências remotas que
produzam a sobrevivência dos indivíduos e da cultura.
Nos textos publicados e republicados na década de 1970, Skinner analisa as práticas de controle do
comportamento difundidas na época - a punição, o reforçamento negativo e o reforçamento positivo.
A partir dessas análises, considera-se que formas de controle do comportamento possibilitam ou
aumentam a probabilidade dos seres humanos se comportarem de forma que levem em consideração
as possíveis consequências remotas dos comportamentos para os indivíduos e para a cultura.
Skinner (1971a, 1974, 1978a, 1978b), ao analisar as formas de controle do comportamento entre
humanos na década de 1970, considera que, na maior parte das vezes, o controle ocorre por meio da
punição e do reforçamento negativo. Uma característica comum a essas práticas é que elas produzem
consequências imediatas para o controlador4, no entanto, geralmente se tornam ineficientes no longo
prazo e, em determinadas situações, não contribuem para o desenvolvimento de comportamentos
que promovam consequências remotas importantes para a sobrevivência dos seres humanos.
De acordo com Skinner (1971a), o indivíduo, além da fuga e esquiva, pode tentar enfraquecer ou
destruir aqueles que o controlam de maneira aversiva. Ele pode fazer isso por meio do contracontrole
que é uma forma dos indivíduos buscarem maior equilíbrio nas relações entre seres humanos quando
seus comportamentos são controlados de forma aversiva (reforçamento negativo e da punição)
(Skinner, 1971a, 1974).
Na visão de Skinner (1971a, 1974), porém, não parece ser o contracontrole que garantirá a
possibilidade de planejamento e construção de um ambiente que promova comportamentos que
aumentem a possibilidade de sobrevivência dos seres humanos no futuro. Para Skinner (1974,
1978b), controle e contracontrole não implicam necessariamente em ambiente bem planejado.
4 Nesses casos geralmente o controlador atinge um reforçador rapidamente, por exemplo, um inspetor ao gritar ou ameaçar
alunos pode rapidamente fazê-los voltar às suas salas de aula. A situação escolar aversiva, se generalizando, pode levar ao
contracontrole, fuga e esquiva.
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Análise realizada por skinner das práticas de controle de comportamento
na década de 1970
243
Nós vemos a limitação do controle e contracontrole nas condições de incentivo na maioria das indústrias
(. . .) as contingências que se opõem na indústria são bastante óbvias: empregadores controlam seus
empregados com reforçamento, na maior parte das vezes monetário; empregados controlam seus
empregadores com medidas como lentidão, greve ou boicotes. No que é chamado barganhar condições
são discutidas, as quais são aceitáveis para ambas as partes. O problema é que elas não são boas condições.
Elas não induzem muitas pessoas a trabalhar com afinco ou cuidadosamente ou a apreciar o que estão
fazendo. Nem fazem com que as consequências sejam levadas em consideração para a sociedade como
um todo, tal como a utilidade do produto, o índice geral de emprego ou o desenvolvimento e conservação
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de recursos. (Skinner, 1978b, p. 27)
244
Há algum equilíbrio nas relações de controle entre empregador e empregados quando os
últimos exercem o contracontrole, mas o exemplo também ilustra que as contingências de
reforçamento envolvidas no trabalho não são bem planejadas. Parece ser possível afirmar isso, pois
as contingências, de acordo com o exemplo de Skinner (1978b), não são eficientes no sentido de
promover comportamentos em relação ao trabalho que estabeleceriam, no longo prazo, o próprio
trabalhar como naturalmente reforçador.
As contingências ilustradas no exemplo além de gerarem contracontrole não equilibram a
obtenção de reforçadores entre indivíduos e o grupo. Ademais, no futuro, podem não contribuir com
os membros daquela sociedade, seja pela falta de planejamento do que é produzido, o que manteria
a produção somente focada no ganho de capital pelo grupo que “produz” sem considerar o impacto
do produto para a sociedade como um todo, seja pelo impacto que a produção tem nos recursos do
ambiente, desde que esses não sejam reparados.
Skinner (1971a) ainda alerta para outra consequência das práticas punitivas e de reforçamento
negativo que, ao gerarem contracontrole, podem dificultar a emissão de comportamentos “voltados
para o futuro” e o planejamento da cultura. De acordo com Skinner (1971a, 1978b), ao longo da
história, parte da luta dos seres humanos para livrarem seus comportamentos das formas de controle
aversivas, impostas muitas vezes por outros seres humanos, consistiu em exercer o contracontrole
atacando, enfraquecendo e destruindo formas aversivas de controle do comportamento. No entanto,
parte das ferramentas que os indivíduos utilizavam para esse contracontrole, e mais especificamente
a que Skinner (1971a) concede o título de “literatura da liberdade e dignidade”, se voltaram para
o enfraquecimento e a destruição de qualquer tipo de controle do comportamento humano, sem
buscar corrigir ou aperfeiçoar as práticas de controle atacadas.
Quando o contracontrole assume formas nas quais qualquer tipo de controle passa a ser alvo de
ataque sem que novas formas, talvez mais eficientes, de controle do comportamento as substituam,
parece que as possibilidades de tornar mais efetivas as consequências remotas do comportamento
são ameaçadas. Segundo Skinner (1971a, 1972a), o que ocorre de fato ao se destruir uma forma
de controle não é a ausência de controle do comportamento, e sim o estabelecimento de outros
tipos, menos visíveis e tão ou mais poderosos que os antigos. Abolir contingências de controle, entre
elas as que mantêm comportamentos “voltados para o futuro” e não substituí-las por novas e mais
desenvolvidas contingências, pode trazer sentimento de liberdade, mas torna os seres humanos mais
suscetíveis às consequências imediatas de seus comportamentos.
Aqueles que têm proposto e efetuado mudanças desse tipo [que visam à destruição de qualquer forma
de controle], têm se voltado à destruição de certos aspectos aversivos e de exploração do ambiente.
Como resultado, as pessoas têm se sentido com mais frequência livres, e elas provavelmente também
desfrutaram um senso de realização ou valor maior. Mas nós dificilmente podemos esquecer o fato
de que algumas das contingências arranjadas, sob as quais o comportamento humano tinha tido
consequências atrasadas importantes, foram destruídas. Como resultado, as pessoas estão mais
suscetíveis a consequências imediatas. (Skinner, 1978b, p. 26)
Em contingências de reforçamento positivo o controle é menos evidente. De acordo com Skinner
(1974) no reforçamento positivo há maior dificuldade de se observar o efeito da consequência
passada que agora vigora no controle do comportamento, fato este que pode propiciar a atribuição
destes comportamentos à vontade interna do indivíduo, desviando o foco de que o comportamento
também está sendo controlado.
O uso do reforçamento positivo como forma de controle do comportamento também não parece
diminuir a importância do planejamento da cultura. Uma razão é que a quantidade de reforço não
precisa ser diretamente proporcional à do comportamento para mantê-lo (Skinner, 1972c). Decorre
dessa característica que, em algumas contingências, o comportamento pode ser mantido em alta taxa
por longo período, mesmo com pouco ou nenhum acesso a reforçadores.
Tendo em vista que em condições como a recém-exposta as consequências do comportamento
são muito remotas e/ou pouco claras crê-se que a desproporcionalidade entre comportamentos
e a liberação de reforçadores não favorece os seres humanos quanto à possibilidade de levar as
consequências remotas de seus comportamentos em consideração. Skinner (1971a) dá como exemplo
os comportamentos mantidos em esquemas de razão fixa. Em tais delineamentos, por vezes, muitas
respostas são exigidas para que se dê a disponibilização de alguns poucos estímulos reforçadores.
Esse tipo de esquema não é incomum, podendo ser observado em muitas formas de trabalho onde a
remuneração é muito baixa e a carga de trabalho muito alta.
Outro tipo de esquema de reforçamento utilizado por Skinner (1971a, 1972c) para ilustrar a
condição de desequilíbrio entre a quantidade de comportamento exigida e os reforços disponibilizados
é o esquema de razão variável, geralmente em vigor em jogos de azar nos quais as consequências
atrasadas de perder ou ganhar não são claras.
Um esquema relacionado, chamado razão-variável, está no centro de todos os sistemas de jogo de azar.
Uma empresa de jogo de azar paga às pessoas para lhe darem dinheiro - isto é, paga a elas quando fazem
apostas. (. . .) No princípio, a razão pode ser favorável ao apostador; ele ‘ganha’. Mas a razão pode ser
estendida de tal forma que ele continue a jogar, mesmo quando comece a perder. A extensão pode ser
acidental (um período inicial de boa sorte que vai piorando cada vez mais pode criar um apostador
dedicado) ou a razão pode ser deliberadamente estendida por alguém que controle as regras. (Skinner,
Outra preocupação de Skinner (1976) com o mau (ou com a ausência de) planejamento cultural está
relacionada à suscetibilidade humana a determinados reforçadores que produzem efeito imediato,
mas, que no decorrer do tempo, podem prejudicar o organismo, inclusive levando-o ao falecimento.
Skinner (1971a) ilustra seu argumento, por exemplo, com o uso de drogas ou excesso de alimentação.
Além disso, a suscetibilidade a determinados reforçadores pode gerar problemas não só ao futuro
dos indivíduos, mas ao da cultura. Skinner (1976) afirma que a suscetibilidade ao reforçamento faz
com que os seres humanos passem a se especializar na produção de determinados reforçadores, por
vezes aumentando sua magnitude e produção. No entanto, a mesma especialização geralmente não é
observada na capacidade de recuperação do ambiente:
A tecnologia dedicada agora à produção de bens reforçadores é muito mais extensa do que a preocupada
em evitar o trabalho exaustivo e o dano físico e, a menos que isto seja moderado, irá em breve exaurir
os recursos do mundo. Isto tem outro efeito sério, pois as pessoas diferem na habilidade de adquirir
propriedades e, portanto nas quantidades que possuem, e uma vez que a posse [de bens] geralmente
torna a aquisição mais fácil, as diferenças têm sido tornadas muito grandes. Reforçamento positivo não
tem levado somente a grande riqueza, mas a extrema pobreza. (Skinner, 1978a, p. 7)
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1971a, p. 35)
245
O desenvolvimento de recursos para produzir reforçadores, aumentando a possibilidade de
consumi-los sem recuperar danos ao ambiente ou administrá-los adequadamente, pode levar ao
esgotamento e escassez de reforçadores para parte dos membros da cultura. Situação esta que se
tornaria aversiva a ponto de gerar contracontrole e conflitos entre membros da cultura.
A Análise Experimental do Comportamento como ferramenta de intervenção
Foi possível observar nos textos publicados e republicados por Skinner na década de 1970 a
defesa da Análise Experimental do Comportamento como a ciência capaz de conhecer e intervir
no comportamento dos seres humanos. Assume-se que ela figura nos textos analisados como
um instrumento útil na tentativa dos seres humanos de tornar as consequências remotas dos
comportamentos relevantes, por exemplo, por meio de contingências que promovam e mantenham
comportamentos, no momento presente, cujas consequências atrasadas sejam benéficas e possibilitem
o futuro dos indivíduos e da própria cultura.
De acordo com Skinner (1974), uma forma de concretizar tal contribuição seria, por exemplo,
que os pesquisadores da Análise Experimental do Comportamento realizassem estudos no campo
do reforçamento positivo que possibilitassem a redução do uso de medidas aversivas no controle do
comportamento humano em ambiente social:
O reforçamento positivo é, no mínimo, igualmente poderoso [a punição e o reforçamento negativo]
como uma medida de controle, mas geralmente seus efeitos são pelo menos um pouco atrasados. É
somente quando a pesquisa laboratorial demonstra que o reforçamento positivo tem consequências que
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valem a pena que se aprende a esperar por elas. (Skinner, 1974, p. 257)
246
A Análise Experimental do Comportamento busca conhecer as contingências de reforçamento que
exercem controle no comportamento humano, controle este que se dá via processos que envolvem
planejamento e arranjo de ambientes muitas vezes complexos (Skinner, 1973). Para Skinner (1971a,
1972c, 1972e), as capacidades de planejar e arranjar ambientes são características importantes de uma
ciência, já que na visão do autor uma ciência deve auxiliar na solução dos problemas enfrentados e
causados pelos seres humanos.
Ao longo dos textos analisados, Skinner descreve que diversas formas de controle do comportamento
encontradas no ambiente social geram problemas para o futuro dos indivíduos e da cultura, como
no caso da punição e do reforçamento negativo. A Análise Experimental do Comportamento
parece possuir cabedal para auxiliar na solução desses problemas quando planeja o ambiente social,
intervindo no controle do comportamento de um indivíduo por outro. Assim, ela pode auxiliar a
cultura no sentido de levar seus membros a trabalharem por sua sobrevivência e construírem um
ambiente no qual comportamentos que produzam consequências remotas capazes de aumentar a
possibilidade de sobrevivência dos seres humanos no futuro possam ser selecionados.
O planejamento das contingências de reforçamento positivo pode levar os seres humanos a se
comportarem de forma “voltada para o futuro”. Uma forma de intervir no comportamento proposta
pela Análise Experimental do Comportamento é o planejamento de contingências de reforçamento
positivo no ambiente social. Skinner (1972b) cita alguns exemplos :
Salários, subornos e gorjetas sugerem um padrão clássico no qual nós geramos comportamento nos
outros através do reforçamento ou da recompensa. Melhores formas de utilizar o reforçamento positivo
ao modelar novos comportamento e manter condições chamadas de interesse, ou entusiasmo, têm
sido descobertas recentemente. O efeito reforçador da atenção pessoal e afeto está sendo mais bem
entendido, especialmente por psicólogos clínicos (Skinner, 1972b, p. 21)
Assim como a atenção e o afeto a admiração e a aprovação também são exemplos de reforçadores.
É, entretanto, o planejamento do reforçamento positivo que pode, por exemplo, evitar conflitos entre
obtenção de reforçadores para si e para os outros. É possível planejar condições que permitam que,
ao produzir reforçadores para os outros, o indivíduo também os produza para si, ou que a produção
de reforçadores para os outros não seja incompatível com produzir reforçadores para si.
O uso dos reforçadores para controle do comportamento humano por meio de contingências de
reforçamento positivo oferece vantagens em relação às contingências de punição e reforçamento
negativo. A primeira é que reforço positivo não gera contracontrole e também não produz efeitos
colaterais indesejados como alguns sentimentos e sensações produtos de contingências aversivas,
pelo contrário, por vezes podem gerar sentimentos como o de liberdade e realização (Skinner, 1971a,
1978b). “Quando nosso comportamento é positivamente reforçado, nós dizemos apreciar o que
estamos fazendo; nós chamamos a nós mesmos de felizes”. (Skinner, 1978a, p. 5).
Os efeitos do reforçamento positivo se estendem para a cultura ao tornar o ambiente em que os
indivíduos vivem um lugar mais reforçador:
O reforçamento positivo tem um efeito fortalecedor não só sobre o indivíduo, mas também sobre a
cultura, ao criar um mundo do qual as pessoas não querem desertar e que elas estão mais propensas
a defender, promover e melhorar. Todos os que agem para tornar o mundo físico mais bonito - os
ecologistas preocupados com a beleza natural e os artistas, músicos, arquitetos e outros que criam coisas
belas - todos aumentam as chances de que viver no mundo possa ser positivamente reforçado. Daqueles
que utilizam a modificação do comportamento, propriamente definida [que se valem do reforçamento
positivo para intervir no comportamento], se poderia dizer que estão preocupados com a preservação
e expansão da beleza do ambiente social - ou, para emprestar uma frase de uma cultura desaparecida,
para criar pessoas mais belas. (Skinner, 1978a, p. 11)
A aplicação do reforçamento positivo no controle face a face pode ser uma alternativa para que
os seres humanos se comportem de maneira a produzir consequências remotas importantes para
sua sobrevivência no futuro. Skinner (1978a) descreve o controle “face a face” como o controle do
comportamento das pessoas pelas pessoas. Skinner (1971a, 1978c) reconhece a dificuldade de se
estabelecer este tipo de controle em grandes cidades como as que podem ser observadas atualmente.
O grande número de pessoas nesses ambientes faz com que não se retome contato com muitas das
pessoas com as quais se relaciona em algum momento. Além disso, não se chega a conhecer de
fato tantas outras pessoas que são afetadas pelos comportamentos dos indivíduos. Decorre dessas
situações que elogiar ou censurar podem vir a deixar de funcionar como formas eficientes de controle
do comportamento. O que ocorre geralmente é que este poder é delegado a instituições ou agências
de controle.
encontramos nunca mais veremos, portanto cuja aprovação ou censura não significam nada. O
problema não pode ser resolvido de fato, delegando a censura à força policial e aos tribunais. Aqueles
que têm utilizado a modificação do comportamento na terapia familiar ou nas instituições sabem como
arranjar as condições face a face que promovam respeito e amor interpessoal. (Skinner, 1978c, p. 62)
Não obstante, Skinner (1978c) aponta que somente delegar o controle do comportamento entre
humanos às intuições ou agências de controle pode não ser suficiente para a solução de problemas no
controle do comportamento humano por outros humanos. É possível observar em parte dos textos
de Skinner (1971a, 1971b, 1974, 1978a e 1978c) uma série de desvantagens passíveis de ocorrência
a depender de como o controle é exercido. A primeira, por exemplo, é que quando os indivíduos
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O tamanho de uma cidade grande é problemático precisamente porque muitas das pessoas que
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controlados pelas instituições não são capazes de se organizar e/ou exercer uma forma eficiente de
contracontrole, e este não é realizado por terceiros, geralmente são observadas condições de maus
tratos. Skinner (1971a, 1974), ao defender a importância de medidas eficientes de contracontrole cita
prisioneiros, psicóticos, deficientes mentais, crianças muito novas, órfãos e idosos como exemplos de
populações que, por vezes, se encontram nessas condições de abuso.
Uma segunda desvantagem que pode vir a ocorrer é a degradação do contato interpessoal. De
acordo com Skinner (1978a), quando o controle do comportamento entre seres humanos fica muito
concentrado nas agências de controle e instituições, algumas oportunidades de reforçar e receber
reforços por outros são perdidas, além das chances de abandono das práticas punitivas diminuírem.
A concentração de poder em uma agência é criticável não somente porque ele é caracteristicamente mal
usado e desperdiçado, mas porque destrói contatos interpessoais. Se eu trabalhar para uma empresa
manufaturando sapatos e meu vizinho para uma empresa manufaturando camisas, e se nós dois
ganharmos o suficiente para que eu possa comprar uma camisa e ele ou ela um par de sapatos, nós
teremos produzido, em certo sentido, alguma coisa de valor um para o outro, mas não existe nenhuma
troca direta. Uma oportunidade especial de reforçar o comportamento um do outro foi perdida. As
empresas, sem dúvida, são necessárias para a produção eficiente de camisas e sapatos, e devemos
ter uma economia, ao contrário de simples no sentido de antiga, mas alguma coisa foi abandonada.
Similarmente, se eu delegar a censura de meu vizinho para a polícia, estou menos propenso a procurar
por alternativas não punitivas do que se me comportasse somente como vizinho. Em um grupo grande,
uma força policial é necessária e devemos continuar a ter governos punitivos, mas as chances de
conseguir melhorar as relações pessoais são então reduzidas. (Skinner, 1978a, p. 9)
Por fim, outra desvantagem que interfere significativamente na possibilidade dos seres humanos
controlarem seu destino de forma “voltada para o futuro”, e que decorre da prática de delegar o
controle do comportamento dos indivíduos às instituições, é o desequilíbrio entre o que o indivíduo
obtém da instituição e o que concede a ela. Se as contingências que mantêm comportamentos que
favoreçam a sobrevivência do grupo e possibilitem acesso aos reforçadores para os outros não
funcionarem com eficiência, ocorrerá o conflito entre contingências que geram bens apenas para os
indivíduos e contingências que geram bens para os outros nessas condições. De acordo com Skinner
(1971b), os indivíduos se voltam para reforçadores imediatos, o que não contribui para que os seres
humanos se comportem de forma “voltada para seu futuro”, ao passo que, para isso, as consequências
remotas do comportamento deveriam ser levadas em consideração.
Quando o bem dos outros não é efetivamente construído, o indivíduo aventura-se ao retorno dos bens
pessoais, a reforçadores imediatos tais como comida, sexo, drogas, álcool e assim por diante. Ele se afasta
do controle social através da amoralidade ou da anomia. (. . .) É somente quando outras pessoas mediam
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algumas das consequências do comportamento de um homem que ele passa a estar sob o controle de
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consequências remotas. (Skinner, 1971b, p. 547)
Conforme destacado por Skinner (1971b), para que as consequências remotas do comportamento
passem a ter um papel mais efetivo na vida dos seres humanos é preciso que um indivíduo passe a
estar sob controle das consequências que o seu comportamento irá produzir no comportamento
do outro. Skinner (1978a) identifica uma série de princípios utilizados na Análise Experimental do
Comportamento que fortalecem e podem melhorar esses controles: substituir contingências punitivas
e aversivas por reforçadoras, planejar o uso de reforçadores arbitrários, inclusive planejando sua
retirada para que as consequências naturais do comportamento passem a controlá-lo, promover a
aprendizagem de comportamentos modelados pelas contingências naturais e não só pelas regras
que as descrevem, o que, se aplicado ao ambiente social, tornaria os indivíduos “mais sensíveis às
contingências mantidas pelas pessoas” (Skinner, 1978a, p. 12), manter reforçadores contingentes
a comportamentos que desenvolvam as potencialidades dos indivíduos que promovam a sua
sobrevivência, da sua cultura e da sua espécie.
Para Skinner (1971a, 1974, 1978a, 1978b), é por meio do planejamento e da construção do
ambiente social que os seres humanos aumentam as chances das consequências remotas de seus
comportamentos serem levadas em consideração. E é no planejamento e construção do ambiente que
a Análise Experimental do Comportamento pode contribuir para a construção do futuro.
Os seres humanos mudam o curso de seu futuro, pois seu comportamento produz consequências
imediatas e remotas que produzem efeito no seu ambiente e retroagem nos comportamentos. No
entanto, mais importante do que simplesmente mudar o curso é a possibilidade de fazê-lo levando
em consideração as possíveis consequências atrasadas de seus comportamentos. Para atingir esse
requisito é preciso que os seres humanos medeiem as consequências do comportamento de outros
(Skinner, 1971b), permitindo que se realize o planejamento de uma cultura que crie e possibilite
a existência de ambientes onde possam ser selecionados comportamentos, cujas consequências
remotas favoreçam a sobrevivência da espécie, da cultura e de seus membros.
Para tal planejamento ocorrer, a Análise Experimental do Comportamento pode ser um instrumento
útil. Ao planejar e construir contingências de reforçamento, a ciência do comportamento passa a
conhecer os efeitos do ambiente no comportamento e os efeitos do comportamento no ambiente.
Somente conhecendo os efeitos das consequências do comportamento, tanto atrasadas quanto
imediatas, e quais comportamentos as produzem, é que se torna possível o planejamento e a criação
das contingências capazes de tornar as consequências remotas do comportamento efetivas. Somente
conhecendo o mundo que os determina é que os seres humanos serão capazes de construir um
mundo onde seres humanos determinam o seu futuro.
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