ESTUDO DA INFLUÊNCIA DO TIPO DE ÁCIDO ORGÂNICO DOPANTE NAS PROPRIEDADES ELÉTRICAS DA POLIANILINA Lorena Melo Linhares1, Olacir Alves Araújo2 1 2 Bolsista PBIC/UEG, graduada Química Industrial, UnUCET- UEG. Orientador, docente do Curso de Química Industrial, UnUCET- UEG. RESUMO A polianilina é um polímero conjugado que apresenta interessantes propriedades elétricas. Com a injeção de cargas na conjugação a polianilina torna-se um polímero condutor, processo este que é sempre citado como dopagem. Assim, foi feito um estudo da síntese da polianilina usando ácidos mono e dicarboxílicos de cadeia carbônica homóloga como dopantes, ácido capróico e adípico respectivamente, e o ácido tartárico, para verificar a influência do tipo de ácido na condutividade elétrica. Os resultados mostraram que não houve influência da característica do ácido na condutividade elétrica. Entretanto, os maiores valores de condutividade elétrica foram observados quando a concentração na anilina estava no nível superior. Os resultados de espectroscopia na região do infravermelho sugerem que as os dois grupamentos carboxila dos ácidos dicarboxílicos estão interagindo com sítios imínicos de macromoléculas diferentes. Por outro lado, os resultados de difração de raios-X mostram o surgimento de novos picos de difração nas amostras de PAni dopada com ácidos dicarboxílicos (adípico e tartárico), sugerindo a formação de novos planos de difração, que são compatíveis com estruturas em que as moléculas de ácido atuam como pontes entre duas moléculas do polímero. Palavras chaves: polianilina, polímero condutor, ácidos orgânicos Introdução Segundo HEEGER (2001) durante muito tempo os polímeros foram considerados desinteressantes do ponto de vista de materiais eletrônicos, até a descoberta de que alguns polímeros podiam conduzir corrente elétrica. Estes polímeros tornam-se condutores através da injeção de cargas na conjugação, processo este que é sempre citado como dopagem, em analogia com a dopagem dos semicondutores inorgânicos, que pode ocorrer por reações do tipo redox ou por reações ácido-base. A polianilina (PAni) é um dos polímeros condutores mais estudado devido a possibilidade de incremento de suas características físico-químicas através do controle da estrutura da cadeia e da conformação molecular dos dopantes (CHEN et al, 2007; VASIL’EVA et al, 2007; DING et al, 2008). 1 Vários estudos sobre a polianilina sugerem que o polímero existe como copolímeros formados por unidades da forma reduzida (amina) e oxidada (imina), existindo em três estados de oxidação bem definidos: leucoesmeraldina, esmeraldina e pernigranilina. Os estados oxidados e reduzidos da PAni, e seus derivados, são representados na Figura 1, onde o índice y representa as unidades reduzidas, e o índice (1-y) as unidades oxidadas. Obtém-se a base esmeraldina quando (1-y) = 0,5, sendo esta a mais estável e quando submetida à protonação exibe alta condutividade elétrica, ficando conhecida como sal esmeraldina (GOSPODINOVA e TERLEMEZYAN, 1998; ALBUQUERQUE et al., 2000). Neste trabalho foi feito um estudo da síntese da polianilina usando ácidos mono e dicarboxílicos de cadeia carbônica homóloga como dopantes, ácido capróico e adípico respectivamente, e o ácido tartárico, para verificar a influência do tipo de ácido na condutividade elétrica. H R H N N A N H Figura 1. Representação genérica dos estados oxidados e reduzidos da PAni e seus derivados. Os estados são definidos pelos valores de y. A representa o contraíon (ânion) que mantém a neutralidade elétrica na forma dopada. R A N R y H R (1-y) x Material e Métodos Foram realizadas sínteses via oxidação química, para obtenção da polianilina dopada com ácido tartárico PAni(AT), ácido adípico PAni(AD) e ácido capróico PAni(AC). Nas sínteses da PAni(AT) manteve-se fixos os parâmetros número de mol de anilina (nan= 2 mL; 0,022035 mol) e número de mol de agente oxidante (n ox), persulfato de amônio, variando o número de mol do ácido orgânico dopante, ácido tartárico (nat). Foram usadas as razões nat/ nan = 0,5; 1,0; 1,5; 3,0 e 4,5, e a razão nox/nan = 1,25. Os ensaios foram realizados em triplicata. As sínteses da polianilina dopada com ácido adípico, PAni(AD), e ácido capróico, PAni(AC), foram otimizadas de acordo com um planejamento fatorial 23, através da combinação dos seguintes fatores e respectivos níveis: - O parâmetro K, que dá a razão anilina/oxidante, nos níveis K = 0,5 e 1,0; n .2,5 K = an nox .ne - Onde: nan = número de mol de anilina; n ox = número de mol do agente oxidante; ne = número de elétrons do oxidante envolvidos na reação (PRON et al, 2002). A concentração inicial (C) da anilina nos níveis C = 0,0735 e 0,294 mol.L-1 e a razão molar, R, ácido orgânico (AO)/anilina nos níveis 0,5 e 1,0. O procedimento de síntese para a polianilina dopada foi realizado de acordo com o trabalho de ARAÚJO e De PAOLI (2009). As amostras foram caracterizadas por medida de 2 condutividade elétrica pelo método de quatro pontas, espectroscopia na região do infravermelho (FTIR Bomem Hartmann e Braun – Michelson MB-Series ) e difração de raios-x (Difratômetro Shimadzu XRD6000, 40 kV, 30 mA e fonte de CuKα 1,5405 Å, a 2,00°min-1, 2θ = 5° a 2θ = 50°). Resultados e Discussão Nos ensaios de PAni(AT) foram estudadas a influência da variação da concentração do ácido tartárico sobre rendimento nominal e condutividade elétrica da polianilina, mantendo-se a razão nox/nan= 1,25, correspondente à razão estequiométrica (ASSIS, 2007). Os resultados obtidos são mostrados na Tabela 1. Observou-se que os valores dos rendimentos nominais (PAni 50% dopada) são próximos, e por apresentarem desviospadrão altos, não é possível afirmar se são estatisticamente diferentes. Portanto, conclui-se que o teor inicial de ácido, no intervalo estudado, não exerce influência sobre o rendimento. Em relação à condutividade elétrica observa-se que não há uma tendência de resultados em função da razão nat/nan. Assim, conclui-se que o teor de ácido tartárico também não influencia o valor da condutividade elétrica da polianilina. Tabela 1. Rendimento nominal e condutividade elétrica da PAni(AT) Condutividade elétrica / S.cm-1 Síntese 1 Síntese 2 Síntese 3 1,18 E-1 ± 4,2E-3 3,04 E-2 ± 4,84E-4 1,35 E+1 ± 1,09 nat/nan 0,5 Rendimento nominal/(%) 35,7±3,05 1 32,2±0,91 1,31 E-2 ± 3,06E-5 2,88 E-2 ± 1,39E-3 1,42 E+1 ± 0,42 1,5 33,9±4,04 1,39 E-2 ± 1,96E-2 2,81E0 ± 0,27 9,90 E0 ± 0,95 3 33,3±4,42 3,73 E-2 ± 4,13E-3 4,35 E+1 ± 1,18 1,83 E-1 ± 0 4,5 31,7±2,17 4,29 E-2 ± 1,68E-2 3,90 E-1 ± 5,51E-2 5,16 E+1 ± 4,15 Os resultados de rendimento nominal e condutividade elétrica dos ensaios de PAni(AD) e PAni(AC) estão mostrados na Tabela 2. Observou-se que os principais fatores que influenciaram no rendimento nominal foram a concentração inicial da anilina e razão ácido/anilina nos níveis superiores, C(+) e R(+), e nível inferior de K(-), como pode ser observado nos ensaios 6 e 5. Uma maior concentração de anilina, em contato com maior massa de agente oxidante, favorece o aumento no número de sítios de polimerização e também o tamanho das moléculas poliméricas, conduzindo a um melhor rendimento. Os maiores valores de condutividade elétrica foram observados no nível superior de anilina, C(+). Ou seja, com o aumento do tamanho da molécula polimérica, aumenta-se o número de átomos na conjugação, diminuindo o gap e, conseqüentemente, o material torna-se mais condutor. O valor de rendimento nominal superior a 100% (ensaio 6, PAni(AC)) é explicado 3 admitindo-se que existe excesso de ácido livre permeando as regiões intermoleculares da polianilina. A partir dos ensaios, observa-se que os valores de condutividade elétrica são próximos e apresentam desvio-padrão alto não definindo estatisticamente se algum ácido causa variação na condutividade elétrica. Tabela 2. Rendimento nominal e condutividade da PAni(AD) e PAni(AC) com diferentes razões de C, R e K. PAni(AD) Ensaio 1 2 3 4 5 6 7 8 C (-) (-) (-) (-) (+) (+) (+) (+) R (-) (+) (-) (+) (-) (+) (-) (+) K (-) (-) (+) (+) (-) (-) (+) (+) Rendimento nominal/% 64 ± 4,24 72 44 ± 9,19 31 78 96 ± 18,38 53 ± 19,09 76 PAni(AC) Condutividade/S.cm-¹ Rendimento nominal/% 87 80 45 48±2,12 93±5,66 105 53±1,41 68 - Condutividade/S.cm ¹ 1,39E-2 ± 2,40E-3 5,87E-2 ± 0,99 E-3 8,52E-3 1,52E-2 5,33E-1 ± 2,89E-2 1,63E+0 ± 3,54E-2 2,18E-1 ± 1,48E-2 6,15E-1 ± 2,05E-2 8,385E-02 ± 4,31E-03 ---1,40E-02 1,70E-02 ± 6,51E-03 1,135E+00 ± 3,54E-2 1,09E+00 ± 9,89E-02 8,475E-01 ± 2,62E-02 7,89E-01 ± 1,69E-02 Os espectros de absorção na região do infravermelho da PAni(AT) e PAni(AD) são mostrados na Figura 2. Segundo Silverstein (1994) as absorções em 3464 a 3408 cm-1 são atribuídas à freqüência de deformação de ligação N-H da polianilina, as vibrações de deformação axial C=O de ácidos carboxílicos não ionizados são caracterizadas por absorção forte em 1760 cm-1. Duas absorções, uma forte em torno de 1560 a 1610 cm-1 e outra fraca em 1400 cm-1, são atribuídas à presença de carboxilatos. Através dos dados fornecidos pelos espectros, pode-se inferir que o ácido tartárico e o ácido adípico encontram-se presentes na estrutura do material polimérico (caracterizando assim a dopagem) e que os seus dois grupamentos ácidos encontram-se ionizados devido à ausência de absorção forte em 1.760 cm-1, característica de vibrações de deformação axial C=O de ácidos carboxílicos não ionizados. 2,0 80 1,8 PANI(AD) - Ensaio 5 70 20 801 1245 1560 1402 1475 1298 2926 1,0 3500 3000 2500 2000 Número de Onda / cm 1500 -1 1000 500 0,6 4000 1109 0,8 3471 3419 10 4000 1,2 3464 30 1,4 3408 Transmitância / % 1400 1140 40 1306 50 1560 1483 Transmitância / % 1,6 60 3500 3000 2500 2000 Número de onda / cm 1500 1000 500 -1 Figura 2. Espectro de absorção no infravermelho da PAni dopada com ácido tartárico (esquerda). Espectro de absorção no infravermelho da PAni(AD) (direita). 4 Os difratogramas de raios-X das amostras de PAni(AT), PAni(AD) e PAni(AC) são mostrados na Figura 3. Todas as amostras apresentam picos de absorção centrados em 2θ = 20 e 25° (espaçamento interplanar de 4,43 e 3,56Å). Estes picos são geralmente observados na polianilina dopada. O pico em 2θ = 20º é atribuído à periodicidade paralela à cadeia polimérica, e o pico em 2θ = 25º é causado pela periodicidade perpendicular à cadeia polimérica. Observa-se uma diferença no padrão de difração da polianilina dopada com ácido monocarboxílico (PAni(AC)) e daquelas dopadas com ácidos dicarboxílicos (PAni(AT) e PAni(AD)). Os picos da PAni(AC) (gráficos A e B) mostram uma separação nítida dos picos em 2θ =20 e 25°, enquanto que nas amostras de PAni(AT) e PAni(AD) (gráficos C, E, F e G) a separação é menos nítida, havendo indícios de um novo pico intermediário em 2 θ = 23º . O gráfico C apresenta um pico em 2 θ = 6,3º (espaçamento interplanar de 1,40 Å) o qual também está presente, com menor intensidade, nos gráficos C e E. Este pico só é observado em polianilinas altamente ordenadas nas quais a distância interplanar aumenta devido à penetração mais eficiente das moléculas dopantes. O pico em 2θ = 6,3° surge a partir da formação de lamelas entre as cadeias de polianilina. Segundo alguns autores estas lamelas são formadas devido à interdigitação e cristalização de cadeias laterais da polianilina com estrutura comb-shaped (formato de pente) (POUGET et al, 1991; ANILKUMAR e JAYAKANNAN, 2006; WU et al, 2008). Esta estrutura é coerente com a formação de pontes de moléculas do ácido di-carboxílico entre dois sítios imínicos de moléculas poliméricas diferentes. 450 25,3 450 400 350 20,6 350 300 250 CPS CPS 200 200 200 150 150 150 100 6,3 100 100 50 50 PAni(AC)-Ensaio 1B PAni(AC)-Ensaio 5B PAni(AD)-Ensaio 1A 50 0 0 10 10 20 30 40 50 10 2θ/graus 400 30 40 20 50 30 40 50 2θ/graus 2θ/graus 20,6 25,3 450 22,8 300 23 250 20 450 25,6 350 400 400 350 350 300 300 250 150 200 150 100 CPS CPS 200 CPS 25 350 20,4 250 250 20,4 400 300 300 CPS 25,4 400 6,3 250 200 6,3 150 100 100 50 50 0 10 20 30 40 50 2θ/graus PAni(AT)-Ensaio 1A PAni(AD)-Ensaio 1 50 PAni(AD)-Ensaio 5A 0 10 20 30 2Θ/graus 40 50 10 20 30 40 50 2θ/graus 25,5 400 350 20,6 300 CPS 250 200 150 100 5 PAni(AT) 50 0 10 20 30 2θ/graus 40 50 Figura 3. Difratograma de raiosX da PAni dopada com os ácidos tartárico (AT), adípico (AD) e capróico (AC). Conclusão Os resultados mostraram que não houve influência da característica do ácido na condutividade elétrica. Entretanto, os maiores valores de condutividade elétrica foram observados quando a concentração na anilina estava no nível superior. Os resultados de espectroscopia na região do infravermelho sugerem que as os dois grupamentos carboxila dos ácidos dicarboxílicos estão interagindo com sítios imínicos de macromoléculas diferentes. Por outro lado, os resultados de difração de raios-X mostram o surgimento de novos picos de difração nas amostras de PAni dopada com ácidos dicarboxílicos (adípico e tartárico), sugerindo a formação de novos planos de difração, que são compatíveis com estruturas em que as moléculas de ácido atuam como pontes entre duas moléculas do polímero. Referências Bibliográficas ANILKUMAR, P.; JAYAKANNAN, M.; New renewable amphiphilic molecular design for size-controlled and highly ordered polyaniline nanofibers. Langmuir, vol. 22, p. 59525957, 2006. ARAÚJO, O. A.; De PAOLI, M-A.; Pilot plant scale preparation of dodeculbenzene sulfonic acid doped polyaniline in ethanol/water solution: control of doping, reduction of purification time and of residues. Synthetic Metals 159, pag. 1968-1974, 2009. ASSIS, R. H. B., Estudo da Síntese da Polianilina em Solução de Ácido Tartárico. Trabalho de conclusão de curso, Universidade Estadual de Goiás. 2007. CHEN S., SUN D. E CHUNG J. S. Anaerobic treatment of higly concentrated anilne wastewater using packed-bed biofilm reactor. Process Biochemistry 42 pag.1666-1670, 2007. DING,X.;HAN,D,;WANG,Z.;XU,X.;NIU,L.;ZHANG,Q. Micelle-assisted synthesis of polyaniline/magnetite nonorods by in situ self-assembly process. Jourrnal of Colloid and interface Science, 320, pag. 341-345, 2008. GOSPODINOVA,N.;TERLEMEZYAN,L. Conducting Polimer Prepared By oxidadtive Polimerization: Polyaniline. Prog. Polim. Scl. Vol.23 1443-1484, 1998. HEEGER, A. J. Semiconducting and metallic polymers: the fourth generation of polymeric materials. The Journal of Physical Chemistry B, vol. 105, p. 8475-8491, 2001. POUGET, J. P.; JOZEFOWICZ, M. E.; EPSTEIN, A. J.; TANG, X.; MACDIARMID. A. G. Macromolecules, vol. 24, p. 779-789, 1991. SILVERSTEIN, R. M.; BASSLER, G. C.; MORRIL, T. C.; Identificação Espectrométrica de Compostos Orgânicos,5ª Edição, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1994. 6 VASIL’EVA, I.S.; MOROZOVA, O.V.; SHUMAKOVICH, G.P.; SHLEEV, S.V.; SAKHAROV, I.Y.; YAROPOLOV, A.I. Lacasse-catalysed synthesis of optically active polyaniline. Synthetic Metals 157, pag. 684-689, 2007. 7