O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ALGÉBRICA E SUA COMPREENSÃO POR MEIO DA ÁLGEBRA GEOMÉTRICA Lucimeire de Lourdes Adorno Ferreira [email protected] Clélia Maria Ignatius Nogueira [email protected] Resumo O trabalho desenvolvido apresenta como tema a Álgebra Geométrica e sua abstração. Partindo do pressuposto de que o conhecimento matemático é historicamente construído e incorporando a perspectiva de permanente evolução, este estudo tem como objetivo a exploração do conteúdo que envolve expressões algébricas, utilizando material manipulável numa sequência de atividades propostas e verificando como se dá a abstração dos conceitos aplicados. Por meio dessa exploração, pretende-se possibilitar que o aluno reconheça as contribuições que a Matemática oferece para compreender as informações e se posicionar diante delas. Para a execução da pesquisa, seguiram-se as diretrizes da Engenharia Didática, de M. Artigue, que a define como um processo empírico, no sentido que deve extrair os dados da realidade, compará-los às hipóteses e estabelecer ações para transformá-la. Palavras-chave. Álgebra Geométrica; Material Manipulável; Abstração. INTRODUÇÃO Durante meu trabalho como professora, deparei-me com situações no ensino de Matemática em que os alunos me questionavam sobre o porquê de estarem aprendendo determinado conteúdo. Paralelamente a essa situação, entre os educadores intensificavamse as discussões sobre “dar significado aos conteúdos matemáticos” em muitos cursos, palestras e grupos de estudo. Nos pequenos grupos, formados pelos professores de Matemática, dentro das escolas em que trabalhei, havia, e há até hoje, uma divisão clara entre aqueles que preferiam continuar a atuar da forma tradicional e aqueles poucos que adotaram outras metodologias. Os professores que optavam por atuar utilizando materiais manipuláveis e jogos, que sem dúvida atraíam a atenção dos alunos para a Matemática, 905 eram questionados sobre os resultados obtidos com a aprendizagem. Ao longo dos anos fui percebendo que quando utilizava algum material manipulável para introduzir conteúdos ou um jogo para a consolidação da aprendizagem, os alunos se interessavam mais pelas aulas e o aproveitamento era melhor. Estreitando essa análise para alunos de 7ª série, cuja faixa etária é de doze a quinze anos em média, na qual o conteúdo de Álgebra ocupa grande parte do programa curricular e requer um maior grau de abstração, sempre procurei materiais didáticos que auxiliassem essa compreensão, de forma a não deixar as aulas de Matemática como ensino de regras ou “siga o modelo”. Foram várias tentativas, ano após ano, algumas com sucesso na aprendizagem e outras não, pois ensinar e aprender são processos que sofrem influências externas, como o empenho da turma, a continuidade do aprendizado na série seguinte e o desempenho das diversas equipes que trabalham na escola, entre outras. Ao realizar uma atividade que envolve a utilização de materiais manipuláveis, o que se percebe é uma agitação, um envolvimento, uma turma motivada ao trabalho, porém, quando se sistematiza o conteúdo, os alunos perdem o “pique” e voltam ao marasmo. Para compreender melhor esse fato e mesmo como fazer para que a sistematização e formalização dos conceitos elaborados pudessem motivar os alunos, se não da mesma forma que as atividades realizadas, mas com um nível de interesse pelo menos razoável para a compreensão do que estava sendo feito, senti que apenas minha prática como professora não era suficiente. Havia necessidade de mais conhecimento teórico, tanto no campo da Matemática, como, e principalmente, no de caráter pedagógico. De maneira geral, senti necessidade de teorizar a minha prática. O estudo da Álgebra constitui um espaço bastante significativo de abstração e generalização, além de possibilitar a aquisição de uma poderosa ferramenta para resolver problemas, porém, existem dificuldades relativas ao fazer pedagógico com a linguagem algébrica e em cálculos algébricos realizados que impossibilitam que os alunos compreendam os conceitos associados. A concepção de Matemática adotada é a de que o conhecimento matemático é historicamente construído, e, portanto, está em permanente evolução. Assim, o ensino da Matemática precisa incorporar essa perspectiva, possibilitando ao aluno reconhecer as contribuições que a História da Matemática oferece para compreender as informações e posicionar-se diante delas. 906 A Álgebra na história Na construção histórica da Álgebra encontramos evidências de fragmentos que demonstram que o desenvolvimento da Álgebra está ligado a diferentes aspectos culturais de diversos povos. Baumgart (1992) afirma que é estranha e intrigante a origem da palavra “álgebra”, pois ela não se sujeita a uma etimologia nítida. Álgebra é uma variante latina da palavra árabe al-jabr, usada no título do livro “Hisab al-jabr w'as-muqabahh”, escrito em Bagdá, por volta do ano 825 a.C., pelo matemático Mohammed ibn-Musa al-Khowarizmi. A tradução literal do título do livro é “Ciência da restauração (ou reunião) e redução”, mas, ainda de acordo com Baumgart (1993), matematicamente seria melhor “Ciência da transposição e cancelamento” ou simplesmente “A ciência das equações”. “Embora em suas origens a palavra “álgebra” refira-se a equações, hoje seu significado é mais amplo, e para uma definição satisfatória é necessário um enfoque em duas fases:” (1) Álgebra Antiga (elementar), que é o estudo das equações e métodos de resolvê-las; (2) Álgebra Moderna (abstrata), que é o estudo das estruturas matemáticas. “Como essa divisão é tanto cronológica como conceitual, é conveniente traçar o desenvolvimento da Álgebra em termos dessas duas fases”. (BAUMGART, 1993. p 3). Segundo Fraile (1998), a origem do zero é um fenômeno notável da História da Humanidade e sua aparição considera o pensar humano de diversas civilizações. A linguagem algébrica, segundo Boyer (1974), passa por três estágios: o primitivo (RETÓRICO), completamente verbal e escrito com palavras; o intermediário (SINCOPADO), em que são adotadas algumas abreviações; e o final (SIMBÓLICO), em que o poder de síntese das expressões é transmitido pelos símbolos. Ele ainda afirma, que essa é uma divisão arbitrária do desenvolvimento da Álgebra e é uma simplificação excessiva, mas serve como uma aproximação dos fatos ocorridos. Foram três mil anos para se chegar à representação algébrica atual. Esse desenvolvimento histórico nos faz perceber o quanto foi difícil a construção da linguagem algébrica. Além dos fatos históricos, pesquisas recentes em Educação Matemática, demonstram o quanto o ensino de Álgebra é complexo e tem revelado dificuldades, tanto de professores, quanto de alunos. Destaca-se aqui, que as características da linguagem algébrica e as dificuldades observadas nos diferentes estágios de sua construção histórica podem auxiliar a construção do conhecimento algébrico pelo aluno. 907 Ao se fazer uma leitura histórica da construção da ciência, verifica-se que os cientistas, quando iniciam uma investigação, observam os fatos, levantam hipóteses, conjecturam concepções, realizam experimentações e por fim se propõem à definição mais precisa dos conceitos. Este é o método da descoberta, um método analítico, diferente daquele apresentado na formação do professor, que parte das definições, enuncia, apresenta leis e deduções, um método sintético. Cabe ao professor permitir que o aluno percorra os caminhos da História, que a utilize juntamente com a geometria como base do ensino da álgebra e não como simples ilustração. (SERGIO1, 1954 apud MARTINS, 2002). Quando se tenta responder à questão “Por onde começar?”, há uma diversificada discussão sobre como introduzir os conceitos algébricos. Falcão (2003, p.7) defende que as atividades realizadas devem contemplar “aspectos relevantes do campo conceitual algébrico e se baseiem em atividades que possibilitem aos alunos um nível de representação conceitual ao seu alcance”. A provável origem da Álgebra deu-se na Babilônia, por volta de 1700 a.C, com estilo retórico e relativo grau de sofisticação. Os babilônios eram capazes de resolver uma variedade surpreendente de equações com coeficientes numéricos. Procedimentos algébricos surgem no Egito quase na mesma época que na Babilônia, 1850 a.C a 1650 a.C, porém, faltavam os métodos sofisticados e a variedade da álgebra babilônica. Na Grécia, até cerca de 540 a.C, a Álgebra era geométrica, formulada pelos pitagóricos, que tinham conhecimento da Álgebra babilônica. Diofanto (250 a. C) introduziu o estilo sincopado de escrever equações, mas não desenvolveu um método sistemático de encontrar soluções gerais e sua abordagem segue as linhas babilônicas. Já na Álgebra hindu e na arábica, não constam registros anteriores aos séculos IV ou V d.C, sendo que Brahmagupta e Bhaskara foram os mais destacados algebristas hindus e resolviam equações completando quadrados. Quando a Álgebra chega à Europa, por volta de 1100 d.C, havia regredido tanto em estilo como em conteúdo, pois a sincopação de Diofanto e Brahmagupta e seus estudos, relativamente contemporâneos, não contribuíram para uma eventual irrupção da Álgebra. O renascimento algébrico se deu na Itália (1200-1300), com o Líber abaci (1202), de Fibonacci (Leonardo de Pisa), no qual o autor resolvia equações usando o estilo retórico de 1 Antonio Sérgio, Paidéia (Sugestões e conselhos de há mais de trinta anos); Ensaios Tomo VII (p. 290-293); publicações Europa-América; Lisboa: 1954. 908 al-Khowarizmi, defendendo o uso de numerais indo-arábicos, dos quais havia tomado conhecimento em suas viagens como comerciante (BAUMGART, 1993. p 11). O moderno simbolismo só despontou por volta de 1500 e o francês François Viète foi um marco, um divisor de águas no pensamento algébrico, ao separar a solução empírica de equações – solução manipulativa – da moderna corrente que teve seu início com as propriedades teóricas das equações. Viète introduziu o uso das letras para indicar números desconhecidos da forma como são utilizadas até hoje, escrevendo equações e estudando suas propriedades. Ele foi o primeiro a utilizar letras como coeficientes genéricos (positivos), aproximando a representação simbólica das equações à praticada atualmente. O trabalho realizado por Viète possibilitou a escrita de expressões de equações e suas propriedades e, a partir daí, as expressões algébricas passaram a ser objetos de operações matemáticas. Apesar do avanço proporcionado pelos estudos de Viète e da beleza da Álgebra elaborada por ele, esta ainda estava incompleta, e a Álgebra de Descartes veio não apenas completá-la, mas também complementá-la, ao possibilitar a síntese entre Geometria e Álgebra, agora de uma maneira sistematizada e formal, transformando a Álgebra geométrica dos gregos em uma Geometria algébrica, utilizando os principais objetos algébricos, as equações, para representar entes geométricos, como retas, curvas, planos, sólidos, entre outros. Jogos e materiais manipuláveis Fiorentini (2006) afirma que enquanto os matemáticos estabelecem processos hipotético-dedutivos para desenvolver a Matemática pura e aplicada, os educadores matemáticos buscam métodos interpretativos e analíticos das Ciências Sociais e Humanas, visando uma formação integral, humana e crítica do aluno e do professor. A Educação Matemática é uma área de conhecimento cujo objeto de estudo ainda está em construção, envolve o domínio do conteúdo específico, a Matemática, e o domínio de ideias e processos pedagógicos relativos à transmissão, à assimilação ou à apropriação, proporcionando a construção do saber matemático. A Educação Matemática nos proporciona caminhos para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, pois esta, enquanto campo de investigação e produção de conhecimentos, envolve as múltiplas relações e determinações entre ensino, aprendizagem e conhecimento matemático em um contexto sociocultural específico. 909 Ao observar o desempenho dos alunos, os educadores matemáticos que se propõem a refletir sobre o ensino e a aprendizagem da Álgebra apontam a necessidade de uma metodologia de ensino que favoreça a produção de significados para a Álgebra. É importante destacar que não há um consenso, entre os estudiosos do assunto, sobre o significado da Álgebra. Há os que, de uma forma mais frequente, concebem esse ramo da Matemática como “cálculo literal” ou “uma generalização da aritmética”, porém esses conceitos se referem a uma determinada habilidade desenvolvida pelo uso da Álgebra, mas não abrangem os processos cognitivos envolvidos em seu aprendizado, podendo, ainda, induzir a interpretações equivocadas de que não há generalizações na aritmética (OLIVEIRA, 2002, p35). O principal desafio do professor é buscar estratégias que facilitem a ação pedagógica em sala de aula, propiciando ao aluno situações que envolvam conteúdos essenciais à aprendizagem e garantam a autonomia de pensamento, tornando-o capaz de aprender sozinho. Essa autonomia ou habilidade de aprender é construída individualmente pelo sujeito. Para isso, atividades que possibilitem condições suficientes para o aluno interpretar situações-problema, que desenvolvam habilidades como organização, atenção e concentração, são imprescindíveis (NOGUEIRA, 2005). Fiorentini e Miorim (1990) afirmam que, antes de optar por um material ou jogo, devemos refletir sobre a proposta político-pedagógica; sobre o papel histórico da escola; sobre o tipo de sociedade que queremos; sobre o tipo de aluno que queremos formar; sobre qual Matemática acreditamos ser importante para esse aluno. O professor não pode subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é válido por si só. Os materiais e seu emprego sempre devem estar em segundo plano. A simples introdução de jogos ou atividades no ensino da matemática não garante uma melhor aprendizagem dessa disciplina. É frequente vermos em alguns professores uma mistificação dos jogos ou materiais manipuláveis. Ora, que outra função tem o ensino de Matemática senão o ensino de Matemática? É para cumprir essa tarefa fundamental que recorremos a todos os recursos de que dispomos. Ao aluno deve ser dado o direito de aprender. Não um “aprender” mecânico, repetitivo, de fazer sem saber o que faz e porque faz. Muito menos um “aprender” que se esvazia em brincadeiras. Mas um aprender significativo, do qual o aluno participe 910 raciocinando, compreendendo, reelaborando o saber historicamente produzido e superando, assim, sua visão ingênua, fragmentada e parcial da realidade, e o material ou o jogo pode ser fundamental para que isso ocorra. Nesse sentido, o material mais adequado nem sempre será o visualmente mais bonito e nem o já construído. Muitas vezes, durante a construção de um material, o aluno tem a oportunidade de aprender Matemática de uma forma mais efetiva. Em outros momentos, o mais importante não será o material, mas sim a discussão e resolução de uma situação-problema ligada ao contexto do aluno, ou, ainda, à discussão e utilização de um raciocínio mais abstrato. A utilização do lúdico como uma estratégia metodológica de ensino, é amplamente utilizada em sala de aula. Por meio dessa estratégia, os alunos são sujeitos da sua aprendizagem. Respeitando seu contexto e sua motivação, é possível proporcionar o prazer da “redescoberta”, que muitas vezes lhes é negada em detrimento do êxito do próprio ensino. A utilização do lúdico não deve ser explorada apenas com a intenção de tornar a aula mais agradável. Para que jogos e materiais manipuláveis favoreçam a aprendizagem, alguns princípios devem ser promovidos em sala de aula, como possibilitar muitas e variadas experiências de ensino relacionadas a um mesmo conceito matemático; dar significado para a aprendizagem; oferecer situações para que o aluno possa redescobrir padrões, regras e relações, entre outros. Apreciando o que afirmam Fiorentini e Miorim (1990) quanto à concepção orgânica da participação da História na produção do saber docente, compreende-se que ela assume um papel interdisciplinar ao retirar a Matemática do isolamento, com abordagem técnico conteudista, e colocá-la como colaboradora na formação de um cidadão crítico. O papel da História é também didático-metodológico quando vê na problematização um método naturalmente crítico e caracteristicamente humano, não o mais rápido, porém com significado, e que produz no professor necessidade de avaliação crítica. Na Álgebra, em especial, há dificuldades relativas ao trabalho com a linguagem algébrica, em situações de resoluções de problemas e em cálculos algébricos, realizados quando os alunos não compreendem os conceitos associados. 911 Ao estabelecer situações de aprendizagem que levem o aluno a perceber que a transformação de uma expressão algébrica em outra equivalente, mais simples, facilita encontrar a solução de um problema, é que esse trabalho se torna significativo, no sentido de favorecer a construção dessa linguagem, com os símbolos e regras específicas que constituem o cálculo algébrico, e, particularmente, de possibilitar a compreensão dos conceitos matemáticos envolvidos. Concordamos que a estratégia pedagógica de exploração de situações que levem os alunos a construir noções algébricas pela observação de regularidades e o estabelecimento de relações se sobressai à de desenvolver o estudo da Álgebra, apenas enfatizando os cálculos com expressões, de forma mecânica. Assim, o principal objetivo de minha investigação foi estabelecer estratégias para a generalização e a abstração dos conceitos envolvidos nas situações algébricas apresentadas, mediante a utilização de material manipulável. Há muitas discussões em torno da utilização de materiais manipuláveis. Os livros didáticos atuais, em sua maioria, incentivam a sua utilização, o que vem sendo incorporado pelo professor, porém outros valorizam pouco o seu uso. Diante disso, vem a questão: é relevante a utilização de materiais manipuláveis em sala de aula? Segundo Nogueira (2005), ao optar pela utilização de materiais manipuláveis o professor pode ter diferentes propósitos, entre eles, facilitar a compreensão de um determinado conceito ou como motivação em problemas que exigem conceitos matemáticos avançados. Esses materiais podem efetivamente ser “concretos”, como o material dourado ou a representação de um material. Deve-se ter em mente que o aluno não construirá o seu conhecimento matemático apenas “manipulando” os objetos. Cabe ao professor formular questões adequadas, que permitam ao aluno observar os aspectos do material que sejam relevantes para a construção do conceito em questão. Ao escolher um determinado material, deve-se explorar todas as possibilidades com antecedência, para que não ocorram surpresas e também para evitar que o material seja utilizado apenas como brinquedo. Levando-se em conta a natureza abstrata dos conceitos matemáticos, Nogueira (2005) afirma que o uso inadequado de materiais também deve ser evitado ao máximo, pois se as atividades não forem bem dirigidas aos alunos, os resultados podem ser muito diferentes do que se deseja. As ações do professor precisam ser muito bem elaboradas, a passagem das ações concretas para a abstração dos conceitos deve ser cuidadosamente 912 preparada e não pode deixar de ser efetivada. Essas ações devem também ser dosadas para que não transformem atividades de elaboração de conhecimentos em uma aula expositiva e mecanizada. A observação deve ser constante para que ocorra a verificação de que o aluno está fazendo as abstrações necessárias e esperadas. Engenharia Para o desenvolvimento da investigação/intervenção, seguiu-se as diretrizes da Engenharia Didática que, segundo Artigue (1995), caracteriza-se por ser um esquema experimental baseado nas realizações didáticas em sala de aula, sobre a concepção, a realização, a observação e a análise de sequências de ensino. Essa escolha se justifica pelo fato de se tratar de uma concepção que dá importância tanto à dimensão teórica como à experimental da pesquisa, favorecendo uma ligação entre essa e a ação pedagógica. A Engenharia Didática constitui-se em uma forma de sistematizar a aplicação de um determinado método na pesquisa didática (Artigue 1995) e ainda possibilita o enfrentamento de problemas práticos para os quais não existe teoria prévia. Abrange uma distinção temporal em seu processo experimental, composta de quatro fases: • Análises preliminares: levam em conta as concepções envolvidas. Nessa fase, o pesquisador ainda busca o quadro teórico orientador do processo e os conhecimentos didáticos adquiridos previamente, sendo que estas informações serão retomadas e aprofundadas nas demais fases desta metodologia. • Concepção e análise à priori: nessa fase, o investigador estabelece o número de variáveis pertinentes ao problema elaborado, a fim de controlar o comportamento dos alunos envolvidos na pesquisa. Essas variáveis podem ser macrodidáticas (ligadas à organização global da engenharia) ou microdidáticas (ligadas à organização local da engenharia, de uma sequência ou da fase), mas de qualquer forma, podem ser independentes ou dependentes ao conteúdo didático enfocado. • Experimentação: fase de realização da engenharia com a população de alunos pesquisados por meio do contato com o pesquisador e /ou professor e/ou observadores. Nessa etapa também ocorrem a “oficialização” ou “institucionalização” dos conceitos trabalhados na atividade aplicada. • Análise à posteriori e validação: essa fase consiste no tratamento das informações obtidas com base nos dados coletados na experimentação e nas observações realizadas durante a aplicação da sequência de ensino. E, por fim, realizam-se as confrontações 913 entre as análises à priori e à posteriori, validando ou não a essência das hipóteses formuladas na investigação. Seguindo as ideias de Artigue (1995), considera-se um conteúdo do sistema de ensino cujo resultado é pouco satisfatório e faz-se uma análise deste com a intenção de propor mudanças para um melhor desempenho. Proposta de Intervenção Como análise preliminar, observou-se, durante três anos letivos anteriores, o resultado da aprendizagem em turmas de sétimas séries, nos conteúdos ligados à Álgebra, mais especificamente o cálculo com expressões algébricas. Com a turma em que se utilizou material manipulável, o professor da série seguinte alegou que os alunos não tinham “agilidade” na realização dos cálculos; para aquela na qual se trabalhou regularidades e regras, na série seguinte, os alunos falhavam na interpretação; e, naquela onde se tentou mesclar as duas metodologias anteriormente citadas, ocupou-se muito tempo, prejudicando o andamento do planejamento. Como minha ação naquele momento estava baseada quase que exclusivamente em minha vontade de mudar, na experiência com a docência e em alguns estudos realizados de maneira informal e assistemática, senti que, se pudésse fundamentar teoricamente minha prática de uma maneira mais sólida poderia confirmar (ou não) minha conjectura de que a utilização de materiais manipuláveis e a compreensão das operações algébricas por meio de atividades envolvendo geometria, realmente colaborariam com os processos de ensino e aprendizagem de Álgebra. Assim, com minha participação no PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná) surgiu a oportunidade de realizar esses estudos de maneira sistematizada, inclusive com a realização de uma investigação/intervenção que possibilitasse a confirmação ou não da minha conjectura acerca da utilização de materiais manipuláveis em aulas de Álgebra. Na etapa da análise à priori, para essa proposta de intervenção, elaborei uma sequência de ensino com questões cujo objetivo era identificar monômios como generalização das operações e propriedades dos números e desenvolver habilidades de cálculos com monômios e polinômios, utilizando áreas de figuras geométricas. Segundo Artigue (1995), é nessa fase que são delimitadas as variáveis de controle, as quais permitem conhecer o que se pretende experimentar. Essas variáveis foram 914 analisadas durante a aplicação da sequência e é sobre elas que deve-se ter controle a fim de se relacionar o conteúdo em questão como a sequência proposta para desenvolver a apreensão dos conceitos envolvidos. Para a execução da sequência de atividades, abordei a linguagem algébrica, mediante o calculo de áreas de figuras geométricas, utilizando a metodologia do trabalho em grupo, estabelecendo um ambiente colaborativo, que é essencial para a discussão das ideias e o desenvolvimento da argumentação. Além do cálculo de áreas de figuras geométricas para a contextualização e significação das expressões e operações algébricas, as atividades propostas utilizavam recorte e colagem com figuras desenhadas em papel quadriculado, com a intenção de que a “manipulação das áreas” em questão favorecesse a compreensão dos cálculos efetuados. O principal objetivo das atividades propostas foi a identificação das regularidades presentes nos cálculos de área, primeiramente realizados numericamente e, em seguida, de maneira literal. Entendendo que a motivação é uma alavanca para a aprendizagem, minha hipótese, a priori, foi a de que as atividades elaboradas fossem suficientes para que os alunos se mantivessem atentos e abertos a compreender o conteúdo proposto. No processo de experimentação, a primeira atividade proposta envolvia a determinação das áreas do quadrado e do retângulo, recortados em papel quadriculado e com o cálculo de sua área efetuado. Foi interessante observar a reação de alguns alunos, que não haviam passado anteriormente pela experimentação em Matemática, conforme atesta a resposta à questão: “Quantas unidades têm?”. Um aluno respondeu depois de contar: “Tem 16. Nossa! Que legal!”. Enquanto outro, que já havia participado de atividades semelhantes em outra ocasião, não sentiu necessidade da experiência, ou, dito de outra forma, já antevia o que iria acontecer, conforme seu comentário: “Ah, não precisa, confio no cálculo”. Entretanto, apesar da atividade motivar os alunos, variáveis externas ao planejamento didático comprometeram sua execução. Tive perda na qualidade do trabalho, quando este sofreu influência do ambiente escolar, a turma numerosa e agitada se dispersava sempre que foi necessário o atendimento individual para alguns alunos, procedimento essencial em atividades envolvendo experimentação, quando não se pretende apenas a transmissão de informações e sim a elaboração de conceitos. A primeira parte da aplicação sequência, transcorreu bem, apesar de a turma ser indisciplinada. Nesse momento, houve a necessidade de interrompê-la e retomar os 915 conceitos de monômios e polinômios, coeficiente, parte literal, bem como sua aplicação em situações problemas Ao reiniciar a atividade proposta, com o cálculo do quadrado da soma de dois termos, percebi que os alunos já haviam compreendido o conceito de área e eram capazes de decompor a figura em outras menores, calcular a área de cada uma delas e somá-las para compor a figura toda. A partir da compreensão da composição, fui aumentando a área (x + 3)2, (x + 4)2, (x + 5)2, e, assim, sucessivamente, e, mediante a identificação das regularidades, os alunos estabeleceram “regra” e chegaram à generalização. Para trabalhar o quadrado da diferença de dois termos, só o papel quadriculado não foi o suficiente, foi preciso confeccionar o material em E.V.A. para a visualização, acompanhamento e compreensão dos alunos Da mesma forma que na situação anterior, apresentei diferentes situações: (x - 3)2, (x - 4)2, (x - 5)2, até que os alunos fossem capazes de identificar a regularidade chegando à “regra” em si, porém escrita por eles. Continuamos com a aplicação da sequência de atividades, trabalhando os conteúdos que envolvem produtos de expressões algébricas, fatorações e suas aplicações em situações problemas. Considerações Finais Ao compararmos os métodos tradicionais para o trabalho com expressões algébricas e o que utiliza material manipulável, concluímos que a sequência de atividades proposta, em que essas expressões são apresentadas associadas às áreas de figuras geométricas, contribuiu no sentido de proporcionar significado aos símbolos utilizados, favorecendo a elaboração do pensamento algébrico. Quanto ao trabalho pedagógico realizado, é necessário destacar as dificuldades encontradas. No início das atividades o interesse foi grande, pela novidade do material, cuja utilização se mostrou viável, produtiva e com resultados positivos, mas alguns fatores interferiram na qualidade do trabalho, como o número de alunos existente nas salas de aula, tornando quase impossível atender às dúvidas individuais, o que acaba causando a dispersão de alguns grupos, prejudicando, assim, o andamento do trabalho. Outros empecilhos que refletem no desempenho do aluno também são frequentes como as suas 916 ausências, a falta de material, agravados pelo descompromisso da família com a escola para minimizá-los. É fantástica a possibilidade de investigação durante os processos de ensino e aprendizagem em sala de aula. As leituras realizadas durante a pesquisa contribuíram imensamente com a prática pedagógica e também para as interferências que se fizeram necessárias. Cheguei à conclusão que temos muito a aprender, porém nos sentimos tão impotentes diante dos problemas que temos que transpor, que, desanimamos. Com a utilização da sequência didática, constatei grande interesse e uma significativa participação dos alunos. Os trabalhos foram realizados ora individualmente, ora em pequenos grupos, e sempre concluídos com as discussões gerais. O desenvolvimento da pesquisa mostrou que explorar materiais manipuláveis, identificando o seu potencial de utilização no ensino da Matemática, é um trabalho fascinante e compensador. Levar esse trabalho para a sala de aula motiva os alunos, incentiva a autonomia, contribui com o raciocínio lógico, aumenta o interesse e a participação, o que induz a uma melhor compreensão dos conteúdos. Contudo, incorporar a utilização de materiais manipuláveis às salas de Matemática vai muito além de proporcionarmos novos instrumentos aos alunos. A aprendizagem deve desenvolver-se em um ambiente apropriado e em situações que favoreçam a construção sólida dos conhecimentos, transformando a maneira como se faz e como se percebe a Matemática. Referências BAUMGART, J. K. Tópicos de História da Matemática para uso em sala de aula. Álgebra. Trad. Hyigino H. Domingues. São Paulo. Atual. 1992. BOYER, Carl B. História da Matemática. Trad. Elza Gomide. São Paulo: Edgard Blucher, 1974. 488p. CANON, Larry et al. Baldosas Algebraicas. Biblioteca nacional de manipuladores virtuales.1999-2007. Disponível em http://nlvm.usu.edu/es/nav/frames_asid_189_g_1_t_2.html?open=activities. Acessado em 01/10/2007. DANTE, L. R. Tudo é matemática. Ed. Ática. São Paulo. 2004. 917 FALCÃO, J. T. da R. Alfabetização algébrica nas séries iniciais: Como começar? Cultura Popular e Educação. Salto para o futuro. TV Escola. 2003. Disponível em http://www.redebrasil.tv.br/salto/boletins2003/eda/teimp.htm. Acessado em 8/10/2007. FIORENTINI, D. e LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas, SP. Autores Associados. 2006. FIORENTINI, D. e MIORIM, M. Â. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no ensino da matemática. São Paulo. Boletim da SBEM. N. 7. 1990. MARTINS, A. Sobre a álgebra geométrica. O regresso à história. Disponível em http//www.prof2000.pt/users/Adam/hm/hmic.pdf. Acessado em 01/10/2007. MIGUEL, A. e MIORIM, M. Â. História na Educação Matemática: Propostas e Desafios. Belo Horizonte. Autêntica, 2004. NOGUEIRA, Clélia Maria Ignatius e ANDRADE, Doherty. Educação Matemática e as operações fundamentais. (Formação de professores, EAD nº 21). Maringá: EDUEM, 2005. OLIVEIRA, Ana Tereza de C. C. de. Reflexões sobre a aprendizagem da álgebra. Educação Matemática em revista. N. 12. Ano 9. 2002. p 35. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Diretrizes Curriculares de Matemática para a Educação Básica. Curitiba: SEED, 2006. RABONI, E. A. R. S. Saberes profissionais do professor de matemática: Focalizando o professor e a álgebra no ensino fundamental. Dissertação. Presidente Prudente. 2004. Disponível em http://200.189.113.123/diaadia/diadia/modules/mydownloads_01/viewcat.php?cid=4&orde rby=titleD&PHPSESSID=ec5fad39e90e5f1ae3ac03f00cd48d00. Acessado em 25/09/2007. 918