Index AVALIAÇÃO DOSIMÉTRICA EM FANTOMA GERADO POR UM IRRADIADOR EPITÉRMICO COM CARGA U235-Cf252 Humberto G. Dias e Tarcísio P. R. Campos Pós-Graduação em Ciências e Técnicas Nucleres, Escola de Engenharia – UFMG Av. Contorno 842, 9º andar 30110-060, Belo Horizonte, MG, Brasil RESUMO A eficácia da técnica de captura neutrônica pelo boro (BNCT) comparada às técnicas convencionais tem sido investigada especialmente nos casos de tumores cerebrais tipo Glioblastoma Multiforme, Astrocitoma e Melanoma intracranial. Resultados clínicos preliminares tem encorajado pesquisas clínicas de outros tipos de tumores com a perspectiva de obter maior controle da doença. Os dispositivos geradores de nêutrons para BNCT são os reatores de pesquisa e os aceleradores de partículas. Em estudo anterior [1] apresentamos como fonte alternativa um dispositivo neutrônico subcrítico. Este dispositivo é um irradiador de nêutrons gerados pela fissão espontânea do Califórnio 252 e amplificado com Urânio 235. As características do fluxo neutrônico gerado mostraram-se semelhantes às de reatores de pesquisa, porém com as possíveis vantagens de baixo custo, pequenas dimensões, baixa radiação de fundo, fácil operação, reduzida manutenção e possibilidade de adaptação a um “gantry” para aplicação em múltiplos campos evitando reposicionamento do paciente. Dando continuidade, o presente trabalho apresenta medidas de dose em fantoma utilizando o feixe do irradiador proposto. Serão feitas comparações dessas medidas com dados obtidos a partir de aceleradores de partículas. Essa comparação é baseada em parâmetros previamente definidos, tais como: taxas e componentes da dose, tempo do tratamento, “advantage depth (AD)”, “advantage ratio (AR)” e o “advantage depth dose ratio (ADDR)”. As medidas dosimétricas foram realizadas por meio de simulações computacionais utilizando o código Monte Carlo de N-Partículas versão 4A. Keywords: epithermal neutron beam irradiator, boron neutron capture therapy, dosimetry, monte carlo. I. INTRODUÇÃO A Terapia por Captura Neutrônica pelo Boro (BNCT) é uma técnica binária que combina a teleterapia e a braquiterapia. Essa técnica é empregada principalmente nos tratamentos de tumores malignos de cabeça como o Glioblastoma Multiforme (GBM) e o astrocitoma (AAS). Esses tumores cerebrais são caracterizados por um volume de massa tumoral com ramificações de células malignas que invadem o tecido sadio vizinho. Por falta de vascularização as células neoplásicas da massa tumoral são geralmente hipóxicas, porém as ramificações são bem oxigenadas resultando em rápida proliferação. Esta característica invasiva é a principal causa da ineficiência dos tratamentos por meio de cirurgia. Os tratamentos com radiação ionizante também não são eficazes por causa da falta de seletividade em relação as células malignas das ramificações. A Técnica BNCT é caracterizada pela concentração de átomos de 10B nas células tumorais, via injeção intravenosa de compostos bóricos que possuem afinidade por células malignas, e posterior irradiação da região tumoral com um feixe de nêutrons epitérmicos. Os nêutrons epitérmicos (0,1eV a 40KeV, por exemplo) perdem energia preferencialmente por espalhamento ao penetrarem no tecido reduzindo-se a energias térmicas. Na região tumoral a faixa térmica propiciará uma reação com o boro-10. O boro-10 possui alta probabilidade de interação com os nêutrons térmicos através da reação n(10B, α)7Li. O lítio e a partícula α são partículas de alta LET (~200 KeV/µm) depositando toda sua energia numa curta distância (cerca de 12µm) comparável ao tamanho de uma célula. Essas partículas são igualmente letais às células com ou sem oxigenação e independem das fases do ciclo reprodutivo das células bombardeadas, ao contrário dos fótons que são dependentes desses dois fatores. Essas características associadas à maior Eficiência Biológica Relativa (RBE) e também à alta especificidade pelas células tumorais (via concentração de Boro no tumor) fazem da técnica BNCT uma modalidade promissora para o tratamento de GM e AAS. Index Na prática a dificuldade de se obter um composto bórico de alta concentração tumoral com microdistribuição homogênea e a falta de um feixe puramente epitérmico sem contaminação de partículas gamas e nêutrons rápidos tem sido as principais causas da inviabilidade da aplicação clínica a curto prazo da técnica. Os compostos bóricos mais utilizados são o borofenilalanina (BPA) e o BSH que demonstraram provocar maior concentração no tumor. A principal dificuldade na obtenção de um composto eficaz é a passagem da barreira sangue cérebro (Blood Brain Barrier – BBB) pelo composto. O BBB também é responsável pela não homogeneidade do composto no tumor. A administração de BPA na corrente sangüínea varia entre 250 a 290 mg/Kg peso porcento do paciente alcançando uma concentração de aproximadamente 10 µg/g de 10B no sangue [2]. A concentração de boro no cérebro é igual à concentração no sangue, sendo que o tumor chega a acumular até 4 vezes esse valor, porém este estudo utiliza o valor de 35 µg/g [3]. A principal fonte de nêutrons atualmente empregada em BNCT é o reator nuclear de pesquisa. Os reatores constituídos de um canal de extração podem ser convertidos e utilizados em BNCT. Essa conversão é feita a partir da introdução de materiais filtrantes e moderadores apropriados eliminando partículas contaminantes e preservando o fluxo na saída do porto a níveis terapêuticamente aceitáveis. Existem reatores de pesquisa para BNCT em toda parte do mundo: Estados Unidos, Europa, Japão e até mesmo na Argentina [4]. Além do seu emprego em BNCT, a maioria deles é utilizada na produção de radioisótopos, ativação neutrônica e testes de combustíveis. Poucos reatores são projetados com o objetivo único de atender à terapia por captura neutrônica. As principais desvantagens dos reatores são: a) falta de aceitação pública em um ambiente hospitalar ou em um centro urbano; b) alto investimento na sua construção (cerca de algumas dezenas de milhões de dólares) ou conversão (cerca de alguns milhões); c) exigência de pessoal especializado para sua manutenção e operação; d) riscos de criticalidade. Assim, os aceleradores de partículas podem ser uma opção mais barata e viável. Muitos estudos foram realizados visando projetar um acelerador com características aceitáveis à BNCT [5-8]. Embora esses estudos apresentem resultados animadores, até hoje nenhum dispositivo desse tipo foi empregado em BNCT. O custo desses aparelhos também é alto, podendo variar de alguns milhões a algumas dezenas de milhões de dólares. A manutenção da integridade e refrigeração do alvo, cuja partículas carregadas se chocam para gerarem os nêutrons, são problemas complexos. O alvo constituído geralmente de Lítio possui baixo ponto de fusão (cerca de 180C) exigindo um aparato de refrigeração que aumenta o tamanho e o peso do conjunto. Assim, um acelerador é uma melhor opção em relação ao reator de pesquisa, porém também possui desvantagens tecnológicas e de custo. O objetivo desse estudo é propor um novo dispositivo gerador de nêutrons para aplicação da técnica BNCT. Utilizamos a fissão espontânea do Califórnio-252 como fonte de nêutrons que devem ser moderados e filtrados antes de incidir sobre o paciente. Porém, a emissão do Califórnio (2,34x1012 n/s-g) não consegue gerar um fluxo terapêutico adequado à técnica (fluxo epitérmico da ordem de 109 n/cm2-s), a menos que uma alta atividade seja utilizada. Nesse caso, cerca de 1 g de Cf-252 seria necessária para obter tal fluxo. Essa quantidade é equivalente a produção anual deste radionuclídeo nos Estados Unidos e financeiramente inviável para BNCT. Estudos iniciais tendo o Cf-252 como fonte única de um dispositivo gerador de nêutrons foram infrutíferos. O dispositivo aqui proposto, porém, amplifica os nêutrons oriundos do Cf-252 por meio de um combustível físsil, isto faz com que a quantidade de califórnio seja reduzida de uma grama para algumas miligramas (no nosso caso 1,5 mg) o que viabiliza economicamente sua construção. As vantagens desse dispositivo em relação aos reatores e aos aceleradores serão: a) seu baixo custo de construção, manutenção e operação; b) dimensões reduzidas que possibilita sua instalação numa sala de terapia e também sua montagem numa estrutura (“gantry”) capaz de girar em torno de um centro (isocentro); c) melhor aceitação do público, pois apesar de possuir combustível físsil o dispositivo opera sob um regime subcrítico seguro; d) oferece parâmetros físicos (fluxo epitérmico, AD, AR, ADDR, tempo de tratamento, etc.) equivalentes aos de “beam hole” de um reator nuclear. A montagem desse dispositivo sobre um “grantry” permite a irradiação de campos paralelos e opostos sem que o paciente seja reposicionado. Esta estrutura também proporciona uma terapia rotacional. No caso dos reatores e aceleradores isso não é possível, pois devido ao seu tamanho e peso o reator e o acelerador são fixos impondo ao paciente posicionamentos inadequados e desconfortáveis para uma incidência satisfatória. Nas próximas seções será descrito a modelagem computacional empregada, apresentado detalhes do dispositivo proposto e resultados realizados em fantoma dos parâmetros característicos do equipamento. Serão feitas inter-comparações com dados de aceleradores e um reator de pesquisa. II. MÉTODOS E MATERIAIS O princípio de funcionamento do irradiador é baseado na amplificação dos nêutrons oriundos do Cf-252 por meio de combustível físsil. Para tal, um anel de califórnio encontra-se envolto por um outro anel de combustível amplificador. A atividade estimada para se obter o fluxo de 109 n/cm2-s é de 4,464x1010 n/s o que equivale a 1,5 mg de califórnio. O combustível amplificador simulado neste artigo é equivalente ao utilizado nos reatores Triga de segurança intrínseca. Sua composição é uma liga de Urânio-Zircônio-Hidrogênio na proporção 0,003:1,0:1,6. O urânio é enriquecido a 20% de 235U. A quantidade total de 235 U utilizada é de 1,7 Kg. O dispositivo possui ainda um moderador de água pesada, refletor de bismuto, filtro de nêutrons rápidos de alumínio e colimador de polietileno litiado. A Fig.1 mostra o esquema do irradiador com suas dimensões dadas em unidades de centímetro. Index dosimétrica em fantoma dos fótons e elétrons armazenados no espaço de fase da etapa anterior. III. AVALIAÇÕES NO IRRADIADOR A Fig. 2 mostra o espectro de nêutrons e de fótons no plano do espaço de fase, isto é, no porto de extração do feixe. Conforme mencionado, este plano localiza-se abaixo do colimador do irradiador (ilustrado na Fig. 1) e armazena o espectro das partículas que cruzam a abertura de 20 cm de diâmetro definida pelo colimador. Observa-se que o espectro neutrônico compreende toda a faixa de energia (térmica, epitérmica e rápida), sendo que a quantidade de nêutrons rápidos (cerca de 20% do total de nêutrons) é suficiente para prejudicar a pureza do feixe epitérmico. Os fótons estão numa faixa de energia mais alta quase não existindo fótons de baixa energia. 1,E+00 Para a simulação do irradiador é utilizado o código Monte Carlo N-Partículas (MCNP) na versão 4A [9]. Este código simula nêutrons, fótons e elétrons utilizando as seções de choque Evaluated Nuclear Data Files – ENDF/BVI. A simulação com o Monte Carlo é dividida em quatro etapas. A primeira etapa representa a modelagem dos materiais e geometrias da fonte e do irradiador, sendo que as partículas transportadas nessa etapa são os nêutrons primários da fonte, os nêutrons de fissão gerados no combustível e os elétrons e fótons secundários criados nas interações dos nêutrons com os materiais do irradiador. Nessa etapa, define-se uma superfície no porto de extração do feixe neutrônico denominada de espaço de fase. Informações sobre todas as partículas que cruzam o espaço de fase são armazenadas num arquivo que servirá de entrada para a próxima etapa. As informações armazenadas nesse arquivo são: o tipo de partícula (nêutrons, fótons ou elétrons) que cruzou a superfície; a posição onde a partícula cruzou; a direção (em relação a um vetor normal ao plano apontado para a posição do paciente) e a velocidade (energia) da partícula. A segunda etapa é a simulação no fantoma para a determinação de parâmetros dosimétricos tendo como entrada as partículas do espaço de fase gerado na etapa anterior. A terceira etapa é semelhante a primeira, porém simulada para os fótons oriundos da fonte de Cf-252 e para os fótons atrasados criados no bloco de alumínio ativado pela reação de captura neutrônica. Esta nova etapa é necessária porque o MCNP não gera partículas atrasadas e também não permite uma única simulação com dois tipos de partículas fonte diferentes (nêutrons e fótons emitidos pelo califórnio). A quarta etapa representa uma avaliação 1,E-01 Intensidade Relativa Figura 1. Irradiador Epitérmico. Combustível Físsil em Preto, Filtro de Alumínio em Cinza Claro e Colimador de Polietileno Litiado em Cinza Escuro. Dimensões em centímetros 1,E-02 ____ Nêutrons ........ Fótons 1,E-03 Faixa térmica E <0,1 eV Faixa Epitérmica 0,1 eV< E < 40 KeV Faixa Rápida E > 40 KeV 1,E-04 1,E-05 1,E-09 1,E-08 1,E-07 1,E-06 1,E-05 1,E-04 1,E-03 1,E-02 1,E-01 1,E+00 1,E+01 1,E+02 Energia (MeV) Figura 2. Espectro de Nêutrons e Fótons no Porto de Extração do Irradiador. A Fig. 3 mostra a “diretividade” do feixe. Está representa a intensidade das partículas que cruzaram o espaço de fase num determinado ângulo formado entre a direção de propagação da partícula e o vetor normal ao espaço de fase apontado para a posição do paciente. O ideal seria que as partículas formassem um ângulo de zero grau com o vetor normal (incidência perpendicular sobre o paciente), mas pelo gráfico observa-se que o ângulo médio (colocado entre parênteses) de todas as componentes do feixe é cerca de 30 graus. O resultado obtido está de acordo com valores encontrados para aceleradores e reatores. Porém, pode ser estudado uma nova geometria para o colimador do irradiador com uma melhor otimização de sua estrutura para aumentar a directividade do feixe. A Fig. 4 apresenta o fluxo no porto de extração versus a distância radial ao eixo central do irradiador. A redução do fluxo em 10% do seu valor no eixo central se dá a uma distância aproximada de 15cm. Pode-se reduzir a penumbra diminuindo o ângulo de saída do colimador fazendo com que o fluxo caia de forma abrupta nos limites de definição do campo. O fluxo total de nêutrons está normalizado para Index 100 90 Nêutrons Térmicos Nêutrons Epitérmicos 80 Nêutrons Rápidos 70 Fluxo Relativo (%) 100% sendo que as outras componentes são mostradas em relação à esta normalização. Em resumo foi obtido 22% térmico; 58% epitérmico e 20% rápido. Logo o feixe é predominantemente epitérmico. Os nêutrons térmicos podem ser retirados do feixe por meio de um filtro de Lítio, mas a contaminação com nêutrons rápidos é mais difícil de se resolver. Na figura, os fótons foram separados em duas componentes. Uma componente engloba os fótons oriundos do Califórnio e os fótons gerados das reações de captura com os materiais componentes do irradiador (excluindo o filtro de nêutrons rápidos). A outra componente representa os fótons atrasados gerados pelo decaimento radioativo induzido no alumínio pela reação de captura neurtrônica. Observa-se que esta última componente é bastante considerável e inerente ao processo de filtragem dos nêutrons rápidos. Total Nêutrons Fótons do Alumínio 60 Fótons do Irradiador 50 Fótons Total 40 30 20 10 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 Distância Radial (cm) Figura 4. Fluxo de Partículas no Porto de Extração do Irradiador. 0,12 Térmicos - (29,6 graus) Epitérmicos - (32,6 graus) Rápidos - (30,8 graus) Intensidade Relativa 0,10 Nêutrons Total - (31,8 graus) Fótons Total - (29,1 graus) 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Ângulo (graus) Figura 3. Representação da Diretividade do Feixe. IV. MEDIDAS NO FANTOMA Um fantoma foi modelado com dimensões 40x40x40 cm3 constituído por tecido equivalente ao cérebro, cujo componentes constituintes possuem as seguintes porcentagens em massa: H - 10,7 %; C - 14,5%; N - 2,2%; O - 71,2%; Na - 0,2%; P - 0,4%; S - 0,2%; Cl - 0,3%; K 0,3%. O espaço de fase no porto de radiação foi usado como fonte externa. O tratamento térmico, disponível no código MCNP, foi empregado para os átomos de hidrogênio contido no cérebro. O fantoma foi dividido em voxels para se avaliar a intensidade das componentes do feixe e assim determinar a dose via fatores Kerma de conversão de fluxo para dose [10]. Os fatores Kerma de conversão são baseados no valor da energia exotérmica liberada “Q” das distintas reações envolvidas que resultam em deposição de energia no meio e também nos valores das seções de choque dessas reações. As seções de choque utilizadas para as interações dos nêutrons e para a reação de absorção do Boro são as fornecidas pela ENDF/B-VI. Para os fótons foram utilizados os coeficientes de absorção de energia (µen/ρ) calculados por Seltzer.[11] Estes fatores de conversão serão os novos fatores adotados no ICRU 63. Como a microdistribuição de boro não é homogênea em diferentes partes do tumor e devido ao curto alcance das partículas liberadas pela reação 10B(n,α)7Li, não podemos falar em eficiência biológica relativa (RBE) para a componente de dose dessas partículas. Entretanto, é definido uma variável denominada eficiência biológica composta (Compound Biological Effectiveness - CBE) cujo valor é igual ao produto do RBE pela distribuição de boro no tecido. O RBE também não é um parâmetro fixo, podendo variar dependendo do espectro do feixe, do tipo de tecido, nível de dose, taxa de dose e fracionamento. Portanto, para cada feixe utilizado em BNCT deve se determinar corretamente os valores de RBE e CBE característicos das componentes do feixe. Os valores de RBE (Relative Biological Effectiveness) e CBE (Compound Biological Efectiveness) adotados neste estudo foram reproduzidos do Brookhaven National Laboratory (BNL), são eles: fótons – 1,0; nêutrons rápidos e epitérmicos – 3,2; prótons do nitrogênio – 3,2; boro no tecido sadio – 1,3; boro no tumor – 3,8. Este fato se justifica pela padronização e por fins comparativos com estudos que se basearam nesses parâmetros. A concentração de 10B assumida para o sangue e consequentemente para o cérebro é de 10µg/g e a concentração no tumor é de 35µg/g. Na verdade a razão boro tumor/boro cérebro chega a ser de até 4/1, mas foi assumido o valor 3,5/1 por ser mais conservativo. As componentes de dose em BNCT são quatro: nêutrons rápidos; fótons oriundos do irradiador e fótons criados no próprio paciente via a reação 1H(n,g)2H; prótons do nitrogênio gerados no paciente por meio da reação 14 N(n,p)14C; Boro presente no tecido. Existem várias outras reações que não estão sendo consideradas, pois a contribuição relativa para a dose total dessas componentes é desprezível. Um exemplo são os fótons gerados na reação n + 10B → α + 7Li + gama (470 KeV), que contribuem com menos de 0,2% para a dose total [12]. A Fig. 5 mostra o fluxo ao longo do eixo central do fantoma retangular. O eixo das ordenadas apresenta o fluxo Index 2,0E+09 Térmicos Epitérmicos Rápidos Total-Nêutrons Total - Fótons Fluxo (n/cm 2 - s) 1,5E+09 1,0E+09 5,0E+08 0,0E+00 0 2 4 6 8 10 12 14 Profundidade (cm) Figura 5. Fluxo de Partículas ao Longo do Eixo Central do Fantoma. A Fig. 6 apresenta as componentes de dose no tecido e a dose total. Deste, pode-se concluir que: • “Advantage Depth” – AD representa a penetrabilidade do feixe neutrônico, definida como a profundidade no fantoma onde a taxa de dose no tumor se iguala à taxa de dose máxima no tecido sadio. Esta profundidade representa um limite tal que qualquer massa tumoral irradiada além desse limite receberá uma dose menor do que a dose máxima no tecido sadio. • “Advantage Ratio” – AR: representa a razão de dose no tumor relativa a dose no tecido sadio, definida como a razão entre as áreas sob as curvas de taxa de dose para o tumor e para o tecido sadio ao longo do eixo central do fantoma desde a superfície até o AD. • “Advantage Depht Dose Rate” – ADDR representa a taxa de dose no tumor no AD. O ADDR limita o tempo máximo de tratamento, isto é: o tempo de tratamento deve ser igual a dose máxima tolerada pelo tecido sadio dividido por ADDR. Para o irradiador proposto, os seguintes parâmetros foram obtidos: AD = 6,0cm; AR = 2,2; ADDR = 91 cGy/min e tempo máximo de tratamento igual a 14 minutos, onde foi assumido a dose máxima tolerada pelo tecido sadio em 12,5 Gy. A contaminação do feixe pode ser avaliada, a título comparativo, por alguns parâmetros tirados da literatura [13]: • Dnrap/φepit < 5 x10-13 Gy/cm2-nepi. • Dfótons/φepit < 3 x10-13 Gy/cm2-nepi. • Fluência térmica > 1013 n/cm2. Os resultados obtidos do irradiador proposto foram: Dnrap/φepit=1,04 x10-11 Gy/cm2-nepi; Dfótons/φepit=6,53 x10-12 Gy/cm2-nepi e Fluência térmica = 1,05x1012 n/cm2 . No caso da contaminação com nêutrons rápidos o valor encontrado é cerca de 35 vezes maior do que o máximo recomendado. Para a contaminação com fótons o resultado é cerca de 13 vezes maior. Porém, pode-se afirmar que os resultados obtidos são aceitáveis. Por exemplo, existem autores [14] que assumem os seguintes limites: Dnrap/φepit<1,0 x10-10 Gy/cm2-nepi; Dfótons/φepit<2,0 x10-11 Gy/cm2-nepi. Segundo essa definição os resultados do irradiador estariam 10 vezes e 3 vezes abaixo do máximo. Pode-se concluir que os primeiros parâmetros são estipulados para um feixe altamente epitérmico com pouca contaminação, ou seja, um caso ideal. No caso da fluência térmica, foi obtido um valor 10 vezes menor do que o mínimo estipulado. Novamente este fato se deve à contaminação do feixe com nêutrons rápidos que aumenta o valor do ADDR e consequentemente diminui o tempo de irradiação do paciente. Com o tempo de tratamento reduzido a fluência térmica também se reduz. Ou seja, é recomendado diminuir a contaminação para que o ADDR também diminua fazendo com que o tempo de irradiação aumente até que se alcance a dose máxima tolerada pelo tecido sadio aumentando consequentemente a dose no tumor e a fluência térmica. 170 Nitrogênio Nêutrons Rápidos Fótons Boro Tecido Sadio Boro Tumor Total Tecido Sadio Total Tumor 160 150 Taxa de Dose (cGy-RBE/min) em termos de valores absolutos diferentemente do que ocorreu nas figuras anteriores que foram apresentadas com valores relativos. Isto porque estamos considerando uma atividade de 4,464x1010 n/s para a fonte de nêutrons o que corresponde a 1,5 mg de califórnio (o mesmo ocorre para a Fig. 6). O ponto máximo do fluxo térmico está na profundidade de 2,0 cm no fantoma retangular, sendo que esta profundidade normalmente localiza-se entre 2 e 4 cm para os reatores de pesquisa em fantoma de cabeça. Neste ponto, a componente de dose gerada pelo Boro também deve ser máxima. Assim, a curva de dose para o Boro possui a mesma forma que a curva do fluxo de nêutrons térmicos. Também observa-se a transferência dos nêutrons epitérmicos para a faixa térmica à medida em que estes vão penetrando no tecido assegurando assim a aplicação terapêutica BNCT. 140 130 120 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Profundidade (cm) Figura 6. Componentes de Dose e Dose Total ao Longo do Eixo Central do Fantoma. Index V. INTER-COMPARAÇÕES Parâmetros do irradiador proposto são comparados com quatro outros geradores de nêutrons para BNCT. O primeiro deles é um acelerador de prótons com energia igual a 1,95 MeV chamado “Near Threshold Accelerator” denominado aqui por NTA [15]. No NTA a energia dos prótons incidentes no alvo de 7Li está próxima do limiar da reação 7Li(p,n)7Be. O segundo é o acelerador descrito por Yanch, Zhou e Klinkowstein (YZSK) com protons de 2,5 MeV de energia [16]. O terceiro é o acelerador descrito por Woollard, Blue, Gupta e Gahbauer (WBGG) também com prótons de 2,5 MeV de energia [17]. Os parâmetros apresentados para esses aceleradores baseiam-se numa corrente nominal de prótons igual a 5 mA, apesar de que o acelerador WBGG possa gerar até 10 mA de corrente. O valor de 5 mA está um pouco acima do mínimo aceitável para BNCT (4 mA). Porém, não é comum encontrar aceleradores com correntes muito altas (acima de 10 mA, por exemplo), pois quanto maior a corrente maior a dificuldade e os aparatos tecnológicos envolvidos. O quarto é o reator RA-6 Argentino do Centro Atômico de Bariloche [4]. Este reator é um reator MTR do tipo piscina com 500KW de potência nominal e enriquecido com urânio a 90%. A Tabela 1 abaixo mostra os valores de AD, AR, ADDR e tempo de irradiação para os três aceleradores, o reator argentino e o irradiador aqui proposto. TABELA 1. Inter-Comparação entre as Diferentes Fontes Geradoras de Nêutrons Epitérmicos. AD ADDR Tempo de Feixe Neutrônico AR (cm) (cGy/min) Tratamento Acelerador NTA 5,9 4,8 35,5 35 Acelerador YZSK 8,5 4,1 39,5 32 Acelerador WBGG 9,2 5,0 6,5 190 Reator RA-6 7,2 3,1 33,3 38 Irradiador Proposto 6,0 2,2 91,0 14 A comparação direta dos parâmetros aqui apresentados é possível porque a metodologia envolvida utilizou basicamente as mesmas aproximações, isto é: a) mesmo tipo geométrico de fantoma com a superfície de entrada do feixe plana (e não elipsóidal ou redonda, por exemplo); b) mesmo material do fantoma constituído de tecido equivalente ao cérebro com as mesmas concentrações dos elementos constituintes; c) mesmo valor para os RBE e CBE; d) mesma concentração de boro no tumor e no tecido sadio; e) fatores equivalentes para o Kerma de conversão de fluxo para dose. No caso dos aceleradores, os fatores para os nêutrons foram obtidos de Caswell et al. [18]. Para o Boro utilizou-se os fatores dados por Zamenhof et al [12] baseados no Q das reações e nas seções de choque do Los Alamos Standard Library. Para os fótons foram usados os “photon heating tallies” do código MCNP. Esses fatores são equivalentes ou foram até mesmo diretamente derivados das seções de choque dadas pelo ENDF/B-V. Zamenhof et al [10] demostrou que a diferença na dose total entre esses fatores e os utilizados neste estudo, que são baseados nas seções de choque ENDF/B-VI, não é maior do que 2%. Os aceleradores de partículas são dispositivos que geram um feixe neutrônico com menor contaminação de nêutrons rápidos e melhor directividade; consequentemente são capazes de gerar melhores valores para AD e AR em comparação aos reatores nucleares. Pode-se observar que o irradiador proposto possui AD e AR próximos aos outros dispositivos; entretanto, otimização geométrica e filtragem devem ser feitas para melhorar o AD. A diminuição da contaminação de nêutrons rápidos implicará no aumento do AR e a diminuição do ADDR. VI. CONCLUSÃO A Tabela 2 resume as características desejáveis de um feixe epitérmico para aplicação em BNCT e os resultados alcançados pelo irradiador proposto. TABELA 2. Resultados Obtidos e Resultados Desejados do Irradiador Proposto Características Irradiador Desejável Fluxo epitérmico (n/cm2 - s) 1x109 > 1.109 Advantage Depth (cm) 6,0 > 5,0 Tempo de tratamento (min) 14 < 60 1,04 .10-11 < 3 10-13 Dnrap/φepit (Gy cm2/ nepi) 6,53.10-12 < 5 10-13 Dfótons/φepit (Gy cm2/ nepi) 2 12 Fluência térmica (n/cm ) 1,05.10 > 1013 Este estudo mostra a possibilidade de se empregar um dispositivo alternativo de nêutrons epitérmicos para BNCT com as vantagens de baixo custo, dimensões reduzidas, maior simplicidade de operação e possibilidade de tratamento em vários campos sem o reposicionamento do paciente. O irradiador proposto gera um feixe com características comparáveis aos reatores e aos aceleradores de partículas. Estudos futuros terão como objetivos: a redução da contaminação do feixe devido aos nêutrons rápidos, o detalhamento do combustível físsil e estudos com UO2 tipocaramelo, além da otimização do colimador. A avaliação da dose em um fantoma de cabeça e obtenção das isodoses e dos Histogramas de Dose Volume (HDV) estão em progresso. AGRADECIMENTOS Este trabalho foi financiado pelo CNPQ e CAPES. REFERÊNCIAS [1] Dias, H. G., Campos, T. P. R, Simulação de um Irradiador de Nêutrons Epitérmicos Utilizando o Código Monte Carlo MCNP-4A, VI Congresso Brasileiro de Física Médica, Rio de Janeiro, Outubro, 2001. Index [2] Chanana, A. D., Capala, J., Chadha, M., Coderre, J. A., Diaz, A. Z., Elowitz, E. H., Iwai, J., Joel, D. D., Liu, H. B., Ma, R., Pendzick, N., Peress, N. S., Shady, M. S., Slatkin, D. N., Tyson, G. 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The main kinds of tumor which BNCT will be applied to are the Glioblastoma Multifome GBM an the Anaplastic Astrocytoma AAS. Neutron sources used to generate an epithermal beam capable to treat the tumor are nuclear reactors and particle accelerators. In a previous study we proofed the feasibility to use a novel neutronic subcritical devise. This devise is based on the spontaneous fission of Californium 252 and further amplified by fissile fuel. Its neutron beam fulfil the main properties required for a suitable treatment, in addition with the following advantages: low cost; small size, which enables it to be installed in a gantry to treat multiple fields; easy operation and maintenance and in accordance with safety levels. This paper presents Monte Carlo simulations of the irradiator parameters, dosimetry results in a brain cubic phantom and intercomparisons with particle accelerators and nuclear reactors. This comparison is based in previous defined parameters, such as: treatment time, advantage depth (AD), advantage ratio (AR), advantage depth dose ratio (ADDR), dose components and dose rate. Computational calculations were done using the Monte Carlo N-Particle Code System – MCNP4A.