Fotos: Lutz Communication e divulgação
ALTA GERêNCIA
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HSM Management 101 • novembro-Dezembro 2013 hsmmanagement.com.br
Líderes
para todos os gostos
Bob Lutz diz:
“Não há líderes onipotentes,
capazes de dirigir uma grande
organização em toda e qualquer
circunstância”. Conhecido por
sua trajetória única na indústria
automobilística mundial, ele fala,
nesta entrevista, sobre liderança
e líderes com a mesma sinceridade e
senso crítico presentes em seu livro
–e sem abrir mão de seu charuto
politicamente incorreto
A entrevista é de Matthew Budman, da Rotman Magazine.
Bob Lutz passou quase meio século trabalhando
para e com os homens que comandam a maior parte
da indústria automobilística mundial. Teve a oportunidade de acompanhar de perto que estratégias funcionam e que tipos de liderança são eficientes e de
diferenciar as fraquezas dos presidentes-executivos
que são apenas irritantes ou fatais para o negócio.
Para ele, liderança não é algo teórico. É personificada por pessoas de carne e osso, com a responsabilidade de fazer com que as coisas aconteçam e de inspirar os outros. No livro Icons and Idiots: Straight Talk
on Leadership (ed. Portfolio), Lutz apresenta o perfil
de 11 homens [veja quadro na página 78] que tiveram
influência sobre ele e sua carreira, de um professor
do ensino médio e um sargento da Marinha aos ex-presidentes da BMW, da Ford, da Chrysler e da GM.
Ele não pega leve nem com os que ainda estão vivos
nem com aqueles que já partiram. Lutz raramente
foge da raia, e isso torna seus relatos e observações
especialmente cortantes.
O estilo é importante para Lutz; ele busca escrever livros de negócios que tenham também a capacidade de entreter. “Quero instruir ao mesmo tempo
que divirto, ou divertir ao mesmo tempo que instruo. Se um livro não é divertido de ler, por que alguém vai se importar com ele?”
Nesta entrevista, Lutz fala abertamente sobre 11
líderes que conheceu e com que conviveu, buscando não a vingança, como reforça, mas destacando
os aspectos positivos e negativos que geralmente
compõem o perfil de uma liderança de sucesso.
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Líderes
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{
para todos os gostos
“Os líderes charmosos dão-se bem com
todos e não pressionam ninguém; são
ótimos para comandar universidades”
O sr. trabalhou com diferentes tipos
de líderes e, em seu livro, indica pontos fortes e fracos de cada um deles. É
possível generalizar e dizer que tipo
é eficiente em que situação?
Não há líderes onipotentes, capazes
de dirigir uma grande organização
em toda e qualquer circunstância. Eu
sei que seria um bom líder em, talvez,
75% ou 80% das situações pelas quais
uma empresa passa. Mas, por exemplo, se ela estiver em concordata e
precisar fazer uma reestruturação
radical e rápida, livrando-se de dívidas, negociando com credores e até
suspendendo pagamentos, eu não
serei a pessoa certa. Nesse caso, a
empresa precisa de um especialista,
como um médico que atende emergências e é capaz de dizer: “Para o
paciente sobreviver, vamos ter de
cortar as duas pernas e um braço”.
Sou melhor na construção do negócio e na criação de produtos.
Um tipo de líder definido é o fortemente voltado para os aspectos financeiros, o analista brilhante de
balanços. Esse tipo é o melhor para
lidar com bancos, companhias de
seguros, empresas de serviços financeiros e assim por diante.
Há também os líderes charmosos, que respeitam as pessoas, dão-se bem com todos e não pressionam
ninguém; são ótimos para comandar
universidades, por exemplo.
Aqueles voltados para o mercado,
extremamente agressivos, sempre
dispostos a aceitar riscos, mostram-se
ideais para liderar empresas que buscam o crescimento rápido. Mas precisam ter por trás os controles de uma
organização financeiramente forte.
Falando em eficiência, eu diria que
liderar uma empresa do setor indus74
trial requer uma combinação mínima de alguns traços: a pessoa deve
ser agressiva, inteligente e, de alguma
forma, capaz de lidar com números.
No livro Car Guys vs. Bean Counters (ed. Portfolio), escrevi que uma
empresa de produtos de consumo
não pode ser gerida de maneira eficaz sem o pessoal do financeiro. É
preciso que tenha profissionais criativos, apaixonados pelos produtos,
mas também gente de finanças, que
vem atrás, mantendo os demais nos
trilhos, funcionando como um freio.
Um dos temas recorrentes na gestão
atual é a necessidade, crescente, de
os CEOs terem diferentes habilidades
para lidar com organizações cada vez
mais diversificadas... Isso existe?
Sim, e é por isso que hoje nenhum
bom presidente pode adotar um estilo excessivamente ditatorial. Essa
foi a beleza do relacionamento que
tive com Rick Wagoner na GM. Sem
sombra de dúvida, ele foi o melhor,
o mais equilibrado, o mais “fácil”
dos presidentes com que trabalhei.
Nunca teve uma daquelas “doenças
de presidente”: nunca se importou
se o avião dele decolava antes ou depois dos outros; não ficava bolando
esquemas para ganhar mais, ou ter
mais ações da empresa, ou receber
mais benefícios. Ele só dizia: “Nós
servimos os acionistas e estamos sendo bem pagos para
isso. O conselho de administração vai decidir quando
for o momento para mais”.
Ele seria algo próximo do
ideal?
Não, algo faltava a ele
quando as coisas ficavam
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realmente complicadas: ele tinha dificuldade em tomar decisões dolorosas.
Era um executivo que sempre buscava o consenso. Sabia o que queria e
articulava na direção do que queria,
mas, quando as resistências, previsíveis, apareciam, era excessivamente
respeitoso com a opinião das outras
pessoas. Nesse momento, dizia: “Bem,
eu ainda gostaria de fazer isso, mas,
se todos vocês acham que não é o momento certo ou que não é o que devemos fazer, talvez não devamos fazer
mesmo”. E, então, nada acontecia.
É incomum um presidente de empresa ser criticado por ser “excessivamente respeitoso” com as pessoas...
Veja bem, se você está no comando de
algo e surge uma situação de emergência, aí é quando o piloto do avião
ou o capitão do navio dizem: “Saiam
do caminho; é isso que vamos fazer”.
Há pessoas alçadas a posições de liderança que são realmente muito ruins,
ineficazes em qualquer situação?
Sim, vi muita gente assim na Ford.
Eram pessoas com ótima formação,
vestiam-se bem, falavam bem, com-
Líderes
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aiba mais
Ssobre
Bob Lutz
Aos 81 anos de idade, Bob Lutz
continua a ser um dos nomes
mais respeitados do cenário dos
negócios nos Estados Unidos.
Especialmente quando se trata
de indústria automobilística,
até hoje, três anos depois
de sua aposentadoria após
uma carreira de 47 anos,
é uma referência.
Lutz nasceu na Suíça e lutou
como piloto de caças pela
Marinha norte-americana na
guerra da Coreia. Estudou na
University of California, em
Berkeley, e ocupou cargos de
direção na GM, na BMW, na
Ford e na Chrysler. Ele escreve
regularmente em seu blog no
site da revista Forbes e, como se
define, “é um sujeito do mundo
dos carros”.
para todos os gostos
portavam-se excepcionalmente bem
nas reuniões. Muito bem preparadas,
tinham resposta para tudo. Eram promovidas tão rapidamente que era difícil avaliá-las em qualquer posição;
passavam 18 meses em um cargo e já
ganhavam a próxima promoção. Aí
acabavam chegando a algum cargo em
que eu tinha de trabalhar para elas ou
com elas e eu me perguntava: “Como
essa pessoa chegou até aqui?”. A resposta era: boa aparência, bom discurso... parece brilhante...
Uma curiosidade: há relação entre o
que líderes são na vida pessoal e o estilo que adotam na empresa?
Nos casos de Phil Caldwell, da Ford, e
Ralph Mason, da Opel, com toda a certeza. Nos casos de Red Poling, também
da Ford, e Eberhard von Kuenheim, da
BMW, eu também diria que sim.
Von Kuenheim é uma pessoa muito
inteligente, mas passou parte de sua juventude deslocado, na área de controle
soviético da antiga Alemanha dividida
do pós-Guerra. Essa realidade intensificou nele o senso de sobrevivência e
o tornou uma pessoa profundamente
desconfiada em relação ao que os outros
falam ou fazem. Isso fez dele também alguém obcecado por controle e, portanto, com quem era difícil trabalhar. Mas
ele foi um presidente brilhante. Ocupou
o cargo na BMW por mais de 20 anos, o
período mais longo de um CEO na história da indústria automobilística, e levou
a produção da empresa de cerca de 200
mil unidades por ano para 2 milhões.
O sr. escreveu que a maioria dos líderes é mental e emocionalmente fora da
curva... Exatamente por serem impacientes, teimosos, cheios de opinião,
insatisfeitos e autoritários é que eles
seriam bem-sucedidos. As pessoas na
organização entendem isso? Às vezes,
imagino que aqueles de fora da empresa vejam apenas o sucesso e os de dentro enxerguem somente a personalidade desagradável...
Você está certo. Na Ford, nós nos deliciávamos com as histórias de Phil Cald­
well; eu nem contei todas no livro. Nós
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dizíamos: “Jesus, que loucura! Se as
pessoas soubessem como esse sujeito
se comporta aqui dentro!”. E o mundo
externo o via como um líder equilibrado, controlado, atencioso, introspectivo e inteligente. Ele era brilhante comandando uma reunião de acionistas
e, em muitos sentidos, foi um presidente de enorme sucesso.
Steve Jobs, claro, é o melhor exemplo de líder com personalidade fora da
curva. Qualquer um que o tenha conhecido diz que era extremamente difícil lidar com ele; era inconstante, não
ouvia ninguém, soltava patadas para
todos os lados. Era uma pessoa absolutamente impossível.
No entanto, embora a maioria dos líderes “top” se mostre meio esquisita, os
membros dos conselhos de administração ainda tendem a ser cautelosos e
preferir líderes mais convencionais...
Acham-nos esquisitos porque tendemos a nos concentrar demais nos traços de comportamento, não o suficiente
nos resultados.
Veja meu caso. Se as pessoas na
Chrysler olhassem os resultados, diriam: “Por que não fazemos desse sujeito o líder da empresa? Ele reduziu
os custos e aumentou o faturamento.
Os produtos são brilhantes. O que mais
podemos querer?”. Em vez disso, disseram: “Tudo bem, mas acontece que esse
sujeito está um pouco fora dos padrões”.
Os conselhos de administração tendem a selecionar CEOs que minimizarão os riscos para a empresa, sejam
riscos de constrangimento, de mau
comportamento, de falta de capacidade com os números. Por exemplo, Lee
Iacocca nunca seria presidente-executivo da Ford. Henry Ford II certa vez
sentou-se com ele e disse: “Veja, Lee,
eu simplesmente não gosto de você e
não o vejo liderando a empresa”.
Se Iacocca não tivesse deixado a Ford,
nunca teria chegado à presidência de
uma organização. Ele alcançou o topo
na Chrysler porque a empresa estava em
uma situação parecida com a da Apple
quando chamou Steve Jobs de volta.
Eles precisavam de alguém agressivo,
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que poderia fazer as coisas acontecerem, não importava sua personalidade. E, em uma situação mais estável, o
conselho de administração da Chrysler teria escolhido outra pessoa.
A maioria das pessoas enxerga a liderança, para usar uma frase sua,
de maneira “subjetiva, qualitativa e emocional”? A liderança pode
ser quantificada objetivamente? Na
parte final de seu livro, o sr. avalia
Iacocca e outros dez líderes por meio
de uma fórmula complexa.
Qualquer ranking será subjetivo, e
os pesos conferidos aos vários parâmetros são especialmente subjetivos. Um executivo mais cauteloso ou
orientado para os resultados financeiros usaria uma escala de valores
totalmente diferente, com muito mais
parâmetros financeiros, por exemplo. Alguém proveniente da área de
recursos humanos daria muito mais
ênfase a temas como diversidade e
quantas mulheres foram promovidas
a cargos de chefia durante sua gestão.
O sr. ouviu objeções específicas a seu
ranking?
Uma pessoa ficou chateada porque
todos os nomes da lista são homens.
O que eu posso fazer? Nunca trabalhei para uma mulher.
Os CEOs dos quais o livro trata reclamaram?
Por enquanto, não. Mas, como grande parte dessas histórias aconteceu há
muito tempo, algumas das pessoas já
faleceram. Os advogados da editora
levantaram todo tipo de questão. Queriam saber se eu podia provar o que
havia escrito, se eu tinha anotações, se
existiam testemunhas. E ficaram realmente preocupados, pois minhas respostas foram não, não e não. Então eles
quiseram saber quem já tinha morrido. Dei a lista e eles respiraram aliviados. Não é bom ficar feliz por alguém
estar morto, mas nesse caso ficamos.
Eberhard von Kuenheim, porém,
está vivo, com 84 anos de idade e, até
onde sei, com ótima saúde. Ele vai
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Os 11 homens de Lutz
1. Georges-André Chevallaz. O professor de ensino médio que moldou o
estilo de liderança de Lutz, com humor e alto nível de exigência, tornou-se presidente da Suíça.
2. Donald Giusto. Superior de Lutz no corpo de marines dos EUA, era sádico, mas transformava civis em fuzileiros navais em 12 semanas.
3. Robert Wachtler. O executivo de operações internacionais da GM era
racista, sexista, homofóbico, porém tinha senso de humor.
4. Ralph Mason. O chairman da Adam Opel (GM) era alcoólatra; frequentemente voltava para casa inconsciente.
5. Eberhard von Kuenheim. O CEO da BMW geria a empresa com base em
segredos, medo e manobras escusas.
6. Philip Caldwell. O CEO da Ford mantinha um scrapbook com capa de
couro com fotos de celebridades e líderes que havia conhecido e “colecionava” itens de hotéis e aviões.
7. Harold “Red” Poling. O CEO da Ford era o rei dos“ contadores de feijões”,
expressão consagrada por Lutz em um livro anterior. Não queria saber
de nada que não pudesse ser quantificado. Lutz era seu rival declarado.
8. Lee Iacocca. O lendário CEO da Chrysler parecia ser brilhante e valente,
mas, nos bastidores, mostrava-se vulnerável e inseguro com frequência.
9. Robert “Bob” Eaton. O CEO da Chrysler sucedeu Iacocca (que preferia
ter Lutz como sucessor), para, em 1998, vender a empresa à Daimler-Benz. Esta a passou adiante em 2007.
10. Arthur Hawkins. O CEO da Exide, fabricante de baterias automotivas,
foi condenado a dez anos de prisão, em 2002, pela venda fraudulenta
de baterias com defeito a uma divisão da Sears. Foi libertado em 2005.
11. Richard “Rick” Wagoner. Era o CEO perfeito para a GM em tempos de
paz, mas sua inteligência superior não conseguiu evitar o declínio da
empresa e necessidade de socorro governamental.
ler o livro e acho que algumas partes
vão deixá-lo irritado. Ele e eu conversamos há algum tempo, quando
eu já não trabalhava mais na BMW.
Nós nos encontramos para jantar,
acho que em Londres, e ele me disse:
“É mesmo uma pena que não tenhamos nos dado melhor quando eu
era presidente e você meu vice-presidente de marketing e vendas. Acho
que foi por conta de falta de maturidade de ambos os lados”.
Ele estava no começo de seus 40
anos quando entrou na BMW, e eu
não tinha muito mais do que isso. Na
posição que ocupávamos, nós dois
provavelmente precisávamos de um
pouco mais de temperança; sei que
eu precisava.
O sr. escreve: “Os leitores que trabalharam para mim talvez queiram
fazer uma avaliação do autor”. O sr.
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conseguiu resistir à tentação de fazer
uma autoavaliação?
Pensei em fazer isso, mas concluí
que, se eu fizesse um trabalho franco, as pessoas diriam: “Esse sujeito tem uma opinião extremamente
boa de si mesmo”. Eu me sairia bastante bem em meu ranking, na verdade, mas com certeza tenho minhas idiossincrasias também.
Então, o sr. fez uma avaliação, só não
publicou...
Fiz mentalmente. Mas tenho certeza
de que algumas das pessoas que trabalharam para mim na Ford, na Chrysler, na GM, na Exide e na BMW vão
me mandar uma avaliação, e isso será
uma leitura muito interessante. Nunca
se é velho demais para aprender.
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