REPACTUAÇÃO DE CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE EXECUÇÃO CONTINUADA Jorge Alexandre Moreira Advogado da União Coordenador-Geral da Consultoria Jurídica da União no Estado de Santa Catarina Pós-Graduado em Direito Administrativo e Administração Pública pela Faculdade Anita Garibaldi SUMÁRIO INTRODUÇÃO. 1 O equilíbrio econômico-financeiro; 2.1 Evolução histórica; 2.2 Conceito e fundamento constitucional. 2.3 Formas legais de manutenção do equilíbrio econômico financeiro; 2.3.1 Reequilíbrio econômico-financeiro (revisão ou recomposição); 2.3.2 Reajuste. 2.4 Distinção entre reequilíbrio econômicofinanceiro e reajuste; 2.5 A repactuação como mecanismo de preservação das condições efetivas da proposta; 3 A repactuação; 3.1 Considerações gerais; 3.2 Previsão regulamentar; 3.3 Requisitos para a concessão da repactuação; 3.3.1 O interregno mínimo de um ano. 3.3.2 Demonstração analítica da variação dos custos; 3.4 Natureza jurídica e fundamento legal; 3.5 A repercussão do reajuste salarial; 3.6 Contagem da periodicidade mínima e data-base; 3.6.1 Da primeira repactuação; 3.6.2. Das repactuações subsequentes; 3.7 Efeitos financeiros: retroatividade; 3.8 Forma de processamento da repactuação; 3.9 Da preclusão lógica; 4. Considerações finais; 5 Referências PALAVRAS-CHAVE: Contrato de prestação de serviços de execução continuada. Repactuação. Reajuste. Reequilíbrio econômico-financeiro. 1 INTRODUÇÃO Se percorrermos a legislação que trata das contratações públicas, não encontraremos qualquer menção ao termo repactuação. Esse é o primeiro aspecto que merece ser destacado neste opúsculo: trata-se de um procedimento não definido expressamente em lei. Em função disso, os manuais de Direito Administrativo não oferecem subsídios para iniciarmos o estudo do tema delimitado, salvo que é possível encontrar referências escassas na literatura específica. Conquanto o tema seja praticamente ignorado pela doutrina, o que dificulta gravemente a sua compreensão, sua aplicação no âmbito das contratações públicas é extremamente ampla. Isto porque, quando a Administração Pública Federal contrata serviços de natureza continuada, como por exemplo, serviços de vigilância e limpeza, o preço desses contratos são anualmente readequados à realidade de mercado por meio da repactuação. Trata-se, portanto, de um procedimento que visa assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de serviço de execução continuada. Por isso, o ponto de partida do presente estudo é o princípio da manutenção das condições efetivas da proposta em contratos da Administração Pública, contemplado no art. 37, XXI, da Constituição da República de 1988. Por sua vez, a Lei n. 8.666/93 - Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, ao regulamentar o comando constitucional antes mencionado, assegurou a manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro inicial do contrato (art. 57, § 1º; 58, I, §§ 1º e 2º, e 65, II, d, e § 6º), a obrigatoriedade de previsão, no edital e no contrato, do critério de reajuste do custo contratual desde a data da apresentação da proposta até o período de adimplemento (art. 40, XI e art. 55, III), e a correção monetária, que incide entre a data final do período de adimplemento da obrigação e o efetivo pagamento (art. 40, XIV, “c”). Como se percebe, a Lei n. 8.666/93 não faz alusão expressa à repactuação. O presente estudo, iniciado no ano de 2006, foi impulsionado pela constatação, decorrente da nossa experiência profissional na época, de que a ausência de um marco legal para a repactuação implicava uma má 1 compreensão do tema, e, por conseguinte, dificuldades na prática administrativa, tanto por parte das empresas contratadas ao manejarem seus requerimentos, como por parte da Administração ao dar trâmite a esse procedimento. Isto porque a repactuação confunde-se em parte com o reequilíbrio econômico-financeiro e em parte com o reajuste. O Superior Tribunal de Justiça, ao não admitir o reequilíbrio econômico-financeiro em face de incrementos de custos de mão-de-obra advindos de convenções coletivas de trabalho, pressupondo, assim, a previsibilidade do evento, fixou um paradigma para a abordagem do tema. Nesta esteira, o Tribunal de Contas da União enfrentou o tema em diversas decisões, a Advocacia-Geral da União editou inúmeros pareceres e orientações normativas sobre a matéria, e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão consolidou o assunto em instruções normativas, como se verá no presente artigo. Para contextualizar a repactuação, o primeiro capítulo deste trabalho traz uma breve visão histórica da teoria da imprevisão e da evolução da cláusula rebus sic stantibus, e, em seguida, cuida das regras jurídicas que regem o reequilíbrio e o reajuste de contratos, notadamente das previstas na Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, e das normas do Sistema Financeiro Nacional (Plano Real e normas complementares). O segundo capítulo é dedicado especialmente à repactuação, como procedimento instituído para cumprir a função de manter as condições efetivas das propostas nos contratos de prestação de serviços continuados, de modo a fazer face à variação dos insumos utilizados, tal como a recomposição anual do custo de mão-de-obra por acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho. Esta segunda parte do trabalho trata das regras regulamentares e legais, dos requisitos para a concessão do direito, da natureza jurídica, dos efeitos jurídicos, das formas de processamento e da preclusão lógica da repactuação. 2 O EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Sob o prisma da atual Constituição da República, o equilíbrio econômico-financeiro consiste num princípio que rege as contratações públicas. Quer dizer que, ao longo de toda a execução contratual, devem ser mantidas as condições efetivas do preço inicial constituído pela proposta do contratado. Como instituto jurídico, não constitui uma novidade do nosso ordenamento: remonta à origem da teoria da imprevisão, que deriva da máxima latina rebus sic stantibus1. J. M. Othon Sidou (2000, p. 3) sustenta que a regra da imutabilidade contratual já admitia flexibilização no Código do Rei Hamurabi2, da Babilônia, segundo o mandamento de que: Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta d‟água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano. Contudo, o mesmo doutrinador (ibidem, p. 3) atribui aos romanos a ancestralidade da cláusula rebus sic stantibus, presente nas lições morais dos filósofos Cícero e Sêneca, que admitiam a quebra do princípio da pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato deve ser cumprido, submetendo as partes aos termos pactuados. Para outros doutrinadores, dentre eles Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Washington de Barros Monteiro, citados por Liliane dos Santos Vieira (2001, p. 543), a cláusula rebus sic stantibus não derivou do Direito Romano, mas foi teorizada pelos glosadores e canonistas, de modo que a fórmula latina tal como é conhecida foi abreviada da máxima contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelligentur, atribuída ao pós-glosador Bartolo (1314-1357). 1 2 Na tradução literal significa “as coisas assim permanecem”. A cláusula quer dizer que as obrigações estão subordinadas à continuação do estado de fato existente ao tempo da celebração do contrato. A doutrina não é precisa quanto à data do Código de Hamurabi. A maioria das referências aponta que teria sido instituído há 3.700 anos. 2 O direito canônico, a seu turno, também não admitia que a autonomia da vontade materializada no contrato pudesse sobrepor-se à idéia de eqüidade, o que permitiria a sua revisão (SIDOU, 2000, p. 11). Após larga aplicação na Idade Média, a rebus sic stantibus consagrou-se em 1756 no Codex Maximilianus Bravaricus Civillis, de origem germânica, representando a primeira codificação legislativa do princípio (VIEIRA, 2001, p. 543). Essa cláusula tácita cai em desuso a partir da revolução francesa e inglesa, que projetavam o início de uma era individualista. Na França, por exemplo, o Código de Napoleão restaurava a plenitude da pacta sunt servanda, privilegiando a segurança dos contratos (FIGUEIREDO, 2006, p. 731). A rebus sic stantibus vai ressurgir nas modernas teorias revisionistas da pressuposição de Bernard Windscheid e da superveniência de Giusepe Osti. Segundo a teoria da pressuposição, nos contratos de execução diferida ou continuado vigora o pressuposto tácito de que permaneçam constantes as condições gerais de mercado, o valor da moeda etc., e que sobrevindo mudanças extraordinárias, que tornem excessivamente gravosas as obrigações contraídas, estas possam vir a ser afastadas, estando subentendida a cláusula rebus sic stantibus (SIDOU, 2000, P. 33). Já a teoria da superveniência consagra a regra de que a cláusula tácita persiste independentemente de previsão das partes contratantes, para dirimir circunstâncias supervenientes capazes de modificar as coisas do momento do ajuste (SIDOU, 2000, p. 35). Há que se fazer referência também à teoria das bases de negócio jurídico, desenvolvida por Oertmann, segundo a qual o contrato é estabelecido sobre uma base de fatos que, sendo modificado, autoriza o interessado a denunciar o contrato ou pedir a sua resolução (FIGUEIREDO, 2006, p. 736). Na verdade, como se percebe, a teoria da imprevisão foi assentada em fundamentos diversos. A propósito, Arnoldo Medeiros da Fonseca (1958, p. 223) lembra que, [...] reiteradamente tem-se apresentado a boa-fé, que é uma regra de aplicação geral em matéria contratual, a que expressamente se referem vários códigos estrangeiros, como fundamento da doutrina favorável à revisão ou resolução judicial dos contratos, no caso da superveniência de circunstâncias imprevistas. Neste sentido, Arnoldo Medeiros da Fonseca, citado por Alcio Manoel de Souza Figueiredo (2006, p. 746), após a análise das doutrinas que fundamentam a teoria da imprevisão, conclui que a revisão do contrato deve ter seu fundamento na “própria noção de direito” e nos “princípios da eqüidade”. É correto afirmar, portanto, que do processo de evolução da cláusula rebus sic stantibus, passando pelas modernas teorias revisionistas acima citadas, dentre outras teorias3 e fundamentos, surge a teoria da imprevisão. Assim, a teoria da imprevisão é a denominação moderna da rebus sic stantibus, de aplicação no direito contratual, que vai fortalecer-se como princípio de direito a partir da Primeira Guerra Mundial, para solucionar conseqüências jurídicas imprevistas, não amparadas pela codificação da época. Neste aspecto, reconhece Sílvio de Salvo Venosa (2005, p. 497) que “esta conflagração de 1914-1918 trouxe um desequilíbrio para os contratos a longo prazo”, e diante das injustiças geradas pela guerra, o Estado se viu obrigado a intervir. Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Melo (2001, p. 586) assevera que: O advento da primeira Guerra Mundial fez renascer o velho e salutar preceito contido na cláusula rebus sic stantibus. Reaparece com roupagem nova, sob as vestes de „teoria da imprevisão‟. Esforça-se em que a ocorrência de fatos imprevisíveis, anormais, alheios à ação dos contraentes, e que tornam o contrato ruinoso para uma das partes, acarreta situação que não pode ser suportada unicamente pelo prejudicado. Liliane dos Santos Vieira (2001, p. 544) lembra que na Itália foi editado o Decreto de 27 de maio de 1915, que considera a guerra um fato de força maior, com repercussão na execução de contratos celebrados antes 3 Alcio Manoel de Sousa Figueiredo (2006, p. 732-747) refere-se também às seguintes teorias: teoria na vontade eficaz de Kaufmann; teoria do erro de Giovenne; teoria da situação extraordinária de Bruzin; teoria do dever e do esforço de Hartmann; teoria do estado de necessidade de Lehmann e Covielo; teoria do equilíbrio das prestações de Giorgi e Lenel; teoria do fundamento moral de Ripert e Voirin; teoria do fundamento da boa-fé de Wendt e Naket; teoria do fundamento na extrinsibilidade do fortuito aplicada pela jurisprudência alemã, inglesa e francesa e teoria do fundamento da socialização do direito de Badenes Gasset. 3 do conflito. Aduz que no Brasil, por exemplo, o Decreto n. 19.573, de 7 de janeiro de 1931, permitia a resolução dos contratos de locação por funcionários públicos demitidos ou com salário reduzido. Portanto, em diversos países, o sistema jurídico passou a ser informado por um mecanismo tendente a compatibilizar as obrigações assumidas no contrato por manifestação da autonomia da vontade com as alterações supervenientes e imprevisíveis, impeditivas ou prejudiciais à prestação contratual, em proveito de uma parte e em detrimento de outra. Neste período histórico, a teoria da imprevisão vai consagrar-se na França, ao ser invocada no âmbito das contratações públicas pelo Conselho de Estado Francês, o que ocorreu em 1916, no caso da Compagnie du Gaz de Bordeaux, que durante a Primeira Guerra Mundial ficou impossibilitada de seguir fornecendo gás ao preço fixado, pois o custo da matéria-prima aumentou demasiadamente por causa da situação bélica (MATTOS, 2006, P. 24). Esta doutrina surgiu em contraposição à Corte de Cassação, que insistia que as regras traçadas nos contratos deveriam obrigar as partes, privilegiando-se a pacta sun servanda. Mas é com a Lei Faillot, de 1918, que a teoria da imprevisão seria instituída definitivamente como princípio legal. A propósito, Thadeu Andrade da Cunha (1995, p. 36) sublinha com propriedade: Face a resistência da Corte de Cassação, foi promulgada a Lei Faillot, de 21 de maio de 1918, consagrando o princípio da revisão. Com relação aos contratos mercantis, estipulados antes de 1º de agosto de 1914, cujo cumprimento dependesse do futuro, poderiam ser resolvidos, ainda que não ocorresse qualquer das causas estabelecidas pelo Direito Comum ou convencionadas pelas partes, se, em virtude do estado de guerra, a execução das obrigações de qualquer dos contratantes lhe causasse prejuízo cuja importância excedesse de muito as previsões que pudessem razoavelmente ser feitas, ao tempo da convenção. No Brasil, o Código Civil de 1916, movido por um espírito conservador, não tratou expressamente da teoria da imprevisão, conforme salienta Francisco Campos, citado por J. M. Othon Sidou (2001, p. 82): O direito civil moderno, legislado todo ele para uma fase de relativa estabilidade política e econômica, para um mundo anterior às grandes revoluções técnicas que tornaram ainda os povos mais afastados do globo vizinhos e solidários do ponto de vista político e econômico, e, além disso, inspirado do dogma da mais absoluta liberdade contratual ao serviço do egoísmo individual nas competições econômicas, pode, durante largo período de tempo, graças exatamente à pequena amplitude e à reduzida duração e profundidade das perturbações políticas e econômicas, manter a rigidez da concepção romana do contrato. Mais adiante, ressalva o autor antes citado (2001, p. 86) que a cláusula tácita não foi negligenciada pela doutrina e jurisprudência pátrias. Alude à antiga lição do Mestre Clóvis Beviláqua, que leciona: [...] os direitos pessoais importando limitação à livre atividade humana são, necessariamente, de duração limitada. Como não se fixou o prazo para a obrigação assumida [...] terá de reconhecer que a obrigação durará enquanto subsistirem as mesmas condições existentes no momento da conclusão do acordo, rebus sic stantibus.[...]. Muitos doutrinadores sustentavam a aplicação da teoria da imprevisão no art. 85 do Código Civil antigo, pelo qual “Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem”. O fato é que a ausência de regra legal não impediu que a teoria da imprevisão ganhasse foro amplo de aplicação no Direito, porquanto esteve pautada na eqüidade, na boa fé e na moral, princípios norteadores da justiça. Já no Novo Código Civil Brasileiro – Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a possibilidade da resolução judicial dos contratos foi positivada nos arts. 478 a 480. Na exegese dessas normas, ressalva-se que a teoria da imprevisão não enseja tão somente a resolução contratual; o mérito da cláusula tácita está em que as partes podem recompor o equilíbrio contratual, sem prejuízo de recorrerem ao juízo com esta finalidade, preservando-se, assim, a continuidade da avença de forma justa. Igualmente, no Código de Defesa do 4 Consumidor - Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, art. 6º, V -, foi consagrada a teoria da imprevisão. A aplicação dessa teoria também passou a cumprir papel cada vez mais significativo no Direito Administrativo Brasileiro, sob a denominação atualmente reconhecida pela doutrina administrativista como teoria do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, cujas nuances serão apresentadas no tópico seguinte. 2.2 CONCEITO E FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL A nota essencial do contrato de direito privado é a autonomia da vontade, pela qual os contratantes têm a liberdade para estipular as cláusulas que lhes aprouverem nos limites da ordem jurídica, resguardada a possibilidade de adaptá-las ao longo da execução contratual, de acordo com circunstâncias supervenientes. A propósito disso, são elucidativas as palavras de Márcia Walquíria Batista dos Santos (2004, p. 186): Na esfera do Direito Privado o contrato entre particulares é regulado basicamente pelo princípio da autonomia da vontade, o qual confere aos contratantes a prerrogativa de estabelecerem relações jurídicas na órbita contratual, desde que versem sobre objeto lícito e respeitem a ordem pública. Desta forma, respeitados os requisitos legais, o contrato torna-se perfeito e obrigatório para as partes que dele não se podem desligar, estabelecendo uma espécie de lei entre as partes e adquirindo força vinculante. É o chamado pacta sun servanda. A verdade é que, inicialmente, os contratos administrativos não diferiam muito dos contratos de direito privado, pois privilegiavam a igualdade entre as partes, a autonomia da vontade e a pacta sun servanda. Mas essa idéia primordial não perdurou, pois a consecução do interesse público exigiu da Administração Pública uma posição privilegiada na relação contratual frente ao particular, a partir do exercício de prerrogativas, materializadas por meio das chamadas cláusulas exorbitantes. Atento a esta evolução, Durciran Van Marsen Farena (1990, p. 125) esclarece que: A primazia do público que caracterizou os primeiros tempos da expansão das atividades estatais repercutiu no mundo jurídico pela criação da categoria dos contratos administrativos com características peculiares e apartadas das do Direito Privado. [...] A ênfase na finalidade pública, a exigência de formalidades de cunho controlador, ou moralizador, e principalmente a inclusão de cláusulas exorbitantes, assim consideradas porque inadmitidas no regime privado, marcaram essa nova fase da doutrina. A limitação da liberdade contratual das partes, por estar a Administração jungida à lei e o contratante limitado por esta e pelas cláusulas da Administração, ergueu-se em características desse contrato, fazendo nascer a figura do contrato de adesão. Portanto, tendo em conta a prevalência do interesse público sobre o privado, o regime jurídico do contrato administrativo dá relevo às chamadas cláusulas exorbitantes, as quais concedem à Administração o poder de proceder a alterações unilaterais, rescindir o contrato quando o exigir o interesse público, impor sanções, etc. Em determinadas circunstâncias, esta supremacia da Administração, que imprime na relação contratual uma característica de mutabilidade, poderia colocar em risco o cumprimento das obrigações do contratante, razão pela qual a teoria do equilíbrio econômico-financeiro foi concebida como instituto jurídico de extrema relevância no âmbito dos contratos públicos. Neste contexto, lúcida é a abordagem de Fernando Vernalha Guimarães (apud MUKAI, 2006, p. 138149): A associação do particular co-contratante à função de prossecução do interesse público – situando-o como colaborador da Administração, daí experimentando certa insegurança em face de alterações unilateralmente 5 promovidas pelo ente público – foi o que concebeu o desenvolvimento de uma teoria do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, garantindo aos contraentes a intangibilidade da equação econômico-financeira. Trata-se de princípio que visa assegurar aos contraentes a mesma relação de eqüidade existente ao tempo da celebração contratual (apresentação da proposta no âmbito licitatório) entre os encargos assumidos pelos particulares e a remuneração devida pela Administração. Neste mesmo sentido, Márcia Walquíria Batista dos Santos (2004, p.186) adverte: Vale ressaltar que a mutabilidade aplicada às cláusulas regulamentares não se aplica às cláusulas financeiras, pois “enquanto as cláusulas regulamentares decorrem do poder regulamentar da Administração Pública (razão pela qual alguns doutrinadores negam a natureza contratual aos ajustes por ela celebrados), as cláusulas financeiras têm natureza tipicamente contratual, porque elas é que estabelecem o equilíbrio econômicofinanceiro do contrato. Nenhuma empresa que exerça atividade econômica de fins lucrativos teria interesse em contratar com a Administração Pública se não fosse protegida por cláusulas tipicamente contratuais, imutáveis por decisão unilateral. Na prática, é possível encontrar a invocação do equilíbrio econômico-financeiro como forma de melhorar as condições do contratado, visando à obtenção de lucros maiores. Essa perspectiva é equivocada, conforme Kiyoshi Harada (2006, p.7), segundo o qual o equilíbrio econômico-financeiro tem o mister de preservar o próprio interesse público subjacente ao contrato público. Nesse contexto, proclama a doutrina de Marçal Justen Filho (2006, p. 542): A tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos destina-se a beneficiar à própria Administração. Se os particulares tivessem de arcar com as conseqüências de todos os eventos danosos possíveis, teriam de formular propostas mais onerosas. A Administração arcaria com os custos correspondentes a eventos meramente possíveis – mesmo quando inocorressem, o particular seria remunerado por seus efeitos meramente potenciais. É muito mais vantajoso convidar os interessados a formular a menor proposta possível: aquela que poderá ser executada se não se verificar qualquer evento prejudicial ou oneroso posterior. [...] Nesse mesmo compasso, Hely Lopes Meirelles (apud Santos, 2004, p. 187) professa: O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas por parte do contratado objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a Administração se veja compelida a modificar o projeto, ou o modo e forma da prestação contratual, para melhor adequação às exigências do serviço público. Sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 577 e 579) doutrina: Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá. [...] Enquanto o particular procura o lucro, o Poder Público busca a satisfação de uma utilidade coletiva. Calha, pois, à Administração atuar em seus contratos com absoluta lisura e integral respeito aos interesses econômicos legítimos de seu contratante, pois não lhe assiste minimiza-los em ordem a colher benefícios econômicos suplementares ao previsto e hauridos em detrimento da outra parte. E Mauro Roberto Gomes de Mattos (2001, p. 120) sintetiza: 6 O princípio em tela é simples, pois resguarda o valor avençado no contrato administrativo no intuito de manter uma linha de equilíbrio que deve nortear a atividade contratada em face do encargo financeiro correspondente. O tempo não possui o condão de alterar ou apagar a referida relação de adequação, podendo, entretanto, ocorrer variações. Variações estas, porém, que jamais poderão romper o equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato. Com a solidificação doutrinária e jurisprudencial, a teoria consagra-se constitucionalmente, sendo que na vigência da Constituição anterior já existia expressa proteção ao equilíbrio econômico-financeiro nas concessões públicas. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 erigiu a garantia ao equilíbrio econômicofinanceiro à condição de norma fundamental, na forma do artigo 37, inciso XXI, que estabelece: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos ter da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Denota-se que a norma constitucional não utiliza a expressão “equilíbrio econômico-financeiro”, mas refere-se à “manutenção das condições efetivas da proposta, nos termos da lei”. Mas a doutrina contempla denominações variadas de institutos ligados a este comando constitucional, tais como reequilíbrio econômicofinanceiro, revisão, recomposição, reajuste, realinhamento, repactuação, atualização e correção monetária. Como já salientado, a preocupação aqui está voltada para a delimitação do tema “repactuação”, procedimento destinado à preservação da relação econômico-financeira de contratos de prestação de serviços contínuos. Todavia, restaria inútil estudar repactuação sem situá-la no contexto do preceito constitucional do art. 37, XXI. Para tanto, também se afigura indispensável distinguir repactuação de outros procedimentos legais que concorrem para a preservação das condições efetivas da proposta, o que será feito adiante. 2.3 FORMAS LEGAIS DE MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO Como visto, o princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo tem matiz constitucional. Apesar de o preceito estar orientado para o equilíbrio do contrato, é um equivoco pensar que é o início da vigência do contrato o termo a quo para as partes demandarem a revisão que se fizer necessária. Na exegese do dispositivo do art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, tornou-se unânime na doutrina que é a partir da formulação da proposta que se cogita a possibilidade de rever a equação econômicofinanceira do ajuste. Desse modo, se entre a data da proposta e a assinatura do contrato sobrevirem eventos que modifiquem a relação formada entre os encargos contratuais e a correspondente remuneração, a revisão deve ser procedida. Neste sentido anotou Justen Filho (2006, p. 543): A equação econômico-financeira delineia-se a partir da elaboração do ato convocatório. Porém, a equação se firma no instante em que a proposta é apresentada. Aceita a proposta pela Administração, está consagrada a equação econômico-financeira dela constante. A partir de então, essa equação está protegida e assegurada pelo Direito. 7 Portanto, revela-se inconstitucional a interpretação de que o equilíbrio econômico-financeiro deve ser revisto tão somente a partir da entrada em vigor do contrato, orientação que vale para quaisquer dos mecanismos legais que vise assegurar o princípio constitucional em tela. Com efeito, a norma constitucional reserva à lei a regulamentação do equilíbrio econômico-financeiro. Por isso, deve-se buscar primeiramente na Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública) os fundamentos para a aplicação desse preceito. Ao regulamentar esse comando constitucional, a Lei 8.666/93 assegurou a “manutenção do equilíbrio econômico-financeiro” inicial do contrato (ou da proposta) nos arts. 57, § 1º; 58, I, §§ 1º e 2º, e 65, II, d, e §§ 5º e 6º, bem como a obrigatoriedade de previsão no edital do “critério de reajuste” do custo contratual desde a data da apresentação da proposta até o período de adimplemento, tal como previsto nos arts. 40, XI e 55, III. Então, num primeiro momento, pode-se dizer que há dois institutos legais que visam assegurar a efetividade da garantia do equilíbrio econômico-financeiro previsto no art. 37, XXI, da Constituição Federal: o reequilíbrio econômico financeiro (ou revisão) e o reajuste. Nesse contexto legal, conforme reconhece a doutrina 4, restou consagrada a repactuação, que não desponta como um novo instituto jurídico preceituado pela Lei, mas como um procedimento, criado pelo Decreto Presidencial n. 2.271/97, para se adequar o preço dos contratos de prestação de serviços executados de forma contínua à realidade de mercado, observado o interregno mínimo de um ano (contado na forma da legislação) e a demonstração analítica da variação dos custos de produção/insumos. Estes três procedimentos serão detidamente analisados em seguida, com o intuito de bem discerni-los e diferenciá-los quanto à sua correta aplicação. Por fim, é possível conceber a correção monetária como forma de manutenção do equilíbrio da equação econômico-financeira contratual, pois visa manter o valor efetivo do preço proposto, referindo-se ao custo do dinheiro. De fato, a correção monetária serve como fator de eliminação da defasagem entre o valor nominal e o valor real da moeda. Assim, tal como estabelecido no art. 40, XIV, “c”, da Lei n. 8.666/93, o edital de licitação, ou o contrato celebrado mediante inexigibilidade ou dispensa, deverão prever como condição do pagamento, “critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento”, regra que está igualmente inserta no art. 55, III, parte final, como cláusula obrigatória nos contratos públicos, no que se refere aos “critérios de atualização das obrigações e a do efetivo pagamento”. Tal previsão se faz indispensável para as situações em que a administração, por sua culpa exclusiva, realiza pagamentos fora do prazo, o que é solucionado com a aplicação de um índice que reflita a variação inflacionária do período. Cuida-se, na seqüência, do reequilíbrio econômico-financeiro e do reajuste. Para a repactuação será dedicado todo o segundo capítulo, situando-a em relação a esses dois institutos jurídicos, de maneira a apresentar-se todas as suas características e efeitos. 2.3.1 REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO (REVISÃO OU RECOMPOSIÇÃO) Na Lei n. 8.666/93, encontra-se o termo “manutenção do equilíbrio econômico-financeiro”, mas a doutrina enfrenta o mesmo tema sob outras denominações, tais como reequilíbrio econômico-financeiro, revisão ou recomposição, sendo que as duas primeiras são as mais usuais. Adota-se aqui o vocábulo “reequilíbrio econômico-financeiro” para facilitar a exposição do assunto. Conforme se mencionou acima, este instituto jurídico está disciplinado nos arts. 57, 58 e 65 da Lei n. 8.666/93, que seguem transcritos: Art. 57... § 1º. Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que 4 Os renomados juristas Marçal Justen Filho e Diógenes Gasparini reconhecem a repactuação como um procedimento hábil à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de prestação de serviços de execução continuada. 8 ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo: I – alteração do projeto ou especificações, pela Administração; II – superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato; III – interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração; IV – aumento da quantidades inicialmente previstas do contrato, nos limites permitidos por esta Lei; V – impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência; VI – omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis. [...] Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituídos por esta Lei confere à Administração em relação a eles, a prerrogativa de: I – modifica-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; § 1º. As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. § 2º. Na hipótese do inc. I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual. [...] Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: II – por acordo das partes: d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. § 5º. Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso. § 6º. Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro. Relativamente às contratações públicas, pode-se inferir que houve a preocupação do legislador em prever expressamente as situações que ensejam o reequilíbrio econômico-financeiro: as regras do § 1º do art. 57 tratam da alteração dos prazos de execução do contrato nas situações ali estipuladas, resguardado sempre o equilíbrio econômico-financeiro; o art. 58, I, prevê a prerrogativa de a Administração modificar unilateralmente o contrato para melhor adequá-lo ao interesse público, sendo inafastável, também, a revisão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato; a seu turno, o art. 65, II, “d”, trata especialmente da teoria da imprevisão, da força maior e do caso fortuito ou fato do príncipe, no sentido de assegurar a aplicação do mesmo princípio constitucional. Portanto, são inúmeros os dispositivos na Lei de Licitações e Contratos que disciplinam o reequilíbrio econômico-financeiro, aplicável nas hipóteses de alterações unilaterais promovidas pela administração com vistas ao melhor atendimento do interesse público, bem como pela ocorrência de fatos supervenientes à contratação, imprevistos ou imprevisíveis, irreversíveis, capazes de acarretar um ônus excessivo para quaisquer das partes, modificando a equação econômico-financeira do momento do ajuste, submetido este último caso ao 9 ajuste bilateral. Nesta última hipótese, está consagrada a teoria da imprevisão, ou o que se pode chamar de teoria do equilíbrio econômico-financeiro do contrato num sentido estrito (reequilíbrio econômico-financeiro ou revisão), sendo que, em sentido amplo deve ser considerado o preceito constitucional, que envolve também o reajuste. A fim de regular as causas de desequilíbrio decorrentes de álea extraordinária contratual, o art. 65, II, “d” da Lei n. 8.666/93, que foi inicialmente vetado pelo Presidente da República, mas foi restabelecido pela Lei n. 8.883, de 8 de junho de 1994, previu expressamente a possibilidade de se reequilibrar a equação econômicofinanceira do contrato. Acerca dos requisitos para a aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999, p. 262) disserta: Aliada essa norma aos princípios já assentes em doutrina, pode-se afirmar que são requisitos para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pela aplicação da teoria da imprevisão, que o fato seja: 1. imprevisível quanto à sua ocorrência ou quanto às suas conseqüências; 2. estranho à vontade das partes; 3. inevitável; 4. causa de desequilíbrio muito grande no contrato. [...] Se for fato previsível e de conseqüências calculáveis, ele é suportável pelo contratado, constituindo álea econômica ordinária; a mesma conclusão, se se tratar de fato que o particular pudesse evitar, pois não será justo que a Administração responda pela desídia do contratado; só o desequilíbrio muito grande, que torne excessivamente onerosa a execução para o contratado, justifica a aplicação da teoria da imprevisão, pois os pequenos prejuízos, decorrentes de má previsão, constituem álea ordinária não suportável pela Administração. Além disso, tem que ser fato estranho à vontade das partes: se decorrer da vontade do particular, responde sozinho pelas conseqüências de seu ato; se decorrer da vontade da Administração, cai-se nas regras referentes à álea administrativa (alteração unilateral e teoria do fato do príncipe). Visando elucidar o instituto do reequilíbrio econômico-financeiro, Odete Medauar (2005, p. 257) define: A alínea d diz respeito à chamada teoria da imprevisão que, em síntese, se expressa no seguinte: circunstâncias, que não poderiam ser previstas no momento da celebração do contrato, vêm modificar profundamente sua economia, dificultando sobremaneira sua execução, trazendo “déficit” ao contratado; este tem direito a que a Administração o ajude a enfrentar a dificuldade, para que o contrato tenha continuidade. Tais circunstâncias ultrapassam a normalidade, revestindo-se de caráter excepcional; por isso passaram a ser incluídas na expressão álea extraordinária. A teoria da imprevisão, própria do direito administrativo, representa, nesse âmbito, o que a cláusula rebus sic stantibus (literalmente, estando assim as coisas, se as coisas tiverem se mantido no mesmo estado) significa nos contratos do direito privado. Como já exposto alhures, ao passo que a Administração busca por meio do contrato o atendimento de um interesse público, o particular visa o lucro, que deve ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude. Ora, sendo a estabilidade das relações jurídicas uma marca essencial do Estado de Direito, impor ao contratado a diminuição de seus lucros significa submetê-lo à situação de insegurança capaz de ameaçar a regular continuidade da execução do contrato, com potencial prejuízo ao próprio interesse público. Aliás, é neste aspecto que, modernamente, a doutrina tem situado o contratado como colaborador da Administração na prossecução do interesse público. Não se quer dizer, por outro lado, que a Administração deva recompor imediatamente alterações decorrentes de qualquer fato inerente à álea ordinária, ou provocadas por situações previsíveis, posto que estas são inexoráveis a qualquer atividade empresarial. Nestes casos, entretanto, não se pode olvidar a fixação de critérios de reajuste por ocasião da celebração contratual, justamente para, observado o interregno legal mínimo, recompor a contraprestação corroída pelos efeitos 10 inflacionários. Mas este aspecto será tratado logo adiante, no tópico destinado ao estudo do reajuste. Ainda acerca do reequilíbrio econômico-financeiro, a que alude o art. 65, II, “d”, da Lei n. 8.666/93, convém aduzir que sua aplicação não está submetida à verificação de qualquer prazo legal. Uma vez constatada a ocorrência de fato imprevisível, ou previsível de conseqüências incalculáveis, que modifique a relação entre os encargos e a remuneração correspondente, as partes devem recompor essa equação imediatamente. Para tanto, deve ser cabalmente demonstrada em processo administrativo a existência de um fato que modifique a equação econômico-financeira do contrato. Uma vez caracterizada a álea extraordinária e calculados seus efeitos, as partes devem materializar a revisão por meio de termo aditivo, com suporte analógico no art. 65, § 6 º, da Lei n. 8.666/93, exigindo-se a subseqüente publicação, para fins de eficácia, nos termos do art. 61, parágrafo único, da mesma Lei. 2.3.2 REAJUSTE O reajuste é o instrumento legal que visa manter o equilíbrio econômico-financeiro em função da elevação dos insumos que compõem o custo do objeto do contrato. As partes, ao tempo da celebração do contrato, prevenindo-se quanto aos efeitos da inflação, estabelecem um critério de reajuste ou índice inflacionário no intuito de preservar a contraprestação devida ao contratado. Cumpre função primordial nos contratos de execução continuada, cuja vigência, por desenvolver-se por longo período, sofre os efeitos da inflação, que compromete a justa remuneração do contrato. Acerca do surgimento da cláusula de reajuste, Caio Tácito (1992, p 93) elucida que: A continuada perturbação da ordem financeira deu continuidade à tendência revisionista dos contratos, inclusive nas relações privadas, mediante a crescente adoção de critérios de reajuste de preços contratuais, a princípio pela acolhida da teoria da imprevisão e pelo nascimento de cláusulas preventivas da ruptura do equilíbrio entre as obrigações. Neste sentido prosperaram as cláusulas móveis na composição dos preços contratuais e, em seguida, se generalizou a regra da correção monetária do valor das obrigações de pagar, sempre em coerência com o princípio capital da justa correspondência entre as obrigações [...]. Na Lei n. 8.666/93, o reajuste está presente nos arts. 40, XI e 55, III, in verbis: Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e do seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista pra apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento. Em comentário ao inciso XI do art. 40, Mauro Roberto Gomes de Mattos (2001, p.136) aduz: Esta redação foi introduzida pela Lei n. 8.883/94, que, sensível à galopante inflação que assolava o país, estabeleceu o imediato e eficaz reajustamento dos pagamentos das contratações públicas, que ficavam defasadas em razão das elevações do mercado, da desvalorização da moeda ou do aumento geral de salários no período da execução do contrato. O Poder Judiciário ficava abarrotado de demandas envolvendo solicitações de reajustamentos de preços ou 11 tarifas por parte dos concessionários do serviço público. Cuidou, assim, a própria Lei de Licitações Públicas de conter norma expressa que vincula o contratante a recompor perdas acarretadas por fatores ligados ao custo de vida e à desenfreada inflação reinante antes da estabilização econômica que vive na atualidade. Tangenciando o assunto, Antônio Carlos Cintra do Amaral (1996, p. 163) destaca que: Ao celebrar o contrato de execução de obra, prestação de serviços ou compra e venda de bens para entrega futura, as partes podem estabelecer ou não cláusula de reajuste de preços. É óbvio que, em economias altamente inflacionárias, tal cláusula é indispensável, salvo se o prazo de execução for extremamente curto. Mesmo em uma economia com inflação baixa, porém, ela é necessária, embora a periodicidade de sua aplicação possa ser maior (atualmente é de um ano). Qualquer que seja a modalidade adotada, a função da cláusula de reajuste é evitar que o contrato venha a ter, na fase de execução, sua equação econômica rompida, ruptura essa decorrente de elevação dos custos dos insumos utilizados. É interessante anotar que a Lei n. 8.666/93 foi promulgada num período de altas taxas inflacionárias, o que motivou a previsão de adoção de critérios de reajuste como forma de manter a justa remuneração contratual. Neste sentido, leciona Marçal Justen Filho (2006:550): [...] o “reajuste” de preços é uma solução desenvolvida na experiência estrangeira, mas que recebeu aplicação muito intensa na prática contratual brasileira. Convivendo em regime de permanente inflação, verificou-se a impossibilidade e a inconveniência da prática de preços nominais fixos. Com o passar do tempo, generalizouse a prática da indexação em todos os campos. A indexação foi encampada também nas contratações administrativas. A Administração passou a prever, desde logo, a variação dos preços contratuais segundo a variação de índices (predeterminados ou não). Essa prática é identificada como “reajuste” de preços. Trata-se da alteração dos preços para compensar (exclusivamente) os efeitos das variações inflacionárias. A adoção de critério de reajuste ganha relevo nas contratações com prazo de vigência mais elástico, nas quais o equilíbrio contratual torna-se mais suscetível às variações inflacionárias. Porém, é de notar que pode ser dispensada nos contratos de curta duração, como ocorre no caso das compras com entrega imediata, ressalvada a incidência de correção monetária para as hipóteses de inadimplemento ou atraso no pagamento pela Administração. Neste aspecto, Justen Filho (2006, p. 395) observa: Os pressupostos do reajuste são dois, a saber: - previsível ocorrência de inflação durante o período que medeia entre a formulação da proposta e o pagamento; - imprevisibilidade dos índices inflacionários no período. Por isso, pode ser dispensada a inclusão de cláusula de reajuste de preços quando o pagamento deva ocorrer em curto espaço de tempo. A dispensa da cláusula deriva não da inexistência de inflação, mas da possibilidade de previsão dos índices correspondentes. Depreende-se, então, que a lei admite como critério de reajuste a eleição de índices oficiais que reflitam a variação inflacionária dos custos de produção/insumos que interferem na formação do preço. Neste caso, tratase de um procedimento automático, que não implica alteração contratual, mas que enseja a aplicação de cláusula previamente estabelecida, razão pela qual prescinde da celebração de aditamento, permitido o apostilamento, nos termos do art. 65, § 8º, da Lei n. 8.666/93. À propósito, de acordo com Floriano P. Azevedo Marques Neto (1997, p. 218), no reajuste incide apenas “a aplicação sobre os preços oferecidos do índice de variação dos custos dos elementos componentes 12 destes preços, através da referência previamente estabelecida no ato convocatório e na minuta de contrato a ele acostada”. Ainda, da leitura do art. 40, XI, da Lei n. 8.666/93, verifica-se que a incidência do reajuste deverá ser computada “desde a data prevista para a apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela”. No mesmo sentido, o art. 55, III, alude aos “critérios, database e periodicidade do reajustamento”. Seguindo a determinação do preceito constitucional - e não poderia ser diferente, pois o reajuste consiste num mecanismo de equilíbrio financeiro do contrato -, a lei focaliza a proposta ou o orçamento a que essa se refere como marco para o reajustamento. Aliás, da letra da lei infere-se a expressão “data prevista para a apresentação da proposta”, que no entender de Jessé Torres Pereira Júnior (2002, p. 430), “é a data da entrega dos respectivos envelopes, que deve vir indicada no edital consoante exige a cabeça do mesmo art. 40”, sendo este o termo a quo para a aplicação do reajuste. Daí surge um dos aspectos particulares do reajustamento: a periodicidade legal para a sua concessão. Tal regra deve ser interpretada à luz da legislação que rege o Sistema Monetário Nacional, notadamente conforme a Lei n. 9.069, de 29 de junho de 1995, que dispõe sobre o Plano Real, e Lei n. 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, que trata de Medidas Complementares ao Plano Real. A importância de tais normas para o presente estudo está relacionada à observância da periodicidade anual e à data-base para a aplicação do reajuste contratual, como medida de controle inflacionário. Neste contexto, é oportuno trazer à lume as regras previstas no art. 28 da Lei n. 9.069/95, in verbis: Art. 28. Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual. § 1º É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano. § 2º O disposto neste artigo aplica-se às obrigações convertidas ou contratadas em URV até 27 de maio de 1994 e às convertidas em REAL. § 3º A periodicidade de que trata o caput deste artigo será contada a partir: I – da conversão em REAL, no caso das obrigações ainda expressas em Cruzeiros Reais; II – da conversão ou contratação em URV, no caso das obrigações expressas em URV contratadas até 27 de maio de 1994; III – da contratação, no caso de obrigações contraídas após 1º de julho de 1994; e IV – do último reajuste no caso de contratos de locação residencial. [...] § 5º O Poder Executivo poderá reduzir a periodicidade de que trata esse artigo. Logo em seguida foi editada a Medida Provisória 1.053, que sofreu sucessivas reedições até a Medida Provisória 2.074-72, por sua vez convertida na Lei n.10.192/01, a qual trata das normas complementares ao Plano Real, que sobre o reajuste prescreve: Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. § 1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano. § 2º Em caso de revisão contratual, o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido. §3ºRessalvado o disposto no § 7º do art. 28 da Lei n. 9.069 de junho de 1995, e no parágrafo seguinte, são 13 nulos de pleno direito quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos equivalentes aos de reajuste de periodicidade inferior à anual. Art. 3º Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. §1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para a apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir. §2º O Poder Executivo regulamentará o disposto neste artigo. A exegese das normas acima permite concluir que é admitida, como critério de reajuste, a estipulação de índices gerais ou setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos inerentes ao objeto do contrato, e que a periodicidade para o reajuste não poderá ser inferior a um ano, contado da data limite para a apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se refere. No âmbito Federal, o reajuste foi regulamentado pelo Decreto n. 1.054, de 7 de fevereiro de 1994, tendo em vista o disposto no § 1º do art. 5º, § 7º do art. 7º, e nos incisos XI e XIV do art. 40 e no inciso III do art. 55, todos da Lei n. 8.666/93. Em que pese esse regulamento ter sido expedido antes de instituído o Plano Real, entende-se que suas regras devem ser interpretadas conforme as disposições das Leis n. 9.069/95 e n. 10.192/01. Neste caso, o art. 2º do Decreto n. 1.054/94, ao prever que os critérios de atualização monetária, a periodicidade e o critério de reajuste de preços nos contratos deverão ser previamente estabelecidos nos instrumentos convocatórios de licitação ou nos atos formais de dispensa ou inexigibilidade, deve-se cuidar para que seja observada a periodicidade mínima de um ano, contada nos termos da lei, permitida a estipulação de índice que reflita a variação inflacionária. 2.4 DISTINÇÃO ENTRE REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E REAJUSTE O reequilíbrio econômico-financeiro e o reajuste convergem quanto à finalidade: ambos são institutos que visam atender ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, instituído como vetor constitucional. Porém, distinguem-se sob diversos aspectos, conforme assinala Marçal Justen Filho (2006, p. 395): A recomposição de preços é o procedimento destinado a avaliar a ocorrência de evento que afeta a equação econômico-financeira do contrato e promove adequação das cláusulas contratuais aos parâmetros necessários para recompor o equilíbrio original. Já o reajuste é procedimento automático, em que a recomposição se produz sempre que ocorra a variação de certos índices, independente de averiguação efetiva do desequilíbrio. Aprofundando os conceitos, o reajuste é conseqüência de uma espécie de presunção absoluta de desequilíbrio. Já a recomposição pressupõe a apuração real dos fatos e exige a comprovação acerca de todos os detalhes relacionados com a contratação e os supervenientes a ela. Daí conclui-se que o reajuste decorre de própria aplicação de cláusula contratual, cujo critério pressupõe a alteração da relação financeira contratual, ou seja, o reajuste tem por escopo recompor uma alteração prevista e previsível, que será dimensionada na medida da variação do índice inflacionário previamente fixado, observada a periodicidade mínima de um ano, nos termos da legislação que regulamenta o Plano Real. A recomposição de preços5 (reequilíbrio econômico-financeiro) não é automática, depende da demonstração cabal de um fato imprevisto e imprevisível, e tanto pode ser provocado pela Administração como pelo contratado; não está adstrita a qualquer interregno mínimo, devendo recompor a equação econômicofinanceira a partir do evento que modificou essa relação; por não ser um procedimento automático, implica em alteração contratual, que deve ser materializada mediante termo aditivo, conforme assinala Dalton Santos Morais (2005, p. 158): Representando o equilíbrio econômico-financeiro verdadeira cirurgia ao contrato administrativo, determina a 5 Termo empregado por Justen Filho para designar o reequilíbrio econômico-financeiro a que alude o art. 65, II, d da Lei n. 8.666/93. 14 lei que seja ele implementado por meio de Termo Aditivo ao contrato em vigor [...]. Haja vista a necessidade de demonstração dos fatos que acarretem a concessão de reequilíbrio econômicofinanceiro de contrato administrativo, deve a Administração formalizar o requerimento do contratado em procedimento administrativo próprio para tanto e determinar àquele a juntada de prova documental que demonstre os fatos acima mencionados, bem como suas graves conseqüências à relação econômico-financeira do contrato em vigor. Neste sentido, Antônio Carlos Cintra do Amaral (1996, p. 164) acentua que a cláusula de reajuste tem caráter prospectivo, pois se insere na etapa de planejamento do contrato, ao passo que a revisão opera no presente, mas a partir de uma visão retrospectiva, pois a revisão surge no momento em que se verifica o desbalanceamento. É preciso ressaltar, no entanto, que o reajuste, muito embora seja previsto no contrato, só terá efeito após um ano da data-base (data da proposta ou do orçamento desta), depois de verificada a variação inflacionária desse período, mas com efeitos para o futuro, nunca com efeitos ao período pretérito. 2.5 A REPACTUAÇÃO COMO PROCEDIMENTO DE PRESERVAÇÃO DAS CONDIÇÕES EFETIVAS DA PROPOSTA Para regular os contratos de prestação de serviços de execução continuada firmados pela administração pública federal, assim admitidos aqueles cuja vigência poderá ultrapassar o exercício financeiro, comportando um prazo de duração de até 60 (sessenta) meses, nos termos do art. 57, II, da Lei n. 8.666/936, a Administração Federal criou o procedimento da repactuação. A repactuação, no dizer de Diógenes Gasparini (2004, p. 592), “é um processo de restauração da equação econômico-financeira do contrato, que se ombreia, nesse particular, ao reajustamento e à revisão. Só é obrigatória para a Administração Federal, autárquica e fundacional”. O tema principal deste estudo é a repactuação. Porém, seria inútil propor qualquer estudo sobre repactuação sem situá-la no contexto do reequilíbrio econômico-financeiro e do reajuste. Por isso, tudo o que se estudou até aqui será primordial para a compreensão desse tema, que será tratado no próximo capítulo como um dos instrumentos da garantia constitucional do equilíbrio econômico-financeiro. 3 A REPACTUAÇÃO 3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O TEMA A figura da repactuação tem-se revelado um dos temas mais polêmicos no âmbito das contratações públicas. Trata-se de uma das formas de manutenção da equação econômico-financeira do contrato, instituída pelo Poder Executivo Federal por meio do Decreto n. 2.271, de 7 de julho de 1997, para readequar o preço dos contratos de prestação de serviços contínuos à realidade de mercado, observado o interregno mínimo de um ano e a demonstração da variação dos custos dos insumos inerentes ao objeto do contrato. As dificuldades de compreensão que o procedimento de repactuação despertam são inúmeras, a começar que não há definição legal como instituto jurídico, e em razão disso, há poucos registros do tema na doutrina. É verificável que, diante da variação dos insumos dos contratos, os particulares, na condição de contratados, nem sempre sabem em que dispositivo legal devem fundamentar seus pedidos de recomposição contratual – ora manejam o reequilíbrio econômico-financeiro, ora o reajuste. Essa dificuldade decorre do fato de que a repactuação não é um procedimento expressamente definido na lei, mas uma solução administrativa. 6 Art. 57 A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: I – omissis; II – à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, limitada a sessenta meses; 15 De todo modo, é preciso considerar que, se a Administração Pública está jungida ao princípio da legalidade por força constitucional (art. 37, caput da Constituição Federal), esse procedimento regulamentar tem que se fundamentar em algum instituto legal. Na prática, a repactuação convive com o reequilíbrio econômico-financeiro e com o reajuste, formas estas expressamente legais voltadas à preservação das condições efetivas da proposta como preceito constitucional inexorável às contratações públicas. Por isso, ao abordar-se o assunto, discute-se qual desses procedimentos é oportuno para resolver determinados casos e dar cumprimento ao referido mandamento constitucional. Sobreleva perquirir, sobretudo, se os institutos legais do reequilíbrio e do reajuste dão respaldo à aplicação da repactuação. Afinal, por que se criou o procedimento da repactuação? O fato é que, sendo um fenômeno administrativo, a repactuação é tema abordado em decisões do Tribunal de Contas da União. Assim, também, a Advocacia-Geral da União cuidou da repactuação em diversos pareceres, e consolidou orientações sobre o assunto. Por fim, para uniformizar de uma vez o procedimento da repactuação no âmbito da Administração Pública Federal, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão resolveu a questão em instruções normativas. Cabe destacar, no entanto, que a consolidação do tema repactuação na Administração Pública Federal é recente, de modo que o presente artigo tem o propósito de oferecer uma melhor compreensão do assunto. 3.2 PREVISÃO REGULAMENTAR A Administração Pública Federal, quando contrata prestação de serviços de natureza contínua, serve-se da repactuação para adequar, ao longo do tempo, os valores avençados aos preços reais de mercado. Como já mencionado anteriormente, esse procedimento foi instituído pelo art. 5º do Decreto n. 2.271, de 7 de julho de 1997, in verbis: Decreto n. 2.271, de 7 de julho de 1997 [...] Art. 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada. Logo em seguida foi editada a Instrução Normativa n. 18, de 22 de dezembro de 1997, pelo então Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, visando disciplinar a contratação de serviços a serem executados de forma indireta e contínua, dedicando, no item 7, algumas disposições à repactuação, neste sentido: Instrução Normativa MARE n. 18, de 22 de dezembro de 1997. [...] 7. DA REPACTUAÇÃO DOS CONTRATOS 7.1. Será permitida a repactuação do contrato, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano, a contar da data da proposta, ou da data do orçamento a que a proposta se referir, ou da data da última repactuação; 7.2. Será adotada como data do orçamento a que a proposta se referir, a data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta, vedada a inclusão, por ocasião da repactuação, de antecipações e de benefícios não previstos originariamente. 7.3. A repactuação será precedida de demonstração analítica do aumento dos custos, de acordo com a Planilha de Custos e Formação de Preços referida no subitem 1.1.5. Da leitura dos dispositivos regulamentares supracitados, é possível concluir que a repactuação exigia 16 dois requisitos fundamentais para a sua concessão: (a) o interregno mínimo de um ano e (b) a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato. Tais normativos não se demonstravam suficientes para regular o assunto, pois deixavam muitas lacunas que a jurisprudência do Tribunal de Contas e os pareceres da Advocacia-Geral da União tentaram suprir. As discussões foram evoluindo até que o Ministério do Planejamento e Gestão editou a Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 02, de 30 de abril de 2008, que tratou da repactuação nos arts. 37 a 41, que assim dispõem: DA REPACTUAÇÃO DE PREÇOS DOS CONTRATOS Art. 37. Será admitida a repactuação dos preços dos serviços continuados contratados com prazo de vigência igual ou superior a doze meses, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano. Art. 38. O interregno mínimo de 1 (um) ano para a primeira repactuação será contado a partir: I - da data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório; ou II - da data do orçamento a que a proposta se referir, admitindo-se, como termo inicial, a data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a maior parcela do custo da contratação for decorrente de mão-de-obra e estiver vinculado às datasbase destes instrumentos. Parágrafo único. Quando a contratação envolver mais de uma categoria profissional, com datas-base diferenciadas, a data inicial para a contagem da anualidade será a data-base da categoria profissional que represente a maior parcela do custo de mão-de-obra da contratação pretendida; Art. 39. Nas repactuações subseqüentes à primeira, a anualidade será contada a partir da data da última repactuação ocorrida. Art. 40. As repactuações serão precedidas de solicitação da contratada, acompanhada de demonstração analítica da alteração dos custos, por meio de apresentação da planilha de custos e formação de preços e do novo acordo ou convenção coletiva que fundamenta a repactuação. § 1º É vedada a inclusão, por ocasião da repactuação, de benefícios não previstos na proposta inicial, exceto quando se tornarem obrigatórios por força de instrumento legal, sentença normativa, acordo coletivo ou convenção coletiva. § 2º Quando da solicitação da repactuação, esta somente será concedida mediante negociação entre as partes, considerando-se: I - os preços praticados no mercado e em outros contratos da Administração; II - as particularidades do contrato em vigência; III - o novo acordo ou convenção coletiva das categorias profissionais; IV - a nova planilha com a variação dos custos apresentada; V - indicadores setoriais, tabelas de fabricantes, valores oficiais de referência, tarifas públicas ou outros equivalentes; e VI - a disponibilidade orçamentária do órgão ou entidade contratante. § 3º A decisão sobre o pedido de repactuação deve ser feita no prazo máximo de sessenta dias, contados a partir da solicitação e da entrega dos comprovantes de variação dos custos. § 4º No caso de repactuação, será lavrado termo aditivo ao contrato vigente. § 5º O prazo referido no parágrafo anterior ficará suspenso enquanto a contratada não cumprir os atos ou apresentar a documentação solicitada pela contratante para a comprovação da variação dos custos. § 6º O órgão ou entidade contratante poderá realizar diligências para conferir a variação de custos alegada pela contratada. Art. 41. Os novos valores contratuais decorrentes das repactuações terão suas vigências iniciadas observandose o seguinte: I - a partir da assinatura do termo aditivo; II - em data futura, desde que acordada entre as partes, sem prejuízo da contagem de periodicidade para concessão das próximas repactuações futuras; ou 17 III - em data anterior à repactuação, exclusivamente quando a repactuação envolver revisão do custo de mãode-obra e estiver vinculada a instrumento legal, acordo, convenção ou sentença normativa que contemple data de vigência retroativa, podendo esta ser considerada para efeito de compensação do pagamento devido, assim como para a contagem da anualidade em repactuações futuras; § 1º No caso previsto no inciso III, o pagamento retroativo deverá ser concedido exclusivamente para os itens que motivaram a retroatividade, e apenas em relação à diferença porventura existente. § 2º A Administração deverá assegurar-se de que os preços contratados são compatíveis com aqueles praticados no mercado, de forma a garantir a continuidade da contratação mais vantajosa. § 3º A Administração poderá prever o pagamento retroativo do período que a proposta de repactuação permaneceu sob sua análise, por meio de Termo de Reconhecimento de Dívida. § 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o período que a proposta permaneceu sob a análise da Administração será contado como tempo decorrido para fins de contagem da anualidade da próxima repactuação. Percebe-se que aspectos significativos sobre o tema foram consolidados de forma mais minuciosa na Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 02/2008, de modo a uniformizar interpretações sobre a contagem do interregno mínimo de um ano, os requisitos e prazos para o deferimento do pedido, a forma jurídica de sua instrumentalização, os efeitos financeiros da repactuação, a compatibilidade do preço contratado com aqueles praticados no mercado, e sobre pagamentos retroativos. Portanto, esse normativo representou um avanço enorme para a compreensão e uniformização do tema na Administração Pública Federal. Em seguida, porém, sucedeu a Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 03, de 15 de outubro de 2009, alterando algumas disposições da Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 02, de 30 de abril de 2008, inclusive sobre a repactuação, sendo que os arts. 37 a 41 passaram a vigorar com a seguinte redação: Art. 37. A repactuação de preços, como espécie de reajuste contratual, deverá ser utilizada nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir, conforme estabelece o art. 5º do Decreto nº 2.271, de 1997. § 1º A repactuação para fazer face à elevação dos custos da contratação, respeitada a anualidade disposta no caput, e que vier a ocorrer durante a vigência do contrato, é direito do contratado, e não poderá alterar o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos, conforme estabelece o art. 37, inciso XXI da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo assegurado ao prestador receber pagamento mantidas as condições efetivas da proposta. § 2º A repactuação poderá ser dividida em tantas parcelas quanto forem necessárias em respeito ao princípio da anualidade do reajuste dos preços da contratação, podendo ser realizada em momentos distintos para discutir a variação de custos que tenham sua anualidade resultante em datas diferenciadas, tais como os custos decorrentes da mão de obra e os custos decorrentes dos insumos necessários à execução do serviço. § 3º Quando a contratação envolver mais de uma categoria profissional, com datas-base diferenciadas, a repactuação deverá ser dividida em tantas quanto forem os acordos, dissídios ou convenções coletivas das categorias envolvidas na contratação. § 4º A repactuação para reajuste do contrato em razão de novo acordo, dissídio ou convenção coletiva deve repassar integralmente o aumento de custos da mão de obra decorrente desses instrumentos.". "Art. 38. ................................................................................................................... ........................... I - da data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado, tais como o custo dos materiais e equipamentos necessários à execução do serviço; ou II - da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a variação dos custos for decorrente da mão-de-obra e estiver vinculada às datas-base destes instrumentos.". "Art. 39. Nas repactuações subseqüentes à primeira, a anualidade será contada a partir da data do fato gerador que deu ensejo à última repactuação". "Art. 40. As repactuações serão precedidas de solicitação da contratada, acompanhada de demonstração analítica da alteração dos custos, por meio de apresentação da planilha de custos e formação de preços ou do 18 novo acordo convenção ou dissídio coletivo que fundamenta a repactuação, conforme for a variação de custos objeto da repactuação. ............................................................................................................................. ............................... § 2º Quando da solicitação da repactuação para fazer jus a variação de custos decorrente do mercado, esta somente será concedida mediante a comprovação pelo contratado do aumento dos custos, considerando-se: I - os preços praticados no mercado ou em outros contratos da Administração; III - a nova planilha com a variação dos custos apresentada; IV - indicadores setoriais, tabelas de fabricantes, valores oficiais de referência, tarifas públicas ou outros equivalentes; e V - (revogado). ............................................................................................................................. ..................................... § 4º - As repactuações, como espécie de reajuste, serão formalizadas por meio de apostilamento, e não poderão alterar o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos, exceto quando coincidirem com a prorrogação contratual, em que deverão ser formalizadas por aditamento. § 5º O prazo referido no § 3º ficará suspenso enquanto a contratada não cumprir os atos ou apresentar a documentação solicitada pela contratante para a comprovação da variação dos custos; ............................................................................................................................. ............................... § 7º As repactuações a que o contratado fizer jus e não forem solicitadas durante a vigência do contrato, serão objeto de preclusão com a assinatura da prorrogação contratual ou com o encerramento do contrato". "Art. 41. .......................................................................................................................................... ... I - a partir da ocorrência do fato gerador que deu causa à repactuação; II - ......................................................................................................................................................... III - em data anterior à ocorrência do fato gerador, exclusivamente quando a repactuação envolver revisão do custo de mão-de-obra em que o próprio fato gerador, na forma de acordo, convenção ou sentença normativa, contemplar data de vigência retroativa, podendo esta ser considerada para efeito de compensação do pagamento devido, assim como para a contagem da anualidade em repactuações futuras; §1º. Os efeitos financeiros da repactuação deverão ocorrer exclusivamente para os itens que a motivaram, e apenas em relação à diferença porventura existente. § 2º (revogado). § 3º (revogado). § 4º (revogado).". "Art. 41-A As repactuações não interferem no direito das partes de solicitar, a qualquer momento, a manutenção do equilíbrio econômico dos contratos com base no disposto no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993". "Art. 41-B A empresa contratada para a execução de remanescente de serviço tem direito à repactuação nas mesmas condições e prazos a que fazia jus a empresa anteriormente contratada, devendo os seus preços serem corrigidos antes do início da contratação, conforme determina o art. 24, inciso XI da Lei nº 8.666, de 1993". Verificam-se algumas novidades na Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 03/2009, sendo importante destacá-las: a) quanto ao art. 37: a repactuação aparece conceituada como espécie de reajuste e como direito do contratado; pode ser concedida em parcelas, conforme a distinção dos custos que compõem o contrato; deve repassar integralmente o aumento dos insumos ao contrato; b) quanto ao art. 38: dá tratamento específico para a contagem do interregno mínimo para a repactuação de custos dos materiais e equipamentos necessários à execução do serviço (inc. I) e para os custos de mão-de-obra (inc. II); c) quanto ao art. 39: a alteração é substancial ao adotar o fato gerador da última repactuação como termo inicial para a contagem da anualidade para repactuações subsequentes; 19 d) quanto ao art. 40: reconhece que a repactuação é motivada pela variação dos custos dos insumos ou da mãode-obra, conforme o caso, admitindo que cada custo tem uma forma específica de demonstração de variação e estabelece que a comprovação da variação de custos deve considerar a comparação alternativa com preços praticados no mercado ou com outros contratos da Administração; as alterações do §2º do art. 40 denotam certa confusão, porque substitui a apresentação do acordo ou convenção coletiva pela planilha com variação dos custos, e passa a redação do inc. V da IN SLTI MOPG n. 02/2008 para o inc. IV da IN SLTI/MPOG n. 03/2009, mas em seguida revoga o inc. V; o §4º do art. 40 traz uma alteração substancial, que é a substituição do termo aditivo pelo apostilamento, como forma de instrumentalização da repactuação; o §5º apenas corrige uma referência ao §3º; inclui-se a redação do §7º para prever o reconhecimento da preclusão lógica de repactuações não solicitadas antes da assinatura do termo aditivo ou do encerramento do contrato; e) quanto ao art. 41: estabelece a ocorrência do fato gerador que deu causa à repactuação como o termo inicial da vigência dos novos valores (inc. I); estabelece que os novos valores podem viger em data anterior à ocorrência do fato gerador exclusivamente quanto à revisão de mão-de-obra quando o acordo, convenção coletiva ou sentença normativa contemplar vigência retroativa; dispõe que os efeitos da repactuação deverão ocorrer exclusivamente para os itens que a motivaram e apenas em relação à diferença porventura existente; incluiu-se o art. 41-A, relativamente à preservação do direito de reequilíbrio econômico e o art. 41-B, sobre o direito à repactuação da contratada para a execução de remanescente de serviço. Enfim, esses são os normativos que regulamentam a repactuação no âmbito da Administração Pública Federal. 3.3 REQUISITOS FUNDAMENTAIS PARA A CONCESSÃO DA REPACTUAÇÃO CONFORME O DECRETO N. 2.271/97 3.3.1 O INTERREGNO MÍNIMO DE 1(UM) ANO A definição do interregno mínimo de um ano a que se refere o art. 5º do Decreto n. 2.271/97 revelou-se um aspecto bastante tormentoso. Esse interregno ou periodicidade significa que os contratos de prestação de serviços contínuos não podem ser reajustados senão a cada 12(doze) meses, a contar de uma estabelecida database. Perguntava-se, então, a partir de que momento inicia-se esse prazo de doze meses. Inicialmente, conforme as disposições da IN n. 18/97, computava-se como início da periodicidade de um ano para a repactuação a data da proposta, ou a data do orçamento a que essa se referir, ou da data da última repactuação (item 7.1). A primeira dificuldade estaria em definir qual a data do orçamento da proposta, mas isto foi resolvido pela própria IN 18/93, devendo ser entendida como a data do acordo, convenção ou dissídio coletivo da categoria profissional envolvida no contrato de prestação dos serviços (item 7.2). Sobreleva destacar que as disposições daquela IN n. 18/97 concernentes ao cômputo da periodicidade mínima não foram concebidas ao acaso. O contexto que informava esse regulamento estava marcado pela vigência da Medida Provisória n. 1.053, de 30 de maio de 1995 (após sucessivas reedições foi convertida na Lei n. 10.192/01), que já determinava o prazo a quo da periodicidade anual tanto para o primeiro reajuste como para os reajustes subseqüentes, quais sejam, “a data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir” e “a data em que a anterior revisão tiver ocorrido”. A invocação dessas normas permite inferir que, quanto ao aspecto da periodicidade mínima, a repactuação assemelha-se ao reajuste, cuja forma está delineada nos arts. 40, XI e 55, III, da Lei n. 8.666/93, que aludem, respectivamente, a “critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para a apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela”, e aos “[...] critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços [...]”. Mas todo o debate jurídico que se travou em torno da questão do interregno mínimo de 1(um) ano para a repactuação na última década ofereceu elementos suficientes para a edição das Instruções Normativas SLTI/MPOG n. 02/2008, alterada pela Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 03/2009, respaldadas em pareceres da Advocacia-Geral da União e em decisões do Tribunal de Contas da União. 20 Objetivamente, as instruções normativas antes citadas são as normas atualmente aplicáveis para a verificação do requisito em questão. Mais adiante será apresentado como se dá a aplicação das regras que tratam da periodicidade mínima anual e da data-base da repactuação dos insumos do contrato. 3.3.2 DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DA VARIAÇÃO DOS CUSTOS No que concerne ao segundo requisito primordial para a concessão da repactuação, a demonstração analítica da variação dos custos do contrato deve ser verificada por meio de planilha de custos e formação de preços. Inicialmente, o item 1.1.5 da IN n. 18/97 definia a planilha de custos e formação de preços como “o documento a ser apresentado pelas proponentes, contendo o detalhamento dos custos que compõem os preços”. Neste ponto, a repactuação guardava similitude com o reequilíbrio econômico-financeiro, cuja aplicação depende de demonstração cabal dos fatos e sua repercussão na relação econômico-financeira do contrato. Mas a exigência foi consagrada no art. 40 da IN SLTI/MPOG n. 02/2008, e confirmadas no art. 40 da IN SLTI/MPG n. 03/2009. Todas as implicações dessa exigência contida no regulamento atual serão vistas nos tópicos seguintes. 3.4 NATUREZA JURÍDICA E FUNDAMENTO LEGAL Conforme se percebe nos dois subitens acima, manifesta-se híbrida a natureza jurídica da repactuação, ao apresentar características próprias tanto do reajuste como do reequilíbrio. Marçal Justen Filho (2006, p. 550), sensível a essa ambigüidade, escreve: A repactuação assemelha-se ao reajuste, no sentido de ser prevista para ocorrer a cada doze meses ou quando se promover a renovação contratual. Mas aproxima-se da revisão de preços quanto ao seu conteúdo: trata-se de uma discussão entre as partes relativamente às variações de custo efetivamente ocorridas. Não se promove a mera e automática aplicação de um indexador de preços, mas examina-se a real evolução dos custos do particular. A propósito, a Consultoria Zênite (ILC, 2005, n. 63, p.131) classifica a repactuação como espécie de reajuste, mas antes a identifica como figura específica aos regulamentos próprios: No âmbito da Administração Pública Federal, foi criada uma figura específica para promover o reequilíbrio econômico dos contratos de prestação de serviços contínuos, denominada repactuação. É disciplinada pelo Decreto n. 2.271/97 e pela IN/97. Trata-se de uma espécie de reajuste, por buscar afastar os efeitos decorrentes do processo inflacionário após o interregno mínimo de 1 ano, dele se diferenciando no que tange ao critério empregado para sua concessão: enquanto o reajuste se vincula a índice econômico previsto no contrato, a repactuação ocorre com base na demonstração analítica da variação dos componentes dos custos envolvidos. O procedimento de repactuação, como já salientado, não poderia estar dissociado da legalidade: ou tem supedâneo na disciplina do reajuste ou nas regras do reequilíbrio econômico-financeiro, procedimentos estes previstos em lei. Isto porque a Constituição Federal reservou a matéria à lei ordinária, ou não teria aludido à expressão “mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei” conforme o faz no art. 37, inciso XXI. Daí resulta que a eficácia jurídica da repactuação deve encontrar conformação na lei, o que nos impede de entendê-la como figura específica ou um instituto jurídico autônomo criado pela Administração Pública. Outrossim, além da submissão da Administração Pública à legalidade, não se pode perder de vista a norma do art. 5º, inc. II, da Constituição Federal, pela qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer 21 alguma coisa senão em virtude de lei”. Com efeito, tais mandamentos, ao fixar limites de atuação do Poder Público, permite ao jurisdicionado conhecer com exatidão os direitos que podem ser vindicados em função da relação jurídica. Isto também quer dizer que a Administração não pode fundamentar suas decisões exclusivamente com base em regulamentos infra-legais, quando tais normas têm eficácia limitada ao cumprimento da lei. Portanto, é a lei que orienta as resoluções da Administração. Discorrendo sobre essa polêmica relacionada à repactuação, Dalton Santos Morais (BLC:114) escreve: Vedada a inovação normativa por meio de decreto, nos termos do art. 84, IV, da CF, há autores que entendem ser a repactuação de preços inconstitucional, sob o argumento de que o instituto não poderia ter sido criado por norma inscrita em decreto – art. 5º do Decreto nº 2.271/97. Em nosso entendimento tal posicionamento não resiste a considerações mais consistentes sobre o tema. Isto porque, por força da supremacia constitucional e da presunção de constitucionalidade das leis, é norma de hermenêutica constitucional que os atos normativos devam ser interpretados conforme a Constituição da República. E, ao que nos parece, a repactuação de preços não foi editada pelo Dec. nº 2.271/97 como uma figura autônoma, mas, sim, como uma espécie de reajuste de preços, a qual, ao invés de utilizar-se da aplicação de índices de preços, considera tão-somente a efetiva alteração dos custos contratuais. Tal posicionamento tem embasamento no delineamento dos institutos pelas disposições que os fundamentam. A repactuação de preços tem como requisitos para sua concessão a necessidade de previsão contratual e interregno temporal mínimo – art. 5º, caput, do Dec. nº 2.271/97 e item 7 da Instrução Normativa MARE n º 18/97 – requisitos os quais também estão presentes no reajuste de preços – art. 55, III, da Lei nº 8.666/93 e art. 3º, § 1º, da Lei n. 10.192/01. Tendo por base as lições acima, e pelos conceitos dos institutos legais aptos à manutenção das condições efetivas da proposta nos contratos públicos, nos parece que a repactuação consiste mesmo em um critério de reajuste complexo, e deriva dos preceitos normativos dos arts. 40, XI e 55, III, da Lei de Licitações e Contratos, bem como do art. 28, caput, da Lei n. 9.069/95 c/c o art. 3º, § 1º, da Lei n. 10.192/01. Este entendimento parece o mais razoável na confrontação entre o art. 5º do Decreto n. 2.271/97 com as normas acima mencionadas, cujo teor consta do primeiro capítulo. Ademais, essa conclusão não resulta exclusivamente da interpretação sistemática das normas, mas da idéia de que reajuste e repactuação compartilham da mesma finalidade legal: ambos exercem a função de recompor a variação dos custos de produção ou insumos que compõem o preço do serviço contratado, equalizando-os conforme a realidade de mercado. Quando se invoca o termo repactuação, sabe-se, portanto, que se está tratando de álea ordinária, portanto de riscos normais ao negócio jurídico, decorrentes da variação previsível dos insumos contratuais. Sendo previsível a variação dos custos contratuais, a Administração deve então estabelecer cláusulas para reajustar tais custos dentro de um período determinado, a fim de recompor os efeitos acumulados da inflação sobre os contratos de longa duração. Logo, tais variações não são compensadas imediatamente, como ocorre com o reequilíbrio econômico-financeiro, mas dentro de uma periodicidade regular. Portanto, o procedimento da repactuação não renova o pacto propriamente, mas simplesmente enseja a aplicação de um critério de reajuste estabelecido em cláusula contratual. Logo, não se trata da renovação ou alteração do pacto, mas da aplicação do pacto mesmo. Nesse sentido, a repactuação é reconhecida, na atual redação do caput do art. 37 da IN SLTI/MPOG n. 02/2008, como “espécie de reajuste”, afastando, de uma vez por todas, qualquer relação com o instituto do reequilíbrio econômico-financeiro. A bem da verdade, a nosso ver, a repactuação é um procedimento administrativo que visa proporcionar o reajuste dos diferentes insumos do contrato administrativo. Não é, portanto, um reajuste no sentido clássico, mas uma revisão de custos contratuais conforme a realidade de mercado. É interessante ressaltar que os componentes dos custos de um contrato de um serviço terceirizado são inúmeros. Se tomar-se, por exemplo, o serviço de limpeza e conservação, na formação do preço pode-se identificar o custo da mão-de-obra ou tudo o quanto constitui a remuneração do trabalhador, o custo dos materiais de limpeza, encargos sociais, tributos, etc. Alguns destes custos possuem uma variação previsível, para os quais é possível a estipulação de cláusula contratual com vistas à fixação de um critério de reajuste de modo a 22 manter adequada a remuneração do contratado conforme a realidade de mercado. Não fosse a prevenção contra os efeitos da inflação, a partir de dado momento o particular teria que suportar um prejuízo injusto, ao passo que a Administração estaria beneficiando-se de um serviço depreciado, o que equivaleria a um enriquecimento ilícito. Outros custos que interferem na formação do preço são inicialmente estáveis, mas podem sofrer alterações imprevistas, tal como ocorre com a majoração de um tributo inerente ao serviço, circunstância que ensejará a revisão imediata do contrato, jamais o reajuste ou repactuação. Mas, se a repactuação é de fato uma espécie de reajuste, então, para o caso do reajuste salarial de mãode-obra utilizado no contrato de prestação de serviço, estar-se-ia curiosamente diante de um reajuste reflexo. Como já definido no capítulo passado, e por isso a importância dos conceitos dos institutos implicados, o reajuste consiste na atualização dos preços do contrato conforme a variação de um índice pré-estabelecido. Assim, é correto entender a repactuação com um procedimento que permite o reajustamento de cada insumo específico por um índice que reflita a variação correspondente. No caso da mão-de-obra não há como préestabelecer um índice no contrato, porque o reajustamento deste insumo fica atrelado à composição salarial resultante de um instrumento coletivo de trabalho, que busca amortizar o impacto temporal da variação inflacionária. De toda forma, a repactuação impede a indexação do preço total do contrato, o que é salutar, pois nem todos os insumos apresentam variações uniformes ou lineares. Logo, a repactuação é um mecanismo que a Administração Federal encontrou para manter a justa e adequada manutenção dos preços dos contratos de serviços de acordo com a realidade de mercado. Assim, cada insumo admite um reajuste próprio, no percentual e data-base correspondente. Daí pode-se compreender a vedação de indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação de custo, contida no art. 4º do Decreto n. 2.271/97. Entende-se que esta disposição deve ser interpretada no sentido de vedação da indexação do preço geral do contrato, por não corresponder à variação efetiva de cada custo que compõem o preço final dos serviços, conforme as razões já expostas. Não se pode olvidar, também, que a Lei n. 10.192/01, em seu art. 2º, prevê que “É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano”. Neste vetor, Wálteno Marques da Silva (2006, p. 59) adverte que: [...] a então alegada impossibilidade da indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação de custo, em razão da vedação contida no inciso I do art. 4º do Decreto n. 2.271/97, foi superada no âmbito administrativo em face da posição assumida pelo egrégio Tribunal de Contas ao admitir que o reajuste atualmente é regulado pela Lei n. 10.192/01 (Decisão 1315/Plenário – TCU), [...]. Portanto, é permitida a indexação do contrato de prestação de serviço cuja vigência ultrapasse doze meses, porém, entende-se que não é aceitável que o índice inflacionário eleito seja aplicado para reajustar a totalidade dos insumos utilizados. Nada obsta, portanto, que se adote, como critério de reajuste, a indexação de certos insumos, cuja variação pode ser retratada por índice oficial, e de outra parte atrelando-se a variação da mão-de-obra ao percentual determinado por acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho. Logo, a repactuação admite dois critérios de reajuste: um para mão-de-obra e outro para demais insumos. Nesse sentido, a Advocacia-Geral da União firmou a Orientação Normativa n. 23, de 1 de abril de 2009, in verbis: O EDITAL OU O CONTRATO DE SERVIÇO CONTINUADO DEVERÁ INDICAR O CRITÉRIO DE REAJUSTAMENTO DE PREÇOS, SOB A FORMA DE REAJUSTE EM SENTIDO ESTRITO, ADMITIDA A ADOÇÃO DE ÍNDICES GERAIS, ESPECÍFICOS OU SETORIAIS, OU POR REPACTUAÇÃO, PARA OS CONTRATOS COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA, PELA DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DA VARIAÇÃO DOS COMPONENTES DOS CUSTOS. Enfim, vale sublinhar mais uma vez: a repactuação admite a coexistência de critérios de reajuste para insumos distintos. No caso da mão-de-obra, o reajustamento assenta-se na data-base da categoria, enquanto que para os demais insumos o reajuste tem por base algum índice que reflita a variação inflacionária dos mesmos. Este entendimento está contido na Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 02/2008, alterada pela IN SLTI/MOPG n. 03/2009. 23 3.5. A REPERCUSSÃO DO REAJUSTE SALARIAL Sabe-se que a mão-de-obra é considerada um insumo que compõe o custo da prestação do serviço. Uma vez estabelecido o percentual de reajuste salarial por convenção coletiva de trabalho ou instrumento congênere, os empregadores vinculados ao contrato coletivo obrigam-se a pagar o novo salário ao trabalhador, com os efeitos financeiros previstos na própria convenção. Conseqüentemente, o contrato firmado com a Administração Pública, por envolver categoria profissional cujos salários foram reajustados, sofre a repercussão financeira, ou seja, torna-se mais oneroso para o prestador do serviço. Pela diretriz constitucional, entende-se que esse ônus deve ser repassado ao tomador do serviço, no caso, para a Administração, sob pena de admitir-se a continuidade de uma contratação fora dos parâmetros de mercado, com benefício para uma parte em prejuízo de outra. Houve quem admitisse, pelo menos até a paradigmática Decisão n. 1.563/2004, do Tribunal de Contas da União, que o reajuste salarial advindo de convenção coletiva de trabalho caracterizava-se fato previsível, porém de conseqüências incalculáveis. Argumentava-se que, em relação ao reajuste salarial anual, apesar de representar evento certo, seus percentuais não poderiam ser mensurados, de sorte que restaria caracterizada a teoria da imprevisão, ou reequilíbrio econômico-financeiro. À primeira vista, essa tese não parecia desarrazoada, pois de fato a convenção coletiva é um evento previsível, porém suas conseqüências dependem da inflação, que é cambiante, portanto não é precisamente calculável. Esta concepção foi adotada na doutrina de Wálteno Marques da Silva (2006, p. 59), que assim expressava: Quanto à questão relacionada ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em decorrência de reajuste salarial amparado em “Convenção coletiva de Trabalho ou instrumento congênere”, sempre sustentei a sua admissibilidade, por compreender que, embora previsível, nem sempre é possível conhecer, no momento da apresentação da proposta, o índice de reajuste salarial que será implementado para determinada categoria, o que, ao meu juízo de convencimento, pode mesmo configurar ocorrência de álea extraordinária, segundo o disposto no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei nº 8.666/93, como aliás, num primeiro momento assim também entendeu o Tribunal de Contas da União ao proferir a Decisão – TCU nº 457/1995 – Plenário. Da Consultoria Zênite (ILC, 1997, n.43, p. 706) também extraía-se posição semelhante: Repactuação, recomposição de preços, revisão contratual e restauração do equilíbrio da equação econômicofinanceira são todas expressões equivalentes e segundo a alínea “d”, inc. II, do art. 65, da Lei n. 8.666/93, tem a função de “restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. Neste sentido posicionava-se o Plenário do Tribunal de Contas da União, conforme a Decisão n. 457/95, no julgamento do TC n. 009.970/95, resultante de consulta formulada pelo TRT 2ª Região, com assento nas razões expostas no voto do Ministro Relator Carlos Átila, cujo trecho transcreve-se: Embora sendo previsível, no caso, o reajuste salarial na data-base de cada categoria, não se conhecem antecipadamente os índices a serem aplicados, podendo ser considerado tal fato, a meu ver, de conseqüências incalculáveis, na forma do art. 65, inciso II, aliena d, da Lei n. 8.666/93 [...]. [...] fazer com que os licitantes prevejam tais custos em suas propostas seria estimular um provável superfaturamento do contrato. 24 Em contrapartida, o Ministro Relator ressalvava que seria possível aceitar o reequilíbrio econômicofinanceiro, desde que decorrido o prazo de um ano da última ocorrência verificada (assinatura, repactuação, revisão ou reajuste do contrato), contado na forma da legislação pertinente. Nessa oportunidade, conforme doutrina publicada no Informativo de Licitações e Contratos (ILC, 2005, n. 131, p. 63), o Tribunal de Contas da União acabou decidindo que: 1. os preços contratados não poderão sofrer reajustes por incremento dos custos de mão-de-obra decorrentes da data base de cada categoria, ou de qualquer outra razão, por força do disposto no art. 28 e seus parágrafos da Lei n. 9.069/95, antes de decorrido o prazo de um ano, contado na forma expressa na própria legislação; 2. poderá ser aceita a alegação de desequiíbrio econômico-financeiro do contrato, com base no reajuste salarial dos trabalhadores ocorrido durante a vigência do instrumento contratual, desde que a revisão pleiteada somente aconteça após decorrido um ano da última ocorrência verificada (a assinatura, a repactuação, a revisão ou o reajuste do contrato), contado na forma da legislação pertinente. Tratava-se de uma decisão paradoxal, pois, conforme visto, o reequilíbrio econômico-financeiro não exige qualquer requisito temporal para a sua concessão; tal exigência é própria do reajuste, cuja disciplina naquela oportunidade havia sido afastada. Em função dessa incongruência, foi proposta a Representação n. 010/97 perante o TCU, subscrita pelo representante do Ministério Público Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, no intuito de provocar a mudança de entendimento da Corte de Contas sobre a questão da imposição de obediência a prazo mínimo. Nesse documento, o representante do Parquet professava: 10. A periodicidade para a manutenção deste equilíbrio econômico não há como ser regulada por dispositivo legal algum, inobstante possa por este (s) ser afetada. Afinal, é de todo consabido que são as “leis” de mercado que regem o comportamento da oferta X demanda, e não as leis do Poder Público. 11. Diferentemente do visto no parágrafo anterior, o equilíbrio financeiro, que procura equilibrar as perdas ocasionadas em decorrência de variações no poder aquisitivo da moeda, é materializado pelas correções e/ou “reajustes” administrativos incidentes nos contratos; e, nestes sim, o Poder Público pode interferir regulando a periodicidade para o seu repasse, como o faz na legislação que dispõe sobre o Sistema Monetário Nacional, para os critérios de conversão e atualização das obrigações, dentre outros. Neste contexto, o doutrinador estava defendendo que a legislação que trata do Sistema Monetário Nacional é aplicável para as hipóteses de reajuste e não para as que ensejam o reequilíbrio econômico-financeiro (ou equilíbrio econômico, como alude Jorge Ulisses Jacoby Fernandes), argumento aceito no voto do Conselheiro do TCU José Milton Ferreira, que em parecer oferecido nos autos da representação mencionada, Processo n. 4.992/97 (ILC, Tribunais de Contas, set. 98, p. 852), exarou a recomendação para que a Corte adotasse novo entendimento, nestes termos: a) a legislação federal referente ao sistema monetário, bem como as regras e critérios de conversão e correção das obrigações, ao estabelecerem a periodicidade anual para os reajustamentos de preços dos contratos celebrados pela Administração, dizem respeito aos casos de atualização e correção previstos no edital e no ajuste, consoante estabelece o art. 55, III, da Lei nº 8.666/93; b) o prazo de um ano para a concessão de reajustamento será contado a partir da data-limite para a apresentação da proposta; c) em se tratando de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da relação contratual, com vista a manter as condições efetivas da proposta, nos termos do art. 65, II, d, da Lei n. 8.666/93, não há prazo ou interstício fixado em lei, descabendo observar a periodicidade de um ano prevista para a hipótese de reajustamento de preços ou qualquer outra; 25 Nessa linha de raciocínio, sendo a mão-de-obra um custo do contrato, cuja variação está diretamente atrelada à inflação, a reposição salarial concedida conforme o índice empregado na convenção coletiva de trabalho ensejaria o reajuste administrativo, e não o reequilíbrio econômico. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se sobre o assunto quando do julgamento do Recurso Especial n. 411101/PR, cuja ementa reproduz-se: ADMINISTRATIVO – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – DISSÍDIO COLETIVO – AUMENTO DE SALÁRIO – EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO – ART. 65 DA LEI N. 8.666/93. 1. O aumento salarial a que está obrigada a contratada por força de dissídio coletivo não é fato imprevisível capaz de autorizar a revisão contratual de que trata o art. 65, da Lei n. 8.666/93. 2. Precedentes da Segunda Turma desta Corte no REsp. 134.797/DF. 3. Recurso Especial improvido. (STJ. REsp. n. 411101/PR, 2ª Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 08.09.2003, p. 279). Respondendo à representação de sua Secretaria-Geral de Administração, proposta em face das dificuldades que persistiam no processamento de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro, o Tribunal de Contas da União, seguindo a orientação do STJ, exarou a Decisão n. 1.563/2004, concluindo nestes termos: 9.1.2. os incrementos dos custos de mão-de-obra ocasionados pela data-base de cada categoria profissional nos contratos de prestação de serviços de natureza contínua não se constituem em fundamento para a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro; 9.1.3. no caso da primeira repactuação dos contratos de prestação de serviços de natureza contínua, o prazo mínimo de um ano a que se refere o item 8.1. da Decisão 457/1995 – Plenário – conta-se a partir da apresentação da proposta ou da data do orçamento a que a proposta se referir, sendo que, nessa última hipótese, considera-se como data do orçamento da data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta, vedada a inclusão, por ocasião da repactuação, de antecipações e de benefícios não previstos originalmente, nos termos do disposto no art. 5º do Decreto n. 2.271/97 e do item 7.2 da IN/Mare 18/97. 9.1.4. no caso de repactuações dos contratos de prestação de serviços de natureza contínua subseqüentes à primeira repactuação, o prazo mínimo de um ano a que se refere o item 8.1 da Decisão 457/1995 – Plenário conta-se a partir da data da última repactuação, nos termos do disposto no art. 5º do Decreto n. 2.271/97 e do item 7.1 da IN Mare 18/97; 9.1.5. os contratos de prestação de serviços de natureza contínua admitem uma única repactuação a ser realizada no interregno mínimo de um ano, conforme estabelecem o art. 2º da Lei 10.192/2000 e o art. 5º do Decreto 2.271/97; [...] (TCU, Acórdão n. 1.563/2004. Relator Min. Augusto Sherman Cavalcanti, Julgamento: 06/10/2004, Órgão Julgador: Plenário, Publicação: Boletim TCU 40/2004). Posteriormente, o Tribunal de Contas da União teve a oportunidade de reiterar o seu entendimento em expediente formulado pelo Deputado Federal Severino Cavalcanti, então Presidente da Câmara dos Deputados, acerca da repactuação de preços em contratos de prestação de serviços de natureza contínua, em decorrência de incremento de custos de mão-de-obra ocasionado pela data-base das categorias, no caso, pela concessão de abono salarial. O TCU, considerando a relevância da matéria e seus reflexos para a Administração Pública, bem como a inexistência de dispositivos específicos em lei e jurisprudência sobre o tema, recebeu e processou a consulta. O feito culminou no Acórdão n. 2.255/2005 – Plenário, em que se reconhece que os abonos pagos pelo empregador têm natureza salarial, afastou a possibilidade de aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro, por restar caracterizada a situação imprevisível ou de conseqüências incalculáveis. Neste diapasão, a Advocacia-Geral da União, por meio da NOTA/DECOR/CGU/AGU n. 023/2006- 26 AMD, aprovada pelo Consultor-Geral da União e pelo Advogado-Geral da União, firmou a seguinte posição: a) Os incrementos dos custos de mão-de-obra ocasionados pela data-base de cada categoria profissional nos contratos de prestação de serviços de natureza contínua não constituem fundamento para alegação de desequilíbrio econômico-financeiro (Acórdão TCU n. 1563/2004); b) É admitida repactuação do contrato administrativo visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano (a contar da data da proposta, ou da data da última repactuação, bem como prévia demonstração analítica quanto à alteração dos custos contratuais (IN MARE n. 18/97) e a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato (Decreto n. 2.271/97); c) Conforme entendimento do Tribunal de Contas da União e da própria AGU, os efeitos decorrentes de qualquer termo contratual só serão válidos a partir de sua assinatura, não sendo viável pretender-se atribuir efeitos retroativos a um termo; d) É possível contar-se o prazo inicial de validade dos novos valores repactuados a partir do requerimento da contratada caso tenha havido demora injustificada da Administração em analisá-lo. Do contrário, a regra é prazo inicial de validade a partir da assinatura do termo aditivo, ante a proibição em atribuir-lhes efeitos retroativos. O Consultor-Geral da União, ao aprovar a nota jurídica acima referida, aditou o seguinte: Salvo melhor juízo, também penso que a cláusula legal “data do orçamento ou proposta “ não equivale à data do acordo ou convenção salarial vigente à época da proposta. Parece razoável admitir que o proponente conhece essa circunstância e pode precaver-se quando da proposta de modo a, a partir dela, manter-se durante um ano como estabelece o art. 40, XI, da Lei 8.666/93 [...] Nessa linha, sugiro seja uniformizada com esse entendimento (i. e., a contar da data da proposta, do orçamento ou da assinatura do contrato, e não da data do salário normativo) a interpretação da contagem do prazo de um ano para repactuação de contratos de prestação continuada de serviços com a Administração, dando-se conhecimento aos Núcleos de Assessoramento Jurídico e Consultorias Jurídicas. Até aí era possível observar a tendência dos diversos órgãos da Administração Federal em processar o pedido de repactuação conforme as regras próprias do reajuste contratual, impondo-se um interregno mínimo de um ano para a concessão da medida, expurgados, porém, quaisquer efeitos retroativos. No entanto, em 2007 o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão 3.273/2007 – 1ª Câmara, lançou um precedente ao reconehcer os efeitos retroativos de uma repactuação contratual, assim dispondo: 1.1.1. à Gerência Executiva em São Paulo - Leste/SP do INSS que, relativamente à solicitação de repactuação de preços do Contrato 21.305.1/30/2004 pela empresa Active Engenharia Ltda., em razão de variações de custos do primeiro período de apuração do contrato: 1.1.1.1. considere apenas as variações de custos efetivamente ocorridas e comprovadas pela contratada, dentro do primeiro período de apuração, ou seja, exclusivamente nos 12 (doze) meses a contar da data-limite fixada pelo edital de licitação para a apresentação da proposta ou do orçamento a que esta se referir; 1.1.1.2. faça incidir, nas devidas contraprestações, as variações de preços repactuadas, retroativamente, a partir do primeiro dia após o decurso do referido período de apuração, vez que o direito do particular à recomposição do equilíbrio econômico deve ser reconhecido a partir do preenchimento do critério temporal estipulado na cláusula quinta do contrato; Portanto, os efeitos da repactuação não deveriam retroagir à data das conclusões da negociação ou da assinatura do termo aditivo, mas do preenchimento do critério temporal estabelecido em cláusula contratual. Não obstante isso, continuaram as discussões sobre a contagem da periodicidade mínima e os efeitos 27 financeiros da repactuação, até o advento da Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 02/2008, e a intervenção da Advocacia-Geral da União, com a aprovação do Parecer n. AGU/JTB 01/2008, da Advogada da União Juliana Helena Takoaka Bernardino. O referido Parecer e a IN SLTI/MPOG n. 02/2008 foram, na verdade, um divisor de águas no que se refere à compreensão do tema “repactuação” no âmbito da Administração Pública Federal. Já reproduzimos as normas da IN SLTI n. 02/2008 e reconhecemos o avanço que esta consolidação representa sobre o tema, conforme veremos mais detidamente nos tópicos seguintes. Outro tanto, é oportuno reproduzir aqui as conclusões do Parecer n. AGU/JTB 01/2008, que, após aprovado pelo Despacho do então Consultor-Geral da União n. 452, Ronaldo Jorge Araújo Vieria Júnior, e pelo Parecer JT 01/2009 do então Advogado-Geral da União, Antônio Dias Tofolli, firmou o seguinte entendimento: a) A repactuação constitui-se em espécie de reajustamento de preços, não se confundindo com as hipóteses de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato; b) no caso da primeira repactuação do contrato de prestação de serviços contínuos, o prazo de um ano para se requerer a repactuação conta-se da data da proposta da empresa ou da data do orçamento a que a proposta se referir, sendo certo que, considera-se como data do orçamento a data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta; c) no caso das repactuações subseqüentes à primeira, o prazo de um ano deve ser contado a partir da data da última repactuação; d) quanto aos efeitos financeiros da repactuação nos casos de convenções coletivas de trabalho, tem-se que estes devem incidir a partir da data em que passou a viger efetivamente a majoração salarial da categoria profissional; e e) quanto ao termo final para o contratado requerer a repactuação, tem-se que a repactuação deverá ser pleiteada até a data da prorrogação contratual subsequente, sendo certo que, se não o for de forma tempestiva, haverá a preclusão do direito do contratado de repactuar. O Parecer n. AGU/JTB 01/2008 provoca mudanças substanciais quanto ao entendimento do tema: a repactuação passa a ser reconhecida como espécie de reajustamento, o que significa que está identificada como critério de reajuste previsto no art. 40, inc. XI e art. 55, inc. III, da Lei n. 8.666/93; outro aspecto importante é que o interregno de 1 (um) para a primeira repactuação conta-se da proposta ou do seu orçamento, sendo que a data do orçamento é a data do acordo, convenção ou dissídio coletivo que estipular o novo salário da categoria; o prazo da repactuação subsequente deve ser contado da última repactuação; define-se que os efeitos financeiros alcançam a data em que entrou em vigor a majoração salarial, e, por fim, a prorrogação contratual fixa o termo final para requerer a repactuação, sob pena de preclusão lógica. Posteriormente, pela Nota DECOR/CGU/AGU n. 031/2009 – JGAS, a Advocacia-Geral da União confirma a tese de que os efeitos financeiros retroagem à data em que efetivamente entrou em vigor o aumento salarial concedido à categoria profissional, desde que o pedido observe o interregno de 1 (um) ano da data da proposta ou do orçamento a que a proposta remeter (acordo, convenção ou dissídio coletivo). Com as alterações procedidas pela IN SLTI/MOPG n. 03/2009 na IN SLTI/MPOG n. 02, especialmente com relação à anualidade para a nova repactuação, que passou a ser contada a partir da data do fato gerador que deu ensejo à última repactuação, a Advocacia-Geral da União, pelo Parecer DECOR n. 012/2010, entendeu pela necessidade de adequar pontualmente a conclusão do Parecer AGU/JTB 01/2008, e assentou o seguinte: 17.Insta ressaltar, ainda, que, no âmbito do PARECER JT 02/2009, já ficara assentado como termo inicial para a produção dos efeitos da primeira repactuação a data de seu fato gerador, tendo a ilustre parecerista encampado entendimento do E. TCU, fundando na constatação de que limitar seus efeitos à data em que solicitada a repactuação representaria desrespeito ao comando construído a partir da interpretação do artigo 37, XXI, da Constituição da República, que estabelece a necessidade de se manter a equação econômicofinanceira. Desta feita, salientou que a IN MPOG 02/2008 não poderia contrariar o texto constitucional, limitando o direito daqueles que contratam com a Administração Pública nos casos em que a convenção coletiva não previsse a retroação de seus efeitos. Pugnou, assim, por uma interpretação da referida Instrução Normativa em conformidade com a Constituição Republicana. 18. Dessa forma, percebe-se a desnecessidade de alteração do referido PARECER no que tange ao termo a quo para a primeira repactuação e para a produção de seus efeitos, devendo-se adequá-los apenas no que tange ao termo inicial do prazo de um ano para as repactuações subsequentes, que deve se iniciar a partir do 28 fato gerador da repactuação anterior. Sugere-se, portanto, a adequação pontual do PARECER JT 02/2009, para que se coadune com as alterações promovidas pela IN 03/2009. Recomenda-se, ainda, o envio de cópia do presente parecer ao DEAEX, para ciência, uma vez que o PARECER AGU/JTB 01/2008, base para PARECER JT/2009, teve origem nesse Departamento. Assim, ficou estabelecida definitivamente a tese de que o prazo para a contagem para nova repactuação se dá a partir do fato gerador da repactuação anterior, ou seja, da data da própria alteração do salário normativo. Nesse sentido aponta o caput do art. 39 da IN SLTI/MOPG n. 02/2008 em vigor, valendo ressalvar, ainda, que o art. 41, inc. III, do mesmo regulamento, estatui que a vigência retroativa do acordo, convenção ou sentença normativa pode ser considerada para efeito de compensação do pagamento devido como para a contagem da anualidade em repactuações futuras. 3.6. CONTAGEM DA PERIODICIDADE MÍNIMA E DATA-BASE Já vimos que a repactuação, por ser o procedimento hábil para promover o reajuste dos insumos do contrato de prestação de serviços contínuos, deve ser processada em conformidade com as regras do Sistema Financeiro Nacional, notadamente com relação às normas do Plano Real e normas complementares. A Lei n. 9.069/95 já estabelecia, em seu art. 28, que “nos contratos celebrados ou convertidos em REAL, com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual”. Essa norma foi concebida com a clara intenção de conter o crescimento da inflação, mantendo os contratos com preços estáveis por um ano, quando então incidiria o reajuste conforme o acúmulo do índice eleito. Posteriormente, entrou em vigor a Lei n. 10.192/01 para estabelecer normas complementares ao Plano Real, dispondo sobre a regra da anualidade das revisões contratuais, conforme já citamos no tópico 2.3.2 deste trabalho. Vale ressaltar que é admissível a adoção de índice oficial, que reflita a variação inflacionária, mediante estipulação de cláusula contratual para reajuste de contratos superiores a um ano, nos termos do art. 2º, caput, da Lei n. 10.192/01. Não se pode olvidar, por outro lado, que tais índices devem refletir a variação efetiva dos insumos do contrato, mas como um contrato de prestação de serviço contínuo contempla diversos insumos, a Administração Pública resguardou-se em relação àquilo que o legislador não pôde prever, vedando a estipulação de cláusula que contemple a indexação geral do contrato, conforme o art. 4º, inc. I, do Decreto n. 2.271/97, que reza: Art . 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam: I - indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação de custos; Tal vedação é fundamental para a disciplina do reajustamento dos contratos de prestação de serviços de execução continuada, dada a natureza jurídica desses contratos, que contemplam insumos diversos, cada qual atrelado a uma variação específica, de modo que a adoção de índices gerais representariam uma distorção do valor do contrato, tornando-o incompatível com a realidade de mercado. Por isso, a repactuação permite ao Administrador adotar uma disciplina diferenciada para a contagem anual para a revisão do valor da mão-de-obra em relação aos demais insumos, conforme se verá a seguir. 3.6.1. DA PRIMEIRA REPACTUAÇÃO Tendo em conta as regras do Sistema Financeiro Nacional, para o primeiro reajuste ou repactuação contratual, incide a regra do art. 3º da Lei n. 10.192/01, in verbis: Art. 3º Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de 29 acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. §1º. A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir. §2º. O Poder Executivo regulamentará o disposto neste artigo. Ao regulamentar o assunto, o Decreto n. 2.271/97, por meio do art. 5º, confirmou a exigência do interregno mínimo de um ano para a concessão do reajuste, porém não estabeleceu qual o termo inicial da contagem desse prazo. Anteriormente, a IN MARE n. 18/97, no item 7.2, apresentava uma solução para a contagem desse interstício mínimo, quando previa que “Será adotada como data do orçamento a que a proposta se referir, a data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta, vedada a inclusão, por ocasião da repactuação, de antecipações e de benefícios não previstos originariamente”. Com isso, para o primeiro reajuste dos custos de mão-de-obra incrementados na data-base da categoria, o termo a quo já era a data da convenção coletiva que serviu de base para o oferecimento da proposta. Então, ocorrido um ano desta, a nova repactuação poderia ser processada se houvesse um novo salário normativo, que deveria ser demonstrado em planilha de valores. Tal procedimento, como se percebe pela regulamentação acima citada, não ocorria de forma automática, como o reajuste propriamente dito, mas dependia de demonstração por parte da contratada, sendo que a procedência seria confirmada ou não pela Administração. Atualmente, a IN SLTI/MPOG n. 02/2008, alterada pela IN SLTI/MOPG n. 03/2009, dispõe de normas mais claras sobre a contagem do interregno de 1 (um) ano para a primeira repactuação, conforme o art. 38, que vale transcrever: Art. 38. O interregno mínimo de 1 (um) ano para a primeira repactuação será contado a partir: I - da data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado, tais como o custo dos materiais e equipamentos necessários à execução do serviço; ou (Redação alterada pela IN SLTI/MPOG n. 03/2009). II - da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a variação dos custos for decorrente da mão-de-obra e estiver vinculada às datas-base destes instrumentos.".( Redação alterada pela IN SLTI/MPOG n. 03/2009). Parágrafo único. Quando a contratação envolver mais de uma categoria profissional, com datas-base diferenciadas, a data inicial para a contagem da anualidade será a data-base da categoria profissional que represente a maior parcela do custo de mão-de-obra da contratação pretendida; Quanto ao reajuste de insumos em geral, atrelados a índices inflacionários, excetuada a mão-de-obra, não oferece qualquer dificuldade administrativa, sendo que a data-base da periodicidade deve ser contada a partir da data limite do oferecimento da proposta, ou do fornecimento do orçamento desta para as hipóteses de inexigibilidade e dispensa de licitação, situação esta que não foi contemplada pelos normativos acima citados. Assim, conforme o inc. I do art. 38 supracitado, decorrido 1(um) ano da data limite para o oferecimento da proposta, aqueles insumos podem ser reajustados por simples apostila, mediante a aplicação de cláusula contratual. No que se refere ao reajustamento da mão-de-obra, incide a regra do inc. II do art. 38, segundo a qual o interregno de um ano é contado a partir “da data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou instrumento congênere vigentes à época do oferecimento da proposta”. Mas não é só isso. O inc. III do art. 41 da IN SLTI/MPOG n. 02/2008 permite um alcance ainda maior da contagem do interregno mínimo de 1 (um ano) conforme o disposto a seguir: Art. 41. Os novos valores contratuais decorrentes das repactuações terão suas vigências iniciadas observandose o seguinte: 30 III - em data anterior à repactuação, exclusivamente quando a repactuação envolver revisão do custo de mãode-obra e estiver vinculada a instrumento legal, acordo, convenção ou sentença normativa que contemple data de vigência retroativa, podendo esta ser considerada para efeito de compensação do pagamento devido, assim como para a contagem da anualidade em repactuações futuras; Como se vê, quando o instrumento normativo contempla data de vigência retroativa, esta é considerada inclusive para a contagem da anualidade em repactuações futuras. Então, quanto à mão-de-obra, a anualidade não se conta da data da assinatura do contrato, nem mesmo se restringe à data limite para o oferecimento da proposta, mas alcança a data de eventuais efeitos retroativos do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho; o que determina a anualidade, no fim das contas, é a data em que entra em vigor a alteração do salário da categoria profissional. Admite-se, ainda, que os demais insumos necessários à execução dos serviços sejam reajustados por ocasião da primeira repactuação de mão-de-obra, a fim de se fazer coincidir as datas-bases de todos os insumos contratuais para as próximas repactuações. Destarte, considerando-se dois critérios de reajuste para insumos distintos, a harmonização da repactuação desses insumos foi bem apanhada na Decisão n. 1.563/2004 do Tribunal de Contas da União, que acompanhou o brilhante voto do Ministro Relator Augusto Sherman Cavalcanti, que assim se manifestou: 37. Entendo, pois, que não há restrições legais ou regulamentares a que se inclua, na primeira repactuação, a variação dos custos de outros itens do preço do contrato, além da mão-de-obra, desde que devidamente demonstrado e justificado. 38. No entanto, chamo a atenção para o fato de que não há como se conseguir a perfeita harmonização da relação dos custos do contrato tendo em vista a existência de itens sujeitos a variações sazonais ou categorias profissionais com data-base diferenciadas, entre outras possibilidades. Inobstante esse aspecto, é de se ressaltar que a ocorrência de expressivas defasagens de custos podem ser amenizadas pela adoção do procedimento sugerido. Portanto, no momento da repactuação provocada pela alteração dos custos de mão-de-obra, a Administração poderá efetivar também o reajuste dos demais insumos utilizados, fazendo coincidir a data-base de todos os insumos para a próxima repactuação. No que tange à existência de categorias profissionais diversas no contrato com datas-base diferenciadas, o art. 38, § único, da IN SLTI/MPOG n. 02/2008, disciplinou no sentido de que a contagem da anualidade será a data-base da categoria profissional que represente a maior parcela do custo de mão-de-obra da contratação. Tal disposição, no entanto, deve constar de cláusula contratual, sobretudo por se tratar de situação excepcional às disposições gerais do próprio normativo. A Advocacia-Geral da União acompanha o raciocínio jurídico acima desenvolvido, conforme já exposto no tópico 3.5 do presente estudo, notadamente na forma do Parecer n. AGU/JTB n. 01/2008, adequado pelo Parecer DECOR n. 012/2010. Nesse sentido, foi editada também a Orientação Normativa AGU n. 25, de 1 de abril de 2009, que assim orienta: NO CONTRATO DE SERVIÇO CONTINUADO COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA, O INTERREGNO DE UM ANO PARA QUE SE AUTORIZE A REPACTUAÇÃO DEVERÁ SER CONTADO DA DATA DO ORÇAMENTO A QUE A PROPOSTA SE REFERIR, ASSIM ENTENDIDO O ACORDO, CONVENÇÃO OU DISSÍDIO COLETIVO DE TRABALHO, PARA OS CUSTOS DECORRENTES DE MÃO DE OBRA, E DA DATA LIMITE PARA A APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS INSUMOS. 6.2. DAS REPACTUAÇÕES SUBSEQUENTES A Lei n. 10.192/01, por meio do art. 2º, § 2º, veio estabelecer que “Em caso de revisão contratual, o termo do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido”. 31 Vale destacar, primeiramente, que a regra citada anteriormente não utiliza o termo “repactuação”, mas adota os termos “correção monetária”, “reajuste” e “revisão”. Entretanto, o que mais interessa é que tais eventos estão sujeitos à regra da anualidade, e não se identificam com o reequilíbrio econômico-financeiro, que não se sujeita à ocorrência do interstício de um ano, conforme já visto no presente artigo. Sem dúvida que é possível conceber a repactuação com um procedimento misto, que prevê de um lado um reajuste, quando a variação dos custos de determinados insumos sujeita-se à aplicação de um índice econômico previamente estabelecido no contrato, e de outro lado uma revisão, notadamente quanto aos custos de “mão-de-obra”, porque este insumo não é reajustado no contrato administrativo, mas, antes, por instrumento coletivo de trabalho, que, por sua vez, gera reflexos naquele. De toda forma, o importante é que o reajuste de todos os insumos que serão objeto do procedimento de repactuação estão sujeitos à regra da anualidade, conforme os normativos e entendimentos jurídicos atualmente em vigor. Essa regra legal da anualidade vale, portanto, para as repactuações ou reajustes subseqüentes. Então, após a primeira repactuação, deverá ser computado o prazo de doze meses para a segunda e assim sucessivamente, não sendo permitida mais de uma repactuação no período de doze meses. Mas afinal, a partir de que momento conta-se o período de 12 meses para a nova repactuação? Nos termos do art. 39, caput, da IN SLTI/MPOG n. 02/2008, com redação dada pela IN SLTI/MPOG n. 03/2009, “Nas repactuações subsequentes à primeira, a anualidade será contada a partir da data do fato gerador que deu ensejo à última repactuação”. De modo geral, o fato gerador é a própria convenção, o acordo ou dissídio coletivo, mas pode ocorrer que o instrumento coletivo preveja a entrada em vigor de novos salários normativos de forma retroativa, situação que vai interferir na contagem do prazo. Dessa forma, não se pode admitir que o prazo para o requerimento de nova repactuação seja contado da data da assinatura da anterior, posto que, se assim for, a cada ano seria postergada a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, com prejuízo manifesto para o contratado. Com efeito, sendo a repactuação um procedimento que visa um reajuste, não há que se considerar como início do prazo de 12 meses a data da assinatura de um termo aditivo que, ademais, não é um instrumento obrigatório, na medida em que se admite o apostilamento. O que deve ser levado em conta é que, em uma determinada data do ano, que é considerada a data-base, seja ela a data da proposta ou a data da convenção coletiva que serviu de base para a proposta conforme o custo do insumo que está sendo repactuado, é nessa mesma data dos anos seguintes que deverá ser efetivada a repactuação, desde que demonstrada a variação do preço do contrato. Esta data não muda de ano em ano, ou então não se falaria mais em data-base exigida no art. 55, inc. III, da Lei n. 8.666/93. Para as futuras repactuações provocadas por revisão do custo da mão-de-obra também incide a regra do art. 41, inc. III, da IN SLTI/MPOG n. 02/2008, pela qual a vigência retroativa da convenção, acordo ou dissídio coletivo, serve de termo inicial para a contagem do interregno de um ano para a repactuação seguinte. Logo, conclui-se que o interregno mínimo é contado sempre da entrada em vigor do novo salário normativo, o que equivale, na prática, ao reequilíbrio econômico-financeiro, pelo qual um determinado evento que cause desequilíbrio econômico na relação contratual é compensado de forma imediata. Por fim, a Advocacia-Geral da União consolidou o assunto com a Orientação Normativa n. 26, de 1 de abril de 2009, no seguinte sentido: NO CASO DAS REPACTUAÇÕES SUBSEQUENTES À PRIMEIRA, O INTERREGNO DE UM ANO DEVE SER CONTADO DA ÚLTIMA REPACTUAÇÃO CORRESPONDENTE À MESMA PARCELA OBJETO DA NOVA SOLICITAÇÃO. ENTENDE-SE COMO ÚLTIMA REPACTUAÇÃO A DATA EM QUE INICIADOS SEUS EFEITOS FINANCEIROS, INDEPENDENTEMENTE DAQUELA EM QUE CELEBRADA OU APOSTILADA. 3.7 EFEITOS FINANCEIROS: RETROATIVIDADE É interessante apresentar um histórico da questão da retroatividade dos efeitos financeiros da repactuação no âmbito da Administração Pública Federal, para que possam visualizar como o tema evoluiu nos últimos anos. 32 Em 2004, a Advocacia-Geral da União firmou o entendimento de que “os efeitos decorrentes de qualquer termo contratual só serão válidos a partir de sua assinatura, não sendo viável pretender-se atribuir efeitos retroativos a um termo aditivo”. Tal entendimento é consentâneo como o parecer do Departamento de Assuntos Jurídicos Internos da Consultoria-Geral da União – CGU/AGU, conforme exposto na Nota/DAJI n. 76/2004 – PFBF: Aos contratos administrativos alude a Constituição de 1988, no art. 22, inciso XXVII, para submetê-los a normas gerais federais, e no art. 37 para exigir o prévio processo licitatório, demonstrando a preocupação do constituinte em vincular os contratos celebrados com a Administração a uma rígida disciplina legal da qual não podem ser afastar. Destarte, os efeitos decorrentes de qualquer termo contratual só serão válidos a partir de sua assinatura, não sendo viável pretender-se atribuir efeitos retroativos a um termo aditivo. Nesse sentido, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, respondendo consulta encaminhada pela Auditoria Interna do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (Ofício/PRT7ª n. 65/01 - Prot. AUDIN n. 2001/4262), também adotava aquele entendimento, assim exposto: d) O prazo para pagamento dos novos valores repactuados deverá iniciar-se sempre a partir da conclusão das negociações, ou no máximo poderá retroagir à data da solicitação da contratada. No âmbito da doutrina, Dalton Santos Morais (2005, p. 131) afirmava que “há uma corrente doutrinária no sentido de que a repactuação de preços tem de ser concedida ex officio pela Administração”, conforme, por exemplo, o entendimento da Consultoria Zênite (ILC n. 87, Ano VIII, Curitiba, Zênite, maio 2001, Consulta em Destaque, pp. 388/393). O autor ressalvava que: [...] entretanto, em que pese o posicionamento acima exposto, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União dá-se no sentido de que a data do requerimento de repactuação, acompanhado da respectiva Planilha de Custos, pela contratada, pode definir o momento a partir do qual seria devida, se aprovada pela Administração Pública, a repactuação do preço contratado (MORAIS, 2005, p. 131). Referido autor (2005, p. 131) ainda lembrava o posicionamento firmado no âmbito do Ministério Público da União, pela Procuradoria da República em Santa Catarina, conforme Processo AUDIN n. 2002/02650 e 2804, no sentido de que a solicitação da empresa constitui o momento inicial das negociações, mas o prazo para pagamento de novos valores repactuados deverá iniciar-se sempre a partir da conclusão das negociações, ou no máximo, poderá retroagir à data da solicitação da contratada. Em contrapartida, ainda o mesmo autor advogava a tese de que, pelo princípio da vedação do enriquecimento ilícito e pela interpretação do item 7.2 da IN MARE n. 18/97, o marco inicial da repactuação de preços é "a data de vigência do salário normativo sobre o qual foi feito o requerimento pela contratada, desde que, ante a natureza jurídica da negociação bilateral da repactuação de preços, tenha sido o requerimento feito em prazo razoável pela contratada, após a Convenção Coletiva que fixou o novo salário normativo da categoria profissional abrangida pelo contratado administrativo” (MORAIS, 2005, p. 133). Assim, fixa sua opinião em manifestação da DLSG/SLTI do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que, conforme Fax n. 793/02, de 7.8.02, DLSG/SLTI/MPOG (MORAIS, 2005, p. 134), assim orienta: O prazo para concessão de repactuação será a data do pedido da empresa, podendo retroagir até a data do acordo, convenção ou dissídio coletivo, inclusive considerando a vigência deste instrumento legal quando retroativo. Essa exegese da legislação apresentava-se mais juridicamente aceitável, pois, ainda que a repactuação não fosse promovida de forma automática, o que nos parece até razoável, dado que cada insumo admite um 33 critério específico, uma vez demonstrada a variação do custo de produção no decorrer de doze meses a contar da data-base, o contratado teria direito aos novos valores, e qualquer demora no processamento não impediria o reconhecimento do direito à percepção dos retroativos. Isto porque o direito surgiria na data-base do reajuste, que não pode ser modificada; então se no mês de março ocorresse o reajuste salarial, em março de cada ano, com o advento da convenção coletiva de trabalho, teria direito o contratado à reposição da perda inflacionária advinda da alteração dos insumos. Na época, o Tribunal de Contas da União, conforme o Acórdão 1.563/2004 - Plenário, entendia que o prazo para a primeira repactuação deveria contar-se da data da convenção coletiva que serviu de base para a formulação da proposta, mas não falava em efeitos financeiros retroativos. Em seguida, a Advocacia-Geral da União confirmou o entendimento no sentido de não reconhecimento de efeitos retroativos, conforme se infere do subitem d do item 42 da Nota DECOR/AGU/AGU N. 023/2006AMD, já citada, no sentido de que “é possível contar-se o prazo inicial de validade dos novos valores repactuados a partir do requerimento da contratada caso tenha havido demora injustificada da Administração em analisá-lo”, concluindo que “a regra é prazo inicial de validade a partir da assinatura do termo aditivo, ante a proibição em atribuir-lhe efeitos financeiros retroativos”. Portanto, o entendimento da Advocacia-Geral da União e do Tribunal de Contas da União pela vedação de efeitos retroativos não pareciam harmônicos, na época, com o disposto no art. 40, inc. XI e art. 55, III, da Lei n. 8.666/93, pelo qual na data-base fixada surge o direito ao reajuste ou repactuação. Na exegese dos dispositivos legais acima, se um contrato fosse celebrado em janeiro de 2007, cuja proposta fora apresentada em dezembro de 2006, tendo por orçamento a convenção coletiva de março de 2006, e vindo a ocorrer alteração salarial em março de 2007, é nesta data que deveria ocorrer o reajuste contratual, e seria a partir dessa data que deveria iniciar a contagem da periodicidade de doze meses para a próxima repactuação, mantendo-se, assim, fidelidade à data-base prevista. Se a repactuação fosse concluída alguns meses após o requerimento, seus efeitos deveriam retroagir à data-base, e não ao requerimento da contratada, muito menos deveria ser admitido o efeito financeiro somente a partir da conclusão das negociações, posto que aí estaria caracterizado o enriquecimento ilícito da Administração, sem falar que a data-base da próxima repactuação restaria modificada. Porém, o entendimento de que os efeitos financeiros deveriam ser considerados a partir da conclusão das negociações, contando-se da assinatura do termo o início do prazo para a próxima repactuação, carecia de melhor fundamentação. Com efeito, sendo a repactuação um critério ou espécie de reajuste, não haveria que se falar em negociação. O reajuste não provoca alteração no contrato, mas deriva da aplicação de cláusula contratual, logo, o entendimento de que os efeitos da repactuação deveriam ser contados a partir da data da conclusão dos trâmites administrativos ou do requerimento parece contrariar o princípio constitucional da manutenção das condições efetivas da proposta, porque, estando a repactuação caracterizada como reajuste, sua implementação não dependeria de negociação ou termo aditivo contratual. Por isso, aquele entendimento da AGU, quanto aos efeitos da repactuação, merecia ser revisto para estabelecer-se que esta deve ser concedida com efeitos a partir da data-base da categoria. E foi revisto. Em 2008, passou a vigorar o entendimento adotado no Parecer AGU/JTB n. 01/2008, nestes termos: d) quanto aos efeitos financeiros da repactuação nos casos de convenções coletivas de trabalho, tem-se que estes devem incidir a partir da data em que passou a viger efetivamente a majoração salarial da categoria profissional. A tese foi confirmada pela Nota DECOR/CGU/AGU N. 031/2009 – JGAS, nos seguintes termos: 15. Em assim sendo, proponho seja respondido ao NAJ/SE que o DECOR/CGU já se pronunciou sobre a matéria na NOTA/DECOR/CGU/AGU Nº 023/2006-AMD, mas que, em razão do advento do Parecer AGU nº JT-02, aprovado pelo Presidente da República e publicado no DOU, o entendimento sufragado por este Departamento encontra-se superado, valendo, hodiernamente, a tese que advoga a retroação dos efeitos financeiros da repactuação à data em que efetivamente passou a viger o incremento salarial em favor da categoria profissional abrangida pelo contrato cujos valores se busca repactuar, nos termos e condições 34 acima. Nessa linha, o art. 41 da IN SLTI/MPOG n. 02/2008, alterada pelo IN SLTI/MPOG n. 03/2009, consolida: Art. 41. Os novos valores contratuais decorrentes das repactuações terão suas vigências iniciadas observandose o seguinte: I – a partir da ocorrência do fato gerador que deu causa à repactuação; II – em data futura, desde que acordada entre as partes, sem prejuízo da contagem de periodicidade para concessão das próximas repactuações futuras; ou III – em data anterior à ocorrência do fato gerador, exclusivamente quando a repactuação envolver revisão do custo de mão-de-obra em que o próprio fato gerador, na forma de acordo, convenção ou sentença normativa, contemplar data de vigência retroativa, podendo esta ser considerada para efeito de compensação do pagamento devido, assim como para a contagem da anualidade em repactuações futuras. (Grifado). §1º. Os efeitos financeiros da repactuação deverão ocorrer exclusivamente para os itens que a motivaram, e apenas em relação à diferença porventura existente. Pelas orientações acima, dessume-se que os efeitos financeiros da repactuação alcançam a data do acordo, convenção ou sentença normativa, ou a data de sua eventual vigência retroativa. Desta forma, com relação à mão-de-obra, uma vez que o reajuste retroage à data do fato gerador, admite-se que, ao menos no aspecto dos efeitos financeiros, equivale ao reequilíbrio econômico-financeiro. Mas esta coincidência é ilusória, pois, na verdade, a repactuação de custos relativos à mão-de-obra é um reajuste cuja data-base depende de um fator extrínseco ao contrato: a data-base da categoria, que, por sua vez, está adstrita à periodicidade mínima de 1 (um) ano. Portanto, quanto ao insumo mão-de-obra, o critério de reajuste chamado repactuação funda-se na database da categoria, cujos salários são revistos anualmente. Daí surge a idéia de que a repactuação de mão-de-obra é um reajuste-reflexo, ao passo que o reajuste de demais insumos necessários à execução do serviço é intrínseco à contratação administrativa, porquanto a data-base e a periodicidade desse reajuste é fixada no contrato. 3.8 FORMA DE PROCESSAMENTO DA REPACTUAÇÃO O Decreto n. 2.271/97, no art. 5º, exige a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, mediante planilha de preços, que será confrontada com a planilha que instrui a proposta original. Neste aspecto, como já destacou Marçal Justen Filho, a repactuação assemelha-se à recomposição de preços (reequilíbrio econômico-financeiro), aplicável para alterações imprevisíveis (teoria da imprevisão), pois a ocorrência do fato gerador deve ser demonstrada, ao passo que no reajuste, tradicionalmente compreendido, se dá pelo simples cálculo do índice econômico previsto em cláusula contratual, não configurando alteração contratual. Por isso, o reajuste tradicional, não correspondendo a uma alteração contratual, conforme já restou demonstrado, por conseguinte não necessita de aditamento, nos termos do art. 65, § 8º, da Lei n. 8.666/93, in verbis: Art. 65 ... §8º. A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento. 35 O raciocínio lógico que daí decorre é que a repactuação, por ser entendida como espécie de reajuste e não caracterizar alteração contratual, dispensa termo aditivo, podendo ser executada por apostilamento. Esta é a posição consolidada no art. 40, § 4º da atual IN SLTI/MPOG n. 02/2008, que assim prescreve: Art. 40. As repactuações serão precedidas de solicitação da contratada, acompanhada de demonstração analítica da alteração dos custos, por meio de apresentação da planilha de custos e formação de preços ou do novo acordo convenção ou dissídio coletivo que fundamenta a repactuação, conforme for a variação de custos objeto da repactuação. [...] § 4º - As repactuações, como espécie de reajuste, serão formalizadas por meio de apostilamento, e não poderão alterar o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos, exceto quando coincidirem com a prorrogação contratual, em que deverão ser formalizadas por aditamento. Preliminarmente, há uma deficiência na redação do § 4º na parte que dispõe “e não poderão alterar o equilíbrio econômico-financeiro”, pois a repactuação serve para recompor o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como já visto neste estudo. O que se pretendeu dizer é que a repactuação não está configurada como reequilíbrio econômico-financeiro, portanto, não acarreta alteração contratual, mas pode ser processada eventualmente com o termo aditivo de prorrogação, se contemporânea a esta. Mas a tese da adequação do apostilamento está correta. É preciso considerar, no entanto, que a repactuação apresenta certa complexidade jurídica, por se tratar de um critério de reajuste dos diversos insumos do contrato. Assim, não é processada automaticamente, pelo menos no que tange ao custo de mão-de-obra, cujo índice será conhecido na convenção coletiva de trabalho, e vai ensejar um requerimento do contratado, cuja análise envolve aspectos nitidamente de ordem jurídica e que transcende a questão aritmética, tal como o critério do interregno mínimo de 1 (um) ano, os efeitos eventualmente retroativos e a preclusão lógica. Tais requisitos exigem uma análise jurídica, que pode ser exercida pela Administração, com base no conhecimento consolidado nas instruções normativas, ou pelo órgão consultivo, quando provocado a se manifestar no intuito de se conferir maior segurança para a decisão do gestor público. A questão do instrumento jurídico adequado para concretizar a repactuação foi apanhada no Relatório do Acórdão TCU n. 477/2010 – Plenário, neste sentido: 63. Vale destacar, ainda, que a repactuação de preços poderia dar-se mediante apostilamento, no limite jurídico, já que o artigo 65, § 8º, da Lei nº 8.666/93, faz essa alusão quanto ao reajuste. Contudo, não seria antijurídico e seria, inclusive, mais conveniente que fosse aperfeiçoada por meio de termo aditivo, uma vez que a repactuação tem como requisitos a necessidade de prévia demonstração analítica quanto ao aumento dos custos do contrato, a demonstração de efetiva repercussão dos fatos alegados pelo contratado nos custos dos preços inicialmente pactuados e, ainda, a negociação bilateral entre as partes. E, para reforçar o entendimento ora exposto, vale mencionar que o referido termo aditivo teria natureza declaratória, e não constitutiva de direitos, pois apenas reconheceria o direito à repactuação preexistente. Assim, o fato de a repactuação poder ou dever ser processada por apostilamento não significa que se está diante de uma situação jurídica simples como o reajuste automático, que consiste em mero cálculo. É ilusório pensar que a repactuação dispensa uma análise jurídica na hipótese de adoção do apostilamento, quando, para além da aprovação do instrumento jurídico, exige-se o atendimento de seus requisitos legais. Desta forma, em que pese a apostila não exija obrigatoriamente o parecer jurídico, uma vez provocado o órgão consultivo, deve este apreciar o mérito do procedimento, como forma de assistência ao órgão assessorado quanto ao controle interno da legalidade. 3.9 DA PRECLUSÃO LÓGICA O instituto da preclusão está previsto no art. 473 do Código de Processo Civil, que dispõe que “é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão”. 36 Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 986), “a preclusão é a perda de uma oportunidade processual (logo, ocorrida depois de instaurada a relação processual), pelo decurso do tempo previsto para seu exercício, acarretando a superação daquele estágio do processo (judicial ou administrativo). Veja-se que a preclusão, como instituto de direito processual, seja judicial ou administrativo, tem o caráter de preservação da segurança jurídica da relação processual, impedindo que questões já decididas sejam rediscutidas. É inquietante a questão da invocação da preclusão lógica nessa relação contratual estabelecida entre a Administração e o particular, que pertence ao campo do direito material ou substancial, envolvendo direitos e obrigações. De toda forma, os que advogam tal tese supõem que o particular, adotando comportamento incompatível com um determinado direito prescrito em lei ou em cláusula contratual, esteja renunciando a tal direito. Assim, no caso da repactuação, tem-se admitido a preclusão lógica quando o contratado assina a prorrogação do contrato, mantendo as demais cláusulas em vigor, isto é, mantendo, inclusive, o preço que vinha sendo praticado, ou quando o contrato se encerra. Estaria aí configurada a preclusão, tal como estabelecido §7º do art. 40 da IN SLTI/MPOG n. 02/2008, alterada pela IN SLTI/MOPG n. 03/2009, in verbis: § 7º As repactuações a que o contratado fizer jus e não forem solicitadas durante a vigência do contrato, serão objeto de preclusão com a assinatura da prorrogação contratual ou com o encerramento do contrato. Esta é a tese adotada no Parecer AGU/JTB n. 01/2008, que firmou o seguinte entendimento: A preclusão é a perda da faculdade de praticar ato em razão da prática de outro ato incompatível com aquele que se pretenda exercitar. Trata-se de fenômeno processual, que acaba por interferir no direito material da parte. E a incidência do instituto processual no caso em tela se justifica diante do fato de que a execução do contrato compreende a concatenação de atos administrativos tendentes a um produto final. [...] Assim, por tudo o que se expôs, pode-se concluir que: [...] Quanto ao termo final para o contratado requerer a repactuação, tem-se que a repactuação deverá ser pleiteada até a data da prorrogação contratual subsequente, sendo certo que, se não o for de forma tempestiva, haverá a preclusão do direito do contratado de repactuar. (Grifado). Esta posição, tendo sido aprovada pelo Advogado-Geral da União, é de observância obrigatória por todos os membros da Carreira da Advocacia-Geral da União. Todavia, se por um lado concorda com entendimento do Tribunal de Contas da União quanto à ocorrência da preclusão lógica no ato da prorrogação contratual, por outro lado diverge quanto ao seu alcance jurídico. Para o TCU, a preclusão lógica alcançaria os efeitos retroativos da repactuação anteriores à prorrogação, e não o direito à repactuação propriamente, conforme se depreende da decisão mais recente sobre o assunto, o Acórdão n. 477/2010 – Plenário, que julgou o reexame do Acórdão n. 1828/2008 - Plenário, assentando o seguinte: 42. Infere-se do trecho do voto condutor acima transcrito que esta corte fixou seu entendimento no sentido de que a repactuação de preços, sendo um direito conferido por lei ao contratado, deve ter sua vigência reconhecida imediatamente desde a data da convenção ou acordo coletivo que fixou o novo salário normativo da categoria profissional abrangida pelo contrato administrativo a ser repactuado. 43. No entanto, por ter havido a assinatura de termo aditivo contratual após a data em que nasceu o direito, concluiu-se que, no caso, em função dessa peculiaridade, ocorreu a preclusão do direito à retroatividade dos efeitos financeiros da repactuação em relação ao período anterior à assinatura do aditivo contratual. (Grifado). 44. Tal conclusão em nada contraria o entendimento exposto no item 42 supra, uma vez que foi reconhecido 37 que o direito à repactuação nasceu na primeira data-base após a assinatura do contrato, mas considerou-se que a recorrente abriu mão desse direito quando, após o seu nascimento, ratificou todas as cláusulas contratuais, entre elas a que se refere aos preços originalmente pactuados para a execução do objeto. 45. Contraditório seria se admitíssemos que a contratada ratificasse a cláusula que fixou os preços originalmente contratado e, posteriormente, alegasse, com base em fatos já conhecidos no momento da ratificação, que aquele preço que ela própria ratificou estava em desequilíbrio desde momento anterior a sua confirmação. Isso porque, se os preços já poderiam ser repactuados quando da assinatura do termo aditivo, caberia a contratada alegar isso naquele momento, de modo que a ratificação das cláusulas contratuais, sem qualquer menção à necessidade de repactuação, demonstrou que ela estava disposta a manter os preços originalmente contratados, embora já soubesse do aumento dos seus custos. 46. Quanto ao questionamento acerca da possibilidade de aplicação do instituto da preclusão ao presente caso, salienta-se que o que foi dito no item 79 do voto condutor acima transcrito foi que "a execução de um contrato é um processo", e não que o contrato em si é um processo. Assim, a execução de um contrato administrativo formaliza-se por meio de um processo administrativo, dentro do qual são tratadas as questões a ele relativas, como reajustes de preços, assinatura de termos aditivos, aplicação de penalidades à empresa contratada, entre outras. 47. Tratando-se de um processo administrativo, seus atos podem estar sujeitos ao instituto da preclusão. Como exemplo, poderíamos imaginar a hipótese de a administração se negar a conceder uma revisão contratual requerida pela empresa, nesse caso, a contratada teria um prazo para recorrer da decisão administrativa, sob pena de preclusão temporal. Da mesma forma, caso fosse aplicada multa à contratada por descumprimento de alguma obrigação contratual, ela teria uma prazo para impugnar esse ato administrativo, findo o qual, perderia o direito de recorrer. 48. Desse modo, concordamos com o posicionamento adotado no acórdão recorrido de que, no caso, incidiu a preclusão sobre o direito de pleitear a retroatividade dos efeitos financeiros da repactuação desde 1/5/2005, data-base ocorrida antes da assinatura do aditivo contratual. Isso porque a assinatura do termo aditivo contratual, posterior à 1/5/2005 (data em que nasceu o direito à repactuação), configurou ato incompatível com o direito ora pleiteado, uma vez que ratificou a cláusula que estabeleceu os preços originalmente acordados. (Grifado). Então, pelo Acórdão acima referido, o direito do contratado não alcançaria apenas os efeitos pretéritos à prorrogação. Ocorre que o contratado, ao assinar o termo aditivo de prorrogação, está ratificando todas as demais cláusulas contratuais, inclusive o preço contratual. Assim, poderia argumentar que está ratificando também seu direito de pedir a repactuação; poderia argumentar também que a assinatura do termo de prorrogação não implica a renúncia ao direito de ter o contrato repactuado, porque a cláusula contratual não era explícita quanto a qualquer prazo para o requerimento; poderia dizer que a renúncia tácita não seria gesto compatível com a boa administração de sua empresa, ao assumir ônus que poderia ser transferido à Administração. Enfim, uma série de argumentos, procedentes ou não, podem ser lançados contra a tese da preclusão lógica da repactuação a partir da prorrogação contratual. É preciso reconhecer que, diferentemente da relação processual, em que as partes estão assessoradas por advogado, na relação contratual as consequências de determinado comportamento nem sempre podem ser previstas pelo particular, que não detém, necessariamente, formação jurídica. Assim, por ingenuidade e contra sua própria vontade consciente, o contratado pode vir a sofrer um prejuízo que vai trazer consequências negativas para a execução do contrato, ou até mesmo acarretar a sua inexecução involuntária, suscitando aplicação de penalidades e a instauração de um conflito, que ademais não é desejado pela Administração, e que pode ser prevenido. Outro tanto, prevalece a tese de que o término da vigência contratual fulminaria também o direito do contrato a postular a repactuação. Neste caso, diferentemente da prorrogação contratual, que estaria revigorando a aplicação das cláusulas de reajuste, a extinção do contrato pela vigência afastaria a aplicação de todas as cláusulas contratuais, cujos direitos não foram invocados durante a execução contratual. De toda forma, a tese da preclusão lógica parece gerar certa polêmica pelo simples fato de se propor que seja óbvia para o contratado. Para evitar qualquer problemática, propõe-se levar em conta a imposição legal de que o contrato seja claro e autossuficiente quanto aos direitos e obrigações das partes, tal como expresso no art. 54, §1º, da Lei n. 8.666/93: 38 Art. 54... §1º Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam. Desta forma, uma vez estipulado em cláusula contratual que o contratado deverá requerer a repactuação até a data da prorrogação do contrato ou, no caso do último período prorrogado, até o prazo final de vigência contratual, sob pena de preclusão lógica, o direito do contratado estará resguardado e este não poderá alegar, sob qualquer fundamento, que o desconhecia. Melhor ainda: pode-se estipular um parágrafo nessa cláusula contratual assegurando a prerrogativa do contratado de ressalvar, no termo aditivo, seu direito ao pedido de repactuação com todos os efeitos financeiros correspondentes. Tal estipulação resolve o problema dos desavisados e daqueles que ainda não obtiveram acesso à documentação para postular seu requerimento, ao passo que, a Administração, em tempos de amplo direito de acesso à informação, confere maior precisão e clareza às condições contratuais oferecidas. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento deste trabalho teve presente que a compreensão de qualquer tema não pode desprezar seu contexto histórico. Por isso, situada a repactuação dentro da teoria do equilíbrio econômicofinanceiro dos contratos públicos, foi necessário discorrer desde a origem primeva deste instituto até os dias atuais. Foi importante notar que a regra do equilíbrio econômico-financeiro derivou da teoria da imprevisão, que, por sua vez, tem raiz na máxima rebus sic stantibus, pela qual as obrigações contratuais devem ser cumpridas como tal, enquanto permanecerem as condições vigentes ao tempo da celebração do ajuste. Tal preceito veio a ser aplicado aos contratos firmados pelo poder público de forma inédita na França, no início do século passado, e a partir daí universalizou-se. A Constituição Federal de 1988, no art. 37, XXI, reza que os contratos públicos serão celebrados com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei. Como é sabido, tal preceito constitucional foi regulamentado pela Lei n. 8.666/93, Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, que dedicou diversas disposições à correção monetária, ao reajuste e ao reequilíbrio econômico-financeiro contratual, o que nos permite inferir que estes são os institutos legais que cumprem a finalidade estatuída pelo comando constitucional. Por isso, foi necessário perquirir em que norma jurídica está amparada a repactuação. A repactuação foi criada pelo Decreto n. 2.271/97, num contexto em que já vigorava as regras do Plano Real – Lei n. 9.069/95 (complementada por medida provisória, que mais tarde seria convertida na Lei n. 10.102/01). Daí surgem regras voltadas para o controle da estabilidade da economia, tal como a periodicidade mínima de doze meses para o reajustamento dos contratos com larga vigência, reproduzida no art. 5º do Decreto n. 2.271/97. Mas não é apenas nessas normas do Sistema Financeiro Nacional que a repactuação encontra arrimo legal, apesar de que a interpretação dos requisitos básicos para a sua concessão esteja associada a esses preceitos normativos. Demonstrou-se que a repactuação confunde-se em parte com o reajuste, posto que adstrita à disciplina da periodicidade anual, e em parte com o reequilíbrio econômico-financeiro, que exige a demonstração da variação dos custos que compõem a prestação do serviço. Assim, numa primeira perspectiva, a repactuação parece ser um procedimento híbrido, com características daqueles dois institutos. Mas, em verdade, admitir que a repactuação é um procedimento autônomo não satisfaz à sua condição de legalidade. É evidente que a repactuação foi criada para regular a variação dos custos de produção/insumos utilizados no contrato em face de alterações previsíveis de mercado, decorrentes da variação inflacionária. Nessa perspectiva, fica clara a natureza jurídica da repactuação: trata-se de um critério de reajuste. 39 Parece indiscutível que a variação dos custos de produção de um contrato, como conseqüência do próprio processo inflacionário, não é fato imprevisível, conforme já assentou o Superior Tribunal de Justiça, ao manifestar-se no sentido de que o aumento salarial implementado por dissídio coletivo não autoriza a revisão contratual de que trata o art. 65 da Lei n. 8.666/93. Assim, sendo a repactuação um mecanismo encontrado pela Administração Pública Federal para reajustar os insumos do contrato de acordo com a variação efetiva de cada um em particular, tem-se que seu fundamento legal está nos arts. 40, inc. XI, e 55, inc. III, da Lei n. 8.666/93. Dentro desta lógica, é aplicável à repactuação as regras do Plano Real estudadas, mormente quanto à periodicidade mínima de um ano. Foi necessário ressaltar que a Instrução Normativa SLTI/MOPG n. 02/2008, alterada pela Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 03/2009 e o Parecer AGU JTB n. 01/2008, na linha do Acórdão n. 1563/2004, do Tribunal de Contas da União, foram o marco divisório do tema. Atualmente a repactuação é compreendida definitivamente como critério de reajuste, que regula a variação de custos decorrentes de mão-de-obra e custos de outros insumos necessários à execução do serviço, tendo sido consolidada na IN/SLTI/MPOG n. 02/2008, com as alterações procedidas pela IN SLTI/MPOG n. 03/2009. Quanto ao reajuste da mão-de-obra, a contagem da anualidade se dá conforme a data-base da categoria, instituída por acordo, convenção ou dissídio coletivo. A primeira repactuação conta-se da data desses instrumentos coletivos ou eventualmente de data anterior (fato gerador), ou de data anterior, quando for contemplada vigência retroativa. Quanto aos demais insumos, podem ser reajustados conforme estipulação contratual, podendo ser estabelecido índice econômico, cuja anualidade conta-se da data limite para o oferecimento da proposta, não havendo maiores dificuldades em seu processamento. Quantos aos efeitos financeiros, como a repactuação é um critério de reajuste complexo, a repactuação baseada na alteração salarial deve ter efeitos retroativos à data-base da categoria, posto que já submetida à disciplina legal da periodicidade de (1) um ano. Ou seja, os salários das categorias profissionais são reajustados a cada ano, razão pela qual o reajuste contratual dos insumos ou repactuação deve alcançar a data-base da categoria ou eventualmente seus efeitos financeiros retroativos, em função da qual o contratado já terá assumido o ônus advindo do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho. Do contrário, limitar os efeitos financeiros à data da conclusão da negociação ou no máximo retroagir à data do requerimento do contratado seria afrontar o preceito constitucional da manutenção das condições efetivas da proposta. Cumpre salientar também que, sendo a repactuação um critério de reajuste, com já dito, o apostilamento é a forma procedimental da sua efetivação, não sendo necessário o termo aditivo, uma vez que se trata de mera reposição inflacionária, e não de alteração contratual. Nada impede, porém, que a repactuação seja procedida por termo aditivo, o que é admitido pelo Tribunal de Contas da União; mas ainda assim, tal procedimento não caracteriza alteração contratual. Independentemente do instrumento jurídico a ser adotado - apostila ou termo aditivo -, é conveniente submeter o procedimento ao exame do órgão consultivo, em razão da complexidade do assunto e das implicações jurídicas envolvidas, que transcendem, evidentemente, a questão do cálculo aritmético. Por fim, as regras da preclusão lógica devem ser observadas, conforme os parâmetros normativos instituídos. Todavia, os contratos devem ser redigidos de forma a se prever expressamente as hipóteses em que se opera a preclusão. IN TE CONFIDO IESU 40 5.REFERÊNCIAS AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Os conceitos de reajuste, revisão e correção nonetária de preços nos contratos administrativos. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, v. 15, jul. 1996. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006. BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Teoria da imprevisão. Revista dos Tribunais, V. 679, maio/1992. BRASIL. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Nota/DECOR/CGU/AGU n. 023/2006-AMD, 25.01.2006. ______. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Parecer AGU/JTB n. 01/2008, 02.10.2008. ______. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Nota DECOR/CGU/AGU n. 031/2009 – JGAS, 09.03.2009. ______. 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