na Pan-Amazônia Ellen Sílvia Amaral Figueiredo Organizadora Biologia, conservação e manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia GOVERNO DO BRASIL PRESIDENTE DA REPÚBLICA Dilma Vana Rousseff MINISTRO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO – MCTI Marco Antonio Raupp INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ IDSM/OS/MCTI DIRETORIA GERAL Helder Queiroz DIRETORIA ADMINISTRATIVA Selma Santos de Freitas DIRETORIA TÉCNICO-CIENTÍFICA João Valsecchi do Amaral DIRETORIA DE MANEJO E DESENVOLVIMENTO Isabel Soares de Sousa COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE MANEJO DE PESCA Ana Cláudia Torres Gonçalves Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Biologia, conservação e manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia Ellen Sílvia Amaral Figueiredo Organizadora Tefé 2013 © Direito de cópia/ copyright por/by IDSM 2013 Foto capa (frente) Marilene Ribeiro Foto capa (costa) Eduardo Coelho Projeto editorial, Capa, Editoração Eletrônica, Normalização e Catalogação Eliete Amador Alves Silva Revisão Sauer Teles Figueiredo, Ellen Sílvia Amaral (Org.) Biologia, conservação e manejo participativo de pirarucus na PanAmazônia. Organizado por Ellen Amaral. Tefé: IDSM, 2013. 278 p. , il. ISBN: 978-85-88758-29-2 1. Pesca - Pan-Amazônia 3. Arapaima gigas. 3. Pirarucu. I. Título. CDD: 639.2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 09 PREFÁCIO ........................................................................................................... 13 PARTE I BASES CIENTÍFICAS PARA O MANEJO DE PIRARUCU: UMA DÉCADA DE CONHECIMENTOS GERADOS O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia ............................................................................. Leandro Castello, Donald J. Stewart, Caroline C. Arantes 17 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu ....... Caroline Arantes, Leandro Castello 33 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822..... Kelven Lopes, Rossineide Rocha, Maria Auxiliadora, Helder L. Queiroz 43 Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá .......................... Adriana Gomes Affonso, Helder L. Queiroz, Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo 59 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá ........................................................................................................... Juliana Araripe 69 Fauna Macrobentônica de Lagos de Várzea como Indicador de Impacto da Pesca Manejada de pirarucus ............................................................................ Lorena Almeida, José Souto Rosa-Filho, Daiane Aviz; Helder L. Queiroz 87 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) ................................................ Guido Miranda-Chumacero, Kelven Lopes, Yuba Sánchez, Helder L. Queiroz, Jaime Sarmiento A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana: impactos nas pescarias, cadeias de valor emergentes e perspectivas para a gestão comunitária ................... Fernando M. Carvajal - Vallejos, Alison Macnaughton, Claudia Coca, Selín Trujillo, Joachim Carolsfeld, Paul A Van Damme 103 131 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das Reservas Amanã e Mamirauá ................................................... Ellen Amaral, Oriana Almeida 151 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas ............................................................................................................. Rafael Castanheira 163 PARTE II APOIO TÉCNICO E GOVERNAMENTAL PARA O MANEJO DE PIRARUCUS Visão do Ministério da pesca e aquicultura sobre a regulamentação da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) na Amazônia Brasileira ..................................................... Jeanne Gomes da Silva O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao Manejo Participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais .................................................................... João Bosco Ferreira da Silva, Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior, Gelson da Silva Batista Recuperando a pesca do pirarucu no baixo Amazonas, Brasil .................................. Leandro Castello, Caroline C. Arantes, Fabio Sarmento, David G. McGrath A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) ....................................................................... Ellen Amaral; Ana Cláudia Torres e Nelissa Peralta 6 191 196 207 213 PARTE III EXPERIÊNCIAS DE MANEJO PARTICIPATIVO DE PIRARUCUS NA PAN-AMAZÔNIA A governança no manejo de pirarucu na Reserva Extrativista do Baixo Juruá, Amazonas .................................................................................................................. Paula Soares Pinheiro, Raimundo Ferreira Lima, João da Silva Ferreira, Jusecleide Gomes Ferreira, Marcelo Costa Ferreira, Tatiana Maria Machado de Souza, Isaura de Oliveira Bredariol, Ana Luiza Castelo Branco Figueiredo Manejo do pirarucu na RDS Piagaçu Purus: estratégias para conservação ............... José Gurgel Rabello Neto 239 245 Programa de manejo de pesca de pirarucu como ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos na Reserva Nacional Pacaya Samiria ........................... Jorge Luis Gómez Noriega 249 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no Manejo Comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil ............................................... Edvaldo Tavares de Lira, Enrique Araújo de Salazar, Miguel Arantes 257 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã ................................................................................. Ana Cláudia Torres Gonçalves 267 7 APRESENTAÇÃO É com enorme satisfação que atendo ao convite da organizadora para apresentar o livro que agora se encontra em suas mãos. Posso constatar que, enfim, podemos contar com um volume de informações mais consistentes sobre a biologia dos pirarucus, bem como sobre as iniciativas de manejo desta espécie desenvolvidas na Amazônia. Estas informações aparecem reunidas pelos principais estudiosos de pirarucus, por representantes das principais experiências de seu manejo na Amazônia, e por representantes das principais organizações de governo envolvidas no fomento desta atividade. Sem dúvida esta é uma grande conquista, que alegra a todos nós. A organização deste volume vem sendo planejada desde quando o sistema de manejo da pesca de pirarucus, sustentável e de base comunitária, desenvolvido na Reserva Mamirauá finalmente completou seu décimo aniversário. Desde aquele momento, ficou clara a necessidade de revisarmos e atualizarmos todo o conhecimento científico disponível sobre a espécie, particularmente, aquele conhecimento gerado nos últimos anos, a partir das experiências de manejo. Também era clara a necessidade de trocarmos as experiências adquiridas nestes distintos locais de manejo, de modo a adequarmos aquele conhecimento com esta prática, que já completa agora aproximadamente 15 anos. E, em última instância, também consideramos que há grande necessidade de provermos os técnicos e os tomadores de decisão na Amazônia de uma literatura especializada e de maior profundidade técnico-científica, mas em língua portuguesa. Todas estas compõem etapas da preparação do terreno para um processo mais acentuado e acelerado de multiplicação destas boas práticas, facilitando assim a construção de planos de manejo realistas e de qualidade. Planos que possam servir de base para novas e positivas experiências locais na Amazônia Brasileira, e também nos países vizinhos da Pan-Amazônia. Após quase 15 anos de vida do manejo participativo do pirarucu na Reserva Mamirauá, todos os indicadores disponíveis até o momento sugerem que este sistema tem se mostrado um sucesso. Já premiado no Brasil e, mais recentemente, também pela Organização das Nações Unidas (ONU), ele é reconhecido como 9 uma das mais relevantes experiências de uso sustentável de recursos naturais por populações locais em curso no momento na Amazônia. O sistema dá todas as indicações de que realmente atende aos seus pressupostos de sustentabilidade, participação, envolvimento e conservação. Foi a urgente necessidade de conservar esta importante espécie que motivou o início das pesquisas voltadas para o seu manejo, ainda em 1992. Posteriormente, foi a sua relevância social, política e econômica a responsável pela implantação, manutenção, consolidação, aperfeiçoamento e irradiação do manejo. O sistema de manejo consolidado mostrou-se capaz de, quando corretamente aplicado, conservar o recurso, gerar melhores condições de vida aos pescadores, e criar novas oportunidades para outros agentes econômicos regionais, auxiliando na construção de estratégias sustentáveis de desenvolvimento regional. Esta prática de manejo foi iniciada ainda em 1998/99 como resultado do esforço de vários pesquisadores, técnicos extensionistas, e pescadores comunitários que atuavam na Reserva Mamirauá à época. Hoje, esta prática já representa um caso exemplar de construção de cadeias produtivas sustentáveis e arranjos produtivos locais para a Amazônia. Após alguns anos de muita pesquisa científica e da implantação de alguns experimentos-piloto, principalmente baseados no Setor Jarauá da Reserva Mamirauá, o sistema de manejo criado passou por uma rápida fase de crescimento e multiplicação local e regional no Médio Solimões, observada entre 2002 e 2008. Neste mesmo período, a experiência demonstrou ter alcançado sua maturidade por ser capaz de identificar seus próprios erros, e de corrigi-los com presteza e eficácia. O adensamento destas experiências multiplicadas na Região do Médio Solimões gerou maior volume de produção deste pescado, e abriu a oportunidade para o estabelecimento de novos elos desta nascente cadeia, em experiências fomentadas pela ação do Estado. Hoje, existe um segmento da cadeia produtiva que busca explorar este maior volume de produção. Ele busca agregar novos valores à cadeia por meio de processos de beneficiamento que pretendem levar o produto a novos e mais amplos mercados, muito embora os resultados práticos desta abordagem ainda sejam questionáveis. Apesar de lidar com visões distintas, e muitas vezes conflitantes, aos poucos uma cadeia de valor vai se estruturando no interior da Amazônia, gerando benefício a seus membros. Tais benefícios são continuados a outros segmentos da sociedade, por meio da intensificação da atividade econômica regional, e da sua tributação. Hoje, é dever de todos nós fazer com que esta cadeia atente sempre para os interesses dos manejadores de pirarucu, que são os protagonistas principais deste processo de tanta relevância, e para a conservação desta importante espécie. 10 Uma vez consolidada regionalmente esta experiência, agora um maior esforço deve ser devotado na sua multiplicação em outras partes da Amazônia, a partir do seu centro irradiador, que é o Médio Solimões. Embora a consolidação regional no Estado do Amazonas já esteja bem assegurada, temos ainda um caminho longo buscando a consolidação local de experiências pioneiras nos Estados do Acre, Tocantins e Rondônia. E até mesmo no Estado do Pará, que conta com uma das mais antigas experiências de manejo comunitário do pirarucu, na região de Santarém, no Médio Amazonas, ainda há necessidade de consolidar as boas experiências de manejo dos pirarucus. Esforço adicional é, portanto, necessário para consolidar estas frentes de multiplicação, tanto no Brasil quanto em países vizinhos que já iniciaram o processo de manejo comunitário de pirarucus, como as Guianas, Peru, Colômbia e mesmo a Bolívia, país onde a espécie foi acidentalmente introduzida em fins do século passado, na bacia do rio Beni, e onde hoje já é objeto das primeiras experiências de manejo em algumas localidades (também visando o controle da população desta espécie que, naquela bacia, tem o perfil de uma invasora). Entretanto, nem tudo está completamente resolvido no centro irradiador do modelo de manejo. No Médio Solimões, ainda há dificuldades de aplicação de alguns dos mais importantes critérios técnicos para estabelecimento das atividades de manejo. Tais critérios, não apenas relacionados aos aspectos biológicos das populações manejadas da espécie, como também relacionados aos aspectos socioeconômicos e políticos das populações manejadoras, ainda são pouco considerados pelas instituições responsáveis por fomentar as ações replicadoras, o que coloca em risco a sustentabilidade e a credibilidade de todo o sistema. Outras dificuldades também persistem junto aos órgãos de licenciamento e controle, onde ainda há pouca compreensão acerca de aspectos básicos da biologia da espécie e acerca da prática de seu manejo, demandando uma discussão mais qualificada a respeito destes temas. Preencher estas lacunas é outro dos objetivos deste livro. E ainda há uma grande limitação à maior expansão do manejo, um grande desafio a ser superado nos próximos anos: a cuidadosa construção da qualidade sanitária do produto. Isto irá, finalmente, permitir uma maior democratização da cadeia produtiva, aumentando as opções de agregação de valor, permitindo que o pequeno produtor tenha maiores opções de venda e, consequentemente, melhores preços para seu produto. Esta mudança estrutural poderá, enfim, ampliar largamente o mercado deste produto mais valorizado e redefinir o papel dos elos da cadeia, empoderando os produtores. A possibilidade de venda do produto manejado in natura, resfriado ou 11 congelado, ainda é largamente limitada pela sua baixa qualidade sanitária. Este é, portanto, o principal desafio científico e tecnológico que devemos enfrentar nos próximos anos, para aperfeiçoar e democratizar esta nova cadeia produtiva. Para isto, contamos com a continuidade da parceira entre academia, os institutos de pesquisa, os órgãos representativos da categoria dos pescadores, e do governo, na sua capacidade de licenciador, controlador e fomentador de atividades econômicas sustentáveis. Juntos, todos podem colaborar para aprimorar esta iniciativa já importante na economia da Amazônia Brasileira. Este livro não poderia existir sem que um grande número de pessoas tivesse dedicado seu tempo e seu esforço no planejamento e na organização do mesmo. Quero, em nome do Instituto Mamirauá, agradecer profundamente a todos aqueles que colaboraram com este livro, especialmente a sua organizadora, Ellen Amaral, que esteve à frente de todas as fases de preparação e organização. A ela, nosso maior e mais representativo agradecimento. Eu estou certo de que este livro será saudado por todos os seus vários públicos, atingindo os diferentes alvos aos quais ele é dirigido. Para o bem da conservação da espécie, e para a perpetuação de uma atividade econômica tão antiga, tão expressiva, simbólica e representativa da cultura local e tão relevante para a vida das comunidades ribeirinhas da Amazônia. Helder L. Queiroz Julho de 2013 12 PREFÁCIO O Manejo participativo de pirarucus na Amazônia foi implementado pela primeira vez na Reserva Mamirauá, no estado do Amazonas, no ano de 1999. Desde então, a atividade tem sido replicada em diversas regiões da Pan-Amazônia devido a sua proposta inovadora de aliar a conservação de um recurso natural importante para a população ribeirinha e a sua exploração econômica. Realizado em ambientes de várzea por pescadores ribeirinhos com o apoio de técnicos, extensionistas e pesquisadores de organizações governamentais e não governamentais, o manejo tem gerado expressivos resultados nos âmbitos social, ecológico e econômico. Dentre os principais avanços alcançados estão a regularização da pesca comercial de pirarucu, proibida no estado do Amazonas a partir de 1996 (Portaria n° 8 de 2 de fevereiro de 1996); o aumento anual médio na população de pirarucu em cerca de 25%, nas áreas de manejo; o aumento anual médio na renda gerada em cerca de 29%; e o reconhecimento conferido ao grupo de pescadores pela prática de ações sustentáveis ecologicamente. Nesse sentido, considerando o ineditismo da proposta do manejo e a grande expansão da atividade para as demais regiões Amazônicas com contexto semelhante ao da Reserva Mamirauá, torna-se fundamental o desenvolvimento de estudos e a divulgação de seus resultados, assim como a promoção da discussão sobre os principais desafios a serem enfrentados, e a partilha da expertize adquirida na assessoria técnica / extensão nas áreas de manejo em desenvolvimento. Sendo assim, com o intuito de promover o encontro entre os pesquisadores, as lideranças de pescadores e os técnicos / extensionistas envolvidos no manejo participativo de pirarucu em ambientes naturais; socializar as informações científicas disponíveis; debater sobre o apoio técnico e governamental para o manejo da espécie; e disseminar as diferentes experiências de manejo desenvolvidas na Pan Amazônia foi realizado o 1° Seminário Internacional sobre Conservação e Manejo de pirarucu em ambientes naturais em Manaus, em agosto de 2012. Biologia, Conservação e Manejo Participativo de pirarucus na Pan-Amazônia reúne a publicação de 18 artigos elaborados pelos principais especialistas e técnicos ligados ao manejo de pirarucu na atualidade e que participaram do Seminário internacional em Manaus. Portanto, este documento tem como missão disponibilizar aos interessados as principais informações sobre o manejo de pirarucu geradas na última década, a fim de subsidiar suas ações em campo. 13 Para alcançar seus propósitos o presente livro foi organizado em três partes contendo artigos acerca dos estudos científicos realizados, das assessorias técnica e governamental prestadas e das experiências de manejo desenvolvidas. A Parte I “Bases Científicas para o Manejo de pirarucu: Uma década de Conhecimentos Gerados” traz 10 artigos sobre biologia, ecologia e genética do pirarucu, assim como sobre economia e documentação fotográfica do manejo. A Parte II “Apoio técnico e governamental para o manejo: realidade dos Estados do Amazonas e Pará”, por sua vez, reúne 4 artigos sobre a visão institucional do manejo, método de avaliação que auxilia o melhor desenvolvimento da atividade, e estratégias para a recuperação da população de pirarucus em áreas de manejo fora de Unidades de Conservação, como o caso do Baixo Amazonas. E, por fim, a Parte III “Experiências de manejo participativo de pirarucu na Pan-Amazônia” apresenta 4 experiências de manejo desenvolvidas em regiões do Amazonas, Pará e na Reserva Pacaya-Saimiria, no Perú. A realização deste livro foi possível graças à colaboração de inúmeras pessoas ligadas direta ou indiretamente ao manejo participativo de pirarucu em ambiente natural. Por esta razão, gostaria de agradecer enormemente a participação de cada um dos autores, que são inteiramente responsáveis pelos trabalhos que compõe esta obra, assim como dar o meu muito obrigada aos revisores que dedicaram seu precioso tempo na avaliação desses artigos. Gostaria também de fazer um agradecimento especial ao diretor do Instituto Mamirauá Dr. Helder Queiroz e a coordenadora Ana Cláudia Torres, representante da equipe do Programa de Manejo de Pesca desse Instituto, que não mediram esforços para a concretização do Seminário e deste livro. E agradeço também ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ao Instituto Mamirauá que tornaram realidade o Seminário e esta obra. Por fim, agradeço a Deus pelas infinitas bênçãos recebidas, a meus pais Dalmir e Ana Amélia Amaral e ao meu esposo Thiago Antônio de Sousa Figueiredo, pelo apoio incondicional. Sem mais, vamos aos artigos... Ellen Sílvia Amaral Figueiredo 14 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes Parte I Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados 15 O QUE SABEMOS E PRECISAMOS FAZER A RESPEITO DA CONSERVAÇÃO DO PIRARUCU (Arapaima spp.) NA AMAZÔNIA Leandro Castello1, 2 Donald J. Stewart3 Caroline C. Arantes4, 5 INTRODUÇÃO manejo, e conservação do pirarucu. Algumas populações de pirarucu foram bem estudadas e manejadas, o que nos permite avaliar o conhecimento atual sobre o pirarucu dentro do contexto da Amazônia. Este capítulo faz uma síntese do conhecimento atual sobre o pirarucu, e tenta responder a seguinte pergunta: O que sabemos sobre o pirarucu, e o que precisamos fazer a respeito de sua conservação? Práticas insustentáveis de pesca têm impactado as populações de pirarucu (Arapaima spp.) na maior parte da Amazônia (BAYLEY; PETRERE, 1989; CASTELLO et al., 2013a). O pirarucu passou de peixe dominante das pescarias Amazônidas um século atrás, a ser um peixe cada vez mais raro (VERÍSSIMO, 1895; ISAAC et al., 1993). Mas apesar disso, o pirarucu continua sendo um peixe símbolo da Amazônia. Embora muitos outros peixes sejam importantes, como o curimatá (Prochilodus nigricans), por exemplo (CRAMPTON et al., 2004) poucos peixes se destacam na sua importância como o pirarucu, sendo o peixe de maior interesse para as populações ribeirinhas. METODOLOGIA DE ANÁLISE Esta revisão da literatura cobriu tópicos relacionados à biologia, ecologia, e manejo do pirarucu. Com relação à biologia e ecologia, os tópicos revisados foram a taxonomia, habitat, história de vida, crescimento, e reprodução. Com relação ao manejo, os tópicos revisados foram a captura e comércio, medidas de manejo, monitoramento, ameaças, Vários esforços de pesquisa e manejo têm nas últimas décadas avançado o conhecimento da biologia, ecologia, 1 2 3 4 5 Woods Hole Research Center, Falmouth, Massachusetts, Estados Unidos Department of Fish and Wildlife Conservation, Virginia Polytechnic Institute and State University, Blacksburg, Virginia, Estados Unidos Department of Environmental and Forest Biology, College of Environmental Science and Forestry, State University of New York, Syracuse, New York, Estados Unidos Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Santarém, PA, Brasil Department of Wildlife and Fisheries Sciences, Texas A&M University, College Station, Texas, Estados Unidos 17 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados tributários importantes da Amazônia não possuem nem sequer um espécime. A noção taxonômica de várias espécies de pirarucu contrasta com alguns estudos de variação genética. Hrbek . (2005) estudaram a variação no DNA mitocondrial do pirarucu coletado em mercados regionais ao longo da calha do Solimões-Amazonas, incluindo um mercado na Bacia do Tocantins, e concluíram que suas amostras representavam uma única população de pirarucu. Araripe et al. (2013) estudaram variação genética de amostras de pirarucu separadas por várias distâncias —25, 100, e >1300 km— e concluíram que há um alto grau de diferenciação genética entre amostras separadas por mais de 1300 km de distância. Araripe . não mencionam a possibilidade de haver mais de uma espécie. No entanto, Watson (2011) encontraram unidades evolutivas distintas separadas pelas bacias dos rios Branco e Essequibo, e concluiu que há mais de uma população de pirarucu na Guyana. Até hoje, o único exemplar conhecido de A. gigas é o holótipo (i.e., espécime usado para descrever originalmente espécie), o qual foi coletado perto de Santarém, Pará, Brasil, em cerca de 1787 (STEWART, 2013a). Outros exemplares de A. gigas não foram encontrados em habitats naturais da bacia Amazônica. A discrepância entre os estudos atuais e o alto nível de incerteza quanto à taxonomia do pirarucu reforça a necessidade de estudos adicionais. A falta de informações mais refinadas a cerca da taxonomia do pirarucu requer que este estudo considere apenas o gênero Arapaima. e status das populações. A literatura utilizada foi aquela publicada em meios científicos reconhecidos. Com base na revisão desses tópicos discutimos o que precisamos fazer a respeito de sua conservação. BIOLOGIA E ECOLOGIA Taxonomia O pirarucu tem sido considerado como sendo um gênero monotípico há mais de 140 anos (e.g. FERRARIS, 2003), incluindo apenas a espécie Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822). Isso se deve a um resumo publicado em um catálogo, onde Günther (1868) listou as três espécies descritas por Valenciennes (em CUVIER; VALENCIENNES, 1847: A. agassizii, A. mapae e A. arapaima) na sinonímia de A. gigas sem apresentar análise ou razão. No entanto, estudos recentes mostram evidência não só da validade da espécie A. agassizii (STEWART, 2013a), mas também descrevem uma espécie nova da Amazônia Central (STEWART, 2013b; Figura 1). Existem, portanto, no mínimo ,cinco espécies de pirarucu. Se considerarmos que a taxonomia do pirarucu quase não tem sido estudada, é provável que exista um número ainda maior de espécies. Hoje em dia, é possível determinar a distribuição geográfica apenas do gênero Arapaima e as localidades de coleta das espécies descritas (Figura 2). No entanto, a distribuição geográfica das espécies é impossível de ser determinada devido à falta de informações. Coleções ictiológicas possuem apenas um espécime de pirarucu em poucas localidades, e vários 18 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes Figura 1 – Comparação de diferenças morfológicas de três espécies de pirarucu: A) Arapaima leptosoma, foto tomada em um aquário em Sevastopol, Ucrânia (comprimento do peixe desconhecido, cabeça e cauda curvadas por efeito da foto; veja agradecimentos; B) Arapaima leptosoma , holotipo, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) 16847, 77.6 cm comprimento padrão, Estado do Amazonas, Rio Solimões, perto de Anori (STEWART, 2013b); C) juvenile Arapaima sp. incertae sedis, INPA 26582, 61.9 cm comprimento padrão, Estado do Amazonas, Reserva Mamirauá (Jarauá); D) Arapaima agassizii, holotipo, aproximadamente 98 cm comprimento padrão, Bacia Amazônica, Brasil (fonte STEWART, 2013a). Setas indicam diferenças importantes na forma das cavidades sensoriais preoperculares, orientação da base da nadadeira peitoral, e forma das nadadeiras dorsais, anais, e caudais. Peixes B e C também diferem na sua espessura. As manchas grandes nas nadadeiras caudais e ausência de manchas meio-laterais em A tornam esta espécie muito rara. As diferenças entre B e C indicam a presença de, pelo menos, duas espécies na Amazônia Central (STEWART, 2013b). 19 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 2 – Resumo da informação disponível sobre a distribuição geográfica do gênero Arapaima no norte da América do Sul. Mapa modificado de Castello e Stewart (2010). Fronteiras políticas são mostradas com linhas pontilhadas. Estrelas indicam cidades mencionadas no texto. Áreas em azul indicam áreas alagáveis (CASTELLO, et al., 2013). Área de introdução do pirarucu na Bolívia é de Miranda-Chumacero, et al. (2012). Localidades de coleta de espécies diferentes são indicadas por letras: G = A. gigas, M = A. mapae, A = A. arapaima, e L = A. leptosoma; a localidade para A. agassizii é desconhecida (Stewart 2013 a, b). Habitat O pirarucu habita principalmente áreas de planícies alagadas na bacia do Amazonas e Essequibo, incluindo florestas alagadas, rios, lagos, e algumas drenagens costeiras do Brasil. A distribuição geográfica do pirarucu geralmente é determinada por barreiras geográficas, como as quedas de água que têm correnteza forte e impedem sua passagem (Figura 2). O pirarucu habita especialmente ambientes com correnteza fraca ou nula como os lagos (QUEIROZ; SARDINHA, 1999; CASTELLO, 2008a). Migração, crescimento e reprodução Nas planícies de alagação dos rios de água branca, chamadas de várzea (SIOLI, 1984), o pirarucu faz migrações laterais ao longo do ano seguindo a inundação das águas (LOWE-MCCONNELL, 1964; CASTELLO, 2008a). O pirarucu vive nos lagos de várzea, mas também pode ser encontrado nas praias dos rios e em alguns canais durante a época de seca (Figura 3). É nessa época que o pirarucu adulto forma o casal. Quando o nível do rio sobe um pouco, o casal constrói o ninho na beira das florestas de restinga 20 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes descer, a prole mede cerca de 30-50 cm de comprimento, e a prole e o pirarucu adulto começam a migrar para os canais de paraná e cano, e depois migrando para dentro dos lagos. Ao contrário do que alguns autores sugerem (ISAAC et al., 1993), o pirarucu cresce rápido e se reproduz relativamente cedo. Em condições onde não há pesca ou nas quais os pescadores respeitam o tamanho mínimo de abate, o pirarucu cresce até 88 cm de comprimento no seu primeiro ano de vida, 123 cm no segundo ano, 154 cm no terceiro ano, 174 no quarto ano, e 188 no seu quinto ano de vida (ARANTES et al., 2010). Nessas condições, a fêmea do pirarucu no Rio Solimões atinge maturidade sexual a partir de 157 cm de comprimento total que circundam os ambientes de lago, ressaca, e paraná (CASTELLO, 2008a; CASTELLO, 2008b). O casal de pirarucu deposita, fertiliza, e cuida dos ovos até que os ovos eclodam. Há indícios que o gênero possa fazer múltiplas desovas em um mesmo ano (LÜLING, 1964; NEVES, 1995). O macho cuida da prole, e migra para as florestas alagadas que oferecem um ambiente rico em comida. Muitos peixes também migram lateralmente para as florestas alagadas da várzea em busca das frutas e insetos que são fáceis de serem predados neste ambiente. Alguns desses peixes são alimentos preferidos do pirarucu adulto, enquanto insetos e pequenos camarões são alimento preferido do pirarucu jovem (SÁNCHEZ, 1969; QUEIROZ, 2000). Quando o nível da água começa a Figura 3 – Diagrama esquemático das migrações do pirarucu no ambiente de várzea durante o ano (baseado em CASTELLO, 2008a, CASTELLO, 2008 b). 21 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados e aos três anos de idade (ARANTES et al., 2010). Godinho et al., 2005 determinaram que o comprimento de primeira maturação do pirarucu no Rio Tocantins é 145–154 cm e 115–124 cm, de comprimento total para fêmeas e machos, respectivamente. No entanto, Arantes et al. (2010) mostraram que a seletividade da pesca feita com arpão e redes malhadeiras tende a diminuir a velocidade de crescimento do pirarucu através da remoção da população daqueles indivíduos que são maiores entre aqueles da mesma corte e que (por isso) crescem mais rapidamente. Portanto, o crescimento do pirarucu é afetado pelas práticas de pesca. Dieta e papel no ecossistema O pirarucu tem sido considerado um predador de topo de cadeia trófica. Por isso, ele provavelmente regula a estabilidade do ecossistema que habita. O pirarucu é prioritariamente piscívoro; suas presas são, geralmente, peixes pequenos e abundantes, especialmente os detritívoros e onívoros (SÁNCHEZ, 1969; QUEIROZ, 2000). No entanto, um estudo atual encontrou evidência de isótopos de nitrogênio que o pirarucu é um peixe onívoro (WATSON et al., 2013). Até o momento nenhum estudo determinou o papel que o pirarucu exerce para o ecossistema. Dinâmica populacional As populações de pirarucu podem se recuperar rapidamente da sobreexploração em grande parte devido ao cuidado parental, crescimento e maturação sexual rápido. Cinco populações de pirarucu que se encontravam sobre-exploradas e que passaram a ser exploradas de maneira sustentável aumentaram em abundância a uma taxa média de 25% ao ano (ARANTES, 2006). Castello et al. (2011a) desenvolveram um modelo empírico da dinâmica de uma população de pirarucu e estima que populações bem manejadas de pirarucu podem render anualmente cerca de 1.5 kg/ha de peixe inteiro. No entanto, essa estimativa é cinco vezes maior que a estimativa de Sánchez (1969) de 0.3 kg/ha de várzea, a qual foi obtida com base na observação de séries históricas de dados de produção. Isso indica a necessidade de entender melhor a capacidade produtiva das populações de pirarucu, pois ela pode variar nas diferentes partes da bacia Amazônica. Tamanhos populacionais Usando uma análise genética, Hrbek et al. (2005) estimaram que a população de pirarucu em uma área de aproximadamente 100.000 km2 na bacia Amazônica seria de 300.000 indivíduos. No entanto, censos populacionais feitos na Reserva Mamirauá mostraram a existência de pelo menos 50.000 indivíduos em uma área de cerca 1.000 km2 onde as populações de pirarucu estão sendo bem manejadas (ARANTES et al., 2006). Castello et al. (2011a) propuseram uma classificação da densidade do pirarucu por tipo de manejo, e estimaram que, atualmente, a população no ecossistema de várzea é em torno de 800.000 indivíduos maiores de 1 m de comprimento. No entanto, é difícil extrapolar dados de censos populacionais existentes para áreas grandes porque as densidades de pirarucu podem variar muito, de 0 a 200 indivíduos/ha, dependendo do manejo. 22 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes Tendências populacionais Acredita-se que as populações de pirarucu estão seguindo uma tendência geral de declínio na Bacia Amazônica. No século XIX e início do XX, o pirarucu era responsável pela pesca mais importante da Amazônia (VERÍSSIMO,1895), mas a partir dos anos 1950 as capturas e o comprimento dos indivíduos capturados começaram a reduzir (ISAAC et al., 1993). Existem dados de captura disponíveis e analisados para pouquíssimas regiões e todos os dados mostram predominância de juvenis, um sinal comum de sobreexploração pesqueira. A série de dados mais completa e de longo prazo é para o pirarucu seco e salgado desembarcado em Manaus, Estado do Amazonas, Brasil (CASTELLO; STEWART, 2010). Contudo, a maior parte das capturas de pirarucu não são registradas (VIANA , 2004; VIANA et al., 2007; CASTELLO et al., 2009) devido à ausência de esforços de monitoramento e ao caráter descentralizado da pesca na Amazônia. A única análise existente de tendência populacional do pirarucu foi feita por Queiroz e Sardinha (1999), e os resultados sugeriram declínio populacional. Exceções a essa tendência de declínio populacional existem em áreas onde comunidades praticam esforços de manejo e conservação. Diversas comunidades ribeirinhas atualmente estão desenvolvendo iniciativas de conservação do pirarucu (MCGRATH et al., 1993; CASTELLO et al., 2009; CASTELLO et al., 2011b). Entretanto, a efetividade e a extensão geográfica dessas iniciativas são incertas. Não existem dados consistentes disponíveis sobre o número de comunidades que está conservando o pirarucu efetivamente, muito menos sobre as tendências nas populações de pirarucu na área dessas comunidades. MANEJO E CONSERVAÇÃO Medidas de manejo As tentativas governamentais de manejar a pesca do pirarucu na Amazônia não foram efetivas. Na maioria dos países, existem regras de tamanho mínimo de captura e defeso reprodutivo que são amplamente desrespeitadas pelos pescadores e, portanto, ineficazes em assegurar a sustentabilidade das populações de pirarucu. Um exemplo claro disso é o caso do Brasil, onde o órgão governamental responsável (IBAMA) implementou um tamanho mínimo de captura (1.5 m) em 1986 (Portaria nº 14-N, de 15 de fevereiro de 1993) e um período de defeso reprodutivo (de dezembro a maio) em 1991 (Portaria Normativa no 489 de 05 de Março de 1991). O IBAMA também proibiu a pesca do pirarucu no Estado do Tocantins em 1990 (Portaria Normativa de 23 de Março de 1990), e no Estado do Amazonas em 1996, e finalmente no Acre em 2008. No entanto, a pesca ilegal é tão comum na Amazônia brasileira que a grande maioria do pirarucu pescado e comercializado é proveniente de pescarias ilegais (Figura 4). A fiscalização das medidas de manejo é praticamente nula porque o IBAMA carece de recursos humanos e financeiros para fazer seu trabalho efetivamente, especialmente em uma área enorme e complexa como a Bacia Amazônica (CASTELLO et al., 2009). Por exemplo, em Tefé até 1999 apenas oito fiscais do IBAMA eram 23 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados SARDINHA, 1999; MARTINELLI; PETRERE JR., 1999; CASTELLO, 2004). Métodos convencionais de marcação e recaptura são praticamente impossíveis de serem usados para fins de estimação de abundância em áreas abertas devido ao alto custo e demanda de trabalho, além das enormes áreas envolvidas. Em muitos casos, os desembarques registraram menos de 20% das reais capturas de pirarucu. O monitoramento efetivo da captura pode ser feito pelos próprios pescadores, mas requer investimento em capacitação e continuidade. responsáveis por fiscalizar uma área de 251.000 km2 (CRAMPTON et al., 2004). Hoje, em 2013, o escritório do IBAMA em Tefé foi desativado e substituído pelo ICMbio, que dedica-se apenas a questões pertinentes de Unidades de Conservação e não tem responsabilidade pela atividade pesqueira fora de áreas dessas áreas. Sistema de monitoramento: A ausência de informações sobre as populações e capturas de pirarucu tem sido um problema impedindo o manejo sustentável (ISAAC et al., 1998; QUEIROZ; Figura 4 - Estrutura de tamanho típico da pesca do pirarucu na Amazônia. Dados de captura são de Viana et al. (2004) para a reserva Mamirauá em 1998, e dado de primeira reprodução é de Arantes et al. (2010). 24 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes Captura A maior parte da pesca pirarucu está concentrada na época da seca. Nesta época, os níveis baixo da água restringem a área disponível para os peixes que ficam mais vulneráveis a pesca (VERÍSSIMO, 1895; WELCOMME, 1979). A pesca é feita usando arpão ou malhadeira, ou uma combinação dos dois, embora as malhadeiras tenham sido cada vez mais usadas. No entanto, a pesca com arpão é tradicional, feita desde os anos 1800, e é preferida pelos pescadores experientes por ser mais seletiva. Outros métodos como anzol e linha de mão também são usados. A captura de juvenis de pirarucu para suprir a aquicultura também é comum. Ainda não existe a tecnologia necessária para reproduzir o pirarucu em cativeiro, então a maioria das empresas de aquicultura dependem da coleta de indivíduos em ambiente natural. Contudo, não existem dados oficiais disponíveis sobre a quantidade total de alevinos capturados, os locais de translocação, a sustentabilidade dessa captura, e o impacto causado sobre as populações naturais (CASTELLO; STEWART, 2010). No entanto, o pirarucu proveniente de cultivo é comercializado muitas vezes como sendo “sustentável” ou a solução para a sua sobre-exploração. (CASTELLO; STEWART; ARANTES, 2013). A sobre-pesca ocorre em toda a bacia Amazônica, com exceções das áreas de algumas comunidades que estão conservando o pirarucu com diferentes níveis de sucesso. A degradação de habitat pode ser uma ameaça ainda mais perigosa que a sobrepesca, mas a capacidade do pirarucu sobreviver habitats degradados ainda é desconhecida. Por exemplo, mesmo nas regiões do Baixo Amazonas perto da cidade de Santarém onde as florestas da várzea tem sido amplamente desmatadas , existem populações bem manejadas de pirarucu (MCGRATH et al., 2008; CASTELLO, 2013b), o que sugere certa resiliência por parte do gênero. Outra ameaça é a translocação de indivíduos. A noção equivocada de que só existe uma espécie de pirarucu e a ausência de regulamentação e de fiscalização têm levado a uma translocação descontrolada de indivíduos jovens entre diversas partes da bacia, quase sempre para abastecer iniciativas de aquicultura. Um exemplo claro de alterações ambientais e sociais causados por essa translocação é a invasão do pirarucu na Bolívia. MirandaChumacero et al. (2012) mostraram que iniciativas de aquicultura introduziram o pirarucu no Rio Madre de Dios, na Amazônia Peruana onde o pirarucu não existia (Figura 2). Em cerca de 20 anos, o pirarucu então colonizou o Rio Madre de Dios, e sua presença tem provavelmente causado vários impactos. A introdução de espécies novas de pirarucu que é causada pela translocação descontrolada pode reduzir a variabilidade genética e até mesmo levar espécies locais à extinção. Principais ameaças A principal ameaça ao pirarucu é a sobrepesca, ainda que haja outros fatores preocupantes, como a degradação dos habitats e a translocação de indivíduos para aquicultura. No Baixo Amazonas, em uma área de mais de 2.400 km2 de várzea, por exemplo, as populações estão criticamente sobre-exploradas 25 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Estado de conservação: pirarucu em toda a área de manejo. Depois, em colaboração com Instituto Mamirauá e o IBAMA, os pescadores usam os dados para determinar cotas de pesca para o próximo ano (VIANA et al., 2004). O Instituto Mamirauá provê apoio institucional e assistência técnica aos pescadores, o IBAMA supervisiona as ações de manejo e pode autorizar ou não autorizar as cotas de pesca, e os pescadores são responsáveis por cumprir e fiscalizar as regras de manejo. Uma análise recente com base em dados de algumas comunidades bem estudadas concluiu que esse modelo de manejo parece ser efetivo para conservação do pirarucu (CASTELLO et al., 2011b). Em muitas comunidades, a renda dos pescadores mais do que dobrou, os pescadores engajaram no processo, e as populações de pirarucu se recuperaram rapidamente (VIANA et al., 2004; ARANTES et al., 2006; VIANA et al., 2007; CASTELLO et al., 2009; CASTELLO et al., 2011b). Esse modelo de manejo foi incorporado na legislação Estado do Amazonas 2004, criando uma exceção `a proibição local. Através dessa legislação e dos trabalhos de várias instituições, o modelo de manejo tem se disseminado rapidamente. Enquanto em 1999 apenas quatro comunidades manejavam o pirarucu, atualmente mais de 100 comunidades e três municípios estão manejando somente no Estado do Amazonas. No entanto, Castello et al. (2011b) mostraram que não há evidência de sustentabilidade da pesca em várias dessas áreas de manejo. Legislações semelhantes foram implementadas no Acre em 2008 e na Guyana em 2006. O pirarucu foi listado como em estado “vulnerável” na lista vermelha de espécies ameaças de extinção da União Internacional para conservação da natureza (IUCN) em 1986 e 1988. No Brasil, a espécie A. gigas está incluída como “Espécie Sobreexplotada ou Ameaçada de Sobreexplotação” no anexo 2 do Instrução Normativa número 5 do IBAMA de 21 de maio de 2004. Nos termos deste regulamento, colheitas de pirarucu são permitidas. Depois, passou a ser listado na categoria “dados insuficientes”. Isso significa que não é possível fazer uma avaliação criteriosa a respeito dos riscos de extinção com base na pouca informação existente. Arapaima gigas é a única espécie de peixe de água doce listada no Anexo II, anexo este proposto pela Convenção Internacional de Comércio de Espécies Ameaçadas (CITES). O estado de conservação do pirarucu no Brasil não foi avaliado rigorosamente e ele consta na lista Brasileira de espécies ameaçadas de extinção proposta pelo Ministério o Meio Ambiente do Brasil. Avanços no manejo sustentável Um modelo novo de manejo do pirarucu foi desenvolvido na Reserva Mamirauá. O modelo se embasa na capacidade que alguns pescadores experientes possuem de utilizar uma metodologia para contar o número de pirarucus no momento que os indivíduos vêm à superfície para respirar (CASTELLO, 2004). No modelo de manejo, todos os anos os pescadores realizam censos populacionais, ou sejam contam 26 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes O QUÊ SABEMOS? Foi mostrado que o cuidado parental e rápido crescimento e maturação sexual do pirarucu permitem crescimento populacional acelerado e capturas significantes. O hábito de respiração aérea permite censos populacionais acurados feitos pelos próprios pescadores. O comportamento migratório lateral feito em escala geográfica pequena, permite o manejo na escala das comunidades ribeirinhas. Por fim, o seu alto valor de mercado permite retorno econômico significante. Em suma, a informação disponível indica que o pirarucu possui características biológicas e ecológicas que permitem a sua exploração sustentada. No entanto, o conhecimento atual sobre o pirarucu ainda é deficiente. Como foi mostrado, há lacunas grandes com relação a quase todos os aspectos relacionados a este gênero. A maioria dos estudos existentes provém da Amazônia Central e há uma carência de estudos em outras regiões. É, portanto, provável que estudos futuros mostrarão um alto grau de variação com relação a parâmetros populacionais, devido a uma combinação de fatores de diversidade específica, populacional, ambiente ecológico e influências ambientais e antrópicas. Também foi mostrado que as medidas de manejo de tamanho mínimo de 1.5 m de comprimento total e de defeso durante os meses de enchente e cheia são relativamente adequadas. É possível que apenas estas duas medidas sejam capazes de assegurar o manejo sustentado do pirarucu. No entanto, essas duas medidas de manejo raramente têm sido realmente cumpridas na prática devido a falta de fiscalização e a pesca ilegal e descontrolada. A falta de monitoramento deixa os órgãos do governo e os pescadores desprovidos de informação necessária para tomar ações de prevenção e remediação. Em suma, a informação disponível indica que a falta de manejo é a principal causa da insustentabilidade da pesca do pirarucu. O desenvolvimento do novo modelo de manejo de pirarucu na Reserva Mamirauá com base nas contagens de pirarucu feitas pelos próprios pescadores representa um avanço importante em direção a conservação do pirarucu. Mas esse modelo de manejo sozinho não é suficiente. Castello et al. (2011b) mostrou que a maioria dos problemas afetando o manejo de pirarucu feito por comunidades deve-se à falta de apoio institucional e técnico. Embora o modelo de manejo desenvolvido seja efetivo, ele requer ações de monitoramento, fiscalização, resolução de conflito, entre outras. A participação ativa dos governos, além do estabelecimento efetivo de estruturas de colaboração entre instituições, são fundamentais para a conservação do pirarucu na PanAmazônia e precisam ser fortalecidos. O QUÊ PRECISAMOS FAZER? Os maiores avanços no manejo sustentado do pirarucu provêm da integração de ações de pesquisa e manejo. Pesquisa sobre a habilidade de pescadores de contar pirarucu, junto com pesquisas sobre a biologia e ecologia do pirarucu, proporcionaram os elementos básicos para que ações de 27 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados o primeiro foco de atenção de qualquer iniciativa de manejo e conservação. manejo pudessem desenvolver um novo modelo de manejo junto a comunidades ribeirinhas. Portanto, sugere-se que ambos, pesquisa e manejo devem ser prioridades para garantir a conservação do pirarucu. Iniciativas de manejo sustentável e conservação de pirarucu devem prestar atenção à ampla diversidade de aspectos biológicos, ecológicos, e humanos relacionados ao pirarucu e sua pesca na Amazônia. Embora ainda existam poucos estudos, é de se esperar que a diversidade de espécies de pirarucu seja acompanhada de variações de aspectos-chave da história de vida, tais como crescimento e reprodução. Também é de se esperar que aspectoschave da história de vida do pirarucu também variam mesmo quando se trata da mesma espécie, não só em função de fatores ambientais incluindo estrutura de habitat e ciclos hidrológicos mas também em função das práticas de pesca. Portanto, não se pode assumir que características de vida do pirarucu seja igual ao longo da bacia Amazônica, como por exemplo em regiões do Tocantins ou na Amazônia Central onde sabe-se que há duas espécies. Essa diversidade de histórias de vida implica a importância da necessidade de expandir significativamente o estudo da biologia e ecologia do pirarucu assim das práticas de pesca. Um aumento no número de pesquisas sobre a biologia e ecologia do pirarucu é essencial para promover o seu manejo sustentado e conservação. No entanto, regras de manejo simples como o tamanho mínimo e defeso reprodutivo têm se mostrado efetivas, devendo ser AGRADECIMENTOS Nossas pesquisas foram financiadas pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Pesquisa, Ministério da Ciência e Tecnologia, National Geographic Society, Overbrook Foundation, Wildlife Conservation Society, e Applied Biodiversity Science - NSF-IGERT program. A imagem na Figura 1A foi adaptado de G. Chernilevsky (Wikimedia Commons, Arapaima gigas 2009 G2.jpg). REFERÊNCIAS ARANTES, C. C.; GARCEZ, D. S.; CASTELLO, L. 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Fisheries ecology of floodplain rivers. London: Longman Press, 1979. 317 p. 31 IMPLICAÇÕES DA BIOLOGIA, ECOLOGIA E CONTAGENS PARA O MANEJO DO PIRARUCU Caroline Arantes1,2 Leandro Castello3,4 APRESENTAÇÃO sido que muitos aspectos importantes da biologia, ecologia, e contagens do pirarucu não são considerados, ou até mesmo desconhecidos. Embora as informações relevantes estejam disponíveis na literatura, muitas vezes elas se encontram dispersas em diferentes documentos e artigos científicos dificultando sua aplicação na prática. Este capítulo visa sintetizar vários estudos sobre a biologia, ecologia e a avaliação dos estoques do pirarucu e analisar as implicações desses estudos para o manejo. Primeiro, descrevemos os resultados de pesquisas sobre cinco aspectos-chave da ecologia e biologia e avaliação dos estoques do pirarucu, sendo esses: migração, reprodução e crescimento, contagens e distribuição. Em seguida, discutimos como esses aspectos afetam manejo do pirarucu. Acredita-se que esta análise pode melhorar a qualidade do manejo do pirarucu. As populações do pirarucu (Arapaima spp.) estão em declínio na maior parte da Amazônia. As exceções estão em algumas áreas que vem utilizando o modelo de manejo de pirarucu originalmente desenvolvido na Reserva Mamirauá (Figura 1, CASTELLO; STEWART; ARANTES, 2013; CASTELLO; STEWART 2010). Esse modelo Mamirauá de manejo tem sido efetivo na conservação do pirarucu em comunidades das Reserva Mamirauá e Amanã, onde a abundância das populações de pirarucu aumentou, em média, em 25% a cada ano (ARANTES et al., 2006). Entretanto, esse modelo de manejo tem sido amplamente difundido na Amazônia e há dúvidas bem justificadas quanto a qualidade de sua implementação (CASTELLO; STEWART; ARANTES, 2013; ANDRADE et al., 2011, ARANTES et al.,2007). Razão disso tem 1 2 3 4 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Santarém, PA, Brasil Texas A&M University, College Station, TX, Estados Unidos Department of Fish and Wildlife Conservation, Virginia Polytechnic Institute and State University, Blacksburg, Virginia, Estados Unidos Woods Hole Research Center, Falmouth, MA, Estados Unidos 33 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Modelo de Manejo de Pirarucu Contagem Cota de pesca Defeso Tamanho mínimo Figura 1 – Modelo Mamirauá de manejo do pirarucu. As principais fases do manejo são: i) levantamento de estoques através das contagens, ii) estabelecimento de cotas de pesca, e iii) cumprimento das regras de tamanho mínimo e defeso reprodutivo. seca, o pirarucu habita principalmente os lagos, mas também os ambientes de paraná e canais do rio (CASTELLO, 2008b). Mesmo durante a seca, o nível da água segue variando e o pirarucu pode seguir migrando entre os ambientes, incluindo diferentes lagos dependendo da altura que a água alcançar. No início da enchente, os ambientes aquáticos começam a se conectar e o pirarucu continua a habitar os lagos e paranás, mas já pode migrar para os ambientes de canais dos lagos e ressacas. O nível da água continua subindo e o pirarucu migra para as florestas alagadas durante a cheia, onde se alimenta nesses ambientes ricos em alimentos. Na vazante, o pirarucu é obrigado a migrar para fora das florestas alagadas que se tornam secas. O pirarucu migra primeiro para os ambientes de canais dos paranás e canais dos lagos e ressacas e depois para os lagos. Muitos indivíduos podem migrar para os lagos, mas outros podem também permanecer nos paranás, ressacas e canos dos lagos. O nível da água começa a subir e o ciclo recomeça. O pirarucu habita as planícies de alagação do Rio Amazonas, ecossistema conhecido como várzea. Seu ciclo de vida é regido pelas variações do nível da água e pela diversidade de ambientes que compõe a várzea. Sua reprodução nesse ecossistema é complexa, envolvendo desde a formação de casais até ao cuidado com a prole. Na várzea, abundante em alimento, o pirarucu cresce rapidamente, especialmente no primeiro ano de vida. O pirarucu possui preferência marcada por habitats específicos, sendo a importância desses habitats para seu ciclo de vida destacada. Todos esses aspectos serão descritos com mais detalhes a seguir. ASPECTOS DA ECOLOGIA E BIOLOGIA DO PIRARUCU Migração O pirarucu migra entre os ambientes da várzea seguindo as flutuações do nível da água ao longo do ano, deslocamento conhecido como migração lateral (Tabela 1, FERNANDEZ, 1997, JUNK et al., 1989, CASTELLO, 2008a, CASTELLO; STEWART; ARANTES, 2013). Durante a 34 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu • Caroline Arantes • Leandro Castello Crescimento e Reprodução Os pirarucus formam casais durante a seca nos lagos (FONTANELE 1948, QUEIROZ; SARDINHA 1999, QUEIROZ, 2000; CASTELLO, 2008b). No início da enchente, quando a água está com aproximadamente 1 metro de profundidade, os casais de pirarucus constroem ninhos nas margens dos lagos, paranás e ressacas. Esses ninhos são buracos escavados no solo com diâmetro médio de 57 cm e 16 cm de profundidade (CASTELLO, 2008b). A fêmea deposita os ovos no ninho e o macho os fecunda (QUEIROZ, 2000). Geralmente, o macho cuida da prole por cerca três meses nas florestas alagadas. Se o casal de pirarucus for morto pela pesca, há grande chance de que toda sua prole também não sobreviva. Isso faz com que as populações sejam vulneráveis a pesca predatória. O pirarucu cresce rápido. Ao final do primeiro ano de vida, ele atinge mais de 80 cm de comprimento e, ao quinto ano de vida, mede mais de 188 cm (ARANTES et al., 2010) (Tabela 2). O pirarucu na Reserva Mamirauá se reproduz a partir de 157 cm de comprimento, alcançado aos três anos de idade quando o tamanho mínimo de captura é respeitado (Figura 2). Entretanto, quando o tamanho mínimo de captura não é respeitado e os pirarucus pescados são predominantemente juvenis, o pirarucu se reproduz mais tarde, aos cinco anos de idade. Isso acontece Tabela 1 – Principais tipos de ambientes aquáticos e terrestres da várzea. AMBIENTE DESCRIÇÃO Rio Canal principal com largura maior que 3 km, profundidade maior que 50m e com alto fluxo de água (SIOLI, 1984). Paraná Canal que transporta água do rio ao longo do sistema de várzea e as suas extremidades são conectadas ao rio (SIOLI, 1984). Lagos Os lagos da várzea possuem diversas formas e tamanhos (SIOLI, 1984) e não secam durante o ciclo da água. Cano Canais que conectam os lagos a qualquer outro corpo hídrico. Os canos podem secar durante a seca, tornando os lagos completamente isolados (CRAMPTON, 1999). Ressaca Um tipo de lago raso com saída larga e constantemente aberta. A maioria seca durante a época da seca (classificação local) Chavascal Áreas mais baixas da várzea. São compostas por extensas áreas de vegetação baixa, arbustiva e pantanosa. Os solos ficam inundados por 6 a 8 meses, e o nível da água pode atingir 7 metros durante a cheia (AYRES, 1995) Restinga Baixa Terrenos mais altos compostas por florestas altas. As restingas baixas apresentam sub-bosque relativamente abertos, os solos ficam inundados por 4 a 6 meses, e o nível da água pode atingir 5 metros durante a cheia (AYRES, 1995). Restinga Alta São como as restingas baixas, entretanto localizadas em terrenos ainda mais altos, as florestas são mais antigas, e tem maior diversidade de espécies e áreas basais das árvores (AYRES, 1995). Os solos ficam inundados por 2 a 4 meses, e o nível da água pode atingir 1 a 2,5 metros durante a cheia. 35 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados apenas 10% em torno do valor real. As contagens dos pescadores foram quase idênticas (altamente correlacionadas, r = 0.98) às estimativas de abundância. Por exemplo, em um primeiro lago, os pescadores contaram 9 indivíduos onde havia 7 pirarucus, em um segundo lago, os pescadores contaram 59 pirarucus, onde havia 63 e assim por diante. Entretanto, quando as contagens dos pescadores são feitas individualmente, as diferenças entre contagens e valor real de abundância são maiores, em média 30% (ARANTES et al., 2007). A acurácia das contagens de pirarucu feitas pelos pescadores individualmente foi avaliada através da comparação das contagens de 34 pescadores feitas em lagos pequenos e fechados da Reserva Mamirauá com as capturas de todos os pirarucus usando redes de arrasto nos mesmos lagos contados (ARANTES et al., 2007; metodologia conhecida por certificação de contadores). As contagens feitas pelo pescador individualmente porque a pesca ilegal de juvenis retira da população natural indivíduos que crescem mais rápido, deixando na população indivíduos com crescimento lento e reprodução tardia. Assim implica que onde há pesca ilegal de juvenis sexualmente imaturos, ocorre um atraso na maturação sexual que tende a diminuir as taxas de crescimento da população (CASTELLO et al., 2011). Isso prejudica ainda mais a recuperação de populações sobre-exploradas (ARANTES et al., 2010). Contagens e distribuição O pirarucu é um peixe especial porque os pescadores podem contá-lo no momento em que ele vem à superfície para respirar. Comparações de contagens de pirarucu feitas por pescadores com estimativas de abundância obtidas através da marcação e recaptura (CASTELLO, 2004) mostraram que os pescadores em grupos podem contar o pirarucu com erros que variam em Tabela 2 – Chave de idades por comprimento do pirarucu na Reserva Mamirauá para situações com e sem respeito ao tamanho mínimo de captura. Medianas dos comprimentos retrocalculados [Ln (cm)]; amplitudes interquartis [(Aiq (cm)]; tamanho da amostra (n). Tabela modificada de ARANTES et al., 2010. Idade (Ano) Sem respeito ao tamanho mínimo Com respeito ao tamanho mínimo Ln (cm) Aiq n Ln (cm) Aiq n 1 67,3 18,6 269 88,3 24,6 269 2 96,9 22,4 247 123,6 26,0 238 3 119,6 27,5 172 154,4 24,0 227 4 144,4 31,4 61 174,9 19,1 113 5 166,3 29,9 16 188,9 13,5 15 6 172,7 1 36 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu • Caroline Arantes • Leandro Castello (conectividade) (ARANTES et al., 2011). A abundância do pirarucu é maior em lagos com maior volume de água e com maior conectividade com outros corpos d’água. A conectividade é importante porque facilita o movimento dos peixes entre ambientes. Canos compridos e rasos secam rápido durante a vazante e demoram mais tempo para receber água durante a enchente, assim os lagos ficam isolados por mais tempo. Canos curtos e profundos mantêm a água por mais tempo durante o ciclo da água. A abundância de pirarucu nos paranás também é influenciada pela profundidade destes. Quanto maior a profundidade, maior a abundância (ARANTES et al., 2011). A disponibilidade de vegetação são menos acuradas do que quando feitas em grupos, porque em grupos as tendências individuais dos pescadores de sub ou sobre-estimar tendem a se anular. Por exemplo, quando um pescador conta indivíduos de pirarucu a mais, outro conta indivíduos a menos. As contagens são feitas todos os anos pelos pescadores durante o período da seca quando os lagos e outros ambientes aquáticos estão isolados. Atenção especial é dada a lagos ou locais dos paranás onde são encontradas as maiores abundâncias de pirarucu. A abundância de pirarucu nos lagos está relacionada à profundidade da coluna da água e área do lago (volume de água disponível), e ao comprimento e profundidade dos canos dos lagos Figura 2 – Medianas dos comprimentos totais por classe de idade do pirarucu e L50 que representa o comprimento no qual 50% da população está sexualmente madura. As curvas representam situações com (círculos fechados) e sem (círculos abertos) respeito ao tamanho mínimo de captura. Figura modificada de ARANTES et al., 2010. 37 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados pescadores tenham experiência na pesca do pirarucu feita com arpão, porque pescadores inexperientes podem fazer contagens com erros bastantes altos, embora, na média, esses erros sejam minimizados (ARANTES et al., 2007). Atualmente, o único método de contagem validado é o de Castello (2004). Alterações do método sem validação não asseguram contagens acuradas, portanto, representam um risco a sustentabilidade do manejo. Isso não significa que não possam existir outros métodos igualmente eficientes para contar pirarucu. Alguns grupos de manejadores identificam limitações no uso das contagens causadas, principalmente, pelas variações nas características físicas do ambiente que podem alterar o comportamento do pirarucu (por exemplo, características físico-químicas da água, cobertura por diferentes tipos de capim, como aningais, etc.). Seria interessante conhecer a validade de outros métodos que podem ser desenvolvidos e validados usando os mesmos experimentos descritos em Castello (2004) e Arantes et al., (2007). Contudo, até que esses métodos sejam validados, aconselhamos o uso do método desenvolvido por Castello (2004). É importante conhecer e considerar as tendências nas contagens dos pescadores e dos grupos de pescadores de sub ou sobre-estimar as contagens. Para isso, a certificação de contadores (validação das contagens) é uma importante ferramenta (ARANTES et al., 2007). As contagens devem ser feitas preferencialmente em grupos, e não individualmente, porque, como mencionado, quando as contagens são feitas em grupo as tendências dos flutuante (ou macrófitas) durante o período da cheia também influencia a abundância do pirarucu na seca do ano seguinte (AFFONSO; QUEIROZ; NOVO, 2013). A preferência do pirarucu por habitats amplos, profundos e com alta conectividade determina que 75% de todo os pirarucus do sistema de 80 lagos da Reserva Mamirauá concentrese em apenas 15% dos lagos (ARANTES et al., 2011). No modelo de manejo de Mamirauá, todos os anos, os pescadores contam o número de pirarucus na sua área de manejo, e usam as contagens para determinar cotas de pesca (Figura 1). A determinação das cotas é feita em colaboração entre os pescadores, técnicos e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Os pescadores recebem autorizações para a pesca do pirarucu sob a condição de cumprir as regras de limite de cota de pirarucu, de tamanho mínimo de captura, e do período de “defeso” reprodutivo do recurso (Figura 1). Assim, o que apresentamos sobre a bioecologia e contagens de pirarucu devem ser incorporados nas quatro medidas principais do modelo de seu manejo (Figura 1): contagens, cotas de pesca, tamanho mínimo de captura e período de reprodução (Figura 1). COMO A BIOLOGIA, ECOLOGIA CONTAGEM DEVEM SER INCORPORADAS AO MANEJO DAS POPULAÇÕES DO PIRARUCU? Contagem As contagens devem ser feitas por pescadores de pirarucu experientes e capacitados na metodologia validada por Castello (2004). É necessário que os 38 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu • Caroline Arantes • Leandro Castello taxas de captura de 25% do número de adultos contados no ano anterior aparentam ser sustentáveis (CASTELLO et al., 2011). Cotas de pesca maiores do que 25%, até 40% também aparentam ser sustentáveis, mas por serem altas requerem cautela, monitoramento e avaliação de acordo com o descrito mais abaixo. Além disso, é provável que outras populações de pirarucu de outras regiões possuam parâmetros populacionais diferentes das do pirarucu da região da Reserva Mamirauá, onde a simulação das principais fases do ciclo de vida do pirarucu foi desenvolvida. Por isso, em geral deve haver precaução e considerar os seguintes fatores: 1) é importante assegurar a qualidade e a veracidade das contagens, já que elas são a base para as cotas de pesca. Metodologias como as apresentadas em Arantes et al., (2007) e Andrade et al., (2011) podem ajudar a garantir contagens mais acuradas. 2) a pesca ilegal influencia negativamente a abundância de pirarucu. Pesca de juvenis, ou durante o período do defeso, ou pesca em quantidades maiores do que aquela cota autorizada devem ser registradas e consideradas quando no momento de avaliar as cotas de pesca. 3) as decisões sobre sua área de manejo devem ser tomadas não somente com base nas contagens feitas em um determinado ano, mas também com base na avaliação das tendências populacionais (Figura 3), além dos outros fatores já citados. As tendências populacionais podem ser avaliadas observando-se os padrões nas densidades populacionais ao longo dos anos de contagens. O modelo de manejo é adaptativo, isso implica que ele está em constante avaliação: ou seja, todos os anos o grupo interessado avalia todo pescadores de sub ou sobre-estimar tendem a se anular. Também é importante considerar a migração do pirarucu. Por mais precisas que as contagens sejam, elas sempre têm um erro associado. Esse erro é intrínseco da própria contagem feita pelo grupo de pescadores que, em situações ideais varia em torno de 10% do valor real da abundância. Mas ocorre também porque durante a seca o pirarucu continua migrando entre os habitats da várzea. Para minimizar os erros provenientes da migração, as contagens precisam ser feitas durante a seca quando os ambientes estão isolados. Assim, assegura-se que um indivíduo de pirarucu contado em um ambiente, não é o mesmo indivíduo contado em outro ambiente. Além disso, é importante considerar se houve expansão ou redução no tamanho da área contada. A expansão da área contada (e.g. aumentar o número de lagos ou corpos hídricos contados de um ano para o outro) geralmente é acompanhada por aumento no número de indivíduos contados. Parece bastante lógico que a quantidade de pirarucus aumenta quando a área contada também aumenta. Uma maneira de corrigir esse problema é avaliando as tendências populacionais usando as densidades populacionais e não o número de indivíduos contatos. A densidade populacional pode ser facilmente obtida dividindo-se o número de indivíduos contados pela área total do ecossistema (em km2 ou ha) contado. Cotas Uma simulação das principais fases do ciclo de vida do pirarucu (processos de crescimento, reprodução, mortalidades natural e por pesca) mostrou que as 39 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados velmente a medida mais importante para assegurar a sustentabilidade do pirarucu. São essas medidas que garantirão a reprodução. Quando bem manejadas, as populações de pirarucu podem aumentar em 25% ao ano (ARANTES et al., 2006). Assim, as regras de tamanho mínimo e defeso reprodutivo possibilitam que haja aumentos nas abundâncias e nas cotas de pesca. A unidade de manejo do pirarucu deve ser todo o sistema hídrico, ou sistemas de lagos, e não somente os lagos (CASTELLO et al., 2008 a b, ARANTES et al., 2011, ARARIPE et al., 2103). Geralmente, manejadores falam em manejo de lagos, mas como demonstrado, o pirarucu habita a várzea e não somente os lagos (CASTELLO 2008a; ARANTES et al., 2011). Entretanto, porque a determina- o conjunto de informações disponíveis, e com base nessa avaliação, o grupo toma decisões sobre o manejo. O grupo interessado deve avaliar, por exemplo, as tendências populacionais, se houve pesca ilegal, se houve possíveis erros nas contagens, expansão ou redução nas áreas contadas, além dos aspectos da organização coletiva detalhado em outro capítulo (AMARAL; TORRES; PERALTA et al., 2013). Essa avaliação fornece a base para a adaptação das cotas de pesca e para a melhoria do manejo (Figura 1). OUTRAS IMPLICAÇÕES PARA O MANEJO E CONSIDERAÇÕES GERAIS Tamanho mínimo e defeso reprodutivo O cumprimento das regras de tamanho mínimo e defeso reprodutivo é prova- Densidade de pirarucus (Ind/ha) 500 400 Aumentando 300 Estável 200 100 Diminuindo 0 1 2 3 4 5 6 Ano Figura 3 – Situação hipotética mostrando relações entre as densidades de pirarucu e três diferentes tendências populacionais ao longo dos anos (aumentando, estável e diminuindo). Populações diminuindo merecem cotas de captura reduzidas ou nula. Populações crescendo merecem cotas de captura maiores que aquelas de anos passados, e populações estáveis merecem cotas iguais aquelas de anos passados. 40 Implicações da biologia, ecologia e contagens para o manejo do pirarucu • Caroline Arantes • Leandro Castello ção de lagos de preservação é uma das estratégias de conservação mais usadas da Amazônia, é interessante que esses sejam os lagos mais amplos profundos e com alta conectividade com os canais principais. Duas questões são relevantes a esse capítulo. A primeira é que a maior parte das pesquisas gerando informações para serem aplicadas ao manejo são provenientes de uma área que representa menos de 1% da área de distribuição do pirarucu, a Reserva Mamirauá. Por isso, alguns aspectos descritos, como o tamanho de maturação sexual, podem ser diferentes para outras regiões. A segunda é que a taxonomia de Arapaima está em fase de revisão. As considerações sobre a biologia e ecologia do pirarucu apresentadas neste capítulo foram feitas ao nível do gênero Arapaima porque há pouco conhecimento para as diversas espécies de Arapaima (CASTELLO; STEWART; ARANTES, 2013), e assim, as informações apresentadas não são referentes a nenhuma espécie em particular. ANDRADE, L., AMARAL E., SILVA N., QUEIROZ H. Re-counts pirarucu: a method for evaluating the quality of the pirarucu counts, UAKARI, v. 7, n. 1, p. 29 – 40, 2011. REFERÊNCIAS ARARIPE, J., REGO, P. S. D, QUEIROZ, H., SAMPAIO, I., SCHNEIDER, H. 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No caso dos machos, os mesmos critérios discriminatórios foram adotados, com exceção do último, substituído pela presença de sêmen. Foram utilizados para a análise, ovários e testículos de pirarucus pescados na Reserva de Mamirauá, na Amazônia Central Brasileira, onde a pesca sustentável desta espécie é realizada desde 1998. Fragmentos de gônadas foram removidas, fixadas e submetidas à técnica de rotina histológica. Fatias de tecido foram analisadas utilizando um microscópio de luz. Ambos os sexos apresentaram uma única gônada, localizada no lado lateroesquerdo da cavidade celomática. Para a escala macroscópica de desenvolvimento gonadal de fêmeas, seis estádios gonadais foram descritos, I imaturo, II maturação inicial, III maturação avançada, IV maduro, V desovado e VII em repouso. Histologicamente, os ovários são cobertos pela túnica do ovário, composta de tecido conjuntivo, fibras musculares lisas e os vasos sanguíneos. Os ovócitos foram classificados em seis diferentes fases de desenvolvimento, Cromatina-nucléolo, Perinucleolado, Alvéolos corticais, Vitelogênicos, Pósvitelogênicos e Atrésicos. A escala de desenvolvimento gonadal macroscópica para o sexo masculino é composto de quatro fases diferentes, I imaturo, II em maturação, III maduro e V espermiado. A análise histológica das gônadas masculinas demonstrou a presença de uma túnica albuginean, células do músculo liso, vasos sanguíneos, túbulos seminíferos que apresentam variações de acordo com o grau de desenvolvimento, falta a análise histológica. Finalmente, foram apontados algumas sugestões para a pesca manejada da espécie por meio do uso da escala de maturação sexual proposta neste estudo, como ferramenta auxiliar no monitoramento reprodutivo dos animais abatidos. 43 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados ABSTRACT We present the scale of development of the gonads pirarucus Arapaima gigas built through its morphological and histological analysis. In the macroscopic analysis of the gonads of females use discriminatory criteria such as color, degree of turgidity, peripheral blood flow, and diameter of oocytes visible. In the case of males, the same discriminatory criteria were adopted, except for the last, replaced by the presence of semen. Were used for the analysis of ovaries and testicles caught in pirarucus Mamirauá Reserve, the central Brazilian Amazonia where sustainable fishing of this species is held since 1998. Fragments of gonads were removed, fixed and subjected to routine histological technique. Tissue slices were analyzed using a light microscope. Both sexes showed a single gonad, located on the lateral-left coelomic cavity. For the macroscopic scale of gonadal development of females, six gonadal stages were described, I immature, II early maturing, III advanced maturation, IV mature, V spawned and VII at rest. Histologically, the ovaries are covered by the tunica ovarian, composed of connective tissue, smooth muscle cells and blood vessels. The oocytes were classified into six different stages of development, Chromatin-nucleolus, Perinucleolus, Cortical alveoli, Vitellogenic, Postvitellogenic and Atretic. The scale of macroscopic gonadal development in males consists of four different phases, I immature, II maturing, III mature and V At rest. Histological analysis male gonads showed the presence of a tunic albuginean, smooth muscle cells, blood vessel tubules vary according to the development degree, lack histological analysis. Finally, some suggestions were pointed out to fish species managed by through the use of sexual maturity scale proposed in this study, as an auxiliary tool in the monitoring of reproductive aminals slaughtered. INTRODUÇÃO Pertencente à família Arapaimatidae o pirarucu, Arapaima gigas (SCHINZ,1822), é um teleósteo de grande porte que pode alcançar em torno de 3m de comprimento e pesar até 200-250 kg (SOUZA; VAL, 1990; WOTTON, 1990; QUEIROZ, 2000), com endemismo em grande parte da bacia Amazônica, ocorrendo no Brasil, nas Guianas, Venezuela, Peru, Colômbia e Equador. Entretanto, a espécie também tem ocorrência moderna na Bolívia, onde foi introduzido em meados dos anos oitenta, através do Rio Madre de Dios, por meio da fuga acidental de animais numa estação de piscicultura da região da cidade de Puerto Maldonado, no Peru (FARREL; AZURDUY, 2006). Este fisóstomo apresenta ciclo reprodutivo longo, atingindo a maturidade sexual com 4 a 5 anos, com peso em torno de 40 a 45 kg com aproximadamente 1,65 m (PONTES, 1977; QUEIROZ, 2000; LOPES, 2000). Outra característica marcante da espécie é que ambos os sexos apresentam somente uma gônada localizada no lado esquerdo da cavidade abdominal (LOPES, 2005; LOPES; QUEIROZ, 2009). A época de desova está relacionada com o início do período chuvoso, variando 44 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz sexual (L50) até estudos da história natural da espécie, foram realizadas na Reserva Mamirauá (QUEIROZ; SARDINHA, 1999; QUEIROZ, 2000). Desde então, ensaios sobre a biologia reprodutiva vêm sendo desenvolvidos. Lopes & Queiroz (2009 a) descreveram a escala de desenvolvimento gonadal para machos em três estádios, e, para fêmeas, em cinco estádios por meio de atributos macroscópicos. Mais recentemente, e também de maneira macroscópica, Arantes e colaboradores (2011) analisaram a maturação sexual e uma nova avaliação do tamanho médio à primeira maturação sexual da espécie. Contudo, dúvidas e lacunas a respeito da biologia reprodutiva permanecem sem resposta e demandam por serem preenchidas. Nesta forma, o presente trabalho traz à tona uma contribuição para o maior conhecimento da biologia reprodutiva do pirarucu, por meio de estudos histológicos das gônadas de machos e fêmeas da espécie. Cabe ressaltar que estes estudos subsidiaram a confecção de uma escala macroscópica de maturação gonadal de fácil visualização, que por meio de critérios claros e visuais caracterizam os diferentes estádios gonadais. Esta caracterização tem por finalidade auxiliar manejadores em programas de pesca manejada de pirarucus na Amazônia, bem como padronizar os estádios gonadais. conforme acontecem as chuvas na Amazônia (QUEIROZ; SARDINHA, 1999). O pirarucu não apresenta caracteres sexuais secundários que permitam a correta diferenciação entre os sexos por um observador, o que representa a primeira grande dificuldade para o desenvolvimento do manejo reprodutivo da espécie em cativeiro. A discriminação entre os sexos por meio de critérios visuais só é possível de maneira eficiente nos dias antecedentes à desova, quando a coloração vermelha do macho torna-se mais intensa, contrastando com o restante do corpo escuro e deixando-o aparentemente mais colorido em relação às fêmeas. Já a coloração das fêmeas nesta mesma época torna-se mais pálida em relação ao macho (FONTENELE, 1948; LOPES, 2005). As primeiras investigações tangentes à reprodução se deram há pouco mais de 60 anos, e os primeiros relatos da biologia reprodutiva do pirarucu foram reportados por Osmar Fontenele, analisando o comportamento reprodutivo de pirarucus em açudes na região nordeste do Brasil (FONTENELE, 1948). Após este período, outros estudos envolvendo aspectos da biologia reprodutiva vieram à tona, principalmente a partir da observação de animais em vida livre, oriundos de áreas de reserva do Rio Pacaya no Peru (CEBRELLI, 1972; FLORES, 1980). Na década seguinte, outras investigações mais aprofundadas envolvendo a biologia reprodutiva de fêmeas, desde os voltados ao estabelecimento de um tamanho médio à primeira maturação MATERIAIS E MÉTODOS Foram coletados 287 exemplares de Arapaima gigas, no período de outubro a dezembro de 2003 a 2005. Os peixes 45 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados foram provenientes da pesca manejada de pirarucus do Setor Jarauá, da Reserva Mamirauá (Figura 1). Os peixes que serviram de base para estes estudos foram capturados pelos pescadores tradicionais, com o auxílio de arpões e malhadeiras com espaçamento entre nós de 30 cm. Foram obtidos os seguintes dados biométricos, comprimento total em centímetros, peso total em quilogramas e peso das gônadas em gramas. Realizou-se uma incisão longitudinal no abdome de cada animal, para identificação do sexo e observação dos aspectos macroscópicos das gônadas como cor, grau de turgidez, irrigação sanguínea periférica, e presença ou ausência de sêmen e/ou ovócitos visíveis a olho desarmado. Para o estudo histológico, foram utilizados 43 espécimes de A. gigas, dos quais 24 fêmeas e 19 machos. As gônadas foram coletadas e seções destas foram retiradas e fixadas em ALFAC e mantidas em álcool 70% até serem processadas, posteriormente foram submetidas às técnicas histológicas de rotina. Figura 1 - Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá localizada na confluência dos rios Solimões e Japurá, no Estado do Amazonas, destacando o setor Jarauá. 46 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz RESULTADOS caracterizados, Estes ovócitos foram encontrados em todas as fases de desenvolvimento das gônadas. Histologia do Ovário Histologia avalia os tecidos do ponto de vista de sua formação fisiológica, bem como a descrição de suas estruturas microscopicamente, através da visualização através do microscópio eletrônico. Microscopicamente, o ovário do A. gigas está envolto por uma cápsula de tecido conjuntivo denso, denominada túnica ovariana ou albugínea. Também ocorrem fibras musculares lisas e vasos sanguíneos. Este tecido conjuntivo emite ramificações, formando lamelas que sustentam as células germinativas em diferentes fases do desenvolvimento. As lamelas apresentaram grandes variações de tamanho, dependendo da fase do ciclo reprodutivo. Observaram-se ovócitos em diferentes fases de desenvolvimento, circundados por envoltórios de folículos, conforme as descrições abaixo. Os ovócitos foram classificados histologicamente em seis fases: Cromatina-nucléolo (fase I), Perinucleolares (fase II), Alvéolos corticais (fase III), Vitelogênica (fase IV), Pós-vitelogênica (fase V) e Atrésicos (fase VI), de acordo com a (Figura 2) e seguindo a descrição abaixo. Ovócitos Pós-vitelogênicos (fase V) – Citoplasma completamente ocupado pela presença de grânulos de vitelo, com alvéolos na parte cortical, quase sempre em uma forma esférica e de tamanhos variados, com um núcleo centralizado. Ovócitos Cromatina-nucléolo (fase I) - Dispostos em ninhos, inseridos nas lamelas ovígeras, e são as menores células encontradas. Eles apresentam um núcleo central, com nucléolo individual. Morfologia é o estudo que descreve com detalhamento a forma geométrica, a localização, a posição, bem como, a coloração de um determinado órgão por meio da observação. Ovócitos Alvéolo-corticais (fase III) núcleo central aparente, e vacúolos localizados na periferia do citoplasma. Alvéolos corticais evidentes no citoplasma. Ovócitos Vitelogênicos (fase IV) apresentam citoplasma presente preenchido com grânulos de vitelo. A membrana vitelina tornou-se mais espessa. Ovócitos Atrésicos (fase VI) caracterizados pela fragmentação ou ruptura da zona pelúcida. Reabsorção dos conteúdos ovulares pelas células foliculares, e estes se tornam hipotrofiados. Em relação à morfometria celular a Figura (3.) traz a evolução celular mensurada de acordo com o diâmetro de cada célula individualmente. MORFOLOGIA Ovócitos Perinucleolares (fase II) estabelecidos nas lamelas ovígeras, com núcleos evidentes e esféricos, bem 47 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 2 - Fotomicrografia de ovários de Arapaima gigas (escala 500µm): A- Estádio I: Lamelas ovígeras (•) contendo ovogônias (*) e ovócitos na fase II ou perinucleolar (II). B- Estádio II: Lamelas ovígeras constituídas de ovogônias (*), ovócitos na fase II (II) e ovócitos na fase III ou vitelogênese lipídica (III) caracterizadas pelo núcleo volumoso e vacúolos na periferia do citoplasma. C- Estádio III: Presença de ovócitos na fase IV ou em vitelogênese lipídica protéica (IV) – em destaque aumento de vacúolos (v) no citoplasma e presença de material acidófilo na periferia da célula (seta grossa). D- Estádio IV: Predomínio de ovócitos na fase V ou vitelogênese completa (V) apresentando envoltório por células foliculares (cabeça de seta). Presença de ovócitos nas fases II, III e IV. A reprodução nos peixes é um fenômeno cíclico e dinâmico. O desenvolvimento gonadal também passa por transformações anatômicas e fisiológicas, sendo assim, possível de ser mensurado. Desta forma e, como demonstração do desenvolvimento, seguem as características morfométricas de peso nos ovários nos estádios I Imaturo, II Maturação inicial, III Maturação avançada, IV Maduro pode ser vistas na (Tabela 1). Morfologia do Ovário O ovário de A. gigas foi identificado como um órgão singular, de forma laminada, localizado na parte posterior esquerda do abdômen. Apresenta fendas transversais em sua extensão caracterizando sua forma foliácea laminada. A forma, o volume, a coloração e a irrigação sanguínea variaram nos diferentes estágios de maturidade observados. 48 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz Figura 3 – Valores médios do diâmetro dos ovócitos nos diferentes estádios gonadais de Arapaima gigas. Tabela 1 – Distribuição dos parâmetros morfométricos da escala de desenvolvimento gonadal de A. gigas na RDSM. Estádio gonadal Média comprimento total (cm) Desvio padrão Média peso total (k) Desvio padrão Média peso gonadal (g) Desvio padrão Porcentagem da amostra (%) Indivíduos avaliados (N) I Imaturo II Maturação inicial III Maturação Avançada IV Maduro 139,6 166,54 177,73 187,14 ±19,26 ±10,39 ±15,32 ±16,85 26,5 43,31 52,21 62,08 ±7,03 ±11,56 ±15,61 ±18,09 18 37 225,5 474 ±9,04 ±28,5 ±174,8 ±275,2 14,6 32,8 27,7 24,8 20 45 38 34 49 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Estádio IV (Maduro) - Nessa fase, também conhecida como Grávida, a maior parte dos ovócitos maduros têm coloração verde-escura, influenciando a coloração gonadal inteira. A gônada apresenta também outros ovócitos, de coloração rosa-amarelada, contudo, em menor quantidade. Ovário com intensa vascularização periférica. Nesse estádio, o órgão apresenta a forma foliácea mais pronunciada que nos demais. (Figura 7). Estádios de maturação das fêmeas são descrito por meio dos aspectos macroscópicos Estádio I (Imaturo) – Ovário pequeno, também denominado de Virgem, com coloração rosa, forma laminar, com estruturas folheais transversais pequenas, sem ovócitos visíveis a olho nu, pouco irrigado e de consistência túrgida. A parte final da gônada fundese ao oviduto, e por sua vez ao poro urogenital (Figura 4.). Estádio V (Desovado) - Ovário flácido, de coloração rosa-pálido, com aspecto hemorrágico na matriz ovariana, que compõe marcas de desova, com trechos das membranas distendidas e esvaziadas. Estes trechos possuem apenas alguns centímetros de comprimento e largura. Nesta fase, os ovócitos de coloração rosa-amarelada estão em maior número, mas apresenta também ovócitos de diversos tamanhos e estados de maturidade, inclusive observam-se ainda alguns grumos esbranquiçados. Estádio II (Maturação Inicial) - Ovário de coloração rosa, de formato laminar, com estruturas lamelares transversais evidentes, com poucos ovócitos visíveis de coloração opaca. Apresenta volume maior que o de ovários do Estádio I. A vascularização é mais evidenciada, e o oviduto pequeno está ligado ao poro urogenital (Figura 5.) Estádio III (Maturação Avançada) Ovário de coloração matricial rosa, com espessura maior que a dos estádios anteriores, com vascularização aumentada e presença de vasos sanguíneos periféricos de maior calibre. Neste estádio, ocorrem ovócitos heterogêneos, entretanto, os ovócitos de coloração verde-escuro predominam na parte final da gônada. Nesta fase, é nítida a forma folhosa que distingue o órgão. (Figura 6.) Estádio VI (Em repouso) - Ovário de coloração rosa-claro, translúcido, apresentando consistência mais rígida que na fase anterior, vascularização pouco evidente e corpos residuais não identificados. Os estádios V e VI foram observados e evidencias em campo, entretanto, não foi possível obter registros fotográficos que ilustrem estes estádios de desenvolvimento gonadal. 50 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz Figura 4 - Ovário em estádio I, Imaturo. Figura 5 - Ovário em estádio II, Maturação inicial. Figura 6 - Ovário em estádio III, Maturação avançada. Figura 7 - Ovário em estádio IV, Maduro. 51 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados HISTOLOGIA DO TESTÍCULO A análise histológica do testículo em A. gigas demonstrou que, ao longo do desenvolvimento destas gônadas, elas sempre são cobertas por uma túnica albugínea. Esta é composta de tecido conjuntivo, com a presença de fibras musculares lisas e os vasos sanguíneos. Internamente, o órgão apresenta túbu- los seminíferos lobulados, dispostos longitudinalmente em relação ao testículo. O epitélio germinativo que cobre a parede interior dos túbulos seminíferos é organizado em cistos Os túbulos seminíferos apresentam grande variação no seu diâmetro, dependendo da fase do ciclo reprodutivo (Figura 8.). Os testículos foram classificados histologicamente em quatro fases. Figura 8 - Fotomicrografia de testículos de Arapaima gigas (escala 50µm): A- Estádio 1: Túbulos seminíferos de parede espessa com presença de espermatogônias (e). Observe a organização de células indiferenciadas (*) próximas ao tubo. B- Estádio 2: Túbulos seminíferos com epitélio germinativo espesso apresentando células espermatogênicas (ep) e células espermiogênicas (g) na luz. C- Estádio 3: Túbulos seminíferos bem desenvolvidos com epitélio delgado apresentando células espermatogênicas (ep) e acentuada presença de células espermiogênicas (g) na luz. 52 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz Fase I (Imaturo) - Apresenta túbulos seminíferos, alguns com um pequeno diâmetro, com ausência de células em função dos túbulos. Eles apresentam bordas grossas, feitas por epitélio germinativo, contendo as espermatogônias e células indiferenciadas dispostas em camadas. Fase II (em desenvolvimento) Apresenta maior quantidade de túbulos seminíferos, e estes maiores quando comparado com a fase anterior. Em alguns túbulos, há a presença de células de espermatogênese no interior do espesso epitélio germinativo. Fase III (Maduro) - Caracterizado por apresentar grande diâmetro e desenvolvidos túbulos seminíferos, com epitélio germinativo fino. À luz dos túbulos pode-se observar uma grande quantidade de células de espermatogénese. Fase IV (Em repouso) - Caracterizado por uma acentuada redução do diâmetro dos túbulos seminíferos. Alguns destes apresentam algumas células espermatogênicas e indiferenciado em sua luz. Descrição Macroscópica do Testículo O testículo de A. gigas, tal como o ovário, um órgão singular, longilíneo, semicilíndrico, apresenta bordas lisas, e está localizado na porção esquerda da cavidade abdominal. Sustentado pelo peritônio, prolongando-se até o poro urogenital através de um ducto espermático. A escala de maturidade macroscópica aqui apresentada para os machos de A. gigas é composta por quatro estádios de desenvolvimento identificados nos exemplares avaliados: Estádio I (Imaturo), Estádio II (Em maturação) e Estádio III (Maduro) e Estádio V (Espermiado). Conforme apresentado na (Tabela 2.) observa-se o desenvolvimento em peso das gônadas masculinas de pirarucu por meio da mensuração dos primeiros estádios como forma de descrição da escala de desenvolvimento gonadal. Tabela 2 - Pesos e comprimentos médios e desvio padrão dos testículos nos diferentes estádios gonadais de A. gigas. Estádio gonadal I Imaturo II Em maturação III Maduro 26,5 43,31 52,21 ±7,03 ±11,56 ±15,61 5 8 13 Desvio padrão ±1,57 ±2,03 ±4,67 Porcentagem da amostra (%) 26,17 36,24 37,58 39 54 56 Média peso total (k) Desvio padrão Média peso gonadal (g) Indivíduos avaliados (N) 53 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Os estádios de maturação dos machos são descritos a seguir: Estádio I (Imaturo) - Testículo de coloração rosa, quase translúcido, de forma fitácea, espessura fina, com pouca irrigação sanguínea, com aspecto flácido e friável (Figura 9.) Estádio III (Maduro) - Testículo de coloração rosa, formato elíptico, apresentando intensa vascularização, com estrutura geral firme e consistente (Figura 11) Estádio V Em repouso - Órgão de coloração rosa pálido, formato elíptico, pouco irrigado, consistência flácida. O estádio V foi observado e evidenciado em campo, entretanto, não foi possível obter registros fotográficos que ilustrem este estádio de desenvolvimento gonadal. Estádio II (Em maturação) - Testículo opaco de coloração rosa, formato elíptico mais evidente, espessura proeminente, com irrigação sanguínea evidente, de aspecto consistente e estrutura lisa (Figura 10) Figura 9 - Testículo em estádio I, Imaturo. Figura 10 - Testículo em estádio II, Em maturação. Figura 11 - Testículo em estádio III, Maduro. 54 Notas sobre a biologia reprodutiva do pirarucu Arapaima gigas Schinz 1822 • Kelven Lopes • Rossineide Rocha • Maria Auxiliadora P. Ferreira • Helder L. Queiroz CONCLUSÃO E DISCUSSÃO intimamente relacionada com o tamanho de maturidade sexual, uma vez que reflete o tamanho mínimo de captura para a espécie (Castello, 2004). Na pesca de sistemas como este, de pirarucus na Amazônia brasileira, onde há uma maior necessidade de envolvimento e participação dos pescadores em todas as fases de gestão (VIANA et al., 2007; ARANTES et al., 2007; CASTELLO et al., 2009), compartilhar com os pescadores a informação sobre o tamanho mínimo de captura é fundamental. A má aplicação desta ferramenta, influenciando artificialmente o tamanho da primeira maturação sexual, pode facilmente causar sérios problemas para a gestão das atividades de pesca. Isto é especialmente relevante em um sistema de pesca baseado em princípios de conservação e sustentabilidade, como é o caso da espécie de estudo. A determinação dos estágios de desenvolvimento gonadal permitiu uma melhor compreensão do processo reprodutivo e reduziu o número de erros contidos nessas avaliações com base apenas na observação macroscópica (DIAS et al., 1998). Proporcionando assim, uma ferramenta relevante ao processo de perpetuação sustentável da pesca manejada por meio de avaliações reprodutivas dos animais abatidos. Por meio da discriminação simples dos estádios de desenvolvimento gonadal, através de uma escala padronizada. A padronização das escalas de desenvolvimento gonadal subsidia a revisão dos tamanhos mínimos para a captura de pirarucus, não só para as análises de pesca no local de estudo, mas também para aquelas que se desenvolvem em vários Características reprodutivas do pirarucu As observações visuais da morfologia externa dos pirarucus não mostram um dimorfismo sexual evidente que permitiria uma distinção entre machos e fêmeas de A. gigas (FONTENELE, 1948; QUEIROZ, 2000; LOPES, 2005). Só depois de expor as gônadas, foi possível determinar o sexo de cada indivíduo. Outra característica marcante da espécie é a ausência da gônada direita. Nenhum vestígio de pareamento gonadal, ou mesmo de uma gônada direita atrofiada foram observados (CEBRELLI, 1972; FLORES, 1980; QUEIROZ, 2000; LOPES, 2005; LOPES; QUEIROZ, 2009 a, b). As gônadas, em ambos os sexos, foram sempre encontradas na parte esquerda da cavidade abdominal. As Escalas macroscópicas das gônadas e sua importância para a pesca manejada É amplamente conhecido pela ciência pesqueira que não existe um tamanho fixo em que os peixes começam a se reproduzir. Mas a frequência de indivíduos maduros aumenta gradualmente com o aumento do tamanho dos animais. O início da maturidade sexual varia muito entre as espécies, entre populações da mesma espécie e mesmo entre indivíduos da mesma população (VAZZOLER, 1996; FONTELES FILHO, 1989). Nesta ótica, outra grande ferramenta que a descrição facilitada dos estádios gonadais das fêmeas favorece é a determinação do tamanho mínimo de captura. Uma das bases para o sucesso da gestão das pescas manejadas de A. gigas está 55 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados outros locais onde esta atividade vem sendo realizada recentemente na Amazônia Central Brasileira (VIANA et al., 2007; CASTELLO, et al., 2009). Como o desenvolvimento gonadal e ovocitáro descritos neste estudo, sugerese que estas descrições sejam utilizadas como ferramentas de fácil utilização e que possam subsidiar propostas de análise dos animais abatidos na pesca manejada como um indicativo de qual porcentagem dos animais estão sendo capturados ainda imaturos. Bem como o estabelecimento de medidas de tamanhos mínimos e máximos de abate. A pesca orientada para retirada apenas de indivíduos muito grandes poderia retirar das populações genes importantes que ocorrem naturalmente nos indivíduos mais bem adaptados. Bem como reprodutores grandes aumentam a resiliência da população frente a dificuldades naturais e pressões antrópicas enfrentadas pelas populações de pirarucu nas diferentes partes da Amazônia. Grupo de Apoyo a la Biologia de Santa Cruz, v. 1, 2006, p. 20 - 22. BARD. J.; IMBIRIBA, E.P. Piscicultura do pirarucu, Arapaima gigas. Belém: EMBRAPA – CPATU, 1986. 17 p. (EMBRAPA-CPATU. Circular Técnica, 52) CASTELLO, L. A Method to Count pirarucu Arapaima gigas: Fishers, Assessment, and Management. North American Journal of Fisheries Management, v. 24 , 2004, p. 379 – 389. CASTELLO, L.; VIANA, J. P., WATKINS, G.; PINEDO-VASQUEZ, M.; LUZARDIS, V. A. (2009). Lessons from integrating fisher of Arapaima in small-scale fisherires management at the Mamirauá Reserve. Environmental Management, v. 43, 2009, p. 197 - 209. 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Fish and Fisheries Series, 1. 57 INFLUÊNCIA DA COBERTURA DE MACRÓFITAS SOBRE A ABUNDÂNCIADE PIRARUCUS EM LAGOS DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ Adriana Gomes Affonso¹ Helder L. Queiroz² Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo¹ RESUMO durante a FC em um determinado ano, maior a abundância de pirarucu 1,5 anos mais tarde. A reprodução inicia-se com o aumento do nível da água, com cuidado parental masculino durante a fase de cheia, quando os indivíduos jovens se alimentam exclusivamente de insetos, moluscos e crustáceos encontrados nas raízes das macrófitas. O pirarucu jovem, 1,5 anos depois, atinge o tamanho de 100 a 120 cm e é incluído na estimativa da população. A cobertura de macrófitas aumenta a probabilidade de sobrevivência das coortes mais jovens, proporcionando um excelente ambiente para os primeiros meses do pirarucu. Este estudo sugere que mudanças climáticas e pesca em larga escala podem afetar a extensão de macrófitas podendo representar uma ameaça para conservação do pirarucu e, consequentemente, para uma das principais fontes de proteína e renda das populações ribeirinhas. O mapeamento de cobertura de macrófitas através de Este artigo investiga a relação entre a abundância do pirarucu e cobertura de macrófitas em lagos durante as fases de cheia (FC) e seca (FS) no período compreendido entre 1999 e 2009. Para isso, foram utilizadas imagens TM Landsat representativas da FC e da FS para calcular a cobertura de macrófitas (MCt) em 87 lagos a cada ano. A abundância total de pirarucus jovens (pjA) (1,5-2 anos) e adultos (paA) (acima de 3 anos) foi estimada pelo método de contagem durante o período de seca de cada ano. Utilizou-se o método de regressão linear para modelar a relação entre o MCt e ambas abundâncias (pjA e paA). Os resultados indicaram uma relação linear entre MCt e pjA (r2 = 0,88, confiança de 95%) e MCt e paA (r2 = 0,81, a 95%) durante FC com uma defasagem (“time lag”) de 1,5 anos. Não foi encontrada relação entre ambos os tipos de abundância e MCt na FS. Quanto maior a cobertura de macrófitas ¹ Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Divisão de Sensoriamento Remoto, Avenida dos Astronautas, 2 1758, 12227-010, Jardim da Granja, São José dos Campos, SP, Brasil Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Estrada do Bexiga, 2584, 69470-000, Fonte Boa,Tefé, AM, Brasil 59 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados might affect macrophyte extension and pose a threat to pirarucu conservation and fishery. Macrophyte coverage mapping through remote sensing images is a key component to identify priority regions for pirarucu sustainable management and monitoring. imagens de sensoriamento remoto é um componente-chave para identificar regiões prioritárias para a gestão sustentável do pirarucu. ABSTRACT This paper investigates the relationship between pirarucu abundance and macrophyte cover in lakes during high (HW) and low water (LW) phases from 1999 to 2009. TM Landsat images acquired during HW and LW were used to compute macrophyte cover (MCt) at 87 lakes each year. Total young pirarucu abundance (pyA) (1.5-2 years) and total adult pirarucu abundance (paA) (above 3 years) were estimated using a counting method during LW of each year. The MCt was regressed against pyA and paA. The results indicated a linear relationship between both pyA (r2 =0,88, at 95% confidence) and paA (r2 =0,81, at 95%) with MCt during HW with 1.5 year lag. No relationship was observed between MCt and both types of abundance in LW. The highest the macrophyte coverage during HW in a given year the highest is the pirarucu abundance 1.5 year later. Reproduction begins at the rising water level and proceeds with male parental care during the high water phase, when young feed exclusively of insects, molluscs and crustaceans found into macrophytes root zone. Around 1.5 year latter this young pirarucu reaches the size of 100 to 120 cm and is included in the population estimates. Macrophyte cover increases the survivor probability of younger cohorts, providing an excellent environment during the first months. This study suggests that climate changes and also large scale fishery INTRODUÇÃO O pirarucu (Arapaima gigas) é o maior peixe de escamas vivendo em água doce de todo o mundo (WOOTTON, 1990), atingindo mais de 3 m de comprimento total, e mais de 200 kg de peso vivo. Apesar de ser considerada como uma espécie essencialmente piscívora (LOWEL-MCCONNEL, 1987), o pirarucu consome também outros itens alimentares, como insetos, gastrópodes, micro e macro-crustáceos, durante as diferentes fases da vida e ao longo das fases da hidrógrafa (QUEIROZ, 2000; IMBIRIBA, 2001). Estudos mostram que quase todas as espécies de peixes e invertebrados consumidos pelos pirarucus são encontradas na zona das raízes de macrófitas aquáticas, galhos e outros substratos inundados (JUNK, 1984; CRAMPTON, 1999, PETRY et al., 2003; VILLABONA-GONZÁLEZ et al., 2011). As macrófitas aquáticas são ambienteschave para a proteção e conservação de diversas espécies de peixes da várzea amazônica (SANCHEZ-BOTERO; ARAÚJOLIMA, 2001), atuando ainda como abrigo e local de forrageamento para diversos organismos (JUNK, 1984) e com alta riqueza de espécies de peixes (PETRY et al., 2003; HERCOS et al., 2012). A determinação da dinâmica da cobertura de macrófitas possibilita a estimativa de 60 Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá • Adriana Gomes Affonso •Helder L. Queiroz • Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo utilizados dados referentes a 87 lagos do Setor Jarauá inclusos no manejo de pirarucu no período compreendido entre 1999 e 2009 (Figura 1). um dos recursos mais importantes para o recrutamento de diversas espécies de peixe e é responsável por grande parte da biomassa da fauna aquática Amazônica. No entanto, a natureza dinâmica e complexa do ecossistema aquático amazônico torna adverso o seu estudo. Deste modo, o sensoriamento remoto torna possível a análise espaçotemporal desse ecossistema complexo e fragmentado, por permitir a visão sinóptica de grandes áreas em várias escalas. Diversos estudos demonstraram a aplicabilidade dos sensores remotos no mapeamento na distribuição espacial de macrófitas em diferentes fases do pulso de inundação (HESS et al., 1995; COSTA, 2005; COSTA; TELMER, 2006; SILVA et al., 2010; LIIRA et al., 2010). ARRAUT (2010) demonstrou ainda a forte associação entre o peixeboi amazônico (Trichechus inunguis) e os bancos de macrófitas aquáticas flutuantes determinados através de dados de imagens de satélite. O objetivo desse trabalho foi analisar a relação entre a cobertura de macrófitas nas fases de seca e de cheia em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e a abundância de pirarucus no período de 1999 a 2009, a partir de imagens de satélite e dados de campo. DADOS DE CONTAGEM DO PIRARUCU Foram utilizados os dados de estoque anual de pirarucu (indivíduos jovens e adultos), estimados a partir da contagem do pirarucu (realizada somente no período de seca), método baseado na capacidade que os pescadores artesanais experientes possuem de contar os indivíduos quando estes emergem para respirar (CASTELLO, 2004; ARANTES et al., 2006). A contagem foi realizada no período de seca em 87 lagos no período compreendido entre 1999 e 2009. DETERMINAÇÃO DA COBERTURA DE MACRÓFITAS Foram selecionadas 20 imagens do satélite Landsat/TM (órbita 001/ponto 62), com a menor cobertura de nuvens, correspondentes às fases de cheia e seca da hidrógrafa para cada ano referente ao período compreendido entre 1999 e 2009, com exceção do ano de 2003, porque as imagens disponíveis sem cobertura de nuvens apresentaram ruídos. De modo a facilitar o mapeamento de lagos com dimensões próximas ao limite de resolução espacial do sensor, aplicou-se aos dados o método de restauração que permitiu trazendo a resolução espacial das imagens TM de 30 metros para 15 metros (BOGGIONE, 2003). Com isso, tornou-se mais precisa a definição e mapeamento dos limites dos bancos de macrófitas em torno dos lagos. MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo está localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Estado do Amazonas, na planície de inundação dos Rios Solimões e Japurá, próximo à cidade de Tefé, e a cerca de 600 km de Manaus (02° 49’S; 65° 00’W). Para esse estudo, foram 61 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Legenda Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Setor Jarauá Figura 1 - Imagem Landsat 10/9/2007 com a delimitação da área de estudo 62 Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá • Adriana Gomes Affonso •Helder L. Queiroz • Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo RESULTADOS E DISCUSSÃO Para o mapeamento, foi realizada uma classificação supervisionada com base no algoritmo de Máxima Verossimilhança, utilizando as bandas 3, 4 e 5 (BAYLEY; MOREIRA, 1978; LIIRA et al., 2010; ARRAUT et al., 2010). As amostras utilizadas para treinar o classificador foram selecionadas a partir da análise de fotografias georreferenciadas obtidas durante as missões de campo e a partir da análise do comportamento espectral de alvos semelhantes bem como informações adicionais referentes à forma e localização (SILVA et al., 2009). As seguintes classes foram mapeadas: 1) Espelho d’água; 2) Mácrofitas; 3) Nuvens; e 4) Solo exposto (áreas sem água ou vegetação, ocorrendo somente na seca). Para cada lago, foi calculada a área de cada classe (espelho d’água, solo exposto, macrófitas e nuvem). Os dados referentes à área de cobertura por macrófitas na seca e na cheia para cada um dos lagos foi então somada para se obter o total de cobertura por macrófitas na área focal em cada ano para o qual se dispunha de informações sobre a contagem. Esses dados foram então submetidos à análise de regressão linear simples, tendo como variável dependente a abundância anual de pirarucu (soma do número de indivíduos em todos os lagos para cada ano) e independente, a área ocupada por bancos de macrófitas em toda a várzea (soma da área de macrófitas de todos os lagos para cada ano) nos períodos de cheia e seca. Os resultados mostraram uma alta correlação entre a área de macrófita no período de cheia e a abundância de pirarucu no ano posterior, tanto para indivíduos jovens como para adultos. No entanto, não foi observada nenhuma correlação significativa entre a abundância de pirarucu e a área de macrófita do período de seca, fato também observado por Arantes et al., (2011). No presente trabalho, a baixa correlação pode ser explicada pelo fato de que a área de macrófitas mapeada no período de seca incluir aquelas nas margens dos lagos, não sendo possível separar, através das imagens de satélite, as macrófitas sob a água. Dessa forma, a área total das macrófitas no período de seca tende a ser superestimada quando se usam dados de sensores ópticos como é o caso do sensor TM/ Landat, incluindo as macrófitas que se desenvolvem sobre a superfície da água (independentemente de sua profundidade) e as macrófitas que se desenvolvem sobre o solo saturado de água; nesse caso, sem condições de abrigar populações viáveis de pirarucu e sem influência direta sobre sua sobrevivência. A análise de regressão entre a área de macrófita na cheia e o número de indivíduos no ano posterior sugere que a área de macrófita no período de cheia em um determinado ano explica a abundância de pirarucus (jovens e adultos) no ano subsequente (r²=0,88 para os jovens, e r²=0,80 para adultos). A figura 2 apresenta o modelo de regressão linear para os jovens e a figura 3 para os adultos. 63 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados 9000 8000 7000 Bodego 6000 5000 4000 3000 2000 0 2 4 6 8 10 12 14 Área de macrófita na cheia (hectare) Figura 2 – Gráfico de regressão entre a área de macrófita na cheia do ano anterior e a abundância de jovens (número de indivíduos) no ano posterior. 8000 7000 6000 Pirarucu 5000 4000 3000 2000 1000 0 0 2 4 6 8 10 12 Área de macrófitas na cheia (hectare) Figura 3 – Gráfico de regressão entre a área de macrófita na cheia do ano anterior e a abundância de pirarucu (número de indivíduos) no ano posterior. 64 14 Influência da cobertura de macrófitas sobre a abundância de pirarucus em lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá • Adriana Gomes Affonso •Helder L. Queiroz • Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo Esses resultados sugerem que a área de cobertura de macrófitas no período da cheia influencia o número de indivíduos no ano posterior, o que está relacionado à ecologia reprodutiva da espécie. Durante o período de seca, os pirarucus adultos formam seus pares (casais monogâmicos) nos lagos e canais. Com o início da enchente (entre novembro de dezembro) e o aumento do nível da água, eles constroem os ninhos no fundo das partes mais rasas encontradas próximas às margens dos lagos. Imediatamente após o término da construção dos ninhos, eles desovam. Após a eclosão das larvas, as fêmeas deixam seus ninhos, e os machos cuidam da prole por pelo menos três meses, ao longo da enchente. Nesse período, o macho guia os jovens pela floresta alagada onde sua alimentação se baseia exclusivamente de insetos, moluscos e microcrustáceos na zona de raízes das macrófitas aquáticas. Com a descida das águas, o macho adulto se separa dos jovens, mas ele e todos os demais pirarucus vivendo no interior da floresta dirigem-se de volta aos lagos, canais e rios. Nos lagos, eles permanecem durante todo o período de seca, iniciando um novo ciclo (QUEIROZ, 2000; CASTELLO, 2008, 2008a). Após 1,5, anos o pirarucu jovem atinge aproximadamente de 100 a cm de comprimento e é detectado pelos contadores, sendo então incluído na estimativa anual da população. A cobertura de macrófitas aumenta a probabilidade de sobrevivência dos recém-eclodidos (“yoy”, ou “youngof-the-year”), fornecendo proteção e uma excelente fonte de alimento durante os primeiros meses de vida. Essas plantas atuam como berçário de diversas espécies de peixes, sendo que durante o período da cheia, a maior parte de sua fauna é composta por indivíduos jovens (SANCHEZ-BOTERO; ARAÚJO-LIMA, 2001), atuando ainda como abrigo e local de forragem para diversos organismos (JUNK, 1984) e apresentando ainda uma alta riqueza de espécies de peixes (PETRY et al., 2003; HERCOS et al., 2012). Dessa forma, 1,5 anos depois, esses indivíduos jovens que se beneficiaram destes ambientes serão incluídos na contagem anual. Como foi revelado, quanto maior a área de cobertura por macrófitas, maior será o número de indivíduos no ciclo posterior. Com o comportamento de cuidado parental do macho, o adulto também se beneficia aumentando sua sobrevivência ao proteger seus filhotes e se protegendo também de possíveis predadores. Os bancos de macrófitas representam ambientes-chave para a proteção e conservação (HERCOS et al., 2012), não somente do pirarucu, mas da maioria das espécies de peixes da várzea amazônica, garantido ou incrementando o seu recrutamento biológico. Mudanças climáticas e distúrbios relacionados à pesca em grande escala que possam afetar a extensão da cobertura de macrófitas nos lagos de várzea da Amazônia podem representar uma ameaça imediata à conservação e a pesca do pirarucu. No entanto, o mapeamento da cobertura de macrófitas por meio de dados de sensoriamento remoto pode ser uma ferramenta essencial no 65 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados estabelecimento de planos de manejo da pesca sustentável do pirarucu, não apenas na Reserva Mamirauá, mas também em outras áreas de várzea com características ambientais similares. Anais... São José dos Campos: INPE, 1978. p. 854-865. Printed, On-line. ISBN 97885-17-00045-4. 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University of Nottingham, UK: John Wiley & Sons, 292 p. 67 AVALIAÇÃO GENÉTICA DO MANEJO DO PIRARUCU (Arapaima gigas) NA RESERVA MAMIRAUÁ Juliana Araripe1 RESUMO O pirarucu (Arapaima gigas) é um dos recursos pesqueiros mais importantes da região amazônica, com indícios de sobrepesca histórica exercida sobre a espécie. Uma das estratégias que visam recuperar estas populações e manter essa atividade pelas populações ribeirinhas é a pesca manejada, que vem sendo desenvolvida desde 1999 na Reserva Mamirauá. Apesar de alguns indicadores apontarem para o sucesso deste manejo, nenhum estudo usando ferramentas genéticas havia sido desenvolvido para avaliar essa atividade. Neste estudo, foram analisados sete loci microssatélites de 314 pirarucus abatidos através de pesca manejada ao longo de cinco anos (2002 a 2006), buscando avaliar o efeito dessa atividade nas frequências dos alelos na população. O número de alelos, riqueza e frequência alélica, assim como alelos exclusivos foram estimados para cada ano, enquanto a comparação entre os períodos analisados foi realizada através da AMOVA e Fst par a par. Foram identificados 45 1 alelos, sem uma significante variação no número absoluto e na riqueza alélica entre os anos. Os índices de diversidade indicaram variabilidade similar às previamente descritas para outras populações da bacia Amazônica e superior à descrita para a localidade de Tucuruí. Não foram observados indícios de perda de variabilidade genética no período estudado, o que sugere que a pesca manejada desenvolvida pela Reserva Mamirauá está sendo capaz de manter essa diversidade na população. Entretanto, é importante ressaltar que estudo de monitoramento contínuo e de longo prazo, utilizando nossos resultados como referência, será de grande importância para auxiliar no direcionamento do manejo desta espécie na várzea amazônica. INTRODUÇÃO O pirarucu (Arapaima gigas Cuvier, 1817) é um dos mais importantes recursos pesqueiros na região amazônica, Instituto de Estudos Costeiros (IECOS), Universidade Federal do Pará, Alam. Leandro Ribeiro SN, Campus de Bragança, PA CEP 68.600-000 - [email protected] 69 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados apresentando uma grande biomassa e agregando um alto valor de mercado nas principais cidades da região norte do Brasil. Atualmente, este peixe pode ser encontrado em grande parte da Bacia Amazônica, além da bacia do Araguaia-Tocantins, ocorrendo até o cerrado brasileiro na porção sul do estado do Mato Grosso (KIRSTEN et al., 2012), onde permanecem em lagos isolados e sujeitos à dinâmica hídrica muito diferente daquela observada nos ambientes de várzeas das planícies amazônicas. A grande exploração deste recurso próximo às grandes cidades da região amazônica, como Belém, Santarém e Manaus, durante os séculos XIX e XX levou a uma notável diminuição do estoque, com dados de estatística pesqueira indicando uma significativa diminuição no desembarque desta espécie nos principais portos da região amazônica neste período (VERÍSSIMO, 1895; MENEZES, 1951), tendo este se tornado comercialmente extinto próximo a alguns centros urbanos amazônicos na década de 70 (GOULDING, 1980; BAYLEY; PETRETE JR., 1989). Mesmo dentro de áreas em que a pressão de pesca foi historicamente menos significativa, como a Reserva Mamirauá (AM), muitos habitantes locais afirmam ter percebido uma diminuição na produção deste peixe. Confirmando essa hipótese, o acompanhamento da captura de pirarucus dentro da área focal da Reserva Mamirauá durante três anos consecutivos também sugeriu que esta população poderia está sendo submetida à sobrepesca (QUEIROZ; SARDINHA, 1999). Aspectos biológicos peculiares da espécie, principalmente aqueles relacionados à reprodução e dispersão, são de grande importância para estudos de dinâmica populacional e consequentemente conservação e manejo dos mesmos. No caso do pirarucu, estes dois são intimamente relacionados. Lowe-McConnell (1987) cita dois tipos de migração desempenhados por peixes de planícies alagadas: a longitudinal e a lateral. O deslocamento longitudinal, também referido como migração, foi pouco estudado no pirarucu, o qual vem sendo tradicionalmente classificado como uma espécie sedentária (ARARIPE et al., 2013; ISAAC et al., 1993; BARTHEN; FABRÉ, 2004). O único estudo que quantificou essa dispersão através de marcação e recaptura foi desenvolvido por Queiroz (2000), que encontrou uma dispersão média de 13,7 km/ano para pirarucus recapturados de 0,5 a 18 meses após a marcação, entretanto, estes dados são preliminares devido a pequena recaptura descrita pelo autor. A distância em linha reta entre o ponto de soltura e de recaptura variou de 3,9 a 64,2 km, com registro de recuperação de dois indivíduos cinco anos após a marcação somente a 400 m do local de soltura (QUEIROZ, 2000). Estudos recentes usando a abordagem genética para avaliar a capacidade de dispersão do pirarucu corroboram o padrão sedentário da espécie, havendo diferenciação genética entre os estoques separados por distâncias a partir de cerca de 100 km em ambientes de várzea (ARARIPE et al., 2013). 70 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe recurso vem acontecendo em reservas de desenvolvimento sustentável (RDS), como a Amanã, Piagaçu-Purus, assim como em outras unidades de conservação como na Reserva Extrativista do Lago Cuniã (RO) e na Ilha do Bananal (TO), que atuam seguindo, em diferentes graus, o modelo desenvolvido em Mamirauá. Além das normas federais que regulam a pesca do pirarucu, o manejo desta espécie dentro da Reserva Mamirauá baseia-se ainda em medidas, como o estabelecimento de cotas a serem anualmente pescadas que correspondem a até 30 % do total de adultos contados segundo a metodologia certificada por Castello (2004). Além das cotas, ocorre um revezamento dos lagos anualmente explorados e um monitoramento do tamanho, peso e quantidade de peixe pescados. Apesar de estudos recentes indicarem que a atividade do manejo vem apresentando aspectos positivos, como aumento na quantidade de pirarucus nos lagos manejados (ARANTES et al., 2006), aumento no preço do pescado e da renda per capita das famílias destas comunidades (VIANA et al., 2007), nenhum estudo foi realizado para avaliar geneticamente essas populações manejadas. Evidências relacionadas ao monitoramento de desembarque pesqueiro indicam que a cota utilizada está sendo capaz de manter a viabilidade do manejo, entretanto estudos específicos a respeito do nível de impacto causado pela pesca manejada de pirarucus na Reserva Mamirauá podem auxiliar no direcionamento desta atividade. Neste contexto o uso de ferramentas moleculares em abordagens Por outro lado, o deslocamento lateral para a espécie em várzea foi detalhadamente descrito por Castello (2008a), sendo este intimamente relacionado às suas atividades reprodutivas. Durante o período seco, os reprodutores encontram-se principalmente nos lagos, lagoas temporárias e canais de rios onde ocorre a formação dos casais, que juntos constroem o ninho durante o início da enchente (CASTELLO, 2008b). A fêmea então libera uma grande quantidade de gametas, os quais são fecundados pelo macho, que cuida do ninho até a eclosão dos ovos (LOPES, 2005). As larvas permanecem no ninho até a completa absorção do vitelo, o que dura aproximadamente cinco dias (NEVES, 1995). Os alevinos são gregários, nadando próximo à cabeça do macho, os quais migram para as florestas alagadas, onde este cuida dos filhotes por alguns meses. Quando o nível das águas começa a baixar, o pirarucu macho se separa dos juvenis, e todos, gradualmente, retornam para as porções mais baixas da várzea (CASTELLO, 2008a), sem que haja obrigatoriamente um retorno ao sítio de origem (ARARIPE et al., 2013). Desta forma, o ciclo é anualmente reiniciado. O MANEJO DO PIRARUCU NA RESERVA MAMIRAUÁ O manejo dos pirarucus na Reserva Mamirauá foi implementado inicialmente no setor Jarauá, em 1999, e posteriormente ampliado para outras localidades na Reserva Mamirauá (IDSM, 2008), assim como para outras unidades de conservação dentro e fora do estado do Amazonas. Atualmente, a pesca manejada deste 71 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados 2002 e 2006 no setor Jarauá, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - RDSM, Amazonas, Brasil. O material genético foi obtido a partir de tecidos musculares de pirarucus capturados por pescadores da Reserva Mamirauá, os quais foram colocados em tubos com álcool para fixação. Informações a respeito da procedência de cada indivíduo, número do lacre, assim como dados morfológicos dos mesmos também foram registrados em fichas de campo. Uma vez que todas as amostras foram retiradas de indivíduos abatidos, foi descartada qualquer possibilidade de reamostragem. No Laboratório de Genética Aplicada do Campus de Bragança (UFPA), as amostras foram tombadas e receberam uma identificação única correspondente a seu registro na Coleção de Tecidos de pirarucus. O isolamento do DNA seguiu o protocolo padrão sugerido por Sambrook et al. (1989) utilizando fenol-clorofórmio e Proteinase K. Para visualização da integridade e quantificação, foi realizada uma eletroforese em gel de agarose 1%. A partir da intensidade da banda, as amostras foram diluídas para aproximadamente 5 ng/μl e estocadas em freezer até sua utilização na reação de amplificação. Para amplificação da região genômica contendo as repetições microssatélites foi utilizada a técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em um volume final de 10μl. Foram amplificados sete locos (AgCTm7, AgCAm20, AgCTm4, AgCAm15, AgCAm2, AgCAm16, AgCAm26) desenvolvidos por Farias et al., (2003). Os iniciadores forward foram previamente marcados relacionadas à biologia da conservação, especialmente para espécies submetidas a algum tipo de ameaça, vem sendo amplamente utilizada (HARTL; CLARK, 1997). Com pirarucus, particularmente, os estudos desenvolvidos até o momento abordam aspectos populacionais e filogeográfico da espécie ao longo de sua distribuição (HRBEK et al., 2005; 2007), capacidade de dispersão (ARARIPE et al., 2013) e desenvolvimento de novos marcadores genéticos (FARIAS et al., 2003; HRBEK; FARIAS, 2008). Dentre os marcadores genéticos mais utilizados para avaliação de estoque destacam-se os microssatélites (SALGUEIRO et al., 2003; FARIAS et al., 2003; MORGAN et al., 2008; LORENZEN et al., 2008). Estes marcadores moleculares são regiões amplamente distribuídas no genoma nuclear que apresentam alto poder discriminante e alto grau de informação, sendo utilizados para estudos populacionais e de identificação forense, dentre outras abordagens (OLIVEIRA et al., 2006). Neste estudo objetivamos fazer a primeira avaliação genética temporal do manejo de pirarucu na Reserva Mamirauá, gerando informações relevantes para um contínuo monitoramento das mesmas, assim como fazer inferência sobre a variabilidade genética desta espécie em ambiente de várzea. MATERIAL E MÉTODOS Para verificar se ocorreram mudanças significativas na diversidade genética de pirarucus, ao longo de cinco anos de pesca manejada, foram utilizados 314 indivíduos coletados entre os anos de 72 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe erros de genotipagem mais frequentes no programa MicroChecker (VAN OOSTERHOUT et al., 2004) usando a correção de Bonferroni. Para comparar os diferentes anos foram identificados e quantificados o número absoluto, a riqueza e frequência dos alelos, a presença de alelos exclusivos, além de análises de variância molecular (AMOVA) e índices de diferenciação genética (Fst) nos programas Genepop 1.2 (RAYMOND; ROUSSET, 1995), Fstat (GOUDET, 2002) e Arlequin 3.01 (EXCOFFIER et al., 2005). Para avaliação do impacto da pesca manejada sobre as populações, cada ano amostrado foi analisado individualmente e, posteriormente, comparado. Para caracterização genética e estimativa da variabilidade genética dos pirarucus da Reserva Mamirauá, foram estimados ainda os níveis de heterozigosidade observada e esperada para os marcadores analisados e comparados com os dados disponíveis na literatura. com fluorescências (6-FAM, HEX ou NED). Em cada poço da placa, foi adicionado 1,5 μl de uma solução de dNTP (200 mM de cada nucleotídeo), 1 μl de tampão 10X da Taq (100 mM TrisHCl, 500 mM KCl), 0,5 μl de MgCl2 (50 mM), 0,5 μl de cada iniciador (2 pmol), 0,25 μl de Taq DNA polimerase (5U/μl), 1 μl de DNA (cerca de 5 ng/μl) e 4,75 μl de água destilada estéril. O programa de amplificação para todos os locos consistiu de uma desnaturação inicial de 94 oC por 2 minutos, seguidos de 35 ciclos de 94 oC por 10 segundos, 58 ºC por 10 segundos, 72oC por 30 segundos e uma extensão final de 72oC por 60 minutos. Ao final da amplificação os produtos foram visualizados em gel de agarose 1% e diluídos de acordo com a intensidade da banda visualizada após eletroforese. Foi preparada uma solução com 0,25 μl do ET-Rox 550 (Amersham Biosciences), 7,75 μl deTween 20 0,1% e 2 μl do PCR diluído para cada amostra a ser genotipada, sendo esta injetada no sequenciador automático MegaBace 1000 por 80 minutos a 10 KV. Após o término da corrida, os padrões de picos foram analisados pelo programa Fragment Profiler 1.2 (Amersham Biosciences) com filtros de picos (peak filter) e bins definidos para cada loco. Uma planilha com os alelos identificados para os sete locos de cada pirarucu genotipado foi exportada e utilizada para criação dos formatos específicos de acordo com os programas de análises populacionais utilizados. Após a montagem de um banco de dados para os sete locos de todos os indivíduos analisados foi realizada a verificação dos RESULTADOS Após a genotipagem, foi identificado um total de 45 alelos para os sete locos dos 314 pirarucus analisados no setor Jarauá. O número absoluto de alelos e a riqueza alélica estimada detectaram uma pequena variação entre os cinco anos com estimativa de riqueza alélica para a população do Jarauá de 5,08 alelos em média para os cinco anos analisados (Tabela 1). Não foi observada significativa variação entre o número de alelos observado em cada ano de pesca, o que sugere que a retirada anual de peixes adultos pela pesca não levou a uma perda de alelos na população. 73 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados No período estudado foi observada, para os sete locos analisados, uma variação de 3 a 12 alelos por loco (Tabela 2). A comparação entre as frequências dos alelos em cada período de pesca indicou que os alelos mais frequentes para cada loco em cada ano estudado (em destaque) foi o mesmo para a maioria dos locos. Somente os locos AgCTm7, AgCAm15 e AgCAm16 tiveram o alelo mais frequente variando ao longo do período, mas essa flutuação foi baixa, quando comparadas às frequências relativas destes alelos em cada ano de despesca. Para o loco AgCTm7, os alelos mais frequentes foram os 281, 297 e 301, os quais se alternaram na posição de mais frequente ao longo do período estudado. Para o AgCAm15, foi observada uma maior frequência para o alelo 248 em todos os anos, exceto 2002, quando o mais frequente foi o 232. Entretanto, esta diferença foi de somente um registro deste alelo, uma vez que o alelo 232 foi amostrado 48 vezes e o alelo 248, apareceu 47 vezes entre os pirarucus coletados neste ano. Da mesma forma, aconteceu com o loco AgCAm16 para as amostras de 2004. A diferença do número de observações entre os dois alelos mais frequentes foi de somente duas em um total de 186 alelos analisados (93 indivíduos). Estes resultados sugerem que a flutuação observada para estes três locos deve ter sido resultado de um viés amostral nestas populações, indicando que não houve grandes flutuações nas frequências destes alelos. Foram identificados neste estudo quatro alelos exclusivos, sendo um identificado somente nos pirarucus pescados em 2002, dois alelos nos indivíduos pescados em 2003 e um em 2004. Todos estes alelos exclusivos foram os alelos de menor frequência para o referido loco naquele ano, exceto o alelo 333 do loco AgCAm2 que apresentou mais três outros alelos também com frequência de 0,0185 no ano de 2003. Tabela 1 - Número de alelos (Na) e riqueza alélica (Ra) para a população de pirarucus do setor Jarauá nos anos de 2002 a 2006 para os sete locos microssatélites analisados. Ano 2002 (N=65) 2003 (N=56) 2004 (N=93) 2005 (N=54) 2006 (N=46) Na Ra Na Ra Na Ra Na Ra Na Ra AgCTm4 3 3,000 3 3,000 3 2,995 3 3,000 3 3,000 AgCTm7 7 6,737 9 8,194 9 7,673 7 6,817 7 6,920 AgCAm2 8 7,446 10 9,267 10 8,317 10 9,227 7 7,000 AgCAm15 8 7,872 6 5,587 5 4,950 7 6,026 6 5,797 AgCAm16 5 4,962 5 4,874 5 4,627 4 3,991 5 4,992 AgCAm20 3 2,995 3 2,996 4 3,353 4 3,711 4 3,817 AgCAm26 3 3,000 3 2,963 3 2,995 3 3,000 3 3,000 TOTAL 37 - 39 - 39 - 38 - 35 - Média 5,286 5,140 5,571 5,268 5,571 4,987 5,429 5,111 5,000 4,932 Locos 74 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe Tabela 2: Frequências alélicas e alelos exclusivos para as populações de pirarucus do setor Jarauá coletadas entre os anos de 2002 e 2006. Em destaque (sombreado), os alelos mais frequentes para cada loco em cada ano. Locos AgCTm7 AgCAm20 AgCTm4 AgCAm15 AgCAm2 Alelos Frequência alélicas (ano) Alelos 2002 2003 2004 2005 2006 273 0,0000 0,0089 0,0109 0,0000 0,0125 281 0,2328 0,2679 0,3261 0,2841 0,2625 283 0,0172 0,0536 0,0489 0,0568 0,0625 289 0,0172 0,0357 0,0489 0,0227 0,0250 295 0,0000 0,0000 0,0054 0,0000 0,0000 297 0,3103 0,2589 0,2772 0,4432 0,2625 299 0,1293 0,0536 0,0870 0,0795 0,1000 301 0,2500 0,2946 0,1848 0,1023 0,2750 303 0,0431 0,0179 0,0109 0,0114 0,0000 305 0,0000 0,0089 0,0000 0,0000 0,0000 265 0,5703 0,5179 0,5376 0,4904 0,5444 267 0,0469 0,0446 0,0323 0,0577 0,0333 269 0,3828 0,4375 0,4247 0,4423 0,4111 271 0,0000 0,0000 0,0054 0,0096 0,0111 279 0,0938 0,0893 0,0968 0,1019 0,1444 285 0,8281 0,8393 0,8495 0,7593 0,8000 287 0,0781 0,0714 0,0538 0,1389 0,0556 230 0,0538 0,0089 0,0538 0,0278 0,0652 232 0,3692 0,3304 0,3011 0,4074 0,2609 234 0,0308 0,0000 0,0000 0,0093 0,0000 240 0,0385 0,0268 0,0323 0,0093 0,0326 242 0,0538 0,1161 0,1129 0,0833 0,0435 248 0,3615 0,4911 0,5000 0,4537 0,5870 250 0,0692 0,0268 0,0000 0,0093 0,0109 252 0,0231 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 299 0,1797 0,2222 0,1685 0,1667 0,2162 301 0,0078 0,0093 0,0054 0,0370 0,0000 305 0,0312 0,0185 0,0109 0,0370 0,0000 313 0,3047 0,2593 0,2337 0,2500 0,2162 315 0,0000 0,0000 0,0000 0,0093 0,0135 75 exclusivos 2004 2003 2002 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Locos AgCAm16 AgCAm26 Alelos Frequência alélicas (ano) Alelos 317 0,0859 0,0648 0,1196 0,0741 0,1216 321 0,0000 0,0185 0,0054 0,0000 0,0000 323 0,3359 0,3426 0,3533 0,3704 0,3378 325 0,0000 0,0185 0,0272 0,0093 0,0135 327 0,0234 0,0000 0,0435 0,0278 0,0000 329 0,0312 0,0278 0,0326 0,0185 0,0811 333 0,0000 0,0185 0,0000 0,0000 0,0000 255 0,4077 0,4196 0,4462 0,4352 0,2717 257 0,0923 0,0357 0,0591 0,0741 0,0870 259 0,4231 0,4732 0,4355 0,4537 0,5652 261 0,0462 0,0179 0,0108 0,0000 0,0435 263 0,0308 0,0536 0,0484 0,0370 0,0326 215 0,2462 0,3571 0,2957 0,2407 0,2717 217 0,1000 0,0268 0,0538 0,0926 0,1087 219 0,6538 0,6161 0,6505 0,6667 0,6196 2003 DISCUSSÃO A análise de variância molecular (AMOVA) considerando cada ano separadamente indicou que toda a variação genética do conjunto de pirarucus foi observada dentro do total de indivíduos analisados (99,99%), sugerindo não haver subestruturação temporal. O índice de fixação par a par (Fst) não foi significativo para nenhuma combinação entre os anos (dados não mostrados), reforçando também a ausência de diferenças entre os períodos analisados. Os índices de heterozigosidade observada variaram de 0,539 (ano de 2005) a 0,608 (ano de 2002). Avaliação temporal da pesca pirarucu na Reserva Mamirauá do Estudos prévios usando indicadores ecológicos e sociais já indicavam um significativo crescimento populacional dos pirarucus da Reserva Mamirauá (VIANA et al., 2007; ARANTES et al., 2006). Esta rápida recuperação do estoque superou a previsão inicialmente feita por Queiroz; Sardinha (1999), que estimaram que esta população de pirarucus na Reserva Mamirauá poderia ser reduzida à metade do seu 76 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe tamanho em um período de seis anos devido à sobrepesca que estava sendo submetida antes da implementação do manejo. Segundo as análises destes autores, se a pesca fosse imediatamente suspensa, a população precisaria de pelo menos cinco anos para se recuperar e atingir novamente o equilíbrio populacional. Entretanto, os dados de acompanhamento da pesca coletados pelo Programa Manejo de Pesca (PMP) demonstram que o estoque não somente se recuperou em um intervalo de tempo menor que o previsto, como também aumentou em mais de 13 vezes em nove anos. Os processos que levaram a esse intenso e considerável aumento populacional certamente tiveram também efeitos na variabilidade e estrutura genética desta população ao longo destes nove anos de pesca manejada. Estes índices, provavelmente, são influenciados também por fatores biológicos relevantes, dentre os quais aspectos ecológicos e comportamentais, que podem estar colaborando efetivamente para isso, tais como a migração lateral e a capacidade de dispersão dos jovens e adultos. Neste contexto, o comportamento de migração lateral desempenhado pelos pirarucus parece ter grande importância nos níveis elevados de variabilidade genética e na similaridade entre diferentes anos de exploração por possibilitar a mistura entre indivíduos de lagos diferentes. Este comportamento parece explicar o grande compartilhamento de alelos observado por Araripe et al. (2013), que indicaram uma ausência de estruturação genética dentro do setor Jarauá evidenciado por valores de Fst Tabela 3 - Índices de heterozigosidade observada (Ho) e esperada (He) para as populações de pirarucus do setor Jarauá nos anos de 2002 a 2006 para sete locos microssatélites. Asterisco (*) corresponde a diferenças significantes (p<0,01). 2002 (N=65) Ano Locos 2003 (N=56) 2004 (N=93) 2005 (N=54) 2006 (N=46) Ho He Ho He Ho He Ho He Ho He AgCTm7 0,879 0,775 0,768 0,774 0,717 0,778 0,568 0,720 0.825 0,788 AgCAm20 0,500 0,530 0,500 0,543 0,462 0,538 0,481 0,575 0,400 0,548 AgCTm4 0,344 0,315 0,321 0,300 0,280 0,268 0,315 0,398 0,289 0,340 AgCAm15 0,738 0,725 0,661 0,649 0,591 0,646 0,685 0,626 0,609 0,600 AgCAm2 0,750 0,758 0,722 0,767 0,717 0,782* 0,667 0,770 0,730 0,790 AgCAm16 0,585 0,648* 0,500 0,609 0,548 0,614 0,574 0,612 0,522 0,608 AgCAm26 0,462 0,516 0,482 0,508 0,495 0,492 0,481 0,494 0,609 0,536 Média 0,608 0,603 0,565 0,593 0,544 0,556 0,539 0,599 0,526 0,601 77 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados não significante. Segundo este estudo, os lagos do Jarauá apresentam perfis genéticos semelhantes causados pela mistura entre indivíduos ao longo de gerações, o qual pode ser determinado no momento de retorno aos lagos durante a vazante em cada ciclo anual. Esse processo, acontecendo anualmente, promoveria uma mistura genética que, por sua vez, levaria a uma similaridade genética entre os diferentes anos de pesca, tais como observada na presente análise. Esse processo de migração lateral em ambientes de várzea observado promove uma mistura de indivíduos durante o período de cheia, quando grande parte dos pirarucus (adultos e juvenis) ocupa a floresta recém-alagada em busca de proteção e alimento. No retorno aos lagos, durante a vazante, segundo os dados genéticos, pode ocorrer sem que exista uma fidelidade de retorno ao lago de origem, como proposto por Araripe et al. (2013). Desta forma, anualmente, acontece uma efetiva mistura de pirarucus jovens e adultos de lagos próximos (fina escala), o que promove essa alta variabilidade genética no setor e a similaridade genética ao longo dos anos analisados. A Figura 1 ilustra a hipótese de retorno ao lago sem fidelidade obrigatória sugerida pelos dados genéticos. Nossos achados corroboram a hipótese de que pode ou não haver a fidelidade no retorno ao lago. Considerando o aspecto sedentário do pirarucu, acreditamos que esta conectividade entre as populações aconteça de forma efetiva nas várzeas da Amazônia, mas de forma gradual, ao longo do tempo e do espaço, levando à ausência de diferenças genéticas entre os anos. Para testar essa hipótese, sugerimos que sejam desenvolvidos estudos detalhados sobre a dispersão de adultos e juvenis de pirarucus usando marcação e acompanhamento remoto (GPS), além do contínuo acompanhamento genético destes indivíduos. De acordo com os dados obtidos, a migração lateral parece ser a principal causadora da homogeneização da população de pirarucus no tempo e no espaço (pequena escala; cerca de 25 km), mas seu raio de alcance é limitado pelo aspecto sedentário deste peixe. Essa limitação do deslocamento efetivo para a dispersão genética é responsável pela sutil diferença detectada entre localidade separadas por cerca de 100 km, como Jarauá e Maraã (ARARIPE et al., 2013), os maiores manejadores deste pescado dentro da Reserva Mamirauá, entretanto seria efetivo para manter a variabilidade genética dentro do conjunto de lagos ao longo do tempo. Neste cenário, a dispersão dos juvenis parece desta forma facilitar a homogeneização ao longo da distribuição da espécie, minimizando os efeitos do sedentarismo. Este deslocamento, associado à distribuição contínua da espécie, possibilita o fluxo gênico na reserva ao longo do tempo, mas a distância geográfica faz com que seja observada uma pequena diferenciação neste estoques em média escala (cerca de 100 km). 78 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe A Lago Floresta seca Lago B Lago Floresta seca Lago C Lago Floresta seca Lago Figura 1 - Representação da hipótese de retorno ao lago sem fidelidade obrigatória. Perfil do ambiente de várzea mostrando a dinâmica de dispersão dos pirarucus durante a seca (A e C) e cheia (B). Adaptado de Ayres (1995). 79 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados A variabilidade genética dos pirarucus da Reserva Mamirauá Comparando os índices de variabilidade genética estimada para os pirarucus do setor Jarauá com outras populações previamente estudadas foi possível observar que os estoques da Reserva Mamirauá apresentam heterozigosidade elevadas, assim como outras populações da bacia Amazônica, enquanto a população do sistema hídrico Araguaia – Tocantins apresentou índices menores (Tabela 4). A comparação entre as populações da calha principal do Rio Amazonas usando os mesmos marcadores microssatélites indicam valores de heterozigosidade muito semelhantes, exceto aquelas estudadas por Hamoy et al. (2008), que desenvolveu novos iniciadores para oito locos desenvolvidos por Farias et al., 2003. Por outro lado, a população de Santarém estudada por Farias et al., 2003 mostrou uma Ho mais elevada (0,63) que a estimada para o setor Jarauá (0,57) utilizando o mesmo conjunto de locos. Provavelmente, essa diferença é um reflexo da diferença no tamanho amostral nos dois estudos, já que em estudos de desenvolvimento de primers microssatélites, tal como de Farias et al. (2003), o número de indivíduos analisados é menor do que o necessário para estudos populacionais. Reforçando essa hipótese, o estudo desenvolvido por Carvalho (2008) analisando populações de pirarucus também de Santarém com os mesmos sete locos encontrou valores semelhantes àqueles estimados no presente trabalho. A baixa variabilidade genética na população de Tucuruí em relação às da calha principal da bacia Amazônica pode estar relacionada a diferenças geomorfológicas, hídricas e de histórico de exploração desta subbacia (HENDERSON, 1999; KIRSTEN et al., 2012). Uma vez que a capacidade de dispersão, assim como aspectos reprodutivos do pirarucu são intimamente relacionados com esses fatores ambientais, é possível que diferenças relacionadas à diversidade genética entre as mesmas sejam observadas. A heterozigosidade observada (Ho) é um dos índices mais utilizados para estimativa de variabilidade genética de populações (HAUSER et al., 2002; PEREZ-ENRIQUEZ et al., 1999, HARTL; CLARK, 1997). Entretanto, valores de Ho estimados a partir de diferentes locos não podem ser diretamente comparados, uma vez que esta heterozigosidade depende diretamente da quantidade de alelos do mesmo e do número de indivíduos analisados. Desta forma, comparar a heterozigosidade observada utilizando um conjunto de locos no pirarucu com aqueles estimados a partir de outro conjunto de locos microssatélites (da mesma espécie ou não) requer cuidado, sendo necessário atentar para o número médio de alelos por locos, pois quanto mais informativo o marcador (ou seja, quanto mais alelos identificados), maior é a heterozigosidade esperada. O impacto do manejo na variabilidade genética dos pirarucus do Jarauá Uma pressão pesqueira exercida de forma intensiva e prolongada sob uma população pode levar a uma diminuição no seu tamanho efetivo e, consequentemente a alterações na diversidade genética da mesma 80 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe Tabela 4: Índices de diversidade genética estimados para populações de pirarucus usando marcadores microssatélites. São indicados número de indivíduos analisados (N), número de locos, médias de heterozigosidade observada (Ho) e esperada (He), número médio de alelos por loco e fonte. N Número de locos Média de Ho Média de He Alelos por loco Jarauá – RDSM – AM 314 7 0,56 0,59 6,4 Este trabalho Jarauá e Maraã – RDSM – AM 463 7 0,57 0,60 7,1 ARARIPE (2008) Juruti – PA 32 8 0,69 0,72 8,0 HAMOY et al. (2008) Santarém – PA 60 7 0,55 0,59 4,9 CARVALHO (2008) Santarém – PA 15 7 0,63 0,66 4,7 FARIAS et al. (2003)* Santarém – PA 15 14 0,57 0,62 4,3 FARIAS et al. (2003) Tucuruí – PA 38 7 0,48 0,49 3,1 SOUZA (2006) Localidade Fonte * Dados de FARIAS et al. (2003) somente com os sete locos utilizados neste trabalho destas populações podem ter um papel determinante para essa variabilidade. Dentre estes, a possibilidade de que a Reserva Mamirauá funcione como uma fonte de pirarucus para outras áreas deve também ser considerada. A localização geográfica da reserva, em uma região plana e de baixa altitude, pode levar a uma tendência de migração de pirarucus das áreas adjacentes para dentro da reserva ao longo do ciclo hídrico, a qual funcionaria como um refúgio. Esse mesmo padrão pode estar acontecendo ao longo da extensa área de várzea do Rio Amazonas, que é o maior ambiente de floresta alagada da Amazônia, com aproximadamente 200.000 Km2 (AYRES, 1995). A região onde está inserida a Reserva Mamirauá, é uma das porções onde este ambiente apresenta maior área e por isso poderia abrigar uma maior quantidade deste recurso. Essa hipótese de que os pirarucus da várzea do Mamirauá estariam se comportando segundo um modelo fonte-sumidouro ainda deve ser testado. (FRANKHAM et al., 2010). Estes efeitos ameaçadores podem, entretanto, ser minimizado por estratégias como uma pressão de pesca direcionada e controlada, tal como ocorre com as populações manejadas. Nestas situações, o monitoramento genético pode ser de grande utilidade para avaliação destas atividades por estabelecer parâmetros comparáveis dentro das populações ou entre espécies. No caso da caracterização genética dos pirarucus do Jarauá, foi constatada a presença de mais alelos identificados nesta localidade do que em outras localidades também na bacia amazônica usando os mesmos marcadores. É importante ressaltar que essa alta variabilidade genética encontrada na população de pirarucus da reserva pode ser resultado de diferentes fatores, que podem e devem contribuir para a diversidade genética observada nesta área, dentre eles o manejo. Fatores como a pressão pesqueira diferenciada, aspectos ambientais e demográficos 81 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados os índices de variabilidade, tais como a heterozigosidade e o número de alelos, possivelmente seriam mais baixos, uma vez que alelos de baixa frequência poderiam desaparecer dessa população como efeito desta sobrepesca. Além disso, estratégias como revezamento dos lagos e a classificação de lagos que são ou não explorados também parecem ter tido grande importância para que a diversidade genética deste estoque se mantivesse em níveis satisfatórios. Desta forma, sugerimos que esta análise seja continuada para acompanhamento desses parâmetros de diversidade ao longo de um período maior, assim como já realizado com outras espécies de peixes submetidas à sobre-exploração, tal como o realizado com Pagrus auratus, na qual um monitoramento ao longo de 50 anos mostrou uma significante diminuição na heterozigosidade para este recurso (HAUSER et al., 2002). Além disso, a determinação da capacidade máxima de retirada de pirarucus nestas áreas ainda precisa ser realizada através do uso de diferentes ferramentas, uma vez que a cota de 30% do total de adulto foi estabelecida sem que tenha havido um estudo avaliando sua eficiência. É importante lembrar ainda que outros aspectos, além desta capacidade máxima de retirada, devem ser considerados no estabelecimento desta cota, tais como as condições logísticas desta atividade pesqueira e a comercialização. Amaral (2007) coloca a comercialização como o principal gargalo no processo de produção pesqueira da região e estas questões devem ser amplamente discutidas antes de se manter ou aumentar o número de adultos anualmente retirados. As pequenas flutuações nas frequências e composição alélica entre os anos analisados indicaram que não houve significativa perda de variabilidade de cinco anos de pesca no Jarauá. Entretanto, é importante ressaltar que o intervalo de tempo estudado é muito curto para que mudanças genéticas profundas possam ser detectadas. Nós sugerimos fortemente a continuidade do monitoramento genético, usando como referência os parâmetros gerados neste estudo. O acompanhamento genético de populações vem sendo uma importante ferramenta aplicada em espécies de importância ecológica e econômica (FONTAINE et al., 1997). A comparação de aspectos, tais como a heterozigosidade e o número de alelos podem ser importantes indicativos de que processos relacionados à diminuição populacionais, como sobrepesca e efeito gargalo de garrafa (bottleneck) que estejam agindo e possam ser diagnosticados nestas populações (CHISTIAKOV et al., 2006). A cota de pesca do pirarucu Os níveis de variabilidade genética ao longo destes cinco anos de monitoramento dos pirarucus da Reserva Mamirauá sugerem que a cota de pesca anualmente autorizada pelo IBAMA parece ser eficiente no sentido de evitar uma diminuição da diversidade genética causada pela pesca anual. Análises de produção máxima sustentável antes da implementação do manejo indicavam que, aparentemente, a quantidade de pirarucus abatidos estava próxima ou acima dos limites que o modelo sustentável estabelecia (QUEIROZ; SARDINHA, 1999). Caso a pesca do pirarucu tivesse se mantido neste nível, 82 Avaliação genética do manejo do pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Mamirauá • Juliana Araripe CONCLUSÕES Através desta primeira análise genética de pirarucus manejados no setor Jarauá (Reserva Mamirauá), foi possível determinar que esta população apresenta uma elevada variabilidade genética e grande similaridade genética entre os cinco anos de acompanhamento. Provavelmente, fatores ecológicos e ambientais como o processo de migração lateral e de dispersão dos juvenis no retorno aos ambientes mais baixos têm um papel importante neste processo. Além disso, no presente estudo, foi possível fazer a primeira caracterização genética dos pirarucus manejados, servindo estes dados como referência para monitoramento constante dos impactos da pesca sobre essas populações. A cota que vem sendo aplicada para pesca deste recurso não causou alterações no perfil genético dos pirarucus neste estudo preliminar. Nós recomendamos, fortemente, que seja realizado de forma contínua o monitoramento genético dos pirarucus da Reserva Mamirauá, uma vez que este mostrou ser uma importante ferramenta para o direcionamento das estratégias do manejo deste recurso pesqueiro. Caroline Arantes, assim como Simoni Santos e Luciana Watanabe pelo auxílio no desenvolvimento do projeto. REFERÊNCIAS AMARAL, E. S. A comunidade e o mercado: os desafios na comercialização de pirarucu manejado das Reservas Mamirauá e Amanã, Amazonas – Brasil. UAKARI v. 3, n. 2, p. 7 17, 2007. ARANTES, C. C.; GARCEZ, D. S.; CASTELLO, L. Densidades de pirarucu (Arapaima gigas, Teleostei, Osteoglossidae) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, Amazonas, Brasil. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Amazonas. UAKARI, v. 2, p. 37 - 43, 2006. ARARIPE, J; RÊGO, P. S.; QUEIROZ, H; SAMPAIO, I.; SCHNEIDER, H. 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Manejo de pirarucus (Arapaima gigas) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, In: ÁREAS Aquáticas Protegidas como Instrumento de Gestão Pesqueira. Brasília: MMA, 2007. p. 239 - 261, 2007. (Série Áreas Protegidas do Brasil, 4). Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz FAUNA MACROBENTÔNICA DE LAGOS DE VÁRZEA COMO INDICADOR DE IMPACTO DA PESCA MANEJADA DE PIRARUCUS Lorena Almeida José Souto Rosa-Filho Daiane Aviz Helder L. Queiroz RESUMO O objetivo deste trabalho foi estudar as variações espaço-temporais das associações macrobentônicas dos lagos de várzea da Reserva Mamirauá (Amazonas, Brasil), correlacionando tais flutuações às mudanças ambientais naturais da região e aquelas advindas da retirada das macrófitas aquáticas durante a pesca manejada do pirarucu (Araipamas gigas), utilizando como descritores a densidade, riqueza, diversidade e equitatividade. As coletas ocorreram em novembro de 2009 (Seca – quando ocorre a pesca do pirarucu) e maio de 2010 (Cheia – sem pesca). Foram selecionados oito lagos, sendo quatro classificados como lagos com pouca atividade da pesca (PAP) e quatro classificados como lagos com intensa atividade da pesca (IAP). Para a coleta,utilizou-se um pegador de fundo tipo VanVeen (20x20x20 cm). Em laboratório, as amostras foram lavadas em malha de 0.3 mm e os organismos fixados em formol a 5% e identificados ao menor nível taxonômico possível. A fauna foi composta por 38 taxa pertencentes aos filos Annelida, Mollusca e Arthropoda. Observou-se que, em ambos os períodos hidrológicos, os lagos IAP foram mais ricos e diversos. Os lagos PAP apresentaram as maiores densidades em ambos o períodos. Os resultados da CCA demonstraram não haver diferença entre os descritores biológicos na estrutura da macrofauna bentônica entre os lagos PAP e IAP em ambos os períodos analisados. Dessa forma, a variação espaço-temporal na estrutura da macrofauna bentônica, é provavelmente, mais bem explicada pelo regime hidrológico e padrões espaciais naturais e não pela retirada das macrófitas aquáticas durante a pesca manejada do pirarucu (Araipamas gigas). ABSTRACT The objective of this work was to study the spatial and temporal variations of associations macrobentônicas várzea floodplain lakes Mamirauá (Amazonas, Brazil), correlating these fluctuations the region’s natural environmental changes and those arising from the removal of macrophytes during the pirarucu fisheries managed (Araipamas gigas), using descriptors such as density, richness, diversity and evenness. the collections occurred in November 2009 (low water period - occurs when 87 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados vivem em áreas afastadas do litoral e onde a criação de gado é difícil (BÖHLKE et al., 1978). Dentre as espécies de peixes mais utilizadas na alimentação dos ribeirinhos, o pirarucu (Araipamas gigas) é um dos mais importantes recursos pesqueiros da Amazônia (QUEIROZ; SARDINHA, 1999). Sendo que a pesca manejada dessa espécie na Reserva Mamirauá é feita pelas comunidades pescadoras que habitam o local, utilizando-se de um consórcio de redes de emalhar com arpões (QUEIROZ; SARDINHA, 1999). Nestes lagos, grande parte da vegetação aquática litorânea, formada por espécies de macrófitas presas ao substrato e por algumas outras flutuantes, é retirada para aumentar a vulnerabilidade dos peixes adultos, que ficam escondidos sob as mesmas. Ao tentarem buscar novos refúgios, ou ao virem à superfície para respirar, os animais são arpoados, trazidos até canoas (pequenos barcos sem motor) e abatidos com golpes na região craniana (VIANA et al., 2007). A retirada de macrófitas realizada na pesca do pirarucu pode contribuir para degradação do ambiente aquático devido modificações principalmente na região litorânea dos corpos d´água (ESTEVES, 1998). Como consequências disso, mudanças na biota aquática podem ocorrer, levando à perda de diversidade do sistema (FIDELIS et al., 2008). Dentre as comunidades biológicas potencialmente afetadas pelas modificações advindas dos artifícios da pesca do pirarucu, está a dos macroinvertebrados aquáticos. Estes organismos são um importante componente do sedimento de fishing for pirarucu) and May 2010 (high water period - no fishing). Eight were selected lakes, four classified as lakes with little fishing activity (PAP) and four classified as lakes with intense fishing (IAP). To collect used a gripper bottom type VanVeen (20x20x20 cm). In the laboratory the samples were washed in 0.3 mm mesh and organisms fixed in 5% formalin and identified to the lowest possible taxonomic level. The fauna comprised of 38 taxa belonging to the phyla Annelida, Mollusca and Arthropoda. It was observed that in both hydrological periods lakes IAP were more rich and diverse. The PAP lakes had higher densities in both periods. The results of the CCA showed no difference between the biological descriptors in the structure of benthic macroinvertebrates among lakes PAP and IAP in both periods. Thus, the time-space variation in the structure of benthic macroinvertebrates, is probably best explained by the hydrological and natural spatial patterns and not by the removal of aquatic weeds while fishing handled the pirarucu (Araipamas gigas). INTRODUÇÃO As áreas da Amazônia sujeitas à inundação periódica por rios de água branca, como o Solimões e o Amazonas são denominadas de várzeas. A pesca nas várzeas, e em especial nos lagos de várzea, é considerada uma das principais atividades responsáveis pela principal fonte de proteínas e renda para muitas comunidades ribeirinhas (QUEIROZ; CRAMPTON, 1999). O que faz da várzea um ecossistema de fundamental importância para as populações que 88 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz peraturas entre 30 ºC e 33 ºC. As médias das temperaturas mínimas oscilam entre 21 ºC e 23 ºC, com pequena amplitude térmica mensal (entre 8 ºC e 10 ºC), e alta precipitação pluviométrica (2200 – 2400 mm/ano) (PROJETO Mamirauá, 1996). Na região amazônica, as estações climáticas constituem dois períodos distintos pelos índices pluviométricos, um período de cheia (maio a julho) e um de seca (outubro a dezembro). Sendo que os meses de junho e outubro são os meses de pico do período de cheia e do período de seca, respectivamente (RAMALHO et al., 2009). rios e lagos, sendo fundamentais para dinâmica de nutrientes, a transformação de matéria e o fluxo de energia (CALLISTO; ESTEVES, 1995), é também, reconhecidamente, um dos componentes biológicos mais adequados para estudos de impacto e para o monitoramento de longo prazo destes (MONTEIRO, 2008). Tendo em vista a grande importância da pesca manejada do pirarucu na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, e em várias outras partes da Amazônia, avaliações cuidadosas do impacto ambiental dessa atividade são extremamente importantes para o aperfeiçoamento e continuidade dos programas de manejo. Este trabalho teve como objetivo estudar as variações espaço-temporais das associações macrobentônicas dos lagos de várzea da Reserva Mamirauá, correlacionando tais flutuações às mudanças ambientais naturais da região e aquelas advindas da retirada das macrófitas aquáticas durante a pesca manejada do pirarucu (Araipamas gigas). Locais de Amostragem As coletas foram realizadas nos períodos seco (novembro/2009) e chuvoso (maio/2010) em oito lagos, do Setor Jarauá, na Reserva Mamirauá, sendo quatro lagos considerados como Lagos com Pouca Atividade de Pesca (PAP) e quatro lagos considerados como Lagos com Intensa Atividade de Pesca (IAP). Os lagos escolhidos para a classe de intensidade PAP foram: Tucunarezinho do Panema, Ressaca do Panema, Ressaca do Tucuxi e Baixo do rio. Os lagos definidos como IAP são: Poço do Matá-matá, Poção, Cedrinho do Jaraqui e Curuçá do Centro (Figura 2). A classificação dos lagos para cada categoria de intensidade de pesca foi feita por meio da quantificação dos pirarucus pescados em seu interior, e na sua frequência de uso como ambiente de pesca manejada. Os lagos classificados como PAP estão localizados na Zona de Proteção Integral e de Manutenção da Reserva Mamirauá, onde a pesca maneja não ocorre, ou ocorre estritamente MATERIAL E MÉTODOS Área de Estudo A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) está localizada na confluência dos rios Solimões e Japurá, próxima à cidade de Tefé (Estado do Amazonas, Brasil) (Figura 1). Esta área é considerada uma das maiores unidades de conservação em áreas alagadas do Brasil, sendo a única unidade de conservação completamente dedicada à proteção de grandes áreas de várzea (QUEIROZ, 2007).O clima na Reserva Mamirauá caracteriza-se por uma temperatura média do ar elevada, com tem- 89 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados para a alimentação e subsistência das comunidades ribeirinhas. Por sua vez, os lagos inseridos na classe IAP, localizamse na zona de Uso Sustentável ou de Comercialização da reserva, onde a pesca manejada ocorre anualmente em larga escala. A tabela 1 apresenta a quantidade de pirarucus pescados em oito anos de pesca manejada em cada lago analisado. Tabela 1 – Quantidade total de pirarucus (Araipamas gigas) pescados nos lagos estudados entre os anos 1999-2007. (Fonte: IDSM) Classes de Intensidade da Pesca PAP IAP Lagos Média de pirarucus pescados/ano Ressaca do Panema 90 Ressaca do Tucuxi 82 Tucunarezinho do Panema 88 Baixo do Rio 102 Poço do Matá-matá 244 Cedrinho do Jaraqui 256 Curuçá do centro 160 Poção 598 Figura 1 – Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá localizada nas confluências dos rios Solimões e Japurá, Tefé, Amazonas, Brasil, destacando a área de estudo (pontos A, B, C, D, E, F, G e H). (Adaptado de LOPES; QUEIROZ, 2009). 90 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz (mg/l) e condutividade elétrica (μS/cm), utilizando-se a Sonda Multiparamétrica YSI 6600. Dados de nível da água dos períodos analisados foram obtidos no site do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Análise dos Dados Para cada amostra biológica, foi calculada densidade (número de indivíduos por metro quadrado), riqueza (número de táxons presentes), diversidade (índice de Simpson) e equitatividade (índice de J´ de Pillou). Estes descritores foram comparados entre os lagos das duas classes de intensidades de pesca, utilizando análise de variância unifatorial e bifatorial (ANOVA). Anterior às análises de variância foi testada a normalidade da distribuição dos dados (teste de Kolmogorov-Smirnov) e a homogeneidade das variâncias (teste de Levene). Sendo que os dados, sempre que necessário, sofreram transformação logarítmica (Log(x+1)) de acordo com Clarke e Warwick (1994). Nessas análises, foi utilizado o nível de significância de 5%. Para descrever quais variáveis ambientais físicas e químicas analisadas melhor caracterizavam os períodos hidrológicos e as classes de intensidade da pesca, recorreu-se a Análise dos Componentes Principais (PCA). Além disso, utilizou-se Análise de Correspondência Canônica (CCA) para avaliar a correlação entre as variáveis ambientais e biológicas. As análises dos dados biológicos e abióticos foram realizadas empregando os aplicativos Statistica 8.0, Primer 6.0 e Sysgran 3.0. A pesca manejada do pirarucu (Araipama gigas) ocorre apenas durante o período seco, ocasião em que os peixes se concentram nos canais e lagos, que se encontram isolados uns dos outros (SAINT-PAUL et al., 2000; SILVANO et al., 2000; GALACATOS et al., 2004). Dessa forma, a primeira ocasião de coleta (período seco) ocorreu durante a pesca manejada do pirarucu. Sendo que é durante esse período que ocorre a intensa retirada das macrófitas aquáticas fixas no substrato, que são arrancadas e abandonadas nos próprios lagos. Coleta Biológica e das Variáveis Ambientais Em cada lago, foram definidos, de forma aleatória, quatro pontos de amostragem na região litorânea, equidistantes entre si o suficiente para que cada amostra fosse independente. Em cada ponto, em cada ocasião, foram coletadas três amostras biológicas com auxílio de um pegador de fundo tipo Van Veen (20x20x20 cm). Após coletadas, as amostras foram passadas em malha de 0.3 mm de abertura e o material retido foi acondicionado em sacos plásticos com solução de formol a 5% (LINCOLN; SHEALS, 1979). O material retido nas malhas foi triado em laboratório, sob microscópio estereoscópico e microscópio óptico; os espécimes coletados foram identificados ao menor grupo taxonômico possível e conservados em álcool etílico a 70%. Paralelo à coleta biológica, para cada ponto, foi coletada uma amostra de sedimento para análises granulométricas, além de variáveis físicas e químicas da água, tais como: temperatura (ºC), pH, oxigênio dissolvido 91 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados RESULTADOS pH, oxigênio dissolvido e temperatura da água. Enquanto que as amostras da cheia se diferenciam por apresentar maior condutividade elétrica. Dados Ambientais Os períodos hidrológicos apresentaram grande distinção com relação às variáveis ambientais. Como exemplo, observou-se que o nível da água apresentou variação entre os períodos analisados (Figura 2). Os lagos da classe IAP apresentaram os maiores valores de profundidade dos pontos em ambos os períodos (Figura 3). Na figura 3, é possível observar a distinção entre os períodos de seca e cheia com base nos resultados da PCA utilizando variáveis ambientais (parâmetros físico-químicos da água, texturais do sedimento e profundidade das amostras coletadas). O Eixo 1 explicou 49% da variação dos dados ambientais, separando as amostras do período da seca das amostras do período de cheia. Já o Eixo 2 não mostrou uma separação clara das amostras, explicando apenas 29% da variação encontrada. De acordo com o gráfico, as amostras do período de seca apresentaram maiores valores de Associações de macroinvertebrados bentônicos e impactos mensuráveis Composição A macrofauna bentônica foi composta por 1198 indivíduos pertencentes a 38 taxa, distribuídos em três filos: Annelida (dois taxa), Mollusca (seis taxa) e Arthropoda (30 taxa) (Tabela 2). O período da seca apresentou maior número de taxa (12), sendo que entre as classes de intensidade da pesca, os lagos IAP apresentaram maior número de taxa em ambos os períodos hidrológicos. Durante o período da seca, apenas 3 taxa foram exclusivos da classe PAP, 17 foram exclusivas da classe IAP e 9 taxa estiveram presentes em ambas as classes. Na cheia, nenhum taxa foi exclusivo da classe PAP, enquanto que 14 taxa foram exclusivos da classe IAP e 5 taxa pertenceram a ambos os períodos estudados. Precipitação (mm) Nível da água (m) 14 12 35 10 33 31 8 29 6 27 4 25 2 23 Precipitação (mm) Nível da água (m) 37 0 mai/09 jun/09 jul/09 ago/09 set/09 out/09 nov/09 dez/09 jan/10 fev/10 mar/10 abr/10 mai/10 (Fonte: IDSM, 2011) Figura 2 – Variação do nível da água entre os meses maio de 2009 e maio de 2010, na reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil. 92 4 Seco - PAP Seco - IAP Cheia - PAP Cheia - IAP 2 % Areia Oxigênio dissolvido PC2 % Silte Condutividade elétrica Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz 0 -2 -4 -6 -4 -2 Oxigênio dissolvido Condutividade elétrica PC1 2 0 4 Profundidadede Figura 3 – Resultado gráfico da Análise de Componentes Principais (PCA) das amostras dos lagos de várzea da reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil, durante a seca e a cheia (Legenda: PAP – Pouca Atividade Pesqueira; IAP – Intensa Atividade Pesqueira). Tabela 2 – Presença e ausência de táxons da macrofauna bentônica em dois diferentes níveis de intensidade pesqueira nos lagos de várzea da Reserva Mamirauá (Tefé, Amazonas, Brasil) durante a Seca (novembro/2009) e Cheia (maio/2010). Seca Táxon Bivalvia (Mollusca)* Gastropoda (Mollusca)* Gastropoda 1 (Mollusca)* Hidrobiinae (Mollusca) Physidae (Mollusca) Planorbinae (Mollusca) Tubificinae imaturo (Annelida, Clitellata)* Naidinae (Annelida, Clitellata) Aulodrilus pigueti (Annelida, Clitellata) Pristina proboscidea (Annelida, Clitellata) Pristina osborni (Annelida, Clitellata) Pristina americana (Annelida, Clitellata) Dero (Aulophorus) sp. (Annelida, Clitellata) Opistocysta funiculus (Annelida, Clitellata) Cheia PAP IAP PAP IAP X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Nais pseudobtusa (Annelida, Clitellata) Stephensoniana trivandrana (Annelida, Clitellata) Hirudinea (Annelida, Clitellata) 93 X Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Seca Táxon PAP Polypedilum sp. A (Arthropoda, Insecta) Polypedilum sp. B (Arthropoda, Insecta) Labrundinia sp. (Arthropoda, Insecta) Cladopelma sp. (Arthropoda, Insecta) Pelomus psamophilus (Arthropoda, Insecta) Axarus sp. (Arthropoda, Insecta) Fissimentum sp. (Arthropoda, Insecta) Tanytarsus sp. A (Arthropoda, Insecta) Tanytarsus sp. B (Arthropoda, Insecta) Tanipus sp. (Arthropoda, Insecta) Asheum sp. (Arthropoda, Insecta) Chironomus sp. A (Arthropoda, Insecta) Chironomus sp. C (Arthropoda, Insecta) Chironomus sp. D (Arthropoda, Insecta) Coelotanypus sp. 1 (Arthropoda, Insecta) Coelotanypus sp. 2 (Arthropoda, Insecta) Ablabesmya (Karelia) sp. (Arthropoda, Insecta) Ablabesmya Gr. annulata (Arthropoda, Insecta) Caladomyia ortoni (Arthropoda, Insecta) Sarcophagidae (Arthropoda, Insecta) Ceratopogonidae (Arthropoda, Insecta) Diptera (Arthropoda, Insecta) Larva Diptera (Arthropoda, Insecta) Ephemeptera (Arthropoda, Insecta) Polymitacidae (Arthropoda, Insecta) Coleoptera (Arthropoda, Insecta) Odonata (Arthropoda, Insecta) Libellulidae (Arthropoda, Insecta) Gomphidae (Arthropoda, Insecta) Decapoda (Arthropoda, Crustacea) Ostracoda (Arthropoda, Crustacea) Amphipoda (Arthropoda, Crustacea) Riqueza (nº de taxa) Cheia IAP PAP IAP X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 15 40 X X 9 21 (*) Indivíduos juvenis ou imaturos não identificados Descritores biológicos classes de intensidade da pesca e, a diversidade também não apresentou diferença significativa entre os períodos hidrológicos analisados. Para nenhum dos descritores, os fatores agiram conjuntamente na estruturação da comunidade de invertebrados bentônicos. Os descritores biológicos apresentaram variação significativa entre as classes de intensidade da pesca (Tabela 3) e entre os períodos hidrológicos. Apenas a densidade e a equitatividade não variaram significativamente entre as 94 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz Tabela 3 – Resultado da ANOVA para os descritores densidade, riqueza, diversidade e equitatividade, utilizando os fatores lagos e períodos hidrológicos. Reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil. Variáveis Densidade (ind.m-2) Riqueza (nº de taxa) Diversidade (D) Equitatividade (J´) F P F P F p F P Classe de Intensidade da Pesca (1) 0.03 0.85 7.50 0.00** 3.11 0.07 1.80 0.18 Períodos Hidrológicos (2) 12.35 0.00** 16.57 0.00** 4.88 0.02* 7.51 0.00** Interação (1 – 2) 0.01 0.89 1.37 0.24 0.01 0.90 0.15 0.69 (*) Valor significativo: p<0.05; (**) Valor altamente significativo: p<0.01( A densidade foi mais alta durante o período seco, em praticamente todos os lagos amostrados. Já entre as classes de intensidade da pesca, houve pequena variação, sendo que os lagos PAP foram sempre os mais densos, pela alta densidade de organismos no lago Baixo do Rio (Figura 4). A riqueza, diversidade e equitatividade foi relativamente mais alta no período seco, em praticamente todos os lagos. Os valores desses índices foram sempre maiores nos lagos IAP em ambos os períodos hidrológicos, principalmente, nos lagos Poço do Matá- matá e Poção, os mais densos dentro do grupo IAP (Figura 4). Figura 4 - Valores médios e erro padrão dos descritores densidade (A), riqueza (B), diversidade (C) e equitatividade (D) ao longo dos períodos hidrológicos e lagos amostrados na Reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil. 95 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados DISCUSSÃO Embora tenham sido encontradas diferenças significativas entre IAP e PAP para alguns parâmetros, estes não parecem ser relacionados a impacto que estes sofreriam com a retirada das macrófitas. Por exemplo, locais onde as macrófitas estão ausentes deveriam apresentar maiores temperaturas na água, pois os raios solares incidiram diretamente na superfície dos lagos (PAYNE, 1986). Além disso, locais com macrófitas era de se esperar maiores taxas de oxigênio dissolvido, visto que tais organismos estão entre os que apresentam maior produtividade primária em ambientes aquáticos (ESTEVES, 1998). A retirada da vegetação enraizada da região litorânea dos lagos poderiam ainda resultar na mudança da Relação entre as variáveis ambientais e as biológicas O resultado da CCA (Figura 5) apresenta as correlações entre os parâmetros ambientais e os parâmetros biológicos, entre as classes de intensidade da pesca, durante a seca. É possível observar que os lagos IAP apresentaram correlações positivas com a profundidade e negativa com a condutividade elétrica, enquanto que os lagos PAP apresentaram correlações positivas com parâmetros granulométricos, como % de argila e % de silte. Durante a cheia (Figura 6), a grande maioria das amostras dos lagos PAP apresentou correlação negativa com % de areia, enquanto que as amostras dos lagos IAP apresentaram correlações positivas com a profundidade dos pontos. Figura 5 - Resultado gráfico da Análise de Correspondência Canônica (CCA) realizada para o período da Seca (Nov/2009) nos lagos IAP e PAP, Reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil. 96 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz Figura 6 – Resultado gráfico da Análise de Correspondência Canônica (CCA) realizada para o período da Cheia (mai/2010) nos lagos IAP e PAP, Reserva Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil. vegetais subsidiam grandes quantidades de oxigênio para a fauna, possibilitando assim, a seus colonizadores, local para postura de ovos, o que proporciona condições ótimas para a sobrevivência de muitos grupos animais (MASTRANTUONO, 1986, WARD, 1992). Dessa forma, caso houvesse impacto da retirada das macrófitas nos locais impactados (IAP), estes apresentariam baixos valores de riqueza e diversidade, o que não foi verificado neste trabalho. Os lagos impactados acabaram por serem os lagos mais ricos e mais diversos. Os resultados do PCA para os parâmetros ambientais demonstraram não haver uma separação dos lagos em classes de intensidade da pesca em ambos os textura do sedimento, por processos de erosão e assoreamento (PAYNE, 1986). Porém, nenhuma das situações ocorreu neste estudo, pois os lagos considerados impactados pela retirada das macrófitas foram os que apresentaram maiores taxas de oxigênio dissolvido e, além disso, a temperatura da água e características dos sedimentos foram semelhantes entre as classes de intensidade da pesca. Sendo assim, a retirada das macrófitas pareceu não alterar os parâmetros físico-químicos da água, sendo que estes variaram naturalmente pela flutuação anual no nível da água. Sabe-se que as macrófitas aquáticas são um dos componentes aquáticos mais importantes para as comunidades de macroinvertebrados bentônicos. Esses 97 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados períodos hidrológicos. Isto indica que a retirada das macrófitas aquáticas não altera significativamente as variáveis ambientais dos lagos classificados como IAP. Dessa forma, as maiores variações nos parâmetros ambientais foram influenciadas principalmente pela flutuação anual do nível da água e localização geográficas dos lagos. Os lagos de várzea da Reserva Mamirauá, apresentaram variações nas suas características ambientais, relacionadas principalmente com a sazonalidade local, ou seja, mudanças nas condições hidrológicas devido ao aumento dos índices de precipitação pluviométrica na região. As chuvas na região amazônicas são o principal agente modificador das características ambientais dos ambientes aquáticos (PADOCH et al., 2009). Pelas análises, foi possível observar que houve uma separação clara entre as amostras do período da seca e da cheia, essa grande distinção se dá principalmente como consequência do pulso de inundação, o qual influencia, principalmente, a variação dos parâmetros físico-químicos dos lagos de várzea (JUNK, 1989). Além disso, as amostras da Seca apresentaramse mais dispersas que as amostras da Cheia. Isso ocorreu pelo fato de que, durante a seca, os lagos ficam isolados, apresentando assim características distintas uns dos outros. Fato diferente ocorre no período mais chuvoso, no qual os lagos se conectam uns aos outros, sendo caracterizados por apresentarem parâmetros ambientais semelhantes (HENDERSON, 1999; THOMAZ et al., 2007). Apesar de apresentarem parâmetros ambientais semelhantes no período chuvoso, ocorreu a formação de agrupamentos entre os lagos no gráfico de PCA, do período chuvoso. Os lagos que se agruparam, no geral, estão geograficamente próximos uns dos outros e, dessa forma, estes podem estar mais conectados entre si do que com os outros grupos durante o período chuvoso. A composição da macrofauna bentônica dos lagos de várzea da Reserva de Mamirauá é semelhante à de várias regiões lacustres do mundo (VOLKMERRIBEIRO et al., 2006), do Brasil (CALLISTO; ESTEVES, 1998; RODRIGUES; HARTZ, 2001) e a de lagos de várzea e de terra firme da Amazônia (FITTKAU et al., 1975; NESSIMIAN, 1998), com dominância numérica de Oligochaeta, Mollusca e larvas de Diptera, que é também típica de ambientes lênticos (ESTEVES, 1998; ODUM, 2004). Os principais táxons representantes dos dípteros no presente trabalho foram os Chironomidae, que é caracterizada por apresentar espécies com grande adaptação à variação do nível da água, sendo que algumas podem até suportar condições hipóxicas (NESSIMIAN, 1998; CALLISTO, 2000; BUSS et al., 2004). O decréscimo na densidade e na riqueza registrado durante o período chuvoso concorda com trabalhos realizados nos lagos de várzea da Reserva Mamirauá (QUEIROZ, 2007), no rio Guapimirim no sudeste do Brasil (BUSS et al., 2004) e nos lagos do baixo rio São Francisco (DEWSON, 2007). A densidade e a 98 Fauna macrobentônica de lagos de várzea como indicador de impacto da pesca manejada de pirarucus • Lorena Almeida • José Souto Rosa-Filho • Daiane Aviz • Helder L. Queiroz CONCLUSÃO riqueza são influenciadas negativamente pelo aumento das chuvas durante o período chuvoso, pois a grande descarga dos rios causa a desestruturação do sedimento, dificultando o assentamento de espécies (HIGUTI; TAKEDA, 2002; BUSS et al., 2004). As maiores abundâncias de Chironomidae foram registradas durante o período seco, o que concorda com estudos feitos por Higuti e Takeda (2002), Aburaya; Callil (2007) e Silva et al. (2009), nos quais foi observado que houve incremento na quantidade indivíduos dessa família durante o período de estiagem. No presente estudo, as maiores densidades de Chironomidae foram observadas nos lagos Poço do Matá-matá e Poção, isso se deveu, provavelmente às altas taxas de oxigênio dissolvido presente nesses lagos, o que proporcionou maior facilidade no estabelecimento de taxa dessa família (ARMITAGE et al., 1995). No presente estudo, procurou-se explicar as variações espaço-temporais na estrutura das comunidades macrobentônicas por meio de duas hipóteses: (1) as variações na estrutura da comunidade são relacionadas principalmente pelas flutuações ambientais naturais dos lagos, sem efeito significativo da retirada das macrófitas durante a pesca manejada do pirarucu; e (2) as variações na estrutura da comunidade são relacionadas principalmente às modificações ambientais nos lagos, advindas da retida das macrófitas aquáticas para a pesca manejada do pirarucu, pelo menos no período seco. Considerando que não foi possível detectar mudanças nos parâmetros ambientais, causadas possivelmente pela retirada das macrófitas aquáticas nos lagos intensamente pescados, a primeira hipótese foi a mais apoiada pela análise dos dados biológicos. Não ocorreram mudanças significativas na composição, abundância, riqueza e diversidade, e consequentemente na estrutura das associações bentônicas entre os lagos intensamente pescados (IAP) e aqueles sem a atividade (PAP). Dessa forma, a variação espaçotemporal na estrutura da macrofauna bentônica é, provavelmente, mais bem explicada pelo regime hidrológico e padrões espaciais naturais e não pela retirada das macrófitas aquáticas durante a pesca manejada do pirarucu (Araipamas gigas). Tal conclusão poderá ser mais bem embasada após estudos e monitoramentos em longo prazo, levando em consideração que diversas variáveis não analisadas nesse estudo possam influenciar na distribuição espacial e temporal da fauna bentônica. AGRADECIMENTOS À Drª Alice Takeda e seus orientandos de mestrado Gisele Pinha e Rômulo Behrend, pelo auxílio na identificação dos Oligochaeta e Chironomidae. Agradecemos ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá 99 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados - IDSM pelo financiamento do projeto. E à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudo concedida. REFERÊNCIAS Decreased Flow for Instream Habita ande Macroinvertebrates. Journal of the North American Benthological Society, v. 26, p. 401-415. 2007. ESTEVES, F. A. Fundamentos de Limnologia. Rio de Janeiro: Interciência, 1998. ABURAYA, F. H.; CALLIL, C. T. Variação Temporal de Larvas de Chironomidae (Diptera) no Alto Rio Paraguai (Cáceres, Mato Grosso, Brasil). Revista Brasileira de Zoologia, v. 24, p. 565-572, 2007. FIDELIS, L.; NESSIMIAN, J. L.; HAMADA, N. Distribuição espacial de insetos aquáticos em igarapés de pequena ordem na Amazônia Central. Acta Amazônica, v. 38, p. 127-134. 2008. ARMITAGE, P.; CRANSTON, P. S.; PINDER, L. C. V. 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Queiroz2 Jaime Sarmiento3 RESUMO Este trabalho teve como principal objetivo medir o impacto da introdução do pirarucu sobre as populações de peixes nativos da Lagoa Tumichucua próxima a Riberalta (Departamento de Beni), ao norte da Bolívia. Foi utilizado como parâmetro de comparação um estudo de ictiofauna na mesma lagoa, realizado em 1981, antes do aparecimento do pirarucu na região. Para estimar as mudanças, foi aplicada a mesma metodologia de amostra usada em 1981. Utilizando indicadores de diversidade e de composição de espécies, foi comparada a estrutura da comunidade de peixes de ambos os anos. No estudo de 1981, foram capturados 3.638 indivíduos, agrupados em 24 famílias e 88 espécies; em 2008, foram capturados 8.774 indivíduos, agrupados em 24 famílias e 95 espécies. A semelhança na composição de espécies entre os estudos foi estimada através do índice de Shannon-Weiner (H*), que indica uma pequena redução entre os estudos com 1,34 em 2008 e 1 2 3 1,54 em 1981. Foi utilizado o modelo paramétrico Chao 1 para estimar a estrutura da comunidade, que calcula o número de espécies em uma comunidade com base nas espécies raras. Em 1981, foi encontrado um valor de 90,6 espécies prováveis; em 2008, foi estimado um total de 97,3 espécies. O coeficiente comunitário para ambos os anos indicou uma similaridade de 59%, entretanto outras estimativas de similaridade, como a da similaridade proporcional e o índice de similaridade, chegaram a valores mais reduzidos (23 e 42%, respectivamente). Através de contagens visuais, foi estimado o número de pirarucus, tendo chegado a 76 indivíduos, distribuídos entre 27 adultos e 49 jovens. Podese observar que para lagoas grandes, como é o caso de Tumichucua, pouco se percebe a mudança na riqueza, mas sim uma grande mudança na estrutura da comunidade, com diferenças na abundância das espécies, sua importância relativa, e na predominância de diferentes guildas tróficas. Wildlife Conservation Society (WCS–Bolívia) Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - IDSM Instituto de Ecologia e Coleção Boliviana de Fauna (IE-CBF-UMSA) 103 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados INTRODUÇÃO Entre os principais impactos que o ser humano causou e continua causando na natureza, a entrada de espécies exóticas invasoras é a mais devastadora pela incerteza do grau e do tipo de perturbação que pode vir a provocar (COBLENTZ, 1990). Nas últimas décadas, a ameaça de invasores biológicos exigiu mais atenção, gerando preocupações principalmente nas sociedades orientadas para a previsão dos impactos. Experiências em muitos países e com diferentes espécies demonstram que os impactos têm sido muito negativos e que, na maioria das vezes, ainda se paga um preço muito alto por isso (SAKAI et al., 2001; PÉREZ et al., 2004; DRAKE, 2005). Em muitos casos, as estimativas dos impactos são difíceis de se calcular, principalmente pela falta de uma base de comparação e pela dificuldade de atribuir as causas da variação de uma espécie invasora. Geralmente, são utilizados modelos comparativos entre lugares com presença do invasor e lugares similares sem a presença do mesmo, e em muitos outros, somente se chega a aproximações gerais (COLAUTTI; MACISSAC, 2004; TRAVIS; PARK, 2004; LATINI; PETRERE, 2004). A principal causa disso é que na quase totalidade desses casos de invasão não se têm registros prévios da comunidade em que entraram e só há registros depois da introdução. Em muitos casos, isso significa que não se pode atribuir de forma conclusiva que as espécies invasoras tenham causado o impacto de que são acusadas (HULME, 2003), ou de que são absolvidas (OJASTI, 2001). Este último cenário está vinculado às flutuações naturais das comunidades e perturbações simultâneas de outra índole que podem causar mais mudanças que as mesmas espécies invasoras. A situação se agrava em ambientes aquáticos continentais, uma vez que, por sua conectividade permanente ou sazonal, facilitam a dispersão de organismos invasores. Dessa maneira, a entrada de uma espécie em um determinado lugar não garante que somente fique nesse lugar e surge a possibilidade de sua dispersão livre por zonas limítrofes ao sistema hídrico (AGOSTINHO et al., 2005). A introdução de espécies é considerada como um dos principais problemas para a conservação de peixes de água doce (COWX, 2002). No caso dos peixes, um dos maiores motivos da dispersão e de fugas de espécies exóticas é causado pela piscicultura, através de fugas acidentais, rompimento de barreiras, ou também pela fuga de indivíduos pequenos pelo fluxo de água dos próprios reservatórios de criação (WELCOMME, 1988; ORSI; AGOSTINHO, 1999; PATRICK, 2000). Na maior parte dos casos, as entradas de peixes não são rapidamente percebidas nos primeiros anos de seu aparecimento. Geralmente, são identificadas em estados avançados ou quando os danos ambientais são irreversíveis. Em alguns casos, as entradas nem sequer são consideradas ameaças, devido à ausência de estudos sobre seus impactos potenciais (CASAL, 2006). O aparecimento do pirarucu (Arapaima gigas) na Bolívia não é um caso muito diferente. No final dos anos 1970, o pirarucu foi introduzido para fins 104 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento comerciais em algumas lagoas da Bacia do Madre de Dios, próxima a Puerto Maldonado, no sudoeste do Peru (MIRANDA-CHUMACERO et al., 2012). Acredita-se que depois, numa das grandes cheias do Rio Madre de Dios, ocorreu um processo de dispersão; após esse fato o pirarucu chegou à Bolívia (FARREL; AZURDUY, 2006; MIRANDACHUMACERO et al., 2012). O pirarucu também foi introduzido em outras regiões no interior do Brasil, desde a região amazônica até o noroeste. O principal motivo que levou à introdução dos pirarucus nas lagoas do noroeste do Brasil foi a intenção de limitar a proliferação das populações de piranha-vermelha, Pygocentrus nattereri. Principalmente, pelo fato de ser um carnívoro de grande porte, ocupando os primeiros lugares na cadeia alimentar (CASTELLO, 2004). Aparentemente, o pirarucu se estabeleceu com êxito, apesar de sua entrada ser relativamente recente; estando distribuído na maior parte dos rios, córregos e lagoas do norte da Bolívia. Atualmente, é encontrado em várias sub-bacias dos rios Madre de Dios, Orthon, Heath, Manuripi, Beni, Madidi, Mamoré e Iténez e, no fim da década de 1990, foi encontrado na Lagoa Tumichucua, no Rio Beni (MIRANDACHUMACERO et al., 2012). No início dos anos 1980, na Lagoa Tumichucua, foi realizado um levantamento ictiofaunístico, antes da entrada do pirarucu na lagoa (SWING, 1981; SWING; RAMSAY, 1987). Esse estudo forneceu informação sobre a abundância e a diversidade das espécies nativas de peixes. Graças a ele, foi possível estabelecer uma base de comparação em dois momentos da comunidade presente na lagoa: antes e depois da entrada do pirarucu. Isso poderia permitir descrever as mudanças na comunidade íctica da lagoa e determinar se tais mudanças podem estar relacionadas com a presença do pirarucu. MATERIAL E MÉTODOS Área de Estudo Lagoa Tumichucua O Rio Beni percorre grande parte do norte da Bolívia, formando o limite natural entre os departamentos de La Paz e de Beni. Nas suas margens, instalou-se um grande número de populações que vivem da pesca, entre outras atividades (CIPTA/WCS, 2010). Perto de sua confluência com o Rio Madre de Dios, a 22 km da localidade de Riberalta, está a Lagoa Tumichucua. Essa lagoa apresenta um tamanho aproximado de 390 ha de espelho d’água. Em seu interior, há duas regiões diferenciadas pelo tipo de água, ou seja, uma com águas brancas e outra com águas mistas (combinação de águas brancas e água pretas), o que favorece a presença de diferentes micro-hábitats (SIOLI, 1984; Figura 1). Captura dos peixes Swing (1981) realizou coletas entre 25 de setembro e 10 de dezembro de 1981. No presente estudo, a amostra foi realizada entre 23 de agosto e 4 de setembro de 2008, nos mesmos pontos de amostra referidos por Swing, incluindo 15 pontos de amostra no decorrer da Lagoa (A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N e O) (Figura 1). Para as amostras de 2008, 105 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados foram usados os mesmos métodos de pesca mencionados para o estudo de 1981, com a finalidade de poder compará-las. Foram utilizadas redes de emalhar de 20 a 25 m de comprimento e 2,5 m de altura, com duas baterias de diferentes aberturas de malha: 20, 30, 50, 60, 65, 70, 75, 90 e 100 mm de nó a nó e foram colocadas perpendicularmente nas margens da lagoa durante 8 horas por dia em cada ponto da amostra, em dois períodos: no começo do dia (entre 6h e 10h) e à noite (entre 19h e 23h). Como foram utilizadas duas baterias de malhas, em alguns dias foram analisados dois pontos de amostra. Para capturar espécies pequenas e para cobrir os diferentes hábitats que geralmente se encontram próximos à margem, foram realizados 30 arrastões com uma rede de 4 m de comprimento por 1 m de altura com 5 mm de abertura de malha. Para as espécies de maior tamanho, foram utilizadas espinelas com 15 anzóis de diferentes tamanhos. Para efeitos de comparação mediante Capturas Por Unidade de Esforço (CPUE), todos esses métodos foram aplicados com o mesmo esforço em cada um dos lugares definidos. Os peixes capturados foram preservados em formaldeído a 4% e transferidos para álcool a 75%, para sua conservação definitiva na Coleção Boliviana de Fauna (CBF) na Universidade Maior de San Andrés. Identificação taxonômica Para a determinação taxonômica do material colecionado, foram utilizadas chaves de identificação e descrições originais das espécies. As identificações foram realizadas na Área de Peixes da CBF. Figura 1 - Lagoa e Comunidade Tumichucua e sua posição referencial. Os pontos nomeados com letras correspondem às áreas de amostra tanto em 1981 como em 2008. Na imagem, pode-se notar a predominância de águas pretas na zona sudeste e de águas brancas no extremo noroeste. Imagem de satélite Google Earth. 106 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento Curvas de abundância relativa Para comparar a diversidade das espécies e sua abundância, com base nos referidos por Swing em 1981 e nos obtidos no presente estudo, foram utilizadas curvas de abundância relativa. Foi usado este método gráfico para descrever a riqueza da comunidade tanto em 1981 como em 2008, com base no ordenamento das proporções das espécies em cada estudo, da mais até a menos abundante. Foi levantado o número de indivíduos capturados por cada espécie (ni), dividido pelo número total de indivíduos capturados (N), obtida sua proporção (pi) e expressa como logaritmo (log pi). Rarefação Para fazer uma comparação do número esperado de espécies entre as comunidades presentes na Lagoa Tumichucua em 1981 e em 2008, foi utilizado o método de rarefação. Esse método se baseia no cálculo do número de espécies esperado em cada estudo, em função do número de indivíduos capturados. Para isso, foi usado o programa informático ECOSIM (GOTELLI; ENTSMINGER, 2009). Similaridade da composição de espécies entre o estudo de 1981 e 2008 Para determinar a similaridade ou dissimilaridade da diversidade de espécies em cada estudo, foi empregado o Coeficiente Comunitário (CC): CC = 2c /(a + b) onde a é o número de espécies presentes no ano de 1981, b é o número de espécies capturadas em 2008, e c é o número de espécies comuns em ambos os estudos. O intervalo de valores para esse índice vai de 0, quando não há espécies compartilhadas entre ambos os estudos, a 1, quando nos dois estudos se tem a mesma composição de espécies (MORENO, 2001). Estimativa da riqueza e abundância das comunidades nos estudos de 1981 e de 2008 Para determinar a riqueza estrutural possível em ambos os estudos, foi empregado o modelo paramétrico Chao 1, que é uma estimativa do número de espécies em uma comunidade baseado no número de espécies raras, na amostra (MORENO, 2001): Chao 1= S + (a2/2b) onde S é o número de espécies na amostra do estudo, a é o número de espécies que estão representadas por um único indivíduo na amostra do estudo, e b é o número de espécies representadas por exatamente dois indivíduos na amostra do estudo. O resultado desse método é um valor que representa o número máximo de espécies prováveis existentes tanto em 1981 como em 2008, de acordo com os dados das espécies registradas (MORENO, 2001). Índices de diversidade e equitatividade Foram calculados índices que medem a diversidade de uma comunidade como o de Shannon-Wiener (H) e sua versão ponderada (H’). Com base nisso, foi calculada a Equitatividade (E) dentro da comunidade com a finalidade de determinar as diferenças entre 1981 e 2008. Também foi calculada a similaridade proporcional entre ambos os anos (SP) e, com a finalidade de avaliar o grau de similaridade, com base no número de espécies compartilhadas, foi calculado o índice de Jaccard (MORENO, 2001). 107 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Contagem de pirarucus Para a contagem dos pirarucus, a lagoa foi dividida em setores que mantêm correspondência com as áreas em que foram realizadas as amostras no estudo de Swing (1981). Para a estimativa da quantidade de pirarucus, foi utilizado o método descrito por Castello (2004), que consiste na contagem dos peixes no momento em que saem para a superfície para captar ar atmosférico. Com esse método, é possível também classificar, individualmente, o animal como jovem ou adulto. Os jovens são aqueles que não chegam a 1,5 m de comprimento, e os que ultrapassam esse tamanho são considerados adultos (ARANTES et al., 2007). Foram realizadas três séries de contagens com as quais foi possível obter a média e o desvio padrão para cada uma das áreas no interior da lagoa. Análise por Guilda Para realizar uma aproximação das mudanças no funcionamento ecológico da lagoa, as espécies foram agrupadas em guildas tróficas, de acordo com a dieta das mesmas. Foram usados os dados referidos para as mesmas espécies em estudos da área ou da região (POUILLY et al., 2003; PEREIRA et al., 2007). A partir de então, foram realizadas análises para determinar a variação, entre 1981 e 2008, da abundância relativa de indivíduos e a riqueza por cada guilda trófica. RESULTADOS Composição taxonômica da comunidade íctica de Tumichucua As ordens com maior proporção das espécies da Lagoa Tumichucua, tanto em 1981 como em 2008, são Characiformes (54,5% e 47,4%, respectivamente), Siluriformes (22,7% e 31,6%, respectivamente) e Perciformes (12,5% e 9,5%, respectivamente). Distinguiu-se, em 2008, a redução dos Characiformes em 7% e o acréscimo dos Siluriformes em 9%. Existem variações menos marcadas, como a redução dos Perciformes (por volta de 3%) e o acréscimo dos Gymnotiformes (em 1%) (Figura 2). Figura 2 - Proporção das espécies de acordo com os principais grupos taxonômicos na Lagoa Tumichucua para os anos de 1981 (barras brancas) e de 2008 (barras pretas). Foram indicadas as proporções das ordens no Rio Mamoré como referência (barras cinzas) (POUILLY et al., 2004). 108 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento Abundância e riqueza Swing capturou um total de 3.638 indivíduos em 1981, identificando, a partir desses, um total de 88 espécies, agrupadas em 24 famílias. No presente estudo, foram capturados 8.774 indivíduos (aproximadamente 240% a mais que em 1981), agrupados em 95 espécies e 24 famílias. Em 1981, a família Characidae foi a que apresentou a maior quantidade de indivíduos (n= 2486), seguida da família Cichlidae (n= 431) e da família Curimatidae (n= 145), enquanto que em 2008 a maior proporção de indivíduos pertence às famílias Characidae (n= 5338), Engraulidae (n= 1378) e Cichlidae (n= 504). A família Characidae é a mais abundante tanto no estudo de 1981 como no presente estudo. Segundo Swing, em 1981, a família Cichlidae foi a segunda família mais abundante, e passa a ser a terceira em 2008. Por outro lado, a família Gasteropelecidae, de terceira, em 1981, passa a ser a quinta em 2008. A família Engraulidae, que ocupava o nono lugar em 1981, passa a ser a segunda mais abundante em 2008. A família Pimelodidae passou do quinto lugar ao sexto. E a família Loricariidae mantém a mesma posição em ambos os estudos, mas com um grande crescimento no número de espécies (Figura 3). Figura 3 - Variação da abundância total e do número de espécies para as famílias mais abundantes e diversas referidas entre 1981 e 2008 na Lagoa Tumichucua. 109 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados A análise em nível de espécies mostra mudanças mais notáveis. Em 1981, a espécie claramente dominante em abundância era Hyphessobrycon rosaceus, que não está presente nas capturas do estudo de 2008. Em 2008, dominam 3 espécies: Odontostilbe sp., Hemmigramus lunatus e Anchoviella carrikeri. As formas das curvas de abundância relativa variam entre 1981 e 2008. Em 1981, percebe-se uma curva com maior equitatividade entre espécies e uma cauda mais comprida que poderia indicar que muitas das espécies foram referidas pela captura de um só indivíduo. Isso também é evidente em 2008, contudo com menos casos desse tipo. Os aspectos mais chamativos dessa comparação são o grande crescimento de Odontostilbe sp. que, em 1981, ocupava um lugar intermediário, enquanto que em 2008 é uma das dominantes. Esse mesmo caso se vê na terceira dominante em 2008, o pequeno Engraulidae, Anchoviella carrikeri, que, em 1981, tinha uma abundância não muito alta. Pelo que se pode observar nas curvas da categoria abundância, as espécies que não foram registradas em 2008 ocupavam lugares intermediários, enquanto que as espécies que foram registradas só em 2008 ocupam as posições mais baixas (Figura 4). Isso é comprovado pelo cálculo dos valores intermediários da abundância relativa (expressa como logaritmo da abundância relativa ou pi). Mediante esses cálculos, pode-se observar que em 1981 a média geral de todas as espécies é maior que em 2008. Realizando esse mesmo cálculo com as abundâncias das espécies que não foram registradas em 2008, vemos que seus valores são intermediários e muito próximos do valor geral. Esse valor é muito similar ao valor intermediário das abundâncias das espécies em 2008. O valor mais baixo em relação à abundância relativa corresponde às espécies que foram referidas somente em 2008 (Figura 5). Rarefação Mediante a análise de rarefação, podemse observar duas curvas com cerca de 10% de diferença entre 1981 e 2008. Nessas curvas, pode-se notar que, se em 2008 se capturasse a mesma quantidade de indivíduos que em 1981, teriam sido registradas somente 80 espécies. Fazendo a análise inversa, se em 1981 houvesse sido capturada a mesma quantidade de espécimes que em 2008, o número de espécies poderia chegar a 120. Esse número é próximo do número total de espécies registradas entre ambos os estudos (129 espécies) (Tabela 1). Em nenhum dos casos as curvas chegam a uma assíntota, o que quer dizer que ainda que não se tenha conseguido capturar mais indivíduos em 2008, há uma parte da comunidade que não foi registrada. Das espécies que não foram registradas em 2008, o que chama a atenção é que a espécie com maior abundância em 1981, Hyphessobrycon rosaceus, é uma das que não é mencionada. Entre essas espécies “perdidas” se encontram as espécies com abundâncias intermediárias, como Serrapinnus piaba, Hyphessobrycon heterorhabdus, Parecbasis cyclolepis e Pyrrhulina brevis. 110 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento 1981 -0.5 HYPROS † 2008 ODOSP HEMLUN § ANCCAR -1 HEMUNI SERPIA † PRIFIL TRIANG APISP GASSTE MOEINT CTEHAU -1.5 CURMEY MESFES PRIFIL HYPHET † GASSTE MOEINT CTEHAU PSERUT § PARCYC † PIMMAC PIMMAC PYRVIT GEOSUR SYNMAR † CHESP § PYRBRE † § MOEOLI POTALT § PRONIG MOESAN ANCCAR APISP ROEMYE HOPMAL DORPUN § HEMUNI APHSP PRONIG MESFES SATJUR ODOSP CYPSPI † LORMAC CRELEP PRICAL† † AUCAMB CURMEY HYDSCO§ THOSTE CREPUN ACHACH RHAVUL TRAGAL PHESP§ † DORSP HYPSP GYMTHA MYLDUR TRIPALB SORLIM PIMSP LEPFAS † HYPSP § HEMUNI LORMAC PTEMUL RHAVUL § PLASQUA ACHACH CICPLE MOESAN HYPMEG § CHAGIB BRAORB † HOPMAL † GEOSUR TRAGAL § PELFLA POTEIG HEMACI CICPLEI PIMSP SERSPI POTMOT † SCHFAS POTLAT TRAPAR § CICBOL PSETIG § LEPPAR † MYLDUR STEMAC § PYGNAT SERHUM § PSEUFAS POTMOT EIGVIR TRIANG PTEDIS § † HOPLIT CRESEM HYPTHO § COLMAC HYPGUL CRELEP CRESEM GYMCAR SERRHO † CHAERY § LEPTRI EIGVIR TETARG HEMPLA † PLATCOS PTELIT † POTLAT § ANCSP OXYNIG § † STEELE § MOESP APHSP § HOPUNI PELFLA † LORCAT † ARAGIG § PIABRA PTEGIB † PARALB † SERRHO PTEGRA † POTEIG † † BRYCSP † † RHAQUE PYRVIT SALAFF † GYMTER CHAGIB STEBIM † SCHFAS PSEFAS ACEFAL RHYLAU § PTESP † MIKALT SORLIM PIABRA † EIGMAC AGEINE TRIALB AGEINE † METLIP BRYAMA § POTHIS § COLMAC GYMCAR CICBOL PERPER HYPEDE § RHAROS § § OPSBOU HEMPLA PLASQU OCHSP § PERPER § THOSTE PHRHEM AUCAMB SERSP § TRISP § ROEMYE RHYLAU ROEBIS § PTEMUL § ROEAFF BUNCOR § POTBRA LEIMAR § ACEFAL OTOVES § TETARG SATJUR -2 -2.5 -3 -3.5 -4 -4.5 Posición de las especies según su abundancia Figura 4 - Curvas de abundâncias relativas para as espécies referidas em 1981 (G) e em 2008 (u) na Lagoa Tumichucua. As espécies presentes em 1981 e que não foram registradas em 2008 estão marcadas com (†), e as espécies que foram registradas somente em 2008, com (§). 111 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 5 - Valores intermediários da abundância (expressa como logaritmo da proporção relativa) de todas as espécies em 1981 e 2008, das espécies que não foram encontradas em 2008 (†) e das que somente foram registradas em 2008 (§). Figura 6 - Rarefação da diversidade de peixes da Lagoa Tumichucua para os estudos de 1981 e 2008. 112 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento Tabela 1 - Resumo dos indicadores comparativos entre 1981 e 2008. Indicador 1981 2008 3638 8775 Total famílias 26 28 Total espécies Número esperado de espécies com rarefação a 3638 ind. 88 88 95 81 Máximo de espécies possível (Chao1) 90,6 97,3 Índice de diversidade Shannon (H’) 1,34 1,15 H’ ponderado 1,33 1,15 Equitatividade (E) 0,69 0,58 - ~ 76 Abundância total (número total de indivíduos capturados) Número de pirarucus registrados mediante contagens Total Famílias (1981+2008) 31 Total Espécies (1981+2008) 129 Espécies próprias de 1981 34 Espécies próprias de 2008 41 Total famílias ausentes 1981 5 Total famílias ausentes 2008 3 Coeficiente Comunitário (1981-2008) (CC) 0,59 (59 %) Similaridade proporcional entre 1981 e 2008 (SP) 0,23 (23%) Índice de similaridade de Jaccard 0,42 (42%) Índices de diversidade e composição de espécies Foram aplicados vários índices de diversidade para medir a variação entre os resultados de 1981 e 2008. O índice de Shannon-Weiner (H’) indica uma pequena redução da diversidade em 2008 de 1,34 para 1,15. O mesmo ocorre, como consequência, com a equitatividade (E) que diminui de 0,68 para 0,59. A Similaridade proporcional (SS) indica que as comunidades registradas em 1981 e em 2008 são similares em somente 23%. Enquanto que, levando em conta somente as espécies comuns e exclusivas em cada ano, a similaridade, com base no Coeficiente Comunitário, é de 60% (Tabela 1); por outro lado, levando em conta a similaridade, com base na quantidade de espécies próprias para cada ano (Jaccard), chega-se a 42% de similaridade. Mediante a estimativa Chao1, com os dados do estudo de Swing (1981), pôde-se estimar o máximo de 90,6 espécies prováveis, com base em sua estrutura de espécies observadas, enquanto que, no estudo de 2008, foi estimado um máximo de 97,3 espécies. Proporções das Guildas Tróficas Em ambos os anos, as proporções por guildas tróficas, tanto no número de 113 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados indivíduos como no de espécies, têm um comportamento similar: predominância dos invertívoros, seguidos dos piscívoros e algívoros. Em ambos os anos, as guildas menos presentes são os detritívoros e os parasitas. Em 2008, é destacado um crescimento significativo na abundância proporcional de algívoros/ iliófagos e de zooplantívoros com relação a 1981. Por outro lado, há uma redução na abundância proporcional dos invertívoros, principalmente na sua abundância proporcional. Quanto à riqueza, não se observa uma grande diferença; somente uma redução no número de espécies de invertívoros e um crescimento pequeno dos piscívoros, tanto primários como secundários (Figura 7). Contagem de pirarucus por tipo de água Foi determinada a presença de aproximadamente 76 pirarucus, dos quais 27 ± 1 eram adultos (quer dizer, com mais de 1,5 m de comprimento) e 49 ± 1 eram jovens (com menos de 1,5 m de comprimento). Percebeu-se uma maior preferência dos pirarucus pela área mediana da lagoa (entre os pontos J, N, I, O, H e G) (Figura 8), com uma clara predominância de águas mistas (Figura 8). Figura 7 - Variação das proporções (%) na abundância total (acima) e no número de espécies (abaixo) por cada guilda trófica identificado na Lagoa Tumichucua entre 1981 (barras brancas) e 2008 (barras pretas). 114 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento Figura 8 - Variação da média da riqueza entre 1981 (barras brancas) e 2008 (barras pretas) e do número de pirarucus observados (barras cinzas), de acordo com o tipo de água. Relacionando essa variação com a riqueza intermediária observada entre os pontos de amostra em águas brancas e entre os pontos com águas mistas, pode-se observar que, em 1981, os pontos com águas mistas possuíam maior riqueza que os pontos com águas brancas. O oposto ocorre em 2008, em que a riqueza é maior nos pontos com águas brancas. Essa variação poderia estar vinculada à preferência do pirarucu por águas pretas. Mudanças na abundância e riqueza de espécies comerciais Não foi observada uma redução da abundância e da riqueza das espécies que têm importância comercial. Contudo, pelo contrário, em geral, percebe-se um crescimento na proporção do número desse grupo em relação ao total de capturas entre 1981 e 2008 (Tabela 2). Discussão Um dos pressupostos mais amplamente difundidos sobre os potenciais impactos das espécies invasoras sobre a ictiofauna é a redução de espécies nativas (CETRA; PETRERE Jr., 2001; SCHOENER et al., 2001). Geralmente, as espécies invasoras modificam a estrutura da comunidade, fazendo com que muitas espécies se desloquem ou que sejam exterminadas de seu hábitat natural (DEJOUX; ILTIS, 1992; LATINI; PETRERE, 2004). As espécies de peixes introduzidas podem causar alterações no hábitat, na estrutura das comunidades, podem produzir hibridação, seguida da perda do patrimônio genético original, com a consequente alteração trófica e a introdução de enfermidades e parasitas (TAYLOR et al., 1984; PATRICK, 2000). 115 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Tabela 2 – Capturas totais das espécies com maior importância comercial na Lagoa Tumichucua em 1981 e 2008. São indicadas as proporções (%) dessas espécies em relação ao total de indivíduos capturados em ambos os estudos. Espécie 1981 (%) 2008 (%) Brycon spp. 2 0,05 1 0,03 Chalceus erythrurus 3 0,08 --- 0,00 Cichla pleizona 7 0,19 25 0,69 Colossoma macropomun 1 0,03 10 0,27 Hemisorubim platyrhynchos 1 0,03 6 0,16 Leiarius marmoratus --- 0,00 1 0,03 Pellona flavipinnis 1 0,03 17 0,47 Phractocephalus hemioliopterus 1 0,03 --- 0,00 Piaractus brachypomun 1 0,03 5 0,14 Plagioscion squamosissimus 1 0,03 31 0,85 Prochilodus nigricans 24 0,66 62 1,70 Pseudoplatystoma punctifer 4 0,11 2 0,05 Pseudoplatystoma tigrinum --- 0,00 9 0,25 Sorubim lima 1 0,03 34 0,93 Salminus affinis 1 0,03 --- 0,00 Totais 48 1,32 203 5,58 Total Espécies 13 12 Sem dúvida, o tipo de dieta e a agressividade da espécie invasora influem determinantemente no impacto sobre as espécies nativas (PATRICK, 2000; PÉREZ et al., 2004). Algumas espécies exóticas podem apresentar dificuldades para se adaptar a um novo meio, principalmente pelas suas características reprodutivas. Em outras, pela falta de estratégias de proteção, restringindo sua distribuição (FLEMING; GROSS, 1993). Nesse sentido, uma espécie introduzida para ser invasora deveria ter a capacidade de se estabelecer em um período de tempo inferior ao que leva qualquer espécie da fauna nativa durante seu processo evolutivo. Este parece ser o caso do pirarucu na Bolívia, que, apesar de não ter um ambiente totalmente propício para seu desenvolvimento, conseguiu se estabelecer, talvez graças ao fato de que não existiam os fatores naturais que controlassem seu crescimento. De acordo com a rarefação calculada para 3.638 indivíduos, a quantidade capturada em 1981 se reduziu em cerca de 10% no número de espécies estimadas em 2008. É necessário levar em conta, também, que a soma das diferenças encontradas entre 1981 e 2008 pode ser causada por três fatores: a) artefatos da amostra, b) mudanças na comunidade íctica, e c) entrada contínua de indivíduos de diferentes espécies devido às cheias do Rio Beni. 116 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento Artefatos de amostra Os dados mostrados de 1981 não são totalmente claros quanto à metodologia usada e o detalhe de quais espécies foram capturadas com cada tipo de amostra e qual o esforço usado com cada artefato (SWING, 1985). Agrega-se a isso o fato de que dificilmente se têm as mesmas condições de amostra, pelo que a amostra será sempre um fator a se considerar nas variações observadas, apesar de que, para as comparações entre os dados de ambos os anos, foram usados os mesmos métodos em ambos os estudos e foram respeitados os mesmos pontos de amostra. O tempo de amostra poderia também ser um fator determinante, uma vez que no estudo de 1981 ficou indicado que foram 75 dias (baseados no tempo mencionado por Swing (1985), mas não indicam os tempos e dias efetivos de pesca), e em 2008 foram 10 dias inteiros; portanto, o tempo foi em torno de 65 dias a menos que em 1981. Ainda assim, em 2008, foi capturado quase o dobro de indivíduos que em 1981. Mudanças na comunidade íctica A rarefação indica que em ambos os estudos, apesar da diferença no número de indivíduos capturados, chegou-se a um total de espécies de 88 e de 95, que diminuem em 7 espécies, contudo, fazendo a análise em função do menor número de indivíduos capturados (3836 em 1981), o número de espécies esperadas se reduz em cerca de 10%. Isso está respaldado pela estimativa de riqueza Chao 1, com a qual se pôde determinar que o máximo de espécies prováveis para 1981 foi de 90, enquanto que para 2008 esse máximo foi de 97. Por isso, poderíamos assumir que as composições registradas em ambos os anos correspondem à riqueza da comunidade que se poderia registrar. Nesse sentido, fica faltando, portanto, decifrar o porquê das diferenças registradas. Segundo o índice de diversidade de Shannon, existe uma diminuição da diversidade de 1,34 (em 1981) para 1,15 (em 2008). É difícil mensurar a significação dessa variação sem levar em conta a abundância de cada uma das espécies. Em estudos da área, esse índice flutua entre 1,4 (TEDESCO et al., 2005) e 3,8 (SAINT-PAUL et al., 2000). Então esses valores corresponderiam a valores entre baixos e intermediários em relação às comunidades de peixes na Amazônia. A equitatividade também diminui entre ambos os anos, de 0,69 para 0,58, mas fazendo um cálculo para separar a contribuição da riqueza específica e da estrutura da comunidade na diversidade alfa, percebe-se que ambas as comunidades não apresentam grande variação (4,1 e 4,0, respectivamente). Essas análises de diversidade não indicam grandes diferenças de diversidade entre ambos os estudos. Em alguns trabalhos, nos quais se faz uso desses índices, constatou-se que em uma mesma lagoa a variação entre sua diversidade entre uma e outra época de seca não foi significativa (ESPÍRITO-SANTO et al., 2009). No nosso caso, a variação temporal não deveria ser um fator determinante nas diferenças encontradas, uma vez que a amostra de 2008 foi na mesma época em que foi realizada a amostra em 1981, a época seca. Nessa época, a Lagoa Tumichucua 117 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados se caracteriza por seu isolamento completo. Sem dúvida, para um melhor entendimento da estrutura natural das comunidades de forma natural e com a presença de um fator externo como uma espécie exótica, seria ideal fazer um seguimento por vários ciclos hídricos completos. A proporção dos principais grupos taxonômicos com relação ao número de espécies presentes na lagoa tanto em 1981 como em 2008 corresponde ao que geralmente se esperaria encontrar em lagoas da região (POUILLY et al., 2004). Entretanto, é interessante notar que em 2008 a proporção dos Characiformes se reduz em 7%, enquanto que a dos Siluriformes aumenta em quase 8%. Assim como os Characiformes, os Perciformes diminuem proporcionalmente. Geralmente, esse tipo de variação pode estar muito relacionado aos efeitos da amostra. Muitos dos Siluriformes eram pequenos. As espécies mais abundantes em 2008 pertencem ao grupo dos caracídeos pequenos e os engraúlidos, geralmente invertívoros e zooplanctófagos, que se constituem em presas de piscívoros de porte médio (15 a 30 cm) a grande (>30 cm). Talvez esse aumento nesses grupos se deva à diminuição da abundância e/ou da riqueza de outras espécies. De acordo com a análise por guildas tróficas, o mais destacável é o aumento da abundância de alguns dos grupos mais baixos das redes tróficas (zooplantófagos e invertívoros). Essa observação pode estar relacionada à redução dos predadores desses grupos (VITULE et al., 2009). As mudanças espaço-temporais das comunidades estão, de certa forma, começando a ser estudadas e abordadas. As comunidades das lagoas são muito mais estáveis que as dos poços e rios, devido ao tipo de espécies que se hospedam e pela diferente conectividade que têm e pelas facilidades de amostra. E essa conectividade é determinante para a estabilidade das mesmas. Isso foi mostrado em vários estudos em que se percebeu que as lagoas mais distantes do leito principal dos rios são mais estáveis quanto à sua composição (RODRÍGUEZ; LEWIS, 1994; RODRIGUEZ; LEWIS JR., 1997; POUILLY; RODRÍGUEZ, 2004; MIRANDA-CHUMACERO; BARRERA, 2005). A Lagoa Tumichucua se caracteriza por uma relativa constância no tempo, por estar um pouco acima do leito principal. Em resumo, essas mudanças, se têm variações temporais fortes, a cada ano voltam a se estruturar de forma mais ou menos similar. Assumindo isso, e considerando que a pressão de pesca tem sido similar desde então, as diferenças que aqui mostramos poderiam ser atribuídas a um fator externo. De acordo com o que foi observado, existe uma maior preferência do pirarucu por lugares com águas mistas, os quais refletem uma maior quantidade de indivíduos registrados nesses lugares. Relacionando isso com a abundância e a riqueza de espécies, vemos também nos pontos com águas mistas que diminuem, contrariamente ao que geralmente se tem encontrado em outros estudos, naqueles em que a diversidade é ligeiramente maior em águas pretas que em brancas (SAINTPAUL et al., 2000). Isso poderia indicar uma regionalização ao interior da Lagoa de Tumichucua, que corresponderia à predominância dos tipos de água, em função dos quais os pirarucus teriam 118 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento maior ou menor influência sobre as espécies nativas. Os índices de similaridade usados, que levam em conta vários princípios de comparação (número de espécies comuns, número de espécies exclusivas em cada estudo ou número total de espécies), em geral indicam que entre 1981 e 2008 a similaridade não supera 60%. O índice de similaridade proporcional que leva em conta as espécies que são exclusivas em cada estudo é o que menor similaridade produz com somente 23%. Entrada contínua de espécies pelas cheias De acordo com a topografia da lagoa, o extremo nordeste é o que entra em contato com as águas do Rio Beni, mas somente em episódios de cheias extremas. Foi exatamente segundo a versão dos mesmos povoados de Tumichucua, que, na cheia de 1997, o pirarucu chegou à lagoa. Possivelmente, em algumas cheias, ainda que aparentemente não tenham sido consideradas como cheias extremas históricas, outras espécies pequenas de peixes podem ter chegado do rio, permitindo que as espécies fossem sendo repostas constantemente. A riqueza aumenta, mas e a abundância? Em função dos resultados encontrados, surgem duas perguntas: Por que a presença do pirarucu deveria afetar as comunidades de peixes nativas?, se 1) é uma espécie que em outros lugares da Amazônia convive com as mesmas espécies ou com outras similares e 2) é uma espécie que tem exigências muito particulares em relação ao hábitat, que, com sua importância econômica, foi posta em perigo em outras regiões da Amazônia?. A resposta a ambas as perguntas pode estar relacionada ao afastamento evolutivo, produto das corredeiras do Rio Madeira. Essas barreiras naturais isolaram as espécies nativas do rio acima da presença de Arapaima gigas por milhões de anos. Esse isolamento, certamente, fez com que as espécies evoluíssem em seu comportamento de uma forma diferente da das populações das mesmas espécies rio abaixo. Os sistemas aquáticos em que A. gigas evoluiu na Amazônia se caracterizam por enormes áreas de inundação, nas quais a água entra pelo bosque e no qual a produtividade auxilia na existência de centenas de espécies que fazem uso desses fenômenos anuais para chegar a lugares de alimentação e onde a disponibilidade de refúgios é muito maior que na bacia alta do Rio Madeira. Esses fenômenos são menos marcados na Amazônia Boliviana e menos ainda na bacia do Rio Beni. Existe um princípio em ecologia que consiste em que as comunidades com maior diversidade são mais fortes a perturbações frente às comunidades com poucas espécies (MARCHETTI et al., 2004). Essa “fortaleza” pode ser traduzida na resistência às espécies invasoras, mudanças na riqueza não significativa e modificações na sua abundância (MARCHETTI et al., 2004). De acordo com os dados que foram levantados nesse estudo, as espécies que não estão presentes são geralmente predadoras de espécies pequenas (POUILLY et al., 2004; POUILLY et al., 2006). Essas espécies puderam manter suas presas com abundâncias relativamente baixas, e, pela presença de populações de pirarucus, puderam 119 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados deixar este rol, fazendo com que, por uma questão de espaço e recursos, as espécies presas aumentem e as posições de dominância mudem entre 1981 e 2008, por efeito da diminuição de suas populações. Outro aspecto que pode estar indicando um papel de controle sobre o pirarucu é o uso desse recurso pela comunidade de Tumichucua, por ser agora uma das espécies mais valorizadas no comércio local (CARVAJAL-VALLLEJOS et al., 2011). A estrutura de uma comunidade íctica responde a uma série de filtros que determinam que espécies possam estar presentes em uma determinada área ou região (Figura 9). Isso foi amplamente estudado e aplicado em vários estudos (TONN et al., 1990; RAHEL, 2002; POUILLY et al., 2004). No caso da região da Lagoa Tumichucua, a riqueza regional amazônica boliviana é de até umas 900 espécies (IBISCH, 2003; POUILLY et al., 2010), dentre as quais 250 estão presentes no Rio Beni (MIRANDA-CHUMACERO . in prep.) e se estima que umas 140 a 150 pertencem a sistemas lacustres (LAUZANNE; LOUBENS 1985; LAUZANNE et al., 1991; POUILLY et al., 2004; MIRANDACHUMACERO; BARRERA, 2005). Na Lagoa Tumichucua, foram registradas 95 espécies, riqueza que, inclusive, encontra-se acima de outras lagoas da região com características similares (POUILLY et al., 2004). A análise efetuada sobre a média das abundâncias das espécies que se “perderam” e as que “apareceram” em 2008 indica dois aspectos: 1) as espécies Figura 9 - Representação esquemática sobre o suposto processo em que o pirarucu modificou a estrutura e a abundância das espécies nativas na Lagoa Tumichucua, levando em conta a série de filtros modificados a partir de Tonn et al. (1990) que determinam a riqueza local. O tamanho das gotas representa a abundância relativa das espécies. 120 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento que não foram registradas se encontram com abundâncias intermediárias em relação a toda a comunidade – isso demonstra que a mudança, não necessariamente, se deu nas espécies menos abundantes ou mais raras; 2) o valor médio das abundâncias das espécies que foram registradas somente em 2008 é o mais baixo de todos, isso poderia significar que em 2008 se pôde capturar uma maior proporção de espécies raras. Essa análise leva a pensar que, apesar de os valores de riqueza parecerem constantes entre ambos os anos, as espécies que compõem esta comunidade são diferentes. O mesmo se dá com as abundâncias, que variam, de forma extrema, em alguns casos, contudo permanecendo e sendo parte da comunidade. Dificuldades taxonômicas Um dos grupos em que há os maiores problemas taxonômicos é nos peixes (LUNDBERG, 2001). Isso se traduz em constantes revisões que se agrupam, reagrupam, dividem, mudam, renomeiam, descrevem e redescrevem espécies constantemente. Essa dinâmica, em muitos casos, chega a tal magnitude como a fusão de cerca de 50 espécies nominais em uma só, Rhamdia quelem (REIS et al., 2003) e a descrição de uma média de 35 espécies por ano na Amazônia (LUNDBERG, 2001). Para efeitos de uma comparação sistemática e que possam produzir conclusões mais ou menos conclusivas e da qual possa surgir decisões, deve-se levar em conta uma grande suposição: de que os nomes das espécies refletem as espécies biológicas que estão presentes em determinado lugar; neste caso, a Lagoa Tumichucua. Ao revisar a lista original das espécies de peixes mencionadas no estudo, que é a base de comparação do presente, nós nos encontramos com espécies que, por revisões, mudarão de nome ou foram agrupadas a outras. Essas mudanças foram rastreadas para cada uma das espécies e se puseram os nomes válidos para efeitos de comparação. Neste momento, é necessário indicar que, se as espécies foram bem identificadas, se ocorrer uma mudança em sua sistemática, colocar o nome pode ser tão fácil como mudar uma etiqueta, mas se houver mudanças nos que se dividem em espécies, nomear corretamente inclui a revisão de cada indivíduo capturado. CONCLUSÃO Estabelecer índices de medição dos impactos de uma espécie invasora em uma comunidade íctica como a da Lagoa Tumichucua não é tão fácil como determinar as variações na riqueza da mesma em um antes e um depois, pelo que é necessário analisar a estrutura dessas espécies quanto a seus Guilda, a abundância de cada espécie e, sobretudo, as flutuações temporais. Por conseguinte, pelos dados mencionados neste trabalho, poderíamos concluir que: i) não foram registradas 31 espécies que tinham sido registradas em 2008; ii) foram observadas mudanças na abundância das espécies; iii) poder-se-ia assumir que exista mais impacto em regiões com águas pretas que com brancas; iv) é possível que estejam ocorrendo modificações na abundância dos Guilda de peixes invertívoros; v) estar-se-ia 121 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados incrementando a abundância e a riqueza de espécies zooplantófagas e iliófagas; vi) aparentemente não existiriam maiores mudanças na presença e na abundância das espécies usadas tradicionalmente na pesca comercial; vii) características biológicas como tamanho e idade da primeira maturação sexual aliada a grande pressão de pesca e viii) podese concluir que os dois estudos são complementares quanto à determinação do número total de espécies que podem estar presentes na Lagoa Tumichucua. Por tudo isso, poderíamos admitir que a presença do pirarucu, em algumas lagoas grandes, como na de Tumichucua, com grande quantidade de espécies e micro-hábitats e, portanto, uma elevada riqueza, uma conectividade cíclica, e com diferentes profundidades, produz mudanças que não se traduzem na perda significativa da biodiversidade, mas sim em fortes mudanças na estrutura da comunidade de peixes. Essa mudança na estrutura da comunidade pode ter efeitos em longo prazo que dificilmente podem ser analisados com uma avaliação inicial como a que foi feita neste estudo. Sem dúvida, a presença do pirarucu em lagoas como esta pode ser benéfica do ponto de vista econômico. A pesca controlada dessa espécie, além de gerar benefícios interessantes, como já ocorre na Comunidade de Tumichucua e na TCO Tacana II, poderia ajudar a financiar sistemas de automonitoramento da pesca na comunidade, mediante o qual poderiam ser tomadas decisões temporais para conservar a ictiofauna e manter um equilíbrio entre o aproveitamento das espécies nativas e de Arapaima gigas. AGRADECIMENTOS Este projeto foi apoiado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - IDSM (Brasil) e WCS Bolívia, em colaboração com o Instituto de Ecologia da Universidade Maior de San Andrés, graças ao financiamento da Moore Foundation. Este projeto não teria sido possível sem a ajuda logística do Primeiro Distrito Naval de Riberalta. Um sincero agradecimento aos Caps. Calla e Pedraza e ao nosso querido, divertido e incondicional, Suboficial Celso Quispe por seu valioso apoio na pesca e como motorista . Aos cidadãos que apoiaram a pesca: o Sr. Ricardo Yamara, Jesús Batte, Francisco Farfán, Jonás Yamara, Danny Farfán e Meraldo Beyuma. Às diferentes autoridades da Comunidade Tumichucua por seu apoio: Armando Beyuma (Presidente da OTB), Luis Melgar (Corregedor). À Sra. Ana Rivero, por sua deliciosa comida. Ao Sr. Saúl Farfán, por nos apoiar com o gerador; e ao Sr. Gerardo Imanoreco, pela moradia durante nossa estada. E a toda a comunidade em geral, por seu apoio e colaboração no desenvolvimento do projeto e por ter compartilhado conosco sua grande experiência. REFERÊNCIAS ARANTES, C.; CASTELLO, L.; GARCEZ, D. Variações entre contagens de Arapaima gigas (Schinz) (Osteoglossomorpha, Osteoglossidae) feitas por pescadores individualmente em Mamirauá, Brasil. Pan-American Journal of Aquatic Sciences, v. 2, p. 263 – 269, 2007. COLAUTTI, R.; MACISAAC, H. A neutral terminology to define“invasive”species. 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APHSP x x Brachychalcinus orbicularis BRAORB x † Brycon amazonicus BRYAMA † x BRYSP x † Brycon sp. Chalceus erythrurus CHAERY x † Charax gibbosus CHAGIB x x Cheirodon sp. CHESP † x CTEHAU x x Gymnocorymbus ternetzi GYMTER x † Gymnocorymbus thayeri GYMTHA x † Hemigrammus lunatus HEMLUN † x Hemigrammus unilineatus HEMUNI x x Hyphessobrycon heterorhabdus HYPHET x † Hyphessobrycon megalopterus HYPMEG † x Hyphessobrycon rosaceus HYPROS x † Metynnis lippincottianus METLIP x † Moenkhausia intermedia MOEINT x x Ctenobrycon hauxwellianus 126 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento Familia Especie Codigo 2008 Moenkhausia oligolepis MOEOLI † x Moenkhausia sanctaefilomenae MOESAN x x Moenkhausia sp. MOESP † x Odontostilbe sp. ODOSP x x Paragoniates alburnus PARALB x † Parecbasis cyclolepis PARCYC x † Phenacogaster sp. PHESP † x Prionobrama filigera PRIFIL x x Pristobrycon calmoni PRICAL x † Roeboides affinis ROEAFF † x Roeboides biserialis ROEBIS † x Roeboides myersii ROEMYE x x Salminus affinis SALAFF x † Serrapinnus piaba SERPIA x † Serrasalmus sp. SERSP † x TETARG x x Triportheus albus TRIALB x x Triportheus angulatus TRIANG x x Apistogramma sp. APISP x x Cichla pleizona CICPLE x x Cichlasoma boliviense CICBOL x x Crenicara punctulatum CREPUN x † Crenicichla lepidota CRELEP x x Crenicichla semicincta CRESEM x x Geophagus surinamensis GEOSUR x x Mesonauta festivus MESFES x x Mikrogeophagus altispinosus MIKALT x † Tetragonopterus argenteus Cichlidae 1981 Satanoperca jurupari SATJUR x x Clupeidae Pellona flavipinnis PELFLA x x Curimatidae Curimatella meyeri CURMEY x x CYPSPI x † Cyphocharax spilurus Potamorhina altamazonica POTALT † x Potamorhina laticeps POTLAT x † Potamorhina latior POTLAT x † 127 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Familia Cynodontidae Doradidae Especie Codigo 1981 2008 Psectrogaster rutiloides Steindachnerina bimaculata PSERUT † x STEBIM x † Steindachnerina elegans STEELE x † Hydrolycus scomberoides HYDSCO † x Rhaphiodon vulpinus RHAVUL x x Doras punctatus DORPUN † x DORSP † x Opsodoras boulengeri OPSBOU † x Oxydoras niger OXYNIG † x Platydoras costatus PLACOS x † Pterodoras granulosus PTEGRA x † Doras sp. Trachydoras paraguayensis TRAPAR † x Engraulidae Anchoviella carrikeri ANCCAR x x Erythrinidae Hoplerythrinus unitaeniatus HOPUNI x † Hoplias malabaricus HOPMAL x x Gasteropelecus sternicla GASSTE x x Gasteropelecidae Thoracocharax stellatus THOSTE x x Gymnotidae Gymnotus carapo GYMCAR x x Hemiodidae Hemiodus unimaculatus HEMUNI † x Hypophthalmidae Hypophthalmus edentatus HYPEDE † x Pyrrhulina brevis PYRBRE x † Pyrrhulina vittata PYRVIT x x Lepidosirenidae Lepidosiren paradoxa LEPPAR x † Loricariidae Ancistrus sp. ANCSP † x Hemiodontichthys acipenserinus HEMACI † x Hypoptopoma gulare HYPGUL x † HYPTHOR † x Lebiasinidae Hypoptopoma thoracatum HYPSP x x Loricaria cataphracta LORCAT x † Loricariichthys maculatus LORMAC x x Otocinclus vestitus OTOVES † x Hypostomus sp. Pterygoplichthys disjunctivus PTEDIS † x Pterygoplichthys gibbiceps PTEGIB x † Pterygoplichthys lituratus PTELIT † x 128 Efeitos na ictiofauna da Lagoa Tumichucua (Norte da Bolívia) depois da entrada do pirarucu Arapaima gigas (SCHINZ, em CUVIER, 1822) • Guido Miranda-Chumacero • Kelven Lopes • Yuba Sánchez • Helder L. Queiroz • Jaime Sarmiento Familia Especie Codigo 1981 2008 Pterygoplichthys multiradiatus PTEMUL x x PTESP † x Hemisorubim platyrhynchos HEMPLA x x Leiarius marmoratus LEIMAR † x Perrunichthys perruno PERPER x x Phractocephalus hemioliopterus PHRHEM x † PIMSP x x Pimelodus maculatus PIMMAC x x Pseudoplatystoma punctifer PSEPUN x x Pterygoplichthys sp. Pimelodidae Pimelodella sp. PSETIG † x RHAQUE x † Sorubim lima SORLIM x x Potamotrygon brachyura POTBRA † x Potamotrygon histrix POTHIS † x Potamotrygon motoro POTMOT x x Prochilontidae Prochilodus nigricans PRONIG x x Scianidae Plagioscion squamosissimus PLASQU x x Serrasalmidae Colossoma macropomun COLMAC x x Mylossoma duriventre MYLDUR x x PIABRA x x Pygocentrus nattereri PYGNAT † x Serrasalmus humeralis SERHUM † x Serrasalmus rhombeus SERRHO x x Serrasalmus spilopleura SERSPI † x Eigenmannia macrops EIGMAC x † Eigenmannia virescens EIGVIR x x RHAROS † x Pseudoplatystoma tigrinum Rhamdia quelen Potamotrygonidae Piaractus brachypomun Sternopygidae Rhamphichthys rostratus Synbranchidae Trichomycteridae Sternopygus macrurus STEMAC † x Synbranchus marmoratus SYNMAR x † Ochmacanthus sp. OCHSP † x Trichomycterus sp. TRICSP † x 129 A INTRODUÇÃO DE Arapaima cf. gigas NA AMAZÔNIA BOLIVIANA: IMPACTOS NAS PESCARIAS, CADEIAS DE VALOR EMERGENTES E PERSPECTIVAS PARA A GESTÃO COMUNITÁRIA Fernando M. Carvajal - Vallejos1, 3, Alison Macnaughton2, Claudia Coca1, Selín Trujillo4, Joachim Carolsfeld2, Paul A Van Damme1 RESUMO O Arapaima cf. gigas (paiche em espanhol e pirarucu no Brasil) foi introduzido no norte da Amazônia boliviana nos anos 70. Esta pesquisa apresenta uma visão geral de algumas das mudanças que estão ocorrendo nas pescarias comerciais locais 40 anos após essa introdução. As pescarias podem ser separadas em dois agrupamentos gerais – com base urbana e rural – dependendo da tecnologia utilizada, as áreas de pesca e os pescadores envolvidos. Foi realizado um estudo dos desembarques comerciais (composição e volumes) e características da cadeia de valor durante o período de baixo nível de água (agosto – setembro de 2011). Os resultados demonstram que a pesca comercial na região explorou mais de 25 espécies diferentes, com pirarucu contribuindo 80% dos desembarques totais de base urbana, e 35% dos desembarques rurais. Foi constatado que a cadeia de valor tem dois canais principais inter-relacionados, um com espécies nativas menores abastecendo os mercados locais em Riberalta, e outro com o Arapaima e algumas espécies nativas maiores exportados principalmente para os centros urbanos na Bolívia (Santa Cruz, Cochabamba e La Paz) e no Brasil. Pescarias artesanais da Amazônia boliviana estão em transição, em parte por causa da introdução do pirarucu, mas também devido a outros fatores. A participação rural na pesca comercial está aumentando à medida que o acesso rodoviário está sendo aprimorado. Os conflitos estão emergindo enquanto territórios indígenas exigem seu direito FAUNAGUA (Instituto de Pesquisas Aplicadas em Recursos Aquáticos), final Av. Max Fernández, s/n, zona Arocagua Norte, Sacaba, Cochabamba, Bolívia. www.faunagua.org 2 World Fisheries Trust (WFT), 434, Russell St. Victoria B.C., Canadá V9A 3X3, telefone 1-250-380-7585. www.worldfish.org 3 Unidad de Limnologia y Recursos Acuáticos (ULRA), Facultad de Ciencias y Tecnología (FCyT), Universidad Mayor de San Simón (UMSS), Calle Sucre frente al parque La Torre, s/n, Cochabamba, Bolívia, telefone (591 4) 4.235.622 . lab-ulra.com 4 FEUPECOPINAB, Riberalta, Bolívia * Autor para correspondência: [email protected] 1 131 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados de pescar comercialmente, mudando o padrão de acesso a recursos. Um projeto integrado de pesquisa e desenvolvimento da pesca na região está em andamento. São consideradas também algumas reflexões sobre processos participativos na gestão de pescarias e os meios de subsistência locais em transição. Finalmente, são apresentadas algumas implicações e futuras perspectivas relativas à gestão comunitária. INTRODUÇÃO Pescarias artesanais de água doce são extremamente importantes em muitas partes do mundo, particularmente em países em desenvolvimento, em que eles fornecem sustento e emprego para inúmeras pessoas, muitas vezes economicamente marginalizadas. Na maioria das vezes, são projetos de múltiplas espécies que dependem de vários elementos da biodiversidade aquática local. A introdução das espécies, embora seja uma das principais ameaças à biodiversidade, podem contribuir significativamente para essas pescarias, às vezes mudando dramaticamente seu caráter e benefícios sociais. (CUCHEROUSSET; OLDEN, 2011). A Amazônia boliviana contém uma notável riqueza de biodiversidade de peixes, com pelo menos 700 espécies (CARVAJAL-VALLEJOS; ZEBALLOS FERNÁNDEZ, 2011), não incluindo a diversidade que, provavelmente, existe nos lugares mais remotos e menos estudados da região. Uma parte dessa biodiversidade são de peixes de médio para grande porte que suportam as tradicionais pescas de subsistência e, mais recentemente, a pesca comercial em pequena escala. O peixe é a principal fonte de proteína em muitas das áreas rurais (SALAS et al., 2011; CARVAJAL-VALLEJOS et al., 2011b.). O governo boliviano identificou a Amazônia como uma região prioritária para desenvolver e reduzir a pobreza, enquanto mantém a biodiversidade e riqueza ambiental. Isso está expresso na Nova Constituição (CONSTITUCION DEL ESTADO, 2009) e no Plano Nacional de Desenvolvimento (PLAN NACIONAL DE DESARROLLO, 2006). Atualmente, as pescarias na região são todas em pequena escala; a maioria em situação irregular, mal organizada, e sujeita a uma pressão crescente de exploração e conflitos entre usuários, além de estarem ameaçadas pelo aumento de urbanização e de projetos em desenvolvimento em grande escala (como propostas de hidrelétricas) que irão degradar os hábitats aquáticos. Pescarias e meios de subsistência na região estão em transição devido ao avanço do desenvolvimento, dos mercados emergentes e da evolução de políticas e leis governamentais. A melhoria da segurança alimentar para a população local é um dos principais desafios. Embora a introdução de peixes tenha estado presente na região de Altiplano por muitos anos, as pesquisas sobre os impactos das espécies invasoras na Bolívia é relativamente nova, com muito pouca informação sobre seus impactos ecológicos – particularmente na Amazônia. Felizmente, o número de espécies introduzidas na Amazônia boliviana aparenta ser bastante baixo (CARVAJAL-VALLEJOS et al., 2011a), 132 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme quando comparado aos países vizinhos, como o Brasil (por exemplo, ALVES et al., 2007). No entanto, como a preocupação pública sobre como prevenir ou tratar espécies introduzidas para preservação da biodiversidade existente é pouco expressada, e como a atual legislação não regula adequadamente a venda ou o movimento de espécies não nativas entre bacias hidrográficas, as taxas de introdução poderiam aumentar significativamente. Conforme apresentado neste relatório, o pirarucu (Arapaima cf. gigas) é uma espécie que foi introduzida na região nas últimas décadas e que está gerando impactos radicais socioeconômicos e políticos, ainda que as consequências ecológicas não sejam bem compreendidas. Esta pesquisa oferece uma visão geral sobre as mudanças nas pescarias comerciais na Amazônia boliviana e algumas sugestões de direções e perspectivas futuras em relação às oportunidades de desenvolver uma gestão comunitária. Isso começa com algumas perspectivas sobre as principais características da pescaria antes da introdução do pirarucu, seguido por um breve histórico da introdução dessa espécie na Bolívia. O Projeto “Peces para la Vida”, uma iniciativa de cooperação internacional, com muitos interessados, cujo objetivo final é ajudar a construir pescarias sustentáveis e equitativas, incluindo espécies nativas e introduzidas é aqui apresentado. São apresentados também alguns dos dados coletados por meio deste projeto, incluindo informações sobre a frota comercial das pescarias regionais, e os desembarques urbanos e rurais em Riberalta. A pesca é caracterizada em comunidades indígenas rurais da região, incluindo algumas perspectivas locais; e descritos os conflitos que surgiram entre os utilizadores dos recursos. São apresentadas oportunidades para o desenvolvimento de modelos de gestão e planos de extração, e também é abordada a potencial contribuição dos processos participativos. Por fim, são apresentadas algumas reflexões sobre a pescaria e os meios de subsistência em transição, seguidos de conclusões e perspectivas futuras. Pescarias da Amazônia boliviana Agricultores rurais e periurbanos e as comunidades indígenas da Amazônia boliviana envolvidos na pescaria artesanal e na aquicultura são os mais pobres (INE, 2001) e têm os alimentos mais inseguros (FAO, 2008) do país. Eles sobrevivem em condições muito básicas de vida, muitas vezes sem acesso à educação, saúde, água, saneamento, estradas, transporte e comunicações. Em geral, eles não têm influência política com as autoridades regionais e nacionais, e são muito mais vulneráveis a choques sociais, econômicos ou ambientais do que outros grupos. Antes da introdução do pirarucu, a atividade de pesca comercial na região era praticada primeiramente nos principais canais fluviais e se concentrava em peixes de médio a grande porte, como o pacu (Colossoma) e o tambaqui (Piaractus), o bagre, o surubim e o caparari (Pseudoplatystoma spp.) (CDP, 1990). Esses peixes abasteciam mercados regionais em Riberalta, assim como algumas cidades no interior da Bolívia e do Brasil. O volume de captura comercial total estimado era cerca de 50% menor do que é hoje (VAN DAMME et al., 2011). 133 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Desde esse momento, a pesca comercial tem aumentado e mudado devido a diversas razões, independentemente da chegada do pirarucu. A reforma agrária no início dos anos 80 resultou no restabelecimento e fortalecimento de comunidades tradicionais na região, seguidos pelo estabelecimento de territórios indígenas promovendo com mais clareza os direitos ao acesso e uso de recursos. Estradas de acesso e disponibilidade de gelo, ainda em ambiente rústico, proporcionaram alguns canais para trazer os peixes para o mercado, e a demanda por peixe local aumentou com a crescente população urbana. Assim, enquanto os recursos das pescarias estavam cada vez mais sujeitos a uma variedade de ameaças antrópicas, incluindo a perda ou modificação de hábitat e a introdução de espécies não nativas (CASAL, 2006), as pescarias continuam a expandir. Atualmente, eles continuam, provavelmente, dentro do potencial produtivo da região (VAN DAMME et al., 2011). A introdução do pirarucu na Bolívia O pirarucu é um enorme peixe de respiração aérea e de língua óssea, nativo do principal afluente do Amazonas e de outros rios do norte da América do Sul, onde é conhecido também como arapaima ou paiche. Sua distribuição natural é de aproximadamente 2 milhões de km2, incluindo porções Amazônicas no Peru, Colômbia, Equador, Brasil e Guiana (CASTELLO; STEWART, 2010). Mais de 40 anos atrás (nos anos 70), a espécie foi introduzida pelo governo peruano na parte alta da Bacia do Madera em Puerto Maldonado, Peru, no Rio Madre de Dios (CARVAJAL-VALLEJOS et al., 2011a). Antes disso, o pirarucu não era presente na porção superior da Bacia do Madera, possivelmente devido a uma série de cachoeiras nos 300 km de rio entre Guayaramerín (Bolívia) e Porto Velho (Brasil). Após essa introdução, a espécie expandiu pela corrente ao longo do Rio Madre de Dios e em bacias conectadas no território boliviano (CARVAJALVALLEJOS et al., 2011a; MIRANDOCHUMACERO et al., 2012). A falta de familiaridade com o pirarucu resultou numa inicial falta de interesse de pesca, o que provavelmente contribuiu para o povoamento, tornando-se rapidamente estabelecida e abundante (CARVAJALVALLEJOS et al., 2011a). Os primeiros relatos de pirarucu capturados na região ocorreram no início dos anos 80 (CARVAJAL-VALLEJOS et al., 2011a), quando os pescadores foram surpreendidos pelo tamanho incrível e pelo comportamento estranho dos peixes na superfície. Uma vez que não eram conhecidos anteriormente na região, foram inicialmente vendidos em filés como surubim-bagre, uma das espécies mais procuradas na Bolívia, assim como as outras espécies que possuem características de textura e sabor semelhantes. Dessa maneira, o peixe começou a abastecer os mercados regionais, bem como cidades no interior da Bolívia. Uma vez que foi descoberto que o pirarucu era muito valorizado nos mercados brasileiro e peruano, o interesse na pesca comercial aumentou rapidamente e significativamente entre pescadores urbanos e distribuidores em Riberalta (HERRERA, 2009). Atualmente, 134 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme a carne do pirarucu é bem aceita nos principais centros urbanos de Santa Cruz, La Paz e Cochabamba, além dos mercados regionais nas cidades amazônicas. Nos mercados bolivianos em geral, o pirarucu tem preenchido parte da demanda insatisfeita por peixes. Em alguns casos, o pirarucu substitui espécies nativas que são geralmente menores e que, portanto, requerem um esforço maior para conseguir um peso comparável. O pirarucu também é vendido em quantidades significativas na fronteira do Peru e do Brasil. O pirarucu tornou-se um dos peixes mais importantes comercialmente na Amazônia boliviana. As poucas estatísticas disponíveis indicam que ele substituiu, de forma significativa ,as espécies nativas comerciais mais caras dos desembarques em Riberalta, um eixo de pesca regional dos últimos 10 anos, e que, atualmente, constitui mais da metade de todo o desembarque da cidade (VAN DAMME, 2006; CARVAJAL et al., 2011a). Crescentemente, a pescaria comercial foi levada dos rios para os lagos, onde o pirarucu vive. No entanto, muitos desses lagos estão localizados em terras recentemente designadas como comunitárias, incluindo grandes territórios comunitários indígenas (Tierra Comunitaria de Orígenes – TCOs) e comunidades rurais menores, criando algumas tensões. A introdução do pirarucu na Amazônia boliviana, portanto, não só catalisou uma mudança na composição das pescarias, mas também na estrutura da cadeia de valor das pescarias e das relações socioeconômicas entre os pescadores comerciais urbanos e das comunidades indígenas e rurais. O projeto “Peces para la Vida” Em 2011, o “Projeto Peces para la Vida” (PPV) foi lançado para facilitar as contribuições das pescarias para a segurança alimentar local dentro do cenário em transição das pescarias e sociedades. O objetivo final do projeto é ajudar a construir uma gestão sustentável e equitativa das pescarias, incluindo espécies nativas e introduzidas, enquanto dados são coletados e ambientes sociais e organizacionais de apoio são construídos, operando através de uma janela de oportunidades e interesses criados em torno da avaliação e melhorias de uma cadeia de valor integrada e participativa. Fundamentado nos princípios da gestão baseada na comunidade, o projeto enfrenta desafios semelhantes para o desenvolvimento de um tal regime, conforme descrito por Thompson e Sultana (2007) e como descrito para o desenvolvimento da gestão do pirarucu brasileiro por Castello et al. (2009). O local da área de estudo está no norte da Amazônia boliviana (nas bacias hidrográficas do alto Madera), em torno da cidade portuária de Riberalta, logo acima da confluência dos rios Orthon, 1 1 135 O projeto “Peces para la Vida: Pescarias, Aquicultura e Segurança Alimentar na Amazônia boliviana” é uma iniciativa de 3 anos (20112014), coordenado por FAUNAGUA, World Fisheries Trust e AGUA SUSTENTABLE, com o apoio do IDRC (Centro International de Pesquisa de Desenvolvimento) e da Agência Canadense Internacional de Desenvolvimento (ACDI-CIDA) através do Fundo Canadense Internacional de Pesquisa de Segurança Alimentar (CIFSRF). Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Madre de Dios e Beni e corredeiras que são consideradas como uma barreira para a expansão rio acima de uma série de espécies de peixes na Amazônia baixa e central, incluindo o pirarucu. O Beni é um típico rio andino de águas bravas, injetando mais sedimentos suspensos do que qualquer outro afluente da Bacia do Madera (MOLINA; VAUCHEL, 2011). Na sua planície relativamente estreita, o Beni formou lagos (lagos marginais), que são sazonalmente isolados do canal principal. O Orthon, que flui para o Beni abaixo da confluência com o Madre de Dios, é um rio de águas mistas (NAVARRO; MALDONADO, 2002), formado pela confluência dos rios Tahumanu e Manuripi. O Madre de Dios flui dos Andes peruanos rio acima da cidade de Puerto Maldonado. É um outro significante sistema de águas bravas que transporta grandes quantidades de sedimentos em suspensos, e que faz parte de um mosaico de corpos d’água, que inclui córregos e pequenos afluentes. A área de estudo coincide com a zona de pescaria da frota comercial de base urbana em Riberalta. Consiste em pescadores periurbanos que exploram espécies nativas de peixes nos rios e agem como intermediários para trazer os peixes de lagos (principalmente o pirarucu) para o mercado. Esses pescadores estão organizados em duas estruturas locais de pesca. Varejistas de pequeno porte, muitos deles mulheres, também são organizados em associações locais e ligados diretamente às organizações de pesca, vendendo o produto nos mercados urbanos. Quarenta e oito comunidades indígenas estão localizadas nas bacias baixas dos rios Beni, Madre de Dios e Mamoré. Trinta e cinco delas estão organizadas em TCOs designados. Com recentes direitos territoriais garantidos, os grupos indígenas estão agora lutando através de conflitos para resolver o acesso e utilização dos direitos de recursos naturais. Oportunidades emergentes de pescaria comercial são uma questão fundamental neste debate. Uma relativa proporção elevada de pessoas nas comunidades indígenas localizadas perto de lagos ou rios participa de alguma forma de pesca de subsistência ou de consumo de peixe, baseado na tradição local. A participação indígena na pescaria comercial (espécies nativas e mais recentemente o pirarucu) está aumentando, embora haja uma variedade de barreiras, incluindo o acesso aos mercados. O TCO Território Indígena Multiétnico II (TIM II), localizado ao sul de Riberalta e incluindo partes das bacias de Madre de Dios e Beni, é um território onde o uso do peixe está entre as principais atividades econômicas e de subsistência. Quatro comunidades nesta área (Trinidacito, Flor de Octubre, Lago El Carmen, 27 de Mayo) foram consideradas representativas para coletar dados da pescaria indígena para este estudo. A frota das pescarias regionais Na região estudada, a atividade de pesca está focada nos lagos e outros elementos aquáticos associados com os Rios Madre de Dios, Beni, Orthon, Biata, Ivón e Geneshuaya. A pesca é realizada por pescadores de base urbana de Riberalta, bem como por pescadores rurais das 136 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme comunidades indígenas localizadas na região circundante de Riberalta, a principal cidade portuária. Os pescadores constituem a base produtiva para a cadeia de valor das pescarias e, ao mesmo tempo, constituem o grupo mais vulnerável e que recebe a menor remuneração para a sua atividade. O período de estudo correspondeu à estação de baixo nível de água (alta atividade de pescaria), entre agosto e setembro de 2011. Durante o estudo, os pescadores foram divididos em dois grupos de acordo com a localização de residência e propriedade de terra: 1) urbano, e 2) rural (indígenas). Os pescadores urbanos foram divididos entre os que possuem barcos ou não: 49 pescadores urbanos possuíam barcos próprios, 160 pescadores urbanos não os possuíam. Além disso, 106 pescadores indígenas em TCO TIM II foram identificados na área de estudo. Isso representa um possível aumento a partir dos dados apresentados em um censo nacional de 2001 que relata 164 pescadores urbanos em Riberalta, e 52 pescadores indígenas (somente comunidade de Trinidacito) na região de estudo (INE, 2001, resumido por VAN DAMME et al., 2011). Tradicionalmente, as comunidades indígenas da região estudada praticam pescaria de subsistência sazonal, com estratégias de sustento que também incluem a colheita de nozes (castaña – Castanha-do-Brasil) e outros produtos florestais não madeireiros, caça e pequenas atividades agrícolas. Devido a uma série de fatores, incluindo a melhoria do acesso com novas estradas e, possivelmente, a perda de plantio pelo aumento de chuvas e inundações, muitas dessas comunidades estão, cada vez mais, participando da pescaria comercial, com um notável aumento nos últimos cinco anos. Desembarques das pescarias de base urbana em Riberalta Oitenta e quatro desembarques de base urbana foram registrados em Riberalta, durante o período de estudo, 50 em agosto e 34 em setembro. Para ambos os meses, apenas 15% (6 170 kg) do desembarque correspondeu a barcos grandes (> 1.000 kg de capacidade), enquanto que 52% (11 122 kg) correspondeu a barcos de médio porte (501 – 1 000 kg de capacidade), 13% (5 347 kg) a pequenas embarcações (201 – 500 kg), e os 20% restantes (8 226 kg) a embarcações bem pequenas (< 200 kg de capacidade). Os desembarques de base urbana foram compostos de 25 espécies, representando quatro ordens. Characiformes (cinco famílias, 10 espécies) e Siluriformes (quatro famílias, 12 espécies) foram os mais representados no nível de ordem, enquanto as famílias Pimelodidae (Siluriformes) e Serrasalmidae (Characiformes) foram as mais diversas, com nove e cinco espécies, respectivamente. A ordem dos Osteoglossiformes foi representada por pirarucu, o único peixe não nativo nesses desembarques. Os desembarques advindos de barcos de médio e grande porte são quase exclusivamente de pirarucu, enquanto que os barcos pequenos pescam uma variedade de espécies, incluindo o pirarucu (COCA MENDEZ et al., 2012). O volume total de desembarque de peixe registrado durante o período de estudo foi de 41.130 kg. Com base nessas informações, estimamos que 20.565 kg / mês são pescados durante o período 137 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados de baixo nível de água. O pirarucu representou 80% e as espécies nativas 20% do peso total capturado (Figura 1a). 70% por cento da captura (incluindo quase exclusivamente o pirarucu – 86% do total de desembarque de pirarucu) são vendidas para “maioristas” – os distribuidores atacadistas que primeiramente enviam o peixe por via aérea para as principais cidades do interior da Bolívia. Os 30% dos peixes restantes (principalmente espécies nativas e alguns pirarucus) são vendidos (através dos maioristas, ou diretamente pelos pescadores) para “minoristas” – varejistas locais (principalmente mulheres) que vendem o peixe em dois mercados locais em Riberalta e diretamente para restaurantes. Em alguns casos (principalmente em barcos muito pequenos), os peixes também são vendidos diretamente pelos pescadores aos consumidores. Desembarques rurais comerciais em Riberalta As pescarias indígenas rurais usam equipamentos mais básicos e investem menos tempo e dinheiro em comparação aos pescadores de base urbana. Em geral, a pescaria rural ocorre em lagos marginais e córregos próximos às comunidades. O principal tipo de equipamento utilizado é a rede de espera, verificada duas ou três vezes ao longo de um período de pesca de sete horas, geralmente no final da tarde e durante a noite. Uma pesca média de 40 – 80 kg (acumulada ao longo de dois ou três dias) é, então, transportada para os mercados em Riberalta como carga em caminhões regulares que fornecem serviços às comunidades, ou, com menor frequência, de motocicleta. Quando o transporte de caminhão é utilizado, os peixes em caixas de isopor (às vezes com gelo) são entregues diretamente nas casas dos maioristas e de alguns minoristas, com quem os pescadores têm contratos verbais para receber peixes. Os peixes são classificados em pirarucu e três classificações de peixes nativos, dependendo da espécie, tamanho e nível de conservação, cada uma com um valor diferente. Por exemplo, um pacu (Colossoma) poderia ser classificado como de alta qualidade, se for de mais de um quilograma, mas com uma qualidade secundária, se menor. Maioristas e alguns minoristas compram o peixe e também fornecem gelo e equipamentos de pesca aos pescadores rurais (a preços relativamente altos e, frequentemente, incluindo, uma taxa de serviço), criando uma relação de dependência em longo prazo. No Mercado de Abasto em Riberalta, 22 380 kg/mês de desembarques pesqueiros rurais foram registrados nos dois meses de monitoramento, 65% (14 547 kg) foram de peixes nativos e 35% de pirarucu (Figura 1b). Dos 14.547 kg de peixes nativos, 29% (4 252 kg) foram classificados como de alta qualidade, 52% (7 609 kg), de segunda qualidade; e 18% (2 686 kg), de terceira qualidade. A pesca em comunidades indígenas rurais A atividade pesqueira indígena (de subsistência e comercial) foi ainda caracterizada por entrevistas e observações em quatro comunidades. 138 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme Figura 1 - Contribuição de pirarucu e de espécies nativas para os desembarques das pescarias urbanas e rurais na cidade de Riberalta durante agosto e setembro de 2011. Foi descoberto que as pescarias nessas comunidades eram de quatro ordens e status taxonômicos compostos de 16 famílias, 38 gêneros e 43 espécies. As ordens mais importantes para a pesca de sua subsistência e comercial, em número de espécies, foram os Characiformes (23 espécies), Siluriformes (14 espécies) e Perciformes (5 espécies). O pirarucu Osteoglossiforme não nativo também estava presente. As famílias com mais espécies na criação de peixes foram Serrasalmidae – nove espécies (Characiformes), Pimelodidae – oito espécies (Siluriformes) e Cichlidae – quatro espécies (Perciformes). A composição de espécies para a subsistência era basicamente a mesma nas quatro comunidades estudadas, mas a composição de espécies comerciais era muito diferente em Trinidacito (bacia do Rio Madre de Dios). Nessa comunidade, 28 espécies são pescadas para consumo doméstico, enquanto a pescaria comercial explora quase exclusivamente pirarucu e esporadicamente quatro outras espécies de grande porte (Colossoma macropomum, Piaractus brachypomus, Pseudoplatystoma fasciatum e P. tigrinum). Em todas as quatro comunidades, o pirarucu é uma das espécies mais importantes para as pescarias comerciais emergentes. As pescarias comerciais indígenas dessas comunidades fazem parte dos volumes de pesca estimados que foram descritos no tópico anterior (Desembarques pesqueiros rurais em Riberalta). Pescadores da comunidade de Trinidacito (bacia do rio Madre de Dios) usam principalmente anzóis e linhas extrafortes e longas linhas para pescar o pirarucu e, ocasionalmente, outros peixes nativos de grande porte (por exemplo, a espécie Pseudoplatystoma). O uso de redes de espera não é permitido para a pescaria comercial, de acordo com as regras informais da pesca local e da organização comunitária. As redes de espera utilizadas para peixes pequenos, para consumo doméstico ou isca, são permitidas. Existe pouco ou nenhum uso de gelo para a conservação, e os pescadores vendem o peixe para um 139 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados minorista local que o transporta ou envia de moto para maioristas em Riberalta. Em comparação, as três comunidades do sul (bacia do Rio Beni) usam principalmente redes de espera e linhas, e às vezes, longas linhas para as pescarias comerciais, incluindo tamanhos diferentes para fins comerciais e de subsistência. Enquanto as comunidades também desenvolvem tecnologia e conhecimento para pescar o pirarucu usando grandes redes de espera especiais, chamados localmente de “mallón”, a captura de pirarucu continua a ser menos frequente do que a das espécies nativas, possivelmente por causa do tamanho menor dos lagos. O anzol e a linha são usados para capturar espécies de pequeno a médio porte para consumo doméstico. O gelo é mais acessível (devido ao tráfego constante nas estradas) e, consequentemente, utilizado com mais frequência para conservar os peixes. O transporte para Riberalta é feito pelo caminhão de abastecimento diário ou, no caso de pirarucus particularmente grandes, de motocicleta. A cadeia de valor regional de pescarias A cadeia de valor da pesca comercial regional é composta basicamente de seis níveis, ligados em duas cadeias relativamente diferenciadas, em que os pescadores (urbanos e rurais) fornecem peixes a uma série de intermediários para três principais grupos de consumidores finais, incluindo Riberalta (mercados Abasto e Central), principais centros urbanos da Bolívia e do outro lado da fronteira para o Brasil. Os atuantes incluem os pescadores (urbanos e rurais), maioristas, processadores de peixe (às vezes contratados pelos maioristas para limpar e preparar o pirarucu em pedaços grandes ou filés), minoristas, diversos pequenos exportadores intermediários e consumidores finais. Tem-se observado que algumas espécies específicas do TCO TIM II, principalmente pirarucu, pacu e piraíba (Brachyplatystoma filamentosum) às vezes são comercializadas para os mercados brasileiros no Estado de Rondônia, com a ajuda de intermediários na cidade fronteiriça de Guayaramerín (COCA MENDEZ et al., 2012). A representação geral da cadeia de valor e sua principal relação entre os níveis são representadas na figura 2. Opiniões da comunidade indígena sobre a gestão das pescarias Embora não se tenha informações suficientes para representar completamente as opiniões dos pescadores rurais indígenas, os informantes-chave que foram entrevistados para este trabalho trouxeram uma série de perspectivas quanto ao seu interesse no desenvolvimento das pescarias comerciais. Estes incluíram uma preocupação para a sustentabilidade em longo prazo de recursos aquáticos, e a incerteza sobre a melhor forma de se conseguir isso, dado o impacto sem precedentes que o pirarucu está tendo na pescaria de espécies nativas. Aspectos positivos da introdução de pirarucu que foram mencionados pelos entrevistados incluem: o importante valor econômico do pirarucu, a sua abundância relativa em lagos e riachos, a boa aceitação de sua carne em mercados comerciais, a captura relativamente 140 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme Figura 2 - Mapa da representação geral da cadeia de valor das pescarias regionais de Riberalta*: O processamento de peixe refere-se à limpeza, desossa e embalagem em sacos plásticos (de 10 kg) para o transporte aéreo. As linhas pontilhadas enquadram dois papéis, muitas vezes realizados pelos próprios distribuidores atacadistas; embora às vezes o processamento seja subcontratado. simples, a grande quantidade de carne produzida e facilidade de processamento (filetagem). Comentários negativos sobre o pirarucu não foram frequentes, mas incluiu o fato de que este peixe não faz parte da dieta tradicional, e uma percepção de que os estoques de peixes nativos, que são parte da dieta tradicional, estão diminuindo por causa da predação do pirarucu. Alguns entrevistados (pescadores locais) foram a favor da busca de uma estratégia para reduzir as populações gerais de pirarucu a fim de incentivar 141 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados a recuperação dos estoques dos peixes nativos para níveis históricos. Outros (líderes comunitários) sugeriram uma estratégia que permita a exploração em longo prazo de pirarucu e ao mesmo tempo conserve a diversidade local. Eles veem isso como garantia do bem-estar das famílias que vivem em comunidades indígenas em longo prazo, assegurando a segurança alimentar de espécies nativas e o desenvolvimento econômico do pirarucu. Em geral, embora alguns atuantes não enxergassem a necessidade de uma gestão, a perspectiva geral da comunidade sugeriu que a sustentabilidade do pirarucu deveria ser gerida em longo prazo, da mesma forma que as espécies nativas. Avaliações adicionais são necessárias para determinar a viabilidade desta abordagem, uma vez que nós ainda não entendemos completamente como o pirarucu irá afetar os estoques de peixes nativos, ou qual o impacto que ele terá nas relações socioeconômicas dentro das comunidades e entre elas. Conflitos emergentes Conflitos sobre o acesso e uso de direitos de recursos aquáticos no norte da Bolívia representam, potencialmente, um dos problemas mais significativos, tanto para o fornecimento de peixe aos mercados, quanto para o bom planejamento de uso sustentável e de conservação. Reformas agrárias e o estabelecimento dos territórios indígenas têm transformado drasticamente a paisagem das propriedades rurais, criando áreas significativas de propriedade comunitária, cercadas por terras públicas, cada uma com regras diferentes (Figura 3). O uso e acesso aos recursos terrestres, de propriedade legal e de acesso aos recursos pesqueiros e sua comercialização continua bastante indefinido. Por exemplo, enquanto uma comunidade indígena pode possuir as vias de acesso a um lago (de acordo com a lei de territórios indígenas), a propriedade legal dos recursos pesqueiros é incerta (a ser definida com propostas de novos regulamentos nacionais). A comercialização hoje não é praticada legalmente (de acordo com as regras existentes definidas pelo governo indígena TIM II). Essa incerteza jurídica, juntamente com a dinâmica da cadeia de valor que está emergindo com a pesca do pirarucu e conflitos mais independentes, entre inerentes atuantes às cadeias de valor para outras pescarias na região, representam sérios riscos que poderiam inviabilizar qualquer avanço em relação à gestão de recursos integrados e de melhoria da segurança alimentar. O projeto PPV tem trabalhado na criação e construção de instituições de interesses múltiplos com representação transversal que estão mostrando uma promessa substancial, mesmo na ausência de uma certeza jurídica. Uma abordagem de pesquisa participativa para integrar o mapeamento da cadeia de valor está também ajudando a criar canais positivos de comunicação entre atuantes de potencial conflito – por exemplo, durante a recente revisão colaborativa de uma proposta de nova lei pesqueira. Modelo de gestão proposto e plano de extração A fim de alavancar a gestão, uma série de medidas é necessária, além do 142 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme consenso entre as partes interessadas. Alguns recursos naturais na Amazônia boliviana (por exemplo, Caiman yacare) são geridos através de um “plano de exploração de recursos”, que inclui uma série de requisitos para a coleta de dados, consulta, etc. Parte dessa informação inclui uma compreensão mais ampla não só do recurso em si, mas também das práticas tradicionais e uso pela população local. Embora este tipo de plano de gestão não seja exigido por lei para os recursos de pescarias, informações básicas sobre a biologia, a genética, a distribuição, preferências de hábitat e potenciais áreas de colonização Figura 3 - Representação de áreas comunitárias (TCOs), cercadas por territórios públicos na área de estudo, no norte da Amazônia boliviana. 143 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados do pirarucu são urgentemente necessárias para fornecer informação para tomada de decisão. Muito pouco dessa informação está disponível para os ecossistemas aquáticos bolivianos. O progresso está sendo feito nesta frente pelo projeto PPV, principalmente com abordagens apresentadas pelo monitoramento participativo – como a avaliação das unidades de pirarucu por contagem de indivíduos quando eles vêm à superfície para respirar o ar, uma tecnologia adaptada a partir de uma experiência brasileira (por exemplo, CASTELLO, 2004). Contribuição dos processos participativos Quatro focos metodológicos foram integrados na maior parte da pesquisa: a) Uma estratégia de compromisso das organizações e atuantes locais que os envolve no projeto de pesquisa e coleta de dados de campo e em uma fase posterior na construção do conhecimento e validação de dados. Isso foi usado para a pesquisa em pescarias e cadeias de valor, destinado também a iniciar o processo de fortalecimento técnico organizacional e de capital social. b) Uma “Abordagem Integrada de Análise da Cadeia de Valor” qualitativa desenvolvida por M. John Wojciechowski no trabalho com as comunidades de pesca artesanal no Brasil (MACNAUGHTON et al., 2010) foi adaptada para o contexto local. Isso foi implementado através de um workshop na comunidade com diversas partes interessadas e grupos de discussão. c) Uma abordagem quantitativa para caracterizar a cadeia de valor e construir uma base de informação de pescarias, incluindo as vias e volumes de extração, distribuição e vendas em Riberalta, com entrevistas de informantes-chave. d) E, finalmente, um processo de desenvolvimento de liderança orientado por atuantes foi baseado na introdução de inovações técnicas e sociais através de fóruns de diálogo, intercâmbio técnico e oportunidades de aprendizado mútuo. Esses métodos foram aplicados no desenvolvimento dos seguintes elementos: a) um levantamento preliminar da participação rural e urbana no setor das pescarias, incluindo elementos de acesso e padrões de utilização; b) um mapa qualitativo, conceitual da cadeia de valor que fornece informações sobre os diferentes atuantes, relações e fluxos, bem como os principais pontos de gargalo, que foram posteriormente discutidos em fóruns para identificar oportunidades de uma forma que constrói a transparência, confiança e colaboração entre os atuantes diretos e indiretos; c) uma linha de base quantitativa de informação que fornece informações-chave da cadeia de valor e de produção das pescarias; e d) a integração e validação de dados qualitativos e quantitativos em oficinas participativas. Atividades de formação, incluindo a monitorização do pirarucu com base na tecnologia brasileira, têm proporcionado ricas oportunidades de aprendizagem e troca mútua que vão muito além da simples contagem de peixes. Análises de cadeias de valor e outros fóruns de partes interessadas permitiram processos de reflexão 144 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme crítica e transformadora de grupo de aprendizagem sobre as pescarias. Apesar de não confrontar diretamente o acesso existente e conflitos de uso, esses fóruns ajudaram a identificar potenciais áreas de interesse comum e problemas práticos ou gargalos. Isso pode proporcionar novas oportunidades para a construção de coalizões e, finalmente, gestões de conflito. A abordagem contribuiu para o fortalecimento e a comunicação entre os atuantes locais, construindo condições para a governança colaborativa e o fortalecimento da gestão social da cadeia de valor em longo prazo. No workshop, o foco era sobre a participação conjunta de representantes do setor de pesca rural indígena e urbana, representando as duas perspectivas e seus gargalos associados em um fórum coletivo. Todas essas atividades proporcionaram uma oportunidade para o desenvolvimento de liderança e o fortalecimento de capital social, processos que têm sido identificados como elementos críticos para iniciativas de gestão das pescarias com base na comunidade para ser bem-sucedida, contribuindo para o sucesso social, econômico e ecológico por Gutierrez et al. (2011). Ostrom (2010), ao descrever a importância do envolvimento da comunidade na gestão dos recursos de que dependem, também se refere à importância de processos participativos no sentido de garantir esse compromisso em longo prazo. O projeto PPV tem empregado esta abordagem nas avaliações da cadeia de valor, treinamentos, e uma variedade de outras atividades para construir a capacidade de liderança e gestão. A situação da Bolívia mostrou suas particularidades diferentes daquelas previstas por Ostrom (2010) e Castello et al. (2009) como elementos-chave para a construção da gestão comunitária de sucesso. As pescarias ainda não experimentaram também o nível de escassez de recursos que tem sido um incentivo fundamental para a busca e adoção de medidas de gestão na maioria dos casos, incluindo o Brasil. Um desafio será conceber e implementar tais medidas preventivamente com suporte ao usuário. Nas entrevistas com os principais informantes locais, também é evidente que pode haver algumas éticas de conservação inerentes nas comunidades, e que os processos participativos empregados no projeto até o momento podem ajudar a fortalecer um propício ambiente positivo para essas perspectivas se desenvolverem ainda mais. Pescarias e meios de subsistência em transição Há uma série de fatores que enriquecem e complicam a cadeia de valor e as situações de gestão das pescarias no que diz respeito a pescarias de pirarucu emergentes. Por exemplo, em um levantamento preliminar dos impactos socioeconômicos da introdução de pirarucu e pescaria em uma comunidade rural, foi identificado que o novo potencial comercial de pirarucu estimulou pescadores da comunidade a formar uma associação de pescarias. A associação trabalhou para garantir direitos exclusivos de 145 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados recursos, organização de gerenciamento de licenças e aprimoramento da distribuição e vendas diretas do peixe em mercados regionais. No entanto, apesar da estratégia organizacional dos pescadores, as pescarias de pirarucu nesta comunidade têm, até agora, reforçado o sistema existente de “habilito”, construído em relações de dependência entre os intermediários e os pescadores locais. Altos custos de expedição, tecnologia de conservação inadequada e gargalos para acesso aos mercados regionais, presumivelmente, são fatores que favorecem tais relações (HERRERA, 2009). O mix de atividades de subsistência em comunidades rurais também está mudando, com uma variedade de implicações. Em alguns casos, houve uma transição de pescarias de diversas espécies, que variam na intensidade sazonalmente e são realizadas para a subsistência e a atividade comercial em pequena escala, de uma forma mais intensiva, pescaria de espécie única (pirarucu) que se concentra em vendas comerciais. Isso pode estar provocando o deslocando de algumas atividades pesqueiras de subsistência e aumentando a interação da comunidade rural na economia baseada em dinheiro, possivelmente afetando a segurança alimentar local por meio de mudanças na dieta e, talvez, um menor consumo de peixe. Em geral, a atual tendência crescente nas aldeias rurais, como Trinidacito, de priorizar a pesca de pirarucu sobre outras estratégias de geração de renda é, provavelmente, parte de uma estratégia adaptativa. Esta abordagem também pode incluir outras atividades (como a coleta de castanha-do-Brasil), que variam dependendo das condições ambientais e de mercado; as relações entre as comunidades rurais da região, e o simbólico valor/retorno. Em Trinidacito, por exemplo, os períodos em que os retornos do empenho na pesca de pirarucu são adequados, são atualmente épocas do ano muito específicas e limitadas, que não são explicadas apenas pela disponibilidade do pirarucu. Conclusões e perspectivas futuras Desde a introdução do pirarucu na Bolívia, cerca de 40 anos atrás, as pescarias no Norte da Bolívia Amazônica têm mudado significativamente, em parte devido à influência dessas espécies não nativas. Além das mudanças estimuladas por uma melhoria de acesso aos mercados e novos direitos territoriais, o pirarucu contribuiu para mudanças sociais e econômicas significativas relacionadas às pescarias na região de Riberalta. A cadeia de valor das pescarias é cada vez mais complexa à medida que novos conflitos e obstáculos surgem entre os diferentes interessados e em diferentes elos da cadeia. Desembarques pesqueiros comerciais, urbanos e rurais são agora fortemente dependentes do pirarucu, tendo deslocado outras espécies nativas de médio a grande porte (principalmente characoids migratórias e de peixe-gato), que anteriormente eram a base para as pescarias comerciais na Amazônia boliviana. No passado, as pescarias urbanas eram operadas nos principais canais do rio, enquanto que agora elas estão mais concentradas nos lagos 146 A introdução de Arapaima cf. gigas na Amazônia boliviana • Fernando M. Carvajal - Vallejos • Alison Macnaughton • Claudia Coca • Selín Trujillo • Joachim Carolsfeld • Paul A Van Damme pertencentes às comunidades indígenas. Esse novo recurso abundante, com alto valor econômico, que habita preferencialmente os lagos, promoveu novas relações entre usuários e, assim, levou a conflitos e perguntas sobre quem deveria manter os direitos de acesso aos recursos das pescarias. Essa situação nos leva a refletir sobre a necessidade de uma legislação para regulamentar o uso e a exploração dos recursos aquáticos naturais e como isso deve ser equilibrado com as iniciativas de gestão lideradas pela comunidade. A Bolívia está enfrentando novas ameaças aos seus recursos naturais, com a modificação do hábitat e introduções, sendo as perturbações mais evidentes que têm impactos sociais, ambientais e econômicos no norte da Amazônia. A extensa fronteira entre a Bolívia, o Peru e o Brasil, sendo a grande maioria rios compartilhados, destaca a vulnerabilidade do país a novas introduções. Políticas internas e externas deveriam ser desenvolvidas para minimizar e preparar para possíveis efeitos causados por espécies invasoras – sejam eles positivos ou negativos. Com base nos resultados da pesquisa até a data, segue uma série de recomendações: a) Implementar monitoramento participativo das pescarias (por exemplo, tecnologia de contagem do pirarucu) para fortalecer a capacidade local e o conhecimento da base de recursos. b) Coletar informações para apoiar o desenvolvimento de planos de exploração da pesca que otimizem e garantam melhores retornos de subsistência e segurança alimentar. c) Apoiar o diálogo para acordos e regulamentos de pescarias para otimizar o desenvolvimento equitativo e sustentável da cadeia de valores das pescarias emergentes nas comunidades indígenas. d) Desenvolver pesquisas da biologia e promover a distribuição de pirarucu na Bolívia e seu papel nos ecossistemas locais. e) Explorar as experiências brasileiras com a gestão do pirarucu para elementos que poderiam ser adaptados à realidade boliviana. AGRADECIMENTOS Um agradecimento especial para as pessoas e organizações envolvidas nesta pesquisa, incluindo as associações de pesca locais de Riberalta e da Federação (ASOPESAR, ASOCOPERY, FEUPECOPINAB), organizações indígenas regionais (CIRABO, CIPOAP), membros da equipe de pesquisa: Lesdy Antezana, Adalid Argote, Aldredo Arteaga, Federico Machicao, Tamara Pérez, Tiffanie Rainville, Gabriela Rico, Roxana Salas, M. John Wojciechowski, Veronica Zambrana, e os vários pescadores e mulheres locais por compartilhar seus conhecimentos e perspectivas. Este trabalho foi realizado com o auxílio de uma bolsa do Centro Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento (IDRC) de Ottawa, Canadá, www.idrc.ca, e com o apoio financeiro do Governo do Canadá, oferecido através da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (CIDA), www.acdi-cida.gc.ca, e com o apoio financeiro do Programa Boliviano para Pesquisa Estratégica – Programa de Investigación Estratégica en Bolivia – PIEB. 147 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados REFERÊNCIAS ALVES, C. B.; VIERA, F.; MAGALHÃES, A. L. B.; BRITO, M. F. Impacts of non-native fish species in Minas Gerais, Brazil: present situation and prospects. In BERT, T. M. (Ed.) Implications of aquaculture activities. Springer. 2007. p. 291-314. REPUBLICA DE BOLIVIA CONSTITUCION POLÍTICA DEL ESTADO, 2009. Disponível em: http://www.justicia.gob.bo/index.hp/normas/ doc_download/35-nueva-constitucionpolitica-del-estado2009. Acessado em: February, 2013. 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A primeira experiência de manejo participativo de pirarucus (Arapaima gigas) em Unidades de Conservação, por exemplo, foi implementada na RDSM, em 1999. Após mais de dez anos de desenvolvimento deste manejo com 1 2 fins comerciais tem-se alcançado significativos avanços em relação ao estoque de pirarucus e à melhoria das condições de vida da população ribeirinha local envolvida (VIANA et al., 2007; CASTELLO, 2007; ARANTES et al., 2006; AMARAL, 2009; CASTELLO et al., 2011). Em resposta ao manejo, a população de pirarucus que encontrava bastante explorada aumentou em mais de 425% em 10 anos (IDSM, 2011). A renda domiciliar das famílias, por sua vez, teve um incremento da ordem de 107% nas comunidades-alvo dos trabalhos de alternativas econômicas (QUEIROZ, 2005). Ao longo do tempo, o modelo de manejo de pirarucu expandiu para outras regiões do Amazonas. O volume total de pirarucu manejado produzido no Estado passou de três toneladas, em 1999, para cerca de 650 toneladas, em 2007. Maior parte desta produção, no entanto, tem sido escoada para as cidades de Manaus e Manacapuru, não conseguindo atingir mercados mais atraentes economicamente, devido às Superintendência Federal de Pesca e Aquicultura do Estado do Tocantins [email protected] Núcleo de Altos Estudos da Amazônia - Universidade Federal do Pará - [email protected] 151 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados barreiras sanitárias. O aumento da oferta de peixe manejado passou a concorrer com à disponibilidade de pescado ilegal nas feiras e supermercados dessas cidades, pela ineficiente fiscalização por parte das organizações competentes (AMARAL, 2007; 2009). A concorrência com a produção ilegal tem-se apresentado como um dos principais obstáculos para a venda de pirarucu manejado no estado do Amazonas, porque aumenta a oferta e reduz o preço pago pelo produto manejado (VIANA et al. 2007; 2009). Por esta razão, a comercialização é apontada como um dos principais obstáculos ao manejo (VIANA et al., 2004; 2007).Poucos estudos tem sido feitos com objetivo de analisar o impacto dessas mudanças (AMARAL, 2009). Considerando que o manejo de pirarucu foi implementado nas RDSs Mamirauá e Amanã como alternativa econômica para minimizar os efeitos da criação das Reservas para a população local, este estudo tem o objetivo avaliar a rentabilidade econômica da atividade para a população envolvida. MATERIAL E MÉTODOS Para essa pesquisa, foram utilizados dados primários, através de pesquisa de campo e entrevistas, e dados secundários, fornecidos pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Programa de Manejo de Pesca (PMP - IDSM). Para avaliar o desempenho econômico do manejo de pirarucu nas RDS Mamirauá e Amanã foi feito um levantamento do número de pescadores, das cotas de pesca estabelecidas por pescador, da pesca e dos custos relacionados a atividade em quatro sistemas que manejaram pirarucu no ano de 2007. A coleta em campo foi realizada entre setembro e dezembro de 2008, durante o período de planejamento, pesca e comercialização do pirarucu. Participaram deste estudo pescadores dos setores Jarauá, Tijuaca e Colônia de Pescadores Z-32 de Maraã, que tem suas áreas de manejo localizadas na RDSM, e setor Coraci, que tem sua área de manejo localizada na RDSA (Figura 1). Estas localidades serão referidas no texto como Jarauá, Tijuaca, Maraã e Coraci. Este estudo faz parte da dissertação de mestrado da primeira autora. Amostra e Procedimentos de Coleta O levantamento de informações econômicas da pesca de pirarucu de 2008 foi feito por meio de entrevistas estruturadas com pescadores. De um universo de 497 pescadores das localidades de Jarauá (312), Tijuaca (76), Coraci (40) e Maraã (69), que participaram da pesca em 2007, foi sorteada uma amostra aleatória de 142 pescadores (29%), respeitando apenas a proporção de pescadores por localidade. Todos os pescadores sorteados foram convidados a participar da pesquisa. Destes, 104 (21% do universo) aceitaram participar e ou preencheram corretamente os questionários entregues. Esta é considerada uma amostra relevante devido as limitações desse tipo de levantamento tais como: grandes distâncias geográficas entre um sistema de manejo e outro; elevado número de pescadores participantes e falta de uma cultura de registro e controle financeiro por parte dos pescadores. 152 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida Figura 1 - Área das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - RDSM e Amanã - RDSA, região do Médio Solimões, Amazonas - Brasil. A cada pescador da amostra foi entregue um caderno de anotações (questionário estruturado) para registrar o tipo de embarcação utilizada, os insumos utilizados na pesca e seus custos, os apetrechos utilizados e o tempo de pesca. Para os pescadores que não sabiam escrever, foi solicitado que as anotações fossem feitas pelos filhos ou esposa que soubessem escrever. Ao final do período de pesca, todos os pescadores amostrados foram visitados novamente com objetivo de fazer uma revisão das anotações dos custos e corrigir os erros encontrados a partir da lembrança dos próprios pescadores. Considerando que a unidade de análise era o domicílio e os ribeirinhos trabalham sob o modo de produção familiar, no caso em que havia mais de uma cota por domicílio (por exemplo, para a esposa e para marido), a soma das duas foi considerada como uma cota única. Análises Realizadas Os sistemas de manejo de pirarucu foram analisados em termos de a) produtividade pesqueira (captura por unidade de esforço); b) desempenho do sistema de manejo em relação as cotas autorizadas (relação entre cota e captura) e c) a eficiência econômica conforme o estudo de Almeida et al. (2001). a) Produtividade pesqueira A produtividade foi medida pela Captura por Unidade de Esforço (CPUE) em termos de quilos de pirarucu capturados por dia, por pescador (PETRERE JR., 1978b). No caso de três das quatro áreas estudadas, Jarauá, Coraci e Maraã, o sistema é relativamente homogêneo e são utilizados dois tipos de apetrechos de pesca de forma associada: arpão e malhadeira. Assim, para avaliar a produtividade, foi calculado CPUE dessas três áreas. 153 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados b) Desempenho em relação às cotas de captura A partir de 2000, as cotas de capturas autorizadas pelo IBAMA passaram a ser em número de peixes, devido ao advento das contagens (VER CAPÍTULO CAROL DESTE LIVRO). Desde então, a relação entre cota e captura tem sido utilizada como indicativo tanto da disponibilidade do recurso no ambiente, quanto da organização dos pescadores para a produção. Considerando isso, neste estudo foi elaborado o seguinte índice para medir o desempenho dos sistemas de manejo em relação às cotas de captura autorizadas: IDP = P/C Em que: IDP: é o Índice de desempenho da pesca; C: é o número de pirarucus da cota do pescador; P: é o número de pirarucus pescados pelo pescador; onde: IDP entre 0,0 e 0,39 = Baixo; IDP entre 0,4 e 0,59 = Regular; IDP entre 0,6 e 0,89 = Bom; IDP entre 0,9 e 1,0 = Ótimo Um IDP baixo pode indicar que os sistemas de manejo não estão sendo protegidos, pois os peixes não estão disponíveis, ou mesmo que falta organização do grupo de pescadores para pescar e vender a produção. Em ambos os casos, o baixo IDP pode representar prejuízos econômicos ao grupo por não conseguirem cumprir cláusulas contratuais de venda. Em contrapartida, um IDP entre bom e ótimo pode indicar que o sistema de manejo possui recurso pesqueiro disponível e capacidade de produzir, atendendo o mercado de forma satisfatória. c) Eficiência Econômica Para analisar a eficiência econômica do manejo de pirarucu foi calculado o custo de produção das áreas de manejo, a relação benefício-custo e a receita líquida, com base no estudo de Almeida et al. (2001). Para tal, foi levantada a composição dos custos dos pescadores entrevistados. Os itens de custo analisados foram: combustível, alimentação, gelo, utensílios (faca, bota, lanterna, etc.), mensalidade ou outras despesas com a associação/colônia. Também foi incluído o custo de oportunidade da mão de obra do pescador com base no salário mínimo. Contribuições para despesas adicionais das associações, fornecido em caráter voluntário, não foram considerados. Também não foi contabilizada a assessoria técnica oriunda de organizações sem fins lucrativos que deram e dão apoio aos sistemas de manejo. A renda líquida foi calculada subtraindo os custos fixos e variáveis da receita bruta (BUARQUE, 1991). Para identificar se havia diferenças entre a renda dos pescadores de cada região, foi calculado o intervalo de confiança, e, para avaliar diferenças entre as áreas de manejo foi realizado o teste Kruskal Wallis e o teste Mann Whitnney. Produtividade da pesca manejada e desempenho em relação às cotas A cota dos pescadores é estabelecida com base na cota geral da associação, dividida pelo número de pescadores sócios e que possuem Registro Geral de Pesca (RGP) naquele ano. A partir dessa média, a cota é ajustada em função da colaboração de cada pescador à 154 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida associação ao longo do ano (presença em reuniões, participação nos trabalhos, respeito às normas), ou subtraída em função das punições que o pescador tenha recebido por ter descumprido alguma norma. Em 2008, a cota média foi de 7 peixes por pescador, variando entre 6 peixes por pescador em Maraã e 19 peixes por pescador em Jarauá (Amaral, 2009). Em relação ao CPUE, Jarauá obteve a maior produtividade de todas as áreas, com 39,99 kg/pescador/dia, seguido de Maraã com 34,48 kg/pescador/dia, Tijuaca com 29,77 kg/pescador/dia e Coraci, com 26,10 kg/pescador/dia. Essa alta produtividade do Jarauá pode ser explicada pela abundância do pescado nos lagos (Tabela 1). A comparação entre o desempenho de pesca (relação entre cota autorizada e quantidade pescada) e a produtividade (Captura por Unidade de Esforço - CPUE) das áreas de pesca foi utilizada para avaliar o potencial de produção dos diferentes grupos (disponibilidade de recurso, organização para a pesca, etc) (Tabela 1). Nos sistemas estudados, o índice de desempenho da pesca, que mede a relação entre a cota e o pescado efetivamente, mostrou que o Setor Jarauá teve o menor desempenho com um IDP=0,68, considerado “bom”. O desempenho mais baixo de IDP pode indicar que haja deficiência na organização produtiva dos pescadores (Tabela 1). O alto IDP de Maraã, por sua vez, mostra um processo de pesca mais eficiente, se comparado aos outros sistemas. O setor Coraci obteve a menor produtividade em relação às demais áreas, de 26,10 kg/pescador/dia. Este resultado se deu, provavelmente, pelo difícil acesso as áreas de pesca (Tabela 1), pois os pescadores tem que carregar o pescado manualmente em um trecho do caminho, aumentando o tempo e esforço no deslocamento da produção. O setor Coraci obteve a menor produtividade em relação às demais áreas, de 26,10 kg/pescador/dia. Este resultado se deu, provavelmente, pelo difícil acesso as áreas de pesca (Tabela 1), fazendo com que os pescadores carreguem o pescado manualmente em um trecho do caminho, aumentando o tempo e esforço no deslocamento da produção. Tabela 1 – Potencial produtivo da pesca manejada de pirarucu das diferentes localidades de manejo, através dos índices de desempenho da pesca manejada (IDP) e Captura por Unidade de Esforço (CPUE). Tijuaca IDP DP CPUE DP 0,85 0,14 29,77 26,19 Coraci 0,81 0,22 26,10 12,71 Jarauá 0,68 0,18 39,99 17,16 Maraã 1,00 0,00 34,48 13,26 155 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Eficiência Econômica da Pesca de pirarucu Manejado a) Estrutura de Custos Os itens que compõem os custos são: combustível, alimentação, gelo, depreciação, despesas com associação e custo de oportunidade de mão de obra (Figura 2). Para as quatro áreas de manejo, a análise mostrou variação na composição dos custos. Nos setores Tijuaca, Coraci e Jarauá o custo de oportunidade de mão de obra se apresentou como o principal custo. Os custos não apresentam uma estrutura idêntica entre regiões. Jarauá, por exemplo, teve como principal custo após a mão de obra, o combustível, 17%, seguido de depreciação de equipamentos. No caso do Setor Tijuaca, 33% do custo total foi gasto com pagamentos de ajudante. Esse é o único setor que tem muitos pescadores sem Registro Geral de Pesca e que, por exigência dos órgãos regulamentadores da pesca de pirarucu, não têm direito de ganhar a cota na íntegra. Essa regra foi estabelecida após diversas iniciativas de facilitar o processo de retirada de documentos dos que ainda não estavam habilitados, mas apresentou pouco sucesso. Assim, os pescadores documentados deste sistema precisaram pagar ajudantes para ajudar a retirada da cota. Apenas este setor não apresentou custo com associação, pelo fato de as associações não cobrarem mensalidades e funcionarem mediante um sistema de contribuição voluntária quando necessita de algum recurso financeiro. No caso de Maraã, o custo mais alto (45%) foi relativo às despesas com a Colônia de pescadores, pois nessa região cada pescador contribui com 15% do valor total arrecadado, acrescido de R$20 para pagar os tratadores de pirarucu e os monitores que fazem o registro do peixe, além da anuidade, no valor de R$120. Figura 2 -Custo médio da pesca manejada de pirarucu em 2008 por item, nos setores Jarauá, Tijuaca, Coraci e Colônia de pescadores Z-32 de Maraã, nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá. 156 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida O gelo é um custo somente em Maraã. Boa parte desse gelo é utilizado porque os pescadores acampam nas áreas próximas aos ambientes de pesca e levam suas famílias consigo. As demais áreas também utilizam gelo, mas não declaram como despesa, pois o gelo é fornecido pelo comprador. Desconsiderando o custo de oportunidade de mão de obra, as maiores despesas passam a ser pagamento de ajudantes, no Tijuaca (56%); combustível, no Jarauá (36%); e despesas com associação/colônia, nos casos de Maraã (59%) e Coraci (34%). Em todas as áreas estudadas os pescadores tiveram retorno econômico positivo (Tabela 2). A média da receita líquida dos pescadores amostrados foi de R$ 1.402,30 por ano. As receitas líquidas dos pescadores do Jarauá, Tijuaca, Coraci e Maraã foram comparadas através do teste de Kruskal Wallis (a=0,05). Assim, verificou-se que as mesmas não apresentaram distribuição normal aplicando-se o teste Lilliefors. Como foram verificadas diferenças significativas do setor Jarauá para as demais áreas de manejo, aplicou-se o teste Mann Whitnney (a=0,05). A receita líquida do Jarauá foi significativamente diferente (p=0,003), sendo bem superior às demais. (Tabela 2 e Figura 3). Tabela 2 – Intervalo de confiança das receitas líquidas médias dos pescadores por localidade de manejo. Área de manejo Média Desvio Padrão IC Inferior IC superior Classificação A Tijuaca 1.040,26 507,76 896,61 1.183,91 Coraci 2.709,93 1.554,86 2.123,43 3.296,43 B Jarauá 714,76 642,20 239,01 1.190,51 A Maraã 798,39 354,70 650,17 946,61 A Figura 3 - Variação da receita média líquida por pescador das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, por área de manejo, no ano de 2008. 157 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 4 - Lucratividade do manejo de pirarucu por área de manejo. O custo médio por quilo de pirarucu também variou entre as áreas sendo que o maior custo de produção foi em Maraã, devido ao alto custo de despesas com a Colônia (Tabela 3). Mesmo assim, essa área conseguiu negociar o maior preço, R$ 4,50 por quilo, e obteve um lucro de 41% sobre a receita. O menor custo de produção por quilo foi no setor Coraci. O maior saldo entre as áreas foi do setor Jarauá, o que justifica sua alta receita líquida total. Isto se dá, provavelmente, pela abundância do recurso e pelas altas cotas individuais. No Coraci, entretanto, a cada R$1,00 investido, retornam R$2,00 líquido (Tabela 3). DISCUSSÃO De modo geral, as quatro áreas de manejo estudadas apresentaram o desempenho produtivo positivo, pois todas estas áreas apresentaram entre bom e ótimo índice de desempenho. Isso retrata tanto a disponibilidade do recurso nos lagos quanto à capacidade organizacional dos grupos para captura de suas cotas (AMARAL, 2009). Todavia, o baixo desempenho do Tabela 3 - Custo, preço de venda e o receita líquida por quilo de pirarucu de cada área de manejo, Custos DP Preço de venda * % do custo sobre a receita Tijuaca 2,49 0,54 3,50 29 Coraci 1,47 0,72 4,00 63 Jarauá 1,30 0,53 3,96 67 Maraã 2,64 0,58 4,50 * Sem desvio padrão porque somente um preço é estabelecido 158 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida Jarauá em relação as demais áreas pode ser explicado pelos problemas organizacionais que a associação enfrentou no ano de 2008. Em relação ao CPUE das áreas de manejo, os resultados encontrados para o Jarauá, de 39,99 kg/pescador/ dia, assim como dos CPUE das demais regiões são muito superiores aos encontrados por Queiroz e Sardinha (1999), para os anos de 1993, 1994 e 1995, nesta mesma área, de 1,28 kg/ pescador/dia, 1,10 kg/pescador/dia, 1,06 kg/pescador/dia, respectivamente. Esse aumento considerável pode ter ocorrido em função do aumento populacional da espécie a partir do manejo iniciado em 1999. Na década de 1990, Queiroz e Sardinha (1999) identificaram que a população de pirarucus estava bastante comprometida devido a pesca descontrolada e ao acesso que barcos geleiros tinham nos locais de pesca. Desde então, em função das ações de manejo, as densidades populacionais de pirarucu apresentaram tendências de crescimento em cerca de quatro vezes (ARANTES, 2009). No manejo, ao contrário, a pesca é restrita a um grupo que ordena a exploração do recurso e protege a área, o que resulta no aumento da população da espécie. Além desta razão, a pesca do manejo ocorre de forma diferente da pesca realizada na década de 1990. Sua maior característica é a realização da pesca em um período estabelecido de cerca de 20 a 40 dias, a organização dos pescadores em grupo, a utilização de apetrechos de pesca de forma associada e uma maior capacidade de escoamento e armazenamento da produção. Anteriormente, a pesca ocorria de acordo com as iniciativas individuais onde cada pescador pescava um ou dois pirarucus e não tinha como armazenar a produção. Mesmo sendo alto CPUE de 2008, quando comparado a dados anteriores, a cota é estabelecida com base na população contada pelos pescadores e representa cerca de 30% dos pirarucus adultos contados nos lagos (VIANA et al., 2004; 2007). Com relação a eficiência econômica, a rentabilidade de uma pescaria em sistema de manejo está fortemente correlacionada com o sucesso desse sistema de manejo. Para famílias que dependem da pesca na região amazônica que se encontram, em geral, grande parte abaixo da linha da pobreza, essa rentabilidade é fundamental (RAUDA et al., Submetido; PERALTA et al., 2009). Todas as áreas apresentaram lucratividade mostrando uma receita média líquida de R$ 1.402,30 para dois meses de trabalho. Esse retorno, mostra que o manejo de pirarucu tem trazido uma contribuição significativa para a população local comparado por exemplo, com a remuneração de pescadores embarcados na região de Santarém que são remunerados com uma proporção menor que o salário mínimo por mês (ALMEIDA et al., 2003; 2001). Entre os anos de 2005 e 2006, Peralta et al. (2009) estimou a renda média anual bruta da região em $ 3.319,00 (+ - US$ 1,040) para os moradores da RDS Mamirauá. Esse valor inclui a renda do pirarucu dessas famílias. Isso significa que 42% da renda vêm do pirarucu. Também pouco mais da metade desse valor (58%) é de origem da produção doméstica. Assim, 159 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados significa que o pirarucu representa quase a totalidade de renda dessas famílias (LIMA, 2006, PERALTA et al., 2009). Também comparado com as renda per capita anual médias do IBGE para região, mesmo considerando as diferenças metodológicas, pode-se notar um aumento relevante dos ganhos dado que a renda anual varia entre R$ 692,49 em Maraã e R$ 2.130,60 em Tefé, municípios onde as Reservas estão inseridas (IBGE 2000) (VIANA et al. 2007) e a renda do pirarucu se refere a uma renda para dois meses. Como colocado por Ruttan (1998) as necessidade de conservação podem não ser a principal razão para conservação, necessitando incentivos retorno das atividades para sua sustentabilidade ao longo do tempo (ALMEIDA, 2009). CONCLUSÕES As análises apresentadas mostraram que o manejo trouxe retorno econômico positivo no ano de 2008 para os pescadores envolvidos. Mais que isso. Considerando a importância da pesca da espécie para a renda das famílias, podese assumir que o manejo contribuiu para o aumento na renda, alcançando parte de seus objetivos iniciais. Apesar do aumento na receita, alguns riscos foram identificados como ameaças ao sucesso do manejo. Por exemplo, o elevado número de sócios na Colônia de Pescadores de Maraã, sem a expansão das áreas de pesca, pode significar menor retorno econômico para os participantes do plano de manejo no futuro próximo. Essa área também apresentou expressiva parte dos custos com despesas com a Colônia, o que poderia resultar em uma certa acomodação por parte desta organização, uma vez que, independente dos ganhos individuais, a porcentagem recebida pela Colônia continua aumentando a cada ano, a ponto de a manutenção dessa entidade girar principalmente em torno da renda gerada pelo pirarucu e, em menor parte, pelo contribuição dos sócios. Mesmo com a atual situação econômica favorável, em função sobretudo da disponibilidade do recurso e da gestão participativa do recurso, torna-se fundamental que os pescadores e suas instituições continuem a monitorar seus custos e a fazer planejamento financeiro, de modo a diminuir custos dos insumos e dessa forma garantir a diminuição de seus gastos. Isso porque, ainda nesse mercado, o preço é em maior parte definido pelo comprador. Além disso, atualmente o pirarucu tem sido vendido inteiro eviscerado, não havendo processamento adicional que agregue valor ao produto. Em parte, o isolamento geográfico das comunidades e as barreiras naturais da várzea impedem que se obtenha um produto de melhor qualidade, e a falta de infraestrutura e de tecnologia adequadas, corroboram para a não transformação desse produto. Mesmo assim, o aumento da produção pesqueira como resultado dos sistemas de manejo se tornou uma oportunidade fundamental de desenvolvimento local para as famílias ribeirinhas das Reservas. 160 Produtividade e eficiência econômica da pesca de pirarucu (Arapaima gigas) nas áreas de manejo das reservas Amanã e Mamirauá • Ellen Amaral • Oriana Almeida AGRADECIMENTOS Agradecemos aos pescadores de pirarucu e associações que os representam pelo apoio na pesquisa, a equipe do Programa de Pesca do Instituto Mamirauá e ao Murilo Arantes, pelo trabalho de campo. A Equipe do Programa de Manejo de Pesca. Ao Aldrin do SIG/IDSM. Ao Instituto Mamirauá, Ministério da Ciência e Tecnologia e Petrobrás pelo apoio logístico e financeiro a este estudo. REFERÊNCIAS ALMEIDA, O. T.; Mcgrath, D. G.; Ruffino, M. L. The commercial fisheries of the lower Amazon: an economic analysis. Fisheries Management and Ecology, v. 8, p. 253 - 269, 2001 AMARAL, E. S. R. A comunidade e o mercado: os desafios na comercialização de pirarucu manejado das Reservas Mamirauá e Amanã, Amazonas Brasil. UAKARI, v. 3, n. 2, p. 7 - 17, 2007. AMARAL, E. S. R. O Manejo Comunitário de pirarucu (Arapaima Gigas) como Alternativa Econômica para os pescadores das Reservas Amaná e Mamirauá, Brasil. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2009. 85 p. ARANTES, C. C.; SERQUEIRA, D. G.; CASTELLO, L. 2006. Densidades de pirarucu Arapaima gigas, Teleostei, Osteoglossidae) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, Amazonas, Brasil. UAKARI, n. 2, p. 37- 43, 2006. BUARQUE, C. Avaliação econômica de projetos : uma apresentação didática. Rio de Janeiro: Campus, 1991. CASTELLO, L. A socio-ecological synthesis on the conservation of the pirarucu in floodplains of the Amazon. Tese (Doutorado) – State Univerisity of New York, New York, 2007. CASTELLO, L.; PINEDO-VASQUEZ, M.; VIANA, J. P. 2011. Participatory conservation and local knowledge in the Amazon várzea: The pirarucu management scheme in Mamirauá. In:PINEDOVASQUEZ, M. A.; RUFFINO, M.; PADOCH, C. J.; BRONDÍZIO, E. S. (Ed.). The Amazon varzea: the decade past and the decade ahead. R. SpringerVerlag, 2011. p. 261-176. INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ. Balanço Social. IDSM: 2001-2010. Tefé: IDSM, 2011. 34p. Peralta, N. (Coord.) LIMA, D. M. A economia doméstica na várzea de Mamirauá. In: ADAMS, C. ; MURRIETA, R. S. S.; NEVES, W. A. (Org.). Sociedades caboclas Amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Paulo: Annablume, 2006. p. 141 - 168. MOURA, E. A. F. 2007. Práticas socioambientais na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Estado do Amazonas, Brasil. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Pará / Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, 2007. Belém. 314f., il. PERALTA, N. ; MOURA, E. ; NASCIMENTO, A. C.; LIMA, D. M. 2009. Renda doméstica e sazonalidade em comunidades da RDS Mamirauá (1995-2005). UAKARI, v. 5, p. 7 - 19, 2009. PETRERE JR., M. Pesca e esforço de pesca no estado do Amazonas. II. Locais e aparelhos de captura e estatística de desembarque. Acta Amazonica, p. 1-54, 1978b. (Suplemento 2) QUEIROZ, H. L.; SARDINHA, A. D. A preservação e o uso sustentado dos pirarucus em Mamirauá. In: QUEIROZ, H. L.; CRAMPTON, W. G. R. (Ed.) Estratégias para o manejo de recursos pesqueiros em Mamirauá. Brasília: Sociedade Civil Mamirauá/ Ministério de Ciência e Tecnologia /Conselho Nacional de Pesquisa, 1999. p. 108 - 141. QUEIROZ, H .L. A RDSM - um modelo de área protegida de uso sustentável. Estudos Avançados. Dossiê Amazônia, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 183 - 204, 2005. VIANA, J. P. et al. Economic Incentives for Sustainable Community Management of fishery Resourses in the Mamirauá Sustentainable Development Reserve, Amazonas, Brasil. In: SILVIUS, K.M.; BODMER, R.; FRAGOSO, J. M. V (Ed.). 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O resultado dessa pesquisa mostrou que esse modelo de pesca em Maraã não tem apenas aumentado o lucro e, consequentemente, o poder de escolha e consumo dos pescadores, mas tem também resgatado os valores culturais da pesca tradicional e promovido o espírito de coletividade entre os pescadores e demais atores envolvidos neste processo. ABSTRACT Since 2006 the pirarucu’s (Arapaima gigas) fisheries management developed by Fisher Colony Z-32 in the district of Maraã, Amazonas, have been documented and photographed. This 1 documentation tries to (re) construct the management history, from the social, economical and environmental point of view. This research has show that this fisheries management has increasing the fisher’s income, holding the cultural values of this traditional fishing and finally promoting the collectivity spirit between fisher and other social actors involved at this activity. O MANEJO DE PESCA NA RESERVA MAMIRAUÁ E A COLÔNIA Z-32 DE MARAÃ A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - RDSM foi criada em 1990 pelo governo do Estado do Amazonas, compreendendo uma área de 1.124.000 hectares, delimitada pelos rios Solimões, Japurá e Uati-Paraná, na região do médio Solimões, próxima a cidade de Tefé (600 km a oeste de Manaus) (SCM, 1996). Trata-se de uma categoria de Unidade de Conservação (UC)2 cuja área protegida é de uso sustentável com o objetivo de promover a conservação da biodiversidade e a exploração racional dos recursos Rafael Castanheira é fotógrafo, doutorando em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Artes e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: rafaelcastanheira@ hotmail.com 163 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados naturais por parte de seus habitantes. O manejo de pirarucu foi implementado em 1999, pelo Projeto Mamirauá, hoje Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - IDSM, daqui em diante, Organização Social com Contrato de Gestão assinado com o Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT. Juntamente com o Centro Estadual de Unidades de Conservação - CEUC/SDS, o IDSM é responsável pela cogestão da Reserva Mamirauá (Figura 1) e atua no desenvolvimento de pesquisa, monitoramento e extensão, visando à conservação da biodiversidade da Amazônia pelo uso sustentável dos recursos naturais e participativo das comunidades ribeirinhas da região3. A pesca é uma das principais atividades praticadas na Reserva Mamirauá e, no município de Maraã, além de ser a maior fonte de alimento e trabalho, ela constitui a identidade do povo da região. Pescadores locais afirmam que, no passado, os recursos pesqueiros do município eram demasiadamente explorados não apenas por seus 2 3 Unidades de Conservação são áreas legalmente definidas para a conservação dos recursos naturais. Existem duas categorias de Unidades de Conservação no Brasil: as de Uso Sustentável e as de Proteção Integral. No caso das UCs de uso sustentável, posteriormente à proteção da diversidade biológica, dos recursos genéticos, das espécies ameaçadas e da diversidade dos ecossistemas, o Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) estabelece ainda outras regulamentações que procuram compatibilizar a conservação à ocupação humana (Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000 – Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC). Ver www.mamiraua.org.br moradores, mas também por frotas pesqueiras comerciais das cidades de Tefé e Alvarães e de outros municípios amazonenses, como Manaus e Manacapuru. Com a criação da Associação de Pescadores de Maraã (1998), transformada, no ano de 2002, em Colônia de Pescadores Z-32 de Maraã (COLPEMA, daqui em diante), a atividade pesqueira tornou-se ainda mais importante para a economia da cidade, especialmente, após a implantação do manejo de pirarucu, que é realizado, desde 2002, no Complexo do Lago Preto– área pertencente ao município de Maraã e inserida também nos limites da Reserva Mamirauá (Figura 1). O Complexo do Lago Preto está situado a 17 km em linha reta da sede do município de Maraã. É neste local, com cerca de 20 km² e 37 lagos, que os pescadores da COLPEMA começaram em 1999, os seus trabalhos de preservação ambiental. Em 2001, a convite dos pescadores da COLPEMA, os pesquisadores do Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá foram ao Complexo do Lago Preto, fizeram o zoneamento da área, nomeando os lagos e desenhando, primeiramente à mão, o mapa que foi depois detalhado com a ajuda de imagens de satélite e constataram que a região possuía quantidade suficiente de pirarucus para o início do manejo. A partir desta constatação, elaboraram o projeto de manejo de pirarucu para a região, cuja proposta foi enviada e, posteriormente, aprovada pela Gerência Executiva do IBAMA no Amazonas para o ano de 2002. 164 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira Fonte : Sistema de Informação Geográfica do Instituto Mamirauá (SIG-IDSM) Figura 1 – Mapa da Reserva Mamirauá com Complexo do Lago Preto destacado. A DOCUMENTAÇÃO DO MANEJO DE PESCA Inicialmente, o projeto de documentação do manejo de pirarucu realizado pela COLPEMA tinha o objetivo de registrar apenas as etapas desta atividade: as técnicas de captura do pirarucu, seu transporte e comercialização, ou seja, registrar a cadeia produtiva do pescado proveniente do manejo de Maraã, tendo em vista a publicação de uma reportagem. Para isso, além do serviço como fotógrafo, foi proposto o pagamento dos gastos referentes aos equipamentos fotográficos. Por outro lado, a COLPEMA forneceria o apoio logístico necessário para a realização do trabalho, como alimentação, acomodação e transporte para o deslocamento nos lagos durante a documentação das atividades do manejo. Firmou-se, naquele momento, uma parceria na qual o projeto de documentação se beneficiaria com o apoio logístico e, principalmente, com o consentimento dos pescadores que aceitaram a realização do trabalho. Em contrapartida, além da divulgação dos trabalhos da Colônia Z-32 por tal publicação, que muito interessou à diretoria, o projeto previa o direito de uso das fotografias em seus materiais de divulgação institucional. Ou seja, para a COLPEMA, a parceria representou uma oportunidade de divulgação de seus trabalhos para a sociedade e, sobretudo, para as instituições que atuam no setor pesqueiro do país, além de poder contar com um banco de imagens sobre suas atividades, já que, após a realização da documentação das atividades do manejo de pesca do ano de 2006, 165 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados foram enviados à sede da Colônia em Maraã três álbuns com cerca de 1000 fotografias impressas em formato 10 por 15 cm, 50 pôsteres em formato 30 por 40 cm e um CD-ROOM contendo todas as fotografias digitalizadas. Da cobertura fotojornalística para o ensaio documental Durante a etapa de documentação na região, entre os meses de julho e dezembro de 2006, o tempo de trabalho na cidade de Maraã foi dividido entre as leituras de textos sobre o manejo e documentos da COLPEMA, as entrevistas nas casas dos pescadores e as coberturas fotográficas de diversas reuniões de organização para a pesca, bem como de uma oficina de capacitação dos pescadores para a comercialização do pescado oferecida pelo Instituto Mamirauá. Além das pesquisas na cidade de Maraã, onde se pôde acompanhar a rotina de vida dos pescadores no dia-a-dia com suas famílias e amigos. Realizaramse diversas viagens ao Complexo do Lago Preto para acompanhar as atividades do manejo como, por exemplo, a fiscalização dos lagos, a contagem de pirarucus, a preparação do acampamento e dos flutuantes de tratamento e monitoramento do pescado, a pesca do tambaqui e pirarucu, o pré-beneficiamento dos peixes, seu escoamento e comercialização nos mercados de Maraã, Tefé e Manaus. O resultado do trabalho realizado no ano de 2006 é um acervo com mais de 3.000 fotografias em preto-e-branco, textos em caderno de campo, cópias de documentos e entrevistas gravadas com pescadores, membros da diretoria da COLPEMA, técnicos em pesca e pesquisadores de diversas instituições privadas e governamentais ligadas à gestão da Reserva Mamirauá em Maraã, Tefé, Manaus e Brasília, além de donos de barcos, despachantes, comerciantes, empresários e consumidores. Em janeiro de 2007, depois de revelados os filmes e transcritas as entrevistas, relatos e descrições dos cadernos de anotações, percebeu-se que havia sido produzido uma grande quantidade de dados, reunindo um conjunto de imagens e textos que, se melhor trabalhado, poderia não apenas descrever a cadeia produtiva do pescado manejado de Maraã em uma reportagem sucinta a ser publicada em um jornal ou revista, mas, sobretudo, (re)construir a história do manejo de pesca do ponto de vista social, econômico e ambiental, com foco nas relações sociais entre os pescadores e destes com o meio ambiente. Usa-se o termo (re)construir, pois partese do princípio de que toda forma de documentação fotográfica, ainda que se pretenda registrar a realidade tal como se vê, traz consigo a subjetividade do olhar do fotógrafo. Dessa forma, a câmera fotográfica não é uma reprodutora neutra da realidade e toda fotografia é autoral e traz, além de seu conteúdo, a expressão, a forma, a escrita por meio da qual seu autor se exprime. Assim, constrói-se aqui a história do manejo a partir de fotografias e textos produzidos por um autor e sua maneira de olhá-lo. Diante deste contexto, decidiu-se partir para a realização de um trabalho que envolvesse uma narrativa visual4, cujo conteúdo abrangesse não somente 166 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira a cadeia produtiva do pescado da COLPEMA (o objetivo inicial), mas, principalmente, buscasse entender o que é para o pescador ser pescador (sua vida familiar, social e financeira), como é a sua relação com o meio ambiente e com os colegas de pesca e como ele enxerga o manejo dentro do contexto da preservação dos recursos ambientais de seu município, visando finalmente à produção de uma exposição fotográfica5. Ao se entrar em contato com bibliografia especializada sobre Antropologia, Artes Visuais, Fotojornalismo e Fotografia Documental, decidiu-se dar embasamento científico às experiências que obtidas em campo ao longo desse trabalho. Para isso, os estudos realizados entre 2009 e 2011 no mestrado6 do Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG), cujo objetivo principal era discutir o estatuto da fotografia documental contemporânea a partir de 4 5 6 A narrativa visual da documentação do manejo de pesca da Colônia Z-32 será apresentada ao final deste artigo e tem como objetivo mostrar um conjunto de fotografias que, organizadas em uma sequência específica visa dar unidade ao trabalho em sua apresentação do tema. A exposição fotográfica intitulada pirarucu Z-32 foi realizada na Potrich Galeria de Arte em Goiânia, Goiás, entre os dias 12 de abril e 13 de maio e deve seguir como projeto itinerante por outras capitais do Brasil. O vídeo sobre a exposição está disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=ZkTgAW0H46U A pesquisa, intitulada “Visualidades Amazônicas: a fotografia entre o documento e a expressão”, foi defendida em abril de 2013 e encontra-se disponível em: http://www.academico.com/ artigo/visualidades-amazonicas-a-fotografiaentre-o-documento-e-a-expressao. uma revisão bibliográfica sobre o tema e da análise crítica do meu trabalho de documentação do manejo de pesca e de outros trabalhos de fotógrafos que atuaram na região amazônica, foram de muita importância para a conclusão da documentação do manejo de pesca em Maraã. No período de 2007 a 2010, retornava-se à região somente durante os meses de outubro e novembro, período da pesca do pirarucu. A cada ano, permaneciase em Maraã por cerca de 20 dias e buscava-se colher novos dados por meio de fotografias, entrevistas e relatos escritos em caderno de campo que abordassem diferentes aspectos sobre o manejo que não haviam sido percebidos e/ou coletados nos anos anteriores e poderiam, assim, dar outra perspectiva à minha pesquisa. Ao longo destes quatro anos, não apenas vivenciou-se todo o processo de organização, produção e comercialização da cadeia produtiva do pescado manejado do município de Maraã, mas também procurouse conhecer a cultura da região e, sobretudo, a cultura do pescador: quem é, onde vive, como se relaciona com amigos, família e o meio ambiente. O TRABALHO DE CAMPO A abordagem aos pescadores Ter morado desde o início da pesquisa na sede da COLPEMA, em Maraã, representou um fator muito importante para a aceitação do trabalho por parte dos pescadores em sua comunidade, pois, para desenvolver um trabalho de campo para a produção de um ensaio documental, é necessário que os sujeitos fotografados não apenas aceitem a presença do pesquisador na 167 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados comunidade como também participem da elaboração dos dados da pesquisa. Afinal, como questiona Alves, “como o pesquisador poderá fotografar as pessoas se elas não o quiserem ali, junto delas? Ou, mesmo se o aceitarem, e sua presença causar constrangimentos?” (2004, p. 110). Diante deste contexto, procurou-se conhecer não apenas os pescadores como todos os moradores da cidade de Maraã. Para isso, foi fundamental a ajuda de dois dos principais informantes nesta pesquisa: Luiz Gonzaga (o “Luisão”) e Ruiter Braga, respectivamente presidente e secretário da COLPEMA em 2006. Na cidade de Tefé, a Coordenadora do Programa de Manejo de Pesca do IDSM, Ellen Amaral, foi a principal informante ao longo desse trabalho, sobretudo com relação às questões técnicas e burocráticas acerca do manejo na Reserva Mamirauá. Além de o projeto ser apresentado informalmente aos pescadores nas ruas da cidade por “Luisão” e Ruiter Braga, houve sua apresentação formal a todos os sócios da COLPEMA durante uma das reuniões de organização para a pesca. Nesta ocasião, o projeto de documentação do manejo foi explicado, sendo que, para realizá-lo, acompanharse-ia as atividades nos lagos para fazer as entrevistas e fotografias. Como já foi comentado anteriormente, foram enviadas à sede da COLPEMA as fotografias que haviam sido produzidas no primeiro ano da pesquisa (2006). Em 2007, ampliou-se muitos retratos que foram entregues pessoalmente aos respectivos retratados. Dessa maneira, nos anos que se seguiram (2008 a 2010) não apenas a abordagem como também o relacionamento com os pescadores mudaria. Em 2006, tinhase que se aproximar dos pescadores, explicar-lhes os motivos do projeto e os seus objetivos para, talvez, fazer as entrevistas e fotografias. Naquele ano, muitos deles mostraram-se receosos e desconfiados com relação ao trabalho. Nos anos seguintes, os pescadores já o conheciam e se sentiam, portanto, mais confiantes no trabalho de documentação fotográfica. Assim, o processo inverteuse e, ao chegar aos lagos, houve situações em que os pescadores pediam para serem fotografados. Naturalmente, alguns deles tornaram-se informantes e parceiros importantes nesse trabalho. Acredita-se que muitos dos pescadores queriam ser fotografados, pois além de poderem ter seus retratos expostos em suas casas, os pôsteres que haviam sido enviados a Maraã com suas imagens em meio aos peixes foram fixados nas paredes da sede da COLPEMA e todos que por lá passavam viam tais fotografias. É a visualidade do manejo materializada ajudando a (re)construir, de alguma forma, a história da instituição no imaginário coletivo da cidade. É importante ressaltar que o pesquisador pode se envolver nas atividades que está documentando, adquirindo o que chama de recipe-knowlege (MONTEIRO, 2001,). Assim, procurava-se participar dos trabalhos da COLPEMA: remavase junto com pescadores nos deslocamentos pelos lagos e igarapés, montava-se o acampamento à beira do lago, preparava-se a refeição do dia, ajudava-se na contagem dos pirarucus e até mesmo tentava-se pescar por meio de técnicas que nunca havia 168 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira sido experimentadas antes, como, por exemplo, o arpão. Ao deixar de lado a câmera fotográfica e o bloco de notas para participar das atividades do manejo, comportava-se dentro uma metodologia caracterizada como aquilo que o antropólogo Bronislaw Malinowski chamou de observação participante7. Isso, sem dúvida, trouxe proximidade com os pescadores, aumentando a cumplicidade, contribuindo de maneira significativa para o avanço desta documentação fotográfica. Os tipos de registros Para o estudo da comunidade de pescadores da COLPEMA utilizaram-se diferentes tipos de registros: diário de campo, o registro de áudio por meio de gravador e fita cassete (posteriormente gravador digital, formato mp3) e, especialmente, o registro de imagens por meio da fotografia. O trabalho de campo envolveu as observações e reflexões anotadas em cadernos, as entrevistas e as sessões fotográficas realizadas nos lagos e nas cidades de Maraã, Tefé, Manaus e Brasília. A seguir, serão especificados quando e como estes registros foram realizados. 7 A observação participante é um termo usado para definir um método de investigação social na qual o pesquisador se envolve nas ações do grupo social que está analisando. Este tipo de observação implica na sua participação na vida quotidiana da sociedade que se está pesquisando, sendo Bronislaw Malinowski um de seus maiores teóricos. Ver Malinowski (1976). As entrevistas Ao longo dos seis anos de trabalho, realizou-se cerca de 80 entrevistas com pescadores, membros da diretoria da COLPEMA, técnicos em pesca e pesquisadores de diversas instituições privadas e governamentais ligadas à gestão da Reserva Mamirauá em Maraã, Tefé, Manaus e Brasília, além de donos de barcos, despachantes, comerciantes e empresários. Parte das entrevistas, especialmente as dos técnicos e pesquisadores em pesca, foi previamente agendada e o roteiro das perguntas elaborado com base em pesquisa sobre o assunto abordado. No entanto, a maioria das entrevistas com pescadores eram abertas, sem roteiro, e as perguntas versavam sobre as atividades que estavam sendo desenvolvidas no momento, cujo objetivo era explorar a espontaneidade e naturalidade dos entrevistados. Com tempos de duração que variaram de 10 minutos a quase 2 horas, dependendo do entrevistado e da riqueza de detalhes do assunto abordado. As entrevistas foram dividas em 3 grupos: a) pescadores e membros da diretoria da Colônia Z-32; b) pesquisadores, técnicos e funcionários de órgãos ligados à gestão dos recursos pesqueiros no Brasil; c) empresários e comerciantes de pescado. Para escrever o Projeto de Documentação do Manejo de Pesca, realizou-se pesquisa em bibliografia especializada sobre o assunto. No entanto, muitas informações, especialmente aquelas referentes à realidade do município de Maraã como, por exemplo, as histórias da pesca na região e da criação da COLPEMA não estão documentadas em livros e 169 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados relatórios e só poderiam ser obtidas por meio de entrevistas com pescadores e moradores antigos da cidade. Dessa forma, em 2006, realizaram-se as primeiras entrevistas com “Luisão”, presidente da COLPEMA, e com alguns pesquisadores do Instituto Mamirauá, com o objetivo de compreender o processo de implantação do manejo em Maraã para, então, finalizar o projeto e iniciar a documentação fotográfica. As perguntas dessas entrevistas eram previamente elaboradas e visavam obter as informações básicas sobre a realidade na região. Há dois momentos e objetivos distintos na realização das entrevistas. Em 2006, quando o objetivo da documentação era a cadeia produtiva do pirarucu visando à publicação de uma reportagem, as entrevistas traziam perguntas que enfocavam a pesca, os peixes e a administração da COLPEMA e a maioria dos entrevistados eram membros de sua diretoria, comerciantes, empresários do ramo e, principalmente, pesquisadores de instituições ligadas à gestão dos recursos pesqueiros na Amazônia, como, por exemplo, a Secretaria de Meio Ambiente de Maraã, o Instituto Mamirauá, o IBAMA, a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS – antiga Agroamazon), o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA - antiga SEAP) e mais recentemente o Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC). A partir de 2007, com a mudança da reportagem para a produção de um ensaio fotográfico documental, o foco central do trabalho passou a ser o pescador e suas relações sociais durante as atividades do manejo. Nesse segundo momento, já com outro objetivo e uma melhor compreensão sobre a realidade da pesca em Maraã, os entrevistados eram, exclusivamente, os pescadores e suas famílias e as perguntas versavam, principalmente, sobre os seguintes temas: O que significa para o pescador ser pescador? Qual é a sua visão sobre a pesca manejada e sua importância para a preservação do meio ambiente? Além do dinheiro que o pescador obtém no manejo, o que também lhe motiva para os trabalhos da COLPEMA? Qual é o papel das mulheres e da família no manejo? Como os pescadores enxergam o manejo para o futuro? Com essa perspectiva, as entrevistas foram realizadas com os pescadores nos lagos, em sua maioria, entre os anos 2008 e 2010 e tiveram como finalidade não apenas conhecer a atividade pesqueira no manejo da COLPEMA (os métodos, técnicas e conhecimentos do pescador sobre o meio ambiente), mas, sobretudo, entender o que a profissão de pescador representa para eles. Para a seleção dos pescadores entrevistados foram priorizados os seguintes aspectos: a) presença nas reuniões da COLPEMA e nos lagos durante a pesca; b) nível de envolvimento nas atividades do manejo. Diário de campo Para fazer as anotações durante as atividades do manejo de pesca foram considerados os seguintes aspectos: a) o evento ou a etapa do manejo que estava sendo documentada; b) a data, horário e local da documentação; c) as ações e os atores envolvidos na cena observada; d) os discursos e diálogos realizados pelos atores envolvidos na cena observada. No diário de campo, anotava-se o dia, a hora e o local da pesquisa, os números 170 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira dos filmes usados e os nomes, quando possível, dos pescadores fotografados. Descrevia-se resumidamente o ambiente (as características geográficas, as cores e os cheiros dos locais), os métodos e técnicas de pesca (arpão ou malhadeira), como os pescadores se distribuíam nos lagos, como se posicionavam nas canoas, o que levavam, comiam e conversavam. Nele, também eram relatadas as impressões sobre a pesca e as conversas entre os pescadores: registros que as fotografias não podiam captar. Sobre a “necessária complementaridade” (virtudes e potencialidades) da escrita e da visualidade fotográfica, o antropólogo Etienne Samain, ao introduzir o livro Argonautas do Mangue, de André Alves (2004), explica que: [...] Entre a escrita e a visualidade existem laços de cumplicidade necessários. Uma e outra, à sua maneira e com a sua singularidade (ora enunciativa, ora ilustrativa, ora despertadora), complementamse. A escrita indica e define o que a imagem é incapaz de mostrar. A fotografia mostra o que a escrita não pode enunciar claramente . As fotografias Nesse trabalho, as fotografias são o principal instrumento de registro das atividades do manejo de pesca. Desde o início dessa documentação, elas exerceram um papel fundamental na tomada e, sobretudo, na apresentação dos dados aos pescadores, já que muitos deles não sabem ler, e os textos pouco adiantavam. A partir do segundo ano de documentação (2007), as fotografias foram usadas para análise das atividades do manejo e debate com alguns pescadores e, principalmente, com os informantes. Diante das imagens produzidas no ano anterior, podia-se discutir e refletir sobre as cenas registradas. Estas conversas se mostraram extremamente importantes para a definição dos temas e categorias do roteiro de apresentação das fotografias dessa pesquisa. Além das conversas com os pescadores sobre as imagens, realizou-se, via internet, várias foto-entrevistas8 com Ruiter Braga, ex-secretário da COLPEMA e um dos principais informantes da pesquisa. Atualmente, Ruiter vive em Tefé (AM) e trabalha para o Instituto Mamirauá. Ele recebia as fotografias e perguntas por e-mail, as analisava e respondia, fazendo comentários valiosos sobre as imagens, como, por exemplo, sobre as técnicas de posicionamento das canoas durante as contagens de pirarucus, sobre as diferentes formas de produção dos instrumentos de pesca, como hastes e arpão, ou sobre questões mais simples, como a correção dos nomes dos lagos ou dos nomes e sobrenomes dos pescadores, citando, por vezes, seus apelidos. 8 171 Foto-entrevista é a entrevista feita pelo pesquisador com o seu informante na qual se utilizam fotografias. Para Collier Junior, “as fotografias estimulam a memória e dão à entrevista um caráter de proximidade com os objetos. O informante regressa a seu barco de pesca, a seu trabalho com as madeiras, ou à realização de uma habilidade. A oportunidade projetiva das fotografias oferece um sentido agradável de autoexpressão, enquanto o informante é capaz de explicar e identificar o conteúdo e instruir o entrevistador com o seu conhecimento” (1973, p.70). Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Com a câmera fotográfica, procurouse registrar as cenas que melhor descrevessem as diferentes atividades realizadas pelos pescadores no manejo. Em 2006, foram produzidas cerca de 3 mil fotografias. Nos anos seguintes este número diminui não apenas pela diminuição do tempo de permanência na região, mas, principalmente, pelo fato de a maioria das atividades já terem sido documentadas para a conclusão do trabalho. A cada ano, após analisar as fotografias dos anos anteriores, percebia-se que determinadas atividades não haviam sido registradas ou precisavam ser muito bem detalhadas imageticamente. Assim, para o ano seguinte, antes de retornar aos lagos, anotava-se no caderno de campo os temas que deveriam ser fotografados e abordados nas entrevistas. Houve, portanto, um refinamento na produção das fotografias, haja vista que à medida que o trabalho evoluía, diminuíam-se as atividades a serem registradas. Assim, em 2007 e 2008, o foco do trabalho estava na figura do pescador e, nesses dois anos, realizouse a maior parte das entrevistas e produzi-se, respectivamente, 1050 e 540 fotografias, sendo a maioria retratos de pescadores. No ano de 2009 e 2010, apenas 216 fotografias foram produzidas, pois a concentração da pesquisa voltou-se basicamente para duas questões muito importantes: a identificação dos nomes completos dos pescadores fotografados e a coleta de suas assinaturas para a Cessão de Direito de Uso das Imagens. Da edição das fotografias Entende-se que o fotógrafo deva criar mecanismos que facilitem a organização e edição de suas fotografias. Como haviam sido produzidas cerca de 5 mil fotografias ao longo do trabalho, identificar todos os filmes com número e data de uso foi essencial para que se pudesse, meses depois, editá-las, criando e separando-as por temas e categorias. Pela numeração do filme e sua data de uso, pôde-se analisar simultaneamente fotografias, entrevistas e anotações feitas no diário de campo e contrapor as informações verbais com as visuais. A interação das linguagens verbal (escrita) e visual (fotografia) contribuiu para o trabalho de edição das imagens, já que, ao fotografar, o olhar concentra-se no detalhe recortado pelo enquadramento e ao escrever a observação voltava-se para o ambiente geral, os cheiros, as vozes e as sensações. Nesse contexto, as entrevistas e anotações em diário de campo ampliaram a visão sobre o manejo, ou seja, estimularam a produção de fotografias de cenas que simplesmente não haviam sido enxergadas, indicaram algumas informações que as fotografias deveriam apresentar e possibilitaram, sobretudo, ver importantes informações nas fotografias que já haviam sido feitas nos primeiros anos deste trabalho e que, por vezes, tinham sido ignoradas. Para o desenvolvimento da narrativa visual, selecionou-se, inicialmente, 680 imagens e num segundo momento 48 que, finalmente, compuseram a exposição fotográfica. Essa seleção priorizou não apenas a cadeia produtiva do pirarucu, mas principalmente, as 172 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira Figura 2 – Reunião dos pescadores no Complexo do Lago Preto para definição final das regras do manejo. Figura 3 – Com auxílio de motosserra, pescadores cortam e retiram tronco do igarapé de acesso aos lagos. A limpeza do igarapé é muito importante para facilitar o trânsito no local, diminuindo o tempo entre o momento da captura do pirarucu e o seu pré-beneficiamento. 173 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 4 – Pescadores remam pelo igarapé em direção ao Lago Preto. Figura 5 – No primeiro dia de pesca de 2006, formou-se uma fila de pescadores na entrada do Lago do Canivete. À frente, vê-se a canoa de alumínio dos agentes ambientais e fiscais que são responsáveis pelo acesso ao lago da pesca. 174 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira Figura 6 – Pescadores se espalham com seus arpões pelo lago e aguardam a boiada do pirarucu para arpoá-lo. Figura 7 – O pescador Marcelino Orguizes mantém-se atento para perceber qualquer movimento na água. 175 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 8 – Pirarucu “boia” e pescadores jogam os arpões em sua direção. Figura 9 – Pirarucu “boia” ao lado da canoa e pescador lança seu arpão para capturá-lo em seguida. 176 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira Figura 10 – Pescador traz pela arpoeira o pirarucu para próximo da sua canoa e dá-lhe em sua cabeça o golpe final com a clava de madeira. Figura 11 – Após cortar a lateral da boca do pirarucu, pescador puxa-o para dentro da canoa. 177 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 12 – Pescador Hamilton Alves de Freitas puxa pirarucu para dentro de sua canoa. Figura 13 – Pescadores, fiscais, monitores e tratadores de pirarucus se aglomeram no flutuante para acompanhar os trabalhos de pré-beneficiamento, onde os pirarucus são eviscerados antes do monitoramento. 178 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira Figura 14 – pirarucus são eviscerados pelos tratadores em cima de cavaletes de madeira. Primeiramente, corta-se a garganta do peixe e retiram-se a língua e as guelras. Abre-se então o bucho do animal para a retirada das vísceras. Os tratadores são treinados para o serviço e recebem salário pela temporada de trabalho. Figura 15 – Os pirarucus são levados para os barcos e acondicionados em câmaras frias com o gelo. 179 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 16 – Ancorado na balsa da Feira da Panair, em Manaus, Amazonas, o barco tem em sua proa um exemplar de pirarucu que é exibido a fim de atrair os compradores. O pirarucu é vendido inteiro e eviscerado aos feirantes que tratam e cortam o peixe em partes para revendê-lo no comércio varejista. Figura 17 – A comercialização de pescado na balsa da Feira da Panair, em Manaus, estende-se até o início da manhã. Aqui, pirarucus vendidos serão transportados pelos carregadores do porto até os veículos que os levarão para as diversas feiras da cidade. 180 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira Figura 18 – pirarucus são vendidos em partes no comércio varejista da Feira Manaus Moderna. Os preços variam de acordo com a parte do peixe. A procura maior é pelo filé, parte mais cara do pirarucu, que pode ser vendido seco e salgado ou fresco. relações sociais entre os pescadores, suas famílias e sua cidade. Por razões óbvias de tamanho, serão apresentadas a seguir neste artigo apenas parte das fotografias que compuseram a exposição pirarucu Z-32. Os pescadores da Colônia Z-32 de Maraã9 Na composição da sociedade maraaense, está presente a cultura indígena milenar representada por povos de etnias que habitavam a região antes da chegada 9 Este tópico foi inscrito com base no livro História de Maraã (no prelo), do professor e ex-Secretário de Meio Ambiente de Maraã, Edson Siqueira de Brito e também a partir de duas entrevistas realizadas com o seu autor, em Maraã, nos 10 de outubro de 2007 e 31 outubro de 2008. dos europeus no continente americano, como os Miranha, Cambeba, Kanamarí, Macu, Mura, Ticuna, Katuquina, Carapanã, entre outros. Portanto, a maioria dos habitantes do município de Maraã é formada pela miscigenação destas etnias com os brancos, negros e mulatos vindos de outras partes do Brasil, principalmente da região Nordeste, para trabalhar na extração do látex das seringueiras durante o ciclo da borracha na Amazônia entre os anos 1850 e 1920. Esta miscigenação deu origem aos chamados caboclos amazonenses. Os pescadores da Colônia Z-32, sobretudo os mais antigos, são geralmente os caboclos semianalfabetos de vida simples e modesta. Pais e mães de grandes famílias são pessoas sem muitas ambições materiais e desprovidas 181 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados de vaidades. Como sua cultura é fruto dos costumes indígenas, preocupamse com o básico para sobreviver: o que vão comer e os apetrechos necessários para a produção de seu alimento. Mesmo morando na cidade, possuem suas benfeitorias nas margens dos rios. Alguns deles também vivem nas comunidades ribeirinhas do município e vêm à cidade apenas receber benefícios do Governo e comprar alguns mantimentos industrializados. São populações que, em sua grande maioria, encontram-se à margem das políticas públicas e do modo de produção capitalista, enquadrando-se na categoria de produtores camponeses ou do modo de produção familiar. Como as oportunidades de emprego formal - com carteira assinada - são poucas, tanto no pequeno comércio local quanto na iniciativa pública, a economia do município de Maraã é voltada principalmente para as atividades extrativistas, sendo a pesca e agricultura as mais praticadas por seus moradores. Embora mais rentável e prazerosa, a pesca é uma atividade instável devido às características sazonais da natureza, sendo o período da seca, de agosto a novembro, a época de maior produtividade. Além do lucro incerto, a vida de pescador na Amazônia é penosa e arriscada em razão das condições precárias de trabalho às quais este profissional fica exposto. O manejo de pesca em Maraã tem aumentado a renda dos pescadores associados à Colônia Z-32 que todos os anos sonham em tirar suas cotas para melhorar sua qualidade de vida, comprando utensílios domésticos, material para reformar suas casas e novos apetrechos de pesca. Ao longo dos anos, técnicos e pesquisadores do Instituto Mamirauá têm avaliado a pesca manejada como positiva, tanto pelo volume da produção quanto pelo expressivo faturamento. Mas, além do dinheiro, percebe-se que o manejo significa algo muito mais importante para os pescadores. Como esta pesca é realizada em grupo todos os anos na mesma época, ela tornou-se um evento ansiosamente esperado pelos pescadores que também a enxergam como uma grande “festa”, como dizem alguns. Trata-se da realização de um sonho para o pescador, pois, além do lucro e da conservação dos estoques pesqueiros, este manejo apresenta importantes aspectos socioculturais, já que promove a sociabilidade dos pescadores e mantém vivos os saberes tradicionais sobre a pesca artesanal. Apesar de sua importância social, econômica e cultural, a profissão de pescador em Maraã (e no Amazonas de uma maneira geral) era cercada de preconceitos. Devido a sua situação econômica muitas vezes precária, os pescadores eram ainda encarados como pessoas fracas e sem importância no quadro social. Em Maraã, no entanto, este cenário vem mudando com os avanços da atividade pesqueira após a implantação do sistema de manejo. Atualmente, os pescadores se encontram no centro de um movimento que os valoriza e os remunera como nunca antes foram valorizados e remunerados. Eles hoje percebem o seu real processo de empoderamento social, o que pode lhes proporcionar maior emancipação individual e a necessária consciência coletiva para lidarem com as questões técnicas, políticas, históricas e culturais que envolvem a pesca na Amazônia Brasileira. 182 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira Nesse sentido, os pescadores profissionais da Colônia Z-32 são importantes atores sociais e têm consciência de seu papel transformador no que diz respeito às questões socioeconômicas e ambientais de sua região. Apesar de alguns ainda continuarem com a pesca de espécies de peixes proibidas ou durante o período de seu “defeso”, a implantação do manejo cumpre também o importante papel de educação ambiental na sociedade maraaense, porque os filhos de pescadores aprendem conceitos de preservação e conservação dos recursos naturais ao acompanharem seus pais na pesca do pirarucu, outrora proibida no Amazonas. O tal de reumatismo que dá, né. É dor nas costas, antes de ficar véi o bicho tá tudo cheio de dor. [...] E tem a fome que o cabra sofre, né. Passa o dia todinho sem comer, porque não tem condição. É muito sol e, às vez, vai pela noite, sai aí a noite todinha no sereno, ai vem a chuva, às vez não tem onde se esconder, a casa tá longe e só tem aquele plásticozinho, aí o carapanã (mosquito) chega. Olha, o cabra passa a noite ó, todo molhado. É o frio, né... aí não tem onde fazer uma comida, o cabra passa a noite com fome, o dia, a noite, às vez não tem comida de dia, deixa pra come de noite, a chuva cai e não sabe fazer fogo, né. Ai passa a noite todinha ali tremendo ali com frio, às vez a chuva arreia a noite todinha, você cansa de fazer isso, cansa, né amigão? (risadas)”. Raimundo Ramires dos Santos, o “Farinha”, pescador, 49 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de 2008. Figura 19 – Raimundo Ramires dos Santos, o “Farinha”, pescador. “Companheiro é meio russo ser pescador. Você vê o olho do pescador como é que é ó. É sono, é sol olhando por espelho d’água assim ó, que estraga muito a vista do pescador. Às vez ele não tá nem velho e já não enxerga mais. Eu não enxergo mais a letra dessa aqui ó. Eu tenho que botá nessa distância pra mim dizer como é esse nome aqui. Se botá bem aqui aí mistura tudo e eu não enxergo mais, ó. Tem um sinosite que dá na gente também, pelo sereno. Fora o do olho, tem a resfriedade no corpo, né. Figura 20 – Ester Severiano de Oliveira é uma das poucas pescadoras que usam o arpão para pescar pirarucu. 183 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados “Pra uma mulher pra ser pescadora, ela tem que pescar e tem que fazer alguma coisa, remendar a malhadeira, saber remenda, né. Sabe tratar um pirarucu. [...] A vida de pescador é muito sofrida né, mas eu acho bom, acho bom mesmo pescar assim. Pra mim manter com meus filhos, por que meu marido morreu né. Eu tem que pescar, ajudar meu filho.[...] Além do dinheiro, eu vou por causa que eu gosto mesmo de pescar, por isso que eu vou e eu acho animado assim. Pra ir assim, todos aqueles pessoal, né, pescar e eu gosto de tá pescando também. Isso é o motivo pra eu ir pra lá”. Ester Severiano de Oliveira, pescadora, 39 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Maraã, 03 de novembro de 2010. porque aqui pra nóis aqui no Amazonas é... é o emprego é o salário mínimo é... trezentos e oitenta, noventa, parece que é mais ou menos isso. Aí o pobre pai de família não tem condição de sustentar família nenhuma. Aí um pescador consegue fazer isso só num dia! Ele consegue duzentos, trezentos reais só num dia, se ele tiver sorte de pesca ele pega isso. [...] Um pescador profissional associado ele tem muita responsabilidade, não pode pescar um peixe no clandestino. Ele tem que pescar aquele peixe que tá fora de preservação. É assim que representa mesmo. Eu não entendo muito bem não, mas um pescador profissional ele representa uma criatura assim social, né. Ele é da sociedade com certeza! É uma pessoa que é reconhecida”. José de Souza Praiano, “Seu Zeca Praiano”, pescador e presidente da Colônia Z-32, 59 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de 2008. Figura 21 – José de Souza Praiano, “Zeca Praiano”, pescador. “Eu digo: querer ser esse tipo gente, de pescador é... a gente acha mais fácil porque o peixe dá mais dinheiro que a agricultura e qualquer outro emprego, Figura 22 – Aloísio de Oliveira Veloso, pescador. “Eu morava no interior, quando eu fui tirar meu documento, eu tirei como 184 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira pescador, eu era pescador. Aí o tabelião falou o seguinte: ‘Por que você vai tirar seu documento como pescador? Você não acha que seria...fica meio chato isso daí porque o pescador é sem valor’, ele respondeu pra mim. Na época era mesmo, o pescador não era conhecido, né. Eu digo, realmente eu não sei. Então, ele disse: ‘tira como agricultor’. Eu digo jamais eu fazer isso como agricultor, porque eu não sou agricultor. Eu nasci e me criei na companhia do meu pai. Meu pai ele pescava, ele plantava roça, ele trabalhava na beira, né. Tinha essas profissão, mas era mais a pesca. E quando eu me criei, que eu já comecei a ver o tipo da pesca, que eu achei bonito e gostei, eu me impatizei por aquilo e segui. Ai quando eu fui pelo documento, foi quando ele disse isso. Eu digo, pra mim é importante eu tirar como pescador. Eu vou tirar meu documento, tire e registre como pescador. Por que? Porque eu sou pescador, então tire meu documento como pescador. ‘Aí tá bom depois você não vai se arrepender’, ele disse. Eu digo, não tem nenhum problema, eu sou pescador. Só que eu não entendia na época que o pescador ia ter um grande valor, como hoje o pescador é conhecido, né. [...] No Amazonas todinho o pescador tem valor porque ele leva peixe às famílias que por ai você sabe é muito grande, né. Por toda parte tem o consumo de peixe. Quer dizer que nóis dá de comer a quem não pesca”. Aloísio de Oliveira Veloso, pescador, 52 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de 2009. Figura 23 – Paulo Sérgio de Jesus, o “Manaquiri”, pescador. “É muito importante o dinheiro que vem do manejo. Eu já tenho uma casa toda de alvenaria que tô fazendo pra mim, tenho meus material, tenho motor, tenho minha canoa. É uma coisa que pelo menos até hoje está sendo útil, né. Mas, além do dinheiro, é uma coisa que eu acho também bonito é a gente preservar, né. Porque eu gosto de ver uma coisa Rafael, que seja bem organizado né, uma coisa que a gente possa fazer bonito e outra coisa que me traz a vim aqui é porque eu acho muito bonito; é porque nós estamos descansando o peixe aqui, eu acho bonito, acho animado a pescaria. É uma coisa que qualquer um fica atraído por isso. Eu me alegro demais quando estou aqui, ver todo mundo unido, trabalhando. É amizade, todo mundo tem amizade aqui um com o outro, um respeita um ao outro. Acontece as falhas assim da nossa colônia, ninguém é perfeito, todo mundo falha, né? Ninguém é perfeito, mas é isso aí, é uma grande alegria aqui dentro, tá todo mundo reunido aqui, né”. Paulo Sérgio de Jesus, o “Manaquiri”, pescador, 40 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de 2009. 185 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados Figura 24 – Wanderlan Corrêa da Silva, o “Valdé”, pescador “O que motiva nós além do dinheiro que ganhamo no manejo... eu acho que é o fato de você tá sempre vendo alguma coisa assim diferente, né.Tipo, lá em Maraã a gente fica o tempo todo e quando abre isso aqui fica sendo uma coisa assim diferente, né. Como se fosse uma festa, né,... tipo assim, a comemoração de alguma coisa. Então é mais ou menos isso aí. Por exemplo, no momento que a pesca é liberada, o pessoal já tão ansioso pra vir pra se divertir e até mesmo pra encontrar os amigos e sair da rotina de lá do dia-adia”. Wanderlan Corrêa da Silva, o “Valdé”, pescador, 38 anos, em entrevista a Rafael Castanheira. Complexo do Lago Preto, outubro de 2008. Figura 25 – Luis Gonzaga Medeiros de Matos, o “Luizão”, pescador “Não existe mais aquela época do patrão. Agora o patrão é cada um de nós que juntos através do manejo poderemos conservar a natureza e dela extrair o nosso sustento. [...] O futuro dessa reserva é vocês [os pescadores da Colônia Z-32]”. Luis Gonzaga Medeiros de Matos, o “Luisão”, 47 anos, discursa em reunião geral dos pescadores realizada no dia 26 de outubro de 2006. Complexo do Lago Preto, Maraã (AM). CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se a fotografia documental como aquela desenvolvida a partir de um projeto de longa duração previamente elaborado por um autor que possui conhecimento e envolvimento com o tema abordado, cujas fotografias são devidamente organizadas e apresentadas por meio de uma narrativa 186 A fotografia como instrumento de documentação do manejo de pirarucu em Maraã, no Amazonas • Rafael Castanheira que descreve, num determinado tempo e espaço, as ações e seus personagens. As fotografias revelam o pensamento e sentimento de seu autor frente às situações por ele vivenciadas. Sua produção está diretamente ligada a sua biografia: suas origens, os espaços sociais frequentados, suas referências visuais e as práticas culturais do seu tempo. Ademais, para a compreensão das escolhas técnicas e estéticas que moldam a linguagem visual de um fotógrafo é preciso conhecer o contexto no qual suas obras foram produzidas, a diversidade dos temas por ele abordados e a construção da sua narrativa visual. Neste artigo, apresentou-se a documentação realizada entre os pescadores da Colônia Z-32 de Maraã. Situou-se o leitor sobre o ambiente, a colônia de pescadores e demais instituições envolvidas no manejo de pesca, contextualizando geográfica e historicamente a atividade. Descreveuse, então, como se deram a elaboração do projeto de documentação, a abordagem dos pescadores, a mudança de objetivos ao longo do trabalho, a logística na região, bem como os registros por utilizados e a edição dos mesmos para, finalmente, se construir e apresentar a narrativa visual que compôs o corpus fotográfico analisado neste trabalho. Ao documentar esta atividade, procurou-se reconstruir a história do manejo de pesca e dos pescadores da COLPEMA a partir de uma maneira particular de olhar esta realidade a fim de não somente montar um banco de imagens que pudesse servir como fonte de pesquisa para futuras gerações de pesquisadores, como também contribuir para a memória e a formação do imaginário coletivo sobre a região. Ao longo dos cinco anos de trabalho realizando entrevistas com os atores sociais envolvidos no manejo, produzindo fotografias e coletando dados sobre suas atividades, concluise que esse modelo de pesca em Maraã não tem apenas promovido a conservação do pirarucu por meio de uma atividade ambientalmente responsável, aumentando o lucro e, consequentemente, o poder de escolha e consumo dos pescadores, mas tem também resgatado os valores culturais da pesca tradicional e promovido o espírito de coletividade entre os pescadores e demais atores envolvidos neste processo. Acredita-se que esse modelo de manejo de pesca deva ser estudado e divulgado não somente para conservar os recursos naturais e melhorar as condições de vida dos pescadores, trazendo-os para a formalidade, mas também para agregar valor ao produto pirarucu em novos mercados e promover o intercâmbio de conhecimentos e tecnologias aplicadas no manejo entre pescadores, pesquisadores e empresários de outras regiões do Brasil e do mundo, estimulando-os a criar e implementar novas técnicas que sejam eficazes tanto para as comunidades de pescadores quanto para a ciência e a indústria pesqueira. 187 Parte I - Bases científicas para o manejo de pirarucu: uma década de conhecimentos gerados REFERÊNCIAS ALVES, A. Os argonautas do mangue. São Paulo: Editora da Unicamp, 2004. BRITO, E. S. História de Maraã. no prelo. COLLIER JR., J. Antropologia visual: a fotografia como método de pesquisa. Tradução Iara Ferraz e Solange Martins Couceiro. São Paulo, EPU, 1973. MONTEIRO, Rosana H. Videografias do coração. Um estudo etnográfico do cateterismo cardíaco. Tese (Doutorado)Instituto de Geociência, Universidade Estadual de Campinas. Campinas: Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, 2001. SCM - Sociedade Civil Mamirauá. Mamirauá management plan. SCM, CNPq/MCT. Brasília, 1996. MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1976. (Coleção Os Pensadores, 43). 188 O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação do pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia • Leandro Castello • Donald J. Stewart • Caroline C. Arantes Parte II Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de pirarucus 189 VISÃO DO MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA PESCA DO PIRARUCU (Arapaima gigas) NA AMAZÔNIA BRASILEIRA Jeanne Gomes da Silva1 INTRODUÇÃO A pesca na Amazônia brasileira data de épocas remotas, segundo Meggers (1977) e Roosevelt . (1991), há cerca de oito mil anos quando a região era explorada apenas pelos índios, os peixes já se constituíam em recursos naturais importantes para a manutenção das populações humanas. No século XVII, os colonizados portugueses começaram a utilizar o pescado como moeda de pagamento e de troca (Furtado 1981). De acordo com Veríssimo, 1895 e Menezes, 1951, no século XIX e início do século XX, mais de 3.000 ton/ano de pirarucu foram exportados da Amazônia Brasileira. Pelo fato de dispor de uma imensa bacia hidrográfica, que apresenta rica diversidade de espécies ictiológicas, os ribeirinhos da Amazônia sempre tiveram na pesca uma de suas principais atividades econômicas. Atualmente, a pesca com fins econômicos envolve uma cadeia produtiva ampla, abrangendo do pescador até o consumidor final. A pesca do pirarucu em Unidades de Conservação de uso sustentável e áreas de Acordos de Pesca também se encontram dentro dessa cadeia produtiva. O ordenamento pesqueiro é peça fundamental para o fortalecimento da pesca e demais atividades pesqueiras, pois através de tal ferramenta se estabelece as normas que regulamentam a pesca nos ambientes aquáticos que compõem uma bacia hidrográfica. Neste contexto, a regulamentação da pesca manejada do pirarucu se torna peça fundamental para a continuidade da atividade de forma a garantir a sustentabilidade da pesca da referida espécie. Normas de Ordenamento do Uso Sustentável dos Recursos Pesqueiros no Brasil As normas referentes ao ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros no Brasil são elaboradas de acordo com a Lei nº 11.959 de 29 de junho 2009. Elaboradas ainda baseadas no Decreto nº 6.981, de 13 de outubro de 2009, que regulamentou o Art. 27, § 6º, inciso I, da Lei nº 10.683, de 2003, dispondo sobre a atuação conjunta do Ministério da Pesca e Aquicultura/MPA e do Ministério do Meio Ambiente/MMA nos aspectos relacionados ao uso sustentável dos recursos pesqueiros. 191 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus Seguindo também a Portaria Interministerial nº 2 de 13 de novembro de 2009, que regulamentou o Sistema de Gestão Compartilhada do uso sustentável dos recursos pesqueiros, de acordo com o previsto no Decreto nº 6.981/2009. Portaria Interministerial nº 7 de 21 de dezembro de 2012, que criou o Comitê Permanente de Gestão da Pesca e do Uso Sustentável de Recursos da Bacia Amazônica/CPG Bacia Amazônica, com o objetivo de assessorar os Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente no uso sustentável da pesca dos recursos da Bacia Amazônica. Sistema de Gestão Compartilhada do Uso Sustentável dos Recursos Pesqueiros O Sistema de Gestão Compartilhada é formado por comitês, câmaras técnicas e grupos de trabalho de caráter consultivo e de assessoramento, constituídos por órgãos do governo de gestão de recursos pesqueiros e pela sociedade formalmente organizada. O Sistema é coordenado pela Comissão Técnica de Gestão Compartilhada dos Recursos Pesqueiros/CTGP, formada pelo MPA, MMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/IBAMA e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio. O Sistema de compartilhamento de responsabilidades e atribuições entre representantes do Estado e da sociedade civil organizada tem como objetivo subsidiar a elaboração e implementação das normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros. De acordo com a Portaria Interministerial nº 7/2012, o CPG Bacia Amazônica integra o Sistema de Gestão Compartilhada do Uso Sustentável dos Recursos Pesqueiros e vincula- se, com caráter consultivo e de assessoramento, à Comissão Técnica da Gestão Compartilhada dos Recursos Pesqueiros/CTGP, conforme o Decreto nº 6.981/ 2009. Normas Vigentes relacionadas à Pesca do pirarucu na Amazônia Brasileira A Norma Geral referente à pesca do pirarucu na Amazônia brasileira é a Instrução Normativa IBAMA nº 34, de 18 de junho de 2004. Os Estados do Amazonas, Acre e Rondônia, além de seguirem a Instrução Normativa nº 34/2004, elaboraram ainda suas normas próprias, o Amazonas elaborou a Instrução Normativa IBAMA nº 1, de 1º de junho de 2005, Rondônia elaborou a Portaria Normativa IBAMA nº 24 de 10 de junho 2005 e o Acre elaborou a Instrução Normativa IBAMA nº 1, de 30 de maio de 2008. Regulamentação da Pesca do pirarucu A regulamentação da pesca manejada do pirarucu será um mecanismo de ordenamento e monitoramento da mesma. Ao longo do tempo a atividade cresceu muito, o que requer melhor acompanhamento por partes das instituições que emitem a autorização para pesca e a deliberação das guias para transporte e comercialização do pescado oriundo das áreas manejadas. O Ministério da Pesca e Aquicultura, a Superintendência Federal de Pesca e Aquicultura do Amazonas, conjuntamente com o Ministério do 192 Visão do ministério da pesca e aquicultura sobre a regulamentação da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) na Amazônia brasileira • Jeanne Gomes da Silva Meio Ambiente através do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis, Superintendência do Amazonas iniciaram em meados de 2010 as discussões visando à elaboração da Norma que regulamentará a pesca manejada do pirarucu. As reuniões de discussões a cerca da Minuta de Instrução Normativa Interministerial que regulamentará a pesca manejada, apontaram que para a realização da pesca manejada, seria necessário a elaboração de Plano de Manejo Sustentável da Pesca do pirarucu nas áreas onde se pretende se realizar tal atividade. De acordo ainda com as discussões, as questões referentes à elaboração do Plano de Manejo Sustentável da Pesca do pirarucu, deverão estar pautadas no uso sustentável do recurso, desta forma, o Plano deverá seguir determinados princípios gerais, como a conservação dos recursos naturais, a conservação da estrutura dos ecossistemas aquáticos, bem como o desenvolvimento econômico, social e ambiental. O Plano deverá ainda seguir determinados fundamentos técnicos, como o levantamento criterioso da espécie disponível na área objeto do Plano de Manejo, a caracterização da estrutura do complexo de lagos e procedimentos de captura que minimizem danos sobre o ecossistema aquático. Será estabelecido que, no mínimo, 70% dos pirarucus contados por lago ficará como estoque remanescente, visando assim garantir a exploração sustentada da espécie. As discussões iniciaram-se no Amazonas, mas os Estados do Acre, Rondônia, Pará vêm realizando a pesca manejada do pirarucu e o Estado de Roraima tem demonstrado interesse também em realizar tal atividade. A elaboração da Norma que regulamentará a pesca manejada do pirarucu na bacia Amazônica continuará sendo discutida agora no contexto do CPG Bacia Amazônica, desta forma os demais Estados estarão participando das discussões, conjuntamente com o Estado do Amazonas. Visão Atual do Ministério da Pesca e Aquicultura sobre a Regulamentação da Pesca do pirarucu Para o MPA que o ordenamento da pesca é essencial para a manutenção da atividade pesqueira, pois entende que para trabalhar os demais elos da cadeia produtiva, são de suma importância as Normas que regulamentam a pesca. O MPA visualiza que através da regulamentação da pesca manejada do pirarucu, o pescador exercerá suas atividades de pesca de acordo com os procedimentos e critérios estabelecidos, o que favorecerá a melhoria da qualidade de vida do pescador que se dedica a tal atividade. Para o MPA, a regulamentação da pesca do pirarucu é de suma importância, pois através da mesma se estabelecerá melhor as questões relacionadas ao acompanhamento, monitoramento, avaliação e fiscalização da pesca do pirarucu nas áreas de manejo. A visão atual do MPA é que a publicação da Norma especifica regulamentando o manejo da pesca do pirarucu na bacia Amazônica disciplinará a captura do mesmo, através do estabelecimento de 193 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus critérios e procedimentos que visam garantir a conservação da espécie e será de suma importância para que a atividade continue acontecendo de forma sustentável. O MPA vislumbra ainda que a regulamentação da pesca manejada do pirarucu não somente promoverá o ordenamento da atividade, como também poderá contribuir para incentivar a organização das comunidades, para que assim possam produzir os meios para a implementação de um comércio melhor com mercado consumidor em igualdade de condições, aproveitando de forma mais satisfatória a atividade em termos ambientais e socioeconômicos. CONCLUSÃO O MPA conclui que a falta de instrumento legal, referente à regulamentação da pesca manejada do pirarucu gerou de certa forma problemas em relação ao controle da mesma, portanto entende que a Norma que regulamentará o manejo será importante para solucionar determinados problemas enfrentados no passado, contribuindo assim para a sustentabilidade da atividade. Conclui ainda que a falta de equipamentos e infraestruturas adequadas que possibilitem melhor conservação do pescado acaba obrigando o pescador a vendê-lo por valores de mercado bem abaixo da média. Portanto entende como necessário investir em infraestrutura que garantam melhor acondicionamento e armazenamento do pescado e a necessidade de proporcionar melhores condições de acampamento aos pescadores durante a pesca manejada do pirarucu. O Ministério da Pesca e Aquicultura conclui ainda, para o maior êxito da pesca manejada do pirarucu e para que a mesma continue acontecendo de forma sustentável, além do estabelecimento da Norma que regulamentará o manejo, é fundamental o adequado funcionamento da cadeia produtiva como um todo. REFERÊNCIAS BRASIL, Leis, Decretos. Lei nº 11.959 de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras, revoga a Lei nº 7.679, de 23 de novembro de 1988 e dispositivos do Decreto-Lei nº 221, de 28 de fevereiro de 1967 e dá outras providências. BRASIL, Leis, Decretos. Decreto nº 6.981, de 13 de outubro de 2009. Regulamenta o Art. 27, § 6º, inciso I, da Lei nº 10.683, de 2003. Dispõem sobre a atuação conjunta do Ministério da Pesca e Aquicultura/MPA e do Ministério do Meio Ambiente/MMA nos aspectos relacionados ao uso sustentável dos recursos pesqueiros. BRASIL, Leis, Decretos. Portaria Interministerial nº 2 de 13 de novembro de 2009. Regulamenta o Sistema de Gestão Compartilhada do uso sustentável dos recursos pesqueiros de que trata o Decreto nº 6.981, de 13 de outubro de 2009. BRASIL, Instrução Normativa IBAMA nº 34, de 18 de junho de 2004. Estabelece normas gerais para o exercício da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) na Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas. BRASIL, Instrução Normativa IBAMA n º 1, de 1º de junho de 2005. Estabelece a proibição anual da pesca, o transporte, a armazenagem e a comercialização do pirarucu (Arapaima gigas) no Estado do Amazonas, durante o período de 1º de junho a 30 de novembro. 194 Visão do ministério da pesca e aquicultura sobre a regulamentação da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) na Amazônia brasileira • Jeanne Gomes da Silva BRASIL, Instrução Normativa IBAMA nº 1, de 30 de maio de 2008. Estabelece a proibição de 1º de junho a 30 de novembro a captura, o transporte, a armazenagem e a comercialização do pirarucu (Arapaima gigas) no Estado do Acre. BRASIL, Portaria Normativa IBAMA nº 24 de 10 de junho 2005. Estabelece a liberação da pesca da espécie Arapaima gigas (pirarucu) anualmente no período de 01 de maio a 31 de outubro, na Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, Estado de Rondônia. BRASIL, Portaria Interministerial nº 7 de 21 de dezembro de 2012, cria o Comitê Permanente de Gestão da Pesca e do Uso Sustentável de Recursos da Bacia Amazônica/ CPG Bacia Amazônica. FURTADO, L. F. G. pesca: una delimitación de su historia en Sub. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Serie Antropologia, n. 79, 1981. 50 p. MEGGERS, B. Amazonas: la ilusión de un paraíso. Rio de Janeiro, la civilización Brasileira, 1977, 207 p. MENEZES, RS., Notas biológicas e econômicas sobre o pirarucu Arapaima gigas (Cuvier) (Actinopterygii. Arapaimidae). Serviço de Informação Agrícola/Ministerio da Agricultura. Série estudos técnicos vol. 3, p. 9-39. 1951. ROOSEVELT, C.; HOUSLEY, R. A; IMAZIO DA SILVEIRA, M. ; MARANCA, S.; JOHNSON, R. “Octavo Millenium Alfarería de un Prehistóricos Medden Shell en el Amazonia Brasileña”. Ciencia, n. 254, 1991, p. 1621 1624. VERÍSSIMO, J. A Pesca no Amazônia. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Alves e Cia. (Monographias Brasileiras III), 206 p. 1895. 195 O PAPEL DA SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO AMAZONAS (SDS) NO APOIO AO MANEJO PARTICIPATIVO DE PIRARUCU (Arapaima gigas) NAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ESTADUAIS João Bosco Ferreira da Silva1 Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior2 Gelson da Silva Batista3 INTRODUÇÃO O Estado do Amazonas tem se destacado na utilização sustentável dos recursos pesqueiros. As Unidades de Conservação Estaduais de uso sustentável são as áreas pioneiras no manejo desses recursos, com destaque para o pirarucu (Arapaima gigas). Esta espécie de peixe apresenta características peculiares que a torna apta a ser manejada, como respiração aérea obrigatória, concentração de espécimes em corpos d’água lacustres durante o período de seca e, de acordo com Queiroz (2000), possui grande porte, podendo atingir 3 metros de comprimento e 200 quilogramas de peso. O manejo se tornou efetivo com o desenvolvimento do método de contagem visual para estimar a abundância de pirarucu (CASTELLO, 2004), fundamentado na habilidade de pescadores artesanais experientes em contar o número de pirarucus (tanto adultos quanto os jovens) no momento que vêm à superfície da água para realizar a respiração aérea. 1 2 3 O manejo de pirarucu se iniciou em 1999 em um dos setores (Jarauá) da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM). Com a criação da SDS, em 2003, essa atividade passou a ter suporte (técnico e logístico) para a realização das etapas do manejo. No entanto, com a criação do Centro Estadual de Unidades de Conservação -CEUC, em 2007, houve maior aporte de recursos nessa atividade, fato este que ajudou a consolidar o manejo de pirarucu que vinha sendo realizado na RDSM pelos Institutos de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - IDSM e Fonte Boa e na Amanã, pelo IDSM, assim como auxiliar na implementação do manejo na RDS Piagaçu-Purus (sob a coordenação do Instituto Piagaçu) e, mais recentemente, na RDS Uacari, no Médio rio Juruá. Em 13 anos de manejo desta espécie, a atividade é desenvolvida atualmente em 20 setores de quatro reservas estaduais de uso sustentável, todas da categoria RDS, e em 16 áreas em todo o Estado do Amazonas. Engenheiro de Pesca, Núcleo de Pesca SDS/CEUC Graduando em Engenharia de Pesca – UFAM, Núcleo de Pesca SDS/CEUC MSc., Analista Ambiental do IPAAM 197 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus Outras Unidades de Conservação de uso sustentável criadas pelo Estado do Amazonas têm grande potencial para desenvolver o manejo de pirarucu, entre elas estão a RDS Cujubim, no médio rio Jutaí e a Reserva Extrativista de Canutama, no Médio rio Purus. Para a atividade de manejo pesqueiro ser implementada nestas áreas protegidas é fundamental ter a parceria de uma instituição, pública ou da sociedade civil organizada, que possa conduzir os trabalhos a ser realizados para efetivamente consolidar a atividade nestas UCs. O sucesso do manejo de pirarucu, nos primeiros anos, depende dessas parcerias. O objetivo deste trabalho é mostrar o apoio que o Estado do Amazonas vem dando, através da SDS, para o desenvolvimento da atividade de manejo de pirarucu nas unidades de conservação de uso sustentável gerenciadas pelo CEUC. DESENVOLVIMENTO Para tomar frente ao novo cenário político-econômico e ambiental que se configurou no Brasil, no início dos anos 2000, o Governo do Estado do Amazonas, a partir de 2003, iniciou um processo de adequação na estrutura governamental que incluiu a extinção de algumas secretarias de Estado e autarquias e a criação de novas. Neste cenário, o Estado do Amazonas criou a Secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS). A SDS foi criada pela Lei n° 2.783, de 31 de janeiro de 2003, com reestruturação organizacional estabelecida pela Lei Delegada n° 66, de 06 de maio de 2007, integrando a estrutura administrativa do Poder Executivo do Governo do Estado do Amazonas, como órgão da Administração Direta. A SDS atua em articulação com Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (ADS) e Companhia de Gás do Amazonas (CIGÁS), que são as autarquias vinculadas a SDS. A estrutura conta também com a colaboração de órgãos colegiados: Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEMAAM); Conselho Estadual de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais do Amazonas (CDSCPT/AM); Conselho Estadual de Reserva da Biosfera da Amazônia Central (CERBAC); Fórum Amazonense de Mudanças Climáticas, Biodiversidade, Serviços Ambientais e Energia (FAMC) e Fórum Permanente das Secretarias Municipais de Meio Ambiente do Amazonas (FOPES-AM). No âmbito do Sistema SDS, foi criada a Unidade Gestora do Centro Estadual de Mudanças Climáticas e do Centro Estadual de Unidades de Conservação. A SDS tem por finalidade atuar na formulação, coordenação e implementação da política estadual de meio ambiente, dos recursos hídricos e da fauna e flora, além da gestão de florestas e do ordenamento pesqueiro, visando à valorização econômica, a sustentabilidade dos produtos florestais 198 O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais •João Bosco Ferreira da Silva •Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior • Gelson da Silva Batista madeireiros e não madeireiros e com ações de fortalecimento das cadeias produtivas, por meio da articulação com a Secretaria de Estado de Produção Agropecuária, Pesca e Desenvolvimento Rural Integrado (SEPROR), Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (IDAM) e ADS. Nesse contexto, a SDS possui atribuições de melhorar a qualidade de vida das pessoas; conservar a natureza; promover o crescimento econômico; e atenuar as mudanças climáticas. Sua missão é garantir a proteção da natureza e o uso dos recursos naturais, com valorização socioambiental, visando o desenvolvimento sustentável do Amazonas. Tem como visão ser referência nacional e internacional na formulação e gestão de políticas ambientais e de desenvolvimento sustentável. A partir de 2002, por meio da SDS, o Governo do Amazonas intensificou a criação de Unidades de Conservação como um instrumento estratégico de ordenamento territorial, objetivando conciliar a conservação dos recursos naturais com o desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais. A conservação da biodiversidade e estímulo às atividades econômicas sustentáveis em áreas protegidas são formas de assegurar melhores condições às famílias que residem nesses espaços protegidos. O Estado do Amazonas possui, atualmente, 27% de seu território protegido por Unidades de Conservação, incluindo as federais (15%) e estaduais (12%), totalizando 42.335.533,20 milhões de hectares. De 2003 a 2009, houve um incremento de 157% no número de unidades de conservação estaduais. Esse fato mostra a estratégia que o Governo do Estado adotou para promover a conservação da biodiversidade, reconhecimento e valorização das populações tradicionais e controle do desmatamento ilegal. As terras indígenas representam 27,7% da área do Estado, o equivalente a 43,19 milhões de hectares, distribuídos em 173 terras indígenas de 66 etnias. O Estado do Amazonas possui 54,8% de seu território legalmente protegidos. As Unidades de Conservação criadas pelo poder público estadual, estão distribuídas em 32 Unidades de Uso Sustentável e nove de Proteção Integral. Aproximadamente, 81% das Unidades de Conservação estaduais são de Uso Sustentável, sendo quinze RDSs, oito Florestas, cinco APAs e quatro Resex (Figura 1). A gestão das Unidades de Conservação Estaduais é realizada pelo Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC). O CEUC foi instituído pelo Decreto pela Lei Complementar n° 53, de 5 de junho de 2007 - Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC). Com sede em Manaus, o CEUC possui aproximadamente 50 técnicos (lotados na capital e no interior) atuantes no processo de criação, implementação e gestão das Unidades de Conservação Estaduais. 199 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus Figura 1 – Crescimento do número de Unidade de Conservação Estadual entre os anos de 2002 até 2009. Desde 2003, a SDS priorizou o árduo processo de criação das Unidades de Conservação Estaduais. No entanto, nos últimos quatro anos, a SDS vem dando ênfase na implementação dessas áreas protegidas. O que a SDS, através do CEUC, vem fazendo é consolidar uma política de estado que proporciona o desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais com a manutenção da qualidade ambiental. Com o propósito de promover o crescimento de atividades sustentáveis a SDS vem apoiando e incentivando o uso adequado dos recursos naturais, com ênfase no ordenamento e manejo dos recursos pesqueiros. ORDENAMENTO PESQUEIRO ESTADO DO AMAZONAS NO O processo de ordenamento que é realizado pelo CEUC/SDS, e instituições parceiras, atende aos princípios da gestão cooperativa ou compartilhada, pois proporciona a participação direta, na tomada de decisão, dos agentes sociais da pesca (pescadores), sociedade civil organizada e órgãos do Poder Público que têm relação direta com a temática da pesca e instituições de pesquisa governamentais e não governamentais. Uma das estratégias adotadas pela SDS para implementar o manejo de pirarucu vem sendo o complexo processo de ordenar áreas dentro e no entorno das Unidades de Conservação. As ações de ordenamento pesqueiro que são realizadas pelo corpo técnico do CEUC, e das instituições parceiras, nas Unidades de Conservação de Uso Sustentável, têm o objetivo de subsidiar a elaboração e implementação de normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros para que sirvam como eficientes instrumentos de gestão. 200 O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais •João Bosco Ferreira da Silva •Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior • Gelson da Silva Batista O Estado do Amazonas passou a ter competência plena para legislar sobre o ordenamento pesqueiro nas águas de sua jurisdição, com o advento da Lei Federal n° 11.959, de 29 de junho de 2009 (nova Lei da Pesca). Com essa nova atribuição, a equipe técnica da SDS, em 2010, montou um Grupo de Trabalho e iniciou a discussão para a elaboração de um instrumento de ordenamento da pesca que contemplasse o manejo de pirarucu. Devido à legislação em vigor determinar que o pirarucu só pode ser retirado da natureza por meio de manejo de ambientes aquáticos em áreas de Unidades de Conservação e de acordo de pesca, tal proposta foi regulamentada através da Instrução Normativa SDS n° 03, em abril de 2011, estabelecendo normas e procedimentos para a elaboração e regulamentação de Acordo de Pesca como instrumento de gestão pesqueira. Com o advento desta norma estadual, ainda em 2011, foram regulamentados os Acordos de Pesca da Ilha da Paciência, no município de Iranduba (Figura 2), e do Mamori, no município de Careiro. As propostas desses Acordos já vinham sendo discutidas desde 2007, e foram ajustadas para atender aos preceitos da IN SDS n° 03/2011. Figura 2 – Acordo de pesca da Ilha da Paciência, no município de Iranduba. 201 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus A área do Acordo de Pesca da Ilha da Paciência é composta por 32 lagos de várzea, dos quais sete são destinados ao manejo de pirarucu. A regulamentação desta área e a eficiente vigilância dos lagos realizada pelos comunitários vêm proporcionando a recuperação do estoque de pirarucu, principalmente nos ambientes que não sofrem pressão de pesca. Muito em breve, a área deste acordo será a mais próxima de Manaus a ter manejo de pirarucu com cota autorizada. Em julho de 2012, como resultado do processo de discussão iniciado em março do mesmo ano, a SDS regulamentou o acordo de pesca dos setores Maiana e Solimões do Meio, na RDS Mamirauá (Figura 3). Nessa área, existe 136 lagos, dos quais 54 estão destinados ao manejo de pirarucu. O grande diferencial deste acordo foi o seu processo de elaboração, o qual seguiu integralmente o que determina a IN SDS n° 03/11. O acordo iniciou com a instituição do Comitê Condutor do Acordo (CCA), regulamentado pela IN SDS n° 25, de 14 de março de 2012, composto por 16 instituições representantes do Poder Público e da sociedade civil organizada. Figura 3 - Acordo de pesca regulamentado pela SDS na RDS Mamirauá. 202 O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais •João Bosco Ferreira da Silva •Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior • Gelson da Silva Batista As discussões para a elaboração deste acordo foi uma das mais difíceis já realizadas por esta Secretaria, pois envolvia a disputa por áreas, tradicionalmente utilizadas por pescadores da sede do município de Fonte Boa, dentro dos setores Maiana e Solimões do Meio, na RDS Mamirauá. Esse conflito existia desde o início da criação da reserva, mas tomou maior proporção a partir de 2004, quando iniciou a atividade de manejo do pirarucu naquela área. A intervenção do Estado, através do CEUC/SDS, foi determinante para o adequado zoneamento da área e regulamentação de regras de uso dos ambientes aquáticos ali existentes. A regulamentação deste acordo fez cessar o conflito entre pescadores ribeirinhos e urbanos, pois esses dois grupos passaram a ter áreas diferenciadas para o uso dos recursos pesqueiros. MANEJO DOS RECURSOS PESQUEIROS Dentre as ações de geração de renda que vêm sendo coordenadas pelo CEUC nas UCs Estaduais de Uso Sustentável, através do Departamento de Manejo e Geração de Renda (DMGR) e instituições parceiras, destaca-se o manejo de ambientes aquáticos com ênfase na captura sustentável de pirarucu (Arapaima gigas). Vale ressaltar que o manejo dessa espécie só pode ser implementado em áreas onde o ordenamento pesqueiro esteja definido. A pesca comercial do pirarucu é proibida o ano todo no Estado do Amazonas pelas Instruções Normativas do IBAMA 34/2004 (1 de dezembro a 31 de maio) e 01/2005 (1 de junho a 30 de novembro). A captura desta espécie é permitida apenas em áreas de manejo em Unidades de Conservação e Acordos de Pesca, assim como em criações em cativeiro devidamente regularizadas pelos órgãos competentes. O manejo de pirarucu é uma das atividades de maior destaque na geração de renda nas UCs. Atualmente, essa atividade é realizada em quatro Reservas de Desenvolvimento Sustentável do Estado (Mamirauá, Amanã, PiagaçuPurus e Uacari). O objetivo do manejo de pirarucu é proporcionar a recuperação dos estoques dessa espécie nas Unidades de Conservação gerenciadas pelo Estado e gerar renda para a manutenção das populações usuárias e comunidades tradicionais das áreas protegidas. Na metodologia empregada no manejo, adota-se o resultado da contagem de pirarucus adultos do ano anterior como base para solicitar a cota do ano corrente, prevendo-se a remoção de, no máximo, 30% dos peixes adultos contados, deixando-se os 70% do restante como forma de assegurar a reprodução e a continuidade da população (CASTELLO, 2004; VIANA et al., 2007). A SDS, através do CEUC e instituições parceiras, vem apoiando o manejo de pirarucu nas Reservas estaduais ao longo de todas as etapas: organização comunitária, elaboração de regras de uso do recurso, capacitação de pescadores, monitoramento dos estoques de pirarucus, vigilância e fiscalização dos ambientes aquáticos, definição de plano de produção, contagem, pesca e comercialização da produção. A atividade vem sendo realizada nas 203 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus UCs estaduais e, a cada ano, está sendo aperfeiçoada pelos usuários desses recursos (VIANA et al., 2007; AMARAL, et al., 2011), através das diretrizes técnicas do CEUC e de instituições parceiras, e vem contribuindo diretamente na geração de renda para as comunidades residentes, tendo impacto significativo na melhoria da qualidade de vida dos beneficiários. Em 2011, o IBAMA (órgão que emite a licença para a pesca desta espécie) autorizou cota de 12.045 peixes adultos para as reservas estaduais. No entanto, devido às dificuldades encontradas pelas comunidades locais para realizarem a pesca (difícil acesso aos lagos, petrecho de pesca insuficiente, curto período de tempo para a captura dos peixes, entre outros), foram capturados 11.009 pirarucus (eficiência de captura de 94%), tendo como beneficiados 2.112 pescadores (1.072 famílias) de 115 comunidades ribeirinhas (Figura 4). Figura 4 - Estimativa de produção de pirarucu para 2012. A produção total foi de 592,6 toneladas e gerou um faturamento bruto de R$ 2.883.108,58. Os beneficiários do manejo de pirarucu, nas quatro reservas, tiveram renda média de R$ 1.365,11. No entanto, para os 1.688 pescadores da RDS Mamirauá, a renda média foi de R$ 1.690,65. Em 2012, a produção de pirarucu manejado foi de 643 toneladas e gerou faturamento de 3,1 milhões de reais (Figura 5). 204 O papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) no apoio ao manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas unidades de conservação estaduais •João Bosco Ferreira da Silva •Flávio Ruben P. de Oliveira Júnior • Gelson da Silva Batista Fonte: SDS/CEUC, 2012. * Dados atualizados/safra 2012. Figura 5 - Histórico da produção de pirarucu e receita gerada nas reservas estaduais. Nos últimos seis anos, o Governo do Estado e os diversos parceiros do Sistema SDS, com destaque para os Institutos Mamirauá, Piagaçu e Fonte Boa, vêm implementando o manejo de pirarucu nas reservas criadas pelo Estado, e criando condições para que essa atividade tenha resultado efetivo na geração de renda e melhoria da qualidade de vida das comunidades das áreas protegidas. O reflexo desse trabalho conjunto foi o aumento, em 2012, em 7,8% no faturamento bruto gerado e de 20% no faturamento médio/ pescador (Figura 6). As Unidades de Conservação Estaduais, em 2012, foram responsáveis por 74% da produção de pirarucu em todas as áreas manejadas no Amazonas. Este desempenho extraordinário se deve a uma política agressiva de sustentabilidade da pesca desenvolvida pela SDS, através do CEUC e instituições parceiras. CONCLUSÃO A partir de 2003, com a criação da SDS, o Estado do Amazonas passou a criar condições, juntamente com outras instituições, para que o manejo de pirarucu se tornasse uma atividade geradora de renda para as comunidades locais. O aumento significativo na criação de Unidades de Conservação de Uso sustentável, a elaboração de instrumentos legais para a regulamentação de Acordos de Pesca, a elaboração e implementação de planos de manejo de recursos pesqueiros e o apoio em todas as etapas do manejo foram medidas decisivas para a ampliação no número de áreas 205 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus manejadas, para o aumento na produção de pirarucu e na geração de renda dos manejadores. Esses fatores vêm proporcionando melhores condições de vida para os moradores e usuários das reservas onde é realizado o manejo de pirarucu. REFERÊNCIA AMARAL, E.; SOUSA, I. S.; GONÇALVES, A. C. T.; BRAGA, R.; FERRAZ, P.; CARVALHO, G. Manejo de pirarucus (Arapaima gigas) em lagos de uso exclusivos de pescadores urbanos: baseado na experiência do Instituto Mamirauá junto a Colônia de Pescadores Z-32 de Maraã na cogestão no complexo do Lago Preto, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – RDSM. Tefé: IDSM, 2011. CASTELLO, L. A method to count pirarucu: fishers, assessment and management. North American Journal of Fisheries Management, v. 24, p. 379 - 389, 2004. VIANA, J. P.; CASTELLO, L.; DAMASCENO, J. M. B.; AMARAL, E. S. R.; ESTUPIÑAN, G. M. B.; ARANTES, C. C., BATISTA, G. S.; GARCEZ, D. S.; PEREIRA, S. B. (2007).Manejo Comunitário do pirarucu Arapaima gigas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - Amazonas, Brasil. In: NÚCLEO DA ZONA COSTEIRA E MARINHA - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (Org.). Áreas Aquáticas Protegidas como Instrumento de Gestão Pesqueira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, p. 239 - 261. (Série Áreas Protegidas do Brasil, 1). QUEIROZ, H. L. Natural history and conservation of pirarucu, Arapaima gigas, at the Amazonian várzea: red giants in muddy waters. Tese (Doutorado) - St. Andrews: Universityof St. Andrews. 2000. 206 RECUPERANDO A PESCA DO PIRARUCU NO BAIXO AMAZONAS, BRASIL Leandro Castello1,2 Caroline C. Arantes3,4 Fabio Sarmento3 David G. McGrath1,2 INTRODUÇÃO A pesca do pirarucu (Arapaima spp.) está em declínio na maior parte da Amazônia (CASTELO; STEWART; ARANTES et al., 2013; CASTELLO ; STEWART, 2010). No Baixo Amazonas, Estado do Pará, Brasil, a situação é típica de áreas fora de reservas biológicas ou extrativistas. Lá, o pirarucu é ameaçado não só pela pesca, mas também pela degradação de habitat. Mais da metade dos habitats de floresta alagada que provêm condições de alimentação e reprodução ao pirarucu no Baixo Amazonas foram desmatados (CASTELLO, 2011a; b; RENO et al., 2011). Visando promover a sustentabilidade da pesca no Baixo Amazonas, muitas comunidades têm desenvolvido os chamados acordos de pesca, nos quais os pescadores negociam e implementam regras de uso dos recursos pesqueiros (CASTRO, 2000; FUTEMA, 2000; CASTRO; MCGRATH, 2002; MCGRATH et al., 2008; ALMEIDA et al., 2009). Esses acordos de pesca têm levado ao desenvolvimento de uma estrutura institucional grande 1 2 3 4 na região que envolve 140 comunidades e representa um bom ponto de partida para o desenvolvimento de práticas sustentáveis da pesca de pirarucu (MCGRATH et al., 2008). No entanto, os acordos de pesca permitem apenas a definição de regras de pesca, não sendo possível excluir pescadores de outras comunidades do manejo. Essa deficiência fere um princípio da sustentabilidade da pesca: o direito de quem investe no manejo do recurso a ter direito exclusivo de usufruir os benefícios gerados pelas suas ações (OSTROM 1990; MCGRATH et al., 2004). Além disso, os acordos de pesca não se enfocam no pirarucu, deixando-o vulnerável à sobreexploração (CASTELLO et al., 2013). Por exemplo, os comprimentos médios dos pirarucus capturados mostram que há predominância de indivíduos sexualmente imaturos (Figura 1), o que é um sinal típico de sobre-exploração pesqueira (HILBORN; WALTERS 1992; CASTELLO et al., 2011a). Woods Hole Research Center, Falmouth, Massachusetts, Estados Unidos Endereço atual: Department of Fish and Wildlife Conservation, Virginia Polytechnic Institute and State University, Blacksburg, Virginia, Estados Unidos Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Santarém, PA, Brasil Department of Fish & Wildlife, Texas A&M University, College Station, Texas, Estados Unidos 207 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus Figura 1 - Tamanho médio de captura atual de Martinelli e Petrere (1999) em Santarém, região do Baixo Amazonas. Tamanho de primeira maturação sexual é de Arantes et al. (2010) para o pirarucu na Reserva Mamirauá. AVANÇOS RECENTES Os autores têm, nos últimos quatro anos, se dedicado a implementar práticas sustentáveis de pesca do pirarucu na região do Baixo Amazonas. Ao longo dos anos, a equipe de trabalho tem variado entre duas e três pessoas e contado com as instalações do Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia (www.ipam.org. br). A primeira parte do trabalho visou avaliar o estado da pesca do pirarucu na região. Dados de abundância de pirarucu foram coletados em comunidades, com base nas contagens de pirarucu (CASTELLO, 2004) e em entrevistas com pescadores e lideranças das comunidades. Os dados de abundância mostraram que os estoques de pirarucu estão ‘esgotados’ (Figura 2-A; CASTELLO et al., 2011b). Apenas cerca de 5% das comunidades possuem populações de pirarucu que podem ser consideradas ‘bem manejadas’. Além disso, as entrevistas indicaram que as regras de tamanho mínimo de captura e defeso não são respeitadas e que a maioria das comunidades não realiza nenhuma ação de manejo de pirarucu (Figura 2-B). Assim, a situação da pesca do pirarucu no Baixo Amazonas é crítica e requer, urgentemente, ações de manejo. A segunda parte do trabalho visa reverter essa situação. Para isso, os autores têm adaptado à realidade regional o modelo Mamirauá de manejo de pirarucu para áreas protegidas, o qual se embasa no cumprimento de três regras de manejo: tamanho mínimo de captura (1,5 m), período de defeso (Dezembro a Maio), e determinação de cota de pesca com base em dados de contagem (CASTELO; STEWART; ARANTES et al., 2013; CASTELLO, et al., 2011c). Três linhas de ação principal têm sido conduzidas na implementação desse modelo de manejo: capacitação, organização comunitária, 208 Recuperando a pesca do pirarucu no baixo Amazonas, Brasil • Leandro Castello • Caroline C. Arantes • Fabio Sarmento • David G. McGrath e desenvolvimento de políticas de manejo. Até o momento, cerca de 240 pescadores de 25 comunidades foram capacitados com relação à lógica e os princípios ecológicos do manejo do pirarucu. Além disso, 85 pescadores foram treinados no método de contagem de pirarucu, e desses, 53 fizeram uma avaliação técnica da sua capacidade de contar pirarucu. As atividades de organização comunitária têm almejado incentivar o cumprimento das regras de manejo, resolver conflitos, e estabelecer sistemas de fiscalização, o qual não é feito de maneira adequada pelos órgãos ambientais competentes. Um plano de manejo está sendo desenvolvido em 5 comunidades e uma proposta de política de manejo de pirarucu para a região do Baixo Amazonas foi submetida para consideração à Secretaria de Pesca e Aquicultura do Pará (SEPAq-PA) A B Cidades Corpos d’ água Área das comunidades Figura 2 - Mapas da abundância do pirarucu (A) e do grau de organização (B) em comunidades da região do Baixo Amazonas, do Estado do Pará, Brasil. 209 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus Estes resultados têm ajudado a criar agora um momento oportuno para construir uma estrutura institucional e política efetiva para o manejo sustentado do pirarucu no Baixo Amazonas. As atividades de treinamento, organização, e manejo têm motivado atores-chave sobre a necessidade de manejar o pirarucu. Embora nem todas as comunidades da região tenham interesse no manejo do pirarucu, algumas delas têm. Membros do governo, incluindo a SEPAq-PA e o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), têm participado de discussões e workshops relacionados ao tema, e têm demonstrado interesse em colaborar na implementação do manejo do pirarucu. De forma complementar, a proibição da exclusão de pescadores, que fere um princípio da ação coletiva, poderá ser modificada através da implementação de uma nova política fundiária que transformou as áreas das comunidades da região do Baixo Amazonas em Projetos de Assentamento Agroextrativista (PAEs). Os Planos de Utilização dos PAEs, elaborados pelos moradores e aprovados pelo INCRA, estabelece que os membros da comunidade têm direito exclusivo sobre os seus recursos pesqueiros, eliminando uma dificuldade do manejo pesqueiro. PASSOS FUTUROS O desenvolvimento da pesca sustentável de pirarucu nas comunidades interessadas no manejo depende, principalmente ,da implementação de um conjunto de condições necessárias. Do ponto de vista das comunidades, a falta de uma política coerente de manejo do pirarucu e a falta de fiscalização das regras de manejo são os principais obstáculos para o desenvolvimento de práticas sustentáveis de pesca do pirarucu. A equipe de trabalho está há quatro anos tentando coordenar com a SEPAq-PA e com o MPA a regulamentação da pesca do pirarucu. Espera-se que a implementação de uma política de manejo sustentado aumente, em muito, a demanda das comunidades tanto por fiscalização quanto por apoio técnicoinstitucional aos órgãos competentes. A carência por trabalhos de organização comunitária é muito grande e impossível de ser atendida com base nas condições modestas financeiras, de infraestrutura e quantidade de pessoas atuando na equipe. Órgãos regionais precisam estar preparados para suprir essas demandas. Considerando os avanços e entraves dos últimos anos, a equipe planeja continuar seus esforços nas três linhas principais de ação que têm sido conduzidas. Planejase complementar essas ações com uma expansão dos esforços de engajamento dos órgãos governamentais e não governamentais através da articulação política, formação de novas parcerias, e disseminação dos trabalhos realizados. AGRADECIMENTOS O Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), a Fundação Gordon e Betty Moore, e a WWF-UK proveram financiamento. D. Pinheiro e D. Gurdak ajudaram a produzir a figura 2. Diversos pescadores e lideranças comunitárias contribuíram para o desenvolvimento do trabalho aqui descrito. 210 Recuperando a pesca do pirarucu no baixo Amazonas, Brasil • Leandro Castello • Caroline C. Arantes • Fabio Sarmento • David G. McGrath REFERÊNCIAS ALMEIDA, O., LORENZEN, K., MCGRATH, D. Fishing agreements in the lower Amazon: for gain and restraint. Fisheries Management and Ecology, v. 16, p. 61 - 67, 2009. CASTELLO, L. A method to count pirarucu Arapaima gigas: fishers, assessment and management. North American Journal of Fisheries Management, v. 24, p. 379 - 389, 2004. CASTELLO, L. Lateral migration of Arapaima gigas in floodplains of the Amazon. Ecology of Freshwater Fish, v. 17, p. 38 – 46, 2008. CASTELLO, L.; STEWART, D. J. Assessing CITES non-detriment finding procedures for Arapaima in Brazil. Journal of Applied Ichthyology, v. 26, p. 49 - 56, 2010. CASTELLO, L.; STEWART, D. J.; ARANTES, C. C. Modeling population dynamics and conservation of arapaima in the Amazon. Reviews in Fish Biology and Fisheries, v. 21, n. 3, p. 623 - 640, 2011 a. DOI: 10.1007/ s11160-010-9197-z CASTELO; L.; STEWART, D.; ARANTES, C. C. O que sabemos e precisamos fazer a respeito da conservação de pirarucu (Arapaima spp.) na Amazônia. In: FIGUEIREDO, E. S. A. (Org.). Biologia, conservação e manejo participativo de pirarucus na pan-Amazônia. Tefé: IDSM, 2013 . p. 17-31. CASTELLO, L.; MCGRATH, D. G.; BECK, P. Resource sustainability in small-scale fisheries in the Lower Amazon. Fisheries Research, v. 110, p. 35 - 365. 2011 a. CASTELLO, L.; PINEDO-VASQUEZ, M.; VIANA, J. P. Participatory conservation and local knowledge in the Amazon várzea: The pirarucu management scheme in Mamirauá. Pages 261-176. In: PINEDO-VASQUEZ, M.; RUFFINO, M.; PADOCH, C. J.; BRONDÍZIO, E. S. (Ed.). The Amazon varzea: The decade past and the decade ahead. Springer-Verlag, 2011 b. CASTRO, F. Fishing accords: the political ecology of fishing intensification in the Amazon. Tese (Doutorado) - School of Public and Environmental Affairs, Indiana University, Bloomington, 2000. CASTRO, F; MCGRATH, D. G. Moving toward sustainability in the local management of floodplain lake fisheries in the Brazilian Amazon. Hum Organ; v. 62, p. 123 – 33, 2003. FUTEMMA, C. Collective action and assurance of property rights to natural resources:A case study from the Lower Amazon region, Santarem, Brazil. Tese (Doutorado) - School of Public and Environmental Affairs, Indiana University, Bloomington, 2000. HILBORN, R.; WALTERS, C. J. Quantitative fisheries stock assessment: choice, dynamics, and uncertainty. New York: Chapman and Hall, 1992. MARTINELLI, N. M. C.; PETRERE JR., M. Morphometric relationships and indirect determination of the length frequency structure of the pirarucu Arapaima gigas (Cuvier), in the Brazilian Amazonia. Fisheries Management and Ecology, v. 5, p. 233 240,1999. MCGRATH, D. G.; CASTRO, F.; FUTEMMA, C.; AMARAL, B. D.; CALABRIA, J. Fisheries and evolution of resource management on the Lower Amazon floodplain. Human Ecology, v.21, p. 167-195, 1993. MCGRATH, D.; CARDOSO, A.; ALMEIDA, O.; PEZZUTI, J. Constructing a policy and institutional framework for an ecosystembased approach to managing the Lower Amazon floodplain. Environment, Development and Sustainability, v.10, p. 677-695, 2008. 211 A AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA COMO FERRAMENTA PARA TOMADAS DE DECISÃO EM PROCESSOS DE MANEJO DE PIRARUCU (Arapaima gigas) Ellen Amaral Ana Cláudia Torres Nelissa Peralta A adequada gestão dos recursos pesqueiros requer ações multilaterais tanto por parte do Estado quanto por parte dos pescadores por envolver sistemas de manejo socioecológicos complexos e multiníveis (BERKES, 2007; 2008). O envolvimento de pescadores no manejo tem sido reconhecido como fator fundamental para sua sustentabilidade (POMEROY, 1995; CASTELLO et al., 2008). Há também o reconhecimento de que o Estado deve continuar desempenhando papel importante no processo (RATNER, 2012), não apenas normatizando a pesca, mas oferecendo assistência e serviços (administrativos, técnicos e financeiros) para apoiar a sustentabilidade dos arranjos institucionais e organizações locais (POMEROY; BERKES, 1997). Por isso, a gestão compartilhada1 tem sido considerada uma maneira eficaz de integrar interesses semelhantes, mas, por vezes, divergentes. A gestão compartilhada já foi definida como uma divisão de poderes e responsabilidades sobre um sistema 1 2 de recursos naturais (POMEROY, 1998)2. Mais recentemente, passou a ser entendida como um processo de negociação, de aprendizado e, principalmente, de solução de problemas relacionados à gestão de recursos naturais (CARLSSON; BERKES, 2005). Uma situação onde dois ou mais agentes negociam, definem e garantem entre si uma divisão justa de tarefas e responsabilidades de manejo sobre um território, ou conjunto de recursos naturais (BORRINI-FEYERABEND, 2000). Um processo de governança, onde esses mesmos agentes exercem atividades apoiadas em objetivos comuns, para que as pessoas e as organizações tenham uma determinada conduta, satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas (ROSENAU, 2000). Por assim ser, trata-se de uma “nova” abordagem de manejo pesqueiro participativo que vem sendo implementada em algumas regiões do Brasil, sobretudo na Amazônia, que integra os aspectos biológicos a aspectos políticos, institucionais e Também chamada de manejo participativo ou comanejo Fisheries co-management can be defined as a partnership arrangement in which government agencies, local communities, and other stakeholders share the responsibility and authority over a fishery (Pomeroy, 1998) 213 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus econômicos da população que explora o recurso pesqueiro. Podemos dizer ainda que esta seja uma evolução dos sistemas convencionais de manejo pesqueiro que se baseiam apenas em informações biológicas e ecológicas para a determinação de cotas de captura, desconsiderando os processos sociais (CASTELLO, 2008). As incertezas sobre o tamanho, a composição e a distribuição espacial dos estoques pesqueiros, sua dinâmica e os consequentes erros na aplicação de normas de manejo podem ser obstáculos a um manejo de pesca eficiente (HOLLAND, 2010). Segundo a FAO (2005), cerca de 25% dos estoques pesqueiros do mundo estão sobre-explorados e depletados apesar das medidas convencionais de manejo implementadas. Muitos desses problemas poderiam ser mitigados se o conhecimento ecológico tradicional dos pescadores fosse considerado (POMEROY, 1995; CASTELLO, 2008), como ocorreu com o método participativo desenvolvido para os censos populacionais de pirarucu (Arapaima gigas) (CASTELLO, 2004). Além disso, outras variáveis sociais, políticas e econômicas, como o comportamento das lideranças, os sistemas de acompanhamento de sanções, a capacidade produtiva, os custos da produção e os preços praticados no mercado, as formas de distribuição de benefícios, entre outros, são importantes e devem ser consideradas no processo de manejo participativo de recursos pesqueiros. Por esta razão, para avaliar os resultados do manejo de pesca e até para calcular taxas de extração anuais, deve-se levar em consideração não apenas critérios biológicos como o tamanho da população, mas também critérios sociais, econômicos e políticos (RATNER et al., 2012). Como os ecossistemas e os grupos sociais que os utilizam respondem por vezes de forma imprevisível à exploração de recursos, para levar em consideração essas mudanças socioecológicas, o manejo deve ser adaptativo, ou seja, deve ajustarse às incertezas e incluir diferentes perspectivas e tipos de conhecimentos disponíveis (conhecimentos locais, técnicos e científicos), incluindo os usuários nos processos de solução de problemas e na tomada de decisões (CARLSSON; BERKES, 2005). No lugar de prescrições ou normas fixas, o manejo adaptativo foi formulado, originalmente, como forma de lidar com as incertezas e a complexidade desses sistemas (HOLLING, 1978). Para isso, formas de geração de informações e de avaliação de resultados são centrais e devem levar em consideração as diferentes perspectivas dos grupos envolvidos. Métodos de geração e troca de informações, avaliação e comunicação de resultados relacionados ao manejo adaptativo da pesca têm sido discutidos em diversos contextos (SMITH et al. 1999; HOLLAND, 2010). Na Amazônia, estudos sobre manejo de recursos pesqueiros têm foco na construção dos acordos e dos arranjos institucionais. Os acordos formais são meramente o ponto de partida. Os mecanismos de solução de problemas instalados e postos em prática na lida diária dos sistemas de 214 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta manejo são responsáveis pelos níveis de sucesso ou fracasso desses sistemas. Mas os estudos raramente tratam sobre como os agentes colocam em prática esses acordos, ou seja, dos seus modos de comunicação, de aplicação e sanção das normas. Sendo assim, o objetivo deste capítulo é descrever um método de avaliação participativa de sistemas de manejo de recursos pesqueiros na região do médio Solimões (AM) e analisar seus efeitos sobre as ações dos grupos responsáveis pelo sistema (técnicos, pescadores e diretorias das organizações). Sendo assim, o capítulo está dividido em três partes. A primeira apresenta um breve histórico do manejo participativo de pirarucu e do desenvolvimento do método de avaliação; a segunda descreve o método em si, seus pressupostos, critérios, modos de aplicação; e a terceira parte analisa alguns resultados da aplicação do método em cinco sistemas de manejo participativo na região do Médio Solimões, no Amazonas. Parte 1: Breve histórico do manejo de pirarucu no Médio Solimões A primeira pesca manejada do pirarucu aconteceu no estado do Amazonas em 1999, na comunidade São Raimundo do Jarauá, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá RDSM. Assessorada pelo Instituto Mamirauá, o manejo de pirarucu vem sendo desenvolvido e aperfeiçoado ao longo do tempo, como um manejo adaptativo, sempre seguindo princípios de sustentabilidade ecológica; princípios de justiça e equidade na distribuição das obrigações, benefícios e penalidades; gerando retorno econômico aos pescadores (VIANA et al., 2007; AMARAL, 2009). No Brasil, a experiência difundiuse para outros municípios do estado do Amazonas como Fonte Boa, Itacoatiara, Jutaí, Juruá, Tonantins (BESSA; LIMA, 2010), e para outros estados como Pará, Rondônia, Roraima e Acre. Países como Peru, Colômbia, Bolívia e Guiana Inglesa também utilizam em partes de sua região Amazônica, algumas ferramentas desenvolvidas em Mamirauá para o manejo da espécie. Ao longo de mais de uma década, o manejo participativo do pirarucu tem gerado resultados sociais, ecológicos e econômicos bem expressivos. Dentre eles, os mais importantes são a regularização da pesca comercial de pirarucu; o aumento anual médio da população de pirarucu nas áreas de manejo em cerca de 25%, (ARANTES et al., 2006; CASTELLO et al., 2011); o aumento anual médio na renda gerada pela atividade em cerca de 29% (AMARAL, 2009); e o reconhecimento conferido ao grupo de pescadores pela prática de ações sustentáveis ecologicamente. Para manejar o pirarucu, os pescadores realizam uma série de atividades ao longo de um ano, estando envolvidos em maior ou em menor grau nas mesmas, dependendo da época. Amaral . (2013) concluíram ser sete as principais ações responsáveis por uma implementação efetiva do manejo participativo de pirarucu em ambiente natural, que compõem o ciclo de atividades realizadas ao longo de um ano, sendo elas: 1) organizar, 2) estabelecer zonas de proteção e uso, 3) proteger a área, 215 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus 4) estimar a população de pirarucus3, 5) pescar, 6) vender e 7) avaliar. As ações são desenvolvidas tanto pelos pescadores, quanto pela diretoria das associações de pescadores4 e pela assessoria técnica prestada pelo Instituto Mamirauá. Este capítulo trata, especificamente, da última etapa no ciclo de atividades dos sistemas de manejo de pirarucu – a avaliação anual do sistema. 3 4 As cotas de pirarucu manejado são estabelecidas com base nas contagens, chegando até 30% dos adultos contados de um determinado lago. Até o ano de 2009, somente as contagens subsidiavam as cotas. Nos últimos anos, a assessoria técnica vem discutindo junto aos pescadores sobre a necessidade de se incluir indicadores sociais e econômicos na determinação das cotas. Optou-se por diferenciar os pescadores das diretorias de suas associações para avaliar melhor a participação de cada sócio, considerando que existe uma tendência passiva dos mesmos em deixar que a diretoria assuma toda a responsabilidade do manejo, restando a eles apenas a pesca. A diretoria, por sua vez, toma para si a responsabilidade e também o poder de decisão, muitas vezes não consultando os demais pescadores em tomadas de decisões importantes. Isto é prejudicial ao sistema e passa a haver um ruído na comunicação e já houve casos de os pescadores não terem conhecimento de algumas regras acordadas com a equipe técnica. Além disso, o pescador que não participa das reuniões, não se sente comprometido com o ciclo de atividades e simplifica o manejo apenas a ação de pescar. Por esta razão, pode não obedecer as regras. Outra vertente possível é a diretoria ficar sobrecarregada de atividades e desistir de sua função. Razão esta que promove uma alta rotatividade das equipes de liderança. Ou, na pior das hipóteses, pode haver desvio de verbas da associação em benefício de alguns. Por essas razões acreditamos que deve haver um olhar nessa direção, para avaliar qual o grau de participação assim como o nível de organização do grupo. Fóruns de avaliação participativa do manejo Os fóruns de avaliação participativa têm como objetivo acompanhar e avaliar o andamento do sistema de manejo como um todo, atentando-se para todas as etapas do processo. Esses fóruns baseiam-se nos princípios da democracia deliberativa: de igualdade, razoabilidade e publicidade. A democracia deliberativa é uma forma de democracia onde a deliberação é central na tomada de decisões e onde a legitimidade das normas e das decisões advém da autêntica deliberação pública e não apenas das preferências agregadas, como ocorre em processos de votação (BOHNAN; REHG, 1997). A democracia deliberativa envolve deliberação pública para atingir o bem coletivo, um processo que requer igualdade entre seus membros, e que também pode moldar os próprios interesses dos envolvidos de modo que contribua para a formação de uma compreensão pública de bem comum (COHEN, 1997). No contexto da democracia deliberativa, todos os afetados têm a chance de emitir opiniões, questionar decisões, e propor soluções. Os argumentos devem ser apresentados, reconhecidos e legitimados coletivamente e a argumentação deve ser feita publicamente, assim os participantes devem justificar seus argumentos com base no interesse comum (ZACHRISSON, 2010). Nas Reservas Mamirauá e Amanã, os fóruns de avaliação participativa foram criados para gerar os processos de negociação entre diferentes grupos que compartilham a responsabilidade sobre um sistema de recursos pesqueiros e precisam resolver em conjunto questões 216 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta relacionadas ao seu uso sustentável. A solução de problemas envolve um aprendizado adaptativo que, ao levar em consideração os diferentes tipos de conhecimento (de usuários, técnicos e cientistas), produz estratégias de manejo que são deliberadas coletivamente, ou seja, são debatidas e discutidas de forma a produzir opiniões bem informadas, onde participantes estão dispostos a revisar suas preferências à luz de novas informações e argumentos propostos pelos demais. O desenvolvimento do processo de avaliação do manejo A princípio, o fórum de avaliação participativa recebeu o nome de reunião de “devolução de dados”, onde os técnicos apresentavam aos pescadores resultados de alguns indicadores que eram monitorados, como o número de pirarucus contados, o tamanho dos pirarucus pescados, a taxa de captura em relação à cota5 liberada, etc. Essas informações eram discutidas com os pescadores e, a partir daí, havia uma deliberação sobre a cota que seria solicitada ao IBAMA. A ideia era tentar 5 A divisão das cotas de pesca é realizada pelas associações de pescadores e obedecem a critérios definidos coletivamente nas assembleias. Geralmente, a cota é dividida igualmente entre os participantes. Aqueles que realizaram mais atividades em prol do sistema ganham uma porcentagem a mais (contadores, diretoria, vigilantes) e aqueles que descumpriram as regras, são penalizados com a redução de suas cotas. Dessa forma, os pescadores pescam suas cotas, entregam a produção para o comprador, e posteriormente, recebem sua parte quando a diretoria faz a divisão do pagamento. considerar outros aspectos do manejo e não apenas o tamanho da população de pirarucus, para a determinação das cotas de extração, pois havia a convicção entre os técnicos que outros aspectos sociais e econômicos eram determinantes da sustentabilidade do manejo e deveriam também ser considerados. Tal convicção nasceu, em parte, de experiências concretas onde as regras de manejo foram violadas e as populações de pirarucus foram afetadas devido aos resultados desastrosos em algumas etapas, como na comercialização do pescado, ou da baixa capacidade produtiva das associações, ou da fragilidade da proteção da área. Essas fragilidades do processo de manejo não eram avaliadas sistematicamente e só vinham à tona após o manejo. Havia necessidade de identificar tais fragilidades antes delas impactarem o sistema de forma definitiva. O pedido de cotas não era estabelecido meramente com base na população de pirarucus contada, pois o grupo avaliava o histórico de atuação dos pescadores no que diz respeito às taxas de captura nos anos anteriores. Muitos sistemas não conseguiam pescar a cota em sua totalidade e isso sugeria que havia alguma fragilidade no sistema, como a baixa capacidade de pesca por falta de petrechos, ou baixa produtividade devido ao método selecionado para a pesca (individual ou coletivo), etc. Portanto, os técnicos tentavam mostrar durante as “reuniões de devolução” de dados que outros critérios deveriam ser avaliados para o pedido da cota e não meramente os censos das populações de pirarucus. Entretanto, 217 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus durante esse processo, os técnicos responsáveis pela solicitação de cotas para o manejo de pirarucus, não se sentiam confortáveis com a dinâmica estabelecida durante a “devolução de dados”, quando a assessoria propunha uma cota que era “negociada” com os pescadores, mas a palavra final ficava com os técnicos e essa avaliação era considerada muito subjetiva. E os técnicos sentiam a necessidade de procedimentos mais claros tanto para o pedido das cotas, quanto para uma avaliação sistematizada, que também levasse em consideração as informações qualitativas prestadas pelos pescadores e observasse todas as etapas do manejo. A metodologia e a linguagem da reunião de devolução também eram questionadas pelos pescadores, que, algumas vezes, não entendiam claramente o significado de alguns conceitos usados por técnicos durante as reuniões, ou mesmo da importância do cumprimento de determinada regra para o manejo. Em determinados momentos, havia uma falta de entendimento ou clareza em relação aos temas discutidos, e aos critérios de avaliação. Por essa razão, havia a necessidade de melhorar a linguagem e a comunicação para que ambos os grupos se entendessem melhor. A partir de 2010, técnicos do programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá começaram a formular uma proposta de avaliação participativa mais sistemática que incluía indicadores sociais e econômicos e atribuía pontos a eles, de forma que o nível de desempenho em cada indicador impactava a cota a ser solicitada (AMARAL; QUEIROZ, 2011). Embora, a proposta incluísse mais indicadores no processo de avaliação (Quadro 1), não resolvia ainda a questão da dificuldade de comunicação entre os grupos e a possibilidade de inclusão dos próprios pescadores na formulação do pedido de cota. Nesse sentido, havia a necessidade de viabilizar a produção de informações por meio de aprendizado colaborativo entre os técnicos e os usuários dos sistemas, considerando a efetiva participação dos pescadores no processo, como vital para se alcançar bons resultados. A partir do processo de “devolução dos dados” de 2011, foram mantidos os indicadores de avaliação nos campos ambiental, social e econômico, com a inovação de incluir os próprios manejadores não só no debate, como a proposta anterior, mas no processo de tomada de decisão sobre a definição das cotas de captura. A adequação da avaliação das etapas do manejo junto aos pescadores, e que resultou no método de avaliação participativa implementado para o manejo de 2011 e 2012 (descrito a seguir), se deu, portanto, da necessidade de avaliar as fragilidades do grupo, e propor estratégias a serem adotadas tanto pela assessoria técnica quanto pelos manejadores para melhoria do sistema de manejo, de forma a atender os princípios de sustentabilidade socioambiental e econômica. Parte 2: Método de avaliação participativa O método avalia etapas fundamentais do processo de manejo, tais como: a organização coletiva; o respeito ao zoneamento; a eficácia do sistema de proteção da área adotado pelo grupo; 218 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta o estabelecimento e cumprimento das regras; a aplicação do método de contagem conforme artigo de Arantes e Castelo, 2013, no levantamento do estoque de pirarucu nas áreas e a qualidade das informações; a capacidade do grupo na captura da cota estabelecida e no monitoramento da produção; o desempenho na comercialização; a forma como se dá a distribuição dos benefícios obtidos no grupo e se este considera os esforços individuais no alcance dos objetivos coletivos; e se o grupo dedica-se a avaliar seu desempenho no cumprimento destas etapas, com vistas a um planejamento de estratégias que minimizem os riscos de imprevistos na atividade do manejo. O novo método de avaliação pretende medir a evolução do sistema de manejo ao longo dos anos, e é tratado como um processo de capacitação continuada, uma vez que tem como preceito básico estimular a transparência do processo de manejo e as relações de confiança entre técnicos e pescadores. Enquanto a equipe técnica se utiliza do momento de avaliação para planejar as suas ações, como os cursos a serem oferecidos, os grupos de manejadores podem identificar na avaliação uma oportunidade de compartilhar experiências, reconhecer suas potencialidades e dificuldades, pensar em estratégias para aperfeiçoar os métodos de controle e o planejamento. O método segue as seguintes premissas: ele é sistêmico (1), ao avaliar o manejo em seus aspectos sociais, ambientais e econômicos; é claro e acessível (2), o que possibilita aos pescadores facilidade em visualizar suas fraquezas e fortalezas e monitorá-las; e é resolutivo (3), pois seus resultados podem impulsionar a implementação de ações efetivas e o grau de atendimento às normas de manejo. A hipótese a ser testada é a de que uma avaliação sistêmica pode servir de “estímulo” ao melhoramento dos sistemas de manejo, onde o atendimento às regras e aos princípios do manejo6 sejam estimulados e premiados, promovendo, de fato, a conservação do recurso pesqueiro, um melhor retorno econômico para os pescadores e a organização coletiva. Etapas de avaliação O método consiste em avaliar cada etapa do manejo, buscando relacionar o que foi bom, o que foi ruim e como melhorar. Para avaliar cada etapa, foi necessário esclarecer por meio de um roteiro de questões diretivas, cada conceito, critério ou tema da avaliação. O que ajudou na comunicação entre pescadores e técnicos. As perguntas diretivas se transformam em instrumento de investigação para saber como o grupo se organiza para execução das tarefas, como podemos observar no Quadro 1. Para cada etapa do manejo a ser avaliada, foi definido um peso que descreve a importância da atividade, segundo a experiência dos técnicos e pesquisadores do Instituto Mamirauá que assessoram os sistemas de manejo. Esse peso 6 219 Segundo Amaral et al., 2013, os princípios fundamentais do manejo participativo de pirarucu são a sustentabilidade ecológica, a justiça e equidade social e o retorno econômico Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus é definido em porcentagem e tem relação direta para o estabelecimento do pedido de cota que é de no máximo 30% dos pirarucus adultos contados durante o levantamento do estoque realizado anualmente por uma equipe de pescadores do grupo. Quando todos os critérios de avaliação forem considerados BONS, a área de manejo terá sua cota máxima de 30% dos adultos contados solicitada. Isto porque, entende-se que os princípios do manejo estão sendo respeitados e que estão garantindo a conservação da espécie (respeito ao tamanho mínimo, período do defeso, controle de exploração, etc.). Quadro 1. Etapas do processo de manejo participativo sustentável de pirarucu nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã. Critério de avaliação Conceito Peso Perguntas diretivas 5% Organização Coletiva O grupo se reúne? Com que frequência? Quantos sócios participam? Os sócios se sentem livres para opinar? Todos falam? Como a diretoria/ coordenação reage as críticas? Procura responder as dúvidas dos sócios? As decisões mais importantes são tomadas em assembleia? Os sócios conhecem quais as atribuições de cada membro da diretoria/coordenação? Os diretores cumprem seu papel? O presidente representa a opinião da maioria? O acordo mantém recurso alocado para pagar despesas c/ o manejo ao longo do ano? Quem gerencia o dinheiro do acordo/ associação/colônia? A prestação de contas é feita? Com que frequência? As informações são repassadas de forma clara? Avalia-se o nível de organização do grupo de manejo considerando a participação dos sócios nas atividades de manejo ao longo do ano, frequência nas reuniões, trabalho da diretoria, união do grupo, formas de controle financeiro, entre outros. 5% Obediência às regras Avalia-se se o Regimento Interno do sistema contempla as normas de uso, o grau de atendimento dessas normas a partir do trabalho de vigilância feito pelos próprios manejadores e, para os casos de descumprimento desses acordos, se há devida aplicação das penalidades. Existe um Regimento Interno? As regras são claras? Existem dúvidas? O grupo respeita as normas? As penalidades previstas têm sido aplicadas? Quais regras são mais fáceis de serem controladas? Quais as mais difíceis? Por quê? O Regimento Interno já foi revisto? Com que frequência? 220 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta Zoneamento Avalia-se o respeito ao ordenamento espacial proposto na fase de implementação do manejo e ao zoneamento das Reservas, assim como a existência ou não de conflitos com outros grupos e/ou comunidades do entorno e sua eficiência enquanto ferramenta de conservação do recurso. Sistema de Vigilância Avalia-se a efetividade do sistema de vigilância implementado pelo grupo de manejadores, a frequência do mesmo, a participação ou não dos sócios nas rondas e o custos da atividade. Levantamento de Estoque Avalia-se o tamanho da população, a qualidade das contagens realizadas pelos contadores, por sistema de manejo, e dos registros nas fichas. Avalia-se também a formação dos contadores em cursos, certificações, etc. Capacidade Produtiva Avalia-se a capacidade do grupo em capturar toda a cota solicitada e se os apetrechos utilizados são adequados e em número suficiente para a produção daquele determinado ano. Monitoramento Avalia-se a qualidade do registro das informações coletadas durante a pesca e a organização dos monitores, considerando que esta etapa é fundamental para a emissão das guias de trânsito e a comercialização. 4% O grupo compreende o que é o zoneamento? Para que serve? A categoria dos lagos está definida adequadamente? Cumprem com seu objetivo? O grupo respeitou o zoneamento definido? 4% Existe uma estratégia de proteção da área? Como é feito? A atividade envolve todos os sócios? O que um vigilante pode fazer? Como a diretoria/ coordenação sabe quem participou da atividade? Existem Agentes Ambientais participando da atividade? Como eles participam? Qual o seu papel? 3% Os contadores que realizam as contagens são capacitados? As equipes de contagem são acompanhadas pelo menos de um contador certificado? Todas as informações solicitadas nas fichas de contagem preenchidas? As contagens são feitas de acordo com as orientações do curso de contagem? O resultado das contagens se reflete no momento da pescaria? 3% O grupo conseguiu capturar toda cota solicitada? Em quanto tempo? A que se justifica o sucesso/ insucesso na pesca? O grupo se reúne com antecedência para planejar a execução da pesca? Há divisão de tarefas? Como foi essa organização? Quantos bodecos morreram durante a pesca? A que se justifica isso? Qual o peso e tamanho médio dos peixes capturados? Há uma razão pra isso? 2% Quantos atuaram como monitores? O nº é suficiente? Todos passaram por treinamento? A execução da atividade foi planejada e se desenvolveu de forma organizada? As informações da produção foram verificadas ao final de cada dia e antes da entrega das fichas? Se as fichas de monitoramento foram bem preenchidas e com letra legível? Poucos erros são encontrados pela equipe técnica? 221 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus Comercialização Distribuição dos benefícios Avaliação Participativa Avalia-se o trabalho da diretoria na busca de compradores e nas negociações, o cumprimento dos prazos, tanto da chegada do barco, entrega da produção e pagamentos, e se a negociação foi formalizada através de contrato. Avalia-se se a distribuição de benefícios foi feita de forma transparente e justa e se há controle sistemático da participação dos sócios nas atividades. Avalia-se também se a diretoria presta contas de forma devida. 2% O grupo negociou com alguns dos compradores presentes na Rodada de Negócios? A venda foi formalizada por contrato? A logística e o pagamento ocorreram conforme o combinado? O preço negociado cobre os custos e gera renda? Avalia-se o número de sócios presentes na reunião e a qualidade da participação dos mesmos nas discussões e na votação. Dinâmica da reunião de avaliação Durante a reunião de avaliação participativa, a seguinte dinâmica é realizada: em primeiro lugar, a equipe técnica apresenta como será feita a reunião, os itens a serem avaliados são explicados detalhadamente, assim como o processo de votação e,em seguida, cada um dos critérios é posto em discussão na seguinte sequência: a. Manejadores avaliam como foi a atividade ao longo do ano. a. O técnico responsável pelo acompanhamento da área se manifesta e apresenta seu parecer técnico com relação à mesma. b. Há um debate com base em três perguntas básicas: O que foi bom? O 1% Os sócios conhecem os critérios para divisão de cota/ganhos estabelecidos no Regimento? A divisão segue estes critérios? Existem dúvidas e insatisfações com a divisão? Quais? Por quê? O que fazer para melhorar? 1% Quantos dos sócios beneficiados estão presentes na reunião? A maioria dos presentes expressa sua opinião sobre os temas discutidos? As informações apresentadas pelos manejadores relatam a realidade dos fatos? Houve discordância entre a opinião de técnicos e manejadores? Como a situação foi resolvida. que foi ruim? Como melhorar? (Todos os participantes têm direito de expressar suas opiniões). c. Ao final da discussão, um relator apresenta um resumo dos debates. d. São distribuídos papeis em branco para que os pescadores e técnicos avaliem a atividade por meio de seu voto. As notas podem ser 1, 2, 3 e 4, e correspondem a ruim, fraco, bom e ótimo, respectivamente. Tabela de desempenho das áreas de manejo e interpretação dos resultados Após a votação, calcula-se a média dos votos dos pescadores, dos votos dos técnicos e, em seguida, obtém-se a média ponderada para aquele critério (MF). 222 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta MF = MT + MM Onde: MF = média final MT = média dos técnicos MM = média dos manejadores Caso a média final do critério seja entre 1.0 e 1.9, isso significa que os votantes (pescadores e técnicos) avaliaram o atendimento do critério entre RUIM e FRACO, devendo o grupo repensar suas estratégias referentes a esse ponto. Portanto, ele não receberá a porcentagem do peso daquele critério e no placar ele ficará com a cor vermelha e com o valor 0. Quando a média final estiver entre 2.0 e 2.9, subtende-se que este critério foi considerado entre FRACO e BOM, ou seja, apesar de haver problemas com este ponto, o grupo já está buscando formas de resolvê-lo, ou ainda está em tempo de recuperá-lo e por isso, receberá 50% do valor referente aquele critério (ver tabela I). Com a média final entre 3.0 e 4.0, ganhará 100% do valor do critério (tabela I), visto que, na avaliação, este ponto foi considerado como BOM ou ÓTIMO, atendendo, portanto, grande parte do que é esperado para ele. Os valores e a cor correspondentes à média final podem ser observados nas tabelas 1 e 2. Tabela 1. Valor (%) e cor atribuídos a cada critério de acordo com a média final. Média Final Valor da Cota Cor 1.0 a 1.9 2.0 a 2.9 3.0 a 4.0 0% 50% 100% Vermelho Amarelo Verde Tabela 2. Resultado da avaliação participativa em um sistema de manejo. Critérios Média dos votos dos Sócios DP Média dos votos dos Técnicos DP Média Final Valores máximos referentes aos pesos dos Critérios Valores referentes aos pesos das médias finais 1 Organização Coletiva 2,00 0,00 3,00 0,45 2,50 5,00% 2,50% 2 Contagem 3,00 0,00 1,75 0,50 2,40 5,00% 2,50% 3 Vigilância 2,00 0,00 2,00 1,00 2,00 4,00% 2,50% 4 Obediência as normas 2,75 0,50 3,00 0,00 2,90 4,00% 2,00% 3,00% 5 Divisão de Benefícios 3,00 0,50 3,40 0,55 3,20 3,00% 6 Capacidade de Pesca 3,30 0,00 4,00 0,00 3,65 3,00% 3,00% 7 Monitoramento 3,00 0,00 3,00 0,00 3,00 2,00% 2,00% 2,00% 8 Zoneamento 3,30 0,50 3,40 0,55 3,35 2,00% 9 Comercialização 3,00 0,00 3,00 0,00 3,00 1,00% 1,00% 10 Avaliação Anual 3,00 0,00 3,40 0,55 3,20 1,00% 1,00% 30,0% 21,50% 113 81 Total Cota de pirarucu para 2012 223 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus Cálculo da cota a ser solicitada Para se fazer a somatória dos pontos e obter o valor da cota de pirarucu, é preciso atribuir valores a cada critério de avaliação com base nas tabelas 1 e 2. A somatória dos valores de todos os critérios avaliados resultará na cota a ser solicitada para a próxima safra. No exemplo abaixo, o sistema de manejo recebeu cota de 21,5% dos pirarucus adultos contados nos corpos d’água. Sistemas de manejo avaliados e período de análise Neste capítulo, relata-se a experiência de aplicação do novo método de avaliação participativa em cinco sistemas de manejo participativo de pirarucu com pelo menos cinco anos de existência e assessorados pelo Instituto Mamirauá, nas RDS Mamirauá e Amanã. Os sistemas foram denominados de sistemas A, B, C, D e E. Os anos analisados foram 2011 e 2012. Parte 3: Efeitos da avaliação participativa sobre as ações dos agentes do manejo A avaliação participativa é uma ferramenta metodológica aplicada a todas as etapas do sistema de manejo, detalhando os acontecimentos, na tentativa de identificar os fatores que influenciam para o êxito ou insucesso das etapas num determinado momento. As informações obtidas podem alarmar o grupo em um primeiro momento, levando alguns a questionar a efetividade do manejo. No entanto, o propósito de conhecer os problemas é encará-los como fragilidades, inerentes a uma atividade que envolve um grupo de pessoas, com perfil e ideias diferentes, mas que se dispusera a realizar uma atividade em conjunto, e sob a orientação de atores externos, que propõem procedimentos diferentes daqueles habitualmente vivenciados na pesca de caráter individual ou familiar. Sendo assim, conhecer as fragilidades desta atividade representa ser capaz de analisar a situação e propor estratégias para melhoria. O manejo participativo de pirarucu é uma medida de conservação relativamente nova. Atualmente, o direito de uso deste recurso está garantido legalmente apenas àqueles que adotam um conjunto de medidas regulatórias7. Como por exemplo, a organização do grupo de usuários para efetuar a proteção da área, o respeito às leis de tamanho mínimo8 e defeso9, o uso de estratégias de pesca menos impactantes, a venda da produção a um melhor preço para melhorar a renda familiar e diminuir a pressão sobre o recurso. Propor uma avaliação nestes moldes significa estar disposto a correr riscos. O risco principal está no grupo de manejo, não compreendendo o propósito da avaliação, procurar atribuir notas que não traduzem o teor das discussões, numa estratégia de alcançar 7 8 9 224 O manejo de pirarucus é regulado pela Instrução Normativa do IBAMA nº 1, de 1º de junho de 2005. Tamanho mínimo de captura de pirarucus no estado do Amazonas é regulado pela Portaria do IBAMA, n0 8, de 2 de fevereiro de 1996 e publicada no Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 fev. 1996. O período de defeso no estado do Amazonas é regulado pela Instrução Normativa do IBAMA nº 34, de 18 de junho de 2004. A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta uma média final que permita o ganho da pontuação total em cada critério, e que resulte ao final, na obtenção da cota máxima de 30% dos pirarucus adultos contados. Ainda que isso ocorra, a nota dos técnicos será o fator de equilíbrio. Por exemplo, se a nota do grupo for 4,0 e a dos técnicos 1,0 a soma corresponderá a 5,0 e a média final a 2,5 que resultará na obtenção da metade da porcentagem daquele critério. O grupo já terá discorrido sobre a etapa, levantando pontos positivos e negativos, e propondo medidas para melhoria, o que subsidiará o planejamento da assessoria para atuar no ano seguinte nos pontos de maior fragilidade. A seguir fazemos uma descrição das atividades de avaliação participativa em cinco sistemas de manejo de pirarucu nos anos de 2011 e 2012. Sistema A O sistema de manejo A, envolve atualmente, pescadores de comunidades de uma unidade de conservação e pescadores urbanos de uma colônia de pescadores que estão trabalhando em conjunto por meio de um acordo de pesca. O acordo de pesca é aqui entendido como os acertos formais ou informais entre grupos de usuários para o uso coletivo de recursos pesqueiros de uma determinada área. Em 2011, o sistema de manejo beneficiou, por decisão do grupo envolvido, apenas os pescadores da Associação Comunitária e não da Colônia de Pescadores. Durante a avaliação participativa do manejo de 2011, o sistema A obteve nota máxima e alcançou a cota total permitida de 30% dos adultos contados. A nota representou o mérito do grupo a partir da aprovação do regimento interno10 e do bom desempenho em todas as etapas. Em 2012, houve a troca da diretoria da Associação Comunitária e com isso a necessidade de repactuar os compromissos e fazer cumprir as normas estabelecidas pelo grupo, para ganhar a confiança e o respeito dos demais, fatores indispensáveis a uma boa gestão. Ademais, o distanciamento do representante da Colônia de Pescadores que fazia parte do acordo de pesca em 2012, em função de seu afastamento para candidatar-se a vereador, repercutiu negativamente no processo de comercialização e na divisão dos benefícios. Em virtude disso, a cota obtida pelo grupo na avaliação de 2012 caiu para 26,5% dos adultos contados, que correspondeu a uma cota de 1.247 pirarucus (Tabela 3). Como a coordenação dos trabalhos ficou a cargo da Associação Comunitária, sem que houvesse o devido acompanhamento dos outros membros do grupo não se aplicaram as penalidades previstas no regimento interno a quem descumprisse as regras. A divisão de benefícios não foi feita de forma adequada, porque não considerou os adiantamentos dos sócios, o que resultou na necessidade de acessar parte do fundo de manutenção para pagar os membros do grupo. A nota da avaliação do item “comercialização” refletiu a condição do grupo da Associação Comunitária 10 225 Documento que reúne as regras estabelecidas por um grupo para regulamentar o seu funcionamento. No manejo, esse documento direciona a execução do trabalho dos pescadores e de sua coordenação e serve de mecanismo de controle, monitoramento e avaliação para a equipe técnica (AMARAL et al., 2013). Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus Tabela 3 - Avaliação do Sistema A. Média 2011 Média 2012 Desempenho 1 Critério Organização Coletiva 3,70 3,3 -0,4 2 Contagem 3,05 3,6 0,5 3 Vigilância 3,30 3,2 -0,1 4 Obediência às normas 3,35 2,8 -0,5 5 Divisão de Benefícios 3,35 2,9 -0,4 6 Capacidade de Pesca 3,70 3,7 0,0 7 Monitoramento 3,75 3,5 -0,3 8 Zoneamento 3,45 3,0 -0,5 9 Comercialização 3,30 3,0 -0,3 10 Avaliação Anual 3,60 3,59 0,0 30,00% 26,5% -3,5% Cota que esteve sozinho à frente desta etapa, aceitando a repesagem da produção, mesmo havendo ficado acertado em contrato que a produção seria paga pelo peso do monitoramento. Nota-se que a avaliação participativa demonstrou que na maioria dos critérios o Sistema A teve um pior desempenho de 2011 para 2012. Embora isso possa parecer alarmante, na verdade era esperado, pois foi apenas em 2012 que todos os grupos envolvidos no Acordo foram avaliados, e, como foi o primeiro ano de trabalho conjunto entre os usuários, as dificuldades foram muito maiores do que aquelas enfrentadas pela Associação Comunitária em 2011. De qualquer forma, a Tabela 1 mostra que o método também permite acompanhar a evolução do desempenho dos sistemas de manejo ao longo dos anos. Sistema B Este sistema envolve uma Colônia de pescadores urbanos que maneja, há dez anos, um sistema de lagos dentro da RDSM. O sistema envolve um grande número de pescadores (mais que 400) que, além de participar do manejo da área em questão, também realizam a pesca comercial em outros lugares. Na primeira avaliação participativa, o debate demonstrou que havia grandes dificuldades na organização coletiva, vigilância, obediência às normas e divisão de benefícios (Tabela 4), o que levou a assessoria a definir para 2012 a realização do Curso Educação para o Manejo, voltado principalmente aos diretores da organização, visto que, os sócios atribuíam a eles, o pouco poder de mobilização do grupo e falta de zelo pelo bom cumprimento das etapas do manejo, principalmente no que diz respeito à aplicabilidade das normas contidas no regimento interno. A partir da elaboração do regimento interno e dos treinamentos realizados com o grupo foi possível perceber alguns avanços na organização coletiva. No entanto, a avaliação permitiu observar que poucos sócios se expressam nas reuniões; há decisões do grupo que não estavam sendo cumpridas pela diretoria, mas também há críticas infundadas aos diretores, que 226 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta adotam respostas duras que acirram os conflitos internos; a comunicação entre diretoria e sócios para repasse de informações ainda é falho, gerando muitas dúvidas, principalmente em relação aos investimentos feitos com o recurso de 15% do faturamento líquido do manejo direcionado à Colônia. Na avaliação de 2011, por exemplo, alguns sócios que se opunham à diretoria eleita, tentaram prejudicá-la dando baixíssimas notas para alguns critérios que refletiam exclusivamente a ação da diretoria, tentando manipular o resultado da avaliação. Também em função disso, em 2011, o grupo de manejadores obteve nota baixa e apenas 22% da cota de pirarucus (Tabela 4). A vigilância é um desafio para este grupo, pois é custeada pela própria colônia e não conta com a atuação de agentes ambientais. Ademais, o sistema de vigilância não consegue envolver a totalidade dos que são beneficiados com o manejo, havendo falhas no rodízio, no cumprimento integral do período e no repasse de informações entre as equipes no momento da troca. Tabela 4 - Avaliação do Sistema A. Critério Média 2011 Média 2012 Desempenho 1 Organização Coletiva 2,70 3,1 0,4 2 Contagem 3,90 3,8 -0,07 -0,13 3 Vigilância 2,80 2,7 4 Obediência às normas 2,80 2,8 0,0 5 Divisão de Benefícios 2,80 2,9 0,1 6 Capacidade de Pesca 3,45 3,6 0,1 7 Monitoramento 3,15 3,4 0,3 8 Zoneamento 3,60 3,5 -0,1 9 Comercialização 3,60 2,7 -0,9 10 Avaliação Anual 3,55 3,2 -0,39 22,00% 24,0% 2,0% Cota Em 2012, os problemas persistiram, com um agravante na questão da comercialização, uma vez que, os sócios da colônia demonstraram-se insatisfeitos com a forma com que o processo de negociação da produção foi conduzido pelos diretores. Apesar de, até o início da temporada de pesca, ainda haver pendências no pagamento da produção de 2011 por parte do comprador, os diretores voltaram a negociar com o mesmo. A falta de pagamento repercutiu, principalmente, no enfraquecimento do sistema de vigilância. Isso se refletiu na avaliação do grupo, resultando na definição de um pedido de cota para 2013 de 3.196 peixes, equivalente a 24% do número de pirarucus adultos contados. No item obediência às normas, percebeuse que ainda houve o desrespeito por parte de alguns sócios às regras do estatuto e do regimento, embora em número bem menor, se comparado a outros anos. Um fato marcante em 2012, que causou atrito na relação entre assessoria técnica e o grupo de manejadores, foi a continuidade da pesca depois da data de início do 227 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus defeso. Da parte dos manejadores ainda houve manifestação de insatisfação com a forma de distribuição dos benefícios, que afirmaram haver favorecimento de alguns sócios mais próximos à diretoria. No monitoramento, a nota atribuída pela assessoria técnica referese, principalmente, à demora na entrega das fichas originais de monitoramento, necessárias para inserção dos dados complementares do banco de dados que subsidia as análises e a elaboração do relatório técnico. A nota atribuída ao item comercialização foi resultante da venda da produção não haver se dado por meio de contrato, bem como no atraso no pagamento. Na maioria das avaliações participativas realizadas em outros sistemas, não há uma diferença significativa entre as notas atribuídas por técnicos e pescadores, mas em 2012, há uma diferença muito grande no sistema em questão (Tabela 5). Mesmo depois de expostas todas as fragilidades do sistema, as notas atribuídas aos critérios pelos pescadores foram muito mais altas que as notas de técnicos, mostrando que as notas não refletiram as discussões. Isso já havia ocorrido também em 2011. Portanto, deve-se analisar melhor a adequação do método de avaliação participativa para determinação de cotas em casos como este. Neste sistema, o método de avaliação participativa foi importante para orientar as ações da assessoria técnica, que identificou a necessidade de mais acompanhamento da diretoria da Colônia de pescadores, e a realização de mais cursos de “educação para o manejo”, pois os técnicos notaram que os membros do sistema não se apropriaram devidamente desses princípios. Tabela 5 - Avaliação do Sistema B em 2012. Média dos votos dos Sócios Média Final Valores máximos referentes aos pesos dos Critérios Valores referentes aos pesos das médias finais 1 Organização Coletiva 2 Contagem 0,5 3,1 5,0% 5,0% 0,4 3,8 5,0% 5,0% 2,2 0,6 2,7 4,0% 2,0% 2,1 0,6 2,8 4,0% 2,0% 0,9 2,6 0,7 2,9 3,0% 1,5% 3,7 0,6 3,4 0,5 3,6 3,0% 3,0% 3,6 0,7 3,2 0,4 3,4 2,0% 2,0% 8 Zoneamento 3,7 0,6 3,3 0,7 3,5 2,0% 2,0% 9 Comercialização 3,2 0,8 2,2 0,4 2,7 1,0% 0,5% 10 Avaliação Anual 3,1 0,8 3,2 0,8 3,2 1,0% 10% Total 30,0% 24,0% Cota de pirarucu para 2012 3.995 3.196 DP Média dos votos dos Técnicos DP 3,5 0,7 2,7 3,9 0,4 3,8 3 Vigilância 3,1 0,8 4 Obediência as normas 3,4 0,6 5 Divisão de Benefícios 3,3 6 Capacidade de Pesca 7 Monitoramento Critérios Cota de pirarucu para 2013 3.196 228 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta Sistema C Este sistema envolve um grupo de pescadores de diversas comunidades situadas dentro da RDSM que maneja, há mais de dez anos, um sistema de lagos. O grupo historicamente se destacou por ter uma forte organização coletiva e pela atuação dos sócios nas etapas do manejo e, por isso, em anos anteriores, quase sempre conseguia obter a cota máxima de 30%. Mas com a avaliação participativa em 2011 e a inclusão de todos os critérios do manejo no diagnóstico do desempenho do grupo, algumas fragilidades foram detectadas nos itens vigilância e zoneamento. O problema identificado na vigilância devia-se ao fato de que a responsabilidade pela execução desta atividade estava sendo atribuída unicamente aos agentes ambientais voluntários11. Os pescadores não se envolviam na atividade, tornando-a menos eficiente, uma vez que o grupo só atuava quando demandado com bastante insistência pelos agentes, que também são manejadores e têm participação nos ganhos provenientes do manejo. Ao detectar essa fragilidade, os próprios membros do grupo decidiram, posteriormente, ajustar o sistema de proteção da área, definindo como um dos critérios para obtenção de cota, a participação nas rondas de vigilância, o que inclusive, diminuiu o uso dos lagos na categoria de comercialização fora 11 Os participantes de mutirões ambientais, indicados por entidades civis ambientalistas ou afins, devidamente treinados e credenciados pela Coordenação Geral de Fiscalização Ambiental do IBAMA que atuam na vigilância e proteção ambiental de um território. do período estabelecido para a pesca coletiva. Com relação ao zoneamento12, o debate que ocorreu durante a avaliação participativa de 2011 demonstrou que, embora o grupo tivesse oficialmente lagos de preservação no sistema de zoneamento, estes não estavam cumprindo com essa finalidade, visto que, os membros do grupo os utilizavam para manutenção, pois as comunidades teriam poucos lagos para sua alimentação. Além disso, os manejadores recém-ingressados ao grupo afirmavam desconhecer a definição da categoria de uso dos lagos estabelecida pelo grupo. No ano de 2012, o grupo não registrou a morte incidental de bodecos (pirarucus juvenis) durante a pesca e isso refletiu na perda de pontos no item “monitoramento”. Outro tema que resultou em perda de pontos foi a comercialização, pois o pagamento foi realizado além do prazo estabelecido em contrato. Essas questões fizeram com que o grupo obtivesse na avaliação 28,5% do número de pirarucus adultos contados. Ainda que o grupo tenha alcançado média satisfatória em 80% dos critérios avaliados, confirmando o bom desempenho organizacional, a avaliação serviu para que a assessoria tomasse conhecimento de situações que influenciaram a execução das 12 229 O zoneamento de lagos consiste em definir três tipos de uso aos ambientes a partir de suas características: preservação (não uso); manutenção (uso para subsistência) e comercialização (uso coletivo na pesca comercial manejada). Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus etapas do manejo. Dentre elas, o fato de que são poucos os comunitários que complementam a renda com outra atividade, ocasionando uma pressão maior sobre o recurso pesqueiro ao longo do ano e, consequentemente, o descumprimento das regras por parte de alguns membros do grupo. Outro problema encontrado, foi o alto índice de inadimplência com a associação. A não participação de mulheres nas atividades de manejo de pesca do grupo também foi apontada como um fator negativo. A estabilidade, ou possível declínio nas contagens, é resultado de invasões e pesca feita por moradores durante a época da cheia e no período anterior a contagem; devido à morte de bodecos durante a pesca de tambaqui; e a vegetação presente nos ambientes que tem dificultado as contagens de pirarucus nesses locais. As médias mais baixas atribuídas, tanto pelos manejadores quanto pela equipe técnica foram nos itens monitoramento e comercialização. Foram reconhecidas as fragilidades no monitoramento dos bodecos; e na comercialização, pois o grupo não barganhou e negociou a produção com o primeiro comprador que demonstrou interesse pela produção. Ademais, o pagamento não ocorreu de acordo conforme o estabelecido em contrato. O emprego do método de avaliação participativa demonstrou resultados satisfatórios neste sistema, pois possibilitou que os próprios pescadores identificassem algumas falhas que antes não eram publicamente discutidas, como o fato dos agentes ambientais ficarem com toda a responsabilidade sobre as rondas de vigilância. Tabela 6 - Avaliação do Sistema C. Média 2011 Média 2012 Desempenho 1 Organização Coletiva Critério 3,50 3,1 -0,4 2 Contagem 3,25 3,6 0,3 3 Vigilância 2,50 3,1 0,6 4 Obediência às normas 3,10 3,3 0,2 5 Divisão de Benefícios 3,80 3,4 -0,4 6 Capacidade de Pesca 3,65 3,5 -0,2 7 Monitoramento 3,75 2,8 -1,0 8 Zoneamento 2,50 3,4 0,9 9 Comercialização 3,50 2,8 -0,7 10 Avaliação Anual Cota 3,50 3,9 0,4 27,00% 28,5% 1,5% Sistema D Este sistema envolve um acordo de pesca entre grupo de pescadores urbanos e pescadores de comunidades residentes na RDS Amanã que, conjuntamente, protegem um sistema de lagos historicamente usado na pesca comercial da região. O grupo fez sua primeira pesca manejada em 2007. 230 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta Em 2011, os debates mostraram grande insatisfação dos membros do acordo com a organização coletiva, atribuída às informações contraditórias advindas de membros da coordenação do acordo sobre a forma como realizar as atividades e também, devido a falta de comando do grupo. Em 2012, essa desarticulação da equipe de coordenação das colônias de pescadores fez com que a avaliação desse critério se mantivesse baixa. Os problemas com a organização coletiva repercutiram em problemas com a vigilância, a obediência às normas, comercialização e avaliação anual. A fragilidade em administrar a participação dos beneficiários do manejo na vigilância fez com que, em determinados momentos, a área tivesse 20 pessoas atuando e em outros momentos, apenas duas pessoas, sem intensificar esforço na vigilância noturna e sem a atuação de agentes ambientais. Isso pôs em risco a proteção da área, bastante visada por pescadores urbanos alheios ao acordo. A fragilidade do sistema de vigilância tem impactado a população de pirarucus que apresentou uma redução nos últimos 02 anos. O grupo relatou que houve reduzida participação de sócios nas assembleias que ocorreram na área de manejo; isso fez com que alguns sócios não tivessem clareza sobre as atribuições das coordenações e as regras do regimento. No que diz respeito ao critério obediência às normas, muitas penalidades deixaram de ser aplicadas, devido à omissão dessas informações nos relatórios produzidos pelos coordenadores das equipes de vigilância. Ao avaliar a comercialização, as evidências eram de que a negociação com o comprador da produção não havia sido exitosa, uma vez que, as embarcações não foram disponibilizadas na época prevista, resultando em algumas interrupções na captura; e principalmente, que o pagamento total da produção ainda estava pendente. Diante dessa situação, a colônia para efetuar o repasse aos pescadores teve que acessar recursos próprios. Esses acontecimentos tiveram forte influência em todos os critérios avaliados, o que gerou o resultado final de 22,5%. O desempenho do sistema piorou em 2012 e isso está refletido na avaliação participativa que diminuiu em cinco pontos percentuais a cota. Neste caso, as evidências mostram que o grupo não utilizou o método para definir estratégias Tabela 7 - Avaliação do Sistema D. Média 2011 Critério Média 2012 Desempenho 1 Organização Coletiva 2,80 2,9 2 Contagem 3,25 3,5 0,1 0,3 3 Vigilância 3,50 2,9 -0,6 4 Obediência às normas 3,10 2,9 -0,2 5 Divisão de Benefícios 3,80 3,3 -0,5 6 Capacidade de Pesca 3,60 3,3 -0,3 7 Monitoramento 3,75 3,0 -0,7 8 Zoneamento 3,25 3,5 0,2 9 Comercialização 3,50 2,6 -0,9 10 Avaliação Anual Cota 3,50 3,0 -0,5 27,50% 22,5% -5,0% 231 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus para mitigar os problemas encontrados em 2011. Além disso, a ausência de mais de 70% dos membros do grupo durante a avaliação participativa demonstra que os mesmos não consideraram essa uma ferramenta importante para o manejo. Sistema E O sistema E envolve um grupo de pescadores de quatro comunidades de um mesmo setor da RDS Amanã que compartilha o uso de um sistema de lagos desde 2008. Em 2011, a avaliação participativa evidenciou fragilidades na contagem e no sistema de vigilância da área. Na contagem perceberamse incertezas quanto à aplicação do método, visto que, alguns contadores estavam deixando de contar a totalidade dos pirarucus juvenis (de 100 a 149 cm), uma vez que, estes não têm influência na definição da cota. No entanto, é como base no número de indivíduos juvenis que se analisa a sustentabilidade do sistema ao longo dos anos de manejo, avaliação de possíveis tendências de crescimento ou estabilidade da população. Para trabalhar essa fragilidade do grupo, a assessoria promoveu um novo treinamento, para esclarecer dúvidas e padronizar os procedimentos entre os contadores do acordo. Quanto à vigilância, o grupo só estava atuando no período da seca, considerando que durante a cheia, os pirarucus dispõem de um número maior de áreas que servem de esconderijo, dificultando sua captura. Entretanto, durante a avaliação, os participantes consideraram que o sistema não se demonstrava eficiente, visto que, os agentes ambientais voluntários do setor já haviam flagrado por algumas vezes, pescadores de áreas vizinhas tentando pescar nas áreas de manejo. Em 2012, o problema com a vigilância não foi totalmente superado, embora tenha melhorado. Fatores como a carência de atuação de agentes ambientais e a presença de barcos transportando produtos ilegais na área do setor, ainda exige muito empenho e investimentos nesta etapa do manejo. Na avaliação participativa em 2012, ficou evidente que os procedimentos equivocados adotados durante as contagens anteriores haviam sido corrigidos, mostrando os efeitos das ações de capacitação realizadas pela assessoria técnica. No que diz respeito ao zoneamento da área, veio à tona a discussão sobre os novos ambientes listados e contados, que não haviam sido descritos, nem ao menos mencionados durante a implementação do manejo. O grupo esclareceu que ao iniciar as ações de manejo relacionou apenas quatro ambientes, nos quais iniciou o levantamento do estoque de pirarucus. No entanto, com o bom desempenho das ações de manejo, outros ambientes que até então não continham pirarucus começaram a apresentar indivíduos dessa espécie e em bom número, o que levou os manejadores a incluíram estes novos ambientes na contagem, sem relacioná-los no sistema de zoneamento. Portanto, seria necessário rever o sistema de zoneamento da área, uma vez que, o grupo relatou ter dúvida em relação aos limites das áreas de manutenção e comercialização, dada a proximidade destas áreas com áreas utilizadas por outras comunidades do setor. 232 A avaliação participativa como ferramenta para tomadas de decisão em processos de manejo de pirarucu (Arapaima gigas) • Ellen Amaral • Ana Cláudia Torres • Nelissa Peralta Tabela 8 - Avaliação do Sistema E. Média 2011 Média 2012 Desempenho 1 Organização Coletiva 3,35 3,4 0,1 2 Contagem 2,50 3,4 0,9 3 Vigilância 2,60 2,9 0,3 4 Obediência às normas 3,30 3,3 0,0 5 Divisão de Benefícios 3,50 3,8 0,3 6 Capacidade de Pesca 3,85 3,1 -0,7 7 Monitoramento 3,60 3,2 -0,4 8 Zoneamento 3,70 2,5 -1,2 9 Comercialização 3,85 3,7 -0,2 10 Avaliação Anual 3,10 3,6 0,5 25,50% 27,0% 1,5% Critério Cota Ficou claro que a aplicação do método de avaliação participativa teve efeitos positivos sobre este sistema de manejo, servindo para orientar tanto a assessoria técnica em relação às necessidades de treinamento do grupo, quanto os próprios pescadores que entenderam que deveriam tomar medidas para melhorar o sistema de vigilância da área e sua atuação no levantamento de estoques. CONCLUSÕES Os resultados da aplicação do método de avaliação participativa entre os anos de 2011 e 2012 nos cinco sistemas tratados aqui mostram que três deles apresentaram melhorias de desempenho. Dois sistemas tiveram pior desempenho, mas em relação ao sistema A, esse resultado era esperado já que apenas em 2012 todas as partes do acordo de pesca realmente se envolveram no manejo, assim apenas no segundo ano, novos desafios foram impostos ao grupo, tais como: planejar, comercializar e dividir benefícios de maneira a envolver e contemplar as três partes interessadas, uma vez que, as coordenações estão estabelecidas geograficamente distantes. Mais importante foi notar que a aplicação do método de avaliação participativa possibilitou evidenciar fragilidades das organizações na execução de atividades que só tornamse exitosas quando envolvido o coletivo dos beneficiados com o manejo. E que não eram discutidas ou equacionadas pelo grupo porque eram enfrentadas por uma pequena parte do mesmo, como no caso dos problemas de vigilância da área divulgados pelos agentes ambientais do sistema C. A publicidade desses problemas ou a inclusão deles na agenda de discussão do grupo, possibilitou a formulação de estratégias endógenas que melhoraram o sistema de vigilância da área. A avaliação participativa permitiu também uma discussão mais profunda sobre aspectos do processo de manejo considerados triviais, visto que, já vinham sendo aplicados por muito tempo, como a questão da aplicação 233 Parte II - Apoio Técnico e Governamental para o Manejo de Pirarucus do método de contagem ou o próprio zoneamento da área. Esses aspectos eram pouco discutidos anteriormente, pois as avaliações se concentravam nos problemas mais importantes, como o sistema de vigilância e a organização coletiva. Uma avaliação sistêmica e detalhada de todos os aspectos do manejo possibilitou identificar os problemas e a definir estratégias para abordá-lo. Temos observado nestes dois anos de aplicação do método, que as notas atribuídas pelos grupos de manejadores e pelos técnicos não destoaram, salvo em poucos casos, e algumas vezes a avaliação dos grupos por intermédio das notas parece ser ainda mais criteriosa que a avaliação dos técnicos. Isso nos mostra que os grupos têm demonstrado interesse em usar a avaliação participativa para melhorar sua atuação. No sistema B, entretanto, nos dois anos de aplicação do método, houve uma tendência dos membros do grupo de tentarem manusear os resultados da avaliação, seja para prejudicar a diretoria, seja para aumentar a sua cota de pirarucus. Isso mostra que o método pode não ser adequado para definir as taxas de extração dos recursos naturais em alguns sistemas. No caso do sistema B, isso pode estar ocorrendo devido ao número elevado de pescadores envolvidos. Os resultados positivos da aplicação do método de avaliação participativa também são frutos de uma relação de confiança construída ao longo de anos, marcada por erros e acertos de ambas as partes, e principalmente, pelo reconhecimento da importância do saber tradicional e do conhecimento técnico-científico, na implementação e execução do manejo. O método de avaliação participativa deve ser considerado como uma ferramenta para auxiliar a cogestão e, por isso, deve ser totalmente adaptável ao contexto em que se insere, mas sempre integrando os princípios básicos de sustentabilidade ecológica, social e econômica. REFERÊNCIAS AMARAL, E. S. R. O Manejo comunitário de pirarucu (Arapaima gigas) como alternativa econômica para os pescadores das RDS’s Amanã e Mamirauá, Amazonas, Brasil. Dissertação (Mestrado em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia) – Núcleo do Meio Ambiente, Universidade Federal do Pará, Belém, 2009. AMARAL, E.; GONÇALVES, A.; SOUSA, I. 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Arantes Parte III Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia 237 A GOVERNANÇA NO MANEJO DE PIRARUCU NA RESERVA EXTRATIVISTA DO BAIXO JURUÁ, AMAZONAS Paula Soares Pinheiro1, Raimundo Ferreira Lima2, João da Silva Ferreira2, Jusecleide Gomes Ferreira2, Marcelo Costa Ferreira2, Tatiana Maria Machado de Souza3, Isaura de Oliveira Bredariol3 e Ana Luiza Castelo Branco Figueiredo3 RESUMO Este artigo descreve a experiência de manejo de pirarucu da Reserva Extrativista (RESEX) do Baixo Juruá, AM, com enfoque na governança pelas comunidades e instituições cogestoras da RESEX (associação-mãe e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). O manejo é realizado em seis áreas e envolve 95 pessoas de nove comunidades da RESEX. A comparação da governança nos sistemas de manejo em relação ao aumento ou diminuição nas populações de pirarucu ao longo do tempo sugere que a organização comunitária, respaldada e apoiada pelas instituições, é essencial para a conservação dos recursos pesqueiros. Um fator preponderante 1 2 3 para o sucesso do manejo é o repasse de poder às comunidades no processo de tomada de decisão, o qual deve ser acompanhado do esforço conjunto das comunidades, suas representações e governo na vigilância de lagos, fiscalização e organização da atividade. INTRODUÇÃO O manejo de pirarucu é a principal estratégia de conservação dos recursos pesqueiros aliada à organização social e geração de renda na Reserva Extrativista (RESEX) do Baixo Juruá, no estado do Amazonas. Um fator preponderante para o sucesso do manejo é o repasse de poder às comunidades no processo de tomada de decisão. As comunidades têm autonomia para elaborar regras Escola de Recursos Naturais e Meio Ambiente, 103 Black Hall, Universidade da Flórida, PO Box 116455, Gainesville, FL 32611, Estados Unidos. E - mail: [email protected] Associação dos Trabalhadores Rurais de Juruá, Rua Senador João Bosco, 36, Centro, Juruá-AM, 69.520000 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Rua Senador João Bosco, 36, Centro, Juruá -AM, 69.520-000 239 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia para proteção e vigilância dos lagos, pesca e monitoramento, através da Associação dos Trabalhadores Rurais de Juruá (ASTRUJ) e apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Este empoderamento incentiva uma maior participação das comunidades, essencial para aumentar a governança dos lagos e recursos pesqueiros da RESEX. Em um complexo de lagos vigiado diariamente pelos comunitários nos últimos sete anos, o número de pirarucus aumentou sete vezes, reforçando a relação entre governança comunitária e conservação. O principal objetivo do manejo comunitário, iniciado em 2005, era de impedir as frequentes invasões de barcos de pesca e recuperar os estoques pesqueiros para subsistência e comercialização. Além de conflitos com invasores, os manejadores ainda enfrentam dificuldades como resistência por parte de moradores que não seguem as regras do manejo, controle de territórios extensos e falta de infraestrutura para vigilância e comercialização. ÁREA DE ESTUDO Na RESEX do Baixo Juruá, unidade de conservação federal com 187.982,31 hectares localizada no interflúvio Juruá-Purus, vivem aproximadamente 150 famílias em doze comunidades agroextrativistas, totalizando cerca de 750 pessoas. A RESEX é cogerida pelo ICMBio e ASTRUJ, associação que representa os moradores, e possui plano de manejo e conselho deliberativo atuante desde 2009. Há seis sistemas de manejo de pirarucu na RESEX, compreendendo lagos de várzea do rio Juruá e outros ambientes aquáticos ao longo do rio Andirá, como remansos, ressacas e lagos. O manejo, que começou com 16 pessoas de duas comunidades, hoje envolve 95 pessoas de nove comunidades. TRABALHO REALIZADO A principal estratégia da ASTRUJ para controlar invasões tem sido a vigilância comunitária, que conta com flutuantes em pontos estratégicos e rádiocomunicação. No complexo de lagos do Planeta, onde a população de pirarucus teve maior aumento, 49 moradores de duas comunidades revezam-se em turnos semanais de vigilância. Nesta área, o ICMBio, com apoio da ASTRUJ, facilitou a elaboração do regimento interno da pesca. Entre as regras elaboradas e monitoradas pelos manejadores, consta, por exemplo, que faltas na pesca e vigilância serão descontadas do lucro de cada manejador, atrelando-se benefícios proporcionais ao esforço individual, de modo a incentivar uma maior participação no manejo. Em outras áreas, é necessário fortalecer o processo organizativo, como no rio Andirá. O grupo de manejo é pequeno (26 pessoas de cinco comunidades) e tem o desafio de controlar a pesca predatória em um rio que faz o limite da reserva com a área de entorno, onde a pesca por pescadores de fora é permitida. Somam-se a isso o desinteresse e a resistência de parte dos moradores da região. Além disso, o grupo de manejo aparentemente é frágil. A perda de poder dos agentes ambientais voluntários e de uma importante liderança comunitária 240 A governança no manejo de pirarucu na Reserva Extrativista do Baixo Juruá, Amazonas • Paula Pinheiro • Raimundo Lima • João Ferreira • Jusecleide Ferreira • Marcelo Ferreira • Tatiana Souza • Isaura Bredariol • Ana Luiza Figueiredo em 2012 levou à descontinuidade do trabalho de vigilância feito desde 2005. A redução em 47% no número de pirarucus contados entre 2011 e 2012 no Andirá sugere que as populações de pirarucu são afetadas pela baixa governança. Para contornar estas dificuldades, o ICMBio vem intensificando a fiscalização na área e a ASTRUJ está buscando melhorar as condições de vigilância e estimular o trabalho através de convênios com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Nos outros sistemas de manejo, as próprias comunidades definem as regras de uso e proteção de lagos, com pouca intervenção das instituições. Os lagos são relativamente próximos às comunidades e dão acesso às áreas de roçado, facilitando o zelo pelos moradores. As comunidades controlam, com maior ou menor eficiência, os moradores que descumprem com as regras. Em três áreas, o número de pirarucus flutua ao longo dos anos, mas continua superior ao início do manejo. Somente em um sistema, as contagens vêm diminuindo continuamente. Neste, um pequeno grupo se interessa pela preservação mas não consegue impedir a pesca predatória no lago. Este grupo necessita de maior apoio institucional na organização social e incentivo à vigilância permanente do lago, de modo a recuperar os estoques pesqueiros. A pesca do pirarucu manejado, realizada coletivamente pelos manejadores, teve início em 2007. Desde então, a cota autorizada subiu de 229 para 371 pirarucus e a cota capturada de 222 para 356. A relação cota capturada/ autorizada variou entre 94 e 98%, exceto no ano de 2009, em que somente 44% da cota foi pescada por falta de gelo e em respeito aos manejadores que decidiram não pescar naquele ano. Ao longo do manejo, houve aumento na produção pesqueira de pirarucu (13 para 19 toneladas) e redução no tamanho (1,86m para 1,81m) e peso médio (59 kg para 56kg) dos peixes. A comercialização do pirarucu tem progredido desde 2007. O preço do charuto aumentou de R$ 4,25 para R$ 6,00/kg e o do filé de R$ 5,00 para R$ 7,00/kg. O faturamento líquido passou de R$ 56.000,00 para R$ 198.000,00, devido ao aumento no número de áreas, crescentes cotas, adiantamento da pesca e comercialização de outros pescados. A ASTRUJ cobra uma taxa de 5% do faturamento pela coordenação do manejo. A renda dos manejadores também vem aumentando, variando de acordo com a produtividade das áreas: no complexo do Planeta cada manejador ganhou cerca de R$ 3.000,00 em 2012, enquanto no Andirá a renda foi de R$ 800,00. CONCLUSÃO A comparação da governança nos sistemas de manejo em relação ao aumento ou diminuição nas populações de pirarucu ao longo do tempo sugere que a organização comunitária, respaldada e apoiada pelas instituições, é essencial para a conservação dos recursos pesqueiros. O sucesso do manejo depende do esforço conjunto na vigilância de lagos, fiscalização e organização da atividade. Há ainda que superar entraves à comercialização, como a concorrência com pirarucu 241 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia ilegal e falta de estrutura de transporte, armazenamento e processamento do pescado, o que pode elevar muito a renda dos manejadores e o interesse no manejo por outros moradores da RESEX. AGRADECIMENTOS À Fundação Inter-Americana (IAF) pelo apoio financeiro à pesquisa de doutorado de P.S. Pinheiro. As opiniões expressas aqui não necessariamente representam a visão do IAF. 242 MANEJO DO PIRARUCU NA RDS PIAGAÇU PURUS: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO José Gurgel Rabello Neto1 INTRODUÇÃO O manejo do pirarucu na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu Purus, RDS-PP foi, inicialmente, pensado como uma possível estratégia a ser adotada, visando reverter o processo de exploração ilegal que ocorria na reserva muito antes de sua criação, em 2004. Os primeiros diagnósticos feitos sobre a atividade pesqueira na área da reserva indicaram uma série de irregularidades, principalmente na exploração do tambaqui, (Colossoma macropomum) e do pirarucu, (Arapaima gigas). O maior problema da exploração das duas espécies era o grande número de indivíduos jovens comercializados. A pesca do pirarucu apresentava ainda o agravante de ser também direcionada aos adultos na época reprodutiva, em uma pescaria que era conhecida localmente como a “pesca da choca”. Durante a “choca”, o macho e a fêmea que cuidam da ninhada ficam mais lentos, mais visíveis e, consequentemente, mais vulneráveis, e suas capturas acabam levando à perda de toda a ninhada. 1 Nesta época, os exemplos de sucesso alcançados com o manejo do pirarucu na RDS Mamirauá já eram bastante conhecidos no meio acadêmico e começavam a ser amplamente difundidos entre vários municípios do Estado. Dentro da RDS-PP no entanto, entre as comunidades locais, o conhecimento sobre esta alternativa de manejo, que aliava conservação do recurso e geração de renda, não era ainda muito bem compreendido. A ideia de se investir no manejo do pirarucu, sensibilizando e incentivando os pescadores locais sobre a possibilidade de iniciar este trabalho, foi uma estratégia para poder envolver as comunidades de pescadores locais no processo de zoneamento e construção de regras de uso dos recursos pesqueiros que se iniciava naquela ocasião. Os primeiros intercâmbios entre os pescadores ocorreram em 2006 por meio de visitas técnicas realizadas, inicialmente, por dois moradores da RDS PP (Sr. Sebastião Amorim e o Sr. Raimundo Duarte) às áreas de Rua dos Marupás nº 85, Conjunto Acariquara, Bairro Coroado III. Manaus – AM, CEP 69082674. E - mail: [email protected] 243 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia manejo em Santarém – PA e na RDS Mamirauá – AM. Na oportunidade, esses dois pescadores realizaram curso de capacitação sobre a metodologia de contagem visual e auditiva de pirarucus proposta por Castelo (2004). A partir de então, essas duas pessoas, com a orientação de um técnico, tornaram-se os difusores desta ideia do manejo nas suas comunidades locais e ajudaram a construir o processo de organização para o manejo do pirarucu, na RDS-PP. ÁREA DE ESTUDO A RDS-PP foi criada no ano de 2003, pelo Governo do Estado do Amazonas e localiza-se na região do baixo rio Purus, entre as coordenadas geográficas 4°05’ e 5°35’ S e 61°73’ e 63°35’ W. Esta Unidade de Conservação (UC) faz limite com a Reserva Biológica de Abufari, e com duas áreas indígenas, Terra Indígena (TI) Lago do Ayapuá e TI Itixi-Mitari, compondo a área de um novo corredor ecológico na Amazônia Central, no sentido nortesul. Este mosaico de terras protegidas possui cerca de 1,3 milhões de hectares. A RDS-PP tem, atualmente, uma área de 827.317 hectares, que abrange quatro municípios: Anori, Tapauá,Coari e Beruri. Sua fisionomia é composta por 40% de áreas periodicamente alagáveis e o restante por terra firme. A área da RDS-PP apresenta grande heterogeneidade, tanto da diversidade de habitats existentes (várzea do rio Solimões, várzea do rio Purus, lagos de água branca e preta, igarapés, igapós, florestas de várzea e de terra firme) como da diversidade social, que envolve 55 comunidades, diversos grupos sociais e níveis de interações socioeconômicas (pescadores residentes e externos à reserva, barcos recreios, regatões e comunidades indígenas no entorno). Essa grande heterogeneidade permitiu que a mesma fosse delimitada em setores, o que possibilitou o estabelecimento de unidades de manejo diferenciadas, restringindo as formas de interações entre ambiente-usuário em cada unidade de manejo. Os critérios estabelecidos para a delimitação dos setores foram a fitofisionomia, a hidrografia, as áreas tradicionais de uso dos recursos e as rotas de acesso. Foram definidos sete setores dentro dos limites da RDS-PP, cujo produto foi a sistematização espacial de unidades manejáveis, com certo grau de integridade ecossistêmica, aliada à uma forma de organização socioeconômica existente na área. O manejo do pirarucu é desenvolvido em três setores da RDS-PP, setor Ayapuá com duas comunidades participantes, setor Itapuru com quatro comunidades e setor Caua/Cuiuanã com duas comunidades (Figura 1). Atualmente, o manejo do pirarucu envolve cerca de cem famílias. TRABALHO REALIZADO Com os pescadores das comunidades da RDS-PP discutindo as bases do que seria o futuro Manejo Participativo do pirarucu na Reserva, a concepção do objetivo do zoneamento, e de como ele poderia ajudar nesta proposta de manejo que se desenhava, foi de extrema valia para um zoneamento adequado. Da mesma forma, as propostas de regras de uso dos recursos foram também elaboradas visando um ótimo aproveitamento do potencial de produção da várzea em termos de reprodução do pirarucu. 244 Manejo do pirarucu na RDS Piagaçu Purus: estratégias para conservação • José Gurgel Rabello Neto Figura 1 - Mapa da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu Purus, RDS-PP, indicando a setorização da Reserva. O melhor exemplo para isto foi a escolha dos lagos prioritários para proteção, que eram adequados como refúgio de grandes peixes na seca e como área de reprodução do pirarucu na subida da água. Da mesma forma, foi discutido o fato de que o uso dos lagos na várzea, mesmo para a pesca de peixes menores, durante a vazante, poderia espantar os pirarucus antes que os lagos perdessem a conexão com os canais principais. Assim, esta foi a justificativa para que a pesca neste período fosse suspensa, sendo liberada quando os lagos perdessem a conexão e os pirarucus não pudessem mais se dispersar. Este fato, junto com a vigilância voluntária dos pescadores que se fortalecia na época, garantiram um grande e rápido aumento na quantidade de pirarucus nos três setores trabalhados. Cada setor foi elaborando e implementando seu manejo de forma diferenciada, tanto nas iniciativas de vigilância, com serviços pagos pelas comunidades e/ou com serviços voluntários dos pescadores, como no nível de envolvimento das comunidades com as demais atividades do manejo. As contagens e a vigilância, juntamente com a suspensão da pesca ilegal de pirarucus por parte das comunidades teve início em 2007, primeiramente no setor Ayapuá, onde quatro comunidades faziam parte do manejo na época, e onde o aumento do número de peixes possibilitou que uma primeira cota de exploração controlada fosse sugerida e solicitada ao IBAMA, ainda em 2009, (Tabela 1). Entretanto, enquanto a autorização estava tramitando entre o órgão gestor da reserva, CEUC e o 245 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia IBAMA, duas comunidades da parte sul do setor pescaram uma grande quantidade de pirarucus. O Instituto Piagaçu comunicou o fato ao CEUC e IBAMA e a solicitação foi, então, negada. A partir de então, apenas a parte norte do setor, com outras duas comunidades permaneceram trabalhando no manejo, continuando a preservar a espécie e fazendo uma vigilância efetiva. O setor, então, foi dividido através das áreas de uso correspondentes destas comunidades, e a pesca autorizada vem sendo realizada desde 2011. O setor Itapuru, com quatro comunidades, foi o que mais evoluiu a partir de então, com uma liderança forte que ajudava a organizar grupos de vigilantes voluntários e com uma área de proteção que mostrou um crescimento exponencial no número de pirarucus em poucos anos (tabela – 01). Neste setor, as contagens e a vigilância tiveram início em 2008, e já em 2010 uma primeira cota foi solicitada e autorizada para a pesca manejada, o que ocorreu também em 2011 e 2012. Para o devido monitoramento da produção e da própria pesca manejada, pescadores foram treinados para registrar as informações pertinentes à pesca, como aparelhos de pesca, tempo de pesca e local de pesca, bem como as características do pescado, como comprimento, peso inteiro e eviscerado. Os mesmos pescadores foram treinados a reconhecerem e registrarem características macroscópicas das gônadas dos pirarucus pescados, para classificá-los entre machos e fêmeas e quanto aos estádios gonadais, conforme proposto por Lopes e Queiroz (2009). O setor Itapuru na RDS-PP foi o primeiro local no Rio Purus, no Estado do Amazonas, a receber autorização para a pesca manejada de pirarucus. Neste setor, os principais problemas apresentados em todos os anos são a falta de apoio na vigilância e fiscalização da área, a grande facilidade de acesso na área por invasores na época da cheia, e a necessidade de uma maior organização nas atividades do manejo, que crescem à medida que cresce também o número de pirarucus nos lagos e na cota autorizada. À medida que o setor vizinho (Caua/ Cuiuanã) foi se envolvendo no manejo, ações conjuntas de vigilância foram sendo incentivadas e isto aumentou, de certa forma, a proteção da área. Todos os anos, parte da renda obtida com a venda dos peixes é também destinada à vigilância, e desta forma foram adquiridos um flutuante base de vigilância, combustível para ações de fiscalização e o pagamento de vigia local no tempo de maior pressão de invasores. O setor Caua/Cuiuanã foi o último a se envolver no manejo do pirarucu, iniciando as contagens somente em 2009, embora tenha trabalhado na proteção de sua área devido à pesca de outras espécies. Com o início das contagens neste setor, ficou evidente a efetividade das áreas de proteção escolhidas, e a resposta ao respeito às regras de uso através do aumento rápido do número de peixes contados (tabela – 01). Apesar de ter sido o último setor a se envolver no manejo, e de ter apresentado grande dificuldade no primeiro ano em contar com trabalho voluntário dos moradores, principalmente no primeiro ano de 246 Manejo do pirarucu na RDS Piagaçu Purus: estratégias para conservação • José Gurgel Rabello Neto contagem, hoje é o setor que mostra maior união e envolvimento, com grande número de pessoas dedicadas ao manejo. Além da vigilância mais bem estruturada, que conta com flutuante de vigilância e sistema de rádio com vigia pago pela comunidade (com recursos advindos da venda do pirarucu), o setor iniciou por conta própria um sistema de monitoramento de pesca, que foi apoiado pelo Instituto Piagaçu, através de capacitação de monitores e material adequado para medir, pesar e registrar informações, bem como para divulgar internamente estes resultados na comunidade. Um problema que ocorreu nos três setores e que vem sendo trabalhado e contornado, é com relação ao poder de pesca e material de pesca adequado para a pesca manejada. O fato é que a pesca como era feita anteriormente, de forma ilegal, não fazia distinção entre peixes grandes e pequenos, e os materiais de pesca que estavam disponíveis nas comunidades não se mostravam adequados para a captura de peixes adultos, acima do tamanho mínimo permitido. Este problema é, em parte, contornado à medida que os recursos obtidos são destinados à aquisição de materiais de pesca adequados, solução que foi adotada pelos três setores. Os três setores foram estruturando o manejo de forma comunitária, dividindo custos e atividades e, mais tarde, quando conseguiram a autorização para a pesca e comercialização decidiram realizar a pesca de forma comunitária, dividindo os lucros conforme o nível de envolvimento e dedicação que cada pescador ou morador apresentava. Estas decisões estão regulamentadas em regimentos internos por setor, onde várias regras e regulamentos ajudam a organizar as etapas do manejo com um todo, desde a vigilância, as contagens, a pesca, o monitoramento, a comercialização e a repartição dos benefícios e investimento em estrutura, fiscalização e materiais de pesca. Uma característica que não pode ser negligenciada quando falamos em manejo de pirarucus, é o fato de que além do pirarucu, outras espécies são protegidas através do manejo, e que muitos ilícitos que ocorriam anteriormente, por usuários internos e externos da reserva, deixaram de ocorrer ou passaram a ocorrer com uma intensidade bem menor. Uma prática que era comumente observada na região do Itapuru e do Caua/Cuiuanã até o ano de 2008, era a captura ilegal de botos. Esta captura era realizada por pescadores externos, que vinham em barcos do município de Manacapuru, e capturavam dezenas de botos para distribuir para os barcos que realizavam a pesca da piracatinga em outros locais, utilizando os botos como isca. Relatos de moradores afirmam que cerca de 80 botos foram abatidos somente em 2008 nesta região. Com o início do manejo do pirarucu, os moradores não permitiram mais que isto ocorresse, assim como a invasão da área por barcos de passeio que, anualmente, procuravam o local para caçar patos e não frequentam mais estes setores. Isto mostra que o manejo de pirarucus deve ser encarado como um manejo do ambiente como um todo, garantindo a conservação da paisagem com seus componentes, servindo como um meio eficaz de conservação. 247 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia Tabela 1 - Evolução das contagens de bodecos e pirarucus nas áreas de manejo dos setores Ayapuá. Itapuru e Caua/Cuiuanã, entre 2007 e 2012. Setor Ayapuá Itapuru Caua/Cuiuanã Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Bodeco 0 0 31 245 263 852 pirarucu 7 20 60 239 326 920 Bodeco - 188 1239 2473 3440 3990 pirarucu - 267 769 1969 3100 3375 Bodeco - - 347 804 1419 1989 pirarucu - - 135 408 532 1101 CONCLUSÃO O manejo do pirarucu traz consigo um poder de conservação e organização do uso de diversos recursos, não somente o pirarucu, mas indo além do manejo de uma só espécie. É também um ganho para a conservação da paisagem e seus componentes. Como um peixe-símbolo da bacia amazônica, o manejo do pirarucu se apresenta como um resgate à cultura tradicional, fortalecendo e divulgando o valor dos conhecimentos tradicionais dos pescadores dentro e fora da área de atuação do manejo. Acreditando que o manejo participativo do pirarucu é um processo ainda em desenvolvimento na RDS-PP, entendemos que a cota de abate a ser solicitada aos órgão competentes, deve levar em consideração todos os problemas e fortalezas existentes em cada setor, principalmente questões ligadas ao poder de pesca, organização dos envolvidos e transparência na comercialização, repartição dos benefícios e investimentos no manejo. Uma busca constante por fortalecer e avaliar a acuidade e veracidade nas contagens, seguida de apoio necessário para um programa interno de vigilância de cada setor devem ser preocupações basilares para o contínuo desenvolvimento do manejo. REFERÊNCIAS CASTELLO, L. A method to count pirarucu Arapaima gigas: fi- shers, assessment, and management. North American Journal of Fisheries Management, v. 24, n. 2, p. 379389, 2004. LOPES, K. S.; QUEIROZ, H. L. Uma revisão das fases de desenvolvimento gonadal de pirarucus Arapaima gigas (Schinz, 1822) por meio da análise macroscópica como uma proposta para unificação destes conceitos e sua aplicação prática nas reservas Mamirauá e Amanã. UAKARI, v. 5, n. 1, p. 39 - 48, 2009. 248 PROGRAMA DE MANEJO DE PESCA DE PIRARUCU COMO FERRAMENTADE GESTÃO PARTICIPATIVA DOS RECURSOS HIDROBIOLÓGICOS NA RESERVA NACIONAL PACAYA SAMIRIA Jorge Luis Gómez Noriega1 RESUMO Esta experiência tem como objetivo evidenciar e propor aos programas de manejo de pesca uma ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos baseados na implementação do manejo do Arapaima gigas “pirarucu” na Reserva Nacional Pacaya Samiria. Entre os principais êxitos, podemos mencionar: o envolvimento da população local organizada no controle e na vigilância da área natural protegida (14 organizações comuns participando); a recuperação das populações de pirarucu da Cocha El Dorado (de 10 espécimes em 1994 a 500 espécimes adultas em média, por ano, na atualidade), representando benefícios diretos e indiretos para a população local, produto da comercialização de produto manejado nos mercados locais e, ainda, gerando informações biológica e socioeconômica relevantes para a tomada de decisões desta importante espécie na Amazônia peruana. INTRODUÇÃO A Reserva Nacional Pacaya Samiria (RNPS) é a segunda área natural protegida em extensão geográfica do Peru e constitui 1 a área de bosque inundável protegido mais extenso da Amazônia (INRENA, 2000). O “pirarucu” é uma espécie hidrobiológica de grande importância ecológica, social e econômica para a RNPS e seu povo. Essa espécie é muito valorizada pelos povos amazônicos por causa da qualidade e do rendimento de sua carne, assim como pelas grandes possibilidades que oferece para seu manejo em meio natural. Ancestralmente, essa espécie hidrobiológica era explorada de maneira irracional e desordenada, tanto por povos forasteiros como pelos da própria RNPS, gerando uma diminuição drástica de suas populações naturais, em particular da Cocha El Dorado, chegando a estimarem-se, no ano de 1994, apenas 10 exemplares. Essa situação fez com que a Fundação Peruana para a Conservação da Natureza – ProNaturaleza – explorasse alternativas viáveis para a proteção, o manejo e a recuperação dessa espécie. Em 2004, através de um processo participativo que envolveu a população local assentada na RNPS, foi aprovado o primeiro programa de manejo de Fundación Peruana para la Conservación de la Naturaleza-ProNaturaleza; Director Regional de Loreto. 249 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia “pirarucu”, constituindo o primeiro Plano de Manejo Pesqueiro para a Amazônia peruana. Este documento técnico contém os alinhamentos de manejo que tornaram possíveis a recuperação e o uso sustentável da espécie, como: tamanhos mínimos de captura, períodos de interdição, quotas de pesca, delimitação das áreas de manejo, entre outros que vêm sendo implementados pela população local organizada em grupos de manejo nas bacias do Rio Yanayacu Pucate e Pacaya no interior da RNPS. Os grupos de manejo reconhecem a importância do mesmo para a sustentabilidade do recurso, já que, com o tempo, eles puderam perceber que as populações de ambas as espécies aumentou, o que lhes permitiu também aumentar sua receita do produto da comercialização desses recursos. É por isso que elas se organizaram, em coordenação com a administração da área protegida, para realizar o controle e a vigilância, evitando assim a entrada de forasteiros que pretendessem realizar a pesca indiscriminada. A implantação do programa de manejo para o “pirarucu” na Cocha El Dorado da RNPS, permitiu, então, à administração da área protegida ordenar a pescaria dessa espécie assim como reforçar o controle e a vigilância através da participação organizada da população local. Além disso, conseguiu-se uma melhor coordenação entre as instituições públicas e privadas que têm competência sobre esses recursos, como a Direção Regional da Produção de Loreto – DIREPRO, o Instituto de Pesquisas da Amazônia Peruana – IIAP, a Universidade Nacional da Amazônia Peruana – UNAP, a Fundação Peruana para a Conservação da Natureza – ProNaturaleza, a Sociedade Peruana de Direito Ambiental SPDA, entre outras. Atualmente, essa experiência vem sendo replicada em outros setores da Reserva e da região Loreto. MATERIAIS E MÉTODOS A experiência baseada na implementação do programa de manejo de pesca de “pirarucu” na RNPS foi realizada desde seu início de maneira participativa e complementando o conhecimento científico com o conhecimento ancestral, em todas as fases da implementação do programa de manejo, oferecendo assistência técnica e aproximação às instituições do estado competentes na gestão do recurso pesqueiro na região. A respeito da metodologia para contagem e determinação da quota de pesca anual, foi utilizado o censo por boiadas, o que permitiu estimar o número de exemplares adultos na Cocha El Dorado anualmente. Além disso, foi realizado o acompanhamento das temporadas de pesca, durante o qual foram registradas informações de capturas, esforço, tamanhos, pesos, sexo, entre outros parâmetros necessários para o manejo da espécie. Para caracterizar a pesca do “pirarucu”, realizamos o acompanhamento aos pescadores que trabalham na região, durante um ciclo hidrológico, registrando a seleção das áreas de pesca, os tipos de arte, a frequência de uso, a eficiência e o processamento das capturas, determinando as rotas 250 Programa de manejo de pesca de pirarucu como ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos na Reserva Nacional Pacaya Samiria • Jorge Luis Gómez Noriega de comercialização, quantidades comercializadas e preços obtidos nas campanhas de pesca anual. RESULTADOS E DISCUSSÃO 1. Sobre a Participação dos atores na gestão da RNPS Atualmente, trabalham 14 organizações de 4 comunidades nas bacias dos Rios Yanayacu Pucate e Pacaya. Elas realizam atividades de controle e vigilância em coordenação com o pessoal da área que permitiu diminuir a pressão de pesca ilegal nesses dois setores. Conseguiram-se o envolvimento e a participação ativa das instituições do estado peruano nas atividades contempladas no programa de manejo pesqueiro através do Comitê de Gestão da RNPS, validando a ferramenta de gestão e contribuindo para que seja replicada em outros setores da Reserva e da região Loreto. 2. Sobre a Recuperação da população e Geração de Informação biológica da espécie manejada Foram possíveis a recuperação e a manutenção da população de “pirarucu” na Cocha El Dorado da RNPS, começando com 10 exemplares adultos contados em 1994 até 500, em média, nos últimos anos. Tem-se a informação biológica da espécie que data desde a aprovação da primeira versão do programa de manejo pesqueiro de pirarucu, no ano de 2004, até o ano de 2011. Como resultado da aplicação dos alinhamentos de manejo e respeitando a legislação pesqueira a respeito do uso racional desta espécie, foram aproveitadas seis oportunidades, capturando um total de 394 indivíduos de pirarucus adultos. É preciso assinalar que 100% dos exemplares capturados ultrapassaram o tamanho mínimo de captura, que é de 160 cm. Esses dados confirmam que as populações de pirarucu na Cocha El Dorado se mantiveram estáveis e que o aproveitamento atual não afetou as populações. A densidade de exemplares adultos contabilizados na Cocha El Dorado durante os últimos 12 anos de manejo apresenta flutuações entre 0.49 e 2.46 ind/Ha, com uma média de 1.11 ind/Ha, os mesmos que em conjunto percebem uma tendência positiva do recurso, assim como um comportamento cíclico das densidades com intervalos de 2 a 3 anos. Na figura 4, pode-se observar os tamanhos médios de captura dos exemplares coletados durante a implementação do programa de manejo pesqueiro, o que evidencia o respeito dos alinhamentos de conservação da espécie que regula sua extração em um tamanho estabelecido pelo estado peruano, que é de 160 cm e que garante a manutenção das populações naturais. A proporção calculada entre os sexos com base nos exemplares capturados na Cocha El Dorado entre os anos de 2004 e 2012 foi de 0.84, com uma composição de 45.63% de machos e 54.37% de fêmeas, o que nos permite afirmar que a população mantém seu equilíbrio com relação à proporção de sexos em populações naturais estáveis, garantindo a sobrevivência da espécie. 251 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia Indivíduos Figura 1 - Exemplares adultos contados na Cocha El Dorado 1994 – 2012. Comprimento (m) Fonte: Fichas de capturas de pirarucu, 2004 – 2011, ProNaturaleza, Programa Regional Loreto – PRL Figura 2 - Frequência de tamanhos de pirarucus capturados na Cocha El Dorado RNPS 2004 – 2011. 252 Programa de manejo de pesca de pirarucu como ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos na Reserva Nacional Pacaya Samiria • Jorge Luis Gómez Noriega Fonte: Fichas de censos, anos 2000 – 2012, ProNaturaleza, Programa Regional Loreto – PRL. Figura 3 - Densidade de pirarucus adultos recenseados na Cocha El Dorado, 2000 – 2012. Figura 4 - Tamanho médio de captura de exemplares de pirarucu 2003 – 2011. 253 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia Figura 5 - Proporção de exemplares Machos contrastados com Fêmeas capturados na Cocha El Dorado 2004 – 2012. 3. Sobre os benefícios econômicos e sociais 3.1. Benefícios Diretos Os benefícios econômicos recebidos por cada pescador, produto da comercialização de carne de pirarucu, aumentam para S/. 3500 nuevos soles ($ 1300, aproximadamente) por pescador por temporada de pesca, o que lhes permite adquirir alguns bens e serviços, além da capitalização da organização. Além disso, eles utilizam parte da pesca de exemplares como alimento para suas famílias, o que contribui para diminuir os níveis de deficiência de proteína nas mesmas. 3.2. Benefícios Indiretos A atividade de pesca e proteção do pirarucu tem um impacto social na comunidade devido à geração de postos de trabalho remunerado, o que permite dinamizar a economia comum. Além disso, 2% dos ganhos gerados com a atividade são destinados a fins sociais que a comunidade em assembleia comum decide, com o que se consegue sensibilizar o povo de que o manejo e o uso sustentável dos recursos naturais se apresentam como uma alternativa que contribui para o desenvolvimento das populações locais envolvidas no processo. CONCLUSÕES Após a implementação do programa de manejo pesqueiro na sua primeira fase e, atualmente, em sua segunda fase, podemos concluir o seguinte: Os programas de manejo pesqueiro são uma poderosa ferramenta de gestão participativa dos recursos naturais 254 Programa de manejo de pesca de pirarucu como ferramenta de gestão participativa dos recursos hidrobiológicos na Reserva Nacional Pacaya Samiria • Jorge Luis Gómez Noriega quando existe o compromisso dos atores envolvidos em todas as etapas do processo. O conhecimento oferecido pelas organizações comuns é importante em um desenho de propostas de manejo e ordenação dos recursos naturais. As ações de manejo lideradas por organizações comuns de manejo devem conjugar o conhecimento científico e o ancestral (conhecimento local). A população local recebe e adota as técnicas e os alinhamentos de manejo sempre e quando esses sejam gerados em coordenação entre a população local e as diferentes instituições públicas e privadas. A acessibilidade aos recursos de maneira ordenada é um fator fundamental para consolidar organizações de manejo. As atividades de conservação têm que ser rentáveis para que sejam sustentáveis. RECOMENDAÇÕES O êxito e a sustentabilidade dos programas de manejo dependem, em grande parte, do envolvimento das instituições competentes do estado e das populações locais que as implementam. 255 A EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO AGROEXTRATIVISTA DE AUATÍ-PARANÁ NO MANEJO COMUNITÁRIO DE PIRARUCU NA RESEX AUATÍ-PARANÁ, AMAZONAS, BRASIL Edvaldo Tavares de Lira1 Enrique Araújo de Salazar2 Miguel Arantes3 RESUMO A Reserva Extrativista Auatí-Paraná (RESEX Auatí-Paraná) é uma Unidade de Conservação Federal de uso sustentável, situada na região do médio Solimões. Possui como foco principal o manejo comunitário de pirarucu, atividade esta que vem sendo realizada desde 2004, em áreas desta RESEX e da vizinha Reserva Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM). O presente trabalho teve por objetivo apresentar, de forma sintética, a questão do manejo dentro da reserva. ABSTACT The Auatí-Paraná Extractive Reserve (RESEX Auatí-Paraná) is a Federal Conservation Unit located in the middle Solimões region, permitting sustainable resource use. The reserve establishes community-based pirarucu fishing management as a primary activity, which has been implemented since 2004 in areas of the Reserve, in addition to 1 2 3 the neighboring Mamirauá Reserve for Sustainable Development. The present work aims to present questions of fisheries management in the reserve. INTRODUÇÃO A Reserva Extrativista Auatí-Paraná (RESEX Auatí-Paraná) foi criada por Decreto Presidencial em 7 de agosto de 2001, atendendo a uma demanda das comunidades locais, sendo estas incentivadas pela igreja católica e pelo Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS). Dentre as atividades desenvolvidas na região da RESEX, destaca-se o Manejo Comunitário do pirarucu, que teve início no ano 2004, com apoio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Fonte Boa (IDSFB). A partir de 2008, a Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná (AAPA) Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná (AAPA) – Fonte Boa (AM) Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – Tefé (AM) Acadêmico Curso Superior em Tecnologia em Produção Pesqueira/ Universidade Estadual do Amazonas/ Fonte Boa (AM) 257 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia passou a responsabilizar-se pelo manejo, que atualmente é apoiado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor da Unidade de Conservação (UC). O ICMBio vem apoiando o manejo com auxílio dos programas Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse apoio tem se dado através do fornecimento de combustível para reuniões de mobilização pré-manejo, através da viabilização de participação comunitária em capacitações, na colaboração para resolução ou minimização de conflitos, bem como na fiscalização visando a coibição da pesca ilegal. O objetivo deste trabalho é apresentar o Manejo do pirarucu na RESEX AuatíParaná, utilizando dados de 2007 a 2012. Embora o manejo na RESEX tenha se iniciado em 2004, não se tem dados sistematizados do período compreendido entre aquele ano e 2006. MATERIAL E MÉTODOS Descrição da UC A RESEX Auatí-Paraná (Figura 1) está contida em uma área aproximada de 146.950,82 ha, abrangendo terras inseridas nos territórios dos municípios de Fonte Boa, Japurá e Maraã. Atualmente, abriga 13 comunidades situadas no interior da Unidade de Conservação (UC) e mais 3 comunidades consideradas usuárias, situadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM, UC Estadual gerenciada pelo Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC). A população atual está estimada em 1.376 pessoas, distribuídas em 284 famílias. Geograficamente, a RESEX AuatíParaná encontra-se localizada entre as coordenadas - 02º 23’ 09” S; - 66º 40’ 55” W e - 02º 00’ 28” S ; - 66º 59’ 55.16” W (pontos referentes aos limites Oeste e Leste, na margem esquerda do canal Auatí-Paraná). O canal AuatíParaná é o corpo d’água que divide a RESEX da RDS Mamirauá (RDSM). Cerca de 25.950 ha (17,65 %) da área total da RESEX são constituídos por terras alagáveis, onde predominam ambientes de igapó e várzea. Diversos lagos, igarapés e canais, tanto os situados ao norte da margem esquerda do canal Auatí-Paraná (RESEX), como ao sul da margem direita (RDSM) representam os ambientes de pesca manejada do pirarucu. O manejo comunitário de pirarucu é a atividade produtiva mais importante da reserva, envolvendo hoje 14 das 16 comunidades (ICMBio, 2012). MÉTODO Para a edição do presente trabalho, utilizou-se da revisão de dados constantes no Plano de manejo pesqueiro da RESEX (DAMASCENO ., 2006/2007), no Plano de Manejo da RESEX Auatí-Paraná (ICMBio, 2012), bem como nos Relatórios de Manejo dos Recursos Pesqueiros da RESEX Auatí-Paraná: Manejo Comunitário do pirarucu (ARANTES, 2008 - 2011) e em Arantes, 2012. 258 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no manejo comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil • Edvaldo Tavares de Lira • Enrique Araújo de Salazar • Miguel Arantes Figura 1 – Localização da RESEX Auatí-Paraná. RESULTADOS E DISCUSSÃO Introdução Geral ao Processo de Manejo O manejo do pirarucu em Auatí-Paraná tem sido realizado desde 2004, com autorização do IBAMA e regulamentado por duas Instruções Normativas (IN) deste órgão ambiental mesmo: IN 34, de 18 de junho de 2004; IN 01, de 10 de junho de 2005. Inicialmente, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Fonte Boa (IDS-FB), órgão ambiental do município de Fonte Boa, acompanhava o processo do manejo na RESEX. Com o fortalecimento do manejo nas comunidades, a partir do ano de 2008, a Associação Agroextrativista de AuatíParaná (AAPA) passou a responsabilizarse pela coordenação da atividade e pela representação das comunidades frente ao órgão que avalia e autoriza as cotas, bem como aos parceiros da atividade, com apoio do ICMBio. A AAPA foi fundada em fevereiro de 1998, tendo inicialmente o objetivo principal de representação das comunidades associadas na luta pela criação da RESEX e, posteriormente, o acompanhamento da implementação e consolidação da UC. No âmbito do manejo de pirarucu, a AAPA organiza as atividades do manejo, a elaboração de relatórios, a solicitação de cotas, a compra dos lacres, a solicitação de guias de transporte e o cadastramento dos barcos envolvidos na pesca. O ICMBio acompanha as atividades relativas ao manejo junto à AAPA, monitora e fiscaliza o manejo do pirarucu, apoiando na articulação de parcerias e na busca de recursos para realização de capacitações, além de atuar na moderação de possíveis conflitos. 259 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia Durante o período que antecede a pesca, quando se inicia a época da vazante e os lagos se isolam do curso d’água principal, é realizado o levantamento de estoque de todos os ambientes aquáticos manejados através da contagem, normalmente realizada entre agosto e setembro. O resultado da contagem é a base para liberação das cotas do ano seguinte. A cota é disponibilizada por comunidade e pode ser de, no máximo, 30% da quantidade de pirarucus ADULTOS contados na área de manejo. As contagens de pirarucu são feitas a partir de uma técnica que agrega os conhecimentos tradicionais dos pescadores e o conhecimento científico. Para a contagem são formadas equipes de contadores. Atualmente, são 31 contadores capacitados, sendo que 2 serão certificados. Os corpos d’água envolvidos são divididos em setores; cada equipe fica responsável por contar a quantidade de peixes que vão à superfície no seu setor. Através da observação visual e auditiva, os pescadores constatam quantos peixes sobem à superfície para respirar (boiada), num intervalo de 20 minutos. Observando a boiada, os pescadores podem avaliar se é um bodeco (peixe com menos de 1,50 m) ou adulto (acima de 1,50 m) e assim estimar a população do peixe no ambiente aquático. Após a contagem é iniciado o processo de pesca, que dura, em média, uma a duas semanas, dependendo da comunidade, da quantidade de pescadores envolvidos, da cota que deverão tirar e da distância dos lagos até a beira do Auatí-Paraná, onde fica a embarcação. A pesca é feita, normalmente, entre setembro e novembro. Algumas comunidades fazem uso de redes (malhadeiras), outras utilizam apenas a pesca com arpão e outras utilizam ambos os apetrechos. Os peixes, assim que pescados, são abertos e eviscerados, sendo posteriormente realizada a sexagem, através da visualização das gônadas; a pesagem e a medição dos “charutos”, com auxílio de balança e fita métrica, respectivamente. Todas as informações obtidas são registradas através das fichas usuais de monitoramento e dos relatórios finais da pescaria (ARANTES, 2012). O monitoramento da pesca é uma exigência do IBAMA para liberação do manejo. Sendo assim, também são capacitados monitores comunitários, que ficam responsáveis pela coleta de todas as informações exigidas pelo IBAMA referentes a cada peixe. Essas informações são enviadas para a AAPA, que faz a compilação dos dados, elaboração do relatório e envia para o IBAMA. Este relatório é o subsídio utilizado pelo IBAMA para liberação do manejo do ano seguinte. Cada comunidade possui regras próprias para a organização do manejo. Em geral, as comunidades pescam coletivamente e dividem o recurso pelas famílias que participaram da pesca. O monitoramento e a vigilância dos corpos d’água também são realizados pelos comunitários. Geralmente, são realizados a partir de rodízios estabelecidos entre os manejadores. Algumas comunidades contratam vigias. A comercialização do pirarucu manejado é feita de forma direta entre 260 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no manejo comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil • Edvaldo Tavares de Lira • Enrique Araújo de Salazar • Miguel Arantes a comunidade e o comerciante. A AAPA tem atuado no auxílio na identificação dos compradores, na identificação da documentação dos barcos de pesca e na elaboração dos contratos de compra e venda. A AAPA tem, ainda, realizado a busca por melhores mercados para o pirarucu da RESEX, entretanto tem encontrado grandes dificuldades na tentativa de obter maiores valores, devido a intensa pesca ilegal do peixe na região. Resumo dos resultados do manejo Na figura 2 abaixo, são mostrados os resultados das contagens realizadas entre 2007 e 2012. O período 2007/2008 não apresenta a contagem de bodecos porque os dados não foram repassados pelo IDS-FB. A figura 3 mostra a Relação Cota Autorizada/Cota Capturada entre 2007 e 2012. A diferença entre as cotas autorizadas e capturadas pode ser explicada pelo baixo esforço de pesca de algumas comunidades em função do número de pescadores utilizados, devendo-se aqui ressaltar que algumas comunidades resolvem não pescar comercialmente todos os anos, preferindo guardar seus lagos por períodos de um ano ou mais, visando garantir estoques futuros. Assim mesmo, fazem contagem. Obs.: Algumas comunidades não pescam comercialmente todos os anos, preferindo guardar seus lagos por períodos de 1 ano ou mais, visando garantir estoques futuros. Por isso da diferença entre cotas autorizadas e capturadas. Figura 2 – Dados da Contagem Anual de pirarucu na RESEX Auatí-Paraná. Fonte: AAPA. 261 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia Figura 3 – Relação entre cotas autorizadas e capturadas entre 2007 e 2012. Fonte: AAPA. Resultados Econômicos Tabela 1 - Dados referentes ao peso e ao valor bruto obtido na venda de pirarucu na RESEX Auatí-Paraná nos anos de 2008 a 2012 (Fonte: ARANTES, 2012) Ano Quantidade Peso (Kg) Valor Bruto (R$) 2008 2068 102.276 362.394,00 2009 1949 93.197 356.357,00 2010 1991 99.252 328.393,60 2011 673 33.595 154.982,00 2012 1419 69.948 287.397,00 Total 8100 398.268 1.489.523,60 Principais problemas enfrentados Pesca ilegal – A captura de pirarucu ilegal é intensa na região, pois se trata de espécie muito demandada pelo mercado. A ausência de uma base do IBAMA na região, bem como uma base local do ICMBio e do baixo efetivo de pessoal do órgão gestor atividade de fiscalização. O é vendido livremente nas interior do Amazonas e até feiras de Manaus. dificulta a peixe ilegal cidades do mesmo nas Desrespeito aos acordos de uso – Ainda são comuns as invasões dos lagos e 262 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no manejo comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil • Edvaldo Tavares de Lira • Enrique Araújo de Salazar • Miguel Arantes demais corpos d’água por pessoas de fora da UC ou mesmo por moradores das comunidades locais, que protegem seus ambientes de manejo, mas pescam nos das outras comunidades, desrespeitando acordos internos. Mesmo que não acessem as áreas com o objetivo de pescar pirarucu, as invasões com o objetivo de pescar outras espécies acaba prejudicando o manejo, espantando a espécie-alvo. Observa-se que o plano de manejo pesqueiro da RESEX (DAMASCENO ., 2006 – 2007), que inclui o zoneamento dos ambientes de pesca, não tem sido respeitado. Diversos “lagos” zoneados como de manutenção ou de preservação estão sendo manejados. Pelo que foi apurado em várias reuniões realizadas com as comunidades, muitos desconhecem os termos dos acordos e do zoneamento. posicionamento do Estado do amazonas através do Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), que é o gestor da área. Conflitos pelo uso de recursos – Neste caso, tem-se especificamente o conflito entre as comunidades Itaboca e Santa União. Esta última solicitou reconhecimento indígena e, estimulada por uma associação indígena e pelo escritório regional da Fundação Nacional do Índio (FUNAI-Tefé), bloqueou o acesso a um complexo de lagos denominado Buiuçu, situado da RDSM, no entorno imediato da RESEX, mesmo sem ter se tornado efetivamente uma terra indígena. Este complexo de lagos era manejado em conjunto por ambas as comunidades (que são aparentadas), mas atualmente Santa União impede o manejo por parte de Itaboca, mesmo a comunidade em questão tendo autorização do IBAMA para realizá-la. Como se trata de uma área situada na RDSM, é necessário um Baixo preço pago aos pescadores – O valor pago aos pescadores tem sido bastante baixo. Em 2012, por exemplo, o quilo do pirarucu inteiro e eviscerado foi vendido a R$ 4,50 e R$ 5,00, valor este que não paga o árduo trabalho realizado nas atividades do manejo. Escassez de recursos financeiros – O manejo de pirarucu demanda a realização de uma série de atividades, principalmente para capacitações dos grupos sociais envolvidos, tanto para planejamento das ações pré-manejo, como para a execução da contagem, da pesca e da avaliação de cada ciclo de pesca. Para que isso ocorra é necessário apoio financeiro, que nem sempre está acessível. Mortandade de indivíduos jovens – A mortalidade de filhotes de pirarucu (budecos ou bodecos) ainda é considerável na pesca, notadamente naquelas áreas onde são utilizadas malhadeiras. É preciso estudar formas de diminuir esta mortalidade. DISCUSSÃO Como soluções ou ações para minimização dos problemas, pode-se resumir o seguinte: Pesca ilegal – Intensificação da fiscalização na região, incluindo ações nos mercados das cidades amazonenses, particularmente naquelas localizadas na região do alto e médio Solimões, bem como em Manaus. A presença mais constante do ICMBio na reserva, o fortalecimento do órgão em termos 263 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia de número de analistas e/ou técnicos ambientais; a presença mais constante do IBAMA e do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) nas cidades são ações fundamentais para coibir a pesca ilegal do pirarucu. Desrespeito aos acordos de uso – Estabelecer novos acordos e novo zoneamento das áreas de pesca, deixando material impresso para as comunidades e sensibilizando a população das comunidades para a necessidade do respeito ao que foi acordado. Zoneamento – Revisar tecnicamente o zoneamento a categorização dos corpos d’água destinados ao manejo. Sugere-se, ainda, rever a pertinência da existência de lagos de manutenção, pois se observa que também têm sido usados na pesca comercial, tanto de pirarucu, como de outras espécies. Conflitos pelo uso de recursos – No caso de Itaboca e Santa União, far-se-á necessária a intervenção do Estado e da FUNAI-DF, caso contrário, o conflito tende a piorar. Vale ressaltar que novos conflitos como este estão latentes. Em caso de omissão do Estado e da FUNAIDF, torna-se necessária a comunicação ao Ministério Público e/ou ao Ministério da Justiça. Escassez de recursos – Sensibilizar as fontes financiadoras, procurando viabilizar a participação de técnicos do ARPA e do PNUD em atividades de campo relacionadas ao manejo. Mortandade de indivíduos jovens – Buscar formas de diminuir a mortalidade de indivíduos jovens de pirarucu durante a pesca. Uma estratégia aparentemente bem sucedida tem sido realizada pela comunidade Cordeiro por incentivo do comprador. Parte do lago é isolada por rede de malha grossa e de pequeno diâmetro. Os budecos capturados são colocados neste cercado e liberados após o término da pesca. Baixo preço pago aos pescadores – O baixo valor pago ao pescador reflete muito a concorrência com o pirarucu ilegal. O combate à pesca ilegal nas áreas de manejo, bem como uma intensa fiscalização nas cidades poderá colaborar bastante com a melhoria do valor do peixe. Além disso, observase que as comunidades não costumam realizar a contabilidade da atividade, não computando o investimento realizado para a realização do manejo como um todo. CONCLUSÃO O manejo de pirarucu em Auatí-Paraná vem se desenvolvendo e melhorando ao longo dos anos. Trata-se de um processo adaptativo, em que pescadores e instituições vão aprendendo e procurando melhorar. É preciso investimento na atividade, principalmente de investimento em pessoal técnico capacitado para acompanhar o processo. Deve haver esforço no aumento de pessoal certificado. Considerando que do pirarucu se aproveita quase tudo; considerando que seu couro possui bom valor de mercado; considerando que o pescador recebe muito pouco pelo pescado, tornase necessário estudar uma maneira de garantir uma maior remuneração aos comunitários participantes do manejo, agregando valor em seu 264 A experiência da Associação Agroextrativista de Auatí-Paraná no manejo comunitário de pirarucu na Resex Auatí-Paraná, Amazonas, Brasil • Edvaldo Tavares de Lira • Enrique Araújo de Salazar • Miguel Arantes produto (considerando aqui o valor dos subprodutos). É preciso fazer com que o pirarucu manejado consiga superar o produto clandestino. Para isso, torna-se necessário um maior esforço na fiscalização. O investimento na conservação e na preservação dos ambientes de reprodução e desenvolvimento do pirarucu é necessário. Para tanto, é preciso que as comunidades sejam constantemente conscientizadas da importância da proteção de seus lagos e igarapés para sua sustentabilidade e que o órgão gestor intensifique sua presença na reserva, principalmente com atividade de fiscalização. REFERÊNCIAS ARANTES, M. Relatório Final do Manejo do Participativo do pirarucu manejado na RESEX Auatí-Paraná. 2008. 1-14 p. ARANTES, M. 2009. Relatório Final do Manejo do Participativo do pirarucu manejado na RESEX Auatí-Paraná. 2009. 1-25 p. ARANTES, M. Relatório Final do Manejo do Participativo do pirarucu manejado na RESEX Auatí-Paraná. 2010. 3-25 p. ARANTES, M. 2011. Relatório Final do Manejo do Participativo do pirarucu manejado na RESEX Auatí-Paraná. 2011. 5-43 p. ARANTES, M. Caracterização do peso e comprimento do pirarucu (Arapaima gigas) manejado na Reserva extrativista de AuatiParaná, Fonte Boa, Amazonas. 2012. 28 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Tecnólogo em Produção Pesqueira), Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Fonte Boa, 2012. DAMASCENO, J. M. B.; NETO, J. O. M; ALMEIDA, L. H.; MELO, W. O; CORRÊA, G. D.; RODRIGUES, A. E. C.; SANTOS, A. D. Plano de manejo pesqueiro da Reserva Extrativista Auatí-Paraná. Fonte Boa: 2006. 91p. Relatório preliminar. DAMASCENO, J. M. B.; NETO, J. O. M; ALMEIDA, L. H.; MELO, W. O; CORRÊA, G. D.; RODRIGUES, A. E. C.; SANTOS, A. D. Plano de manejo pesqueiro da Reserva Extrativista Auatí-Paraná. Fonte Boa: 2007. 68p. Relatório preliminar. ICMBio. Plano de Manejo da Reserva Extrativista Auatí-Paraná. Tefé, AM: ICMBio, 2012. 265 O MANEJO PARTICIPATIVO DE PIRARUCU (Arapaima gigas) NAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ E AMANÃ Ana Cláudia Torres Gonçalves1 INTRODUÇÃO Assim como em toda a região amazônica, a pesca é uma das principais atividades praticadas nas RDSs Mamirauá e Amanã, fonte de alimentação, comércio e renda para grande parte de sua população, sendo o pirarucu a espécie de maior importância econômica. Na década de 70 do século passado, em decorrência da intensa exploração, a população de pirarucus entrou em declínio levando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) a estabelecer em 1989, um tamanho mínimo de captura (150 cm) e, em 1990, o período de defeso reprodutivo (1° de dezembro a 31 de maio). Devido a grande extensão geográfica da Amazônia e à ineficiência da fiscalização, essas medidas surtiram pouco efeito prático, e em 1996, qualquer tipo de captura e venda de pirarucu foi proibida no Amazonas (Portaria IBAMA 8/96), sendo permitida apenas em áreas manejadas ou provenientes de cultivo, o que afetou inúmeras famílias que residem em áreas de várzea. 1 Em função disso, o Instituto Mamirauá iniciou pesquisas sobre aspectos da pesca, biologia e ecologia da espécie, com vistas na elaboração de uma proposta de manejo. Por haver a disposição dos pescadores em trabalhar de forma legalizada, isso possibilitou que pesquisadores do Instituto Mamirauá encaminhassem ao IBAMA – Amazonas em 1999 um projeto solicitando a autorização para a pesca do pirarucu em caráter experimental, a partir da adoção de medidas de exploração sustentável, que consistia na adequação do tamanho das malhas das malhadeiras, no estabelecimento de uma porcentagem de retirada com o devido controle e monitoramento e a identificação dos pirarucus capturados. O projeto adotava o sistema de rodízio de lagos; a comercialização em mantas; e a definição da cota em toneladas, utilizando como base de cálculo a estimativa da produção de pirarucu em várzeas da Amazônia Peruana, que é da ordem de 0,3 kg/ha/ano (BAYLEY et al., 1992). O projeto foi aprovado e, em 1999, ocorreu a primeira pesca Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá - IDSM 267 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia manejada, envolvendo 42 pescadores do Setor Jarauá/RDS Mamirauá e uma produção de pouco mais de três toneladas. A quantidade autorizada correspondia a aproximadamente 1/3 do número de pirarucus existentes na área, estando sob baixa pressão de pesca. Embora impondo uma redução drástica na produção, essa solução satisfez os pescadores, que passariam a explorar o pirarucu em sua área de uso com autorização do IBAMA, além de estarem em conformidade com as normas do Plano de Manejo da RDSM, pois esses se comprometiam a respeitar a legislação existente que regulamenta a pesca na região. Em 2000, disponibilizou-se uma nova ferramenta para o monitoramento dos estoques de pirarucu, um método de contagem com base no conhecimento dos pescadores de pirarucu, de avaliar a quantidade de peixes nos ambientes antes de iniciar a pesca. Esse método está fundamentado ainda no comportamento do pirarucu, que tem a necessidade de vir à superfície da água com certa regularidade para respirar, e é quando são detectados visualmente ou através da audição por pescadores experientes. Comparações entre as estimativas obtidas a partir de experimentos de marcação e recaptura e as contagens dos pescadores demonstraram que esses pescadores conseguem contar com grande precisão o número de pirarucus maiores do que 1 m de comprimento total existentes em lagos durante os meses de seca (CASTELLO, 2004). Esse método passou, desde então, a ser utilizado pelos pescadores e técnicos do Instituto Mamirauá para monitorar os estoques na área da RDSM e para estimar a quantidade de pirarucu a ser capturado na área do Setor Jarauá. O número de pirarucus adultos contados em 1999 serviu de base para o pedido de cota para o ano de 2000, encaminhado para o IBAMA/AM, solicitando o abate de aproximadamente 30% do número de adultos contados, o que corresponderia a aproximadamente 120 peixes ou cerca de três toneladas (assumindo-se o tamanho médio de captura de 155 cm, 40-50 kg de peso total ou 20-25 kg de carne por peixe). Os pescadores, por sua vez, propuseram que a cota fosse estabelecida em número de peixes ao invés de tonelagem, o que facilitaria a partilha da cota entre os pescadores, levando em consideração o grau de envolvimento/ comprometimento dos pescadores nos trabalhos da associação e do manejo (participação em reuniões e rondas de vigilância dos lagos, bem como, a adimplência com o pagamento da contribuição mensal, entre outros). A proposta foi aceita pelo IBAMA/AM e, desde então, as autorizações emitidas estabelecem a cota em número de peixes. A partir de então, a experiência de manejo consolidou-se, expandindo-se para outras áreas das RDSs Mamirauá e Amanã, bem como, para diversas regiões no Estado do Amazonas, em outros estados e até em outros países. Assim, este artigo pretende descrever os principais resultados alcançados, em 14 anos de experiência nessa região, enfatizando algumas estratégias adotadas pelo Instituto Mamirauá em sua assessoria aos grupos de manejo. 268 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves Figura 1 - Área das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) e Amanã (RDSA). Figura 2 - Localização dos sistemas de manejo de pirarucu nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) e Amanã (RDSA), assessorados pelo Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá. 269 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia ÁREA DE ATUAÇÃO Inserida na planície de alagação dos rios de água branca da Amazônia, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – RDSM é delimitada pelos Rios Solimões, Japurá e pelo AuatiParaná, e abrange uma área de 1.124.000 ha. A principal característica ambiental da RDS Mamirauá é a grande variação no nível das águas dos rios, que ocorre todos os anos. Os alagamentos sazonais dos rios Solimões e Japurá causam uma elevação do nível da água de dez a doze metros da estação seca para a cheia, anualmente, o que a denomina como ecossistema de várzea (IDSM, 2006). A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã – RDSA foi criada em 1998, com uma área de 2.350.000 ha. Está localizada entre a bacia do Rio Negro e a bacia do Rio Solimões na região do baixo curso do rio Japurá. A biodiversidade é fortemente determinada pela influência dos tipos de água, branca e preta, presentes na área, e é composta principalmente por ambientes de terra firme, igapó e de matas de várzea (VALSECCHI; AMARAL, 2009). A população destas duas Reservas é de aproximadamente 13.382 habitantes entre moradores localizados dentro de seus limites e moradores do entorno, reconhecidos como usuários. Essa população está distribuída em aproximadamente 264 localidades, organizadas em 23 Setores políticos2(Banco de Dados IDSM, 2011). 1 Os Setores são agrupamentos humanos organizados em comunidades, localidades e sítios que compartilham a gestão e o uso de recursos naturais de uma determinada área das Reservas. A área de Mamirauá está sobreposta em partes dos municípios de Uarini, Fonte Boa e Maraã e, a área de Amanã está sobreposta em partes dos municípios de Maraã, Coari, Codajás e Barcelos. Estas duas Unidades de Conservação têm influência ainda em mais quatro municípios do entorno: Tefé, Alvarães, Jutaí e Tonantins (MOURA, 2007). O principal centro urbano mais próximo é Tefé, com uma população de 61.453 habitantes (IBGE 2010), situada a 516 km de Manaus. O Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá assessora sete sistemas de manejo assim distribuídos, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá: Setor Jarauá, Setor Tijuaca, Complexo de Lagos JutaíCleto (Setor Aranapú) e Complexos de Lagos Preto, Tigre e Itaúba (Colônia de Pescadores Z-32 de Maraã); e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã: Setor Coraci, Complexo de Lagos Pantaleão (Setor São José e Colônias de Pescadores Z-4 de Tefé e Z-23 de Alvarães) e Complexo de Lagos Paraná Velho (Setor Amanã). RESULTADOS Ao longo de 14 anos, o manejo participativo do pirarucu assessorado pelo Instituto Mamirauá tem gerado resultados sociais, ecológicos e econômicos bem expressivos. Dentre eles: i) a regularização da pesca comercial de pirarucu, proibida no Estado do Amazonas em 1996; ii) a recuperação dos estoques de pirarucu em seus ambientes naturais, aumentando em aproximadamente 447% em média o estoque natural da espécie nas áreas 270 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves manejadas, uma vez que, a cota de pesca é estabelecida a partir do resultado das contagens; iii) o estabelecimento de uma exploração racional, prevendo-se a remoção de aproximadamente 30% dos adultos, deixando-se os 70% restantes para assegurar a reprodução da espécie; iv) a melhoria da renda dos pescadores; e v) o reconhecimento conferido aos grupos de pescadores pela prática de ações sustentáveis. A renda proveniente da pesca desta espécie, além de contribuir para a composição da renda doméstica, tem possibilitado investimentos na aquisição de apetrechos de pesca e melhoria das embarcações. Em 2012, a pesca proporcionou aos mais de mil pescadores em 27 comunidades ribeirinhas e três colônias dos municípios do entorno da reserva um faturamento bruto médio de R$ 1.586,92 com valores individuais que variaram de R$ 126,40 a R$ 6.130,00. O Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá (PMP/IDSM) é responsável-técnico por duas de onze áreas de manejo de pirarucu no Estado do Amazonas (IBAMA, 2012), atuando em parte da RDS Mamirauá e na RDS Amanã, na região próxima a Tefé. A participação destas duas áreas foi da ordem de 34% do total da produção de 910.594 kg capturados no estado, em 2011. Ao longo de 14 anos de manejo já foram produzidas mais de 2.286 toneladas de pirarucu gerando um faturamento bruto de mais de dez milhões de reais. Até 2008, a produção quase que em sua totalidade estava sendo comercializada para o mercado regional (Manaus e Manacapuru). Nos últimos dois anos, o mercado local (Tefé, Alvarães e Maraã) vem absorvendo mais de 90% da produção. Isso é resultado das inúmeras estratégias de divulgação do produto, que vão desde a realização de feiras nos municípios do entorno das áreas de manejo até eventos envolvendo a participação de comerciantes e compradores locais. Um resultado social expressivo no manejo em Mamirauá e Amanã é a participação de pescadores urbanos de Tefé, Alvarães e Maraã, municípios do entorno das reservas, em iniciativas de manejo dos recursos pesqueiros de uma Unidade de Conservação, uma vez que, até 2001 o uso dos recursos naturais das Reservas Mamirauá e Amanã estava restrito às comunidades de moradores. Essas colônias vêm tentando garantir áreas de pesca dentro das áreas protegidas para uso de seus sócios, visto que, estes pescadores sofreram uma redução significativa de suas áreas de pesca nos últimos 20 anos devido à criação de várias Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Diferentemente, da Colônia Z-32 de Maraã, as Colônias Z-4 de Tefé e Z-23 de Alvarães enfrentaram maior resistência para acessar os recursos das Reservas. Apoiado pelo Instituto Mamirauá e a Gerência Executiva do IBAMA – Tefé, os acordos consolidaramse e têm gerado resultados positivos em diversos aspectos que vão desde a recuperação dos estoques de peixe na área até amenizar conflitos de décadas entre pescadores urbanos e ribeirinhos. Além de atuar no âmbito local, a experiência tem estimulado a implementação de novas iniciativas de manejo dos recursos pesqueiros em diversas regiões da Pan-Amazônia. 271 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia Tabela 1 - Indicadores gerais do manejo de pirarucu nas RDS Mamirauá e Amanã. Indicadores 1999 2000 2001 2002 2003 2004 3,2 3,5 6,5 32,9 58,5 128,6 215 Local 87% 0% 0% 0% 0% 8% 16% Estadual 13% 100% 25% 93% 100% 90% 82% Nacional 0% 0% 75% 7% 0% 2% 2% 146.940 146.609 601.041 733.357 Produção (toneladas) Mercado Faturamento Bruto (R$) 10.801 20.262 52.042 2005 Nº Beneficiados 42 46 107 235 277 429 565 Nº Comunidades 4 4 11 18 18 18 16 Nº Colônias 0 0 0 1 1 1 Indicadores Produção (toneladas) 2006 2007 2008 2010 2011 2012 221,8 228,2 323,9 217,8 301,2 304,2 Local 11% 5% 18% 63% 32% 94% 90% Estadual 89% 95% 82% 37% 68% 6% 10% Nacional 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 834.331 851.757 1.490.270 967.257 1.510.993 1.683.721 Nº Beneficiados 642 682 718 1.013 922 959 1.061 Nº Comunidades 16 16 23 25 20 21 27 ‘ 1 1 3 3 3 3 3 Mercado Faturamento Bruto (R$) 241,3 1 2009 1.031.771 No Brasil, a experiência difundiu-se para outros municípios do estado do Amazonas como Fonte Boa, Itacoatiara, Jutaí, Juruá, Tonantins (BESSA; LIMA, 2010), e para outros estados como Pará, Rondônia, Roraima e Acre. Países como Peru, Colômbia, Bolívia e Guiana Inglesa também utilizam algumas ferramentas desenvolvidas em Mamirauá para o manejo da espécie, em partes de sua região Amazônica. A contribuição desta experiência também pode ser verificada na influência de políticas públicas locais e nacionais como a Instrução Normativa (IN) n°1, de 1° de junho de 2005, que regulamenta a pesca do pirarucu manejado; a IN n° 29 de 1° de janeiro de 2003, que regulamenta os Acordos de Pesca; e a IN n° 19 de 24 de junho de 2009, que oficializa o Acordo de Pesca do Pantaleão, na Reserva Amanã. DESAFIOS Entre os desafios atuais do manejo em Mamirauá e Amanã estão: i) a valorização do produto; ii) o fortalecimento das organizações de pescadores para que desenvolvam a autogestão e assumam integralmente a condução e o custeio das etapas do manejo; iii) o desenvolvimento de ferramentas de controle, monitoramento e avaliação da atividade, que desconstruam a concepção de que o manejo se resume a contar e pescar; e iv) a capacidade de influenciar políticas públicas, participando ativamente das discussões que visam definir de uma Instrução Normativa Estadual que regulamente o manejo, buscando fazer com que contemplem as especificidades de cada região. 272 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves Na tentativa de contribuir para a valorização do pirarucu do manejo, que em 2012, alcançou o preço médio de R$ 5,32/kg, a assessoria realiza anualmente uma Rodada de Negócios, onde pescadores, potenciais compradores de pirarucu e fornecedores de insumos, reúnem-se para estabelecer possibilidades de negociação. O evento ganha repercussão e a cada ano registrase a presença de maior quantidade de pessoas interessadas em comprar pirarucu. No entanto, o fator que interfere decisivamente na negociação é a disponibilidade de infraestrutura e logística por parte do comprador, visto que, a maioria dos grupos de manejo não dispõe de barco para o transporte da produção e a exigência, em especial dos representantes de redes de supermercado e compradores de outros estados é que a produção possa ser entregue em Manaus, onde poderia ser processada, atendendo as exigências sanitárias do Ministério da Agricultura. Neste sentido, os grupos de manejadores pleiteiam junto às agências financiadoras e à Fundação Amazonas Sustentável recurso para investir nas unidades de recepção e pré-beneficiamento (evisceração) e na aquisição de barcos transportadores que permitam transportar a produção até centros comerciais que ofereçam melhores preços pela produção. O governo do estado, por sua vez, instalou uma Unidade de Beneficiamento em Maraã, área que detém maior porcentagem da cota das áreas assessoradas pelo Instituto Mamirauá, e pretende construir outras unidades em Fonte Boa, Tefé e importantes centros de desembarque de pescado visando absorver toda a produção, promovendo maior competitividade de mercado para este produto. Objetivando fortalecer as organizações de pescadores, a assessoria realiza anualmente o Encontro de Manejadores, que oportuniza aos manejadores de pirarucu, a troca de experiências com pescadores de outras áreas de manejo, identificando problemas e propondo soluções para o seu melhor desempenho. Em, 2012, o encontro reuniu mais de 100 pescadores e ainda representantes do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM e do Centro Estadual de Unidades de Conservação – CEUC que apresentaram propostas de ações visando o combate ao comércio ilegal de pirarucu, que disputa mercado com o produto do manejo. Em relação à dificuldade das organizações em desenvolver a autogestão e assumir integralmente a condução e o custeio das etapas do manejo, o PMP/IDSM diagnosticou a fragilidade de algumas organizações em transmitir aos seus associados os princípios do manejo, etapas cujo cumprimento é fundamental para que o manejo alcance plenamente a sustentabilidade ambiental e socioeconômica. Em alguns grupos, em 10 anos de manejo, o nº de beneficiários cresceu mais de 900%. No entanto, a maioria do grupo não reconhece a importância da organização, ao qual estão vinculados, para obtenção do manejo; bem como, da participação individual para o bom andamento do grupo em algumas etapas do manejo que são avaliadas pela equipe técnica, como: organização coletiva, zoneamento e vigilância do complexo de lagos. 273 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia Outra fragilidade identificada é quanto à gestão da organização, pagamentos de tributos, gerenciamento e prestação de contas, dada a falta de conhecimento, habilidade e aptidão dos dirigentes. Então, nestes casos, traçamos uma abordagem diferente, empenhando esforços para trabalhar as fragilidades da organização, a partir da retomada destes princípios junto à diretoria, que nem sempre é a mesma que iniciou o processo de manejo. O propósito é capacitar os diretores para que estes trabalhem a sensibilização dos associados. A iniciativa, normalmente, exige da equipe um aprimoramento da metodologia do curso, que aborda as temáticas: organizar, zonear, proteger, contar, pescar, vender e avaliar, em três módulos ao longo de nove dias. Já se começa a perceber uma flexibilidade maior dos diretores na hora de negociarmos com eles algumas mudanças de postura e adequações na forma de gestão; e a compreensão de que o desempenho obtido pelo grupo nas etapas do manejo influencia decisivamente para o pedido de cota apoiado pela assessoria técnica. E mais, que a falta de planejamento e mobilização comprometem a execução do manejo e encarecem o processo. Para desconstruir a concepção errônea disseminada de que o manejo se resume a contar e pescar e desenvolver mecanismos de controle, monitoramento e avaliação do manejo, o programa, em 2011, evidenciou todas estas etapas do manejo, quando aperfeiçoou a forma de avaliar, desenvolvendo um método de avaliação participativa que considera tanto o parecer técnico quanto a opinião dos que executam o manejo, atribuindo nota aos critérios avaliados e que reunidos embasam as cotas de pesca, que não ultrapassam 30% dos pirarucus adultos contados. Nesta avaliação, a equipe técnica avalia o desempenho organizacional do grupo; a partir do cumprimento das normas e aplicação de penalidades estabelecidas pelo regimento interno, e da iniciativa do grupo em lidar com os imprevistos. Avalia-se também se o grupo implementou um sistema de vigilância que promova a colaboração dos beneficiários e se este é eficiente a ponto de garantir a proteção da área. Em relação à contagem (levantamento de estoque), avalia-se a segurança e a responsabilidade do grupo na aplicabilidade do método. Avalia-se também se houve controle da produção e se esta foi devidamente monitorada pelos manejadores. Não menos importante, é avaliar o que os dados da contagem revelam em relação à saúde dos ambientes e a possibilidade/ eficiência de captura da cota. Por fim, outros fatores como a forma como os ganhos são distribuídos e se esta é justa, considerando o envolvimento e comprometimento dos beneficiados com a execução das etapas do manejo, também são avaliados. Influenciar políticas públicas talvez seja o maior e mais complexo desafio vivenciado pela equipe técnica que assessora os sistemas de manejo, pois envolve uma variedade de instituições, com pontos de vista e diretrizes quase sempre divergentes. Desde 2011, o PMP/ 274 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves IDSM vem participando da discussão da Instrução Normativa Estadual para regulamentação do manejo sustentável de pirarucu em Unidades de Conservação de Uso Sustentável e em áreas de Acordos de Pesca, pois com o fechamento dos escritórios do IBAMA no interior do estado e a publicação da Lei Complementar nº 140 de 08 de dezembro de 2011, que altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981 e fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relacionada à proteção do meio ambiente, combatendo a poluição em qualquer de suas formas e promovendo a preservação das florestas, da fauna e da flora. O licenciamento do manejo passa a ser atribuição do estado. A primeira proposta de minuta indicou que se considerasse a contagem do mesmo ano para o estabelecimento da cota a ser capturada, isto seria interessante, se as regiões que fazem manejo no estado não apresentassem realidades tão diferentes quanto ao período de cheia e vazante e se os departamentos de análise dos processos pudessem atuar de forma ágil na emissão dos pareceres. Essa proposta ocasionaria redução do tempo hábil para a pesca, pois na região assessorada pelo Instituto Mamirauá, os ambientes só apresentam condições ideais para contagem, ou seja, isolamento dos mesmos, a partir da segunda quinzena de setembro, o que possibilitaria, na melhor das hipóteses, trinta dias para a execução da pesca, visto que, os ambientes só podem ser explorados após o recebimento das autorizações e após a realização das contagens que subsidiam as cotas do ano seguinte. Em 2012, a convite do Instituto de Pesos e Medidas do Estado do Amazonas – IPEM/AM, órgão delegado do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO o PMP/IDSM tem participado ativamente do GT de discussão que visa à elaboração de uma Instrução Normativa específica para a certificação do produto pirarucu Salgado Seco, no Programa Selo Amazônico do INMETRO. Alguns ajustes já foram realizados, visando à consolidação dos comentários recebidos durante a Consulta Pública da Instrução Normativa, divulgada por meio da Portaria Inmetro nº 364 de 16 de julho de 2012. A comissão é formada pela Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica – FUCAPI; Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA; Secretaria Executiva de Pesca e Aquicultura/Secretaria de Produção Rural do Estado do Amazonas – SEPA/SEPROR; Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Centro Estadual de Unidades de Conservação – SDS/CEUC e Ministério da Agricultura, Produção e Abastecimento – MAPA. Nossa participação garantiu que a IN contivesse exigências de procedimentos para obtenção do pirarucu, como matéria-prima do produto a ser certificado, prezando pela sustentabilidade socioambiental do manejo em meio a um processo produtivo de grande escala, que tende a exigir produção a qualquer custo. 275 Parte III - Experiências de manejo participativo de pirarucus na Pan-Amazônia CONSIDERAÇÕES Lidar com pessoas em meio aos princípios do associativismo sempre foi e continuará sendo um enorme desafio, porém uma medida necessária em se tratando de manejo de recursos naturais, que são bem de uso comum, mas que precisam ser usados de forma moderada e racional, pois são recursos renováveis até certo ponto, vulneráveis à extinção quando explorados em demasia. Ainda que a equipe técnica adote os mesmos procedimentos de trabalho para todos os sistemas, o manejo ganha contornos diferentes a partir de fatores como: a localização da área; a disposição dos ambientes; o potencial produtivo do sistema; o perfil dos pescadores envolvidos, a capacidade produtiva do grupo, o nível de comprometimento do grupo com as etapas do processo e a habilidade em negociar a produção. O bom desempenho do manejo de pirarucu em Mamirauá e Amanã se deve ao caráter participativo2 com que vem sendo conduzido, fomentando uma gestão ambiental compartilhada entre pescadores, pesquisadores, técnicos e instituições. E para que o manejo continue a atender o princípio social, é fundamental que haja controle, monitoramento e avaliação, pois é na avaliação onde é possível identificar conjuntamente as potencialidades e fragilidades do grupo, para definir estratégias para se trabalhar as fraquezas de cada sistema. A perspectiva é que os atores envolvidos no processo do manejo possam unir forças e trabalhar uma proposta conjunta de gestão socioeconômica dos empreendimentos de apoio à cadeia produtiva do pirarucu, para que a oferta de preço e as condições tornem-se mais atraentes, aumentando assim, a competição de mercado pelo pirarucu, exigindo dos compradores investimentos em infraestrutura e logística adequados ao comércio de pirarucu desta e demais regiões. Isso exige que haja participação ativa de todos nas discussões que visam definir políticas públicas que contemplem as especificidades de cada região. 2 Entende-se como manejo participativo o uso sustentável de um sistema de bens, cujo acesso exclusivo é permitido apenas a um grupo de atores sociais, e que é por este grupo protegido e gerenciado através de um sistema de zoneamento e de normas de uso, ambos definidos com base em uma aliança entre conhecimento científico e saberes tradicionais (IDSM, 2011). Tal aliança é considerada parte fundamental do manejo participativo, por subsidiar o estabelecimento de normas de uso sustentável. Exemplo disso foi o desenvolvimento de um método de levantamento populacional do pirarucu realizado através das contagens feitas pelos pescadores (CASTELLO, 2004). O método permitiu a apropriação das ações de manejo por parte dos usuários do sistema (VIANA et al., 2007). REFERÊNCIAS BAYLEY, P. B.; VÁZQUEZ, F.; GHERSI, P.; SOINI, P.; PIÑEDO, M. Environmental review of the Pacaya-Samiria National Reserve in Peru and assessment of Project (527-0341). Report to the Nature Conservancy. Washington, 1992. BESSA, J. D. O.; LIMA, A.C. 2010. Manejo de Pesca do pirarucu (Arapaima Gigas) no Estado 276 O manejo participativo de pirarucu (Arapaima gigas) nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã •Ana Cláudia Torres Gonçalves do Amazonas: Erros, Acertos e Perspectivas Futuras. Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, 1, 2010. Anais. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2010. CASTELLO L. A method to count pirarucu Arapaima gigas: fishers, assessment and management. North American Journal of Fisheries Management, v. 24, n. 2, p.379389, 2004. IBAMA. Memorando Circular Nº 01/2012/GT FAUNA/SUPES/AM. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico. Censo demográfico 2010. IDSM. Plano Diretor do IDSM: 2006-2009. Brasília: IDSM, 2006. 64 p. MOURA, E. A. F. Práticas socioambientais na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Estado do Amazonas, Brasil, 2007, 314 f. Il. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. QUEIROZ, H. L.; PERALTA, N. Reserva de Desenvolvimento Sustentável: manejo integrado dos recursos naturais e gestão participativa. In: GARAY, I.; BECKER, B. K. (Org.). Dimensões Humanas da Biodiversidade. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 447-476. 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