X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
MATEMATICANDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PRÁTICA DOCENTE E
A LUDICIDADE NO ENSINO DE MATEMÁTICA
Glória Maria Leitão de Souza Melo
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
[email protected]
Soraya Maria Barros de Almeida Brandão
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
sorayabrandã[email protected]
Maria do Socorro Araújo de Arruda
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB
[email protected]
Resumo: A matemática, enquanto área do conhecimento ou linguagem, explorada em
todos os níveis de ensino parece não se constituir de espaços significativos de
aprendizagem na educação infantil. Investigação/observação do fazer pedagógico, em
uma sala de aula da pré-escola, de uma instituição pública da cidade de Campina
Grande - PB evidencia a ênfase no ensino do “campo numérico” (LORENZATO, 2008)
de forma mecanicista, em detrimento da exploração lúdica de outros campos
matemáticos. Entende-se que através do brincar - atividade identificadora da infância –
se favorece o processo de socialização, desenvolvimento e aprendizagem da criança. É
brincando que ela constrói relações, elabora conceitos, regras, enfim, melhor interage
com seu entorno, com o outro, com o conhecimento. O acesso e a construção de
conhecimentos pela criança ocorrem pela significação por ela atribuída, pelo prazer que
a envolve. O presente trabalho tem por objetivo favorecer a discussão e análise acerca
da prática docente na exploração de noções e conceitos matemáticos na educação
infantil, a partir da consideração ao nível de desenvolvimento da criança, e ao prazer e
significado por ela atribuídos.
Palavras-Chave: Matemática; Educação Infantil; Ação Docente; Atividades Lúdicas.
1. Introdução
Historicamente o ensino de matemática esteve, fundamentalmente, marcado
por práticas mecanicistas voltadas prioritariamente para explorações algorítmicas, o que
contribuiu sobremaneira para o estereótipo da referida disciplina como “bicho papão”, o
que acabou gerando uma grande aversão, sendo esta uma das grandes responsáveis pelo
fracasso escolar.
Hoje, seu caminho tem sido trilhado por novos horizontes com base no
entendimento da matemática para além de expressões numéricas, sobretudo para
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situações em que a criança possa vivenciar experiências lúdicas e significativas que
envolvam compreensão, experimentação e exploração ativa da criança no contexto em
que vive, uma vez que a matemática está presente nas primeiras relações que o sujeito
estabelece com o mundo.
É importante ressaltar que a ludicidade no processo de ensino e aprendizagem
não se constitui em uma proposta nova, uma vez que nas civilizações antigas (Egípcia,
Romana, Maia), o brincar já era uma prática presente nas atividades tanto das crianças
como dos adultos. Segundo Almeida (1987 apud ALVES, 2001), os jogos eram
utilizados para que os mais jovens aprendessem valores, conhecimentos, normas e
padrões de vida. Alves parafraseando Almeida, afirma que para Platão, „o aprender
brincando‟ era mais importante e deveria ser ressaltado no lugar da violência e da
repressão. Afirma ainda que ele considerava que todas as crianças deveriam estudar a
matemática de forma atrativa, sugerindo como uma das ferramentas a forma de jogo.
Alves (2001, p.17) ainda aponta que no Brasil, no século XVI, a Companhia de
Jesus introduziu no Ratio Studiorum1 os jogos como meios de educação, dando origem
aos jogos educativos.
No século XVIII, Rousseau (1999) já defendia uma educação voltada para o uso
de jogos, brinquedos, esportes e músicas, em substituição a uma disciplina rígida e o
uso excessivo da memória, na medida em que criticava a educação livresca. Essas idéias
estão igualmente presentes na proposta pedagógica de estudiosos como Froebel (apud
ARCE, 2002) e Claparède (REVISTA EDUCATIVA, Ano I, nº 9, p.33), que defendiam
como metodologia pedagógica a utilização de jogos e brincadeiras, entendendo que
estas constituem-se em manifestações livres e espontâneas da criança, considerando que
a ação educativa deve fundamentar-se em atividades prazerosas. Claparède é bem
enfático em relação a isso quando diz que toda atividade a ser trabalhada no cotidiano
escolar deve ser apresentada através de jogos, enfocando, com isso, o valor pedagógico
do jogo.
Diante disso, entendemos que a ludicidade no ensino Matemática é de extrema
importância para o desenvolvimento pleno das potencialidades da criança, desde mais
tenra idade, tanto para a vida prática, quanto para o desenvolvimento do raciocínio
1
Ratio Studiorum – Plano de estudos que tinha como base normatizar o ensino nas escolas jesuíticas.
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lógico e da criatividade. No entanto, mesmo com essa evolução no campo conceitual,
pesquisas educacionais têm evidenciado que em muitas instituições de educação infantil
esse ensino ainda é suprimido por atividades pautadas na linguagem escrita, ofuscando,
assim, o desenvolvimento e exploração de outras linguagens, e de outras áreas do
conhecimento. Tomando como base o Referencial Curricular para Educação Infantil
(BRASIL, 1998), entendemos ser fundamental uma proposta de trabalho com a
Matemática pautada na ludicidade, de forma que as crianças desenvolvam e construam
seus conhecimentos com prazer.
Autores como Brougère (1995), Huizinga (2001), Moyles (2006), dentre
outros, defendem que nas brincadeiras as crianças compreendem, descobrem e ampliam
seus saberes, sendo, portanto, fundamental no processo educativo. Em relação a isso,
Piaget (1975) afirma a relação que existe entre o jogo e o desenvolvimento das
capacidades intelectuais, pelos quais as crianças vivenciam um maior número de
relações possíveis com o seu contexto.
Lorenzato (2008) associa o desenvolvimento da percepção matemática pela
criança aos primeiros anos escolares, na interação que ela estabelece com a língua
materna, que ocorre de forma natural e gradual, pautada no interesse e no significado.
Esse desenvolvimento ressalta o autor, deve ocorrer de tal maneira que “a criança só
fale ou escreva aquilo que tiver significado para ela”.
Nessa perspectiva, urge refletir sobre o lugar que ocupa a linguagem
matemática nas práticas pedagógicas de instituições de educação infantil, com vistas na
análise do que vem sendo proposto às crianças e como estas se envolvem nas
experiências ou conteúdos explorados em salas de aula.
As discussões que seguem, bem como análises de experiências em sala de aula
decorrem de um processo investigativo numa turma da pré-escola, em uma instituição
de educação infantil, a partir da observação, documentada através de registros escritos.
Algumas questões foram perseguidas no referido processo: Como se dá o de ensino da
matemática na pré-escola? Que conteúdos são explorados? As crianças se envolvem
significativamente com as atividades que lhes são propostas?
2. A Educação Infantil, Matemática e o Aprender Brincando
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A partir da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (BRASIL, 96), a educação infantil, na realidade brasileira, passou a
ser objeto de discussão, principalmente no âmbito educacional, não só no aspecto do
reconhecimento legal, mas na re-significação de suas funções e na democratização de
espaços que ofereçam condições de acesso, permanência e de qualidade na educação
das crianças de 0 a 05 anos e 11 meses de idade2. Enquanto direito da criança e dever do
Estado, a educação infantil se constitui de um espaço que garante à criança, condições
para o seu desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor e social, favorecendo assim, a
intensificação do seu processo de humanização e de acesso ao saber científico e
culturalmente construído.
Em decorrência da redefinição de suas funções, historicamente restrita a
assistência e cuidado, e do alcance do seu objetivo maior - o de favorecer o
desenvolvimento da criança em todos os seus aspectos - faz-se necessário a revisão de
saberes, conceitos e práticas que respaldam o trabalho com crianças dessa faixa etária,
em instituições escolares.
Uma das preocupações atuais, por parte dos envolvidos com este nível de
ensino, parece voltada para as experiências e condições que favoreçam o
desenvolvimento e aprendizagem da criança. O acesso ao saber cultural e socialmente
construído, a partir de situações que representem sentido ao infante, parece o desafio
posto às práticas pedagógicas.
As áreas do conhecimento, aqui especificamente tratando-se da matemática, se
constituem de espaços para inserção da criança a esse saber, de modo que ela não perca
sua própria significação (RECH, 2006), ou seja, sua peculiar forma de compreensão,
comunicação, interação e envolvimento com o conhecimento, com o mundo e com o
outro, manifestada por diferentes linguagens que, em sua maioria, são carregadas de
ludicidade, o que parece facilitar seu desenvolvimento e aprendizagem.
Na perspectiva Piagetiana, os jogos são relevantes no desenvolvimento cognitivo
da criança, uma vez que estimulam as atividades mentais. Para Piaget (apud
GOULART, 1999), a criança apresenta uma forma de racionar e de pensar o mundo
2
Com a resolução n. 3 de agosto de 2005, do Conselho Nacional de Educação, que definiu a ampliação
do ensino fundamental para nove anos, as crianças de 06 anos passaram a ingressar esse nível de ensino.
Assim, desde 2005 o recorte etário para a educação infantil passa a ser de 0 a 5 anos.
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diferente dos adultos, sendo necessário, portanto, que se proponha atividades
significativas e desafiadoras, voltadas para a fase de desenvolvimento em que a criança
se encontra. Tais considerações apontam para que o trabalho didático- pedagógico na
área de matemática seja permeado de processos mentais básicos, tais como seriação,
classificação, comparação, e conservação, o que certamente se constrói a partir da
experiência ativa da criança.
Vale considerar que embora Piaget não tenha
desenvolvido um projeto educacional, sua teoria é fundamental para a prática
pedagógica, haja vista que estudos sobre “como e por que” a criança aprende, facilita a
compreensão dos conteúdos e dos aspectos metodológicos no cotidiano escolar, ou seja,
coerente com o desenvolvimento da criança, conforme já foi dito anteriormente.
Coerentemente com essa convicção, o referido estudioso faz uma crítica ao
referencial inatista e empirista do conhecimento, baseando-se na tese de que este é
construído a partir das estruturas mentais do sujeito e das relações estabelecidas com o
meio, partindo do pressuposto que a capacidade de fazer relação é a base para a
produção de conceitos operatórios. Segundo Goulart (1999), para Piaget, “o
desenvolvimento cognitivo é um processo seguencial marcado por estágios
caracterizados por estruturas mentais diferenciadas,” quais sejam: Sensório-motor (do
nascimento aos 2 anos), Pré-operacional (de 2 a 7 anos), Das operações concretas (de 7
a 12 anos), Das operações formais (após os 12 anos).
Quanto às relações citadas anteriormente, Piaget defende que estas começam a
se estabelecer desde o estágio sensório-motor, o que ele chama de inteligência prática,
passando, posteriormente, para interiorização dos esquemas de ação em representações,
onde o pensamento da criança não está mais limitado a seu ambiente sensorial imediato
em virtude do desenvolvimento da capacidade simbólica. Em seguida, começam as
operações chamadas de lógico-concretas, nas quais as respostas baseiam-se na
observação do mundo e no conhecimento adquirido. Goulart (1999) defende que nessa
etapa é possível identificar operações lógico-matemáticas relacionadas à classificação,
seriação, conservação, dentre outras. Por último, estabelece-se o pensamento formal (
hipotético-dedutivo) que possibilita ao sujeito deduzir as conclusões de puras hipóteses
e não somente através de observação real.
Sendo assim, Goulart (1999, p.18) aponta para a necessidade de uma observação
criteriosa do momento em que a criança está vivendo, uma vez que a forma de
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compreender os problemas e resolvê-los vai depender do estágio (estruturas mentais)
em que a criança se encontra. Com isso, a autora defende uma forma particular de
ensinar e de aprender:
O ideal seria que os professores adaptassem o material escolar
em função do caminho intelectual do aluno. Para tanto, seria
necessário compreender a criança, sua atividade, seu
desenvolvimento; em outras palavras, seria preciso observar o
aluno.
Com base nesses princípios, Wadsworth (1987, p.p.196 - 197) diz que o fracasso
dos alunos em desenvolver a compreensão no campo da matemática não implica em
uma não inteligência ou não habilidade, mas, sobretudo ao tipo de ensino ao qual as
crianças estão submetidas. O autor acrescenta que as práticas tradicionais impõem uma
estrutura formal da matemática às crianças impedindo que essas construam seus
conhecimentos a partir da ação. Ele enfatiza que “as crianças são introduzidas nos
signos (números) a partir de fora e encorajadas a lidar com abstrações que não
abstraíram”. Piaget comenta o autor, sugere que a „significação‟ dos conceitos
matemáticos deveria ser adquirida antes da criança tentar lidar com os signos usados
para representar aqueles conceitos. Isso reduz a produção do conhecimento da criança a
memorizações, como se a linguagem matemática se constituísse em aprender a
manipular números, o que não tem sentido.
Na mesma direção, Lleixá Arribas (2004, 2004 p. 281) aborda que o trabalho
com a matemática na educação infantil deve considerar o nível de desenvolvimento da
criança e o seu conhecimento matemático, oriundo das experiências cotidianas e
interação com o mundo a sua volta.
O educador deve conhecer as características que definem o nível de
desenvolvimento intelectual da criança: primazia da percepção,
construção de noções a partir da ação direta e da percepção, ausência
de conservação da quantidade, elaborações de ações mentais,
irreversibilidade destas ações, etc. [...] Na medida em que se
conhecem os esquemas de interpretação das crianças, podem-se
apresentar os conteúdos de forma mais adequada, mas isso não
significa falseá-los nem infantilizá-los.
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O entendimento da autora favorece a reflexão acerca da seleção de conteúdos e
atividades para exploração da matemática na educação infantil, sem a devida
consideração ao nível de desenvolvimento e interesse da criança. Conteúdos
trabalhados, na maioria das vezes sob critérios presentes em práticas tradicionais, a
exemplo da introdução ao ensino dos números limitada à escrita (copia) e o desenho
destes, de forma sequencial (geralmente entre 0 a 9) não pode ser introduzido sem que o
conceito de número tenha sido compreendido. Para Moreno (2006) o ensino clássico da
matemática respalda a idéia de que o conhecimento entra pelos olhos, imitando,
copiando e observando. Dessa forma, não há a preocupação com a construção do
referido conceito pela criança.
Sob a ótica da matemática moderna, ainda conforme Moreno (2006), o ensino
dos números dar-se a partir de algumas idéias da teoria de conjunto, especificamente
conjuntos como classes de equivalências, onde, por exemplo, as crianças estabelecem a
correspondência entre conjuntos de gravuras, ou fazem classificações, sem
necessariamente utilizar o número.
Para Lorenzato (2008, p. 32) “a formação do conceito de número é um
processo longo e complexo, ao contrário do que se pensava até há pouco tempo, quando
o ensino de números privilegiava o reconhecimento dos numerais”, o que precede
experiências anteriores, mesmo que elementares, para compreensão do significado do
número. Nesse sentido o referido autor ressalta que,
Para efeito de ensino, seria muito mais fácil para os professores se as
crianças aprendessem primeiramente a fazer correspondências,
comparações, classificações, etc.; depois a dominar o processo de
conservação de quantidades; em seguida, a contagem; e finalmente,
as operações [...] (LORENZATO, 2008, p. 32).
É necessário lembrar que ao chegar à escola a criança já traz experiências
diversas com numerais, quantidades e, certamente, concepções acerca do número, de
diversos modos. No entanto, Lorenzato (2008, p. 33) lembra que mesmo considerando
essa experiência ou ideais pré-elaboradas, ser fundamental, no início do processo
escolar, o “papel da noção de quantidade para a construção do conceito de número,
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embora a quantidade possa não está sendo associada pela criança, necessariamente, à
idéia de número”.
Dados que respaldam este trabalho, posteriormente abordados, apontam para a
ênfase no ensino e escrita de números/numerais na pré-escola, distanciando-se, assim,
de uma didática que segundo Moreno (2006, p. 48) deve “facilitar e otimizar a
aprendizagem de conteúdos de ensino da matemática”. Uma didática em que o professor
considere, introduza e explore diferentes campos matemáticos, de forma dinâmica e
contínua, de modo a estabelecer relações e interligações entre conteúdos explorados e
experiências, sejam das próprias crianças decorrentes de seus ambientes externos à
escola, ou da própria sala de aula.
Lleixá Arribas (2004, p. 284) também considera importante, no sucesso dessa
aprendizagem, uma atuação docente pautada na sistematização de procedimentos,
compreendidos por ela como: “a observação: captação das propriedades dos objetos; a
experimentação direta ou indireta: ações sobre os objetos; e a evocação: expressão
verbal ou plástica”. Ressalta a autora que, mesmo não havendo um rigor científico na
pré-escola, em relação ao que ocorre em outros níveis de ensino, o envolvimento da
criança com procedimentos cada vez mais sistematizados e com elevação do grau de
complexidade, é o um dos fatores que pode garantir sua aprendizagem matemática.
3. Na sala de aula da pré-escola, a ênfase no ensino do “campo numérico”:
metodologia e dados da pesquisa.
Os dados a seguir resultam de um processo investigativo numa sala de aula da
pré-escola, onde se buscou observar, o acompanhamento avaliativo das crianças. Neste
processo, foi possível, também, observar a exploração da linguagem matemática neste
nível da educação infantil. Numa abordagem qualitativa (OLIVEIRA, 2005;), a
pesquisa definiu-se como do tipo estudo de caso (YIN, 2005), envolvendo 18 crianças e
duas professoras de uma instituição pública na cidade de Campina Grande – PB, num
período de seis meses durante o ano de 2008. Como instrumento de coleta, fez-se uso da
observação, conforme já mencionado anteriormente, registrada de forma escrita. Os
dados foram analisados a partir da utilização do método de análise de conteúdo
(BARDIN, 1979).
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As observações ocorridas na sala de aula da pré-escola evidenciaram uma
preocupação, por parte das professoras, com o ensino de determinados conteúdos, em
detrimentos de outros também importantes para o desenvolvimento da criança,
acabando por representar critérios para o acesso ao ensino fundamental, e a evidenciar
uma das funções exercidas pela pré-escola ao longo da história, hoje desconsiderada
pelos discursos legais e educacionais, que é a de preparar a criança para o ensino
regular, no sentido de “treinar habilidades, adiantar conteúdos” (PANIAGUA, 2007, p.
26).
Conteúdos matemáticos, explorados nas atividades propostas às crianças alvos
da investigação - conforme alguns recortes de registros de observação que seguem refletem, predominantemente, não apenas essa idéia de preparação para o ensino
regular, mas, reforçam a limitação destes ao campo numérico. Eram freqüentes,
atividades que exigiam das crianças esforço e concentração na escrita “correta” de
numerais; e a de contagem de objetos, apesar das significativas ações concretas com a
utilização de recursos diversos, as quais pareciam contribuir para a construção do
número; de construção e elaboração de cálculos orais e escritos de adição e subtração.
Na atividade matemática, D.S. apresenta dificuldades na identificação da escrita
numérica e mais uma vez é chamado à atenção pela professora. Ocorre uma intervenção
intensa e persistente. Dessa vez a turma tenta ajudá-lo. Em meio às tentativas de identificação
da escrita numérica, para representar o cálculo realizado com as tampinhas, I.M. aproxima-se
da observadora e fala: - Ele não acerta porque não está pensando! A observadora pergunta: Por que você acha que ele não está pensando? I.M. responde: - Porque ele não está
observando direito, como os números são feitos. Ele fica só olhando para os outros meninos e
não se concentra (24ª Unidade de Observação; situação 24.3).
Tampinhas foram distribuídas no centro de cada mesa. Cada criança, uma de cada vez,
deveria pegar uma quantidade de tampinhas, que coubesse em suas mãos e reservá-las
separadamente, conforme quantidade em cada uma das mãos. Em seguida, cada criança
deveria contar as tampinhas, por montante e, anotar no caderno, separando a quantidade
maior da menor. A professora orienta que a quantidade maior era para ser escrita antes da
menor. As crianças foram orientadas a elaborar o cálculo, somando as quantidades no quadro,
para então passar para a folha o caderno [...] (1ª Unidade de Observação; situação 1.3).
Quando cheguei, as crianças estavam sentadas à mesa, esperando a atividade, que já
havia sido explicada. As crianças iam desenhar quantidades que representassem o número
indicado. Em seguida, deveriam escrever o número por extenso. Na escrita dos nomes, foram
muitas às solicitações de avaliação, junto às professoras. Cada criança era atendida,
individualmente, pela professora, que avaliava a relação número/numeral, e a escrita/leitura.
Era perceptível o esforço das crianças na construção de suas hipóteses e na superação de seus
conflitos, durante a reescrita, dos números por extenso. Os momentos com a professora
pareciam ser tensos para alguns (29ª Unidade de Observação; situação/atividade 29.1).
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Em algumas situações, acima registradas, observou-se uma preocupação das
crianças, em decorrência da atitude docente, com o acerto tanto na escrita convencional
do numeral, quanto nos resultados dos cálculos, sejam mentais ou escritos. Para as
crianças, não errar parecia uma condição para a obtenção de êxito e para aprender.
Por fim, as observações realizadas na sala de aula da pré-escola, refletem a
predominância no ensino de matemática ao “campo numérico” com ênfase na escrita
convencional dos numerais, na contagem e nos cálculos mentais ou escritos,
transparecendo, com isso, uma preocupação com conteúdos considerados preparatórios
para o ingresso no ensino regular. As atividades realizadas pelas crianças pareciam
impregnadas do modelo escolar, caracterizadas pela ênfase no aspecto cognitivo do
desenvolvimento, em detrimento da exploração dos demais aspectos. Apesar do
interesse das crianças em corresponder às orientações da professora para a realização
destas atividades, foi evidente a ausência da natural empolgação infantil, quando estas
sentem prazer pelas ações que desenvolvem.
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